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Sociologias, Porto Alegre, ano 16, n o 36, mai/ago 2014, p. 144-179 http://dx.doi.org/10.1590/15174522-016003611 ARTIGO Habermas e Honneth: leitores de Mead MARIA EUGÊNIA BUNCHAFT * * Universidade do Vale dos Sinos (Brasil) Resumo Mead foi um filósofo pragmatista americano que desenvolveu uma linha de pensamento denominada como interacionismo simbólico. Para o psicólogo social, somente pode existir um sentido de “eu” se houver um senso correspondente de um “nós”. A teoria de Mead é fundamental para Habermas e para Honneth, pois não recorre ao individualismo metodológico, explicando os fenômenos sociais e o comportamento social em uma perspectiva intersubjetiva. Defende-se que a preocu- pação fundamental de Habermas (2002; 2012), em sua releitura da psicologia social de Mead, se concentra em que o desenvolvimento do self alcance um nível de pós- convencionalidade. A preocupação de Honneth, ao resgatar Mead, vincula-se aos contextos de vulnerabilidade moral, ou seja, à possibilidade de evitar os danos que o self possa sofrer na formação da identidade pessoal. Sustenta-se, finalmente, que uma releitura da psicologia social de Mead com base no paradigma normativo da autor- realização não possui recursos teóricos com potencialidade para avaliar as injustiças contemporâneas e atender aos desafios propostos pelos novos movimentos sociais, porquanto a ampliação das dimensões de reconhecimento não pode basear-se em uma apologia da psicologia moral do sofrimento. Busca-se, portanto, apresentar um diálogo entre Habermas e Honneth sobre a psicologia social de Mead. Palavras-chave: Identidade. Reconhecimento. Mead. Habermas. Honneth.

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  • Sociologias, Porto Alegre, ano 16, no 36, mai/ago 2014, p. 144-179

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    http://dx.doi.org/10.1590/15174522-016003611

    ARTIGO

    Habermas e Honneth: leitores de Mead

    MARIA EUGNIA BUNCHAFT*

    * Universidade do Vale dos Sinos (Brasil)

    Resumo

    Mead foi um filsofo pragmatista americano que desenvolveu uma linha de pensamento denominada como interacionismo simblico. Para o psiclogo social, somente pode existir um sentido de eu se houver um senso correspondente de um ns. A teoria de Mead fundamental para Habermas e para Honneth, pois no recorre ao individualismo metodolgico, explicando os fenmenos sociais e o comportamento social em uma perspectiva intersubjetiva. Defende-se que a preocu-pao fundamental de Habermas (2002; 2012), em sua releitura da psicologia social de Mead, se concentra em que o desenvolvimento do self alcance um nvel de ps-convencionalidade. A preocupao de Honneth, ao resgatar Mead, vincula-se aos contextos de vulnerabilidade moral, ou seja, possibilidade de evitar os danos que o self possa sofrer na formao da identidade pessoal. Sustenta-se, finalmente, que uma releitura da psicologia social de Mead com base no paradigma normativo da autor-realizao no possui recursos tericos com potencialidade para avaliar as injustias contemporneas e atender aos desafios propostos pelos novos movimentos sociais, porquanto a ampliao das dimenses de reconhecimento no pode basear-se em uma apologia da psicologia moral do sofrimento. Busca-se, portanto, apresentar um dilogo entre Habermas e Honneth sobre a psicologia social de Mead.

    Palavras-chave: Identidade. Reconhecimento. Mead. Habermas. Honneth.

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    M

    Habermas and Honneth: Mead readers

    Abstract

    Mead was an American pragmatist philosopher who developed a theoretical perspective called symbolic interactionism. For this social psychologist, there can only be a sense of the self if there is a corresponding sense of us. Meads theory is central to Habermas and Honneth, as it does not resort to methodological indi-vidualism, explaining social phenomena and social behavior in an intersubjective perspective. It is argued that the fundamental concern of Habermas in rereading the social psychology of Mead focuses on the development of the self to rea-ch a level of post-conventionality. Honneths concern in reinterpreting Mead is connected to the contexts of moral vulnerability, i.e. the possibility to avoid the damage that the self may suffer in the formation of personal identity. It is argued, finally, that a reinterpretation of the social psychology of Mead based on the nor-mative paradigm of self-realization has no theoretical resources with the potential to assess contemporary injustices and meet the challenges posed by the new social movements, since the expansion of the dimensions of recognition cannot rely on a defense of moral psychology of suffering. Therefore, we seek to present an interaction between Habermas and Honneth on the social psychology of Mead.

    Keywords: Identity. Recognition. Mead. Habermas. Honneth.

    1 Introduo

    ead (1934), filsofo pragmatista americano, desenvolveu uma linha de pensamento denominada interacionismo simblico. Para o psiclogo social, somente pode existir um sentido de eu se houver um senso correspondente de ns. Nesse cenrio, o indivduo s toma conscin-

    cia de si mesmo na posio de objeto, ou seja, por meio da capacidade de produzir em si mesmo o sentido de sua ao na perspectiva do outro, suscitando a possibilidade de referir-se a si prprio como objeto das aes do seu parceiro de interao.

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    Nesse sentido, com base em Mead (1934), Axel Honneth (2003; 2009) e Habermas (2002; 2012) estruturam os pressupostos intersubje-tivos da construo da identidade. Cada um dos autores ir desenvol-ver diferentes releituras filosficas sobre a psicologia social que o filsofo pragmatista (1934) sustenta, introduzindo diferentes compreenses sobre a formao da identidade.

    Nessa perspectiva, a filosofia de Axel Honneth (2003) pretende co-nectar as condies psquicas da formao da identidade e a evoluo moral da sociedade, de forma a reconstruir os pressupostos filosficos de uma Teoria Crtica do reconhecimento. Tal empreendimento supe o fato de que a formao da identidade constitui um processo intersubje-tivo de luta para alcanar o reconhecimento mtuo. Indubitavelmente, a influncia hegeliana (1984) fundamental para a compreenso da luta por reconhecimento delineada por Honneth (2003). O projeto terico do jovem Hegel (1984) assume relevncia na compreenso dos processos de confrontao social que constituem o cerne das lutas por reconhecimento estabelecidas por Honneth (2003).

    Entretanto, a atualizao da filosofia do jovem Hegel (1984) por Honneth (2003) sucede por meio da psicologia social de Herbert Mead (1934). Por que a estratgia terica de Mead (1934) se revela promissora para Honneth (2003; 2009)? possvel conceber inconsciente e linguagem como mecanismos constitutivos da individuao e no obstculos, como pretendem a psicanlise e a filosofia da linguagem? precisa a releitura de Honneth em considerar o I de Mead como fonte de potencialidade infinita a ser realizada atravs de lutas por reconhecimento? (Mead, 1980 apud Honneth, 2003). Existe correspondncia entre a concepo de I delineada por Mead (1934) e o conceito de inconsciente da psicanlise?

    Nesse particular, premente questionar: seria possvel manter a no-o de individuao sem cair na ideia clssica de sujeito autnomo? Como se deseja demonstrar, a distino entre I e Me possibilita a Honneth (2009)

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    manter a concepo de individuao sem retornar ao conceito clssico de autonomia, incorporando as crticas da psicanlise e da filosofia da lingua-gem concepo de autonomia, luz da teoria da intersubjetividade.

    Com efeito, propugna-se sustentar que a distino entre I e Me per-mite a Honneth (2003) articular os conceitos de realidade e de potencia-lidade. No ensejo, assume-se o objetivo de defender que o instrumental terico de Mead (1934) se mostra promissor para Honneth (2003; 2009), por pressupor a evoluo moral da sociedade como um processo de am-pliao das lutas intersubjetivas, por meio das quais os sujeitos ampliam a concesso de direitos que resguardam sua autonomia pessoal.

    Por sua vez, Habermas (2012), fundamentando-se em Mead (1934), prope que tanto individuao quanto socializao constituem processos comunicativos nos quais a interao lingustica configura papel funda-mental. A teoria de Mead (1934) se revela conceitualmente relevante para Honneth (2003; 2009) e Habermas (2002; 2012), por pressupor a individuao, no como um processo de autorrealizao decorrente de um indivduo atomizado, mas como um caminho linguisticamente me-diado, que se efetiva por meio da socializao.

