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 Matrizes Culturais da Arte no Brasil

Proessores auores: Dra. Cecília Noriko Io Saio, Célia Mari Gondo eEduardo Araújo de Ávila

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Matrizes Culturais da arte No Brasil

 APRESENTAÇÃO

Saudações!Daremos início às discussões sobre eséicas visuais e marizes cul-

urais de Áica e Ásia , nos conexos mundial e nacional. Anecipada-mene, é impore enaizar que ese exo compreende os coneúdosdas seguines unidades curriculares:  Eséicas Ao-asiáias e  MarizesCulurais da Are no Brasil , sendo que esa úlima dá nome à disciplina

em quesão. Desse modo, iremos discuir aspecos eséicos, arísicose culurais sobre a produção realizada por arisas aricanos, asiáicos epor brasileiros com ascendência aricana e asiáica.

Desejamos que, durane o percurso desa disciplina — eia ao nave-gar por sies de museus e galerias e na leiura dos exos proposos —,possamos observar, reeir e conexualizar nossos saberes, assim comoanalisar as visualidades orienais sob uma nova ópica.

No conexo brasileiro, consideramos imporane ressalar que aperspeciva ocidenal, predominanemene europeia, ainda conduz osesudos sobre are. Enreano, devemos nos lembrar que o Brasil é um

país miscigenado, pois acolhe diversos povos que carregam consigo ra-ços de suas culuras e regiões de origem. Os desdobramenos dessesenconros de povos em um grande erriório como o Brasil permiemampliar, não só olhares, mas ambém as possibilidades criaivas noâmbio arísico.

Esperamos que as reexões iniciadas aqui auxiliem na consrução deum olhar críico sobre o ema.

Desejamos bons esudos e boas reexões!

dados da disCiPliNa

eMeNta Aponamenos sobre os esudos orienais (aro-asiáicos), na perspeci- va da produção visual conemporânea; Panorama das visualidades pro-duzidas por arisas aricanos e asiáicos, no conexo de suas manies-ações socioculurais; Marizes culurais de Árica e Ásia na produçãoarísica brasileira.

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oBJetiVos•  Analisar a produção arísica aricana e asiáica, discuindo as relações

enre radição e pós-modernidade;• Conhecer elemenos da produção desenvolvida por arisas dos con-

inenes aricano e asiáico, mesmo ora de seus países de origem;• Discuir paricularidades da produção arísica brasileira, a parir de

aspecos das marizes culurais aricanas e asiáicas.

uNidade 1: soBre tradiÇÕes e traduÇÕes estÉtiCas1.1. PassageNs e retorNos: da tradiÇão à traduÇão1.2. o CoNtexto estÉtiCo No orieNteuNidade 2: soBre territorialidades e FroNteiras2.1. trâNsitos da ProduÇão artístiCa orieNte-oCideNte2.2. PoÉtiCas Visuais aFro-asiátiCas: territorialidades e FroNteiras

uNidade 3: soBre ideNtidades de outros Brasis3.1. a arte Brasileira e suas Matrizes Culturais3.2. HistoriCidades e Visualidades que CarregaMos

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1. encmnh p n.

2. dmn bc mç on, pç .

UNIDADE 1

Sobre Tradições e Traduções Estéticas

1.1. PassageNs e retorNos: da tradiÇão à traduÇão

 Anes de iniciarmos a discussão sobre marizes culurais , se az neces-sária uma conexualização sobre a produção visual de algumas das cul-uras com as quais o Brasil maném conao há mais de cinco séculos.

Comecemos nosso diálogo, parindo de quesionamenos que nor-

earão¹ ou, em ermos não hegemônicos, orienarão² nossas primeirasreexões sobre esa Unidade: na conemporaneidade, como a radição no Oriene vem se manendo com as ores inuências provocadas peloOcidene? E como essa radição se incumbe ainda de perpeuar os va-lores e as caracerísicas ancesrais para as auais gerações?

 Ao se examinarem esudos hisóricos sobre as relações enre Orienee Ocidene, verica-se que a radição arísica ocidenal, na Europa par-icularmene, esabeleceu relações com a are produzida ano na Ásiacomo na Árica, mas evidenemene, proporcionou um erreno espe-cicamene noreado, ao invés de oerecer uma base igualiária para o

inercâmbio acadêmico.Na perspeciva da globalização, exisem dois conraponos que ex-plicam as diculdades de maner-se a linearidade da radição orienalnos empos auais: de um lado, exisem as possibilidades de inerco-nexão enre as diversas regiões do planea, e de ouro, as consequên-cias da homogeneização culural, com radições locais suprimidas ousubmeidas à culura hegemônica. Podemos perceber essa homogenei-zação culural nas mudanças de esruura social e de sisemas de valo-res provocados pela aceleração da economia em alguns países arica-nos e asiáicos, como a Árica do Sul, a Índia, a China e os Emirados Árabes, por exemplo.

Levando-se em consideração esses aspecos, os arisas des-ses e de ouros países passaram a dedicar aenção especial às ques-ões sociais, revelando ouras aceas de Árica e Ásia. Desse modo,a are conemporânea nos dois coninenes em sido analisada aparir de quesões e emas chave, como a relação da are com a his-ória e a radição, a are e seu envolvimeno com a políica, a so-ciedade e com o ambiene urbano, e a exploração do consumismoe da culura popular.

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Moacir dos Anjos, em  Local/global: are em rânsio (2005) nosrevela que as rocas culurais resulanes do conao proporcionadopela globalização são assiméricas, iso é, há um desequilíbrio des-sas rocas culurais em decorrência do conrole das redes de comu-nicação. Essa assimeria é maior no senido do “cenro” para a “pe-

rieria”, pois quano maior o conrole exercido sobre a legiimaçãodo que é produzido em are, mais o cenro se consiui no papel deormular os “senidos globais” para essa produção. Em visa disso,compee às regiões periéricas se posicionarem rene à resisência dodomínio hegemônico.

Denro desse campo de ação,desde a década de 1990, a are pro-duzida na Árica e na Ásia ou porarisas procedenes desses con-inenes em sido universalmene

reconhecida e apreciada por co-lecionadores, críicos e curado-res, principalmene na Europa enos Esados Unidos da América.Nesses coninenes, sobreudono Oriene Médio e no ExremoOriene, as práicas e linguagens arísicas que remonam às anigasradições — como a caligraa, a pinura e a esculura — esão hojeem consane diálogo com os emas comuns à nossa época, assimcomo ouros processos e linguagens com a oograa, a perormance,a insalação, a vídeoare e a webare. Essa é a marca dos mais jovensarisas aricanos e asiáicos: aliar as ideias do passado às ecnologiasmodernas e seguir as endências deerminadas pelos cenros hege-mônicos, sem descarar o poencial criaivo das anigas radições. A seguir, veremos alguns exemplos nesse senido.

ecenemene, jovens designers do Oriene Médio iniciaram ummovimeno de modernização das caligraas árabe e  persa³. Emboraenvolvidos por ideologias ocidenais, designers grácos como o liba-nês Pascal Zoghbi, o sírio Mouneer El Shaarani e o iraniano MehdiSaeedi uilizam reerências de suas culurais locais como base para asnovas composições, e ulrapassam os limies convencionais da produ-

ção caligráca propondo ouras práicas como o grae, a ipograa ea produção de carazes (Figuras 01 a 03).

Hisoricamene, os chineses consideram a sociedade como umgrande clã que em a unidade amiliar como base. Na Série Genealogia (Figura 04), Zhang Xiaogang (1958–) quesiona o posicionamenodo indivíduo numa culura que privilegia as necessidades da socieda-de. Zhang criou esa série inspirado pelos reraos amiliares de esú-dio irados durane o período de ransormações políicas e sociais da

3. o p é m mpmnf n i, m cm n

afn, tj, P,ub , m mn c,

n amên, tcmn, ab- j n Bn.

Figura 1 – Pascal Zoghbi. Grate, 2008.

Figura 2 – Mn e shn.Caligraa, s/d.

Figura 3 – Mn e shn.Caligraa, s/d.

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China, conhecido como evolução Culural (1966–1976). Essas oo-graas se caracerizavam por uma uniormidade exrema. Zhang am- bém cria seus reraos amiliares com base nos anigos reraos pinadosque eram planejados para regisrar o indivíduo ou unidade amiliar paraa poseridade. Nesses reraos (Figura 05), os indivíduos são mosrados

imóveis, em posições siméricas e ronais. Ao basear seus reraos nes-ses reerenciais visuais, Zhang evoca os emas da radição culural, daidenidade e da coninuidade.

 A arisa sul-coreana Kimsooja (1957–) rabalha com várias lingua-gens, como vídeo, insalações, perormances, e oograa. Seu rabalhose concenra no nomadismo, no papel das mulheres na sociedade co-reana e na relação do indivíduo com a sociedade e consigo mesmo. Elacia o crisianismo, o budismo zen , o conucionismo, o xamanismo, ea losoa ao na enaiva de desacar as semelhanças e as dierenças

enre as várias culuras e suas crenças espiriuais. Na perormance Ci-dades em movimeno – 2.727 km Caminhão Botari (Figura 06), Kim-sooja senou-se num mone de botari (“rouxas”, em coreano) colori-dos amarrados na carroceria de um caminhão. Os botari são usadospelo povo coreano para levar coisas em viagens, mas em coreano aexpressão “amarrar um botari” signica que uma mulher deve empa-coar seus perences por er sido expulsa de casa. Silenciosa, imóvele soliária, Kimsooja percorreu 2.727 km pela Coreia do Sul duran-e onze dias em novembro de 1997. Nesse rabalho a arisa ambém

Figura 4 – Zhang Xiaogang. Genealogia, 1997. Óleo sobre tela. 1,48 × 1,88 cm.acv pc

Figura 5 – r imp qnn. r vc,n b . Fn séc xVii.

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reviveu o esilo de vida nô-made de sua inância e ence-nou a exisência iinerane doarisa que viaja pelo mun-do revivendo lembranças e

colhendo novas experiências.Na produção arísica japo-

nesa, o rabalho de Ikenaga Ya-sunari (1965–) resgaa o esiloclássico das pinuras japonesaspor meio de emáicas con-emporâneas. Os princípiosda eséica arísica japonesa,como o miyabi (elegância re-nada) e wabi-sabi (ranqui-

lidade e simplicidade), esão presenes em suas obras. Mesmouilizando as écnicas radicionais da pinura japonesa, Yasuna-ri compõe reraos de mulheres auais, acrescenando oquessuis de sensualidade (Figura 07).

 Ainda no circuio insaurado por pela discussão sobre rocasculurais, a linguísica conribui com a ideia de radução , onde ossenidos de uma “culura original” são apreendidos para depoisserem recriados num ouro conexo (ANJOS, 2005, pp. 20-22).Como não há uma relação homogênea enre os sisemas culurais,o conrono enre esses sisemas sempre resulará num aspeco in-raduzível, ou seja, não negociável. Nesse aspeco, a ambiguidadedas relações ransculurais reorça os ganhos e as perdas simbóli-cas desse processo de negociação, enre elas, a perda de signica-do do que se procura ransmiir, resulando, assim, em algo novo.

Como exemplos disso, as ones de experiências visuais hoje,no Japão, são: a elevisão e o compuador; e o novo desenvolvi-meno guraivo da pinura surge do mundo das novas mídias,do mangá e do animê. Nesse senido, o coidiano orna-se códi-go que expressa ano a condição social como a orienação visual(BEHM, 2002, p.8).

Nesse conexo, após a derroa do Japão, na Segunda Guer-

ra Mundial, inicia-se a reomada do crescimeno econômico e aaceleração no desenvolvimeno da indúsria culural. O Ocidenepassa a conviver com novas linguagens e diversidades de gênerosno cinema, nas revisas em quadrinhos, nos mangás (MOLINÉ,2004; LUYTEN, 2000), nos jogos de videogame e, mais arde,no compuador. Surgem os lmes de monsros e criauras gigan-es, bizarras, que ransporam raduções do Japão ao Ocidene,conaminando, de maneira irreversivelmene veloz, aravés dos jo-gos de imagens, à medida que crescem os meios de comunicação

Figura 6 – Kmj. C m mvmn-

– 2.727km Cmnh B, 1997.Fotograa da performance.

Figura 7 – ikn Yn. am KMakiko, 2011. 80 × 40 cm. Pigmentomn, c n, fm pó

b nh.

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de massa, a exemplo dos lmes Godzilla (1954); Robô Gigane (1967),Ulra-Man (1960) e muios ouros. (Figuras 08 a 10)

 Alguns arisas japoneses conemporâneos perencenes a uma ge-ração cuja inância e adolescência oram marcadas pelo consumismoe pela inuência da mídia perencem ambém ao mundo chamado

 J-Pop ou New-Pop.O J-Pop ornou-se um exemplo do enômeno midiáico, cujo oco

é invenar novas imagens que enham unção de “imagem-mídia”,ransormando a eséica do coidiano em are. É um movimeno deare que se desenvolveu no Japão, por vola dos anos 1990, reorienan-do não somene a are japonesa, mas ambém a sua recepção no Oci-dene. “O rivial é adapado e modicado e como ciação da are radi-cional serve como maerial de avaliação pelo qual gerou um processode amosra individual, imagens que esão conemporaneamene em suaaricialidade” (op.ci).

