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149 5. BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

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5. BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

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A partir do levantamento e sistematização dos principais Bairros Ecológicos, que

foram sendo implantados pela Prefeitura de São Bernardo desde 1997, apresentados no

capítulo 4, busca-se neste capítulo aprofundar dois casos.

A pesquisa baseou-se na análise das relações e conflitos do conjunto das políticas

ambientais e urbanas propostas para a Sub-bacia Billings, na RMSP, com o intuito de

reverter o histórico da degradação e deterioração dos recursos hídricos naquela área

de proteção de mananciais. Foram sistematizados os casos considerados exemplos refe-

renciais relevantes ao estudo pretendido e analisados à luz de princípios estabelecidos

pelas políticas urbanas e ambientais. Para tanto, foram feitos levantamentos de campo

para conhecimento das áreas de estudo, análise dos cadastros municipais, material car-

tográfico e iconográfico, entrevistas com técnicos e atores que participaram do processo

de planejamento e gestão dos casos.

O principal objetivo é entender em que medida as ações de recuperação promo-

vidas nestes bairros minimizaram os impactos e os conflitos sobre o meio ambiente, e

principalmente sobre os recursos hídricos, contribuindo desta maneira para a melhoria

da qualidade da água da sub-bacia.

Os critérios de escolha destes casos – Jardim dos Pinheiros e Favela Carimha – foram

baseados em sua relevância, apontada pelo poder público, pelos agentes municipais e

pela própria comunidade e, principalmente pela comunidade externa a São Bernardo,

como veremos abaixo.

No caso do Jardim Carminha, o projeto implantado ganhou o prêmio de Melhores

Práticas, promovido pela Caixa Econômica Federal em 2002, e também foi indicado en-

tre as 100 Melhores Práticas do Mundo, concorrendo ao Prêmio Internacional de Dubai

de Melhores Práticas para Melhoria das Condições de Vida.

O Jardim dos Pinheiros, loteamento irregular, além de ser um dos primeiros bairros

ecológicos, é também o único a possuir uma estação de tratamento de esgotos no pró-

prio bairro, dentro da Sub-bacia Billings, o que dá à área um status sui generis.

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MANANCIAIS E URBANIZAÇÃO. Recuperação Ambiental na Sub-bacia Billings: Os Bairros Ecológicos em São Bernardo do Campo, São Paulo (1997 a 2007)

A pesquisa teve acesso aos processos relativos ao Jardim dos Pinheiros: os proces-

sos de nº 12.398/1993 e SB002179/2000-34, que se tratam de Ação Civil Pública contra a

Associação Comunitária Terra para Todos, os quais foram gentilmente disponibilizados

para consulta pela SHAMA1. Nos processos de Ação Civil Pública, foi possível obter os

principais dados sobre os loteamentos (origem, localização, dimensão, proprietários,

etc.) e também sobre as infrações cometidas, motivo pelo qual movida a Ação, e princi-

palmente o acordo firmado entre as partes envolvidas (Ministério Público, prefeitura e

moradores). Consta também desses processos todas as ações prestadas pela prefeitura

para a comunidade desses assentamentos, e também, as infrações cometidas pelos

moradores.

Com relação ao Jardim Carminha foram consultadas duas publicações editadas

pela Caixa Econômica Federal, contendo a descrição de todo o processo de elaboração

e implantação do Programa no Bairro. Além disso, foi concedido o acesso aos proces-

sos relativos à compensação ambiental: Processo nº SB 4.304/2002-73 (intervenção de

compensação ambiental); Processo nº SB 022.748/2001-73 (Sociedade Amigos do Jardim

Carminha/Detroit); e Processo nº SB 01.833/2002/97 (participação da comunidade em

oficina de arte).

Para complementação do trabalho foram realizados: levantamento de campo com

o acompanhamento de funcionários da SHAMA, levantamento fotográfico e entrevistas

com os principais atores envolvidos nos casos escolhidos, entre eles moradores, líderes

comunitários, técnicos da prefeitura e do órgão financiador.

A finalidade deste capítulo é observar e analisar sob a luz dos instrumentos de

planejamento (Plano Diretor de São Bernardo do Campo e Projeto de Lei Específica da

Billings, conforme matriz analítica do capítulo 3), as ações aplicadas nestes casos e se,

de alguma maneira, contribuíram para melhoria da qualidade de vida e do ambiente

destas áreas.