    Assim, como se imputou a perspectiva de defender, a releitura habermasiana (2002; 2012) relativa psicologia social de Mead (1934) aponta para uma filosofia voltada ao desenvolvimento do self reflexivo. Sustenta-se, com base em Habermas (2012), que Mead (1934) no com-preendeu a relevncia dos acordos racionalmente motivados e sua poten-cialidade de inspirar normas coercitivas compartilhadas e estruturas de personalidade afinadas com a realizao de certos papis. Nesse ponto, surge um dilogo entre Habermas (2002; 2012) e Honneth (2003; 2009) sobre a psicologia social de Mead (1934).

    Como se objetiva analisar, o percurso terico fundamental de Ha-bermas (2002; 2012) em sua releitura da psicologia social de Mead (1934) visa permitir que o self atinja um patamar de ps-convencionali-

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    dade. Ademais, se quer aqui afirmar que a estratgia de Honneth (2003; 2009), por sua vez, ao resgatar Mead (1934), incorpora a necessidade de superar as experincias de vulnerabilidade moral que podem ocorrer na construo da identidade do self. Por fim, sublinha-se que a releitura da psicologia social de Mead, com base no paradigma da autorrealizao proposto por Honneth , se revela insuscetvel de atender aos desafios propostos pelas lutas de reconhecimento nas sociedades contemporneas.

    2 A releitura da psicologia social de Herbert Mead por Axel Honneth

    De incio, para Mead (1934), fenmenos de conscincia no se situ-am em uma perspectiva monolgica, pois so expresso dos fenmenos lingusticos ou dos fatos que s adquirem relevncia por meio de expres-ses lingusticas. Em Mind, Self and Society, Mead (1934) leciona que a linguagem suscita um renovado princpio de organizao e uma nova perspectiva sobre indivduo e sociedade. Para Mead (1934), a construo do self pressupe relaes socialmente estabelecidas que expressem inte-raes simblicas, por meio das quais ele constitui o mundo e a si mesmo.

    Em face dessa leitura, o autor se contrape ao behaviorismo de Wat-son, para o qual a conscincia se limita a reaes condicionadas. A estrat-gia terica de Mead (1934) visa demonstrar que Watson (apud Mead, 1934) minimiza a centralidade do elemento relativo linguagem humana, enten-dida como a possibilidade do sujeito falante de se identificar com outros sujeitos por meio da capacidade de estabelecer smbolos, atribuindo-lhes sentido. Segundo Mead (1934), tal capacidade estabelece uma diferena entre o condicionamento de reflexos no caso de animais e o processo humano de pensar por meio de smbolos. Portanto, o processo reflexivo individual de conscincia substitudo por um processo social mediado linguisticamente, estabelecendo um novo sentido para a ao humana.

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    Diante dessa estrutura conceitual, Mead (1934) pondera que o ser humano tem a capacidade de produzir em si o sentido que sua ao pos-sui para o outro, sendo tal atributo decorrente dos smbolos significantes. Para expressar tal potencialidade, parte da distino entre I e Me. O I a esfera da espontaneidade que propicia a atuao do indivduo frente situao social, respondendo constituio social por meio de impulsos e de respostas originais. Corresponde a um reservatrio de energias psqui-cas, o domnio das possibilidades inesgotadas de identidade.

    O Me, por sua vez, a adoo da atitude dos outros, cujas pers-pectivas atingem a conduta de cada um. Nas palavras de Honneth, o Me descrito pelo autor pragmatista representa as normas convencionais que o sujeito procura constantemente ampliar por si mesmo, a fim de poder con-ferir expresso social impulsividade e criatividade do seu Eu (Mead, 1980 apud Honneth, 2003, p. 141). Mead (1980 apud Honneth, 2003) desen-volve uma perspectiva analtica na qual o processo de evoluo moral das sociedades prev uma dialtica moral, em que os impulsos espontneos do I reagem s normas convencionais do Me, de forma a suscitar um pro-cesso contnuo de expanso das relaes de reconhecimento.

    Nesse quadro terico, Honneth (2003), em Luta por Reconheci-mento, promove uma releitura da filosofia hegeliana (1984), por meio da anlise emprica do processo de formao da individualidade luz da psi-cologia social de Mead (1934), partindo das trs dimenses de reconhe-cimento delineadas por Hegel (1984). De acordo com Patchen Markell (2007), a psicologia social de Mead (1934) possibilita a Honneth (2003) traduzir Hegel (1984) para um vocabulrio ps-metafsico, permitindo-lhe tambm articular dois problemas relativos tenso entre reconhe-cimento compreendido como resposta a algo preexistente e reconheci-mento compreendido como ato criativo.

    Por outro lado, a distino entre I e Me viabiliza a Honneth (2009) preservar a noo de individualidade sem retornar ideia clssica de su-

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    jeito autnomo. Para Honneth (2009), no ensaio Autonomia Descentrada, a dimenso do inconsciente e da filosofia da linguagem lana o conceito clssico de autonomia em profunda crise. Honneth (2009) quer superar a crise do conceito clssico de autonomia, assimilando as crticas da filoso-fia da linguagem e da psicanlise e sua reformulao luz de uma teoria da intersubjetividade. O autor interpreta a autonomia luz da teoria da intersubjetividade, considerando inconsciente e linguagem como foras constitutivas da individuao e no obstculos, como sustentavam a psicanlise e a filosofia da linguagem.

    Sob essa tica, as capacidades do sujeito autnomo devem ser rein-terpretadas no contexto intersubjetivo, levando em conta a descentraliza-o da autonomia. A autonomia possui, em Honneth (2009), trs dimen-ses: a relao do indivduo com sua prpria natureza, com a organizao da prpria vida e com as exigncias morais do meio. Conforme a con-cepo clssica de sujeito, a autonomia tem como pressuposto a transpa-rncia das necessidades, ou seja, o conhecimento das suas necessidades pessoais e a intencionalidade de sentido, que passam a ser questionadas pela crtica moderna do sujeito.

    de se mencionar que o sujeito forma a imagem de si mesmo a partir de tenso entre pulses e referncias das expectativas dos outros, j que, para Honneth (2009), a questo como formar autonomamente a identidade de forma autodeterminada e consciente. Para o autor (2009), os indivduos criam a imagem positiva acerca de si mesmos tanto a partir dos impulsos quanto das referncias que os outros do. Alega ser necess-rio abandonar as ideias clssicas de autodeterminao (seguir cegamente princpios abstratos) e de autotransparncia (todos seus impulsos tm que ser racionalmente conhecidos).

    Diante do exposto, em Honneth (2009), a partir da psicanlise, a ideia de transparncia substituda pela ideia de transformao processu-

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    al do inconsciente em linguagem, de forma que a pessoa autnoma seria aquela capaz de transformar em linguagem os aspectos inconscientes de sua personalidade. Nas palavras de Honneth (2009), uma pessoa autno-ma, nesse sentido,

    [...] no s livre de motivos psquicos que lhe impem de maneira inconsciente reaes de comportamento rgidas e foradas, mas tambm que est em condies de desco-brir impulsos de ao sempre novos e inexplorados e de convert-los em material de decises reflexivas (Honneth, 2009, p. 287).

    Por fim, Honneth (2009) tambm substitui a ideia clssica de consis-tncia biogrfica por coerncia narrativa da vida, sendo que a orientao por princpios no trocada, mas complementada por uma concepo de sensibilidade moral contextual. Diferentemente do individualismo ro-mntico que trata da autonomia da pessoa a partir da satisfao radical de suas pulses, desconsiderando os seus parceiros de interao Hon-neth (2009) argumenta que o indivduo se torna autnomo por uma rela-o reflexiva com os princpios morais do seu contexto.

    Outrossim, no pode alcanar autonomia moral o indivduo que, por meio de prticas comunicativas,

    [...] se oriente estritamente por princpios universalistas, e sim, aquele que sabe aplicar com responsabilidade tais princpios com participao afetiva e sensibilidade pelas circunstncias concretas do caso particular (Honneth, 2009, p. 290).

    Honneth (2009) assevera que o indivduo pode obedecer a princ-pios e no a normas faticamente existentes; contudo, deve comple-mentar tal viso pelo contexto social. Trata-se de uma relao reflexiva, em que pode obedecer a princpios universais, embora o contexto social no qual ele esteja inserido, no os reconhea. Assume relevncia a ideia de reflexo, compreendida como a capacidade de meditar sobre impul-

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    sos prprios, motivaes e sobre valores do ambiente, assumindo uma posio que pode at neg-los.

