45 anos de angola independente um país forjado na ......11 de novembro de 2020 ano 45 • n.º...

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QUA11NOV www.jornaldeangola.co.ao Director: VÍCTOR SILVA Director-Adjunto: CAETANO JÚNIOR Quarta-feira 11 de Novembro de 2020 Ano 45 • N.º 16171 Um país forjado na resistência 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE EDIÇÕES NOVEMBRO Angola assinala hoje 45 anos de País livre e soberano. A 11 de Novembro de 1975, o Presidente Agostinho Neto declarava, perante África e o Mundo, a Independência, forjada em longos anos de resistência ao domínio colonial português. A Luta Armada de Libertação Nacional, que culminaria com o solene acto que consagrou a Nação, iniciou a 4 de Fevereiro de 1961 e custou a vida de milhares de filhos da pátria. A jornada para a liberdade significou dor e sofrimento. A história sobre acções, gestos, atitudes, interve- nientes e protagonistas estende-se nas 15 páginas que se seguem. São trazidas, igualmente, outras conquistas de Angola e de angolanos no período a seguir ao evento maior.

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Page 1: 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE Um país forjado na ......11 de Novembro de 2020 Ano 45 • N.º 16171 Um país forjado na resistência 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE EDIÇÕES NOVEMBRO

QUA11NOV

www.jornaldeangola.co.ao

Director: VÍCTOR SILVADirector-Adjunto: CAETANO JÚNIOR

Quarta-feira11 de Novembro de 2020

Ano 45 • N.º 16171

Um país forjadona resistência

45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE

EDIÇÕES NOVEMBRO

Angola assinala hoje 45 anos de Paíslivre e soberano. A 11 de Novembrode 1975, o Presidente Agostinho Netodeclarava, perante África e o Mundo,a Independência, forjada em longos

anos de resistência ao domíniocolonial português. A Luta Armada

de Libertação Nacional, queculminaria com o solene acto queconsagrou a Nação, iniciou a 4 de

Fevereiro de 1961 e custou a vida demilhares de filhos da pátria. A

jornada para a liberdade significoudor e sofrimento. A história sobreacções, gestos, atitudes, interve-nientes e protagonistas estende-senas 15 páginas que se seguem. São

trazidas, igualmente, outrasconquistas de Angola e de angolanosno período a seguir ao evento maior.

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ESPECIAL Quarta-feira11 de Novembro 20202

Luísa Rogério

A Lutade Libertação de An-gola é tão antiga quanto acolonização dos territóriosque deram origem ao paísactual. Praticamente, os focosde resistência iniciaram em1482, ano em que caravelasportuguesas comandadaspelo navegador Diogo Cãoatracaram no Reino do Con-go. Reza a história que, emtroca de armas de fogo, umanova religião, vinho e tec-nologia ocidental, os portu-gueses levaram marfim, es-peciarias, minerais e escra-vos. Um século depois, em1575, Paulo Dias de Novaisfunda aquela que seria a ca-pital do país com a designaçãode São Paulo de Assunção deLoanda. Fazia-se acompa-nhar de cem famílias e qua-trocentos soldados.Em 1587, o forte de Ben-

guela, instalado numa loca-lização estratégica no litoral,passou a ser administradopor Portugal. Entre guerras,conquistas territoriais e con-cessões para outras potênciaseuropeias, Portugal acordou,na Conferência de Berlim,realizada entre 15 de No-vembro de 1884 e 26 de Fe-vereiro de 1885, a delimitaçãodo território de Angola, tal

como hoje o conhecemos.Convocada pela França eGrã-Bretanha, com vistacom vista a regular, entreoutros propósitos, o DireitoInternacional Colonial, aconferência é consideradauma das mais importantesdo século XIX.Angola passou a ser ter-

ritório ultramarino portu-guês. Na verdade, o maior emais rico após a emancipaçãodo Brasil. Dados oficiais, in-dicam que, em 1960, doscerca de 126 mil colonos re-sidentes em Angola, 116 eramoriginários de Portugal. Masos angolanos nunca se ren-deram ao conformismo. Aolongo de cinco séculos, váriasfiguras se notabilizaram naresistência contra a coloni-zação. A mítica rainha NjingaMbandi, Ngola Kiluanje, BulaMatadi, Ekukui II, Ndundu-ma I, Kimpa Vita e Mandumesão alguns nomes incontor-náveis da História de Angola.Oriundos de reinos diferen-tes, protagonizaram, em fasesdistintas, epopeias que jus-tificam o estatuto de heróisda luta contra a colonizaçãodos povos africanos. Em co-mum, tinham a noção depertença e determinaçãopara defender as terras dosseus ancestrais.

Na segunda metade doséculo passado, intensifica-ram-se os movimentos emprol da independência, comincidência nos círculos ur-banos e estudantis. Daí paraa Luta Armada de LibertaçãoNacional foi um passo. A cha-mada Guerra da Indepen-dência de Angola projectoutrês movimentos de libertaçãonacional, nomeadamente, aUPA/FNLA, o MPLA e a UNI-TA. Coube a Holden Roberto,Agostinho Neto e Jonas Sa-vimbi conduzir o processode ascensão à Independên-cia Nacional.Os movimentos confron-

taram as forças armadas por-tuguesas em várias frentes,envolvendo-as numa guerranão convencional. Diferentesfontes dão conta que, apesarde superiores, em termoslogísticos e de efectivos, es-timados em 65 mil homens,distribuídos pelos três ramosmilitares, no final da guerra,as tropas portuguesas nãoestavam preparadas para en-frentar a guerrilha organizadaem pequenos grupos, quecontava com o apoio das po-pulações locais.

Porquê 11 de Novembro?Entretanto, nessa altura, aguerra colonial era contes-

tada em muitos círculos so-ciais e políticos, além daforte pressão internacional,acentuada com o florescerda independência da maiorparte dos países africanos,na década de 1960. A Re-volução dos Cravos, con-substanciada no golpe deEstado militar de 25 de Abrilde 1974, terá favorecido osacontecimentos. No finaldesse ano e no início do se-guinte, os três movimentosde libertação de Angola em-penharam-se em conver-sações, que culminaramcom a rubrica, durante umencontro realizado em Mom-baça, no Quénia, dos acordosque viabilizaram a nego-ciação da independênciacom Portugal.Assim, a 15 de Janeiro de

1975, depois de Portugalreconhecer os líderes dostrês movimentos de liber-tação, MPLA, FNLA e UNI-TA, como únicos e legítimosrepresentantes do povo an-golano, estes reuniram-secom representantes da co-lónia no Algarve. AgostinhoNeto, Holden Roberto e Jo-nas Savimbi assinaram, pe-los seus partidos, os Acordosde Alvor, na presença deVasco Martins e Costa Go-mes, respectivamente Pri-

meiro-Ministro e Presidentede Portugal.O consenso para a versão

final do documento foi al-cançado ao fim de seis diasde intensas discussões. OAcordo de Alvor, com 60artigos, definiu os meca-nismos de partilha do poder,até Angola tornar-se um Es-tado independente, tendoo acto sido marcada para 11de Novembro de 1975. Omodelo de transferênciasdos poderes e os instrumen-tos base para que a inde-pendência fosse proclamadana data estabelecida ficarambem detalhados. A eleiçãode uma assembleia consti-tuinte, a seguir a retiradadas tropas portuguesas deAngola, seria um dos pontosaltos do processo.Convém realçar que Alvor

foi antecedido de inúmerosencontros secretos, iniciadostrês meses antes, tendo otexto final resultado da citadapré-cimeira realizada emMombaça, no Quénia. Osnacionalistas já haviam de-terminado as modalidadesde divisão de poderes, a es-trutura do Governo de Tran-sição que funcionaria demodo rotativo, assim comoa integridade do território ea data da independência. Osacontecimentos, no entanto,contrariam as boas intenções.A implementação do Acordo

de Alvor falhou em deter-minado momento. Aindaque não se tivesse questio-nado a data da independên-cia, a materialização dosentendimentos alcançadosem Alvor fica suspensa apartir de Setembro de 1975.Antes, porém, a 21 de Junhode 1975, foi rubricado, emNakuru, no Quénia, o Acordoque ganhou o nome da lo-calidade. Em suma, preten-deu salvar o espírito de Alvor.“Os movimentos de li-

bertação de Angola - FrenteNacional de Libertação deAngola (FNLA), MovimentoPopular de Libertação deAngola (MPLA) e União Na-cional para a IndependênciaTotal de Angola (UNITA),reunidos em Nakuru, de 16a 21 de Junho de 1975, re-presentados pelos respec-tivos presidentes, HoldenRoberto, Agostinho Neto eJonas Savimbi, conscientesda gravidade da situação queo país atravessa e de que ointeresse nacional deve ne-cessariamente sobrepor-sea quaisquer divergênciaspoliticas e ideológicas, afir-mam solenemente renunciarao uso da força como meiode solucionar problemas ehonrar os compromissos re-sultantes das conclusões doacordo que segue” lê-se nasíntese do documento comtrinta folhas.

Da Luta de Libertação Nacional à proclamação da Independência

O 11 DE NOVEMBRO E A HISTÓRIA

Na segunda metade do século passado, intensificaram-se os movimentos em prol da independência, comincidência nos círculos urbanos e estudantis. Daí para aLuta Armada de Libertação Nacional foi um passo. Achamada Guerra da Independência de Angola projectoutrês movimentos de libertação nacional,nomeadamente, a UPA/FNLA, o MPLA e a UNITA.Coube a Holden Roberto, Agostinho Neto e JonasSavimbi conduzir o processo de ascensão àIndependência Nacional.

Nakuru apelava à tole-rância, reconhecendo osesforços dos três movi-mentos no sentido de res-peitar os Acordos de Alvor.Tratou-se de uma derra-deira tentativa de evitar odescalabro. O facto de asnegociações terem sido bemsucedidas não impediu quea trégua vigorasse apenasaté 9 de Julho de 1975. Aconcertação política falhou.Já não havia clima para oretorno à mesa de negocia-ções. Na véspera do dia mar-cado para a Independência,Angola encontrava-se li-teralmente dividida. Ven-cedor da disputa armadapor Luanda, Agostinho Netoproclamou “solenementeperante a África e o mundo”a Independência em nomedo MPLA.

Não obstante o reco-nhecimento pela comuni-dade internacional, a antigapotencia colonizadora re-conheceu a República Po-pular de Angola a 22 deFevereiro de 1976, apósmais de oitenta países oterem feito. A Indepen-dência de Angola pôs fimao império colonial por-tuguês de África, uma vezque a Guiné Bissau, em1973, Moçambique, CaboVerde e São Tomé e Príncipeconquistaram a autonomiapolítica também em 1975. A construção da iden-

tidade angolana e a alme-

jada sociedade nova, ba-seada na igualdade, justiçasocial, liberdade e o direitode conduzir o próprio des-tino, constituiu a tónicadominante dos anos se-guintes. Volvidos algunsanos desde o dia da Inde-pendência, o conflito ar-mado reacendeu. O vo-cábulo “guerra” foi rein-troduzido nos discursospolíticos. Mais do que isso,foi prática que dividiu,transformou irmãos eminimigos e deixou profun-das cicatrizes psicológicase físicas. Gbadolite, Bicesse,Lusaka e, finalmente, omemorando de entendi-mento do Luena, que cul-minou com a derradeiroacordo de paz de 2002, sãopalavras-chave do períodopós-independência.

