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    EM BOA FORMA: A PERCEPO DO CORPO FEMININOP g i n a | 11

    CSOnlineRevista Eletrnica de Cincias Sociais, ano 3, ed. 6, jan./abr. 2009

    EM BOA FORMA: A PERCEPO DO CORPO FEMININO

    Brbara Nascimento DuarteUniversidade Federal de Juiz de Fora

    Mestranda em Cincias [email protected]

    Resumo

    Na contemporaneidade o corpo se tornou objeto de frequente reflexo antropolgica epesquisa, j que ele o primeiro e mais natural instrumento do homem e um valor

    cultural que classifica, integra e exclui os indivduos da sociedade. Assim sendo, estetrabalho se prope a desenvolver uma linha de reflexo sobre os discursos femininosreferentes percepo corporal veiculados na revista feminina Boa Forma. Pondera-sesobre como os dilemas femininos refletem o Mito de Beleza, que apregoa um evangelhoque suporta um sistema de crenas e representaes poderoso. Dessa forma, pensar ocorpo feminino permite refletir como a cultura e o imaginrio social desvendamvariados sentidos, destacando o corpo no somente um capital fsico, mas simblico,econmico e social.

    Palavras-chave: Corpo, Mito da beleza, Boa Forma

    INTRODUO

    O corpo est presente em todos os lugares: dos discursos nos meios de

    comunicao arte. Em vrios momentos a temtica se concentra em torno dele, pois

    uma forma de se registrar a marca do imaginrio das sociedades, traar e moldar um

    processo identitrio. Assim como a cultura, o corpo tambm passa por diversas

    transformaes que representam um momento particular de determinada sociedade.Particularmente o corpo feminino no sculo XV e VXI era farto, os seis grandes

    e ancas largas, sinal de fertilidade. Os corpos gordos tinham sua beleza to admirada

    que eram retratados em quadros e ilustraes. No sculo XIX, as mulheres tornaram-se

    extremamente sedutoras e o corpo curvilneo passou a ser valorizado em detrimento dos

    corpos gordos. Marilyn Monroe foi marca da sexualidade feminina e tornou-se smbolo

    de desejo e consumo em sua poca. Posteriormente, as formas mignonsse avolumaram,

    contudo, a cintura de pilo manteve-se intacta. Lesley Hornby, atriz e cantora britnica

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    cone dos anos 60, tinha o corpo

    valorizado pela poca, que era smbolo

    de elegncia e poder- o corpo magro,

    padro de beleza extremamente jovem e

    magro. No Brasil, o corpo violo seguiu

    a tendncia e deu lugar ao corpo tbua.

    Como reflexo da busca da igualdade

    dos sexos, surgiu a super mulher que

    era poderosa com seus cabelos longos,

    arrumados e as ombreiras dos casacos

    gigantes. Buscando o padro corporal,as mulheres adotaram as intervenes

    cirrgicas, os tratamentos estticos e as

    dietas milagrosas.

    No sculo XX e XXI o que era

    oculto passou a ser publicamente

    exibido. Prega-se nessa era a

    conformidade com um padro estticochamado boa forma. A magreza, que

    no passado lembrava doena, ainda

    mais valorizada e a gordura

    representada como excesso e acmulo.

    Em nossa sociedade hoje se valoriza a

    esbeltez, enquanto no passado as

    rechonchudas eram objeto de desejo. Oformato ideal do corpo feminino estaria

    se tornando tubular, substituindo o

    formato violo (Queiroz, 2000, p.44).

    Surgiu ento a idolatria pelo corpo

    perfeito, uma forma de exibir como a

    natureza foi subjugada pela cultura.

    Nesse contexto, esse trabalho se

    prope a considerar o corpo como

    prtica discursiva visando compreender

    conceitualmente e empiricamente como

    o corpo um valor capaz de integrar o

    indivduo na sociedade, o destacando

    dos demais. Vale lembrar que aps um

    milnio de puritanismo o corpo

    redescoberto e se torna objeto de

    salvao, a primeira condio para se

    encontrar a felicidade. Nos dizeres deMirian Goldenberg Com que corpo eu

    vou?.

    UMA SOCIOLOGIA DO CORPO

    A sociologia do corpo prope a

    corporeidade humana considerando-ano como um aspecto somente natural,

    mas tambm social e cultural, uma vez

    que se acredita ser possvel, atravs

    dele, possvel compreender as lgicas

    sociais e culturais que regem uma

    sociedade, j que ele nasce com e

    propaga significado. Mais alm, emissor e receptor de significados e faz

    do mundo a medida de sua experincia,

    inserindo-se em espaos sociais e

    culturais dados (Le Breton, 2002).

    Por mais evidente que se

    conceba a noo de corpo, vale dizer

    que no h nada mais difcil que

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    entranhar em seu significado o corpo

    parece ser algo evidente, mas,

    finalmente, no h nada menos difcil

    de penetrar que ele (ibid, p. 27). Uma

    vez que sua representao fruto de

    representaes sociais,

    consequentemente, para compreend-lo

    necessrio ir mais alm, penetrando

    nas estruturas da sociedade, decifrando

    as normas que a regem, pois o corpo

    uma falsa evidncia: no um dadoevidente, mas sim efeito de uma

    elaborao social e cultural (ibid.,

    p.28).

    O corpo uma realidade que

    pode se modificar de sociedade para

    sociedade j que os signos que o

    definem variam, e em consequnciatambm os ritos que se relacionam a ele.

    No obstante, uma estrutura simblica

    capaz de traduzir o imaginrio social e

    assume nas sociedades individualistas o

    limite das relaes ao se inserir numa

    trama de sentidos.

    CORPO- SISTEMA DESIGNIFICAES

    O corpo um sistema de

    significao cuja relevncia possibilita

    encontrar qualquer crena, costume e os

    elementos de significados que leva o

    esprito do homem a dar sentido a vida

    social, mesmo em domnios onde

    aparentemente no h qualquer sentido.