    As foras descentralizadoras do inconsciente e da linguagem no so obstculos individuao, mas condies constitutivas da formao da autonomia pessoal. Honneth (2009, p. 285) contempla as foras incon-trolveis do inconsciente e os sucessos de significao lingusticos como os dois polos do sujeito cuja oposio marcada de tenso produz a obrigao individuao humana. E conclui: Tratam-se de condies constitutivas para o desenvolvimento da identidade do eu (Honneth, 2009, p. 285).

    mister lecionar que Honneth (2003) resgata a distino entre I e Me de Mead (1934), concebendo o Me como representativo da comu-nidade, ou seja, como o resultado da postura de olhar para si prprio, por meio dos olhos dos outros, internalizando suas avaliaes. J como leciona Markell, Mead no reduz o self ao Me; diferentemente, ele atribui ao self o poder de reagir e resistir aos julgamentos sociais e convenes que o Me incorpora (Mead, 1934 apud Markell, 2007, p. 110). Esse po-tencial criativo representado pelo I, que, nas palavras de Markell (2007, p. 110), constitui um reservatrio de energias psquicas que nutrem cada sujeito com uma pluralidade de possibilidades inexploradas para formao da identidade. Para Honneth (2003), a partir do confronto entre I e Me que surgem as lutas por reconhecimento.

    No ensejo, o que interessa a Honneth (2003), na psicologia social de Mead (1934), a constatao de que o sujeito somente alcana um patamar de autoafirmao, em que satisfaz as pretenses do I, quando se insere na perspectiva de uma comunidade jurdica ampliada. Segundo Mead (1934), o sujeito somente se encontra em condies para autoa-firmao, confirmando as pretenses singulares do I, quando assume o ponto de vista de uma comunidade jurdica ampliada e no da vontade coletiva existente. esse movimento que impulsiona a evoluo social.

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    So as antecipaes de reconhecimento ampliadas que inspiram uma co-letividade capaz de conceder mais espao para a autonomia individual.

    relevante sublinhar que, para Markell, a distino entre I e Me permite a Honneth resgatar as ideias de realidade e potencialidade, com-preendendo o Me como realidade no sentido de que ele necessita de aceitao ou seja, do apoio de relaes realmente existentes de reco-nhecimento de maneira a ser capaz de transformar os impulsos em ao (Honnneth, 2003 apud Markell, 2007, p. 111). O I representa a poten-cialidade, o domnio das possibilidades no realizadas (Markell, 2007, p. 111). Em razo da independncia do I em relao ao Me, possvel falar do progresso no desenvolvimento de relaes de reconhecimento: diferen-tes formaes do Me podem ser mais ou menos receptivas a novas possi-bilidades que surgem atravs desse I (Markell, 2007, p. 111). O processo de efetivao do potencial criativo sempre incompleto e inesgotvel.

    Sob esse prisma, Markell (2007) considera problemtico interpretar o I como fonte de potencialidade infinita que necessita ser realizada atra-vs de lutas por reconhecimento. Na sua compreenso, Mead caracteriza o I como realidade (Mead, 1934 apud Markell, 2007). Tanto Honneth (2003) como Markell (2007) encontram em Mead (1934) uma estratgia terica valiosa para responder a uma das questes mais importantes da filosofia moral: como possvel resistir injustia?

    No obstante, Markell (2007) no pretende transformar o I de Mead (1934) no inconsciente freudiano (1969). Todavia, segundo Silva (2007), Markell (2007) estabelece uma leitura de Mead, em termos pragmatistas, evitando a dicotomia rgida entre potencialidade e realidade. Honneth (2003), por sua vez, percebe a noo de individuao de Mead (1934) como produto da contraposio entre inconsciente e consciente. Markell (2007), a seu turno, v o I, no como fonte de potencialidade, que deve ser efetivada pelas lutas por reconhecimento, da maneira como subli-

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    nha Honneth (2003), mas como ao enquanto resposta real. (Honneth, 2003 apud Markell, 2007).

    Em sntese, analisando as contribuies de Honneth (2003) e de Markell (2007), Filipe Carreira da Silva (2007) postula que h uma dife-rena fundamental entre a concepo de I delineada por Mead (1934) e o conceito de inconsciente da psicanlise. Segundo Freud (1969), o id corresponde esfera dos instintos, a parte mais primitiva e menos acess-vel da personalidade que desconhece o julgamento de valores, o bem e o mal, sendo regido pelo princpio do prazer.

    Diferentemente, o ego o sistema que procura preservar as preten-ses do id, as exigncias da realidade e as determinaes do superego. Por fim, o superego decorre do complexo de dipo, pressupondo a inter-nalizao das proibies, dos limites e da autoridade. Para Silva (2007), o modelo tripartite freudiano (id, ego, superego) no possui equivalente funcional com o I de Mead (1934). Em contraposio ao inconsciente freudiano, o I de Mead (1934) sensvel mudana histrica.

    Assim, cabe mencionar que a estrutura conceitual de Mead (1934) ganha relevncia para Honneth (2003), por conceber a evoluo moral da sociedade como um processo de ampliao das relaes intersubjeti-vas, na esfera do reconhecimento jurdico. De acordo com Mead (1934), o motor que alimenta a evoluo moral das sociedades a luta intersub-jetiva por meio da qual os sujeitos ampliam a atribuio de direitos que satisfazem sua autonomia pessoal. A construo terica do autor ameri-cano (1934) se mostra promissora para Honneth (2003), por estabelecer uma leitura materialista da filosofia hegeliana (1984) que, por sua vez, baseava-se em uma perspectiva idealista de luta por reconhecimento.

    Em suma, o percurso terico desenvolvido por Mead (1934) e incor-porado por Honneth (2003), pretende evidenciar como a socializao se concretiza por meio da internalizao de normas de ao. A contribuio

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    decisiva de Mead (1934), para Honneth (2003), consiste no fato de que, a partir da dialtica entre o I e o Me, surge a internalizao de papis, rompendo com os pressupostos da filosofia da conscincia, que percebe a construo da identidade como processo reflexivo individual.

    Mead (1934) toma como parmetro para a construo da subje-tividade o prprio processo de socializao, no qual a criana s toma conscincia do sentido moral de suas aes quando reage s mesmas na perspectiva do outro generalizado. A teoria de Mead (1934) promissora para Honneth (2009), por conectar a perspectiva da formao do sujeito (dimenso psicolgica) com a dimenso de um sistema lingustico inter-subjetivo, por meio do dilogo entre o I e o Me. isso que interessa a Honneth (2009). Mead (1934) compreende a dimenso lingustica como uma esfera que compartilhada intersubjetivamente mas tambm im-pessoal, visto que no h ningum que controle essa esfera: no h con-trole consciente dos indivduos sobre a esfera da linguagem.

    Portanto, a teoria de Mead (1934) oferece respostas s crticas feitas pela psicanlise filosofia da linguagem. Trata-se de uma teoria da for-mao do indivduo que leva em conta tanto a dimenso do inconscien-te ressaltada pela psicanlise (Freud, 1969), por meio da crtica noo clssica de sujeito, como a dimenso do jogo lingustico descrito por Witt-genstein (2000) que pressupe o indivduo inserido em um contexto lin-gustico sobre o qual ele no tem controle. Mead (1934) interessa a Hon-neth (2009) por elencar as duas dimenses lingustica e do inconsciente como condies de constituio da identidade, e no como obstculos.

    Com efeito, Honneth (2003; 2009) ir resgatar as categorias do I e do Me, delineadas por Mead (1934), para esboar o processo intersubjetivo de construo da identidade individual. medida que o indivduo se compre-ende na perspectiva do seu parceiro de interao, surge o conceito de Me como decorrente dessa autorrelao dialtica, refletindo a prpria imagem que o sujeito recebe de si, representando uma instncia de controle.

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    Mead (1934) exemplifica o processo de socializao humana, por meio do qual a criana passa a orientar a sua conduta mediante o game, internalizando normas de ao que assumem a perspectiva do outro gene-ralizado, representado pelos companheiros de jogo. Para Mead (1973 apud Honneth, 2003, p. 135), o processo de socializao em geral efetua-se na forma de interiorizao das normas de ao, provenientes da generalizao das perspectivas de comportamento de todos os membros da sociedade.