Em 45 anos de indepen-dência, o país transitou deregime de partido único,com matriz socialista, parao multipartidarismo. Desde2008, vem realizando re-gularmente o ciclo de elei-ções, interrompido na se-quência do conflito pós-eleitoral de 1992. Com fa-lhas e incidências típicasde percursos, às vezes do-lorosos, é imperioso edi-ficar a democracia e con-solidar as instituições re-publicanas. Ao comemo-rarmos 45 anos de sobera-nia política nacional, é im-portante os angolanos sereverem no país, indepen-dentemente de cores par-tidárias, de serem maioriasou minorias políticas, re-ligiosas, raciais, étnicas oude outro cariz.

Independência

Novo amanhecerAs estatísticas sugerem

que a maioria dos cidadãosangolanos nasceu depoisda independência, por-tanto, com símbolos na-cionais. Participam desdeà nascença no processo deconstrução da própriaidentidade. Ainda assim,é imensurável o caminhoa percorrer. Como se diz,a Independência não foium fim em si. Representaum meio conducente àconcretização de projectosmultidimensionais, quedevem privilegiar a aposta

em políticas públicas e in-vestimentos centrados nocapital humano. O sonhode todos angolanos seremdetentores de iguais di-reitos e deveres na própriaterra motivou nacionalistasde diversas gerações a da-rem o melhor de si paracombaterem pela liberdadedesde o longínquo ano de1482. Pelo empenho de in-contáveis heróis exaltadose anónimos, celebrarmoshoje o novo amanhecer,iniciado a 11 de Novembrode 1975.

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Gaspar Micolo

Quando, a 25 de Abril de1974, os oficiais militares decarreira derrubaram o regimeem Lisboa, na sequência deum golpe de estado levadoa cabo em 16 horas, prati-camente sem derramamentode sangue, Luanda pareciatão surpreendida quanto acapital da então metrópole.E é assim que, meses depois,os principais movimentosde libertação nacional assi-nam, por etapas, um ces-sar-fogo com as forçasportuguesas. A UNITA assinaprimeiro, em Junho de 1974,seguindo-se o MPLA e depoisa FNLA, em Outubro do mes-mo ano. Estava, assim, namesa a negociação para al-cançar um acordo sobre ofuturo de Angola.Os três movimentos in-

dependentistas assinaram,com o Estado português, noAlgarve, o Acordo de Alvor,destinado a regular a "des-colonização" de Angola e aprevia a instituição de umGoverno de Transição, cons-tituído por portugueses e porrepresentantes da FNLA, doMPLA e da UNITA, com a mar-cação da Independência para11 de Novembro de 1975.Contudo, as hostilidades re-cíprocas dos movimentos eas influências externas (develhos aliados) impedirama partilha do poder. Tanto abatalha de Kifangondo comoa batalha do Ebo não impe-diram, contudo, que Agos-tinho Neto proclamasse aIndependência da RepúblicaPopular de Angola. O historiador português

Pedro de Pezarat Correia, 88anos, que acompanhou a fasefinal do processo de "desco-lonização", não tem hoje dú-vidas de que "os três movi-mentos já estavam a quererver-se livres de Portugal, paradiscutir o problema pelas ar-mas. E aí penso que estão todosao mesmo nível, todos come-teram o mesmo pecado, naminha opinião". Oficial português reforma-

do desde 1986, que fez seiscomissões de serviço durantea guerra colonial, na Índia,em Moçambique, em Angolae na Guiné-Bissau, Pedro dePezarat Correia reafirma: "Como 25 de Abril, quando nós as-sumimos a responsabilidade

das negociações, tivemos aapreciação de que marginalizaro MPLA era não só uma in-justiça como era uma estupi-dez, já que não conduzia alado nenhum. Opusemo-nossempre à marginalização doMPLA. Ora, quando nós nosopomos à marginalização,vêm dizer que a gente defen-deu o MPLA. Era exactamenteo contrário: tratámos os trêsmovimentos em pé de igual-dade. Se analisar o Acordo deAlvor, verá que os três movi-mentos são tratados em exactoplano de igualdade. Não hánenhuma discriminação". Sempre ficou visível a in-

fluência externa nos movi-mentos de libertação nacio-nal. "Com os Acordos de Al-vor, parecia ter-se aberto defacto um novo quadro paraa plena prossecução do pro-cesso de descolonização emAngola. Seguiram-se fortesapertos de mão e desusadose afectuosos abraços, combons augúrios para Angolaindependente e para as re-

lações entre os dois Países,Estados e Povos. Mas eramentira. O futuro de Angolatinha sido traçado nas Lajes,entre Spínola e Nixon, e noSal, entre Spínola e Mobutu,com Pretória a progredir si-lenciosamente para o teatrodirecto das operações", lem-bra Manuel Pedro Pacavira,nas suas memórias. É que o período de graça

que se seguiu ao acordo foidemasiado breve. O MPLA ea FNLA não tardaram a reco-meçar o conflito. Com objec-tivo de estancar a violênciaque fazia crescer o númerode mortos, o Quénia organizauma cimeira de crise, entreHolden Roberto, AgostinhoNeto e Jonas Savimbi, entre16 e 21 de Junho de 1975, emNakuru. O acordo foi assinadoa fim de possibilitar uma trans-ferência pacífica de poderespor altura da independência,agendada então para Novem-bro. Mas todos os movimentosjá estavam preparados para"discutir o problema pelas

armas": havia em Angolagrandes quantidades de armas,após o 25 de Abril, sobretudodepois da transferência dosquartéis-generais dos movi-mentos para Luanda, em Ja-neiro de 1975; o armamentodos civis e a regionalizaçãodos movimentos que, na rea-lidade, defendiam as suas re-giões contra os seus rivais. Com Portugal a perder in-

fluência nas negociações, osacordos em letra morta e oconflito entre os movimentos,um importante ponto de vi-ragem teve lugar em Julho einícios de Agosto, quando oMPLA estabeleceu o seu do-mínio sobre a capital, Luanda,e nas suas imediações, bemcomo no rio Kwanza. Agostinho Neto, que che-

gara a Luanda a 4 de Feve-reiro de 1975, tendo sidorecebido no Aeroporto In-ternacional em apoteose,por um mar de gente nuncavisto, não tarda a assumir a"continuidade da luta". "Nunca se tinha visto uma

tão grande concentração depessoas em festa. Aquele diafoi a primeira volta das elei-ções. Neto esmagou a con-corrência. Nas primeirascidades de Angola, houve ma-nifestações de saudação aolíder do MPLA, que mobili-zaram milhões de angolanos",lembra a viúva Maria EugéniaNeto, em "Memórias de Jenny:a noiva do vestido azul", assuas mais recentes memórias,publicadas este ano.

O 10 de NovembroE, finalmente, o dia 10 de No-

vembro. No Palácio, a bandeirade Portugal foi arriada às 15h30e entregue ao almirante LeonelCardoso, para levar consigo.Às 16h30, foi o embarque dasautoridades portuguesas e, àmeia-noite, o navio da ArmadaPortuguesa levantou âncoras.No mesmo dia, isto às 23h,Agostinho Neto sai com a fa-mília da casa do Futungo deBelas, em direcção à PraçaPrimeiro de Maio, onde tinhasido montado o palanque paraas cerimónias da Indepen-dência Nacional. "Quando íamos a passar,

rebentou um tiroteio nutrido,com balas tracejantes, quepassavam juntos ao pára-brisasdo carro em que viajava o meumarido, a avó Maria, minhamãe, e eu. Foi um momentodifícil. As nossas mães entra-ram em pânico. A minha mãeimplorava que a tirássemosdali. Fomos assim, debaixode fogo, quase um quilómetro.Por precaução, as luzes dasviaturas estavam apagadas, oque tornava a situação maisassustadora. Chegámos à PraçaPrimeiro de Maio e a multidãoconcentrava-se à volta do localonde seria proclamada a In-dependência Nacional", lem-bra Maria Eugénia Neto. Acto contínuo, à meia-

noite, nas imediações da VilaAlice, um sobrevivente do4 de Fevereiro de 1961, Fran-cisco Imperial Santana, debraço amputado, içava a ban-deira da República Popularde Angola, apoiado por umacriança, Dinis Kananga. EAgostinho Neto proferiu odiscurso escrito, proclaman-do ao mundo e à África, aAngola Independente. "Em nome do Povo An-

golano, o Comité Centraldo Movimento Popular deLibertação de Angola (MPLA)proclama, solenemente, pe-rante a África e o Mundo, aIndependência de Angola",foram as primeiras palavras."Nesta hora, o Povo Ango-lano e o Comité Central doMPLA observam um minutode silêncio e determinamque vivam para sempre osheróis tombados pela In-dependência da pátria",prosseguiu. E foi depois no silêncio que

subiu e se desfraldou, pelaprimeira vez, a bandeira dacatana e da roda dentada aocentro, sobre as cores vermelhae amarela.

O futuro de Angolatinha sido traçadonas Lajes, entre

Spínola e Nixon, eno Sal, entre

Spínola e Mobutu,com Pretória a

progredirsilenciosamente

para o teatro directodas operações

Já pela manhãensolarada de11 de Novembro de 1975, Agos-tinho Neto tomava posse nocargo de Primeiro Presidenteda República Popular de An-gola. A cerimónia decorreu noSalão Nobre da Câmara Mu-nicipal de Luanda, junto a umvarandim, à vista de uma praçaapinhada de gente agitandobandeiras do MPLA e de algu-mas organizações de massase sociais. Lúcio Lara recebera,dias antes, o mandato do Bu-reau Político do Comité Centraldo MPLA para conferir a posse,na presença de todos os seuscamaradas da Direcção.

Entretanto, a UNITA tam-bém proclamava, nesse mesmodia, no Huambo, a indepen-

dência de uma República De-mocrática de Angola, mas deefémera duração, enquanto aFNLA se estabelecia no Uíje,onde se refugiou, depois deter sido derrotada e expulsada cidade do Huambo, ondehavia criado uma aliança paracombater o MPLA.

Passado uns d ias , emLuanda, foram nomeados etomaram posse os membrosdo Primeiro Governo da Re-pública Popular de Angola:Lopo do Nascimento era oPrimeiro-Ministro, José Eduar-do dos Santos, ministro dasRelações Exteriores, Iko Car-reira, ministro da Defesa, LuísNeto "Xietu", Chefe de Esta-do-Maior General das FAPLA,

e Santana André Pitra "Pe-troff", Comandante Geral daPolícia. António Jacinto doAmaral Martins assumia oMinistério da Educação e Cul-tura, Manuel Rui Monteiro opelouro da Informação; DavidAires Machado, o do Trabalho;Kassessa, o da Saúde; NitoAlves, o da Administração

Interna; Diógenes Boavida,o da Justiça. Após consultaprévia, Mário Pinto de An-drade rejeita o lugar de mi-nistro da Informação, queNeto lhe oferecera.