    Do mesmo modo, o estudo das

    prticas corporais se justifica,

    sobretudo, desde a escola sociolgica de

    Durkheim e Mauss, donde surgiu o

    texto As Tcnicas Corporais (Mauss,

    2003), no qual o autor discute sobre o

    primeiro meio tcnico do homem de se

    relacionar com a natureza: seu prprio

    corpo, entendendo por essa palavra as

    maneiras como os homens, sociedade

    por sociedade e de maneira tradicional,

    souberam servir-se de seus corpos

    (ibid.p.211). O corpo dessa forma

    pensado como ferramenta,

    instrumento, meio e tcnica criadas pela

    cultura para se alcanar objetivosexteriores e passveis de transmisso. O

    pesquisador ao avaliar os dados de sua

    pesquisa no tem uma atitude

    totalmente neutra e objetiva, mas h um

    esforo em se aproximar dessa

    objetividade e neutralidade.

    Lvi- Strauss props que ocomportamento humano e suas relaes

    sociais so constituintes de uma

    linguagem. Para ele, h uma estrutura

    no inconsciente humano que no tem

    como finalidade controlar a natureza ou

    os eventos, mas que visa determinar e

    sistematizar. A cultura consiste na

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    resultante dessa atividade humana que

    garante a existncia do grupo enquanto

    grupo ao substituir o aleatrio pelo

    organizado. Essa organizao

    entendida por ele como uma atribuio

    de sentidos, fundamentando-se num

    conjunto de normas que d finalidade

    ao, que estipula, institui e

    convenciona valores e significaes que

    permitem que os indivduos e grupos se

    comuniquem acerca de um objetocomum (ibid.). Assim sendo concebida,

    a sociedade no ento uma coisa,

    porm, sobretudo, uma construo do

    pensamento provida de sentido e

    significao.

    Como a cultura o que distingue

    as sociedades e orienta ocomportamento durante a vida social, os

    indivduos se comportam de acordo

    com suas exigncias mesmo

    inconscientemente, devido aos

    comportamentos que so introjetados,

    ou melhor, aprendidos e assimilados

    atravs da socializao. Ressaltandoque todo comportamento humano est

    inserido na cultura, pois ela um

    sistema de representaes que

    estabelece os contrastes que so

    necessrios para a constituio do

    sentido que damos ao mundo e s

    relaes sociais, e esta por sua vez s

    existe em oposio natureza, conceito

    com seu sentido construdo

    culturalmente. Acercando-nos dessa

    conceituao, possvel colocar em

    discusso o corpo como smbolo, como

    construo cultural, tendo em vista que

    as sociedades se manifestam

    diferentemente atravs dele e cada

    indivduo portador dessas

    especificidades culturais

    A cultura ordena o universo pormeio da organizao de regras sobre a

    natureza, logo, no podemos pensar o

    corpo como puramente biolgico, uma

    vez que atravs dele que o indivduo

    transcende os determinismos biolgicos

    e torna-se efetivamente humano, j que

    o homem deve sua humanidade formacomo a sociedade treinou seus sentidos,

    determinando como deve ser sua

    relao com os outros, legitimando-o,

    logo, como homem.

    No reservatrio do imaginrio

    social, denominado corpo, esto

    inseridas todas as representaes queidentificam o ator e seu vnculo social

    com o entorno. Atravs dessa relao a

    corporeidade se molda por ser uma

    matria simblica e objeto da

    construo da sociedade e das

    transformaes culturais. Por

    conseguinte, o corpo um meio de

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    anlise privilegiado para se colocar em

    evidncia fatos sociais e compreender

    determinados fenmenos

    contemporneos, j que um objeto

    concreto carregado de novas prticas e

    discursos sociais. O corpo e a aparncia

    o espelho do social, sobre isso pode se

    afirmar que,

    Trata-se de signosdisseminados da aparnciaque facilmente podemconverter-se em ndicesdispostos para orientar oolhar do outro ou paraclassific-lo, sem que elequeira, debaixo de umadeterminada etiqueta moralou social (...). Esta prtica daaparncia se transforma emum desafio social, em ummeio deliberado para difundir

    informaes sobre umamesma pessoa. (Le Breton,2002, p.82).

    No Brasil o corpo sempre foi

    objeto de constante preocupao.

    Gilberto Freire, com um tom de crtica,

    esclareceu como a moda brasileira

    feminina sofreu com a re-europeizao,momento no qual os brasileiros

    voltaram a importar os padres

    europeus tanto de comportamento

    quando de moda.

    Mas nas duas ltimas dcadas

    (Goldenberg, 2007a) esse desejo de

    imitar ganhou muito mais foras no

    Brasil. A mulher brasileira natural,

    diga-se miscigenada, com corpo

    equilibrado de contrastes, com beleza

    diversificada, abre espao para um novo

    modelo de corpo, criando novos ideais

    de beleza como Vera Fischer, Xuxa e

    Gisele Bndchen, cones imitados pelas

    brasileiras. Firmado em Mauss

    afirmamos que atravs da imitao

    prestigiosa tanto a criana, como o

    adulto, imita atos que obtiveram xito eque ela viu serem bem sucedidos em

    pessoas em quem confia e que tem

    autoridade sobre ela (2003, p.215). Ou

    seja, por meio da imitao prestigiosa

    tanto o corpo vai sendo culturalmente

    formado como a forma de lidar com ele.

    Consequentemente, determinadosatributos vo sendo abandonados para

    que novos tomem seu lugar, pois os

    indivduos iro sempre imitar

    Comportamentos e corposque obtiveram xito e quetem prestgio em sua cultura.No caso brasileiro, as

    mulheres imitveis, asmulheres de prestgio, so,atualmente, as modelos,atrizes, cantoras eapresentadoras de televiso,todas elas tendo o corpocomo seu principal capital,ou uma de suas maisimportantes riquezas.(Goldenberg, 2007a, p.23).

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    A noo de corpo como capital

    foi suscitada por Michelle Pags-Delon

    (Le Breton, 2002) que define as

    aparncias pessoais como uma espcie

    de capital-aparncia, cujos recursos

    devem ser muito bem administrados a

    fim de se obter o maior rendimento e,

    portanto, deve ser objeto de

    preocupao constante. Goldenberg

    (2007a) desenvolve mais esse conceito

    no caso brasileiro, considerando o corpode fato como uma riqueza tanto nas

    camadas mdias e nas pobres, como um

    instrumento que permite a ascenso

    social, a insero no mercado de

    trabalho, de casamento e sexual, sua

    centralidade naturalmente evidente.