    Diante dessa estrutura conceitual, se a criana internaliza, portanto, as expectativas normativas de seus parceiros de jogo, os indivduos inte-riorizam padres socialmente generalizados de comportamento estabele-cidos por meio de normas que preconizam direitos e obrigaes. Honne-th (2003) sublinha que, ao mesmo tempo em que o indivduo aprende a se perceber a partir da perspectiva do seu parceiro de interao interna-lizando expectativas de comportamento juridicamente institucionalizadas , tambm passa a se conceber como sujeito de direitos. Mediante a con-cesso social desses direitos, vivel avaliar se, efetivamente, o indivduo aceito em sua singularidade pela sociedade ou seja, se sua identidade socialmente valorizada.

    Em face dessa leitura, possvel verificar se o indivduo aceito na coletividade e quais direitos lhe pertencem. Mead (1973 apud Honneth, 2003) refere-se, nesse sentido, ideia de dignidade por meio da qual o indivduo est seguro do valor de sua identidade pelos membros da coletividade. Mead tambm remete ideia de autorrespeito, que ocorre quando so individualizadas as respectivas propriedades ou capacidades para as quais o sujeito encontra confirmao por parte de seus parceiros de interao (Mead, 1973 apud Honneth, 2003, p. 137).

    Nesse quadro terico, destaca Honneth, com base no autor ame-ricano, que o indivduo que aprende a se conceber na perspectiva do outro generalizado incorpora a possibilidade de ser reconhecido como

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    pessoa de direito (Mead, 1973 apud Honneth, 2003). Para Honneth, com a adoo das normas sociais que regulam as relaes de cooperao da coletividade, o indivduo em crescimento no aprende s quais obrigaes ele tem de cumprir em relao aos membros da sociedade; ele adquire, alm disso, um saber sobre os direitos que lhe pertencem (Honneth, 2003, p. 136-137). O Direito representa o outro generalizado, permitindo ao cidado conceber-se como sujeito de direito.

    Sob essa tica, Honneth incorpora de Mead a ideia de outro gene-ralizado para afirmar que reconhecer-se reciprocamente como pessoa de direito significa que ambos os sujeitos incluem em sua prpria ao, com efeito de controle, a vontade comunitria de efetividade em suas normas, intersubjetivamente reconhecidas. (Mead, 1973 apud Honneth, 2003). Segundo Mead, a adoo da perspectiva do outro generalizado permite aos parceiros de interao saberem quais obrigaes devem ser observa-das e quais so os direitos decorrentes, de forma que ambos so titulares de pretenses individuais (MEAD, 1973 apud Honneth, 2003)

    De um lado, Honneth pondera que Mead pretendeu desvincular os pressupostos intersubjetivos da autorrealizao das condies axiolgi-cas de uma coletividade particular na concretizao das regras da diviso funcional do trabalho (Mead, 1973 apud Honneth, 2003). A concepo de Mead, para Honneth, propugna minimizar a centralidade dos pressu-postos valorativos na escolha do caminho para a autorrealizao, tal como ocorre nas sociedades tradicionais, sendo suficiente o cumprimento efi-ciente dos deveres profissionais (Mead, 1973 apud Honneth, 2003).

    Por outro lado, Mead, segundo Honneth, desenvolve uma resposta ps-tradicional ao problema hegeliano (1984) da eticidade, afirmando ser suficiente para o reconhecimento intersubjetivo, por meio do qual os in-divduos so confirmados por suas propriedades particulares, um sistema transparente de diviso funcional do trabalho, independentemente dos valores ticos da coletividade (Mead, 1973 apud Honneth, 2003).

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    Diante do exposto, depreende-se que a crtica de Honneth (2003) a Mead (1934) ocorre no sentido de afirmar que a diviso funcional do tra-balho no pode ser considerada um sistema axiologicamente neutro, que abrangesse as regras implcitas segundo as quais o indivduo poderia examinar, de certo modo objetivamente, sua contribuio particular para a coletividade (Honneth, 2003, p. 152). Para Honneth (2003), essa estratgia terica obje-tivamente redutora de Mead (1934) fracassa, porque o reconhecimento das singularidades socialmente teis na esfera da diviso do trabalho depende dos valores e das finalidades abrangentes de uma coletividade.

    de se mencionar que, de acordo com Honneth (2003), embo-ra no haja em Mead (1934) um substituto adequado para o conceito romntico de amor, sua teoria, assim como a hegeliana, ir inspirar a distino de trs formas de reconhecimento recproco: reconhecimen-to jurdico, assentimento solidrio e dedicao emotiva. Mead, segundo Honneth, destaca das relaes primrias do outro concreto, as relaes ju-rdicas e a esfera do trabalho enquanto duas formas distintas de realizao do outro generalizado (Mead, 1973 apud Honneth, 2003, p. 152).

    Entretanto, o que inspira a dialtica entre o I e o Me? Para Honneth (2003), tal interao impulsionada pelas experincias de sofrimento vi-venciadas pelos sujeitos. Nem Hegel (1984), nem Mead (1934), porm, ex-plicaram como a experincia de desrespeito e de vulnerabilidade moral po-dem se converter na base motivacional que impulsiona os conflitos sociais. Pretendendo sanar tal lacuna terica, Honneth estabelece uma releitura da teoria psicanaltica de Dewey, segundo o qual os sentimentos constituem reaes afetivas ao contrachoque do sucesso ou insucesso de nossas inten-es prticas (Dewey, 1894 apud Honneth, 2003, p. 221). O pressuposto motivacional que inspira os motivos de resistncia social e rebelio so as experincias morais de desrespeito decorrentes da violao das pretenses de reconhecimento que se formaram em um entorno sociocultural.

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    Outrossim, as experincias de desrespeito, inicialmente desagrega-das, ao serem universalizadas, convertem-se nos motivos morais de uma luta por reconhecimento. Nas palavras de Honneth (2003, p. 221), os sentimentos aparecem no horizonte de vivncias do ser humano somente na dependncia positiva ou negativa com a realizao das aes. O autor alemo (2003) enfatiza que, sempre que os defrontantes sociais no aten-dem s expectativas normativas, surge um contexto de vulnerabilidade moral, cujo potencial impulsiona a dialtica entre o I e o Me.

    mister elucidar que a releitura habermasiana (2002; 2012) relativa psicologia social de Mead (1934) objetiva a anlise do desenvolvimento do self reflexivo.

    3 A releitura habermasiana da psicologia social de Mead

    De incio, relevante sublinhar que o elemento fundamental do empreendimento filosfico de Habermas (2012) constitui a afirmao da centralidade da ao comunicativa voltada para o entendimento, que fator de transformao social. Atravs de prticas dialgicas, os indivduos reconstroem sua relao com o mundo, articulando novos valores cultu-rais e regras sociais no mundo da vida, capazes de influenciar as instncias de tomada de deciso.

    No ensejo, o indivduo que interpretado na perspectiva sistmica, restringe-se funo de adaptao aos parmetros funcionais do sistema, tornando-se insuscetvel de alcanar a integrao social e a autodetermina-o moral. Com o intuito de evitar tal perspectiva, Habermas (2012), em Teoria do Agir Comunicativo, resgata Mead (1934), inserindo o desenvolvi-mento do Eu no caminho da autonomia em uma postura intersubjetiva.

    Sob esse prisma, para desvincular-se da adaptao sistmica, fun-damental garantir ao indivduo os pressupostos para que realize sua in-

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    dividuao, por meio de um processo de socializao que incorpore os mecanismos lingusticos da ao comunicativa. A teoria de Mead (1934) se revela promissora para Habermas (2012; 2002) e para Honneth (2003; 2009), uma vez que considera a individuao, no a partir da autorreali-zao de um sujeito isolado, mas decorrente de um processo linguistica-mente mediado inerente socializao. A preocupao de Mead (1934), ao refutar o individualismo metodolgico das teorias liberais sociais, assu-me relevncia para ambos os autores.

    Assim, segundo Mead (1934), por meio da internalizao de nor-mas, so formados valores compartilhados e papis sociais individuais que permitem a formao do self. A teoria de Mead (1934) interessa a Ha-bermas (2002; 2012), j que permite uma abordagem da racionalidade da ao que seja, desde o princpio, intersubjetiva, distanciando-se dos pressupostos da filosofia da conscincia e incorporando a necessidade de reverter o diagnstico negativo da Escola Frankfurt.