"A 11 de Novembro de 1975,o Governo Angolano controlavaefectivamente cerca de um terçodo território nacional, encon-trando-se as outras partes ocu-padas por forças estrangeirasao Norte e ao Sul. A economiaestava paralisada e destruída,os serviços não existiam. Co-merciantes, agricultores, ca-mionistas, quadros e técnicostinham abandonado o país, numdos maiores êxodos da históriacontemporânea", descreviaassim Lúcio Lara, em 1987.

Manhã do 11 de NovembroEDIÇÕES NOVEMBRO

DR

Como osangolanos

construíram a Independência...

UM PARTO CONSEGUIDO À CUSTA DA RESISTÊNCIA

Os três movimentosindependentistas assinaram, com oEstado português, no Algarve, o

Acordo de Alvor, destinado a regulara "descolonização" de Angola e queprevia a instituição de um Governode Transição, constituído por

portugueses e por representantes daFNLA, do MPLA e da UNITA, com amarcação da Independência para 11

de Novembro de 1975

11 de Novembro de 1975, AgostinhoNeto tomava posse

no cargo de Primeiro

Presidente daRepública Popular

de Angola

3Quarta-feira11 de Novembro de 2020ESPECIAL

Page 4: 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE Um país forjado na ......11 de Novembro de 2020 Ano 45 • N.º 16171 Um país forjado na resistência 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE EDIÇÕES NOVEMBRO

Gaspar Micolo

Os três movimentos inde-pendentistas assinaramcom o Estado português,no Algarve, o Acordo deAlvor, destinado a regulara "descolonização" de An-gola e previa a instituiçãode um Governo de Transi-ção constituído por portu-gueses e por representantesda FNLA, do MPLA e daUNITA, com a marcação daIndependência para 11 deNovembro de 1975. Contu-do, as hostilidades recí-procas dos movimentos eas influencias externas (develhos aliados) impedirama partilha do poder. Tantoa batalha de Kifangondocomo a batalha do Ebo nãoimpediram que AgostinhoNeto proclamasse a Inde-pendência da RepúblicaPopular de Angola.

É esse ambiente de tran-sição do poder, influênciaexternas e a ambição de "dis-cutir o problema pelas ar-mas", que gera um dosmaiores e primeiro desafiode Agostinho Neto, após aproclamação da Indepen-dência: a luta pela garantiada integridade territorial esoberania nacional.

Agostinho Neto, depoisde ter jogado um papel re-levante na época em que osmovimentos de libertaçãonacional entenderam queera no interior que se deveriaincrementar as acções, de-fine, com os seus compa-nheiros, a primeira estratégiamilitar do pós-independên-cia, a fim de garantir a in-tegridade territorial do jovempaís. O reconhecimento des-te heroísmo, bravura e pa-triotismo, que marcaram atrajectória de Neto, parti-cularmente na vertente mi-litar, desde os anos de 1960,é quase unânime. Em Marçode 2018, foi mesmo, a títulopóstumo, promovido ao graumilitar de general de Exer-cito, em decisão tomadapelo Conselho de SegurançaNacional.

No campo económico, ocenário é caótico: centenasde empresas paradas, deze-nas de milhares de portu-gueses, entre técnicos e qua-dros de vários sectores cha-ves, abandonam o novo país.Com enormes dificuldades,o Presidente não tarda a per-ceber que não podia só contarcom os seus apoiantes re-volucionários, mas tambémcom o que ainda restava dotecido produtivo colonial,com destaque para uma pe-

quena burguesia, constituídapor brancos, mestiços e ne-gros assimilados. Não haviavoltas a dar: nos seus discur-sos, Agostinho Neto apelatanto ao fervor revolucionáriodos operários e camponeses,quanto ao patriotismo de to-dos os angolanos, inclusivedaqueles que não partilhamas suas ideias.

Para colmatar a ausênciade quadros, Agostinho Netoempenha-se pessoalmentena formação de angolanosno estrangeiro.

"Agostinho Neto criou,na Presidência da Repú-blica, um gabinete paraapoiar milhares de estu-dantes angolanos que foramestudar para o estrangeiro.Eu coordenei esses traba-lhos. Nós dedicámos espe-cial atenção aos jovens queforam para a Ilha da Juven-tude, em Cuba. Até conse-gui um reforço da bolsapara alguns estudantes queestavam em vários países.Tínhamos estudantes naArgélia, em Cuba, na URSS,na República Democráticada Alemanha (RDA), naRoménia, Jugoslávia e ou-tros países", lembra MariaEugénia Neto.

Como Presidente da Re-pública Popular de Angola,Neto mantém, segundo osseus pares, os mesmos gostossimples e continua a exigirde si sempre mais do quepedia aos outros. Continuoua intransigente defesa da po-lítica de não-alinhamento,recusando a instalação debases militares estrangeirasem território angolano. Econtinuou sem contas ban-cárias no exterior.

Mas é logo no início doseu mandato que Agosti-nho Neto começa a quei-xar-se de problemas deestômago.

"O meu marido foi pio-rando, mas até de mim es-condia os seus males desaúde. Os médicos cubanoscomeçaram a cuidar dele ediagnosticaram-lhe pro-blemas cardíacos e depoisdo fígado. Mas, afinal, o pro-blema, que o levou à morte,estava no pâncreas. Ele tinhauma vida mais calma, masa sua saúde começou a res-sentir-se dos anos de difi-culdades e privações. A vidacontinuava a não lhe dartréguas", recorda Maria Eu-génia Neto. Ao partir, a 10de Setembro, deixa as con-quistas políticas e esse pa-trimónio imaterial que é aIndependência, a Soberania,a Pátria...

Agostinho Neto,os desafios do

primeiro Presidente

No dia a seguir à Inde-pendência Nacional, a tarefaprioritária era consolidare defender o Estado recém-criado. Era ainda necessáriotrabalhar para obter o re-conhecimento de outrosEstados, pela Organizaçãoda Unidade Africana e ga-rantir a integração de Angolanas Nações Unidas. Às pri-meiras horas da sua exis-tência, 23 países reconhe-ceram o Estado angolano,segundo noticiava o Jornalde Angola, no dia 13 de No-vembro de 1975.

Em Dezembro, o ministrodas Relações Exteriores,José Eduardo dos Santos,fazia o ponto de situaçãorelativo ao reconhecimentode Angola: "Até agora, 29países, entre os quais se en-contram 12 estados africa-nos (República Popular doCongo, República Demo-crática da Guiné, República

da Guiné Bissau, Cabo Verde,Moçambique, São Tomé ePríncipe, Mali, Guiné Equa-torial, Dahomé, Nigéria eTanzânia), dois países daAmérica Latina (Cuba e Bra-sil), os países da Europa so-cialista (Bulgária, RepúblicaDemocrática Alemã, Romé-nia, Polónia, Checoslová-quia, Hungria e a Jugoslávia)

e a União Soviética e setepaíses asiáticos (Mongólia,Vietname do Norte, Vietna-me do Sul, Coreia do Norte,Iraque, Síria e Iémen). No entanto, além dos paí-

ses mencionados, cerca dequinze estados, distribuídospelos diversos continentes,saudaram calorosamente osurgimento do novo Estadoindependente de Angola,proclamado pelo MPLA em11 de Novembro. Entre elesestão Somália, Madagáscar,Ilhas Maurícias, Dinamarca,Bélgica, Etiópia e Gabão".

O reconhecimentointernacional

INTEGRIDADE TERRITORIAL

INTEGRIDADE TERRITORIAL

ESPECIAL Quarta-feira11 de Novembro de 20204

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Gaspar Micolo

"A dilatação da fé e a dila-tação da presença imperialportuguesa estavam intima-mente ligadas", lembrou opadre Joaquim da Rocha Pin-to de Andrade, em entrevistaaos jornalistas Drumond Jai-me e Helder Barber. Preso em Junho de 1960,

por motivos políticos, o en-tão jovem sacerdote de 34anos de idade, natural doGolungo Alto, foi enviadopara Portugal, onde, depoisde preso e julgado váriasvezes, pede dispensa dasobrigações sacerdotais, nosanos 70. E mais tarde lem-braria essa fase:"Rigorosamente, até nem

deixei de ser padre. Isto éaté uma coisa curiosa. Muitosdizem: ‘porquê é que deixou

a Igreja?’ Eu nem deixei aIgreja. Encontro-me na Igre-ja desde o meu baptismo.Portanto, faço parte da Igreja,visto que a Igreja é o povode Deus, é a reunião de todosos baptizados, não se reduzà hierarquia, ao Papa, aosbispos, porventura padrese freiras. Todos os baptizadossão Igreja, eu continuareina Igreja. (...) Como sabe,estive preso, quer fechadona cadeia, quer em residên-cia vigiada, ao longo de 14anos. (...) A razão prende-se com a questão da liber-tação nacional."A fé católica foi trazida

para aqui nas asas das cara-velas, sob o lema "Dilatar aFé e o Império", como es-creveu Luís de Camões. De-pois dos esforços do monarcaportuguês D. João II, por sua

vez, D. Manuel I engaja-sena europeização do territóriodo reino do Congo, por viada cristianização da sua po-pulação. Foi, inclusive, a de-terminação do monarca quepermitiu a nomeação de umbispo negro, a 5 de Maio de1518. Tratava-se de D. Hen-riques, filho do rei do Congo,que constituiu durante sé-culos uma excepção. Ora, evangelizados, os

nativos não tardam a per-ceber as contradições danova fé, que prega a igual-dade, mas reserva aos negrosuma vida de exploração nasua própria terra. Assim, sãoos próprios sacerdotes, queséculos depois, ajudam a di-namizar ou envolvem-senos movimentos de liber-tação nacional, apesar dasduras represálias da própria