    De acordo com Goldenberg(2007a) no Brasil assiste-se uma

    crescente glorificao do corpo e uma

    nova moral- a da boa forma. O que

    antes deveria ser escondido agora

    passvel de ser exibido, reafirmando o

    perodo do afrouxamento moral que se

    vive atualmente, nunca presenciadoantes. Surge a essa nova moral, com

    novos signos que pregam a liberdade e

    exigncia de que todos se enquadrem no

    novo padro esttico. O indivduo deve

    aprender a controlar no somente seus

    instintos, desejos, pulses tanto quanto

    sua aparncia fsica, e cada dia mais

    estimulado tanto por meio de jornais,

    revistas e televiso que exibem

    cotidianamente corpos perfeitos que

    atingem o imaginrio social.

    Ao ir banca de jornal, o

    indivduo nem precisa procurar revistas

    especializadas em esttica para ser

    atingido pela mensagem da boa forma

    e corpo perfeito. Basta, simplesmente,

    olhar ao seu redor e ver inmeros

    exemplares quem contm textos comoemagrea e conquiste seu marido de

    volta, conquiste o corpo dos seus

    sonhos, dicas baratas para emagrecer

    sem muito esforo, emagrea e seja

    feliz, alm de uma diversidade de

    orientaes para se aprender a

    disciplinar o corpo a fim de manter aeterna juventude, ideal criado e

    recriado principalmente no Brasil.

    No o bastante, h as revistas

    masculinas com imagens de corpos

    femininos expostos que exibem corpos

    seminus desejados sexualmente pelos

    homens e esteticamente pelas mulheres.De acordo com o maquiador Kak

    Moraes, que j montou vrias capas da

    revista masculina difusora do padro de

    beleza das coelhinhas da Playboy,

    as mulheres que posam para aPlayboy,

    hoje, so mais paranicas com o fsico

    do que em qualquer outra poca.

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    Querem saber o que o computador pode

    retocar, se o nariz vai sair daquele jeito,

    tm crise de choroi. Vive-se um

    contexto em que a beleza no mais

    fruto da obra divina e natural, sim

    conseqncia do esforo individual e da

    autodisciplina. De tal modo, cada

    indivduo responsvel ou

    irresponsvel por se enquadrar ou no

    nos padres, pelo sucesso ou fracasso

    do seu corpo.Do mesmo modo o conceito de

    decente e indecente tambm varia na

    atualidade. Como o vesturio tornou-se

    um acessrio na sociedade brasileira,

    nada mais faz que ressaltar o corpo

    feminino e descobri-lo. O corpo nu,

    que anteriormente no deveria serexposto, poder expor-se sem

    escandalizar se estiver dentro das

    normas de beleza vigentes, no sendo

    indecente para quem est de acordo com

    o ideal exibir determinadas partes do

    corpo, pois se acredita que a roupa deve

    estar condizente com a forma fsica. Asituao inversa verdade. Quem no

    est de acordo com os atuais padres

    vigentes de beleza e boa forma deve

    esconder seu corpo ou se valer de

    artifcios para no ressaltar o que tido

    como excesso. Noutras palavras, no

    qualquer corpo nu que tem liberdade de

    expresso sem ser julgado indecente,

    mas somente aqueles que conseguiram,

    sob muito esforo e sacrifcio, se

    enquadrar nos padres sociais do belo

    (Goldenberg, 2007b).

    Finalmente, os indivduos

    constroem suas identidades atravs de

    suas permanentes escolhas e sofrem

    coeres que possibilitam a construo

    de estilos de vida atravs da

    incorporao de tendncias, autorizandoo contraponto da comunicao entre o

    indivduo e a coletividade,

    possibilitando que eles se identifiquem

    e que continuem singulares.

    MITIFICANDO A BELEZA

    Aps um longo perodo de

    silncio e opresso, as mulheres

    derrubaram as crenas antigas e at

    ento respeitadas quanto ao seu papel

    social, lutando pela conquista de seus

    direitos legais, buscando uma educao

    formal, tornando-se prsperas e,sobretudo, mulheres liberais.

    Mas ser que a liberdade

    conquistada por essas mulheres de

    fato real? Talvez elas no sejam to

    livres quanto gostariam de ser, e a

    sensao de falta de liberdade tem a ver

    com questes que efetivamente no

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    deveriam ser to importantes. Estas

    esto geralmente relacionadas

    aparncia fsica que as muitas mulheres

    sentem vergonha de admitir serem

    relevantes para suas vidas.

    No passado, quanto mais

    numerosos se tornavam os obstculos

    legais e materiais vencidos pelas

    mulheres, mais rgido se tornava o

    padro de beleza imposto a elas.

    medida que elas abriam brechas naestrutura de poder, havia a ascenso de

    novos distrbios e prticas relacionados

    com alimentao, e a cirurgia plstica

    esttica tornou-se uma grande

    especialidade e tendncia entre as

    mulheres, at mesmo jovens

    adolescentes.Naomi Wolf (1992) define o

    mito da beleza como a verso

    moderna de um reflexo social, uma

    reao ao feminismo que tem se

    utilizado de imagens de beleza como

    instrumento poltico contra o avano

    das mulheres. Assim, a ideologiafeminina da beleza possui o poder de

    control-las, exercendo a influncia de

    outros mitos antigos como da

    domesticidade, passividade e

    maternidade. Alm disso, os novos

    direitos adquiridos atravs do controle

    da reproduo do mulher ocidental

    uma nova viso e forma de lidar com o

    prprio corpo.

    Afirmamos que a qualidade

    beleza universal, contudo, os padres

    de beleza no. E mais, para eles

    continuarem a existir necessria a

    existncia de mulheres que desejem

    encarn-los. Os homens, por sua vez,

    buscam as mulheres belas e frgeis, pois

    essas seriam as que tm maior sucesso

    na reproduo, baseado no sistema daseleo sexual. Mas,

    Nada disso verdade. Abeleza um sistemamonetrio semelhante aopadro ouro. Como qualquersistema, ele determinadopela poltica e, na eramoderna, no mundo

    ocidental, consiste ltimo emelhor conjunto de crenas amanter intacto o domniomasculino. (Wolf, 1992, p.15)

    Afinal, em que se baseia o mito

    da beleza proposto pela autora? Ele no

    tem relao com as mulheres, mas com

    o poder institucional dos homens. O que

    uma determinada poca considera como

    belo, desejvel so os smbolos do

    comportamento feminino aceitvel e

    que buscado nesse perodo, pois o

    mito da beleza determina o

    comportamento, no a aparncia (ibid.

    p.17). No obstante, a identidade

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    feminina deve ser baseada em sua

    beleza colocando as mulheres num

    patamar vulnervel devido

    dependncia da aprovao e do olhar

    externo.