Takashi Murakami (1962–) em sua esraégia arísica cria oSuperfa (Superplano), inserindo uma eoria que lembra as análises dasesruuras complexas, as ligações enre are e sociedade, a radição e o

presene. Inuenciado pelas guras do mangá de sua própria inânciacom suas obras “Mr. DOB” (Figura 11), “Flowers” e mais recenemene“Kaikai” e “Kiki” desenvolve um idioma picórico próprio em pinuras,esculuras e balões, cujas dimensões esão consanemene aumenan-do. São guras achaadas, lisas e lixadas para omar um aspeco de per-eição indusrial. Murakami é o idealizador do Hiropon Facory (agorachamado Kaikai Kiki Co. Ld.), um novo ipo de produção de are emworkshop. Como um arisa curador de exibições, ele ambém oereceaos colaboradores uma orma de rabalhar suas próprias criações.

Figura 10 – Ultraman, 1960.Figura 9 – rbô gn, 1967.Figura 8 – Godzilla, 1954.

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Figura 11 – Takashi Murakami, “And then, and then, and then”. 2006.19,6 × 19,8 cm, Litograa. AW Massey Fine Art.

Teoria do super plano

Conhecendo bem o achatamento da pintura nihonga e com um inte-

resse especial por obras da subcultura como Expresso Galático 999,

de 1979, produzido pelo desenhista Yoshinori Kanada (1952–2009), Mu-

rakami arma que a arte japonesa se caracteriza por seu nivelamento.Essa observaão estética fez com que ele visse a cultura contemporânea

 japonesa como algo “superplano” (superat), numa mistura de inuências

culturais tradicionais do Japão e do Ocidente, com a obsessão moder-na otaku por mangá, animê e videogames. Ele usa aspectos da estética

 japonesa do J-Pop como ferramenta crítica quanto aos valores artísti-cos ocidentais e para criar uma arte que diverte e ao mesmo tempoincomoda. Sua “teoria do superplano” legitima o uso da cultura pop ja-

ponesa para produzir obras que interessam aos consumidores da “altacultura” do Ocidente, e que preenche com sucesso a lacuna entre otradicional e o contemporâneo.

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Em maio de 2009, Paul Gravet, direor da Comica (London’s Iner-naional Comics Fesival), proeriu uma palesra na oyal Academy o  Ars de Londres, por ocasião da exposição de Uagawa Kuniyoshi (1797–1861), iniulada “Mangaísmo, o novo Japonismo?” Tal quesionamenoraz de vola um passado de similaridades enre a obra de Kuniyoshi e omangá conemporâneo, por exemplo, quando os raços das aixas e coresprocuram expressar a velocidade da espada ou a explosão

no escudo. (Figura 13)Nesse cenário, o mangá em-se expandido inernacionalmene reor-

çando seus moivos e écnicas que dialogam com as raízes do ukiyo-e , aeando o novo movimeno gráco no próprio Japão. Paul Gravet(2004) observou que, em várias gravuras de Uagawa Kuniyoshi, háuma “anropomorzação” das criauras (Figura 14), paricularmeneos gaos que acenam, usam lenços amarrados ao pescoço e esabelecemrelações de similaridade com o gao robô,  Doraemon (Figura 15), deFujiko Fujio.

Acesse, para saber mais sobre, os seguintes sites de referência:Tkh Mkm: <www.kaikaikiki.co.jp/c-murakami>Yhtm n: <www.stephenfriedman.com/index.php?pid=11&aid=15>

G Kk Kk: <http://english.kaikaikiki.co.jp/>

saiBa Mais

Ouro arisa de grande represenaividade no aual cenário arísico japonês, Yoshiomo Nara (1959–), ornou-se o ídolo de uma geração,abordando quesões poeicamene subjeivas, que em a ver com o seuesado pessoal ou sua condição social. As guras são pinadas ou escul-pidas em bra de vidro, e suas personagens desperam emoções pela es-pereza, embora camuando as requenes agressividades. (Figura 12)

Figura 12 – Yoshitomo Nara. “The Little Pilgrims (Night Walking)”, 1999. Fibra de vidro, acrílico e algodão;dimensões variáveis. Blum & Poe Gallery, Los Angeles.

Figura 13 – Utagawa Kuniyoshi.“Hnj shn fnn- explosão”, s/d.

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Exisem inúmeras evidências grácas de similaridades enre a xilo-gravura japonesa e o mangá em seus padrões e exuras, causando eei-os onais variados, mas, conorme lembrou Gravet (2004), o maisimporane é observar que exisem algumas caracerísicas marcanes,ambas são mídias baraas, produos de massa, de visualidade de en-reenimeno, que iluminam os caraceres e hisórias e diverem com

giganesca popularidade. Conorme se leva em cona a onda inerna-cional de aclamação e imiação do mangá ora do Japão, poderíamosreeir acerca da sugesão de Paul Gravet quando classica o novo e-nômeno como “Mangaísmo” desacando a eséica do coidiano ara- vés do mangá. Essas evidências aponam para a presença do anigo nonovo, borrando roneiras e dialogando incessanemene ano com omundo uuane (ukiyo-e) como com o mundo do mangá japonês emconsane repercussão mundial.

Em suma, para que a radição coninue com sua razão de ser e exisir,devemos raduzir e repensar coleivamene essa radição. Nesse conex-o de ressignicações, em decorrência da assimeria no uxo de inor-mações e no poder de “auolegiimação”, os grupos devem maner um“auoquesionameno” consane do que enendem por comunidade,para que consigam maner sua inegridade.

Figura 15 – Doraemon (divulgação). TV Asahi, 2005.Figura 14 – Utagawa Kuniyoshi. “Provérbios p ”.

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1.2. o CoNtexto estÉtiCo No orieNte

Nese ópico, propomos a você observar os elemenos que com-põem esses sisemas de are que, geralmene, são desconhecidos para

nós. Durane o percurso, analisaremos as visualidades do imenso coni-nene aricano e perceberemos que deerminados povos que compõema Árica possuem uma produção muio paricular. Iremos aé o OrieneMédio e examinaremos caracerísicas das eséicas visuais islâmicas,como sendo algo disino dos undamenalismos, aos quais são re-quenemene associados aos muçulmanos. Vejamos ambém a Índiacomo um país cujo parimônio eséico e arísico inuenciou boa par-e do erriório asiáico. E, num exercício de sensibilidade e percepção, veremos não somene raços de semelhança, mas ambém as dierençasenre as eséicas chinesa, coreana e japonesa, acilmene conundidas

pelos olhares convencionados de nossa sociedade.Em 1978, o esudioso palesino-americano Edward Said publicouOrienalismo , livro inuene e conroverso, cujo ermo uiliza para des-crever a radição ocidenal — ano acadêmica quano arísica — esuas inerpreações preconceiuosas ora do Oriene. Segundo Said, oermo oi moldado a parir das aiudes imperialisas dos europeus en-re os séculos XVIII e XIX. Nesse mesmo período, vários arisas oramdescrios como “orienalisas”, bem como esudiosos em anropologia,sociologia e hisória.

 Veremos, porano, que “o Oriene4 não é apenas adjacene àEuropa; é ambém o lugar das maiores, mais ricas e mais anigas colô-nias europeias, a one de suas civilizações e línguas, seu rival culurale uma de suas imagens mais proundas e mais recorrenes do Ouro”(SAID, 1995, pp.27-28).

Nesa nossa viagem pela eséica e culura maerial de pare dospovos que vivem na Árica e na Ásia, comecemos pela “are aricana”,pois embora esse ermo pareça muio reduor, para a imensa produçãoarísica do coninene aricano, é assim que, predominanemene, elaé roulada. É realmene cruel amalgamar odas as ares de inúmeros

otk: é um termo japonês usado para se referir a pessoas com inte-

resses obsessivos. O otaku geralmente é um entusiasta de algum temaem particular, hobby , ou qualquer outra forma de entretenimento.

uky-: literalmente “retratos do mundo utuante”, é um gênero dexilogravuras e pinturas japonesas produzidas entre os XVII e os séculosXX, referindo-se a uma concepão de um mundo evanescente, belo,fugaz e impermanente.

glossário

4. o n on ncontexto inclui também países docnnn fcn cm p . Pn, m- nç on nc p m c mmn- mbóc.

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povos de uma imensidão geográca, que ourora haviam sido raadasde “are primiiva”, mas aqui a expressão “are aricana” é uilizada, emmuias pares, pela simples razão de, nesse momeno, alar-nos umaexpressão que possa dar cona dessa pluralidade arísica, que é singulare que oi “raduzida”, ou seja, recriada sob uma visão unicamene oci-

denal, durane muios anos. No enano, acompanhamos a deniçãodo proessor e pesquisador da UnB, Nelson Inocêncio: “por eséicasnegras enendemos odas as expressões corporais, rímicas, visuais, vocais, escrias e demais que nos seduzam pelos senidos, omandocomo reerência ais cânones”. Pois assim como exisem os cânones es-éicos europeus, exisem os cânones aricanos e suas ressonâncias nas Américas. (INOCÊNCIO, 2008, p. 11)

ecenes pesquisas, como as de Iracy Carise e Mara Heloísa Sa-lum, sobre as visualidades no coninene aricano revelam que a are,nesse coninene, é percebida como orma de ransmissão dos valores

enre gerações. As práicas arísicas no coninene, de maneira geral,esão associadas ao coidiano das pessoas. A apreciação eséica é as-sim pare do dia-a-dia, não apenas com uma eséica planejada para umúnico m, mas ela se inerliga a odos os momenos em meio às socie-dades locais. Por isso, analisar as ares das sociedades aricanas sob omesmo prisma que analisamos as ares ocidenais pode gerar, não sóum equívoco de inerpreação, mas, sobreudo, um ao de desconside-ração à orma de sensação-cognição eséica de cenenas de dierenespovos. Desse modo, Inocêncio considera, que “ranscender sobre ese-reóipos ornou-se uma area emergencial no empenho de começar-mos a desconsruir as imagens que sempre zeram das culuras negrasum miso de elemenos risíveis, exóicos, groescos ou medonhos.”(INOCÊNCIO, 2008, p. 8)

Iracy Carise, autora do livro a at ng Ct B,

arma que a arte africana foi fonte inesgotável de tendências, ideias, su -

gestões e temas para inúmeros movimentos culturais e artísticos, poisas grandes novidades da Arte Moderna eram tradiões seculares na ve-

lha África. As obras de Pablo Picasso, inspiradas claramente na estética

da “arte africana”, são apenas uma amostra da fora que a arte desseimenso continente teve nesse período e nos pós-impressionistas. A arteafricana não é cópia, reproduão da natureza; nela, o artista exprime suasideias, imaginário simbólico. Nesse sentido, a Arte Moderna, de maneirageral, acompanhou tendências da estética visual africana. Para compre-

endermos a “arte africana”, faz-se necessário conhecer melhor e valori-zar essa apreensão formalística, que, por várias décadas, foi consideradaprimitiva e rudimentar.

Para reFletir

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Denre as obras que podem, de alguma orma, ornecer-nos elemen-os básicos para análise da are de vários povos aricanos, podemos ciaras máscaras e a ecelagem. Vejamos algumas inormações a seguir:

Na Árica, a máscara possui diversos senidos e aribuições e, porisso, ormam um conjuno signicaivo, denro de uma innidade de

povos, sob as mais diversas écnicas. A máscara gueledê (Figura 16), porexemplo, do grupo énico Yoruba, Nigéria, simboliza o coidiano. Sãopequenas, se parecem com abuleiros e são carregadas sobre o buso.Ouro exemplo são as máscaras muana-pwo (Figura 17), de Angola, ei-as, geralmene, de madeira de ons avermelhados.

 A máscara, nas pequenas ribos da cosa aricana, numa concepçãode eséica local, esá ligada à encenação e aos evenos riualísicos, poisgeralmene essas expressões de are (plásica e cênica) no coninenearicano são praicadas conjunamene. Em se raando da máscara, essaserve como a maerialidade do imaerial, das orças que ornam possí-

 veis os riuais de cada sociedade. Por isso, sua plasicidade e concepçãosão erroneamene inerpreadas em relação ao seu conexo de origem,sem a devida conexualização, e são anuladas, quando reiradas da so-ciedade em que oram produzidas, e analisadas em museus de quais-quer lugares do mundo. As máscaras são as peças mais conhecidas dasares plásicas aricanas, jusamene por erem inuenciado o Ocidenee o surgimeno, mesmo que oblíquo, do Modernismo.

 A ecelagem ambém é um gênero ou recurso de observação eséicadesenvolvida em várias regiões do coninene aricano e que oi muioapreciado durane os vários séculos em que o coninene aricano oiassolado pelo escravismo. Os “panos da cosa” eram mercadorias quecirculavam aravés dos navios negreiros por oda a Europa e América, valorizados por seus padrões visuais exravaganes. O senido que essesecidos adquiriram, com disinos padrões de urdira, inham nalidadesespecícas, além de adornarem os corpos, represenavam nascimenos,riuais únebres, marimônios, ec. (Figuras 18 e 19)

Figura 16 – Mc gê.Pv Yb. séc xix. Né.