Igreja e do regime colonial.Muitos acabam em prisõesou no exílio forçado em Por-tugal, entre 1960 e 1974.Por apoiarem a Indepen-

dência de Angola, são detidospela PIDE e desterrados paraa metrópole, acusados de "se-paratismo". Entre os rostosmais visíveis, estavam Joa-quim Pinto de Andrade,Alexandre do Nascimentoe Vicente José Rafael. Outrossacerdotes, como ManuelFranklin da Costa, AlfredoOsório Gaspar, DomingosGaspar, Lino Alves Guima-rães e Martinho Samba, fo-ram igualmente perseguidospela fé na Independênciade Angola.Figura emblemática do iní-

cio da Luta de Libertação Na-cional, o cónego ManuelJoaquim Mendes das Neves,

que nasceu no Golungo Alto,em 1896, e faleceu em 1966,sem ver o sonho da tão desejadaIndependência, foi preso eforçado a exílio em Março de1961, aos 65 anos de idade.Assim, no ano que marca

o início da Luta Armada pelasoberania dos angolanos,vários sacerdotes estavampresos ou no exílio. Mas jáum ano antes, isto em 1960,começa o exílio de ManuelFranklin da Costa, que nasceuem Cabinda, em 1921, e foiordenado em 1948. Ao acom-panhar o arcebispo de Luandaa Roma, foi detido em Lisboa,na véspera de regressar aoseu país. Ficou em Portugalaté 1974. "A PIDE não me autorizou

a regressar a Angola, com opretexto de que não era con-veniente nessa altura. Como

eu era o representante dosindígenas no conselho legis-lativo, não convinha que euestivesse informado das in-justiças de que eles eram ví-timas e falasse delas nas re-uniões do conselho. Aliás, osindícios contra o tratamentodos indígenas já se manifes-tavam com clareza", lembrouentão o sacerdote. já numaAngola independente.Instrumento indispen-

sável para o domínio colo-nial, a hierarquia da IgrejaCatólica não surpreenderáos seus próprios sacerdotesnativos em Angola, ao reagirao eclodir da luta contra ocolonialismo. "Os bispos da Metrópole,

atentos às responsabilidadesdo seu múnus pastoral, re-cordam aos fiéis que lhe estãoconfiados os evidentes de-sígnios de Deus sobre a nossapátria. A linha providencialda nossa história tornou-nos, desde há muitos séculos,instrumento do Senhor naevangelização de parte con-siderável do mundo", reve-lara, em Nota Pastoral de 13de Janeiro de 1961. As hostilidades, entre-

tanto, quer da parte da Igreja,quer do regime colonial, nãointimidam os sacerdotes emluta e "esperar pela hora deDeus". Aliás, já tudo estavadesenhado. "A partir dosanos 50, acalentámos o so-nho da independência e pro-pusemo-nos construir umpaís novo e uma pátria dehomens livres e solidários.Por este ideal nos sacrificá-mos e nos batemos", lem-brou o padre Joaquim Pintode Andrade, em 1997. O pre-lado nunca deixou de mos-trar o seu desencanto como rumo do país, alcançadaa independência."Desentendimentos, am-

bições desenfreadas, ódiosinterpartidários e não poucasintervenções de fortes po-tências levaram-nos a umaguerra fratricida", deplora.

Perseguidos pela fé

na Independência

DETIDOS PELA PIDE

A Igreja Metodista Unida emAngola contribuiu muito paraa Independência de Angola,através do engajamento físicoe espiritual dos seus pastorese membros na Luta de Liber-tação Nacional. Neste contexto, quando

foi nomeado, em 1960, o re-verendo Emílio de Carvalhoregressa ao país, após longaausência, numa fase já avan-çada da luta contra o colo-nialismo: o grupo dos 50tinha sido preso."A minhaprisão, em 1961, e a de outrosnacionalistas (incluindo asde meu pai e as dos meus ir-mãos João e Roberto) devemser entendidas no contextode nosso envolvimento naLuta de Libertação de Angolado jugo colonial e fascistaportuguês", contou Emíliode Carvalho, ao seu biografo,João Manuel da Graça. Nascido em Malanje, em

1933, Emílio de Carvalho, queviria a ser o primeiro bispoda Igreja Metodista em Angola,durante 28 anos, foi consi-derado preso político e sub-

metido a fortes torturas e hu-milhações na companhia deoutros nacionalistas. E, hoje,já numa Angola Independen-te, à pergunta se se orgulhado país agora soberano, nãotem dúvidas: "Orgulho-me, sim. Quando

olho para o que fomos e o quesomos hoje, digo sempre quevaleu termos lutado. Valeu anossa entrega em prol do país.As insuficiências que aindatemos ficam para os jovensresolverem; eles é que devemdar continuidade àquilo quenão conseguimos resolver. Osjovens não devem só criticarpor criticar, têm também quecontribuir e participar destanova Angola. Eu entendo ovosso tempo, de querer queas coisas se resolvam da noitepara o dia, mas é preciso termuita calma, porque o quenós passámos vocês não têma mínima ideia. Até podemoscontar, escrever, mas não setem a ideia real. Foram temposmuito difíceis. O país tem,sim, rumo, precisamos decontribuir todos. E isso só será

possível apostando na forma-ção dos jovens". Nascido a 25 de Julho de

1907, em Calomboloca, noIcolo e Bengo, o jovem GasparAdão de Almeida cedo se des-taca nos estudos e na sua visãohumanística. E quando, em1930, é chamado para o Mi-nistério Pastoral, começa umalonga odisseia, um forte tra-balho conjugado no binómioigreja-escola, que o levariaa várias missões para pregaro evangelho e ensinar; oca-siões sempre aproveitadaspara passar a mensagem daliberdade, da liberdade dohomem angolano. "A história de África está

repleta de grandes persona-gens políticas e eclesiásticas,que despontaram como pio-neiros de origem rural e hu-milde", diz o historiadorGabriel Vinte Cinco, acres-centando que, em Angola, talfoi uma realidade, apontadopara o exemplo do reverendoGaspar Adão de Almeida. Os missionários meto-

distas mostraram a sua

simpatia e sua identificaçãocom o povo. De uma formageral, as igrejas protestantesconstituíram um autêntico"gueto", nos quais a comu-nidade procurou refúgio, abri-go e consolo, durante operíodo colonial. O reverendoGaspar Adão de Almeida foisempre apanhado nessemeio, tendo sido preso portrês anos. A perseguição eratanta que, já em Agosto de1961, era impossível calcular-se quantos dos obreiros tinhamsido mortos. Em Setembro de1961, o Governo portuguêsresolveu agir directa-mente sobre os dirigen-tes mais importantesda Igreja Metodistaem Luanda.

REVERENDO EMÍLIO DE CARVALHO

“Sempre valeu termos lutado”

5Quarta-feira11 de Novembro de 2020ESPECIAL

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ESPECIAL Quarta-feira11 de Novembro 20206

Diogo Paixão

O senhor faz parte dageração da Independência.Como descreve osmomentos que antecederamàquele acontecimento? Quando eclodiu o 25 deAbril, encontrava-me presona Foz do Cunene. Duas se-manas depois, liberto, che-guei a Luanda no dia emque, coincidentemente, tevelugar no Campo de Hóqueido Clube Nuno Álvares, umcomício organizado peloMovimento Democrático deAngola – MDA. A PIDE ainda estava activae, por esta razão, por pre-caução, fiquei em casa a con-versar com o falecido HiginoAires, mas aquele comíciohaveria de ficar marcado pelaexibição da bandeira doMPLA pelo camarada Faria,que é economista e professoruniversitário.Esse comício, que teve a co-bertura de inúmeras agên-cias noticiosas, coincidiucom a retomada do apoio àguerrilha do MPLA que haviasido retirada depois do sur-gimento das Revoltas Activae do Leste.

E como foi o dia 10 deNovembro, véspera da datada Independência? No dia 10 de Novembro es-távamos no Futungo de Belasquando o Presidente Netodecide interromper uma reu-

nião do Comité Central doMPLA para ordenar a minhaida ao Palácio. Porquê? Porque era preciso fazer facea saída precipitada dos por-tugueses que haviam aban-donado o Palácio em direcçãoà Marinha onde os esperavaum Cruzador de Guerra. EsseCruzador fez-se ao largo ten-do abandonado as nossaságuas territoriais exacta-mente as 00h00 do dia 11 deNovembro quando o Presi-dente Neto proclamou a In-dependência...

Uma situação inesperada... De certa forma, mas peranteisso, não perdi tempo e di-rige-me à nossa delegaçãona Vila Alice para mobilizarum pelotão das FAPLA paraassegurar a guarnição do Pa-lácio onde se encontrava oGaspar, o mordomo que meentregou as chaves do Palácioe fez-me uma visita guiadaao seu interior. Aproveitei a presença delepara o orientar a acender to-das as luzes do Palácio, in-cluindo as do Salão Nobre,antevendo que o Presidente,depois da euforia que se vi-viria com o acto da procla-mação da Independência,pudesse lá ir para brindarcom alguns convidados.

E como se fez o hino? Foi no bairro do Saneamen-to, em casa do Rui Monteiro,que fez a letra e o Rui Mingas

que a musicou. Depois, oMingas foi para a Rádio Na-cional chamou o Lamartinee outros e fizeram o ensaiogeral. Foi assim que tudoaconteceu.

E quanto à bandeira? Foi o Onambwe que conce-beu a bandeira e os símbolos.Quem fez a bandeira foi aJoaquina - funcionária doDepartamento de Quadrosdo MPLA chefiado pela RuthLara - e a irmã Cici, a viúvado Couto Cabral, meu com-panheiro de militância clan-destina e de prisão.

Houve outrospreparativos... Depois de arrumado o Palácio,fui até ao largo 1º de Maio paraverificar como é que estavaengalanada a Tribuna de Hon-ra e se o mastro da bandeira

estava no lugar certo. Na possedo discurso base da procla-mação da Independência,que me foi entregue pelo PauloJorge, fui levá-lo ao PresidenteNeto que fez os acréscimosque achou necessário e as23h00 partimos para a Praçada Independência.

Que figuras estavam natribuna quando seproclamou aIndependência? Lembro-me como se fossehoje, eu estava ao lado doPresidente Neto. Ao nossolado estavam também os ca-maradas Iko, Luís de Almei-da, Lopo, Lúcio Lara, NitoAlves, Paulo Jorge, Marcelinodos Santos, Pinto da Costa,Óscar Monteiro, Onambwee outros membros do ComitéCentral e convidados. A proclamação da

Independência ocorre nummomento particularmentedifícil. As forças do ELNAestavam a menos de 60quilómetros de Luanda.Qual era o Plano B se o ELNAtomasse a capital? O Plano B era proclamar aIndependência antes do dia11 de Novembro,mas aoavançar com esse plano, cor-ríamos o risco de não sermosreconhecidos pela comuni-dade internacional. Preferimos mantermo-nosfiéis ao estabelecido nosAcordos de Alvor e, minutosdepois de termos proclamadoa Independência, começavama aterrar em Luanda aviõesque estavam em Brazavillee Ponta Negra, que traziamo apoio militar soviético.Foi uma noite verdadeira-mente memorável!

Angola é dos poucos paísesdo mundo que proclamou aIndependência à noite.Porquê? Porque o 11 de Novembrocomeçava as 00h00 e ao co-lonialismo não queríamosdar nem mais um minuto!

Como viveu aquelemomento? Rejubilava de emoção e defelicidade por termos che-gado àquele momento, de-pois de tantos sacrifícios,com o coração ferido e can-sado de tanto sofrimento,mas perfeitamente convic-

tos de que a luta tinha validoa pena!