1 Secretaria de Habitação e Meio Ambiente do Município de São Bernardo do Campo – SHAMA

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Capítulo 5 | BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

5.1 ASPECTOS A SEREM EQUACIONADOS NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO EM ÁREAS PROTEGIDAS

Equacionar os problemas deflagrados por ocupações irregulares em áreas prote-

gidas não é uma tarefa fácil, é um trabalho complexo e muitas vezes impossível, tal

a diversidade de variáveis e agentes envolvidos. O levantamento de um conjunto de

conflitos que incidem em áreas protegidas, particularmente nas áreas de proteção dos

mananciais, discutidas anteriormente no Capítulo 1 desta dissertação, vem a contribuir

com a definição dos aspectos que devem ser equacionados, quando se trata de ações

de recuperação das áreas ocupadas nestas regiões.

Diversos especialistas vêm recentemente, se debruçando sobre o tema. As solu-

ções encontradas vem sendo bastante discutidas, porém, nem sempre, elas expressam

resultados significativos. Algumas vezes, ocorre a melhoria da qualidade urbana,

principalmente das condições de habitabilidade do local em relação à moradia e infra-

estrutura, mas os problemas que incidem sobre os recursos ambientais, particularmente

nas águas, não são solucionados, pois dependem de ações mais amplas, integradas e

mais globais. Outras vezes, ações que melhoram o habitat induzem a mais ocupações

por falta de uma efetiva política de fiscalização e controle, uma vez que tais áreas

tornam-se receptoras de população.

Para Maricato (1997, p. 42), a habitação urbana vai além dos números e das unida-

des. Ela deve estar conectada às redes de infra-estrutura (água, esgoto, energia elétrica,

drenagem pluvial, pavimentação) e ter o apoio dos serviços urbanos (transporte cole-

tivo, coleta de lixo, educação, saúde, abastecimento, etc.). Se, na zona rural, algumas

dessas necessidades podem ser resolvidas individualmente, na cidade, sua inexistência

pode inviabilizar a função da moradia ou acarretar danos sociais e ambientais, além de

exigir sacrifícios por parte dos moradores.

Os conflitos definidos no Capítulo 1 permitem identificar os aspectos determinantes

para garantir uma melhor relação habitação versus preservação ambiental e, portanto,

as categorias de análise dos casos escolhidos, vistos a seguir.

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MANANCIAIS E URBANIZAÇÃO. Recuperação Ambiental na Sub-bacia Billings: Os Bairros Ecológicos em São Bernardo do Campo, São Paulo (1997 a 2007)

2 A Área de Preservação Permanente disposta no art. 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 é regulamentada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA pela Resolução nº 303, de 20 de março de 2002. Consideran-do como Área de Preservação Permanente a área situada: Faixa marginal ao Curso d’água: trinta metros, para o curso d água com menos de dez metros de largura; cinqüenta metros, para o curso d água com dez a cinqüenta metros de largura; cem metros, para o curso d água com cin-qüenta a duzentos metros de largura; duzentos metros, para o curso d água com duzentos a seiscentos metros de largura; quinhentos metros, para o curso d água com mais de seiscentos metros de largura. Ao redor de nascente ou olho d água, ainda que intermitente, com raio mínimo de cinqüenta metros. Ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa com metragem mínima de: a) trinta metros, para os que estejam situados em áreas urbanas consolidadas; b) cem metros, para as que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d água com até vinte hectares de superfície, cuja faixa marginal será de cinqüenta metros. Em encosta ou parte desta, com declividade superior a cem por cento ou quarenta e cinco graus na linha de maior declive. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/res30302.html. Acesso em 22 Out.2008

3 O decreto nº 43.022 de 7 de abril de 1998, que regulamenta dispositivos para o Plano Emergencial de Recuperação de Mananciais em seu Art. 5º § I determina que para garantir o abastecimento da população ou quando houver risco a saúde ou a qualidade da água: “tratamento ou afastamento para áreas externas às APRM’s, dos esgotos, efluentes e resíduos sólidos domésticos e industriais lançados á montante das captações para abastecimento públi-co e que não sejam assimiláveis no trecho”.