M Bnc.

Figura 17 – Mc Mn-pwo. Povo Chokwe. 1990. Angola.Coleção Tim Hamill Gallery of afcn a.

Figura 18 – Tecido estampado feito por mulheres un. F: anw B.

Figura 19 – Mh M, qên.F: Cn gb.

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Para muitos povos africanos, os penteados sempre foram maneiras demanifestar beleza e identidade, isso porque indicavam sua procedênciaétnica (Figura 20). Cada penteado tem uma denominaão, uma maneiraespecial de ser elaborado, com a utilizaão de diferentes arranjos, mate-

riais e enfeites. Muitos desses penteados representam verdadeiras escul-

turas sobre a cabea. As variaões que compõem a estética dos pentea-dos afros no Brasil, sempre foram encaradas como forma de resistênciaà dominaão cultural europeia. Os penteados e adornos associados aoscabelos dos afro-descendentes (lembrando que não cabe criticar valorou qualidade para o cabelo) tornaram-se símbolo da identidade negrade resistência, o elo com seus ancestrais e o vigor cultural e estéticoda África. Essa libertaão dos cabelos dos afro-descendentes acontece,sobretudo, a partir da década de 1970 com a emergente descoloniza-

ão dos países do continente africano, o fortalecimento do movimentonegro nos Estados Unidos e Brasil. Rastafari, dreadlocks, tranas de raiz

(Figuras 21 a 23), nagô, black power são penteados que reforam o sensode “negritude”, mas é importante deixar claro que o penteado não de-

ne o negro, é o negro quem dene o penteado.

Ft: Revista Gazeta de Cuba – Unión de escritores y Artista de Cuba,fev. 2005. Traduão do espanhol: Lia Maria dos Santos.

Para reFletir

Um dos maiores acervos em esamparia enconra-se na cosa lesedo coninene aricano, onde, durane milhares de anos, processos deprodução em esampas nasceram ou oram assimilados de ouros po- vos. Por sua grandiosidade coninenal, a Árica nos oerece uma diver-sidade em variações cromáicas e ormalisas. No nore da Árica, árabe

desde o século VII, a radição de esampas esá relacionada à apeçaria(sobre esse ema versaremos mais no esudo da eséica islâmica).

Figura 20 – Penteado de mu-lher da etnia Himba, Namíbia.

Daremos prosseguimeno à nossa jornada e, a parir de enão, vamosinvesigar os principais elemenos que represenam a eséica visual nospaíses islâmicos. Podemos observar que a culura islâmica correspondea uma vasa área que vai desde a Ásia, passando pelo sul da Europa eindo aé o nore do coninene aricano, endo inuência em diversasouras regiões do mundo.

“Oriene Médio” é um ermo que possui ampliude quando se re-ere aos países com semelhanças como clima, religião, ec. SegundoKarnal (1994), azem pare do chamado Oriene Médio, na Ásia: Irã,Iraque, Arábia Saudia, Turquia, Aeganisão, Iêmen, Kuwai, Omã,Emirados Árabes Unidos, Barein, Caar, Jordânia, Israel, Síria e Líbano

Figura 21 – Pn f.

Figura 23 – tnç .rpúbc dmcc Cn.

Foto: Will Hjelm.

Figura 22 – Pn -adlocks. Knysna, África do Sul.

F: dmnc M.

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e, no coninene aricano: Egio, Líbia, Tunísia, Mauriânia, Argélia eMarrocos (ou Magreb), que por elemenos culurais em comum esãomuio mais ligados ao Oriene Médio do que ao próprio coninenearicano. Durane alguns séculos, pare da Península Ibérica ambémeseve inclusa na culura islâmica, sendo que alguns esudiosos ar-

mam que, aé o século XIV, o sul da Espanha esava muio mais próximoda Árica, culuralmene, do que ao nore do país devido à inuênciamuçulmana na região.

É imporane observarmos que a expressão arísica nos países is-lâmicos se organiza num sisema conceiual e simbólico, dierene dospaíses aricanos e da Ásia Orienal, como na Índia, por exemplo, ara- vés do conceio rasa , ou como no Japão, por meio da valorização doespaço emporal (ma) ou dos conceios de apreciação eséicos: sabi,wabi, shibumi — os quais esudaremos mais adiane. O senso eséi-co caracerisicamene islâmico esá inimamene ligado aos preceios

losóco-religiosos do Islã, pois a religião ocupa grande pare da vidados muçulmanos, assim como o Corão ( Al-Qurān). O coneúdo do Al-corão ornece um guia para a vida. Nos ponos em que ele orna-se ne- buloso, os muçulmanos podem recorrer aos sunnah do Proea — suaspalavras ou ações, disinas das revelações — que esão regisrados noshadih (GUBE, 1978). Ainda hoje, os hadih (relaos sobre conduaque oram ransmiidos oralmene) exercem auoridade e êm sido acei-os pela maioria da população, mesmo que enham sido escrios séculosapós a more de Maomé (Mohammed). O Corão ambém esabeleceum código abrangene de leis de comporameno e éica, conhecidascomo shariah , cuja palavra raduz-se por “caminho”.

É imporane salienar que a are radicional islâmica é caracerizadapor ser impessoal, não individualisa e produzida em unção de  Allah.O senso de beleza e pereição deve ser independene do modo de verdo arisa ( annan), sendo a are ( Al-an) esemunho da exisência di- vina. Nesse conexo, não há disinção enre aresania e belas-ares, poisa obra deve coner senidos práico, éico, religioso e/ou educaivo.

Para Grube (1978), a base para a unicação esilísica, que ranscendelimies hisóricos e geográcos, é proporcionada por essa possibilidadede valorizar igualmene udo o que se produz, ou seja, siuar num mesmonível de exisência udo que se enconra no domínio das ares visuais.

É necessário recordar ambém que, o Oriene Médio represenauma miríade de culuras e de radições, por er sido berço de anigascivilizações como, por exemplo, Mesopoâmia, Babilônia, Pérsia e Fe-nícia. Podemos compreender enão que a are islâmica “desenvolveu-se na base de radições pré-islâmicas nos vários países conquisados, euma sínese pereiamene inegrada de radições árabes, urcas e per-sas, maniesou-se em odas as pares do novo império muçulmano”(GUBE, 1978, p. 8). Assim, na visão de Grube, o princípio undamen-

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al desse esilo é o resulado de um mundo que não reproduz o objeoreal, mas sim o elemeno que ranscende o momeno eêmero, razendoa obra para um saus superior; para a exisência divina e innia.

 A are islâmica possui uma vasa produção em cerâmica, esauária,iluminura (miniaura), arquieura, apeçaria e em caligraa. Como exem-

plo, discorreremos sobre as rês úlimas caegorias, respecivamene. A arquieura islâmica possui variações regionais. Conudo, perce-

 be-se que há elemenos que unicam o esilo. Para Grube (1978), essaideia ganha desaque no modo como a decoração arquieônica é usada.Sólidas paredes são dissimuladas arás de decorações de gesso e azule- jos. As abóbadas e arcos são coberos com ornamenos orais e epigrá-cos (inscrições corânicas e poemas épicos) que dissolvem a solidezesruural. (Figuras 24 e 25)

Figura 25 – Vista interna da cúpula da Mesquita de Shaykh Luftallah, aprox. 1500–1600. Irã.

Figura 24 – Iwan da Mesquista Bukhara. Uzbequistão. Foto: Susanne Wunderlich.

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 A apeçaria no mundo islâmico é uma radição muio aniga. Por essapráica esar ligada aos povos nômades dos deseros, com a obrigaçãodas consanes mudanças, a apeçaria ornou-se práica, providencial,além de harmonizar o ambiene, ornando as endas mais acolhedoras. A apeçaria para os muçulmanos é exremamene apreciada e pare in-

dispensável do coidiano, pois é ajoelhado em um apee — o apee deoração (Figura 26) — que geralmene o el islâmico ora, além de esseareao êxil cobrir e decorar as mesquias e os mausoléus (darih).

No mundo islâmico, a are caligráca é a própria encarnação do Verbo, e sua presença remee ao Eerno ( Al-Samad ), ao Oculo( Al-Bain ). Para os muçulmanos, a escria é a orma como  Allah serevela, pois no Corão esão as suas palavras. A ordenação das 28 lerasdo alabeo árabe (32 no alabeo persa) é eia de acordo com duas dis-posições: a verical, que conduz à ascese, evocando a ranscendência esuperioridade divina; e a horizonal, razendo unidade e rimo.

Sobre a esruura dos caraceres árabes e persas, Tius Burckhard(2004, p. 187), comena que “no simbolismo da ecelagem, as linhas vericais, análogas à ‘urdidura’ do ecido, correspondem às essênciaspermanenes dos seres (...), enquano que a horizonal, análoga à ‘ra-ma’, expressa o devir, ou a maéria que liga as coisas enre si.”

 A are caligráca ( ann al-khat ) ou “are linear” é inrínseca à esé-ica visual islâmica e, sem dúvida, a mais nobre das ares islâmicas. Asleras disposas harmoniosamene ransmiem muio mais signicadosaravés das palavras do que as pinuras, pois a pinura é a imiação darealidade, e a caligraa é a imoralizarão dessa realidade. (Figura 27)

Figura 26 – tp “jm” Noroeste do Irã. 1700. 6,7 × 2,4

m. F a Mm, unv Hv.

5. dnmnçõ fm p cnjn nvn nvNm d. in: NiNetY-NiNenames of Allah. Sidney: WildwoodHouse, 1978. 127p.

Figura 27 – Caligraa de Hassan Massoudy.

6. b.

5

6

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ornaMenTação no Mundo islâMiCo

Gabriele Mandel (1985) dene a ornamentaão como o verdadeiro mo-

tivo condutor da arte islâmica. Isso porque todas as peas de arte islâmi-

ca: construões, cerâmica, escultura, tapearia, metais ou caligraa estãovoltados para a abstraão. Os artistas islâmicos desenvolveram padrõesgeométricos com um enorme grau de complexidade e sosticaão. Essespadrões geométricos são utilizados em innitas repetiões, formandoum dos mais belos tipos de arabescos. Flores e árvores servem de refe-

rencial simbólico para a criaão de motivos em têxteis, metais fundidos,entalhes e pinturas. O arabesco oral caracteriza-se por um elementobase, que é repetido continuamente até cobrir toda a superfície a ser de-

corada. No arabesco (Figura 28), talvez mais do que em qualquer outroprojeto visual associado com o Islã, sosticados efeitos tridimensionais

são alcanados pelas diferenas em tamanho, cor e textura.Na concepão de Sylvia Leite (2006), a representaão do mundo comolinguagem, se estrutura num sistema de analogias e simetrias, que explicaa vasta utilizaão de padrões geométricos na arte islâmica. Muito maisque alternativa à hostilidade ao uso de imagens gurativas pela shariah,

esses padrões são imagens simbólicas que representam as transforma-

ões de tempo e/ou de espao.

Figura 28 – Exemplo de arabesco (detalhe).

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 Al-Quran (ac; C): livro sagrado dos muulmanos. Contémas revelaões de Allah a Maomé e os ensinamentos dele.abc: decoraão em baixo relevo ou pintura tendo como base

motivos geométricos ou tofórmicos que se entrelaam de forma com-

plexa e diversa, podendo também ser encontrados com as diversasgraas árabes.Darih (mé): construídos para abrigar os corpos dos líderes is-

lâmicos, possuem torre sepulcral coberta por uma cúpula, e os maisimponentes são cercados por quatro minaretes.

glossário

No subconinene indiano, a primeira marca ou sinal a ser observadonas visualidades indianas reside no pomposo caráer de suas produçõespicóricas, esculóricas e, principalmene, nas anigas edicações, com-

posas por inúmeras guras (Figura 29). A eséica, na Índia, inclina-seao ao narraivo, principalmene, quando é analisada aravés de anigasproduções, enre 3500 e 1200 a.C. A veemência dos exos védicos or-na absolua a armação de que o arisa desse período era obediene eimparcial aos cânones eséicos.

Figura 29 – dh m mp m Chnn Vn, Mmb, ín F: af akb

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Figura 30 – Yantra Bagla Mukhi.

 A Índia conseguiu preservar o lameno que liga inconáveis culurasna Ásia, ornando-as pare do reerencial de civilização no Oriene. Omio mais anigo para o surgimeno do povo indiano explica, de ormamais poéica — e menos cieníca —, que o primeiro indivíduo surgiude um ovo dourado, gerado pelo rei dos deuses e razido pelas ondas

do oceano cósmico. Inerpreações simbólicas à pare, esudiosos indi-cam que os primeiros ancesrais do povo indiano vieram do coninenearicano, há cerca de 70 mil anos, seguindo a cosa do Mar da Arábia,chegando ao sul da Índia (WOOD, 1996).