O MPLA chega aIndependência com muitaszonas cinzentas dentro domovimento. Uma delas tema ver com a história dafundação e do seu líder... O MPLA nasceu com a aglu-tinação de alguns movimen-tos que se propunham aformar uma ampla frentepara a luta de libertação.Tudo ocorreu num encontroem casa do Ilídio Machado,na presença do seu sobrinhoHigino Aires, Viriato da Cruz,Mário António de Oliveira,Maninho Gomes, AndréFranco de Sousa e AntónioJacinto, que eram do PartidoComunista Angolano. Quem redigiu o manifestofoi o Viriato da Cruz e aliacordaram em entregar apresidência a Ilídio Machado.Mário Pinto de Andrade jáse encontrava no exterior esempre se correspondeu comeste núcleo revolucionáriodo interior, divulgando láfora a sua actividade revo-lucionária. Ilídio Machado defendeusempre que a direcção re-volucionária do movimentodevia ficar no exterior paraevitar ser aniquilada pelaPIDE. Por isso, o Mário Pintode Andrade acabou por serindicado para o encabeçar,acompanhado de Lúcio Lara,Agostinho Neto, Costa Cam-

O MPLA tinhaum Plano B,

mas preferiupôr de lado

Hermínio Escórcio considera quedivergências de natureza ideológica,visão tribal e racial defendida por unsem oposição ao MPLA, assim como osefeitos da Guerra Fria, estiveram na

base dos desentendimentos entre os trêsmovimentos de libertação. Sublinhaque o MPLA tentou, diversas vezes,dialogar com os adversários paraobtenção de consensos, mas semsucesso. Director do Protocolo e

Património da Presidência da Repúblicaentre 1975 e 1979, Escórcio revela que o

o seu partido tinha um Plano B, queconsistia na proclamação da

Independência antes do dia 11 deNovembro, mas preferiu não avançarcom a ideia porque “corríamos o risco

de não sermos reconhecidos”.

Dirigi-me à nossa delegação na Vila Alice,para mobilizar um pelotão das FAPLA paraassegurar a guarnição do Palácio onde seencontrava o Gaspar, o mordomo que me

entregou as chaves do Palácio e fez-me umavisita guiada ao interior. Aproveitei a

presença dele para o orientar a acender todasas luzes, incluindo as do Salão Nobre

HERMÍNIO ESCÓRCIO E A PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA

VIGAS DA PURIFICAÇÃO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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EDIÇÕES NOVEMBRO

7Quarta-feira11 de Novembro 2020ESPECIAL

pos e os membros do ClubeMarítimo e outros agregadosà Casa dos Estudantes doImpério. Mário Pinto de An-drade liderou o movimentocomo Presidente, ficandoIlídio Machado como Pre-sidente Honorário até a fugade Agostinho Neto. Com a deserção de Neto coma sua família, Mário Pintode Andrade avista-se comNeto em Marrocos. Este pas-sa pela Argélia e baseia-seem Leopoldeville onde as-sume a liderança do direc-tório do movimento numadecisão que foi amplamentedivulgada pela imprensainternacional.

Com uma Independência tãoatribulada, afinal, o queesteve na base dosdesentendimentos entre ostrês movimentos delibertação, que culminaramcom uma guerra civil nopaís? Foram algumas divergênciasde natureza ideológica, a vi-são tribal e racial defendidapor uns em oposição aoMPLA e os efeitos da guerrafria. Mesmo assim, o MPLAtentou, diversas vezes, dia-logar com os adversáriospara obtenção de consensos,para mais facilmente sen-tarmo-nos unidos à mesadas negociações com a en-tidade colonial.

A história regista acusaçõesmútuas... Houve várias tentativas parachegarmos a acordo, masinfelizmente...

Dois anos depois daIndependência, explode o 27 de Maio... O 27 de Maio foi movido porum grupo de dirigentes quediscordavam das orientaçõesda direcção do movimento.As coisas tomaram outro ru-mo depois de terem execu-tado colegas da direcção. Acúpula desse grupo foi presa,o golpe foi abortado e infli-giram-se castigos a algunsdirigentes,mas, infelizmente,alguns núcleos que não eramda direcção do movimento,cometeram excessos quetornaram nebuloso o 27 deMaio. Agora é altura da di-recção do partido apaziguaros ânimos para promover-mos a reconciliação e en-terrarmos de vez as mágoasde um acontecimento negroque ceifou a vida de muitosquadros que hoje fazem faltaao país.

Que recordações conservado tempo em que comoChefe do Protocolo entre1975 e 1979, partilhouconfidências com AgostinhoNeto? São tantas as confidênciasacumuladas que descrevê-las preencheriam um livro.

E que significado atribui aofacto de Neto ter-lheconfiado essa função? Total confiança do Presidenteem mim e na construção deum novo país.

O senhor revelou um dia queo Estado soviético nãocomunicou imediatamenteao Governo angolano amorte de Neto tendo tidoconhecimento pelas

agências noticiosas. Comose explica isso? É uma situação inexplicá-vel e relativamente à qualnão conseguimos decifraras razões.

Em Abril de 2018 o senhorfez uma doação formal defotografias ao Museu CheGuevara na cidade de AltaGraça, Argentina, queretratam a sua passagempor Angola. Conheceu-o? Não, não o conheci. Quandoele veio para Angola, en-controu-se com o MPLA noexterior. Nós não éramosainda independentes e euencontrava-me no interiordo país.

Quarenta e cinco anosdepois, a verdade é que háum fosso muito grandeentre a liberdade idealizadae o país real.O que o orgulhae o que o decepciona? O meu orgulho justifica-sepor termos proclamado aIndependência, que era odesejo de todos os angolanos,sem excepção. O que me de-cepciona é a fricção aindaexistente entre os angolanospara a consolidação dos no-bres ideais defendidos nomanifesto do MPLA. Nãoposso deixar de ter o coraçãodilacerado ao ver um povoque tanto lutou para ser livree puder ter um pedaço de

pão à mesa, passar por tantamiséria farejando nos con-tentores à cata de migalhaspara se sustentar.

Não acha que os ricosdeveriam ser maissensíveis? O importante agora é quecada um faça o melhor paraajudar a minorar a pobrezada maioria. E se cada um dero seu melhor em prol do co-lectivo, estou em crer quepaulatinamente consegui-remos reverter a situação.

Se tivesse pudesse, o quepediria ao Executivo paraser corrigido? Que fosse mais acutilanteno campo económico e so-cial. Que houvesse mais diá-logo na tomada de decisõese que essas decisões fossemde abrangência nacional.Gostaria, enfim, que fossemdadas maiores oportunidadespara que os angolanos pos-sam agora ter mais facilmenteacesso às riquezas do país.

Que apreciação faz docombate à corrupção levadaa cabo pelo Presidente daRepública? O Presidente da Repúblicafoi claro durante a campanhae toda a gente deve agora co-laborar com ele para mini-mizar os estragos que acorrupção provocou e ajudar

a extirpar esse cancro danossa sociedade.

As vezes diz-se que estamosem presença de um combateselectivo... Acho que o Presidente sabemuito bem o que está a fazer.

Que vai fazer do legado doseu percurso histórico?

Está tudo registado e a serpreparado para publicarem livro.

Mas, à margem do livro, oseu testemunho pode serreplicado noutros espaços... Sempre que for solicitado,estarei disponível para trans-mitir o meu testemunho àsnovas gerações.

Nao poso deixar de ter o coração dilaceradoao ver um povo que tanto lutou para ser liver

e poder ter um pedaço de pão à mesa,passar por tanta miséria farejando noscontentores à cata de migalhas para se

sustentarNome

Hermínio JoaquimEscórcio

Data denascimento:

1 de Junho de 1936

Local denascimento

Lobito - provínciade Benguela

Estado civilViúvo

FilhosDois

Habilitaçõesliterárias

Curso Geral deComercio,Marketing e

Relações Públicas.

FormaçãoAcadémicaDiploma emEstudos

Econômicos,Administração eRelações Publicas.

ActividadesAderência ao MPLAna clandestinidade

interna Participante daProcesso deLibertação

Nacional desde1958, noMovimentoPopular deLibertação

deAngola (MPLA).Preso político,julgado e

condenado por umtribunal especialmilitar porimposição daPolícia Política

Portuguesa (PIDE)de 1963 a 1974.Fez parte da

delegação do MPLAque negociou astréguas com osportugueses naschanas de Liamege

(Moxico). Coordenou acomissão derecepção da

primeira delegaçãoMPLA dirigida por

Lucio Lara.

Cargos Secretário pessoaldo Presidente

António AgostinhoNeto -1974/75. Director doProtocolo ePatrimónio daPresidência daRepública.

Director Geral daSonangol.

Embaixador deAngola em váriospaíses, tendo

cumpridos a últimamissão naArgentina. Presidente da

Assembleia Geraldo Banco

P E R F I L

Page 8: 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE Um país forjado na ......11 de Novembro de 2020 Ano 45 • N.º 16171 Um país forjado na resistência 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE EDIÇÕES NOVEMBRO

Matadi Makola

Devoto dos ideais que nor-tearam a revolução novem-brina, António SebastiãoVicente “Santocas” acom-panhou as nuances poste-riores à revolução, a partirda janela do edifício ondemora há mais de 40 anos.O prédio está localizado noMaculusso, zona nobre àépoca do colono. Curiosa-mente, ainda no tempo co-lonial, Santocas viu-se aci-dentalmente ligado a esteprédio, pelo facto de a suamãe ter sido ai lavadeira. Nes-sa sua época de menino, compouco mais de 12 anos, a suaobsessão secreta era por umoutro, neste caso o prédioque veio a ser conhecido co-mo o “da DNIC”.

Na sua meninice, a atra-vessar a fronteira do BairroIndígena e seguir, na com-panhia de outros rapazes,o trajecto que os levava àconhecida padaria SantaIsabel, nas redondezas doque é hoje a escola técnicaALPEGA, murmurava parasi mesmo que, “no dia emque formos independentese mandarmos nesse país,eu terei de morar neste pré-dio”. Um desejo impossívelnuma época em que a corda pele era requisito indis-pensável para coisas tão tri-viais como simplesmenteresidir num edifício.

Entretanto, não sentia omesmo deleite pela urba-nidade quando passava nasredondezas do que é hoje oHospital Prisão de São Paulo,que ficava próximo ao sítioonde brincavam e jogavam

à bola. Para já, percebiam,à primeira vista, que o es-paço era excessivamenteprotegido por polícias, quenão paravam de rondar deum lado para o outro. Aosdomingos, quando fossemao cinema, daquelas janelas,saíam gritos de gente a sertorturada e, outras vezes, mãosque acenavam e chamadosaos quais jamais poderiamsequer dar ouvido ou esten-der um olhar.

A polícia portuguesa eraimplacável e os meninossabiam que deviam passarpor ali como se, rigorosa-mente, fossem surdos e cegos.No fundo, indirectamente,era das coisas que mais re-voltavam os petizes, tantoque era quase habitual, aochegarem a casa, fazeremperguntas aos mais velhos.Estes, porém, “falavampouco do assunto às crian-ças. E quando o faziam,não era abertamente”, ex-plica Santocas.

Como a muitos meninosdaquele tempo, de corageme verticalidade, a Santocasnão passava despercebido“todo um trabalho de maisvelhos, que se organizavamem células”, embora só mui-to mais tarde viesse a darconta da heroica “sagradaesperança”, mantida e pas-sada de boca em boca, emabsoluto secretismo.

Por outro lado, tambémaprendia com familiares seus,“ligados a todo esse processode contestação”, atentos comtudo o que se noticiava noprograma “Angola Comba-tente”, ouvido em sigilo. Atudo isso, agrega-se o facto

de ter nascido num bairrohistórico, de onde vem a sa-ber de acções de figuras comoNandó, França Van-Dúnem

e Lopo do Nascimento. Aindaoutras figuras moravam nobairro indígena, como apontao caso da família de Nito Al-

ves, que, por várias vezes,frequentava o bairro.