A identificação do sítio onde está inserida a ocupação é um aspecto relevante,

pois em função das condições do meio físico, a intervenção deverá adotar posturas

diferenciadas. Por exemplo, ocupações localizadas em áreas de alta declividade ou lo-

calizadas ao longo dos cursos d’ água, sem respeitar as faixas non aedificandi previstas

na legislação de APPs2, são consideradas de risco e devem ser objeto de relocação. Já

ocupações fora das áreas mais restritivas poderão permanecer, desde que inseridas em

programas de urbanização e compensação ambiental.

Com relação à unidade habitacional, é fundamental a definição do sistema uti-

lizado para a construção (mutirão, autoconstrução, outros), a segurança estrutural

(projeto e assistência técnica), o material utilizado (madeira, alvenaria, outros), tipo de

acabamento, as condições de habitabilidade (insolação, ventilação, dimensionamen-

to,...), entre outros.

Outro aspecto a ser analisado é o da infra-estrutura de saneamento ambiental –

água, esgoto e drenagem. Este é um dos principais elementos a serem equacionados.

Os loteamentos irregulares inseridos nas áreas de mananciais, em sua maioria, não

dispõem de serviços básicos de saneamento e as habitações são de baixa qualidade

técnica. Mesmo quando equacionados, por meio do Programa Emergencial de Recupe-

ração dos Mananciais3, um dos principais problemas é a de implantação de estações de

tratamento de esgotos na bacia.

A pobreza e a falta de conscientização dos proprietários são fatores que colaboram

sobremaneira para os danos ambientais, devido, principalmente, ao destino dado aos

resíduos gerados. Na maior parte dos casos, eles são lançados diretamente no ambien-

te, sobretudo nos corpos d’água, causando danos à saúde e aos mananciais da RMSP.

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Capítulo 5 | BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

Para minorar os impactos ambientais, a preservação das condições dos manan-

ciais exige que o destino dos resíduos sólidos deva ser monitorado, para que sejam

afastados ou reciclados quando possível. Já, os efluentes líquidos devem ser coletados,

tratados se possível, ou afastados.

Outra questão relevante é a acessibilidade ao loteamento. Neste caso, o sistema vi-

ário e o transporte público devem ser definidos como parte da política de intervenção.

Deve-se ressaltar que dotar de acessibilidade uma determinada área, freqüentemente

induz a uma maior ocupação e outros usos. Nesse sentido, a relação custo benefício

deve ser objeto de estudo. Uma vez que as ocupações em área de mananciais vêm sen-

do, quase sempre, irreversíveis e pretende-se recuperar tais áreas, então, o Estado não

pode se eximir de dotar a região desta infra-estrutura.

Aliado à infra-estrutura outros aspectos são considerados fundamentais em progra-

mas de habitação, entre eles a implantação e tratamento dos espaços e equipamentos

públicos como praças, áreas verdes, áreas de lazer, posto de saúde, creches, escolas, etc.

Tais equipamentos públicos ampliam as condições de habitabilidade do local e podem

transmitir aos moradores o sentimento de pertencimento à comunidade local.

Pensando a médio e longo prazo, sem dúvida, os programas e campanhas de

educação ambiental são fundamentais na conscientização de crianças, jovens e adultos

para a importância de preservar os recursos naturais. A comunidade, sendo conscien-

tizada, pode ajudar no processo de recuperação e preservação ambiental, por meio de

organização dos moradores ou de liderança participativa capaz de discutir, reivindicar

e cooperar na melhoria da qualidade de vida da coletividade.

Os moradores de aglomerações subnormais são, em sua maioria, pobres, mui-

tos deles não conseguem emprego no mercado formal, por isso há a necessidade de

programas que possibilitem a geração de emprego e renda.

A Prefeitura de São Bernardo por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social

e Cidadania – SEDESC4 implanta programas de capacitação e outras atividades no pe-

ríodo de pós-uso, dirigidos a todas as idades, sobretudo para a inserção de jovens no

mercado de trabalho. Os cursos de capacitação básica para a formação profissional são

voltados para a área de corte/costura, moda, beleza, construção civil, decoração, dentre

outros.