Texos sagrados revelam que o arisa, nas anigas radições, buscavaa vidência daquilo que esava oculo aos olhares errenos e realizava su-prema concenração no momeno da criação arísica. Esses princípiosesão inimamene ligados ao conceio de yoga (unicação). Para i- vière (1978), do ao de “unir-se ao sobrenaural”, podemos esabeleceruma analogia com o surrealismo, no senido de alcançar mundos secre-

os, o mundo dos sonhos, das visões, do campo mediúnico.Todavia, as écnicas uilizadas na práica  yoga permiem aingir umcampo espiriual superior que os arisas surrealisas não conseguiriamalcançar, aravés de sua mera curiosidade pelos enômenos parapsico-lógicos. Oura caracerísica basane comum na radicional eséica visual dos indianos é o uso da geomerização. As ormas geoméricasormam um esboço enre o campo das ideias e o das maniesações visí- veis. Esses esboços são praicados, principalmene, nos riuais ânricosque uilizam um conjuno basane conhecido de guras geoméricas:os yanra (Figura 30).

 A are propriamene dia, nesse caso, signica “a imiação das mani-esações de Deus na naureza”. Evidenemene, isso não quer dizer quea aniga are hindu era apenas uma cópia da realidade ísica.

 A ínima relação com a essência naural perdura, mesmo nos gran-des cenros. Em Déli, por exemplo, cidadãos ainda culuam imagens da“Grande Mãe”, produzidas com esrume, palha e erracoa. Em Bom- baim, bazares organizados nas ruas oerecem caprichosas reprodu-ções de elas das divindades mais populares. Hoje, ransversalmene,a are popular indiana revela a aual criaividade dessa secular radição.(COOMARSWAMY apud CRVEN. 1987, p. 245)

 Aé hoje, algumas normas provenienes da aniga losoa hindu são

os pilares que susenam a exisência humana e se conundem com asprincipais práicas losóco-religiosas na região. O exemplo que deno-a isso é o rivarga e o conceio de moksha , conhecidos ambém comoos quaro purusharha (propósios). O rivarga é ormado pelos princí-pios dharma, arha e kama.

esumidamene, dharma reere-se às aividades indispensáveis para vida mundana: a práica da éica e da boa condua. Esse é o propósioessencial para se alcançar arha e kama. Em arha , os maiores inenos

7

7. Yantra literalmente signica“p” “nmn”. sguras geométricas reconhecidas

cm fmn mnecientes no momento do ato

mv.

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são o desenvolvimeno econômico e a aquisição de recursos maeriais,assim como o sucesso prossional e/ou social. Denre várias aribui-ções, kama diz respeio à apreciação das coisas e ao gozo dos senidos.

 Kama corresponde ambém ao equilíbrio do desrue maerial, aravésda dança, da música, da pinura, da esculura, ec. As ares visuais esão

ligadas ao prazer dos senidos e, consequenemene, ao kama. Mokshaé inerpreado como o maior dos quaro purusharha , pois represena,em ermos gerais, a liberação do ciclo da ransguração ou do uxoincessane de renascimeno e more.

Na beleza que permeia a are indiana, há um senso de paz espiriu-al, de equilíbrio menal, ruo da realização humana aravés dos ari- buos e emoções divinas. Em visa disso, ivière comena que a emo-ção que permeia oda are hindu é denominado rasa. Do conceio derasa , rês conceios são esabelecidos: rasa-van (a obra de are; o sen-imeno maerializado); rasika (o indivíduo/especador que presencia

o rasa); rasavadana (o ao de experimenar-se uma emoção eséica).Por consequência, esabelece-se um movimeno/ação que “aonde osolhares orem, a mene seguirá; aonde a mene or, a emoção seguirá;e, aonde a emoção or, ali esará o rasa”. (NANDIKESHVAR apudMATINEZ. 2001, p.122)

O ermo rasa vereu-se num cânone eséico na Índia. Esse conceioesá relacionado ao soma — o nécar sagrado ciado nas escriuras deRigveda —, que raz o senido de goso, sabor; a mais na ou a pareprima de alguma coisa; essência, medula, elixir, poção; o uido semi-nal de Shiva . Logo, rasa consiui o sabor ou a essência a ser inerpre-ada e desruada pelo especador. De acordo com os anigos eseasindianos, o rasa é um dos componenes básicos da signicação e dacompreensão eséica.

No percurso da hisória do Subconinene Indiano, o sisemavarna ou sisemas de casas organizam as disinas (e complexas) cama-das sociais que culuam não somene as deidades como Shiva, Bhrama,Ganesha , mas ambém cenenas de mios locais, como Yaksas, Nāgas,ec. , além de divindades emininas e maernas. De ao, as noáveis ico-nograas arísicas não poderiam er sido concebidas sem as inuênciasreligiosas, principalmene, do hinduísmo, do bramanismo e do budis-mo. Assim sendo, à visa de uma hisória conínua de milhares anos,

não é de se surpreender que a radição eséica na Índia se revigore acada dia, indo ao enconro das ideias comuns ao século XXI.

8

8. dcn snc-inê Monier-Williams.

arquiTeTura islâMiCa na Índia

Características elementares da estética islâmica na região, em especialno norte do subcontinente indiano, são observadas na fusão de tradi-

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ões locais pré-muulmanas com as formas arquitetônicas importadasdos persas (dinastia dos sassânidas), dos macedônios, e, por m, dosárabes, que introduziram o islamismo, a partir do Século VIII, separandoa região, que hoje pertence ao Paquistão, da esfera de inuência da esté-

tica hindu. A tendência mais marcante do universo islâmico na região é aprofusa decoraão de palácios, mesquitas e edicaões, com abundanteemprego de metais preciosos, ouro, prata e pedras preciosas, que fa-

zem parte do acervo que caracteriza o Período Mughal (1526–1857). Aedicaão mais célebre que dignica essa tendência é, sem dúvida, o TajMahal: o tesouro em mármore branco de Agra, no Norte da Índia (Figura31). O Taj é a materializaão do ideal arquitetônico islâmico, sendo umadádiva do Xá Jahan à sua “mais bela jóia do palácio”, Mumtaz Mahal. Foibaseado nos princípios arquitetônicos do período Akbar, como o túmulode Humayun, em Déli. (Figura 32)

Figura 31 – Final de tarde no Taj Mahal (vista lateral), Agra, Índia.

Figura 32 – Túmulo de Humayun, Déli, Índia. Foto: Vivek Chugh.

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Na Ásia Orienal, grande pare das visualidades produzidas esá ini-mamene ligada à culura chinesa, pois ela ornou-se a maior reerênciana Ásia Cenral e no resane da Ásia Orienal, mais especicamene,Taiwan, Japão, Coreias do Sul e do Nore.

Esses países, em algum momeno da ormação de sua hisória, uili-

zaram o sisema ideográco chinês e oram inroduzidos à losoa dasprincipais religiões em desenvolvimeno: o budismo, o conucionismoe o aoísmo. É imporane ressalar que o Ocidene, especialmene aEuropa, ambém se beneciou, durane séculos, com aspecos das ar-es chinesa e japonesa. Quando esudamos o legado arísico-culuralda Ásia Orienal, percebemos que essas culuras esabeleceram-se aolongo de dierenes dinasias e eras e se caracerizam pela serenidade,harmonia e, sobreudo, pela auseridade de seus cânones eséicos.

Os chineses sempre oram inclinados a conceber o mundo aravésde um sisema hierárquico. Apesar de um conjuno de classes e gêne-

ros, odos os seres e elemenos se resumem em rês eseras, expressaspelos ermos iān, dì, rén (respecivamene, céu, erra e indivíduo). Fuxi,um dos primeiros soberanos a governar a China (aproximadamene2852 a.C.), segundo relaos da culura radicional, menciona que umdos principais propósios era “vivenciar as virudes do mundo espiri-ual e classicar as caracerísicas de odos os seres”. Poseriormene,Conúcio analisou o conceio da Grande Trindade (iān-dì-rén) e pro-moveu enre seus discípulos os esudos da poesia como a melhor or-ma de compreender a classe das divindades e corpos celeses que per-encem ao céu (iān), da classe na qual residem planas, árvores, aves eouros animais, que azem pare das caracerísicas da erra (dì), paraenão azer disinção das caracerísicas inerenes à humanidade (rén).(SHAUGHNESSY. 2008, p. 120)

Durane a Dinasia Han do Oese, na regência do 6º imperador, Wudi (141-87 a.C.), o conucionismo oi esabelecido como orodo- xia ocial. Nessa época, um ensaio iniulado O Caminho do Rei une aTrindade oi escrio por Dong Zhongshu. Nesse ensaio, o ideogramawáng (rei, monarca) oi uilizado para ilusrar o pono de visa eimo-lógico, no qual o imperador unia o céu, a erra e a humanidade. O ide-ograma possui quaro raços: os rês raços horizonais represenam océu, no opo; a humanidade, no meio e a erra, como a linha-base. O

raço verical que perpassa as linhas horizonais represena o monarca,que realiza a união do mundo. (Figura 33)

 A miologia chinesa proporciona um conexo narraivo para váriosenômenos naurais. As noções de yīn e yáng, assim como o concei-o de wu xìng, conhecido no ocidene como os cinco “elemenos” ou“conduas” (wu = cinco; xìng = comporameno, condua), represen-am boa pare do pensameno meaísico na China. A princípio, yīn e yáng signicam, respecivamene, “escuridão” e “luz”, mas em sua acep-ção losóca ampliam-se para incluir um amplo reperório de pares

Figura 33 – im chnê“wn”.

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oposos: eminino e masculino, rágil e ore, negaivo e posiivo (esseúlimo não se expressa, necessariamene, como mal e bom). No que dizrespeio aos elemenos ou conduas, esses são concebidos como ener-gias em consane evolução e são considerados como a essência de odamaéria. Com o empo, odos e cada um dos aspecos da vida se classi-

cam de acordo com wu xìng. Para compreender melhor as correlaçõesenre alguns desses elemenos, observe a abela a seguir:

WU XING: TABELA DE CORRESPONDÊNCIAS

MADEIRA FOGO TERRA METAL ÁGUA

DIREçES leste sul centro oeste norte

ESTAçES primavera verão  — outono inverno

CORES verde vermelho amarelo branco preto

NMEROS oito sete cinco nove seis

ANIMAIS peixes aves humanos mamíferos insetos

EMOçES raiva alegria desejo tristeza medo

PLANETAS Júpiter Marte Saturno Vênus Mercúrio

 

O Dragão Celestial é, sem dúvida, um das mais antigas e populares gu-

ras emblemáticas da China tradicional. O símbolo máximo do imperadoré uma criatura celestial e benevolente, regente do tempo e da água,exprime os ideais de transformaão e adaptaão, além de caracterizara resistência demonstrada pela civilizaão chinesa durante séculos. Ob-

serve algumas guras que foram entalhas no “Muro dos Nove Dragões”,próximo ao palácio imperial, na Cidade Proibida. (Figura 34)

olHo ViVo

Figura 34 – M Nv dõ. P Bh, Pm.

Fonte: CHINNERY, John. Tesoros de China: Los Esplendores del Reino del Dragón. Barcelona: Blume, 2008.

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 A are caligráca, de acordo com Chinnery (2008), represenaos princípios arísicos básicos na China radicional, o pincel, o pa-pel (de amoreira, bra de bambu ou jua), o pigmeno e o ineirocompõem “os quaro esouros do esúdio do arisa” (Figura 35). Odomínio no movimeno da pincelada é a essência do oício do arisa,que deve comunicar sua ideia de maneira sucina, sem equívocos e empoucas linhas. Esse conceio ambém se revela na pinura, ornando-a verdadeiramene “a are da essência”. Conudo, are caligráca é, semdúvida, a expressão maior da eséica radicional chinesa e o legado maissignicaivo para odo o Exremo Oriene.

Enreano, exisem normas especícas que regem essa produçãocaligráca. O pincel é posicionado vericalmene enre os dedos eumedecido com a ina, consiuída por parículas de carvãosuspensas em solução aquosa, o suciene para apenas ingir a pona. Em

seguida, o geso da mão e a movimenação suave do braço arão o reso,manendo a odo o empo o pincel na posição verical. A brandura ea uidez de cada pincelada darão o om e a opacidade do raço. Esseprocesso, que envolve genuíno lirismo, consiui o verdadeiroesouro, segundo as radições arísicas na China. (Figura 36) Com omovimeno budisa que passou pela China, Coreia e seguiu para o Japão, vieram os caraceres, e as escriuras budisas passaram a serregisradas em escria chinesa.

No Japão, a caligraa era execuada pelos sacerdoes, que in-uenciaram os converidos. Enre eles, incluíam-se os imperadores

 japoneses, que, volados a essa nova é, esimularam o movimeno. A caligraa de documenos religiosos oi adoada pelos sacerdoesde endência zen que acrescenaram a sua própria caracerísica aosrabalhos originais chineses.

Figura 35 – Jvm Kn. rhn, n b . rnde Kanxi (1644-1735).

Figura 36 – Calígrafo chinês nop Pc V, Pm.Foto: Cecília Saito, 2004.

O conceito feng shui, que, literalmente, signica “vento e água”, é o pro-

cesso de interpretaão da terra com o propósito de selecionar os posi-cionamentos auspiciosos para edifícios e construões humanas. No Oci-

dente, é uma das expressões mais divulgadas, sobretudo na arquitetura,que tem origem na cultura tradicional chinesa. O feng shui constitui, em

essência, outra manifestaão da harmonia entre o céu, a terra e a huma-

nidade, pois, nesse princípio, o mundo constitui-se do dossel (cobertura)do céu e do alicerce da terra.