    Nesse ponto, Mead (1969 apud Habermas, 2012) propugna articular trs elementos que concretizam simultanemante o processo de individu-ao e de socializao: a estrutura de papis, a formao da conscincia e a autonomia dos indivduos. No h uma prevalncia da individuao sobre a socializao e vice-versa, pois ambos os processos se efetivam simultaneamente.

    Em sntese, o ponto de partida social, pretendendo explicar como seres humanos partem de um tipo de convivncia no humana para uma convivncia humana, tendo como ponto de partida o surgimento da lin-guagem. Mead (1934) explica que a evoluo das sociedades humanas pressupe a passagem de um nvel de convivncia societal para outro nvel, ou seja, de uma convivncia social no humana para uma convi-vncia social humana.

    Em suma, Habermas (2012) resgata duas contribuies da teoria de Mead (1934): a primeira diz respeito compreenso da conscincia

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    como constituda simbolicamente. A segunda relaciona-se percepo da individuao como um processo linguisticamente mediado pela socia-lizao, afastando-se da ideia de construo da identidade na perspectiva da conscincia reflexiva individual e afirmando a centralidade da ao simblica. Tais consideraes revelam a importncia de Mead (1934) para a filosofia habermasiana (2012), por permitir a compreenso do Eu atra-vs de uma dimenso intersubjetiva.

    Com efeito, a contribuio fundamental de Mead (1934), para o projeto habermasiano (2012), consiste em permitir compreender a indivi-duao como um processo associado integrao social, impedindo que a identidade seja apreendida na perspectiva da teoria dos sistemas. Para Habermas (2012), a socializao possui um duplo sentido. De um lado, representa o processo por meio do qual o indivduo forma sua identidade em um contexto de relaes sociais.

    Por outro lado, constitui um processo de integrao do indivduo so-ciedade. Diferentemente, em Honneth (2003), a questo fundamental no a integrao social, mas a integridade das identidades individuais, supe-rando contextos de vulnerabilidade moral. Isso no significa que Habermas negligencie questes relativas fragilidade das identidades individuais, mas que a sua releitura de Mead (1934) possui mais uma dimenso sociolgica.

    Em face dessa leitura, medida que Habermas (2012) articula a individuao social ao processo de racionalizao do mundo da vida, sur-ge a possibilidade de enfrentar os argumentos da teoria sistmica. Para o autor, a tentativa de interpretao da individuao na perspectiva da teoria dos sistemas se configura inadequada, pressupondo um indivduo isolado, que percebe uma multiplicidade de papis e de escolhas a serem decididas em funo do sistema.

    Diante dessa estrutura conceitual, a teoria sistmica compreende a racionalizao do mundo da vida em uma dimenso unilateral, per-

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    cebendo a dissoluo tradicional das formas de vida como um processo que reflete a inviabilidade de efetivao da integrao social por meio de normas voltadas para o entendimento, ocorrendo um ajuste funcional das condutas individuais aos imperativos sistmicos.

    Nesse sentido, para a teoria sistmica, o self torna-se desprovido de dimenses normativas, restringindo sua conduta a um simples ajuste funo sistmica, sendo incapaz de se inserir no processo de integrao social em um mundo racionalizado e de realizar uma autorreflexo moral. Para distanciar-se de tal ponto de vista, Habermas (2012) resgata a con-tribuio de Mead (1934), articulando o Eu no caminho da autonomia e da intersubjetividade.

    Nessa linha de raciocnio, para Habermas (2012), afastar-se da pers-pectiva sistmica exige dois requisitos: garantir os pressupostos da indi-viduao por meio da socializao e ter a certeza de que as condutas individuais no sejam restringidas pelos imperativos funcionais do siste-ma, permitindo a construo da identidade do self ps-convencional. A proposta de Mead (1934) distancia-se do uso da linguagem na perspec-tiva do observador, assumindo relevncia o seu direcionamento para a pragmtica lingustica, na perspectiva dos participantes.

    Sob esse aspecto, a crtica habermasiana (2012) sublinha que Mead (1934) consegue reconstruir a passagem para a linguagem por sinais, a partir da linguagem por gestos, apenas supondo que o participante da in-terao adota a perspectiva do outro. Mas, para que haja a transio para a linguagem de sinais, argumenta Habermas (2012), aquele gesto precisa ter significado idntico para os participantes.

    Nesse particular, a estratgia de Habermas (2012), em Teoria do Agir Comunicativo, complementar a teoria de Mead (1934) com a teoria contempornea da linguagem de Wittgenstein (2000). A passagem da in-terao por gestos para a interao por smbolos pressupe uma regra de

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    uso, de modo que as interaes entre indivduos so normatizadas e h uma interpretao compartilhada a respeito de cada smbolo.

    Nesse quadro terico, Wittgenstein (2000) certifica que os smbolos so-mente possuem sentido se houver um significado atribudo a eles segundo uma regra que compartilhada por falantes, pois no h sentidos privados, ou seja, inexiste linguagem privada. Os significados dependem do comparti-lhamento de regras de uso por falantes de uma comunidade lingustica.

    Sob essa tica, a abordagem de Wittgenstein (2000) , portanto, mais radicalmente intersubjetiva que a de Mead (1934). A origem dos significados est na prpria prtica social de compartilhamento de regras, razo por que a transio para smbolos sugere regras compartilhadas de uso, uma prxis lingustica compartilhada de indivduos inseridos em cer-tos jogos lingusticos especficos, nos quais certos comportamentos adqui-rem certo significado.

    de se mencionar que, em conformidade com Mead (1934), em certo momento, os sinais se convertem em smbolos, tornando possvel interpretar a conduta, no em termos de um sinal instintivo, mas de um smbolo que carrega um significado. Habermas (2012) percebe que a transio da interao por sinais para a interao por smbolos ocorre no saber cultural, mas no tem uma ancoragem institucional, nem nas estruturas da personalidade. A interpretao de Mead (1934) no explica como seres humanos conseguem se organizar e interagir uns com outros a partir dos smbolos e como foi possvel que a interao deixasse de ser por esquemas instintivos para dar-se a partir de esquemas lingusticos.

    No nvel institucional, necessrio reorganizar normas, aptides e motivaes para que os indivduos consigam se comportar em conformi-dade com as normas, no sendo suficiente a mudana no saber cultural. Assim, Mead (1934) no percebeu a centralidade dos acordos racional-mente motivados capazes de formar normas coercitivas compartilhadas e

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    estruturas de personalidade dispostas e motivadas para realizar determi-nados papis.

    Diante do exposto, Mead (1934), para Habermas (2012), no com-preende que, quando a interao por sinais evolui para a interao por smbolos, esses passam a ter valor proposicional, incorporando pretenses de validade que so defendidas com base em razes e que podem ser respondidas criticamente, em termos de aceitao ou de negao. O que Habermas (2012) pondera que o acordo racionalmente motivado faz com que indivduos entendam papis sociais e se sintam motivados para agir conforme os mesmos fora dos esquemas instintivos.

    Outrossim, o acordo racionalmente motivado cria uma nova possibi-lidade de socializao humana que no depende do instinto, legitimando uma forma de vida social que seja, ao mesmo tempo, convincente e moti-vadora para todos. Essa insuficincia terica de Mead (1934) introduzida na Teoria do Agir Comunicativo. Segundo Mead (1934), o surgimento da linguagem torna possvel a constituio de normas. J para o autor alemo, a linguagem assume trs papis: entendimento, socializao e integrao social. Habermas (2012, p. 51), em passagem elucidativa, frisa que:

    [...] enquanto eles levantam, mediante seus atos de fala, pretenses validade daquilo que emitido, eles alimen-tam a expectativa de estarem buscando um consenso racio-nalmente motivado que lhes permita coordenar seus planos e suas aes, sem a necessidade de lanar mo de coaes para influir nos motivos concretos do outro ou de apoiar-se na perspectiva de recompensas, como o caso dos impera-tivos simples (Habermas, 2012, p. 51).

    Sob esse prisma, os acordos racionalmente motivados criam novas possibilidades de socializao humana que transcendem o instinto, estabe-lecendo novas instituies, papis sociais e motivaes para os indivduos. Constituem tambm a fora propulsora para que os individuos adotem no-vos esquemas de comportamento, que no aqueles inscritos no instinto.