4 PMSBC. Secretaria de Desenvolvimento Social – SEDESC. Disponível em: http://www.saobernardo.sp.gov.br/co-muns/pqt_container_r01.asp?srcpg=noticiassecretarias_r01&area=SEDESC

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MANANCIAIS E URBANIZAÇÃO. Recuperação Ambiental na Sub-bacia Billings: Os Bairros Ecológicos em São Bernardo do Campo, São Paulo (1997 a 2007)

Em síntese, os aspectos a serem equacionados no âmbito de programas habitacio-nais voltados para a melhoria da qualidade de vida da população e do meio ambiente são: habitação, infra-estrutura de saneamento básico, sistema viário, transporte públi-co, reservas de áreas verdes (calçadas, praças), equipamentos públicos, lixo (reciclagem), participação da comunidade (organização, liderança), geração de emprego e renda (cur-sos) e educação ambiental.

5.1.1 O caso da Favela Carminha

Nas favelas Carminha e Detroit, que aparecem lado a lado, foi desenvolvido um programa de habitação, urbanização e recuperação ambiental promovido pela Prefei-tura do Município de São Bernardo do Campo, o Projeto Carminha. O trabalho foi uma das experiências premiadas pelo Programa Caixa Melhores Práticas em Gestão Local no ciclo 2001/20025.

Para Anna Kajamulo Tibaijuka6: “Este estudo oferece subsídios para que se possam enfrentar as questões referentes a urbanização sustentável, redução de pobreza e me-lhoria das condições de vida da população pobre urbana.” (NEVES, 2003 p.4)

A Favela Carminha ou o Núcleo favelado Carminha-Detroit, na verdade, é formado por três núcleos: Carminha I, Carminha II e Jardim Detroit (FIGURA 5.1). O assentamento está localizado no Bairro dos Alvarenga, em área classificada como de primeira cate-goria, pela legislação de proteção aos mananciais da década de 1970, o que implica restrições de ocupação. (NEVES, op. cit.)

O Carminha I surgiu em 1975 com apenas três moradias que logo se multiplicaram. Nessa época, o Jardim Detroit já possuía 175 habitações. Entre 1986/87, uma comissão de moradores conseguiu a remoção total da favela das margens do córrego para uma parte mais alta. Esta população foi assentada em lotes de 5 x 15m com arruamento e abastecimento de água. (id, ibid.)

Entretanto, na década 1990, a área que estava desocupada do Carminha I/De-

troit, abaixo do córrego, voltou a ser ocupada e adensada. O córrego, um talvegue

de drenagem natural e encostas com declividade superior a 30% (considerados Áre-

as de Preservação Permanente – APP) não foram respeitados. A população ocupante

construiu suas moradias sobre palafitas, em áreas de risco sujeitas a deslizamentos e

inundações na época das chuvas. (id, ibid.)5 Disponível: http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/melhorespraticas/manual_portugues/M_CARMINHA.PDF.Acesso em: 10.Set.2008

6 Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para os assentamentos humanos

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Capítulo 5 | BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

Figura 5.1. Mapa de situação de Carminha/Detroit

Fonte: VERDE (2002, p.11)

Além disso, essas moradias apresentavam baixas condições de habitabilidade, isto

agravado pela ausência de saneamento básico, acúmulo de lixo e esgoto. O córrego

transformou-se num criadouro de insetos e ratos, expondo os moradores a diversos

tipos de doenças sanitárias, além de desprender um cheiro insuportável. (id, ibid.)

Os resíduos sólidos produzidos eram da ordem de uma tonelada ao dia e os

efluentes orgânicos de aproximadamente 650m³/dia, despejados no córrego. Assim, a

degradação ambiental se propagava para áreas circunvizinhas, a jusante do córrego até

chegar a Represa Billings. (id, ibid.)

O quadro caótico e degradante revelava a extrema miséria em que vivia aque-

la população, conforme Figuras 4.2 e 4.3. Havia uma somatória de fatores negativos:

área intensamente adensada, pobreza, inexistência de saneamento e de equipamentos

públicos (escolas, hospitais,...), que se traduziram em violência, tráfico de drogas, mar-

ginalidade e falta de condições para exercer a cidadania.