VOCÊ SABIA?

A caligraa japonesa (shodô), assim como a chinesa (shu-dào), pos-

sui três estilos básicos: kaisho,  gyôsho e sôsho (em chinês: kai-shu,

o CaMiNHo da esCrita

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Os esudos e a valorização da eséica coreana ainda enconram-senuma ase ormaiva no Ocidene. Devido à posição enre China e Ja-pão, a Coreia em sido percebida há muio empo como um mero canalde culura chinesa para o Japão. No enano, esudiosos conemporâ-neos jusicam que os esudos sobre are e culura coreana possuemum papel imporane para a compreensão da civilização do ExremoOriene. Dessa orma, é injuso apenas imaginar a Coreia simplesmenepor seus valores noadamene chineses, pois essa região (que hoje sedivide em Coreias do Nore e do Sul) assimilou e criou durane séculossua própria idenidade culural.

Um dado imporane sobre a produção culural na Coreia oi acriação, em 1443, do alabeo ocial conhecido como Hangul (ouChosógul , na Coreia do Nore), desenvolvido sob supervisão do rei Se-

 jong (1397–1450), o quaro rei da dinasia Chosón, em subsiuiçãoaos ideogramas chineses, usados na península aé o século XV. Quandoo Hangul (Figuras 38 e 39) oi concebido, ormava um conjuno de 28caraceres onéicos: 11 vogais e 17 consoanes. As vogais adquiriramas ormas básicas que represenam poeicamene a rindade: céu, errae humanidade (Figura 40). O alabeo coreano oi inspirado segundo acosmologia neoconuciana, ou seja, os princípios complemenares do

 yin e do yang  , os cinco elemenos (água, ogo, erra, meal e madeira) eas cinco direções (nore, sul, lese, oese e cenro).

 xíng-shu, cao-shu, respectivamente). Alguns consideram o kana (sila-

bário fonético japonês, mais especicamente dividido em hiragana e

katakana, cujo trao é baseado nos ideogtamas) como um quarto pos-

sível estilo. Os formatos mais antigos de caligraa são: o tensho (zhuàn-

shu), “estilo do selo”, e reisho (lì-shu). O estilo kaisho apresenta quebrase movimentos duros, também conhecidos como shinsho. O gyôsho é umestilo mediano, de letra cursiva, que não se apresenta tão duro quanto okaisho. O sôsho é um estilo uido composto por cursos rápidos. Essesmovimentos zeram do sôsho o estilo mais popular entre os mestres da

caligraa. O sentido literal de shin-gyô-sô seria: “verdade, movimento einformalidade” ou “formal, semiformal e informal”. (Figura 37)

Figura 37 – A palavra “estética” escrita nos cinco estilos caligrácos.

gYÔsHo sÔsHoKaisHoreisHoteNsHo

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Figura 40 – Vogais básicas do

fb Hn.

A Coreia do Norte está longe de ser um lugar colorido. Porém, isso nãosignica que Kim Jong-Il (1942?–2011) — que era um grande acionadopela própria imagem — tenha eliminado a criatividade como um todo.Para ver a arte norte-coreana em seu esplendor, o lugar ideal é o Pyon -

gyang Art Studio, no centro de Pequim, fundado por Briton Nicholas

Bonner em agosto 2004. Esse é o primeiro estúdio fora do “reino ere -mita” do ditador Kim, que trata exclusivamente de arte norte-coreana, ereproduz desde os mais kitsch cartões-postais e cartazes de propagandaàs mais envolventes pinturas de paisagem dos melhores artistas do país.A pintura, de qualidade quase fotográca, de Huang Byong Yon, intitula-

da “Intervalo no Trabalho Siderúrgico” (Figura 41), impressiona por suaqualidade técnica, pois descreve dois homens musculosos bebendo águaem copos de latão, numa fundião cujo calor está escaldante. Na pintura

Para reFletir

Figura 38 e 39 – Textos em Hangul do calígrafo Sim Eung-sub.

 Apesar de o erriório nacional er sido dividido em Sul e Nore edas divergências acarreadas por essa separação, a capacidade culuralcoreana em apresenado desaque, nos úlimos 50 anos, e esá se es-endendo para o cenário mundial. Após o esabelecimeno da epúbli-ca em 1948, as aividades arísicas e culurais oram insiuídas nova-mene, ocasionando a valoração do idioma e da escria coreana. Nesseresabelecimeno dos preceios culurais, desenrolou-se um movimen-

o de propagação da are radicional e, ao mesmo empo, de divulgaçãodas modernas endências, vindas da Europa e dos Esados Unidos.

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Na eséica radicional japonesa, há uma valorização da noção espa-ço-emporal que remee a inervalos enre duas enidades, desacandoa singularidade do design japonês. Essa noção espaço-emporal deno-mina-se “ma” e esá presene em várias maniesações arísicas japone-sas, como, por exemplo, na cerimônia do chá, no jardim japonês ou nas

ares marciais. O espaço para a apreciação do chá é conhecido comocha-no-ma e, além de ambiene para apreciação, esabelece relação es-paço-emporal pela roca de gesos, silêncio, movimenos conidos eodas as ações envolvidas no processo de apreciação do chá.

 A are da cerâmica ambém esá presene na cerimônia do chá,principalmene no momeno dedicado à apreciação de seus dealhese suilezas. As ormas predominanes nos poes de cerâmica carregamconsigo a concenração e a absorção do silêncio no objeo, ressalandoa eséica wabi , o goso pela simplicidade e o sabi , cujo senido carrega,

“Nossa Mente”, de Jong Il Bong, feita com tinta negra (sumukhwa), crian-

as alegres retornam de um córrego na montanha, carregando trutas co-

loridas — um trabalho que aparentemente evoca inocência. A esse res-

peito, Bonner salienta que, na verdade, as crianas representam um ideal

implícito, pois elas estão “libertando” os peixes trazidos da montanhaonde, segundo uma lenda norte-coreana, o atual ditador, havia nascido.Entretanto, um ponto positivo em relaão à clausura dos artistas norte-coreanos é a beleza da arte produzida no país, que, de acordo comBonner, não sofreu com a excessiva inuência das efêmeras tendênciasdo cenário internacional. Na concepão de Bonner, as obras de artetradicionais expostas no Pyongyang Art Studio são, na atualidade, o quehá de mais purista em arte do Extremo Oriente. Bonner nega o fatode que é uma das poucas pessoas a promover relaões amistosas como “povo de Kim”, mas reconhece, modestamente, que seu trabalhofavoreceu essas relaões.

(Adaptaão de textos escritos por Craig Simons, e publicados entre osanos de 2004–2005 pela Newsweek e pelo The New York Times)

Figura 41 – Intervalo no Trabalho Siderúrgico. Huang Byong Yon. Pyongyang Art Studio, Pequim.

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além da simplicidade, ambém a elegância, conhecida como a eséica daaceiação da ransioriedade, represenando a beleza do impereio, do in-compleo, herdada dos ensinamenos budisas. Oura caracerísica pre-sene é o shibumi (subsanivo) ou shibui (adjeivo), que ransmie a ideiada despreensão do rúsico, da qualidade brua e da essência ausera.

 A cerimônia do chá (Figura 42) é conhecida como um exemplo ípicoda auênica maniesação eséica japonesa. O recipiene para a água, opoe para o chá, a concha, a vasilha que guarda o chá, o aami (eseira), ookonoma (sala), o shodô (caligraa), o mesre, o aprendiz e odo o riualque acompanha a cerimônia, inegram a harmonia da amosera.

 A eséica da are do chá deu origem ao esilo ikyu, cujo ideal eracriar a beleza procurando eviá-la. O poea Sen ikyu (1522–1591),numa época de guerras e discórdias, ez da apreciação do chá um reú-

gio de ranquilidade e simplicidade. Com renameno eséico, aprecia- va poemas, que poderiam ransmiir essa ranquilidade em seu esadode espírio, produzidos pela are do shodô, para enender o signicadode conceios diíceis que eram ensinados pelas meáoras.

Uma das paricularidades do ma é suprimir odo e qualquer excesso,ressalando a moderação. No jardim zen yoanji, em Kiyoo, percebe-se a presença da eséica ma, pensada de modo que o ao da conempla-ção raga o espaço inervalar exisene enre as pedras para ruição deseus observadores. (Figura 43)

Figura 42 – Geisha com instrumentos utilizados na cerimônia do chá. 1900.Créditos: Torin Boyd e Izakura Naomi (Asahi Sonorama, 2000).

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Na eséica japonesa, observa-se, em con-raparida, o oposo ao conceio ma , denomi-nado basara , cuja caracerísica é o excessoou o exagero, e um exemplo dessa manies-ação pode ser observada no earo kabuki. A adesão de um grande público a esse ipo deeséica ornou a basara comum ambém nos

esivais japoneses (masuri).No Japão, ao nal do século XIX, surge o  Japonismo , enconro dos arisas ocidenaiscom a are japonesa, desenvolvendo uma va-riedade de méodos que acrescenaram dealhes imporanes aos esu-dos da composição, do princípio diagonal, da silhuea, da imposiçãodo core de um objeo poso em primeiro plano, do ormao da veri-cal longa e, ambém, na elaboração do supore em orma de biombodobrável (WICHMANN, 1999).

O ascínio pelas gravuras ukiyo-e levou Édouard Mane (1832–1883)

a colecionar as embalagens dos produos japoneses, compradas a bai- xo cuso nas casas de chá, em Paris. Ao observar as gravuras, perce- beram inúmeras paricularidades que sugeriam a quebra da radiçãosedimenada por regras e convenções que os arisas ano enavamabolir. Um dos arisas que marcou essa ase oi Kiagawa Uama-ro (1753–1806), reconhecido por reraar as mulheres em cenas da vida coidiana (Figura 44), conhecido pelo ermo bijinga , raduzi-do como “pinura de gura-bonia” (HASHIMOTO, 2002), sempre vesindo seus kimonos.

Figura 43 – Jardim Zen Ryoanji. Foto: Dan Kite.

Figura 44 – Kw um-. tê b fm, p.

1792–93. Formato Oban (39,0 ×

25,8 cm). Editor: Tsutaya Jûzaburô

Figura 45 – e d.Dançarinas com double-bass, 1887.Ó b . Cç Pc,

Nv Yk.

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Figura 47 – Vincent Van Gogh, 1888. Figura 48 – Toyota Hokkei, 1856.

Toulouse-Laurec (1864–1901) inspirou-se nas guras do earokabuki, a exemplo da imagem de Yvete Guilber (um gouache, de1894) semelhane à xilogravura de Sharaku (1794) ilusrando o aorIchikawa Ebizô inerpreando Takemura Sadanoshin (WICHMAN,1999, p. 66). (Figuras 49 e 50)

Figura 49 – Henri de Toulouse-Lautrec (Detalhe). Figura 50 – Tôshusai Sharaku (Detalhe).

Edgar Degas (1834–1917) procurou desacar as guras capadasno espaço aravés de ângulos imprevisíveis e que sugeriam repensar aquesão do movimeno (Figura 45). Trabalhou a momenânea pausano geso e a imobilidade da gura em pé, como uma pincelada, ou opercurso da ina, que, aos poucos, ornava-se independene, al qual

a are da caligraa japonesa.O diálogo enre o Ocidene e o Japão pode ser viso ambém nas

obras de Gusav Klim (1862–1918) e seus inúmeros desenhos demulheres vesindo kimono ou mesmo na semelhança dos moivospicóricos. (Figura 46)

Enre ouros exemplos de conaminações, percebe-se que Vincen Van Gogh (1853–1890) oi inspirado nas obras de Toyoa Hokkei(1780–1850) pelas dierenes exuras e ormas. (Figuras 47 e 48)

Figura 46 – gv Km. Mhcom Kimono, 1918. Grate sobre

papel. 50,2 × 32,4 cm. Museu dea Mn Nv Yk.

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UNIDADE 2Sobre Territorialidades e Fronteiras

2.1. trâNsitos da ProduÇão artístiCa orieNte-oCideNte

 A parir da década de 1980, a visão dos processos de armação dasculuras locais rene ao uxo homogeneizane de inormações emdado margem a esudos acerca das dinâmicas de produção arísicaaual, especialmene na América Laina, Árica e Ásia. Na consrução

desse discurso, idenicam-se narraivas que buscam a inserção de es-éicas não europeias nos cânones ocidenais, como variações de uma“linguagem inernacional”.

Logo, o lugar dos discursos críicos e curaoriais em se desloca-do gradaivamene, movendo, com isso, os criérios que conguram aprodução arísica. De acordo com Moacir dos Anjos, a parir da ex-posição das indenições conceiuais, os criérios de valoração eséicaoram sendo quesionados e os processos de embae roneiriço orammoivando mosras que os revelassem. Em ouras palavras, buscou-sea visão local de curadores regionais, procurando, conudo, ranscender

o enendimeno geográco das quesões para a ideia mais ampla decomunidade muliculural.Moacir dos Anjos, cia Arjun Apadurai, e propõe a idenidade como

“resulado de processos de expressão humana (discursiva e perormai- va) por meios dos quais são esabelecidas e coninuamene reelabora-das dierenças enre grupos diversos” (ANJOS, 2005, p.12).