    O mito da beleza, em sua nova

    verso, sustenta uma frequente

    comparao com um ideal fsico

    amplamente difundido. Assim, como

    vrias fices fundamentais a

    feminilidade foram desfeitas, o controlesocial teve de ser reescrito e reforado

    substancialmente. Desta forma, vrias

    restries foram impostas ao corpo e

    rosto feminino, e o tempo que antes era

    dedicado s atividades domsticas e

    familiares, ao domnio privado, foi

    tomado pela preocupao com a beleza.Esse mito, que se alastra em ritmo

    epidmico, to forte quanto qualquer

    outro relativo feminilidade que j

    existiu at hoje.

    O MITO DA BELEZA NASREVISTAS FEMININAS

    Devido submerso feminina e

    ao seu isolamento do mundo, as

    mulheres dependem mais do que os

    homens dos modelos culturais que esto

    sua disposio. Consequentemente

    tendem a ser mais influenciadas por

    estes, porquanto por terem poucos

    modelos a imitar no mundo real, as

    mulheres os procura nas telas e revistas

    femininas (Wolf, 1992, p.76). Dessa

    forma, muitas mulheres reagem diante

    das imagens ideais como se essas

    fossem um mandamento inquestionvel,

    pois elas adquiriram, sobretudo nos dias

    atuais, uma importncia obsessiva e um

    objetivo a ser alcanado por cada

    mulher.

    As revistas femininasconcentram sua ateno nos esforos

    pela beleza e no nas atividades

    domsticas, sendo assim, so

    transmissoras dos aspectos mais

    essncias do mito, participantes desde a

    liberao feminina e colaboradoras de

    sua evoluo. Com a maior expanso daalfabetizao, crescimento do poder

    aquisitivo e os grandes investimentos de

    capital houve o avano das revistas

    femininas, que gerou a democratizao

    da beleza (Wolf, 1992).

    Contudo, a mulher de classe

    mdia posto que abandonava seu papelde dona de casa- e consumidora de

    produtos para o lar- se envolvia com

    questes da esfera pblica e aos poucos

    perdiam o interesse pelas revistas

    femininas que at ento retratava a

    mulher ainda ligada s atividades

    domsticas. Qual seria a razo para a

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    mulher liberada ler revistas femininas

    que no refletiam mais to diretamente

    sua condio social? Foi assim que

    entre os anos 60 e 80, sobretudo na

    Europa, houve uma forte queda no

    nmero de exemplares voltados ao

    pblico feminino. Eram as mudanas

    sociais impactando a mdia. No

    obstante, ainda no final dos anos 60,

    com a revoluo no mundo da moda

    que minimizou os padres da altacostura e introduziu um estilo para

    todos, o conhecimento tradicional que

    era proporcionado pelas revistas perdeu

    sua total importncia, pois o papel

    domstico da mulher evaporava-se.

    Naquele momento, s restava o corpo.

    Com novo foco, em 1969, arevista Vogue lanou o visual nu, que

    propunha liberar as mulheres das

    antigas restries da moda alm de um

    novo relacionamento com seu prprio

    corpo. Essa revoluo feminina deu um

    gancho para a cultura da substituio

    que passou a tratar o corpo da mulhercomo um novo problema, gerando um

    dilema existencial feminino com os

    cuidados corporais estticos. Em vista

    disso, as revistas especializadas

    comearam a tratar artigos relacionados

    dieta, usando a aparncia feminina

    contra as prprias mulheres. Essas

    novas revistas - com tom otimista,

    estimulante, individualizante- tentam

    conscientizar as leitoras a estarem em

    sua melhor forma, atravs dos artigos

    publicados sobre regimes, cuidados com

    a pele, cirurgias estticas, que vendem o

    que o dinheiro pode comprar, a fim de

    manter o mito vivo e eficaz.

    EM BOA FORMA

    O culto ao corpo se apresenta

    contemporaneamente como uma forma

    de consumo medida que atende

    necessidade mercadolgica consumista

    e, ao mesmo tempo, permite que o

    corpo seja um meio atravs do qual o

    indivduo transmite um estiloconstrudo, e mediado, principalmente,

    pela mdia. Trata-se, podemos dizer, de

    uma moda que coage, impe padres,

    normas, mas que paradoxalmente, abre

    espao para o gosto particular no qual o

    indivduo tenta mostrar sua

    singularidade medida que se apropriae reelabora esses ditames (Espm, 2004).

    Como os indivduos, medida

    que buscam construir suas identidades,

    estabelecem distines sociais, logo,

    nossa discusso deve caminhar

    clssica temtica da relao entre

    indivduo e sociedade. Nesse sentido,

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    busca-se compreender como os

    cuidados com a forma e a apresentao

    do corpo so estratgias de distino, e

    (re) definem as identidades no emprio

    de estilos complexos que o mundo

    contemporneo oferece. Para tanto, o

    presente trabalho buscou numa mdia,

    cujo espao aberto ao

    compartilhamento de opinies

    femininas sobre esttica corporal, os

    discursos sobre o corpo encontradosdesde o editorial s matrias e opinies

    expressas por suas leitoras.

    Assim sendo, foram

    selecionados alguns discursos editoriais

    da revista Boa Forma e falas de algumas

    leitoras inseridas nas revistas que

    compreendem o perodo de janeiro ajulho de dois mil e nove. A opo por

    essa revista se deu em razo de ser

    totalmente direcionada ao pblico

    feminino, cujo prprio nome reflete o

    tipo de orientao que possui, focando

    numa srie de dicas sobre nutrio,

    tratamentos estticos, moda e beleza.Atravs de um canal direto de

    comunicao com seu pblico, expressa

    as opinies enviadas e se prope a

    incentivar suas leitoras a cuidar e

    conquistar o corpo to desejado. De tal

    modo, esse material se constitui como

    um bom objeto de anlise, uma forma

    de se penetrar nas estruturas do

    imaginrio coletivo feminino sobre a

    relevncia que um corpo percebido

    como belo na contemporaneidade

    possui, inserindo e excluindo a mulher

    dos grupos sociais, gerando

    consequncias comportamentais e

    emocionais.