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    Nesse cenrio, Habermas destaca que Mead (1934) concentra-se na linguagem como meio de coordenao da ao e da socializao. Po-rm, negligencia a linguagem como meio do entendimento (Habermas, 2012, p. 52). E conclui: simplifica a tarefa de reconstruo da passagem da interao mediada simbolicamente para a interao regida por normas, ao pressupor como j preenchidas as condies para uma interao civili-zadora entre pais e filhos (Habermas, 2012, p. 52).

    mister lecionar que Mead (1934) analisa a interao mediada sim-bolicamente, ao introduzir a noo de ato social por meio do qual o gesto a primeira parte. Para Hinkle, Habermas critica esse aspecto da teoria de Mead (1934) por sua desateno fora ilocucionria do gesto simblico e, portanto, por ignorar como a ao comunicativa difere da interao comportamental e como os atores so tanto falantes e ouvintes (Habermas, 1981 apud Hinkle, 1992, p. 321). Para a perspectiva de Habermas (2012), a concepo de Mead (1934) relativa assuno da perspectiva do outro no deve ser interpretada em termos de respostas comportamentais, mas de inteno comunicativa dos falantes e ouvintes, que orientam suas aes por pretenses de validade.

    Um problema identificado por Habermas (2012), em Teoria do Agir Comunicativo, consiste no fato de que a explicao de Mead (1934) sobre a formao do self e a adeso a normas sociais psicolgica, situando-se no plano ontogentico. Habermas (2012) entende que Mead (1934) de-veria ter estabelecido uma explicao filogentica.

    No ensejo, Mead (1934) no responde seguinte questo: como possvel a sociedade se estruturar? Para Mead (1934), a partir do mo-mento em que o ser humano teve acesso linguagem, ele adquiriu a capacidade de propor novas formas de organizao diversas dos esque-mas instintivos, conduzindo formao de uma comunidade estruturada linguisticamente. A explicao de Mead (1934) infere uma sociedade j

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    existente com uma forma de vida, um saber cultural, valores, normas e papis sociais estruturados.

    relevante sublinhar que, em Teoria do Agir Comunicativo, o elo entre identidade do Eu e comunidade ilimitada de comunicao agora capaz de contemplar uma relao ontofilogentica, que incorporada por Habermas (2012). Em Para a Reconstruo do Materialismo Histri-co, tal tentativa do autor (1983) de transcendncia da ontognese para a filognese no teve sucesso, devido afirmao da centralidade da psico-logia do desenvolvimento. Nessa obra, assim como em Conscincia Mo-ral e Agir Comunicativo, Habermas (1983; 1989) busca estabelecer uma homologia entre os nveis de desenvolvimento do Eu e as diversas fases de reflexo e de evoluo da sociedade, tanto no que se refere ao desen-volvimento cognitivo, como no que concerne formao da identidade e, por fim, no que diz respeito conscincia moral.

    Nesse ponto, na dcada de 1970, a preocupao fundamental de Ha-bermas era o desenvolvimento da conscincia moral. O equilbrio ontofilo-gentico no alcanado em Para a Reconstruo do Materialismo Histrico, em razo de uma abordagem psicolgica voltada para a dimenso individual. A estratgia de Habermas (2012), em Teoria do Agir Comunicativo, vincular identidade e linguagem, de forma que a ideia de comunidade ilimitada de comunicao no pressuponha mais a conscincia moral de Kohlberg (1976). Isso no significa afirmar que Habermas (2012; 1989), em Teoria do Agir Comunicativo, tenha descartado totalmente a psicologia do desenvolvimento desenvolvida em Conscincia Moral e Agir Comunicativo, mas que a passa-gem do nvel convencional para um contexto ps-convencional decorre de uma categoria mais abrangente do que a conscincia moral.

    Assim, Habermas (2012), em Teoria do Agir Comunicativo, prognos-tica que a categoria essencial que fundamenta o processo socioevolutivo a estrutura da linguagem e no mais a conscincia moral de Kohlberg

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    (1976). Tal substituio terica responsvel por garantir uma relao harmnica entre as dimenses individual e social, delineando uma teo-ria da evoluo social que transcende o papel meramente ontogentico. Para suprir o vazio filogentico de Mead, Habermas (2012) ir recorrer teoria de Durkheim (2003). A ideia requer complementar Mead (1934), resgatando de Durkheim (2003) o aspecto do simbolismo religioso como elemento arcaico da conscincia normativa.

    Em sntese, a estratgia habermasiana visa reconstruir o conceito durkheimniano (2003) de conscincia coletiva para verificar uma raiz pr-linguistica do agir comunicativo, dotada de carter simblico; isso torna possvel sua introduo numa anlise destinada a reconstruir o agir con-forme normas (Habermas, 2012, p. 86). Conforme Durkheim (1981 apud Habermas, 2012), a expresso religiosa representa um fenmeno respon-svel por garantir a unidade do grupo social. A religio uma verdadeira instituio social que, enquanto sistema solidrio de crenas e de prticas decorrentes do elemento sagrado, mantm a disciplina e a integrao social, impondo obrigaes.

    Em suma, Habermas considera como origem pr-lingustica do agir comunicativo o simbolismo religioso descrito por Durkheim, respons-vel pelo consenso normativo tradicional e pela reproduo simblica do mundo da vida. (Durkheim, 1981 apud Habermas, 2012). O sagrado que, antes, era responsvel pela reproduo simblica do mundo da vida, na modernidade, substitudo pelo consenso racional inspirado pelo agir comunicativo. A ruptura da unidade simbitica entre sociedade e religio ocorre quando as estruturas da ao comunicativa se tornam eficazes, a partir da linguistizao do sacro.

    No entanto, para Habermas (2012), a teoria de Durkheim (2003) deixa sem respostas as seguintes questes: como a identidade coletiva permite uma solidariedade social que se desdobra nas instituies? E

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    como compreender a individualidade dos membros do grupo social, par-tindo do conceito de identidade coletiva?

    Ademais, nas palavras de Habermas, Durkheim (2003) no faz uma distino clara entre a comunidade da prtica ritual, gerada por meio de smbolos religiosos e a intersubjetividade produzida mediante a linguagem (Habermas, 2012, p. 86). Alm disso, a desconsiderao de Durkheim (2003) em relao dimenso do entendimento lingustico suscita certo dualismo na explicao sobre o relacionamento entre indivduo e socie-dade. clara a assertiva de Habermas:

    [...] Porm, ele subsume apressadamente a comunidade do consenso normativo, realizado mediante normas, e a inter-subjetividade do saber, produzida por meio de atos de fala, sob o mesmo conceito de conscincia coletiva. Por isso, no fica claro o modo como as instituies extraem sua validade a partir das fontes religiosas da solidariedade social. Tal pro-blema s pode ser solucionado quando levamos em conta que a prtica cotidiana ou profana flui atravs de processos de entendimento diferenciados linguisticamente, obrigando a uma especificao de pretenses de validade para aes adequadas situao no contexto normativo de papis e ins-tituies. O agir comunicativo, que Durkheim no valorizou suficientemente, constitui o ponto de engate para as energias da solidariedade social. O descuido em relao dimenso do entendimento lingstico provoca o dualismo insatisfat-rio que transparece nas explicaes de Durkheim acerca da relao entre indivduo e sociedade (Habermas, 2012, p. 86).

    Com efeito, a Teoria da Ao Comunicativa pretende superar essa insuficincia terica de Durkheim (2003), com base em Mead, ao su-por que a formao da identidade se realiza pela comunicao lingstica (Mead, 1969 apud Habermas, 2012, p. 109). Na sua percepo, a es-tratgia de Mead (1934) mais convincente que a de Durkheim (2003), uma vez que destaca que o processo de socializao constitui um proces-so de individuao (Mead, 1969 apud Habermas, 2012).

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    Em face dessa leitura, Habermas (2012) reala que Durkheim (2003) no fornece uma explicao suficiente que explicite de que modo as for-mas de solidariedade mecnicas evoluem para formas orgnicas, permi-tindo uma transformao da conscincia coletiva. O autor, segundo Ha-bermas (2012), no explica consistentemente o fio condutor da evoluo a partir da ao comunicativa.

    Por fim, para Habermas, embora Durkheim (2003) acene para a ideia de linguistificao do sagrado, no estabelece uma elaborao deta-lhada. Nesse ponto, a teoria de Mead (1934) denota-se promissora para a tica discursiva, pois entende a diluio comunicativa de instituies apoiadas na tradio e na autoridade sagrada como racionalizao (Ha-bermas, 2012, p. 167). Mead (1934), para o filsofo alemo, consegue responder ao seguinte questionamento: que estruturas uma sociedade deveria assumir, caso sua integrao social abandonasse inteiramente as bases sagradas e passasse a adotar o consenso obtido por vias comunicati-vas? (Habermas, 2012, p. 167).