 As comunidades anes denidas por limies errioriais dão lugar,com a globalização, a ouras, imaginadas a parir das rocas simbólicascomparilhadas por seus membros. Essa siuação leva a um azer e re-azer de seus ponos de perencimeno, quesionando coninuameneo que seja naural, ou radição. As idenidades passam, assim, er re-lação com as diversas maneiras como se dão o posicionameno dascomunidades rene ao conexo do uxo global de inormações e aoouro, numa “negociação de diversidade”, da qual paricipam diversasinsâncias. Compreender de que maneira as culuras locais ariculamresposas à globalização nos permie enender essas novas idenidades.

Um dos mecanismos conhecidos é a aculuração , onde há umarecriação local de sisemas de represenação da culura dominane,numa relação denida de poder. Não é o caso da aualidade. Ouro é a

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ransculuração , onde a aproximação de dierenes expressões culuraiscria uma condição de inuências recíprocas, de negociações. Essas ne-gociações não são harmoniosas, mas resulam de embaes e desgasesnas zonas de conao enre as culuras que se conaminam muuamenenesse processo de exposição das dierenças.

 Ainda na década de 1990, as mosras organizadas a parir do olharasiáico buscaram criicar as visões eurocênricas e armar a ideia deum mundo culural descenrado, aravés das escolhas dos rabalhos e

 A parir da década de 1990, as exposições procuraram enaizar ocaráer complexo das relações enre as culuras, exeriores aos limieserrioriais. A mosra “Faul Lines: Conemporary Ar and ShiingLandscapes”, inegrane da 50ª Bienal de Veneza (2003), na Iália, bus-cou quesionar os esereóipos ocidenais a cerca das culuras aricanas,sua redução a mios e enias, ariculando quesões políicas e arísicasna consrução de idenidades cosmopolias. Segundo Anjos, “em vezde oerecer resposas para o que seria a idenidade culural da Árica,opou por ormular quesões que esemunhavam a reinvençãosimbólica de um coninene”. (ANJOS, 2005, p.41)

Essas quesões se baseiam na ideia de uma culura homogeneizane,se sobrepondo a ouras indeesas culuras que a ela se submeem, e nãoconsiderando os complexos processos inuência múua. Desse modo,o global é denido pelos mecanismos de adapação das culuras não he-gemônicas às novas ormas de perencimeno ao local denro do novouxo de inormações. Assim, visão essencialista e xa de idenidadeesá ligada às limiações geográcas e à erriorialidade.

Procure se informar e faa o seguinte exercício de percepão: qual aposião que a produão cultural africana e asiática ocupa no “circuito in-

ternacional”? (o que você lê ou ouve falar a respeito?) Como você achaque os europeus e norte-americanos olham para a produão artísticanesses continentes? Quais os adjetivos que, comumente, aparecem ao sereferirem à arte “não-ocidental”?

Em losoa, essencialismo é a visão de que, para qualquer tipo especí -co de entidade (por exemplo, pessoas, coisas, ideias) têm pelo menosalgumas propriedades essencialmente inerentes. Essas propriedades sãouniversais, e não dependentem do contexto. Por exemplo, a armaão“todos os seres humanos são mortais” é essencialista.

Para reFletir

olHo ViVo

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Figura 51 – Ai Weiwei. Círculo de animais: cabeças do zodíaco.

das monagens que enaizavam os processos de hibridização envolvi-dos nos rabalhos. Ouras mosras, de curadoria laino-americana, seapoiaram na “deserriorialização” e buscaram enaizar o inercâmbioenre as culuras, seus mecanismos e os processos de ormação ideniá-ria. Assim, as dierenes exposições bienais ao redor do mundo colabo-

raram para colocar em quesão o ema dos embaes simbólicos. A Bienal de São Paulo de 1996, por exemplo, em sua 23ª edição elegeu

o íulo “Univesalis”, pergunando como as produções conemporâneasdas diversas pares do mundo raavam a desmaerialização da are. Seecuradores espalhados pelo mundo, coordenados pelo curador geral, Nel-son Aguillar, selecionaram arisas em agrupamenos iniulados a parirde críicas às divisões geográcas denidas e armando as ormas de per-encimeno ransiórias e negociadas. A Bienal seguine escolheu o íulo“oeiros…”, propondo uma visão da criação arísica sob perspecivasgeográcas, mas ambém políicas, culurais e econômicas.

Na úlima Bienal, em 2010, oram apresenados vários arisasque, embora amosos, nunca expuseram na América do Sul, como o Ai Weiwei (1957–), um dos arisas chineses de maior desaque da au-alidade. Ele rouxe para o Brasil uma insalação, uma represenação deum zodíaco da culura chinesa com ore componene políico, mona-da na Europa (Figura 51). Já o arisa indiano Amar Kanwar (1964–)mosrou uma videoinsalação impacane, sobre o abuso sexual de mu-lheres e crianças em siuações de conio, pela primeira vez por aqui.

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Procurando eviar a ingênua expecaiva de reorno a um passadoidealizado, e da mesma maneira, uma impossível idenidade universal,as culuras locais submeidas ao uxo homogeneizane de inormações,decorrenes do processo de globalização, produzem hibridizações queaproximam e buscam raduzir ormações culurais negociadas num es-

paço de embae com a culura hegemônica eurocênrica. Isso quer dizerque, essas culuras não querem mais se submeer ao esereóipo de exó-icos nem de imiadores da culura colonizadora.

ConCeiTos de MesTiçaGeM, Crioulização e HiBridisMo

A Antropologia utiliza o conceito de mestiçagem, que traz uma ideiade harmonia na fusão de aspectos diferentes, não se encaixando na si-tuaão de reorganizaões simbólicas propiciadas pelo processo de glo-

balizaão.Outros termos oriundos pela antropologia são o sincretismo e a

crioulização. O primeiro mecanismo corresponde à maneira como cren-

as religiosas de origem africana se adaptaram às europeias, buscandosobreviver no novo contexto. A crioulizaão, portanto, refere-se aosprocessos de recombinaão de elementos étnicos africanos e europeusna região do Caribe, sob violentos conitos entre os grupos envolvidos.Posteriormente, o termo passou a tratar de “processos contemporâne-

os de embate criativo entre diferentes culturas” (ANJOS, 2005, p.25). Aantropofagia, mobilizada nos anos de 1920 pelos artistas modernistasbrasileiros, consiste na prática de incorporar as inuências culturais eu-

ropeias numa nova elaboraão a partir de pressupostos nacionais.A partir da ideia de intradutibilidade, os estudos culturais buscam, na

biologia, o conceito de hibridismo, onde, em seu contexto de fusão, oselementos mantém suas características originais, pelas quais são reco-

nhecidos e localizados.Tais estudos implicam na consideraão da capacidade das culturas,

não apenas em ressignicarem a cultura hegemônica sob sua perspecti-va, como de reinserirem sua produão nos circuitos globais.

2.2. PoÉtiCas Visuais aFro-asiátiCas: territorialidades e FroNteirasComo conerimos aneriormene, a década de 1990 marcou uma

época crucial para a are aricana e asiáica, em conjunção com a glo- balização da economia mundial. Mudanças geopolíicas inensica-ram as rocas arísicas ao redor do mundo e conribuíram para dar visibilidade aos arisas desses coninenes, principalmene em bienaise rienais inernacionais. Ao mesmo empo, o desenvolvimeno daselecomunicações aumenou o conao desses arisas com insiui-

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ções europeias e nore-americanas de are e criou oporunidades denanciameno exerno.

 Vejamos alguns exemplos de arisas aricanos e asiáicos — comproduções exposas ora de seus países de origem — que aravessaramos limies errioriais e propuseram pesquisas poéicas roneiriças en-

re o imaginário e as hisórias locais e os reerenciais arísicos globais:Na Árica do Sul do século XX, o ineresse em pinura, esculura,

ares grácas e insalações cresceu por odo o país. Sob o regime doaparheid , a are não era considerada adequada para a educação dos sul-aricanos negros, embora enham se desenvolvido projeos arísicoscomo o Polly Sree ecreaional Cenre (Cenro ecreaivo da uaPolly), em Joanesburgo, na década de 1950, e o orke’s Dri Ars andCras Cenre (Cenro de Ares e Oícios de orke’s Dri), em Naal,na década de 1960. Arisas brancos como Bill Ainslie (1934–1989)abriram seus aeliês para sul-aricanos negros, como David Koloane

(1938–). Esses e vários ouros arisas, enre eles Penny Siopis (1953–)e Jane Alexander (1959–), expuseram os raumas do aparheid , en-quano as oograas de Zwelehu Mhehwa (1960–) revelam o legadoconínuo da desigualdade (Figura 52).

Enquano isso, na epública do Benim, omuald Hazoumè (1962–)chamou a aenção inernacional pela primeira vez graças às másca-ras que ele criou como laas plásicas de gasolina. Em Sénégauloise(Figura 53), por exemplo, o arisa acrescenou um pedaço de e-cido esampado com moivos aricanos para represenar um raje

Figura 52 – Zwelethu Mthethwa. Sem título, da série Trabalhadores nos Canaviais, 2003. Impressão digital sobrepapel fotográco. 14,9 × 19,3 cm. Museu Nacional de Arte Moderna, Centro Pompidou. Paris, França.

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radicional. O curador e colecionador rancês André Magnin com-prou várias máscaras beninenses do arisa e, mais arde, as incluiu namosra “Fora da Árica” em 1992. As máscaras não oram eias paraserem usadas; elas se concenravam apenas nas possibilidades anro-pomórcas dos recipienes de plásico descarados e ao mesmo empodivulgavam a quanidade de lixo que se acumula em quase odas ascidades ou aldeias aricanas.

 A cena urbana no Oriene Médio vivencia o desenvolvimeno da po-esia visual nas ruas das grandes cidades, a parir do pensameno de quea escria árabe ambém se maniesa pela plasicidade do enrelaçamen-o das linhas vericais e horizonais dos caligramas. A produção poéicados arisas árabes em sido desenvolvida, principalmene, no campo dacaligraa, no grae e no uso das ecnologias digiais. Essas produçõesambém esabelecem o rânsio em universos de rimos visuais que cla-mam por comunicar e expressar inenção, opinião, personalidade.

 Alguns desses arisas árabes, como o sírio Mamoun Sakkal e o liba-nês Tarek Arissi, êm seus rabalhos reconhecidos na Europa e nos Esa-dos Unidos (Figura 54 e 55). Sakkal imigrou para os Esados Unidos em1978 e hoje rabalha com arquieura, design de ineriores, design grácoe caligraa. Arissi é designer gráco e calígrao, possui rabalhos que o-ram exibidos no Museu Guggenheim em Nova York e possui algumasobras na coleção permanene de design do Museu Afche na Holanda.

Em visa disso, a nova geração de designers no Oriene Médio esáse esorçando para dar orma à culura visual, e represenar, da me-lhor maneira possível, o Mundo Árabe aualmene. Esses designersesão adoando ideologias ocidenais, bem como subverendo essas

Figura 53 – rm Hmè.Sénégauloise, 2009. Objet trouvé(instalação). 33,0 × 22,0 ×25,0 cm.

Figura 54 – Mmn skk.Caligrama digital em estilo kucom trançado, 2002.(www.sakkal.com)

Figura 55 – tk a. C.

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Na Índia, a independência do domínio briânico, em 1947, criouum conexo avorável para a produção arísica. Na década de 1950,a are modernisa indiana embarcava numa busca por novas concep-ções ideniárias, sendo deendida pelas recém-criadas universidades

e insiuições de are esaais, que poseriormene ornar-se-iam ocenro de um mercado de are emergene no país. Desde enão, a areconemporânea indiana compreende uma produção complexa, geral-mene inspirada nas radições da pinura e da esculura modernisas(FATHING, 2010, p.562).

Nesse período, arisas como os do grupo aq Media zeram expe-rimenos com grandes composições espaciais, perormances e novasecnologias. A obra KD Vyasa Correspondência: vol. 1 (Figura 56) com-preende 18 elas de vídeos, nove alo-alanes, esculura e narraiva, erepresena uma série de 18 “caras” rocas enre o grupo aq Media

e Krishna Dwaipayana Vyasa (KD Vyasa) — suposo auor e um dosprincipais personagens do poema épico hindu Mahābhāraa. A insala-ção reee a divisão do  Mahābhāraa em 18 livros ao usar 18 enigmas visuais, cada qual azendo reerência a uma “correspondência” em es-pecíco e iniulada de acordo com os livros. Além disso, a obra criaum diálogo com o exo de Mahābhāraa e uma conexão enre quesõesanigas e conemporâneas e práicas midiáicas novas e velhas. Um dosponos cenrais do exo épico indiano é a quesão do que consiui odharma (viso aneriormene).

ideologias, para seus próprios objeivos e necessidades. Eles esãodenindo a sua idenidade culural por meio dos rânsios enre oOriene e o Ocidene, enre o “anigo” e o “novo”, em busca de repre-senações mais relevanes e inspiradoras de suas verdadeiras realidadessociais e prossionais.