“Por lá também mora-ram o Gabriel Leitão e mui-

tas outras figuras históricas,que estiveram ligadas a esseprocesso. Tudo isso deu-me subsídios suficientes paraenriquecer a minha visão”,recorda. No geral, formava-se assim a “consciência” da-quele a quem o destinoreservava a feliz missão deser uma voz poderosa docanto armado da “revoluçãonovembrina”.

É assim que, em 1974,quando houve o que considera“rastilho da independência,com a queda do regime sa-lazaristas, em Portugal”, correa ter com o avô, que gostavade estar sempre a par das si-tuações, isto no bairro Marçal.Santocas foi sempre muitopróximo aos avós. Contoucerta vez, à imprensa, que asua veia artística vem dos seus6 anos, partindo ainda dostempos das turmas. Da suafamília, a avó era dona de umcanto elogioso e ele dos netosque estava sempre atrás daanciã, cujas experiências ouviadetalhadamente.

Porém, reconhece serpreciso frisar que muitascanções que lhe serviramde inspiração tinham sidotocadas no programa An-gola combatente, como foio caso das músicas do agru-pamento Nzaji. Com a sen-sibilidade de artista e o apuroda sobriedade do ideárionacionalista, Santocas nãosó ouvia as canções, comotambém “aprendia a sua-vizar um pouco mais a men-sagem”. A par disso, cha-mam-lhe a atenção as can-ções populares, interpreta-das pelo agrupamento NgolaRitmos.

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Como a muitos meninos daqueletempo, de coragem e verticalidade, aSantocas não passava despercebido“todo um trabalho de mais velhos,que se organizavam em células”,embora só muito mais tarde viesse adar conta da heróica “sagradaesperança”, mantida e passada deboca em boca, em absolutosecretismo

Santocas,uma voz docanto armadoda revoluçãonovembrina

O PAPEL DA MÚSICA DE INTERVENÇÃO

“Filho” do tempo áureo dosocialismo, tendo as suas mú-sicas feito eco nos países quese atraiam à esquerda, comoé o arquétipo caso de Cuba deFidel de Castro, Santocas foiúnico ao se exprimir e convocarà razão quem apontava o so-cialismo como fim último: opovo. Assim, nasce a “armada”canção “Poder Popular”, quefaz com simples fito de “louvaro poder do povo”.

“O cantor tem de facto amissão de ouvir e observar aspessoas que vão falando sobredeterminada coisa. Havia, naaltura, a situação do poder po-pular. Essa canção surtiu osefeitos desejados”, recordahoje, a olhar para o passado.Inicialmente, o seu projectode cantar os anseios do povonão vinculava partido algum,mas apenas sentia como “umamissão de dar subsídio para amentalização que levasse àderrocada do colonialismo”.

Afirma que, quando lançaa música “Poder Popular”, aindapassava despercebido da mirado partido, “ tanto que nemsequer sabia que existia”. Acanção é gravada nas instala-ções da antiga Voz de Angola,com a captação do técnico JofreNeto, já falecido. Foi gravadaapenas com uma viola.

Entretanto, guiado pelo im-

pacto e “explosão” desta cançãono seio do povo, aparece o par-tido, à época ainda “movimen-to”, que se reúne na curiosidadede saber quem era o autor.Lembra que Rui de Carvalho,um cérebro do Departamentode Informação e Propagandado MPLA, estava a funcionarno prédio que está ligado aoMaxinde, onde havia um a ca-deia de rádio. Rui de Carvalhonão mede esforço e, diligen-temente, chega a encontrarSantocas, a quem transmite aintenção do partido de gravaraquela canção.

A partir daquela data, nasceuma estreita amizade, acabandopor tornar Santocas na “vozcantante do Departamento deInformação e Propaganda doMPLA, que funcionava na Vila-Alice”. Depois desta canção,vieram outras, sempre asso-ciadas ao contexto da época,entre 1974/1975, que considera“o período mais difícil da históriadesse país”. O sucesso era tanto,que afirma ter havido umaaltura em que as suas cançõesforam tidas como uma bombae um outro movimento assumiaa necessidade de “silenciaressa voz atrevida”. Na conse-quência da fricção entre os mo-vimentos de libertação nacional,na corrida à proclamação daindependência, movidos me-

canicamente pelos extremosda bússola da guerra fria, San-tocas chegou a ter a cabeça aprémio.

“Hoje, conheço muita genteque nem sonhava estar ligadoa políticas ou ser militar e os-tentar as funções e patentes.Muita gente seguiu para as fren-tes somente pela força da mú-sica. Muita gente não sabiasequer o que era política”, sus-tenta.

Mais do que fôlego e mobi-lização, Santocas afirma quea música também serviu paracolmatar situações financeiras.Tanto que, independentementeda canção ser de cariz político,o “movimento produzia cançõespara disco e esses discos eramvendidos às centenas e o quese conseguia era para os cofresdo movimento”, pontua o mú-sico. Predisposto para os sa-crifícios da causa, a única coisaque lembra ter recebido foiuma viola, entregue pelo ca-marada Rita. “Porque estavamesmo a precisar”, justifica,avaliando que o objectivo pre-conizado era, de facto, dar asua contribuição.

Antes, chega a gravar a mú-sica “Angola”, no ano de 1974,na CDA. Essa canção vislum-brava a independência e teveo suporte do agrupamento mu-sical Os Merengues.

Filho do socialismo

ESPECIAL Quarta-feira11 de Novembro de 20208

Page 9: 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE Um país forjado na ......11 de Novembro de 2020 Ano 45 • N.º 16171 Um país forjado na resistência 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE EDIÇÕES NOVEMBRO

9Quarta-feira11 de Novembro de 2020ESPECIAL

Nunca chegou a um tete-à-tete com o invocado Coman-dante Valódia, a quem rendehomenagem numa das cançõesmais aclamadas da sua carreirae que teve uma aceitação ime-diata junto de um público he-terógeno, quanto à inclinaçãoaos movimentos de libertação.Ainda hoje, no exercício da de-mocracia multipartidária, “Va-lódia” é uma canção que resistiuno tempo e prende a atençãode jovens com diferentes pai-xões partidárias.

“Tive um conhecimento, masnão o bastante para nos dar umaindicação. Conheci-o de maneirasimples, de assistir e apontarque aquele ali a sair é o coman-dante Valodia”, enfatiza.

Mal as hostes do movi-mento digeriram a notícia damorte do comandante. San-tocas também se apercebee essa história de irrepreen-sível sentido de dever dá-lhe“a fotografia exacta para com-por o tema”. A música foi es-crita no Cassequel, “porqueera impossível trabalhar naVila Alice, tendo em conta oambiente pouco calmo”, jus-tifica. Precisava de um espaçoonde não existisse movimen-tações, sabendo que qualquerinterrupção criaria logo mal-estar e quebraria as ideias.Para já, foi um caso de inspi-ração bem conseguido.

Depois de a canção ser gra-vada nos estúdios da RádioNacional de Angola, havia aurgência em ir para o ar. Porém,como era da praxe naqueletempo, ainda causou algumponto de interrogação, vistoque era preciso “examinar” osocialismo que nela apelava.Melodia e letra sob crivo, San-tocas esperava o “sim ou não”,a ser dado por Rui de Carvalho,a ponte entre ele e a direcçãodo movimento. A canção pas-sou no crivo e, desde então,tem sido uma “explosão”.

“E o ‘Valodia’ é uma cançãoque serve para os vários tem-pos. Aliás, se formos ver bem,

em quase tudo o que eu pro-duzi, podemos ver que aindaestão dentro do contexto”,avalia hoje Santocas.

À época com 21 anos, houvequem duvidasse da sua veiacriadora e desconfiasse haverum verdadeiro escriba ao ser-viço do artista, não descartandoaté a hipótese de ser o próprioAgostinho Neto a dar-lhe asletras. Os assumidamente “in-crédulos” decidiram acreditarque era mesmo o grande poetada revolução quem escreviaas letras para Santocas.

“Não é verdade. Porque eujá tinha formação bastantepara fazer aquilo que fiz. Porquemuito antes de 1974 já cantavacanções que ainda hoje estãono registo”, defende-se.

Para dissipar dúvidas, pre-cisa que, naquela altura, apenasinterpretou uma letra de Ma-nuel Rui, um poema de Agos-tinho Neto e uma outra letradada por Rui de Carvalho.“Nesses três temas, só musi-quei. Quanto ao resto, da mú-sica como arma de combate,veio tudo da minha veia, daminha força de vida”, assevera.

Massacre de KifangondoSegundo analisa, essa músicanasce de um episódio trágicoda nossa história, que entristeceumeio mundo. Em prontidão,Santocas é imediatamente cha-mado por Rui de Carvalho, quelhe diz: “Estamos com uma si-tuação muito penosa. Morrerammuitos jovens”. É assim quenasce a dolente canção “Mas-sacre de Kifangondo”.

Rui de Carvalho era a pontee ele era oficialmente a vozcantante do DIP do MPLA. Po-rém, havia canções que eramfeitas a pensar não só nas preo-cupações do DIP, mas tambémo que se vivia na época.

“A gente recebia notíciasde morte a toda a hora. Querdizer, aquela frustração quese vivia no dia-a-dia dava-mesubsídios bastante, enquantoartista”, sustenta.

Singelo tributo a Valódia

OS nacionalistas Maria JoséPereira da Gama e Manuel PedroPacavira eram os responsáveispor uma casa na Vila Alice, ondeboa parte das figuras influentesdo Movimento Popular de Li-bertação de Angola, entre elasmembros do comité director,passavam a noite. Era conhecidacomo “a residência oficial dopessoal mais alto”. Quando éalvo de perseguição, pela ale-gada necessidade de o “silen-ciarem”, Santocas é acudidopor estes dois responsáveis.Assim, começa a sua estadia,fundamentada com orientaçõesexpressas a nível superior para“terem um carinho especialpor ele e criarem as condiçõesnecessárias para a protecçãoda sua integridade física”.

Protegido, não sentiu me-do. “Aquilo era de juventude.Nós estávamos praticamentedoutrinados e o que nos moviaera a Independência de An-gola”, analisa.

Seguiram-se depois temposde um país a viver dissabores.Santocas analisa a revolução

como um processo dinâmico,tanto que “nem todos os ob-jectivos são concluídos”. Jus-tifica terem vindo de um períodoem que se julgava que o inte-resse de cada um jamais estariaacima de tudo.

“Hoje, melhor do que on-tem, percebo muito mais queas revoluções têm como baseessas situações, dos infortú-nios e vantagens de uns edesvantagens de outros. Lu-támos contra o colonialismo,para alcançar a independên-cia. Nunca esteve dentro dosmeus horizontes alcançarfundos e mundos”, assegura.

Para os últimos 20 anos,analisa, a sua música “Opor-tunismo” continua actual,porque “os homens são mui-to ambiciosos”. Alegre e debem com a vida, diz ser essaforma de encarar o rumo dascoisas que o leva a concluirque se mantém “um revolu-cionário”. Por isso, afasta amais vaga hipótese de sentirque “foram traídos os desíg-nios da revolução”.