    Com o objetivo de fundamentar linguisticamente a lgica da evolu-o social, Habermas (2012) recorre a Mead (1934), pois somente esse consegue fundamentar a moral universalista de modo que ela possa ser entendida como o resultado de uma racionalizao comunicativa, isto , como consequncia da liberao do potencial de racionalidade contida no agir comunicativo (Habermas, 2012, p. 168).

    Nesse sentido, segundo Habermas (2012), Mead (1934) modifica o argumento kantiano, ao delinear uma teoria da sociedade que fundamenta a validade social das normas morais. Habermas (2012) alega que o julga-mento de questes morais pressupe a considerao imparcial do interesse geral de todos os afetados. Para tal empreendimento, Habermas (2012) assimila de Mead (1934) a ideia de uma comunidade de comunicao ide-al, visto que o sujeito que julga moralmente no pode analisar monolo-

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    gicamente a validade de uma norma para o interesse geral dos afetados, assumindo relevncia o mecanismo de assuno de perspectivas.

    Sob esse aspecto, no artigo Individuao atravs de socializao sobre a teoria da subjetividade de George Herbert Mead, Habermas (2002, p. 220) pondera que a comunidade ilimitada de comunicao constitui uma suposio idealizadora de uma forma de vida universalista, onde cada um pode assumir a perspectiva de cada um dos outros e onde cada um pode contar com o reconhecimento recproco por parte de to-dos. Habermas (2002), em passagem elucidativa, postula que:

    [...] No agir comunicativo, as suposies de auto-determina-o e de auto-realizao mantm um sentido rigorosamente intersubjetivo: quem julga e age moralmente tem de poder esperar o assentimento de uma comunidade de comunica-o ilimitada e quem realiza uma histria de vida assumida responsavelmente tem de poder esperar o reconhecimento dessa mesma comunidade. De acordo com isso, a minha identidade prpria, ou seja, minha autocompreenso como um ser individuado que age autonomamente, s pode esta-bilizar-se se eu for reconhecido como esta pessoa (Haber-mas, 2002, p. 226).

    Nessa perspectiva, a ideia de uma comunidade universal constitui uma suposio ideal que permite a compreenso de um self inserido em uma comunidade projetada, porquanto nenhum argumento, em princpio, imune a processos dialgicos de reflexo crtica. O resgate dessa comuni-dade ampla propicia a formao de um sujeito autnomo que orienta suas aes por princpios universais. Nas palavras de Habermas, Mead atribui a toda pessoa que desempenha o papel de um participante de um discur-so universal, a autonomia e fora de autorrealizao espontnea, as quais permitem que ela se desvencilhe das amarras inerentes s condies vitais concretas e habituais (Mead, 1969 apud Habermas, 2012, p. 177).

    Portanto, Habermas (2012) cria um vnculo entre identidade do Eu e comunidade de comunicao universal. Em suas palavras, a comunidade

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    de comunicao ideal tem como caracterstica prpria uma identidade do eu que possibilita a autorrealizao na base de um agir autnomo (Haber-mas, 2012, p. 180).

    Antes de tudo, relevante considerar que o modelo intersubjetivo de ego produzido socialmente, desenvolvido por Mead (1969 apud Ha-bermas, 2012), supe o papel constitutivo do reconhecimento do outro na construo da subjetividade. Analisando a gnese comunicativa do self reflexivo, Habermas salienta que a individuao depende da interna-lizao das agncias que monitoram o comportamento, que migram, por assim dizer, de fora para dentro (Habermas, 2002, p. 186-187). Compre-ende-se que a individuao no ocorre em uma perspectiva monolgica de um sujeito solitrio, mas se insere em um contexto de socializao, por meio do qual a ao comunicativa estabelece processos intersubjetivos mediados linguisticamente.

    Todavia, o significado das instncias do I e Me diverso para Ha-bermas (2002; 2012) e para Mead (1934). Mead (1934) enfatiza que o I deve ser compreendido em um sentido de espontaneidade, concebido em termos de respostas originais, mas que devem ser contextualizadas. Esse momento de espontaneidade no se confunde com a ideia haber-masiana de reflexividade autnoma.

    Nesse quadro terico, Habermas (2002) considera o Me de Mead como o elemento convencional do self ao qual se contrape o I. Nes-se particular, analisando o desenvolvimento do self reflexivo, Halph Ings Bannell ressalta que o Me de Mead, em Habermas, pode ser considerado como uma conscincia moral convencional (Habermas, 2002 apud Ban-nell, 2006, p. 108). Leciona Bannell, acerca da perspectiva habermasia-na, que o Me de Mead representa uma fora conservadora, dependente das formas de vida e instituies praticadas e reconhecidas em uma deter-minada sociedade (Habermas, 2002 apud Bannell, 2006, p. 108).

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    No obstante, o I constitui um elemento no convencional do self, cujos impulsos libertrios passam a problematizar tais padres, sendo capaz de contrapor-se aos controles convencionais do Me, pois, no nvel con-vencional da evoluo moral da sociedade, a dialtica entre o I e o Me delineada em termos de um controle opressivo do primeiro pelo segundo.

    No entanto, para Habermas (2002), na identidade ps-convencio-nal, o I tem potencialidade de se distanciar reflexivamente dos padres considerados legtimos em uma sociedade. A questo fundamental, para Habermas (2002), : se o self se forma em um contexto intersubjetivo que pressupe a internalizao do outro generalizado, como o indivduo pode transcender reflexivamente as contingncias de uma forma de vida especfica, em uma perspectiva ps-convencional?

    Diante dessa estrutura conceitual, tal dilema terico resolvido de maneira bastante original por Haberrmas (2002). O I projeta um novo Me, que se traduz em uma nova dimenso intersubjetiva de condies de comunicao de um discurso universal, tornando possvel a passagem para uma moralidade ps-convencional. A comunidade ilimitada de co-municao constitui uma suposio idealizadora de uma forma de vida universalista, onde cada um pode assumir a perspectiva de cada um dos outros e onde cada um pode contar com o reconhecimento recproco por parte de todos1 (Habermas, 2002, p. 220).

    Por conseguinte, em face dessa trajetria filosfica, a projeo da comunidade universal encontra fundamento na prpria estrutura lingusti-

    1 Nesse sentido, leciona Mitchell Aboulafia, acerca da perspectiva habermasiana, que o filso-fo, ao apelar para uma comunidade universal de comunicao, considera que o self somente se torna autnomo quando rompe com a perspectiva convencional (Habermas, 1992 apud Aboulafia, 1995). Aboulafia (1995, p. 95-113) menciona que: mesmo que concordemos que as condies para a possibilidade de autonomia podero ser melhor alcanadas ao considerar o papel de uma comunidade de comunicao ilimitada, isso no implicaria que um sentido ps-convencional de individuao seria melhor alcanado dessa forma.

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    ca, permitindo ao indivduo, no um desengajamento, mas uma insero em uma comunidade projetada. de se mencionar que, segundo Haber-mas (2002), a partir dessa comunidade idealizada, o self se autodefine como tendo uma histria de vida que no circunscrita por qualquer papel particular. A identidade do self ps-convencional somente pode autoestabilizar-se por meio da antecipao de relaes simtricas de re-conhecimento recproco.

    mister sublinhar que, ao desenvolver o processo de evoluo das sociedades como um aperfeioamento dos nveis de aprendizagem, Ha-bermas (2002) aposta nas estruturas da racionalidade desenvolvidas no nvel cultural, como um substrato lingustico capaz de inspirar formas mais aprimoradas de integrao social. No entanto, Aboulafia (1995) acentua a maneira problemtica de acordo com a qual Habermas (2012; 2002) conecta as noes de autonomia e de individuao.

    No ensejo, Aboulafia sobreleva que, ao apelar para uma comunida-de ilimitada de comunicao, ele acredita que encontrou um momento de liberao do nvel convencional que lhe permite ser autnomo (Aboulafia, 1995, p. 105). Sob tal prisma, Aboulafia (1995) critica a proposta haber-masiana de transformar o problema da individuao em uma espcie do problema da autonomia.