A seguir, alguns sites de referência na Internet, para apreciaão das ima-

gens e dos projetos grácos de designers árabes e suas respectivas na-

cionalidades:

Ahmad Konash, Arábia Saudita: <htt://www.kh.cm/>Golnaz Fathi, Irã: <htt://www.gfth.cm>Ihsan Al-Hammouri, Jordânia: <htt://www.hg.cm/>

Mamoun Sakkal, Síria: <htt://www.kk.cm/>Mohamed Nabil, Egito: <htt://www.mhmb.cm/>Pascal Zoghbi, Líbano: <htt://29tt.w.cm/>Tarek Atrissi, Líbano: <htt://www.t.cm/>

saiBa Mais

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Figura 56 – Raq Media. KD Vyasa Correspondência: vol. 1, 2006. Materiais diversos. Museu für Kommunikation.Fnkf, amnh.

 Mahabharata é um dos mais extensos poemas épicos da antiguidade.O  Mahabharata, cujo título pode ser traduzido como “Grande Bha-

rata” — Bharat é também o nome ocial da Índia em língua hindi —,consegue transitar entre o erudito e o popular. Esse grandioso rela-

to é reconhecido como “a grande história de conitos entre relacio-

namentos”. A versão completa contém mais de cem mil versos, sen-

do quatro vezes mais extenso que a Bíblia e maior que a Ilíada e aOdisseia juntas. A imortal epopeia foi adaptada para televisão india-

na. A série televisiva consistia em 94 episódios, exibidos entre 1988e 1990. Foi produzida por B.R. Chopra e dirigida por seu lho, RaviChopra. Para conferir essa pomposa produão, acesse o endereo:<htt://www.hk4.t/2008/09/mhbht-1988--.htm>

VOCÊ SABIA?

Na China, depois da repressão aos proesos da praça da Paz Celesial,em 1989, os arisas começaram a quesionar a ideia de idenidade culu-ral. Isso provocou o surgimeno de uma “pop ar políica”. Arisas como Yue Minjun (1962–), começaram a enrar em conrono com o passadodo país em obras como Execução (Figura 57). O roso congelado numarisada com os olhos echados (um auorerao) é um ema recorrene naobra do arisa e sugere a supressão das emoções. Além disso, a semelhan-ça da obra com Três de maio de 1808 , de Francisco Goya, ilusra a inuên-cia da iconograa ocidenal sobre a are da Ásia Orienal.

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 A parir dos anos 90, o governo chinêspassou a ver a are conemporânea comouma maniesação poencialmene sub- versiva e proibiu os arisas de exibiremsuas obras sem auorização prévia. Comoconsequência, arisas como Zhang Huan

(1962–) migram para o ocidene e come-çam a realizar rabalhos que esabelecemreexões sobre emas sociopolíicos. Paraa perormance Árvore Genealógica (Figura58), realizada em Nova York, Zhang Huanconvida rês calígraos para escrever exoschineses em seu roso aé que ele esivessecompleamene preo.

Enreano, nos úlimos anos vários ar-isas volam à China, razendo consigo

novas inuências e ideias. Eles esão des-cobrindo novas maneiras de ineragir coma pinura radicional e a caligraa chinesa,dedicando-se à are perormáica e usan-do novas ecnologias a m de exploraremas diversos, enre eles a globalização equesões de idenidade.

Figura 57 – Yue Minjun. Execução, 1995. Óleo sobre tela. 1,50 × 3,0 cm. Acervo Particular.

Figura 58 – Zhang Huan. Performance de “Árvore Genealógica”,realizada em Nova York, em 2000.

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UNIDADE 3

Sobre Identidades de Outros Brasis

3.1. a arte Brasileira e suas Matrizes Culturais

 Anes de iniciarmos o percurso sobre a produção arísica brasileira,é imporane consideramos o senido da expressão “marizes culurais”.Quando nos reerimos à ormação culural do Brasil, ocasionalmene, vem à mene a reerência das sociedades consideradas aé hoje as or-

madoras de nossa culura, ou seja, os povos ancesrais (dios indígenas)que já viviam nese erriório na ocasião da chegada dos europeus; es-pecialmene dos porugueses; e dos aricanos que oram escravizados,razidos para cá pelos europeus. Conudo, o pensameno da are comouma consrução reexiva que ocasiona em regisros visuais de nossamemória (considerando-a, pois, um elemeno da memória coleiva na-cional, porano hisórico), e, principalmene, ocando os reerenciaisculurais brasileiros em apenas rês marizes: indígena, aricana e euro-peia, não conempla a exisência das várias especicidades culurais queo nosso país desenvolveu ao longo de mais de cinco séculos de hisória.

Nesse conexo, o uso do ermo “mariz” orna-se muio mais didáicoque conceiual, pois apenas ajuda a enaizar nossas reerências culu-rais, porém não dene o conhecimeno em quesão.

É necessário, enreano, observar com mais aenção que os nossoscódigos culurais são plurais. Um exemplo signicaivo é a nossa línguaporuguesa, cujo vocabulário esá repleo de palavras de origem esran-geira: azeite (do hebraico ha-zai ),  biombo (do japonês byô-bu), chá(do mandarim chá), azulejo (do árabe al-zuleij), quitanda (do banukiandá), e assim por diane. A mesma coisa aconece com o nosso “vo-cabulário” de represenações visuais: os grasmos de pinura corporal eos rabalhos de rançado dos povos indígenas (Figura 59); os padrõesde ecelagem aricanos (Figura 60), enre ouros.

Sobre os primeiros registros de produão artística no Brasil, especial-mente a indígena, faa uma nova leitura da Unidade I do texto da discipli-

na História da Arte Brasileira: do Descobrimento ao Século XIX (no

livro Trama 4), e aproveite para conferir as imagens!

diCa

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 Assim sendo, além de reerenciais aro-brasileiros, europeus e in-dígenas, daremos ênase aos regisros culurais de ouras regiões, aiscomo asiáicos, sobreudo japoneses, chineses e árabes. Desse modo,eremos um panorama de nossas reerências culurais e arísicas pro- venienes de dierenes regiões do mundo, por meio dos sincreismos,

das permanências e dos hibridismos que compõem a produção visual brasileira.

Figura 59 – Modelos do estilista Tu Duek inspirados nos grasmos de pintura corporal e trançado indígena.

Figura 60 – Pintura corporal da banda Timbalada inspirada nos grasmos da tribo nendebelê, da África do Sul.

“Existe um consenso de que a sociedade brasileira é formada por três matri- zes culturais: a europeia, a indígena e a africana. No passado se usou o termoraça, e depois etnia – apesar de que tanto raça quanto etnia ainda freqüenta-

rem o vocabulário televisivo, jornalístico, ativista e cientíco. Nos últimos anos,porém, optou-se pelo uso da ideia de matrizes culturais. A ideia mesma de quea sociedade brasileira e nossa cultura seriam denidas por estas três origens

 já é falsa. Sempre se esquece de que entre os povos africanos, ameríndios oueuropeus não havia nenhum tipo de unidade cultural quando da conquista deuns por outros, e quando da escravidão de uns por outros. A África, a Europa e

 América eram um conglomerados de povos diferentes com culturas e práticasculturais, às vezes, totalmente estranhas entre si. Se não bastasse isso, poucose fala do que poderia ser chamado de matriz asiática, anal, japoneses e

Para reFletir

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Mesmo com o acesso aciliado dos meios de comunicação, ain-da hoje é comum algumas pessoas pensarem no coninene Aricano

como país ou monobloco homogêneo, sem reconhecerem sua diversi-dade hisórica e culural. Para ermos uma visão mais jusa de Árica e desua hisória é necessário considerarmos de que se raa de um conineneque, ao concenrar 56 países e ilhas, revela-nos ambém uma miríade cul-ural, na qual esão presenes, diversas línguas, cosumes, culos, rios ec.

Embora a maior conribuição do negro aricano na culura brasileiraprevalecera durane os séculos XVIII ao XIX, consruída sob os padrõeseurocênricos, a relação enre a are do negro e sua idenidade podemdeerminar a valorização de ceros grupos énicos, apesar de que nopassado, exigiam que o arisa negro “esvaziasse” seu coneúdo de cul-ura aricana e pinasse, nas igrejas caólicas, sanos e anjos “universais”,iso é, à maneira europeia e não, anjos negros.

ecebendo orçosamene a ideológica de uma “civilização” dominane,os arisas aro-brasileiros criaram um legado de obras imporanes. Enreos reerenciais na hisória da are brasileira, desaca-se Anonio FranciscoLisboa, nascido em Sabará, de mãe aricana, e reconhecido como o Alei- jadinho: esculor, pinor e arquieo. Sua obra de mais represenaividadesão os Proeas em rene ao Sanuário do Bom Jesus de Maosinhos, emCongonhas do Campo, Minas Gerais (Figura 61).

 A obra de Aleijadinho oi um marcador de divisas para a hisória dasares plásicas no Brasil e os sucessos da pinura e da esculura obidos

por arisas de origem aricana não devem permanecer como um assunoespecíco, só conhecido dos especialisas de are. Em geral, ano a signi-cação eséica quano os esilos e ouros aribuos implicados no acone-cimeno culural aricano coninuam ão válidos hoje como onem.

No Brasil, a conribuição da culura de países da Árica se inicia logoque os primeiros aricanos chegam ao país, porém ainda há muio pou-co regisro sobre a produção arísica realizada por esses aricanos e seusdescendenes. No enano, podemos ciar que auores como Waler Za-nini, em seu livro “Hisória Geral da Are no Brasil”, Mariano Carnei-

Figura 61 – ajnh.Profeta Ezequiel, 1795–1805.P b.

chineses têm uma história entre nós que não pode ser desconsiderada facil -mente.”

Extraído do texto “A falsa ideia de matrizes culturais”, escrito pelos pro-

fessores Dernival Venâncio Ramos Júnior e Allysson García Fernandes.(RAMOS JUNIOR & FERNANDES, 2008, p.137)

Após a leitura do trecho acima, reita: além das matrizes mencionadas,quais outras referências culturais e artísticas você percebe atualmente?Observe em seus espaos cotidianos: em sua casa, em seu local de tra-

balho, e outros espaos de convívio coletivo.

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Conudo, onde esão as arisas negras que, nesse caso, sorem de ma-neira assimérica um reconhecimeno de seus rabalhos? Como exemplode algumas arisas negras, podemos ciar o rabalho de osana Paulino(Figura 65), Yêda Maria (Figura 66), Niobe Xandó (Figura 67). Ao ob-servarmos o rabalho dessas arisas podemos perceber que sua produ-ção reee um esemunho das suas convicções como arisas e comomulheres. Ainda hoje, o acesso às inormações sobre as obras de arisasaro-brasileiros, homens ou mulheres, ainda é insuciene.

Figura 63 – Mestre Didi. Pepeye – o grande pato,2001. Técnica mista. 60 × 60 × 23 cm. Figura 64 – Rubem Valentim. Emblemático 82, 1982.Acrílica sobre tela. 35 × 50 cm.

Figura 65 – Rosana Paulino. Bastidores, 1990. Técnica mista.

Figura 62 – ab Ncmn.Exu Dambalah, 1973. Acrílica sobre

tela, 102 × 51 cm.

ro da Cunha, auor de “A Mão Aro-brasileira”, e Emanoel Araújo, comseus caálogos das exposições em comemoração aos 500 anos do des-cobrimeno do Brasil, dedicam pare de sua obra à are aro-brasileira.

Em se raando da obra de arisas negros no Brasil, apesar das noá- veis dierenças no rabalho de cada um, o aspeco comum que possibilia

abordá-las, denro de um mesmo gênero, raa-se da quesão das reerên-cias eséicas e culurais nas quais é pensada a criação. Esses rabalhospossuem uma poéica que, por si só, é políica. Pelo ao de serem arisasnegros, razem aspecos dierenciados em seu rabalho e rompem com ainvisibilidade do arisa negro em sua orma de expressão. Como exem-plo pode-se considerar o rabalho de Abdias do Nascimeno (Figura 62),Mesre Didi (Figura 63) e ubem Valenim (Figura 64).

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Figura 66 – Yêda Maria. Sem título, s/d. Colagem eacrílica sobre tela.

Figura 67 – Nb xnó. Mc CCxxxVii,1974. Acrílica sobre tela. 63 × 63 cm.

 As imagens esereoipadas que são usadas ao represenar pessoas ne-gras, azem pare do reperório eséico consruído sobre bases de umasociedade de mene colonizadora. A imagem arísica que rompe comesa reerência possui um aspeco políico, à medida que oerece um

novo prisma de compreensão e de aproximação dessas culuras. Parauma melhor compreensão sobre os olhares eurocênricos e esigmai-zanes sobre a culura negra, observe o quadro Olympia (Figura 68), deÉdouard Mane. A pesquisadora Ivaina de Fáima Oliveira (2008) ob-serva que exise “a divisão de classe, ao reraar a mulher negra como aempregada domésica que oerece um bouque de ores a oura mulher(branca), suposamene sua paroa.” (OLIVEIR, 2008, p. 119)

Para saber mais sobre o trabalho dos artistas de expressão afro-brasi-leira, acesse o seguinte site:

<htt://www.mfb.cm.b>

saiBa Mais

Figura 68 – Édouard Manet. Olympia, 1863. Óleo sobre tela. 130.5 cm × 190 cm. Musée d'Orsay, Paris – França.