    Mas por que as mulheres

    contemporneas se preocupariam tanto

    com o que essas revistas dizem?Porque, possivelmente, embora

    banalizadas por alguns, elas

    representam, em uma limitada

    dimenso, a cultura orientada para a

    mulher. Elas retratam as mudanas da

    sua prpria realidade, so escritas por

    mulheres e para mulheres, so umespao onde suas preocupaes e

    dilemas dirios so considerados

    relevantes e onde as mulheres no se

    vem como rivais, mas tem condies

    de compartilhar seus sentimentos e

    preocupaes comuns. Enfim, as

    revistas femininas so uma forma dasmulheres se sentirem pertencentes a um

    mesmo grupo. E no somente, elas

    tambm propem modelos femininos a

    serem copiados, pois, em sua maioria,

    utilizam mulheres smbolos de sucesso.

    Em sequncia, a revista Boa

    Forma de publicao mensal e seu

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    pblico alvo consiste em mulheres que

    desejam ter uma vida mais saudvel

    atravs da prtica de exerccios e

    regimes alimentares, tematizando a

    esttica na linguagem da malhao, do

    fitness, e acena para a possibilidade de

    um corpo condicionado fisicamente e

    bonito. A observao dessa publicao

    revela a maneira como o culto ao corpo

    se coloca e se dissemina na sociedade,

    pois a economia contempornea

    depende neste exato momento da

    representao das mulheres dentro dos

    limites do mito da beleza (Wolf, 1992,

    p. 22) tendo em vista que elas so

    consumidoras indispensveis ao

    progresso da solidariedade industrial.

    Atravs de estratgias decomunicabilidade (Martn-Barbero,

    1997), isto , estratgias de interao,

    percebe-se como o primeiro impacto do

    leitor com a revista importante. Cada

    detalhe, cada ttulo, imagem, estilo, cor,

    tudo que pode atrair visualmente o

    leitor, cuidadosamente bemposicionado. H marcas na estrutura do

    formato, estratgias de comercializao

    usadas para vender o produto ou

    vender a idia. O nmero de

    informaes deve ser limitado, bem

    posicionado e as cores utilizadas devem

    evitar os excessos, proporcionando a

    aparncia de limpeza, tornando o

    material publicitrio mais atraente a um

    primeiro olhar. Quanto aos ttulos, as

    chamadas se limitam alimentao e

    resultados que podem ser conquistados

    atravs do fitness: Barriga sequinha,

    desenhada e sexyii; Magra aos 20,

    30,40; Desafio da noiva: menos 10

    Kg em trs meses; Menos 5 kg e 20

    dias; Bala que emagrece e Banana

    emagrece: 3 kg em 10 dias.

    Das capas ao contedo das

    matrias principais, as mulheres

    escolhidas so reconhecidas

    nacionalmente por trabalhos na mdia

    (atrizes, cantoras e modelos) e so

    referncias de mulheres que

    conseguiram chegar a um padro debeleza corporal e que, portanto, devem

    revelar seus segredos estticos, de

    forma que a leitora se sinta inspirada a

    caminhar na mesma direo. Em tais

    matrias, as famosas se colocam como

    mulheres que tambm se esforaram

    para conquistar o corpo perfeito, e,sobretudo, venceram a luta contra a

    balana, so smbolos de sucesso e

    devem ser imitadas por razo de seu

    esforo e determinao, que

    proporcionaram sucesso graas ao corpo

    magro, jovem e belo. Como disse

    Mauss precisamente nessa noo de

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    prestgio da pessoa que torna o ato

    ordenado, autorizado e provado, em

    relao ao indivduo imitador, e que se

    encontra todo o elemento social (2003,

    p.215). Todas essas mulheres de

    prestgio na mdia possuem seu corpo

    como principal capital, ou seja, uma de

    suas mais importantes riquezas.

    Mas a autodisciplina e fora de

    vontade no vm por acaso, ao

    contrrio, as revistas so teis, naopinio das leitoras, pois incentivam as

    mulheres a se lanar nas mais diversas

    opes de tratamentos estticos,

    modismos de dietas, conselhos e

    programas que estimulam a leitora a se

    empenhar em prol de seu objetivo que

    pode ser emagrecer, redefinir a barrigapara o vero, definir a musculatura

    corporal, porquanto para atingir a

    forma ideal e expor o corpo sem

    constrangimentos (...) o autocontrole da

    aparncia fsica cada vez mais

    estimulado (Goldenberg, 2007b, p. 27)

    considerando que devido a mais novamoral, a da boa forma, a exposio do

    corpo, em nossos dias, no exige do

    indivduo apenas o controle de suas

    prprias pulses, mas tambm o (auto)

    controle de sua aparncia fsica (ibid,

    p.25).

    A revista afirma que mulher

    deve ser sua prpria fada madrinha,

    porquanto ficar magra s depende de

    mim. Porm ser magra ou gorda uma

    questo de escolha e no um presente

    ou um castigo divino. E no adianta

    esperar que a vida ou algum se

    encarregue de arrumar tempo para voc

    malhar e uma plula de

    autodeterminao para que voc consiga

    abrir mo daquele sorvete. A tarefa,amiga, sua. Depende de voc. O

    corpo se insere num contexto que sua

    beleza no simplesmente resultado de

    uma criao divina, mas sim, fruto da

    autodisciplina, fora de vontade e

    autocontrole. As mulheres vivenciam o

    drama no qual, nos dizeres de Wolf, abeleza o paraso ou um estado de

    graa; a pele ou a contagem de clulas

    adiposas a alma; a feira o inferno

    (1992, p.128).

    Entretanto, e se a mulher opta

    por no estar nos padres vigentes por

    essa moral? Sofreria ela conseqnciadiretamente ou simplesmente no se

    incomodaria com seu excesso de peso?

    As leitoras afirmam que hoje eu tenho

    um bom emprego e estou com o

    casamento marcado para o ano que

    vem. Acho que nada disso teria

    acontecido se eu no tivesse

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    emagrecido. Muitas reconhecem o

    fardo da gentica sobre seu prprio

    corpo j que Nunca fui magrinha (...)