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MANANCIAIS E URBANIZAÇÃO. Recuperação Ambiental na Sub-bacia Billings: Os Bairros Ecológicos em São Bernardo do Campo, São Paulo (1997 a 2007)

Figuras 5.2 e 5.3. A favela antes da implantação do Programa Bairro Ecológico

Fonte: SHAMA

O Projeto do Bairro Ecológico Carminha

O Projeto Carminha foi concebido em 1997, tendo como objetivo melhorar o

padrão de vida destes moradores, visando aliar a ocupação humana às exigências am-

bientais e, com isso reverter o processo de degradação de mananciais.

A área de intervenção para implantação do Projeto Carminha está limitada pelos

bairros dos Casa, Demarchi, Batistini e Alvarenga. O acesso à área do projeto, que ocupa

4,74 hectares, se dá pelas estradas dos Casa, das Sequóias, Carlos Copeinski e Jerônimo

Moratti. Quando se deu início ao Programa de Urbanização, nos três núcleos moravam

mais de 600 famílias ou cerca de 2.700 pessoas, com uma densidade média de 582

habitantes por hectare, e com renda mensal inferior a três salários mínimos. (NEVES,

op.cit.)

O processo de urbanização teve início quando a Associação de Moradores das fave-

las Carminha e Jardim Detroit procuraram a Prefeitura de São Bernardo para reivindicar

melhorias para o assentamento. Segundo uma das líderes da Comissão de moradores,

Jovelina Francisca – a Jô7, a mobilização já se processava há anos, iniciada por uma

antiga moradora, a Rose. Ela conta que do início do movimento até a conclusão da

urbanização passaram-se cerca de dezesseis anos de muita luta.

A prefeitura passou à etapa seguinte, captar recursos para a urbanização da área,

e para tanto, contatou a Caixa Econômica Federal. Logo após, em princípio de 1998, foi

contratada uma organização não governamental (ONG) especializada em urbanização

de favelas para desenvolver o Projeto Básico de Urbanização, o Grupo Técnico de Apoio

– GTA. (id., ibid.)

7 A líder comunitária Jovelina Francisca, a Jô, concedeu entrevista em 05 Nov.2008.

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Capítulo 5 | BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

Em maio/junho de 1998 a Divisão de Mobilização Social realizou: o levantamento

socioeconômico e o registro fotográfico de Carminha-Detroit (tendo identificado um

total de 604 moradias a urbanizar); a apresentação dos resultados da pesquisa à popu-

lação; e a mobilização da comunidade. (id., ibid.)

Os moradores não foram os únicos a se mobilizarem, a prefeitura envolveu várias

secretarias no projeto no período de 1998/2003: a Secretaria de Obras contribuiu na

definição de diretrizes técnicas ao projeto de urbanização; a Secretaria de Educação

cedeu o terreno para a construção dos alojamentos provisórios e salas de escolas para

as reuniões e assembléias; a Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania – SEDESC

implantaria programas de capacitação e outras atividades do período de pós-uso; e, em

abril de 2000, a Secretaria de Saúde estendeu o Programa de Agentes Comunitários de

Saúde. (id., ibid.)

Em síntese, fizeram parte deste programa, a Prefeitura de São Bernardo (apoio téc-

nico e administrativo) e o Ministério Público do Estado de São Paulo (apoio legal), como

autoridades locais; a Caixa Econômica Federal (apoio financeiro); o Grupo Técnico – GTA

(ONG responsável pelo apoio técnico); o Clube de Mães Somar Para Ajudar do Carminha

I e II; e, a Sociedade Amigos do Jardim Detroit.

Em fevereiro de 1999, foi apresentado o projeto à comunidade e promovida a as-

sinatura de adesão, e em abril deste mesmo ano foram iniciadas as obras. Entretanto,

somente em novembro de 1999, o TAC foi assinado, firmando o plano de intervenções

com as ações a serem empreendidas: urbanização, infra-estrutura, construção de mo-

radias, componentes ambientais, ações de desenvolvimento social e comunitário. As

obras foram concluídas, em julho de 2001, abrangendo o empreendimento e as ativi-

dades sócio-comunitárias desenvolvidas.