Desígnios da revoluçãoestão sempre presentes

Matadi Makola*

Mena Abrantes, OrlandoDomingos e Adelino Ca-racol juntaram-se à mesade uma das edições do de-bate periódico Há Teatrono Camões, acolhido noInstituto Português de Lu-anda, para discutir as fasesdesta arte.

Foi Mena quem se de-dicou a descrever o que deteatro havia antes. Contaque chegou a Angola emNovembro de 1974, depoisde 12 anos ausente. Nessaaltura, recordou, o país vi-via um período de fortetensão política, no auge daluta pela Independência,o que tornava praticamenteimpossível continuar a suaactividade, desenvolvidajá em Portugal e Alemanha,adiando a intenção de so-mente dedicar-se ao teatro,seguindo, assim, a carreirade jornalista.

Sobre o teatro, foi nosprimeiros tempos de 1975que se associou a um di-rector, que, como nos diz,“não era profissional, masque era muito dedicado”,que vinha do teatro ex-perimental do Porto e quetinha já nos dois anos an-teriores desenvolvido es-pectáculos com alunos naLunda, onde ele estavadestacado profissional-mente. Chamava-se CésarTeixeira e chegou a falecerna Austrália.

Juntos, tentaram, juntode algumas assistentes so-ciais organizar pequenosprojectos teatrais, que não

deram em nada. Em 1975,altura em que a situaçãomilitar na urbe luandensecomeça a se agravar, os es-tudantes estavam em grevee a população começou arefugiar-se dentro das es-colas, aí no Largo das Es-colas, motivando a formaçãode grupos de trabalho deapoio para a alimentação eformação política.

Mena e César reuniramum grupo de jovens, para,durante à noite, tentar ani-mar as pessoas que estavamconcentradas nas escolas,ao mesmo tempo que pro-curavam também dar umamínima formação política,pelo menos abordar pro-blemas políticos daquelemomento. A partir de Mar-ço de 1975, fizeram umasérie de acções teatraispropagandistas, que nãoconsidera propriamenteteatro, minimamente ela-borado e improvisado comtextos curtos.

Durante alguns meses,mantiveram esta activi-dade nas escolas. Foi aprimeira experiência deteatro que viveu com osestudantes que estiveram

em greve. Destes, o únicosobrevivente foi o consa-grado actor Orlando Sér-gio, que na época tinhapouco mais de 14 anos.Depois , começaram amontar um espectáculosobre a história de Angola,que nunca chegou a serapresentado. Destas de-zenas de estudantes, novesobreviveram e deramcorpo ao grupo Tchigangi,o primeiro grupo de teatroa apresentar uma obra de-pois da independência,levada em cena na LigaNacional Africana, a 28de Novembro de 1975, in-titulada “O Poder Popu-lar”, dirigida por CésarTeixeira.

Quando começou a in-formar-se sobre o que tinhaacontecido antes, veio asaber que, nos anos 50,houve uma primeira expe-riência, com o Gexto-GrupoExperimental de Teatro, di-rigido por Domingos Van-Dúnem. A iniciativa nasceunuma experiência brasileiraque se denominava TeatroExperimental do Negro,criado por Abdias do Na-cimento, com o intuito de

começar a incluir actoresnegros no teatro brasileiro.Não sabe de que modo aexperiência se repercutiuem Angola. Mas esse grupoacabou em poucos anos.

Mena Abrantes avançaque, depois, houve outrasexperiências, sobretudona Liga Africana e noutrasassociações de carácter in-terventivo e de entreteni-mento, onde os naciona-listas, através da actividadecultural e artística, iam afir-mando as suas produçõesainda no tempo colonial,como são os casos do BotaFogo e Ngongo. Nas áreaslibertadas do Leste Angola,a partir do início dos anos1970, começa a se desen-volver a actividade teatral,iniciada por professoresque aí lecionavam, que ficouconhecida como “teatropioneiro na guerrilha”.

Explica que os profes-sores davam às criançasum mote para elas desen-volverem e improvisaremalgo. Elas próprias anda-vam de aldeia em aldeia,a apresentar aos mais ve-lhos e a outras crianças osignificado da Luta de Li-bertação e os problemasque existiam, expressosatravés destes grupos in-fantis. São iguais a estasas experiências anterioresnas quais se regista a par-ticipação dos angolanos.Antes, pontua, faziam-sepeças, mas improvisadas,não publicando os textos.Destes, referência paraum auto de natal, aindana década 50.

As encenações tímidasde um teatro “experimental”

EM AMBIENTE DE INCERTEZAS

Tchigangi foi o primeiro grupo de teatro a apresentar uma obra depois

da independência, levada em cena na Liga Nacional Africana, a 28 de Novembro de 1975,

intitulada “O Poder Popular”, dirigida por César Teixeira

Mena Abrantes descreve o que de teatro havia antes

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ESPECIAL Quarta-feira11 de Novembro de 202010

Cristóvão Neto

As previsões indicam que,ao terminar este ano de2020, quando assinala o 45ºaniversário da Independên-cia Nacional, Angola encerraum ciclo recessivo de cincoanos, uma evolução para aqual são encontradas as ex-plicações mais remotas nascircunstâncias que emer-giram com o Estado ango-lano, ao mesmo tempo quenas opções políticas que seimpuseram naquele mo-mento histórico concreto,quando foi necessário co-locar ao serviço da econo-mia os meios de produçãoabandonados com o êxododas classes privilegiadas deera colonialista.

Mais de 95 por cento doscerca de 450 mil colonosportugueses residentes nopaís, os quais detinhamos meios de produção econstituíam a quase tota-lidade dos quadros de ges-tão e a oferta de técnicosqualificados, deixaram opaís, impelindo as novasautoridades para um pro-cesso de estatização, atéprova em contrário, a formamais decente de, naquelascircunstâncias, tomar osactivos abandonados.

Com isso, foi instauradoum modelo de planificaçãoe centralização apoiado noorçamento, constituído nu-ma média de 60 por centopelas receitas geradas pelosector petrolífero que, poropção política do Estado,substituiu a preponderânciadas pequenas operaçõesagrícolas familiares, prin-cipalmente, no processo dedinamização da economia,além de que, nos anos 80 e90, a instabilidade políticae militar agravou as dificul-dades dos sectores não-pe-trolíferos, quando um novoêxodo trouxe a populaçãorural para as cidades, dei-xando para trás importantesactivos agrícolas.

Junta-se a isso a destrui-ção de infra-estruturas comoestradas, pontes, fábricas,redes da actividade comercialincluindo lojas rurais, e al-deias, bem como do sistemaferroviário que asseguravaa ligação entre a costa e ointerior do país, o que re-sultou no desmoronamentodos sistemas de transportes

As condições desfavoráveis criadas pelo conflito militar que assolou o país durante décadas e a falta de persistência naexecução programática das metas da transição condicionaram, em diferentes momentos, o curso das transformaçõesnecessárias para a estabilização e o crescimento

Hesitações nas reformas atrasaramtransição para a economia de mercado

ABANDONO DA PLANIFICAÇÃO E DA CENTRALIZAÇÃO

IMPACTO DO PREÇO DO PETRÓLEO NA INFLAÇÃO

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

46,711,39 1,83 1,83 1,83 1,83 1,83 1,83 1,83 1,83 1,83

299,10

85,27

1.379,48

949,77

2.672.23

4.146,01

INFLAÇÃO EM PERCENTAGEM

N/A

VARIAÇÃO DO PREÇO MÉDIO DO PETRÓLEO EM USD

FONTE: MÁRIO DE CARVALHO / ARTE: CARLOS CASIMIRO

33 36 34 33 30 29

15 16 15 17 21 19

1994 PROGRAMAECONÓMICO SOCIAL

1984 PLANO GLOBALDE EMERGÊNCIA 1992 PROGRAMA

DE ESTABILIDADEECONÓMICA

e na desarticulação do mer-cado nacional, transforman-do-o em enclaves isolados,com o aprovisionamento debens a passar a efectuar-sea custos exorbitantes, porvia aérea, tendo como efeitoo alastramento da penúriae o agravamento das tensõesinflacionistas.

O professor e pesquisadorda Universidade de Cam-bridge Mário de Carvalho,aponta os meados da décadade 80, como o período emque Angola começou a re-gistar graves desequilíbriosmacroeconómicos directa-mente relacionados com ochoque externo resultanteda queda acentuada do preçodo petróleo nos mercadosinternacionais em 1985, apartir de quando a balançade pagamentos global, até

então excedentária devidoao crescimento das expor-tações petrolíferas e às re-ceitas líquidas de capitais,passou a ser deficitária.

Apesar da queda dos pre-ços ter sido rapidamentecompensada pelo aumentodo volume das exportaçõespetrolíferas, recorda o aca-démico em declarações pres-tadas durante a elaboraçãodesta matéria, os desequi-líbrios da balança de paga-mentos tornaram-se cadavez mais graves a partir dosfinais da década de 80, che-gando ao ponto de a balançade transacções correntes tor-nar-se negativa a partir de1988 devido, em parte, aosjuros crescentes da dívidaexterna, uma situação veioa manter-se ou mesmo aagravar-se durante a década

de 90, na transição para aeconomia de mercado.

Este último processo foimarcado pelas adesões deAngola ao Fundo MonetárioInternacional (FMI) e BancoMundial (BM), em Setembrode 1989, e pelo anúncio doPrograma de Acção do Go-verno (PAG), estabelecidoem Setembro de 1990 paraintroduzir alterações estru-turais no sistema económicodo país, um percurso ca-racterizado, sobretudo, afalta de persistência devidoà prevalência do conflito ar-mado até aos acordos de pazde Abril 2002.

Depois das transforma-ções de carácter socialistana economia terem sidoabandonadas ao logo dosprimeiros anos da décadade 80, o programa de Sanea-

mento Económico e Finan-ceiro (SEF) e as suas tímidasreformas deu lugar a novastentativas nem sempre fi-nalizadas, como o Plano deRecuperação Económica(PRE, 1989), Programa deEstabilização Económica(PEE, 1993), Plano Directorde Reindustrialização deAngola (PDRA, 1994), Pro-grama de Estabilização eRecuperação Económica(PERE, 1998), Estratégia Glo-bal para a Saída da Crise (1999)e outros programas e planosintercalares.