    [mas] Depois do casamento cheguei aos

    76 quilos. Lembro que ele me falava

    que se eu atingisse os 70 quilos, me

    largaria. Outra se lamenta j que em

    um determinado perodo de sua vida

    Comecei a engordar (...) e o pior que

    virei motivo de piada da minha famlia.

    Sempre que digo que vou emagrecer,todos do risada. O slogan Fat is

    beautiful, Ugly is beautiful j foi

    reivindicado por uma minoria e que

    seja,

    mas quem os assumerealmente? Quem acredita

    neles? (...) Quando se v aamplitude da fobia deengordar, o sucesso crescentedos produtos cosmticos, dastcnicas e regimes deemagrecimento: a paixo deser bela acaba sendo a coisamais partilhada. (Lipovetsky,2004, p.136)

    possvel se ter acesso estrutura de uma sociedade atravs da

    anlise da representao social do

    corpo, considerando que toda a

    sociedade elege, de forma distinta,

    determinados atributos que decidem

    como o homem deve ser em todos os

    aspectos. Consequentemente, no corpo

    se inscreve todos os valores da

    sociedade, pois atravs dele que se d

    o primeiro contato do indivduo com o

    meio que o cerca. No obstante, ele

    transporta, comunica e reafirma a

    cultura (Rodrigues, 1983). Ressalta-se

    como a aparncia corporal possui

    demasiada importncia j que vale

    como uma apresentao moral. Por

    meio dela possvel dizer ao outro

    como voc deseja que ele o perceba viaum sistema de classificao implcito

    que livra o corpo de toda inocncia,

    tornando-o um objeto de salvao ou

    condenao. Assim, valendo-se da

    gerao de um sentimento de

    insatisfao corporal, as sociedades so

    capazes de levar seus integrantes atmesmo morte, diga-se, morte

    simblica, j que consegue lhes incutir a

    perda da vontade de viver, deprimi-los,

    incutir-lhes a ideia de condenao,

    marginaliz-los socialmente, tirar-lhes

    pontos de referncia tanto intelectual

    quanto simblico, diluindo suaintegridade social (Rodrigues, 1983),

    pois no compartilham um mesmo

    ideal, At parei de ir praia para no

    ter que vestir biquni; T gordinha,

    hein! Fiquei arrasada e jurei para mim

    mesma que daria um jeito nisso (...)

    renasci quando emagreci.

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    Mais alm, atravs do processo

    de socializao e educao o

    aprendizado corporal permear o

    comportamento dos indivduos por toda

    sua vida, orientando quanto s tcnicas

    de cuidado at a forma de perceber sua

    insero na sociedade. As

    manifestaes sociais corporais no so

    irrelevantes, ao contrrio, elas incluem

    ou excluem o indivduo de uma

    comunidade social. atravs do corpoque o indivduo tem contato com o

    mundo, uma forma de se encarnar a

    humanidade, individualidade, e

    estabelecer fronteiras de forma a

    distinguir o indivduo dos demais,

    porm paradoxalmente, aproxim-los de

    um grupo social.Portanto, a busca do corpo ideal

    funciona aos adeptos desse culto como

    uma forma de no morrer

    simbolicamente e socialmente, S dos

    19 aos 22 anos consegui me enxergar

    dentro de um padro (...). triste,

    desesperador. Noto que estou voltando poca em que no tinha vontade de

    viver, por me achar feia, gorda e

    indigna de conviver com as pessoas.

    Naturalmente, todo esforo passa a ser

    legitimado em busca de se enquadrar e

    se identificar com o padro ideal

    exigido (Goldenberg, 2007b). E assim,

    de um lado o bem, do outro o mal, estes

    so transformados em magreza e

    gordura, e vivem em constante luta pela

    alma feminina (Wolf, 1992).

    No obstante, a

    desqualificao do corpo natural

    sugere em contrapartida que

    independente da forma possvel

    realizar modificaes atravs de uma

    srie de procedimentos estticos

    preparados especificamente paracorrigir imperfeies (nessa lista se

    inclui os excessos e as faltas) atravs de

    modernssimas intervenes corretivas.

    Na expectativa de se alcanar um corpo

    ideal, a revista Boa Forma indicada

    diversas intervenes como: plstica

    facial, de nariz, de orelha, prtese desilicone, prtese de glteo,

    lipoescultura, e nenhuma parte do corpo

    est imune a essas intervenes. As

    alteraes literalmente realizadas nos

    corpos dos indivduos de uma

    sociedade, so relativamente comuns

    tendo em vista que so modos deafiliao e distino. Essas marcas

    recordam os valores da sociedade e o

    lugar legtimo de cada um na estrutura

    social (Le Breton, 2002, p.63).

    Como a imagem que a mulher

    possui sobre o prprio corpo

    estruturalmente fragmentada, seu olhar

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    analtico tende a prevalecer sobre o

    sinttico. Dado a isso, as mulheres

    investem em todas as regies do corpo,

    cada parte merece uma auto-apreciao

    e auto-vigilncia que geram prticas e

    ritos especficos voltados valorizao

    e correo de algumas partes, porque o

    narcisismo analtico se prende

    essencialmente fora preponderante

    do cdigo de beleza feminina

    (Lipovetsky, 2004, p.137).Presencia-se a transformao do

    corpo atravs da instaurao de novas

    mediaes para se cuidar da aparncia

    fsica e se representar scio-

    culturalmente. No se pretende, em

    momento algum, julgar os artifcios

    utilizados para essas transformaescorporais, mas sim consider-las

    prticas discursivas no mbito da

    espetacularizao corprea. Assim, para

    estar apto a atuar, o rosto deve passar

    por limpeza de pele com tecnologia de

    ponta, os glteos massagens mais

    radiofreqncia contra celulite, e paraeliminar de vez o excesso frio para

    acabar com as gordurinhas. Aes de

    graas so dadas pelas mulheres devido

    existncia dos ritos de beleza

    corporais que se propem a queimar o

    corpo feminino no forno da beleza, e

    eliminar suas impurezas, a lhe dar

    acabamento (Wolf, 1992, p.122).