De acordo com Neves (op.cit.), o projeto urbanístico visa, sobretudo, a recupe-

ração e proteção da nascente existente na área e a sua integração às áreas urbanas

lindeiras, conforme Figura 5.4 e 5.5. A população seria reassentada em lotes com cerca

de 48m² (4mx12m) em terreno de propriedade da prefeitura (FIGURAS 6 e 7), ao longo

de uma via projetada local de fundo de vale, cujo ponto final é definido em cul-de-sac próximo à nascente.

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MANANCIAIS E URBANIZAÇÃO. Recuperação Ambiental na Sub-bacia Billings: Os Bairros Ecológicos em São Bernardo do Campo, São Paulo (1997 a 2007)

Figura 5.4. Planta de Urbanização do Jardim Carminha

Fonte: SHAMA

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Capítulo 5 | BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

Figura 5.5. Setores para implantação do Projeto

Fonte: SHAMA

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MANANCIAIS E URBANIZAÇÃO. Recuperação Ambiental na Sub-bacia Billings: Os Bairros Ecológicos em São Bernardo do Campo, São Paulo (1997 a 2007)

Figura 5.6. Pavimento térreo Figura 5.7. Pavimento superior

Fonte: NEVES (2003, p.24)

Nos lotes seriam estabelecidos recuos mínimos para garantir condições de ilumi-nação e ventilação.

A partir da via projetada se desenvolve o sistema de vias e vielas, que também dá suporte aos sistemas de infra-estrutura – sistema viário veicular composto de eixo principal e vias secundárias, vias de pedestres, vielas sanitárias ou vias secundárias e faixas de servidão. Nelas foram previstos sistemas de sinalização e mobiliário urbano, facilitando o acesso a coleta de lixo, telefonia e correio. (NEVES, op. cit.)

Para as obras de infra-estrutura foram previstas obras de terraplenagem com tro-ca de solos contaminados (FIGURAS 5.8 e 5.9); implantação de redes de água, luz e esgoto nas unidades habitacionais; construção de guias, calçadas, escadarias, sarjetas e iluminação pública; a pavimentação nas ruas e vielas com asfalto drenante, de acordo com condicionantes ambientais; canalização do córrego Carminha8 com gabiões; a con-tenção de encostas frágeis e de risco (FIGURAS 5.10 e 5.11); e, finalmente, a implantação de sistemas de coleta de lixo. (id, ibid.)

8 Segundo Neves (op.cit.), a canalização do córrego Carminha teve a aprovação do DEPRN e do DAEE.

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Capítulo 5 | BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

Figura 5.8. Troca de solo para pavimentação

Fonte: SHAMA

Figuras 5.10 e 5.11. Taludamento da encosta

Fonte: SHAMA (2000)

Figura 5.12. O alicerce para o embrião

Fonte: SHAMA (2000)

Com relação às moradias, de acordo com Neves (op.cit.), estas foram planejadas

para serem realizadas em duas etapas: na primeira etapa seria construído em cada

lote, pelo sistema de mutirão, um embrião de 14m², composto de cozinha/dormitório

e unidade sanitária (FIGURAS 5.12, 5.13 e 5.14). O material para essa etapa seria doado

pela Prefeitura, que também prestaria assessoria técnica. Entretanto, as famílias seriam

provisoriamente transferidas para alojamentos enquanto as casas estivessem sendo

construídas (FIGURAS 5.15 e 5.16).

Figura 5.13. O mutirão era constituído principalmente de mão-de-obra feminina

Fonte: SHAMA (2000)

Figura 5.14. Os embriões

Fonte: SHAMA (2000)

Figura 5.9. Terraplenagem e implantação das moradias provisórias

Fonte: SHAMA

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MANANCIAIS E URBANIZAÇÃO. Recuperação Ambiental na Sub-bacia Billings: Os Bairros Ecológicos em São Bernardo do Campo, São Paulo (1997 a 2007)

Figura 5.15. O alojamento

Fonte: SHAMA (2000)

A segunda etapa se efetivaria após a construção do embrião e com a família já re-

sidindo no local. Assim, de acordo com suas posses, estas pessoas poderiam completar

a construção das suas casas dispondo da assessoria técnica da prefeitura. (id, ibid.)