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Embora muias vezes não sejamos aivos no processo de reconhe-cimeno desses arisas é necessário considerar que “a rigor, exise noBrasil um padrão eséico que nega o perl mulirracial do país. Mais doque isso, a divulgação desse padrão condiciona a sociedade a pensar, ase comporar e almejar viórias no campo simbólico e aé maerial que

esbarram nesse limie.” (INOCÊNCIO, 2001) Abdias do Nascimeno em suas palavras revela o quano se senia

exilado numa erra que não reconhece a culura aricana e aro-descen-dene na sua insância devida: “Hoje, mais do que nunca, compreendoque nasci exilado de pais que ambém nasceram no exílio, descenden-es de gene aricana razida à orça para as Américas”.

Dessa maneira sua pinura é anes de udo uma visão reduzida demundo não ocidenalizada e, por isso, enconra na represenação dosorixás, um modo de reazer o ori (cabeça) para repensar e reconsruirsua condição de exilado que é a condição do negro no Brasil.

 Abdias escreveu a obra “Genocídeo do negro no brasileiro” no qualrouxe quase que de maneira inovadora uma verene de denúncia queconribui para avançar a premissa hisórica de que no Brasil e na Amé-rica Laina não havia um sisema de dominação econômica, políica esocial undamenado, sobreudo na quesão racial.

Durane séculos recebemos, via os processos de colonização e imi-gração, uma ampla variedade de aspecos provenienes das culuras ára- be, judaica, chinesa e japonesa, além de ouros grupos vindos de paísescomo a Índia e a Coreia do Sul. Esses grupos êm conribuído ao longode gerações para consiuir a ormação do povo brasileiro.

Seja por inuência dos porugueses, há mais de cinco séculos, sejapelos movimenos de imigração — ocorridos na virada do século XX,com a chegada de sírios, libaneses e palesinos —  , oi graças à culuraárabe que ivemos acesso às imporanes écnicas agrícolas e de irriga-ção, à armacologia e medicina, assim como conribuições linguísicase no âmbio da culinária, música, arquieura e decoração.

Desde o início do século XX, sírios, libaneses e palesinos exercemsuas écnicas comerciais em odo o país, principalmene pelo Nordesee Sudese brasileiros. A gura do “mascae”, cujo ermo denia o vende-dor ambulane de ecidos, exerceu inuência nos conos de CornélioPires, nas poesias de Carlos Drummond de Andrade e nos romances de

Se pensarmos no modo como o continente africano tem sido abordadopelos professores e livros didáticos, quais imagens vêm à nossa mente?Como é esse continente? Como são as pessoas de lá? Como elas se

organizam? O que fazem? Elas têm religião, idioma? Quais?

reFletiNdo

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 Jorge Amado (Figura 69). Um dos mascaes mais amosos oi o libanêsBenjamin Jae. Em 1887, Jae viajava pelas esradas do inerior paulisapara “mascaear” linhas, agulhas, ecidos e ouros arigos de armarinho.Hoje, exisem cenros comerciais que homenageiam com monumen-os esses rabalhadores viajanes e suas conribuições para o mercado

e a indúsria êxil em nosso país. A saber, na região do SAAR, siglada Sociedade de Amigos das Adjacências da ua da Alândega (io de Janeiro), com “O Mascae” (Figura 70); e na área da ua 25 de Março(São Paulo) com a “Amizade Sírio-libanesa” (Figura 71).

De acordo com Oswaldo Truzzi (2009), oram os árabes que inro-duziram na Europa, a are caligráca, “pois encaravam a palavra comoo meio por excelência da revelação divina.” (2009, p. 19) Na música, osárabes rouxeram alguns insrumenos, que hoje oram incorporadosao nosso meio musical. O alaúde, por exemplo, eve como descenden-es o bandolim e o cavaquinho brasileiros, e o adue oi o precursor do

pandeiro. Na pinura de Pedro Américo, de 1884 (Figura 72), o musi-cisa oca um dos insrumenos de origem árabe: a rabeca.

Figura 69 – Fn t. o b F ab cbc J, pnn v tocaia grande , J am. iç.

Figura 70 – Monumento O Mascate. Rio de Janeiro

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Por ouro lado, ao raarmos a presença judaica no Brasil, esa emcomo aor principal o processo migraório, no qual os seardias (de

searad , ermo usual na Península Ibérica) procuraram reúgio em paí-ses próximos no Medierrâneo, nore da Árica, Holanda e nas recém-descoberas erras das Américas, procurando escapar da Inquisição.

No caso dos árabes, dos judeus (embora vindos principalmene daEuropa), e de ouras comunidades de origem asiáica, as conribuiçõesêm sido percebidas mais nos campos culural, econômico, políico eanropológico do que propriamene no arísico, viso que essas comu-nidades ainda possuem maior represenaividade em ouros seores dasociedade brasileira, enre eles o indusrial e o comercial.

Figura 71 – e xmn. MnmnAmizade Sírio-Libanesa, localizado no Parque

dm P ii, n cn s P.

Figura 72 – Pedro Américo. A rabequista árabe, 1884.M Ncn B a, r Jn – B.

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Conudo, as comunidades que mais êm conribuído para a ormaçãoda hisória das ares visuais no Brasil são a japonesa e a chinesa. Denreos represenanes chineses em nosso país, desacam-se Sun Chia Chin(1930–), Chen Kong Fang (1931–) e Tai Hsuan-An (1950–) cuja au-ação em sido pauada na docência universiária e nas linguagens arís-

icas da pinura, arquieura, gravura e ilusração (Figuras 73 a 75).

Figura 73 – Sun Chia Chin. Sem título.

Figura 74 – Chn Kn Fn.O Menino, 1958. Óleo sobre tela.41 × 33 cm

Figura 75 – Tai Hsuan-An. Espera solitária, 1998. 55 × 40 cm

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 Já os arisas japoneses nauralizados brasileiros, como MassuoNakakubo (1938–), Tomie Ohake (1913–), Massao Okinaka (1913–2000), Tomoo Handa (1906–1996) e Manabu Mabe (1924–1997)dedicaram-se à produção arísica, sobreudo pinura, gravura e dese-nho, na cidade de São Paulo, a parir da década de 1940 (Figuras 76 a

80). Alguns desses zeram pare do Grupo Seibi, que reuniu arisas japoneses enre os anos de 1935 e 1972.

No conexo das ares visuais, os esudos sobre culura japone-sa, no Brasil, concenram-se nas ares grácas, nas gravuras e pin-uras (especialmene as desenvolvidas enre os séculos XVII e XIX,que corresponde ao Período Edo da cronologia japonesa), na cali-graa e nas visualidades da culura pop, com as animações (animê) eos quadrinhos (mangá).

Em visa dos elemenos e personagens apresenados nese ópico,podemos considerar que a diversidade da culura brasileira  — sob o

eeio de mudanças, mesiçagens e ressignicações — ambém possuiinuências orienais, e que essa experiência mesiça, maniesada espe-cialmene pela are, nos conduzirá a anos ouros caminhos.

Figura 76 – M Nkkb.Serigraa 3, 1970. Serigraa.48,3 × 40,2 cm

Figura 77 – tm ohk. ec n aó ibp,m s P – B. F: ln Mk

Figura 79 – tm Hn. a-, c. 1945. Ó b .

Mk

Figura 78 – Massao Okinaka. Draga, 1951. Óleo sobre tela. Figura 80 – Manabu Mabe. Sem título, 1955.Ó b .

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Visite os sites a seguir, e conhea mais sobre a obra e a trajetóriaartística de dois dos maiores representantes nipônicos no Brasil.ittt Tm ohtk: <www.institutotomieohtake.org.br>

ittt Mb Mb: <www.mabe.com.br/>

saiBa Mais

3.2. HistoriCidades e Visualidades que CarregaMos

No Brasil, na primeira meade do século XX, ocorre nos cenrosurbanos do Brasil uma série de movimenações arísicas e culuraisque começam a abrir caminhos para novas discussões e possibilidadesno campo das ares.

Nessa época, na enaiva de esabelecer o enendimeno do que

seria viso como idenidade nacional, a região Sudese cou conven-cionada como elie políica, econômica e culural do país. Os arisasmodernisas, nas décadas de 1920, 1930 e 1940 colaboraram nessaconsrução, assim como os museus de are moderna do io de Janeiroe de São Paulo, a criação da Bienal de São Paulo e os movimenos Con-creo e Neoconcreo, poseriormene. Em conrase com esse conexo,as produções locais das demais regiões conguram pouco mais que ar-mações de disinção ideniária.

Com a globalização, e o consequene descenrameno, essa su-posa hierarquia simbólica nacional é quesionada relaivizando ano aideia de coesão geral, como de disinções locais, regionais. A noção deNordese, como região caracerísica, por exemplo, se consrói no sé-culo XIX, como reação à crise econômica açucareira e algodoeira, quedesrói o senido vigene de província, como armação sobre o ouro“Sul” caeeiro. Assim, nasce uma idenidade culural nordesina, numdiscurso que demarca um espaço ísico, legiimando-o e represenan-do-o. As ares concreizam essa represenação aravés de músicas, pin-uras, romances e ensaios, levando seus habianes a aricularem suasmarizes poruguesas, holandesas, aricanas e indígenas, num conjunode memórias, senimenos, mios e paisagens que os caracerizariam.Independene de habiarem locais diversos e disinos, os nordesinos,

a parir de códigos de compreensão simbólica, conguram um caráerespecíco e consiuem o perencimeno a uma mesma comunidade.Como precursora na consciência do processo de misura e criação, aculura nordesina se insiui guardiã dessas marizes culurais, que aconsiuem como berço da culura brasileira.

Gilbero Freire rabalhou para o oralecimeno desse senimenode localização no mundo e de comunicação com os seus, resulandonuma impermeabilidade ao que se opusesse ou quesionasse essa cons-

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Observando a cena cultural de sua cidade, você consegue observare nomear algum tipo de inuência vinda de fora? Qual a importância

dada ao que é típico ou regional? Que outras informaões você jáouviu ou leu a respeito de algum movimento artístico no Brasil?

Para reFletir

rução, congurando o radicionalismo regional. Em oposição, con-gurou-se o modernismo da região Sudese, em especial, de São Paulo,liderado por Mário de Andrade.

Nas ares plásicas, o caráer nordesino oi consruído -guraivamene, numa caalogação de suas “paisagens, ipos e íco-

nes” (ANJOS, 2005, p.59), abarcando os conrases enre seus emasexuberanes e de denúncia de suas misérias.

Em 1970, o Movimeno Armorial, criado por Ariano Suassuna, buscava uma oposição à culura hegemônica do Sudese, coincidenecom a culura de massa de origem nore-americana, aravés de umaculura brasileira auênica, usão das marizes aricana, indígena e eu-ropeia. ejeiando, porano, os processos de globalização, Suassunaenendia a culura brasileira, como a culura popular, ou a erudia quecom ela se idenicasse. As diversas regiões brasileiras iveram reaçõesconservadoras à globalização, enendendo-a como homogeneização

da culura local ane uma culura universal dominane. Mas essa uni- versalização se mosrou impossível e reações de armação ideniáriaposiivas demonsraram as possibilidades de dierenes modernismos,e mesmo de pós-modernismos.

Nos anos 90, a meáora da roca de maéria orgânica consane en-re as águas doces do rio e salgadas do mar, nos mangues, deu origem aum movimeno, Mangue Bea  , que preconizava a inensicação de “ro-cas culurais enre as mais diversas radições da vida” (ANJOS, 2005,p.61). O movimeno procurou ornar conemporâneas, as radiçõesmusicais, cruzando-as a rimos e ormas musicais de ouras pares e in-serindo essa produção na rede mundial. Sua proposa não se resume auma renovação musical, mas um posicionameno criaivo que impli-que na paricipação aiva nesse mundo globalizado. Sem abrir mão deseus códigos e produos, a are brasileira redene modos de enunciaras quesões vividas em ressignicações do que é o Nordese e o Brasilsobre o ecido das inuências múuas enre as dierenes culuras.

Depois de er rilhado alguns percursos hisóricos — baseados empovos que rouxeram conribuições para consiuir nossa pluralidade,no que diz respeio à nossa produção arísica e culural —, propomosa você um exercício de percepção de códigos eséicos nos espaços ur- banos, ou seja, pedimos que a parir de agora que você comece a ob-

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servar em sua cidade raços das possíveis marizes culurais que nosormam. Em suma, nossas cidades e nosso coidiano esão repleos deaspecos herdados desses povos que são ão dierenes, mas, ao mesmoempo, ão próximos a nós, e que compõem o mosaico muliculuraldo qual azemos pare.

Ese maerial é apenas um começo, com algumas indicações e um con- vie para que você possa buscar mais e se aproundar sobre os emas aquiapresenados. Desejamos que aceie o convie, ou desao e se avenure nouniverso das pesquisas sobre as visualidades que compõem nosso país.

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