    Atravs da Datafolha, Instituto

    de Pesquisas, a Sociedade Brasileira de

    Cirurgia Plstica divulgou uma pesquisa

    realizada entre setembro de 2007 a

    agosto de 2008 que desvenda a atual

    situao da cirurgia plstica no Brasil.

    Os resultados revelam que dos

    entrevistados, 73% afirmaram ter

    realizado cirurgias plsticas comfinalidade esttica, sendo que dessa

    amostra 86% so de procedimentos

    cirrgicos e 14% no cirrgicos. Dos

    procedimentos no cirrgicos, apesar de

    serem menos frequentes, os mais

    realizados so os preenchimentos

    (92%), toxina botulnica (91%) e opeeling (53%). Das intervenes

    estticas cirrgicas, as mais comuns so

    o implante de prteses nos seios (21%),

    lipoaspirao (20%) e abdmen (15%).

    J a reduo de mama conta com 12%

    das adeptas, e plsticas no nariz e na

    face 7% para cada tipo. No obstante,88% das intervenes estticas so

    realizadas em mulheres, com faixa

    etria que correspondente entre 19 aos

    50 anos (72 %). Os resultados

    concluem que num prazo de um ano so

    realizados aproximadamente 459.170iii

    procedimentos estticos, sendo que

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    destes, 394.886 so procedimentos de

    carter cirrgico, para, sua esmagadora

    maioria, o sexo feminino.

    Coloca-se a questo: qual o

    interesse em investir tanto no prprio

    corpo? Como resposta h vrias

    interpretaes. Uma possvel resposta

    oferecida pela revista se relaciona com a

    disciplina individual e autocontrole. H

    sempre metas para se atingir e o corpo

    deve estar na constante busca deaprimoramento, sofrendo, se necessrio,

    modificaes de forma a superar sua

    condio natural. Boa Forma justifica

    que a cada dcada, o corpo tem razes

    para resistir ao emagrecimento. A boa

    notcia que mudanas na dieta ajudam

    voc a virar esse jogo. Alm disso,

    uma vez que a beleza deve ser

    construda as mulheres necessitam

    driblar a gentica para se manter no

    peso desejado, Fui me sentindo mais

    empolgada com a minha capacidade de

    controlar a vida e o corpo, visto que

    em busca da perfeio esttica o corponatural o grande vilo.

    No se busca considerar essa

    resposta suficiente j que h uma lgica

    que se esconde por detrs desses

    discursos. Podemos considerar que as

    mudanas estruturais que ocorreram no

    mercado de trabalho como maior

    insero feminina, competio e

    discriminao, tm estimulado tanto o

    medo de engordar quanto o de

    envelhecer, alm da competio no

    mercado afetivo-sexual que tende a ser

    desfavorvel s mulheres acima do peso

    e com mais de trinta anos (Goldenberg,

    2007b). Ou seja, apesar de aos poucos

    as mulheres conquistarem seu

    reconhecimento, h uma subvida secreta

    que limita sua liberdade: a imerso emconceitos de beleza, a obsesso com a

    aparncia fsica e o medo de envelhecer

    (Wolf, 1992).

    Uma seguinte interpretao

    possvel, favorecida pelas explicaes

    objetivas dos cirurgies plsticos, est

    no aspecto financeiro que envolve adeciso de realizar ou no um

    tratamento esttico e uma cirurgia

    plstica. Considerando as tcnicas um

    ato tradicional eficaz importante

    perceber como o discurso publicitrio

    atingiu at mesmo o discurso dos

    especialistas, que tambm prometemperfeio esttica atravs de cirurgias

    plsticas, atividades fsicas, consumo de

    remdios, desde que todas as

    orientaes sejam seguidas

    corretamente (Mauss, 2003). Vale

    lembrar que nesse contexto o mercado

    de consumo surge para renovar os

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    signos que colaboram a manter e

    valorizar a aparncia, proporcionando

    um palco, nos dizeres de Goffman,

    para que o ator possa encenar, e se

    exibir como um carto de visitas,

    orientando o olhar do outro e recriando

    um sistema implcito de classificao.

    As mulheres vem o Rosto eo Corpo por toda a parte hojeem dia, no porque a cultura

    manifeste como mgica umafantasia masculinatransparente, mas porque osanunciantes precisam venderseus produtos numbombardeio generalizado deimagens destinadas a reduziro amor-prprio das mulheres;e, por motivos que so denatureza poltica e nosexual, tanto os homensquanto as mulheres

    atualmente prestam atenoas imagens do Rosto e doCorpo (Wolf, 1992, p.110).

    De um servio antes elitizado

    expanso do nmero de clnicas,

    especializao dos profissionais em

    diversos nveis e regulamentao dos

    direitos e deveres dos mdicos epacientes, h um reconhecimento e um

    discurso j disseminado da

    popularizao dessas tcnicas, alm da

    reconhecida competncia dos mdicos

    brasileiros. Mas no Brasil a

    peculiaridade nessa rea est no

    mpeto com que as pessoasdecidem mudar o corpo e arapidez com que a deciso tomada. So trs as principaismotivaes para fazer umaplstica: atenuar os efeitos doenvelhecimento, corrigirdefeitos fsicos e esculpir umcorpo perfeito. No Brasil,esta ltima motivao a quemais cresce: a busca de umcorpo perfeito. (Goldenberg,2007b, p. 26)

    Uma das exigncias do

    individualismo moderno, estampado na

    mdia, o imperativo da juventude:

    Quarentona, eu?! Elas detestam esse

    rtulo. Afinal, esbanjam energia e

    jovialidade- no corpo e na alma. Yves-

    Saint-Laurent j disse Antigamente

    uma filha queria se parecer com sua

    me. Atualmente o contrrio queacontece (Lipovetsky, 2004).

    Qui, todas essas interpretaes

    so cabveis. A realidade que o desejo

    feminino em se embelezar possui uma

    profunda legitimidade social: a beleza

    um atributo exigido especialmente do

    sexo feminino, entre elas encorajada,admirada e exibida, sendo muito menos

    expressivo entre os homens.