Para disciplinar a ocupação dos lotes foi concedido ao morador, um Termo de

Cessão, instrumento de caráter precário, enquanto não ocorresse a regularização urba-

nística e fundiária do loteamento resultante das obras de urbanização. (id, ibid.)

As obras para mitigação aos danos ambientais compõem-se de uma Estação de

Elevatória de Esgotos – EEE, com tratamento primário de esgoto e com linha de recal-

que para a retirada dos esgotos do sistema Billings; implantação pela comunidade de

calçadas gramadas; arborização com mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, doa-

das pela prefeitura; implantação de asfalto drenante, o chamado “asfalto ecológico”; o

reflorestamento de área a ser definida, destinada a parque ecológico, como compensa-

ção ambiental pela ocupação da área; ações de conscientização e educação ambiental

das famílias; oficinas de arte e reciclagem de resíduos. (id, ibid.)

As atividades de desenvolvimento social e comunitário iniciaram-se com o cadas-

tramento socioeconômico; seguido de acompanhamento social para remanejamento e

relocações. Durante a construção das unidades habitacionais, a equipe de assistência

social também ficou encarregada de orientar as equipes para os mutirões, quanto aos

turnos de trabalho a serem cumpridos. Finalizada as obras, deverá haver acompanha-

mento no pós-uso, nas atividades de capacitação (Programa Renda Mínima, Geração de

Renda e Juventude Cidadã) e, Programas de Apoio à Saúde (Agentes Comunitários de

Saúde). (id.,ibid.)

A opção da população moradora de permanecer no local faz parte da política

habitacional do município, tendo como princípio manter as famílias nos locais mais

próximos possíveis da área de origem, para que não percam os vínculos de vizinhança.

(PMSP, 2008)

Figura 5.16. Moradias provisórias

Fonte: SHAMA (2000)

Page 17: 5. - tede.mackenzie.brtede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/2641/7/Valdete Kanagusko... · o acompanhamento de funcionários da SHAMA, levantamento fotográfico e entrevistas . com

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Capítulo 5 | BAIRROS ECOLÓGICOS: OS CASOS DO LOTEAMENTO IRREGULAR JARDIM DOS PINHEIROS E DA FAVELA CARMINHA

Segundo o Eng. Carlos Alberto Scatena9, da SHAMA, responsável pela obra e asses-

soria à população, a implantação ocorreu em partes. As famílias iam sendo removidas

para os alojamentos, enquanto se faziam as obras. Quando estas estavam prontas, par-

tia-se para outra quadra e assim sucessivamente.

O Eng. Scatena conta que o trabalho com os moradores foi excepcional. Sob sua

supervisão, os moradores construíram suas próprias casas pelo sistema de mutirão10.

Entretanto, o diferencial na construção das casas era que a mão-de-obra era composta

em grande parte por mulheres, uma vez que os homens trabalhavam fora. As mulheres,

munidas de pás e trados, iam perfurando o solo para executar os alicerces, preparavam

o concreto, a massa para assentar os blocos, etc.

Carlos Alberto Gonçalves11, o Carlão, como é conhecido o funcionário da SHAMA,

participou desde o início das negociações e até hoje mantém contato com a comunida-

de. Ele é considerado o elo entre moradores e a prefeitura, uma pessoa estimada pelos

moradores e que participa ativamente em ações pró-comunidade (horta comunitária,

quermesse,etc.).

Em visita de campo, pode-se observar que o bairro é muito adensado. O aspecto

à primeira vista não é dos mais agradáveis, e não se tem a sensação de segurança. Há

crianças brincando no meio da rua, porém, enquanto andávamos pelas ruas percebía-

mos a curiosidade dos moradores sobre o objetivo da nossa visita.

9 O Engenheiro Carlos Alberto Scatena concedeu entrevista em 07 Nov.2008.

10 O sistema de mutirão era organizado pelas assistentes sociais da SHAMA, tendo que ser respeitado um turno de 8 horas.

11 Carlão, funcionário da SHAMA, está desde o início da implantação do Projeto no Jardim Carminha, conhece bem a área e os moradores e acompanhou na visita de campo, feita em 11 Nov.2008.

Figuras 5.17 e 5.18. As ruas são estreitas e algumas casas já não têm mais a grama na calçada

Fonte: ITIKAWA 7 Nov.2008