    Outrossim, destaca tambm que, para Habermas, tanto autode-terminao como autorrealizao exigem serem resguardadas do limite sufocante da convencionalidade do Me. Mead no v o Me nesta dimen-so (Habermas, 1992 apud Aboulafia, 1995, p. 107). Por fim, Aboulafia (1995) enfatiza que a noo de comunidade ilimitada de comunicao, em vez de ser concebida como parmetro ideal de interao o que Mead (1934) defenderia para Habermas, constitui uma condio para a possibilidade da autonomia e histria de vida individuada (Habermas, 1992 apud Aboulafia, 1995, p. 111).

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    premente ponderar que a questo da formao da identidade, em Habermas (2002), possui dois aspectos importantes: a constituio inter-subjetiva da identidade e o projeto normativo de autonomia do sujeito. Assim, em relao ao primeiro aspecto, Maeve Cooke (1994), professo-ra da University College Dublin, na Irlanda, em sua obra Language and Reason, notabiliza que a noo habermasiana (2012) de subjetividade no prejudicada pressupe o estabelecimento de relaes simtricas de reconhecimento mtuo vinculadas ao processo de racionalizao do mundo da vida. pertinente o seguinte comentrio de Maeve Cooke:

    [...] Habermas tambm expressa o contedo utpico da ideia de racionalidade comunicativa em termos de racio-nalizao do mundo da vida. Ns podemos ver como ele alcana este aspecto, se ns nos lembrarmos na sua identi-ficao de trs componentes estruturais na reproduo sim-blica do mundo da vida tradies culturais, integrao social e o desenvolvimento das identidades individuais e aplicarmos cada um destes noo de busca por entendi-mento atravs da avaliao crtica e aberta de pretenses de validade. Essa produz a ideia de uma sociedade na qual (a) h uma permanente reviso das interpretaes e prticas tradicionais, de forma que nenhum elemento dos quais considerado como sendo isento de crtica, (b) as identida-des dos sujeitos individuais so autorreguladas atravs de processos de reflexo crtica e, num nvel elevado, destaca-das dos contextos culturais concretos (Cooke, 1994, p. 44).

    Diante do exposto, conclui-se que, na tica discursiva, somente a ao orientada para o entendimento, como expresso de uma morali-dade ps-convencional, pode inspirar uma concepo de identidade do sujeito individual como nico e distinto dos outros sujeitos. Nesse cen-rio, Habermas (2002) apela para padres de pretenso de validade uni-versais que transcendem um contexto sociocultural especfico, porquanto as prticas intersubjetivas de comunicao constituem uma caracterstica universal da espcie humana.

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    Sob esse prisma, para Cooke, o autor assevera que:

    [...] o sujeito individual torna-se autnomo, ou geralmente realiza seus potenciais como um ser humano, somente den-tro de relaes intersubjetivas nas quais suas pretenses validade moral (no caso da autonomia) e da autenticidade (no caso da auto-realizao) so reconhecidas como vlidas (Habermas, 1992 apud Cooke, 2003, p. 284).

    O elemento fundamental do projeto habermasiano (2002; 2012) de reconstruo de uma teoria crtica da sociedade diz respeito ao poder transcendente e universal das pretenses de validade.

    4 Concluso

    A teoria de Mead (1934) fundamental para Habermas (2002; 2012) e para Honneth (2003; 2009), pois no recorre ao individualismo metodolgico, explicando os fenmenos sociais e o comportamento so-cial em uma perspectiva intersubjetiva. No tem a pretenso de derivar o elemento social a partir do individual, pois a formao do self individual surge a partir da interao entre valores e papis constitudos socialmente.

    Nesse ponto, depreende-se que a releitura habermasiana acerca da psicologia social de Mead (1934) constitui um instrumental terico importante para a concepo de self reflexivo; Honneth (2003), por sua vez, resgata Mead (1934), com o intuito de atualizar o legado hegelia-no (1984), conferindo-lhe dimenso sociolgica. De um lado, a distino entre I e Me assume relevncia para Honneth (2003), por conectar-se s ideias de realidade e de potencialidade.

    De outro lado, para Honneth (2009), a possibilidade de aplicar nor-mas universalistas de forma sensvel ao contexto no necessariamente afirmao dos valores do ambiente e pressupe capacidade de refletir sobre seus impulsos, percebendo que existem motivos mais profundos,

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    implcitos s aes. Em Luta por Reconhecimento, Honneth (2003) desta-ca serem as experincias traumticas que impulsionam a reflexo, ou seja, quando h ruptura da cotidianidade, da normalidade, quando se depara com algo inusitado e se alcana um nvel maior de autonomia. No entan-to, compreendemos que o modelo tripartite freudiano (1969) no possui correspondncia com o I de Mead (1934), pois esse, diferentemente da ideia de inconsciente, suscetvel evoluo histrica.

    Em sntese, para Habermas (2002), tanto autodeterminao como autorrealizao exigem distanciar-se da convencionalidade do Me. No entanto, Mead (1934) no concebe o Me nessa dimenso. Nesse sentido, para Mead (1934 apud Aboulafia, 1995, p. 106), ns no procuramos simplesmente garantir que sejamos nicos, mas nicos de alguma maneira especfica, na relao com uma comunidade vital. Ou seja, Habermas (2002; 2012) busca uma abordagem mais abstrata de individualidade e de autonomia que no estabelecida por Mead (1934) e, muito menos, por Honneth (2003; 2009).

    Em suma, Habermas (2002), com base em Mead (1934), transforma o problema da individualidade no problema da autonomia. Como salienta Aboulafia (1995), para Habermas (1992 apud Aboulafia, 1995, p. 107), a soluo para a convencionalidade do Me implicar em apelar para um self capaz de definir a si prprio em termos de uma comunidade que transcende o dado. Para Mead, diferentemente de Habermas (2012), o I pode ser visto como efetivando princpios que esto implcitos em uma dada sociedade ou poca histrica. Sua atividade criativa , s vezes, uma descoberta de possi-bilidades implcitas (Mead, 1934 apud Aboulafia, 1995, p. 107).

    Com efeito, a preocupao fundamental de Habermas (2002; 2012), em sua releitura da psicologia social de Mead (1934), se concentra em que o desenvolvimento do self alcance um nvel de ps-convencio-nalidade. A preocupao de Honneth (2003), ao resgatar Mead (1934),

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    vincula-se aos contextos de vulnerabilidade moral, ou seja, possibilida-de de evitar os danos que o self possa sofrer na formao da identidade pessoal. Para Honneth (2003), a experincia do desrespeito o impulso motivacional da dialtica entre o I e o Me. Nas palavras de Honneth, pois a tenso afetiva em que o sofrimento de humilhaes fora o indivduo a entrar s pode ser dissolvida por ele na medida em que reencontra a pos-sibilidade da ao ativa (Honneth, 2003, p. 224).

    Diante dessa estrutura conceitual, entende-se que a mudana de paradigma habermasiano do exerccio crtico da razo relativamente psicologia social de Mead (1934) para o paradigma da autorrealizao delineado por Honneth (2003; 2009) se revela incoerente. Se a dialtica entre o I e o Me est conectada s experincias de sofrimento individu-al, atribuindo vulnerabilidade moral um potencial normativo capaz de impulsionar a expanso das relaes de reconhecimento, a releitura de Honneth (2003; 2009) sobre Mead (1934) demostra-se incapaz de supe-rar, por exemplo, contextos nos quais h felicidade ilusria.

    Nesse quadro terico, em determinadas culturas, os indivduos po-dem ser to explorados e os seus atributos to desvalorizados na esfera da diviso do trabalho, que so incapazes de perceber sua situao de opresso. Sustenta-se aqui que o escravo feliz, por meio de pretenses de validade universais que transcendem um universo cultural especfi-co, pode ser capaz de refletir criticamente sobre sua efetiva situao de opresso, tendo em vista uma moral ps-convencional. Defende-se, final-mente, que uma releitura da psicologia social de Mead (1934) com base no paradigma normativo da autorrealizao no possui recursos tericos com potencialidade para avaliar as injustias contemporneas e atender aos desafios propostos pelos novos movimentos sociais, porquanto a am-pliao das dimenses de reconhecimento no pode basear-se em uma apologia da psicologia moral do sofrimento. Maria Eugnia Bunchaft - Doutora em Teoria do Estado e Direito Constitucional

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    pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro e Ps-Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora da Graduao e do Pro-grama de Ps-Graduao em Direito na Universidade do Vale dos Sinos (Brasil).

    [email protected]

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    Recebido em: 16/06/2013Aceite final: 28/02/2014