    O desejo disseminado entre as

    mulheres de conformidade esttica com

    os padres as submete a coeres

    estticas regulares, imperativas e que

    tendem a gerar mais ansiedade e

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    dilemas, Fao dieta, mas as pessoas

    no percebem a diferena no meu

    corpo. Isso me deixa triste (...), Fiquei

    magra, porm triste. D angstia ao

    pensar que precisarei manter a dieta

    para sempre se quiser continuar com o

    corpo que tenho hoje. Diante disso,

    vlido nos questionar sobre perodo de

    contradies que se vivencia, uma vez

    que quanto mais liberdade se traz

    mulher, maior se torna o nvel decontrole corporal imposto a ela.

    CONSIDERAES FINAIS

    Atravs da representao social

    do corpo possvel ter acesso

    estrutura de uma dada sociedade, poistodas elas elegem entre seus membros

    caractersticas que configuram como o

    homem deve ser em todas suas

    dimenses. No nos basta somente

    saber que as sociedades diferentes

    possuem formas distintas de se

    expressar porque causas culturais. necessrio buscar entender qual a

    lgica que se organiza por detrs dessas

    aparncias de forma a descobrir seus

    valores, princpios e normas,

    compreendendo-a simbolicamente, a

    fim de responder por que, por exemplo,

    quanto ao corpo, algumas caractersticas

    so mais valorizadas que as outras.

    Sabe-se que os mecanismos de

    representao refletem na esfera social,

    tendendo a funcionar como forma de

    homogeneizao, sendo que a

    identidade construda na ps-

    modernidade no emerge mais da

    posio social ocupada pelo sujeito,

    resultando disso a responsabilidade

    individual de se construir o prpriocorpo. Dessa forma, o corpo belo, no

    mais valorizado por ser decorrncia da

    gentica, possvel dado o avano da

    medicina e das tecnologias possibilita as

    mulheres driblarem suas limitaes

    naturais e esculpirem seu corpo sua

    vontade, imaginao e inspirao, demodo a permitir que o indivduo que se

    submete a tais procedimentos seja

    levado a uma mudana de

    comportamento, uma vez que estar

    numa condio especial logo que sua

    subjetividade alterada.

    Como se tentou demonstrar, naatualidade o corpo natural

    representado como imperfeito demais

    para continuar existindo, portanto,

    qualquer tipo de interferncia- at as

    mais radicais- se justifica. O corpo

    perfeito um projeto que quando

    executado apropriadamente, permitir a

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    mulher ser visualizada como integrante

    do grupo e valorizada como indivduo.

    Como afirmou Goldenberg, o corpo

    uma riqueza, e talvez a mais desejada

    por aqueles que percebem nele a

    possibilidade de ascender socialmente,

    de se inserir no mercado de casamento e

    sexual.

    As revistas femininas de esttica

    conseguem transmitir o mito da beleza

    como um novo evangelho, que surgiudessa religio que cultua o corpo

    perfeito. Enquanto lem esses materiais,

    as mulheres ajudam a recriar e manter

    vivo um sistema de crenas, que

    bombardeiam a liberdade feminina

    atravs da atualizao dos ritos de

    beleza. O corpo e seus complementosrituais se tornaram os mais desejveis

    bens de consumo, deixando o

    consumidor constantemente intranquilo

    e obsessivo quanto sua aparncia. No

    obstante, o excessivo valor atribudo a

    aparncia corporal leva as mulheres a

    participarem de um constante processode comparao de todas as partes do

    corpo com outras mulheres em funo

    dos cnones reconhecidos da beleza.

    Paradoxalmente, esse mesmo mito que

    separa as mulheres tambm as une

    devido a um tipo de sentimento gerado

    pelas revistas femininas: o da

    solidariedade. Num espao que foge ao

    olhar masculino, as mulheres podem

    compartilhar o que realmente pensam

    refletindo seus dilemas comuns.

    Na sociedade ocidental e

    moderna, h uma relao entre beleza

    corporal, inteligncia e poder aquisitivo

    mais elevado, em outras palavras,

    espera-se das pessoas bonitas que elas

    sejam capazes e bem-sucedidas. Quanto

    aos feios, sempre pesa o estigma de quesejam pobres e carentes de instruo

    educacional, restringindo sua

    participao nas redes de sociabilidade,

    visto como a percepo e as

    expectativas do outro condicionam a

    forma dos indivduos interagirem.

    Igualmente, o sentimento de estarsegura diante do olhar do outro atravs

    da valorizao da aparncia fsica alm

    de ser sinal de sucesso numa poca em

    que as relaes humanas esto

    coisificadas, o corpo perfeito um sinal

    de distino entre as mulheres. a fora

    simblica que se exerce diretamentesobre os corpos femininos. O corpo

    tornou-se objeto de salvao exercendo

    um papel ideolgico que anteriormente

    era exercido pela alma: o mito da beleza

    pressupe integridade fsica e moral.

    A personalizao do corpo

    necessita do imperativo da juventude e

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    CSOnlineRevista Eletrnica de Cincias Sociais, ano 3, ed. 6, jan./abr. 2009

    boa forma na luta contra o tempo a fim

    de que nada altere sua identidade. Ele

    exige as sensaes mais originais, a

    resistncia ao teste do tempo e ostenta

    os signos mais eficazes. Modificar a

    aparncia, como se pde perceber nos

    discursos expressos pelas leitoras e

    editores da revista Boa Forma, equivale

    a modificar o prprio indivduo, j que

    atravs do prprio corpo que o homem

    transforma o mundo em medida de suaprpria experincia.

    Abstract

    Recently, the topic body became anobject of anthropological reflection andresearch, considering that it is man'sfirst and more natural instrument and a

    cultural value that classifies, integratesand excludes people of society.Considering it, this paper intends todevelop a reflection on the femininespeeches regarding the corporal

    perception transmitted in the femalemagazine Boa Forma. This magazinediscusses the womens dilemmas,

    including the Beauty Myth, sharing aGospel that supports a powerful systemof beliefs and social representations.

    Therefore, to talk about the female bodyallows us to contemplate how cultureand social imaginary unmask its variedsenses, considering it not only a

    physical capital but also symbolic,economical and social.

    Key-words: Body, Beauty Myth, BoaForma

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    NOTAS

    iElas so loucas ( Folha de So Paulo,3/09/2000)iiExcertos retirados da revista Boa Forma.Edies de janeiro a julho de 2009.iiiA pesquisa no incluiu clnicas de pequeno

    porte.