Um olhar sobre o períodocontado até 2016 mostra queos sucessivos programas ma-croeconómicos com um ho-rizonte de médio prazo ti-veram de ser interrompidospor força dos constrangimen-tos provocados pelo conflito

18 16 16 17 21

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11Quarta-feira11 de Novembro de 2020ESPECIAL

A 8 de Janeiro de 1977, oBanco Nacional de Angola(BNA) ordenou uma trocado Escudo, a moeda colo-nial, pelo Kwanza, umadecisão que realçava o ca-rácter irreversível da in-dependência, mas apre-sentada, também, comonecessária para enfrentaractos de sabotagem eco-nómica atribuídos a gruposde insatisfeitos com o queera chamado "as conquistasrevolucionárias do Povoangolano".Bem à maneira daque-

les tempos de fervor po-lítico, o processo foi esta-belecido para ocorrer emoito dias concedidos pelasautoridades para a trocade uma quantia algo su-perior a 20 mil escudos poragregado familiar, à pari-dade de um por um face ànova moeda, com esta úl-tima cotada em 33 kwanzaspor dólar, mas o processoacabou por estender-sepor mais tempo.Em 1981, 1984 e 1986

foram adoptadas peque-nas alterações para ga-

rantir maior segurança damoeda e combater as fal-sificações que foram iden-tificadas no mercadonacional, mas uma novatroca da foi ordenada a 30de Setembro de 1990,quando, uma desvalori-zação da moeda foi deci-dida para para corrigirdesequilíbrios macroe-conómicos, dando lugarà substituição do Kwanzapelo Novo Kwanza.Razões dessa mesma

natureza conduziram àintrodução do KwanzaReajustado a 1 de Julho de1995, até que, ao substituiro Kwanza Reajustado, a 1de Dezembro de 1999,Banco Nacional de Angolarecuperou a designaçãooriginal da moeda, como país ao regressar aoKwanza.A 18 de Fevereiro de

2013, o banco emissor cu-nhou moedas metálicasde 50 cêntimos (equiva-lentes ao Lwei da emissãode 1977), um, cinco e 10kwanzas e, observandonormas internacionais

que recomendam seteanos como o tempo má-ximo de circulação dasnotas, lançou, um mêsdepois, notas de 50, 100,200, 500, mil é dois milkwanzas, para, em Maiodaquele mesmo ano, in-troduzir a nota de cincomil. Uma emissão come-

morativa dos 40 anos daIndependência Nacional,em 2015, levou à intro-dução de novas moedasmetálicas de 50 e 100kwanzas. A série de 2020compreende notas comvalores faciais de 200,500, mil, dois mil, cincomil e 10 mil kwanzas.

Trocada da moeda • 8 Janeiro de 1977 – 24 Se-tembro 1990 – Kwanza• 25 Setembro 1990 – 30de Junho 1995 – NovoKwanza – 1KZ = 1 NKZ • 1 Julho 1995 – 30 Nov1999 – Kwanza Reaj –1RKZ = 1000 NKZ• 1 Dez 1999 – Presente –Kwanza – 1 KZ = 1.000.000RKZ

armado que se estendeu avastas áreas do território na-cional, determinando im-pactos drásticos nas políticasorçamentais e sociais do Es-tado angolano.A instabilidade dos preços

foi, desde 1992, um dos pioresmales que atingiu a economiaangolana. Os registos da evo-lução do Índice de Preços aoConsumidor (IPC) para a de-terminação das taxas de in-flação evidenciaram o quadromacroeconómico desfavo-rável e constituíram instru-mentos para a definição deobjectivos das políticas deestabilização macroeconó-mica, visando acções cor-rectivas que lograram debelara fase de hiperinflação, nãosem antes gerarem um ce-nário de desemprego rela-cionado com a debilitaçãodos sectores da agro-pecuáriae pescas, bem como da in-dústria transformadora, osque detinham mais potencialpara prover empregA taxa de inflação acumu-

lada chegou a atingir 4.146,01por cento em 1996, em coin-cidência com o Programa No-va Vida, caindo, caiu para98,34 por cento em 2003, umano depois do fim do conflitoarmado, continuando a sermuito alta em relação aos pa-drões internacionais, masiniciou uma tendência de-crescente que, em 2013 e 2014,situou o IPC em apenas umdígito, em 8,78 e 7,30 por cen-to, respectivamante, uma tra-jectória apenas interrompida

depois da crise dos preços dopetróleo iniciada naquele úl-timo ano.à conjunNúmeros oficiais indicam

agora que, como parte da ins-tabilidade estrutural, os efeitosda crise do preço do petróleono mercado internacional sãoagravados, este ano de 2020,pelas perturbações geradaspela pandemia da Covid-19,levando a taxa de inflação acrescer de 17 por cento, em2019, para 25 por cento.

Instabilidade estruturalNos debates que animarama concepção das reformas,nos anos 90, uma correntedefinia a instabilidade es-trutural da economia ango-lana pelo défice fiscal crónico,propondo abordagens exe-cutadas de forma intermi-tente, até se chegar à intro-dução do Imposto sobre oValor Acrescentado (IVA), amais icónica medida da Re-forma Tributária, em Outubrode 2018.O défice apresentou uma

tendência de redução, evo-luindo de (-) 28,7 em 1995para (-) 1,9 em 2000, reflec-tindo os efeitos positivos dealgumas reformas institucio-nais e macroeconómicas, maso comportamento da balançade transacções correntes foisempre deficitário ao longo dadécada de 90, levando a que,depois de 1996, o Estado an-golano passasse a ter sériasdificuldades em honrar oscompromissos em relação aoserviço da dívida externa, o

que se traduziu numa acu-mulação de atrasados. Mercê dos programas de

estabilização macroeconó-mica aplicados pelo Governoque emergiu das eleições de2017, depois dos défices dessee do ano anterior, em 2018,Angola começou a apresentarexcedentes fiscais, o que seprolongou até ao ano pas-sado, mas, no ano em curso,devido à situação da pan-demia da Covid-19, é espe-rado um défice fiscal de cercade 1,5 por cento do PIB, abai-xo dos 4,00 por cento do PIBprevistos na revisão orça-mental de Julho último.A dívida pública externa,

em grande parte constituídaem acções de cobertura dodéfice, continua a ser con-siderada sustentável pelasautoridades e pelos parceirosdas instituições de BrettonWoods, o BM e o FMI, mes-mo depois do salto de 53por cento ocorrido entre2013 e 2017, quando passoude 28.178 para 43.390 mi-lhões de dólares, uma ten-dência que tende a abrandardepois da adopção de me-didas para conter o despe-s i smo adop tada s p e l oGoverno que entrou em fun-ções em 2017: em 2019, oendividamento ascendeu13,9 por cento, para49.461 milhõesde dólares.

Programas de estabilizaçãoANO PROGRAMA RESPONSÁVEL DURAÇÃO

meses1989-1990 Pré-Plano de Recuperação Económica Henriques da Silva 14

1990 (Maio) PAG-Program de Acção do Governo França Van-Dunem 8

1991 Pré-Plano de Recuperação Económica Emanuel Carneiro 12

1992 Pré-Plano de Recuperação Económica Emanuel Carneiro 7

1993 Pré-Plano de Recuperação Económica Salomão Xirimbimbi 3

1993 (Março) Pré-Plano de Recuperação Económica Emanuel Carneiro 8

1994 Pré-Plano de Recuperação Económica José Pedro Morais 12

1995-96 Pré-Plano de Recuperação Económica Augusto da S. Tomás 18

1996 (Junho) Pré-Plano de Recuperação Económica Emanuel Carneiro 6

1997 Pré-Plano de Recuperação Económica Emanuel Carneiro 12

1998-2000 Pré-Plano de Recuperação Económica Emanuel Carneiro 12

1999-2000 Pré-Plano de Recuperação Económica Joaquim David 15

A supressãodos desequilíbriospor via de medidas de estabi-lização macroeconómica re-velou-se, apesar das esma-gadoras taxas de expansão, umprocesso hesitante ao longode grande parte do períodoposterior ao fim do conflito ar-mado, até 2014, uma época emque Angola beneficiou de umboom originado nos preçosaltos do petróleo no mercadointernacional: de 2007 a 2012,a economia ang lna registoutaxas médias de crescimentode 9,2 por cento ao ano, masaspectos cruciais da reformaeconómica não foram concre-tizados até que uma nova ge-ração de programas de médioprazo, o Plano de Desenvolvi-mento Nacional (PDN, instituídoem 2013 como Plano Nacionalde Desenvolvimento), foi re-formulado em 2018, para seraplicado até 2022.

As reformas emanadas peloPDN 2018-2022 são apoiadaspelo FMI em 4,5 mil milhões dedólares e conduziram a pro-gressos face aos desequilíbriosestruturais e macroeconómicosacumulados no passado, umprocessso em que represen-tantes da instituição financeirainternacional apontam a pro-funda transformação que alterao quadro legal e regulamentarde forma abrangente, num es-forço para implementar boaspráticas de governação, comum conjunto de leis novas ou

revistas que irão regular as fi-nanças públicas, as instituiçõesfinanceiras, as empresas esta-tais, o Banco Nacional de Angola(BNA), o investimento e o quadrojurídico na luta contra o finan-ciamento ao terrorismo e obranqueamento de capitais.

A lista das conquistas reco-nhecidas pelo FMI inclui as me-didas tomadas para avaliar emelhorar a solidez do sectorbancário e suas práticas de ges-tão de risco reforço da regulaçãoe supervisão dos bancos e areforma que flexibilizou a taxade câmbio a partir de Janeirode 2018, algo que a instituiçãoe as autoridades declaram que,apesar de conduzir a um pro-cesso continuado de deprecia-ção do Kwanza, exercendopressão sobre a inflação, a mé-dio prazo, ajuda os consumi-dores e as empresas angolanas,ao introduzir no mercado pro-dutos nacionais mais baratos,ao mesmo tempo que os preçosdos produtos importados emmoeda nacional aumentam.

A reforma adoptou proce-dimentos de transparênciacom a publicação do programade gestão da dívida pública,contas auditadas das grandesempresas estatais e dos relatóriosde execução orçamental, esta-

beleceu um ambicioso Pro-grama de Privarizações (Pro-priv), por intermédio do qual195 empresas passam para asmãos do capital privado, comas avaliações a realçarem oempenho do Governo na di-versificação da economia e asfontes de receita pública paradiminuir a dependência deAngola das exportações de pe-tróleo, bem como os esforçospara melhorar o ambiente denegócios e a estabilização eco-nómica para atrair investimentodirecto estrangeiro, uma em-preitada em que desponta aluta contra a corrupção.

Mercê dessas medidas, oGoverno prevê inverter, já em2021, as taxas de crescimentonegativo verificadas desde2016, projectando, de acordocom declarações do ministrode Estado para a CoordenaçãoEconómica, Manuel Nunes Júnior,a 30 de Outubro, na entrega daproposta governamental de OGEpara discussão e aprovação naAssembleia Nacional. Está pre-visto que, no próximo ano, acurva negativa chegue à base,para a economia iniciar umprocesso de crescimento.

A taxa de crescimento es-perada é nula, mas, afirmouo ministro, “o mais importantea referir é que o sector não pe-trolífero vai crescer 2,1 porcento, uma evolução valorizadapor ser esse o sector que maisgera empregos.

Vocação de crescimento Troca de

moeda pararealçar

soberania e corrigir

desequilíbrios

ACONTECIMENTOS

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

221,49

107,43

248,25325,03

152,59108,89

98,3443,56 22,96 13,31 12,25 12,47 13,72 14,48 13,48 10,29 8,78 7,30 13,70 17,70

19

13

2924 23

2938

5565

7297

61

111 112 109

62

30

2002 FIM DAGUERRA EM ANGOLA

2007 CRISEFINANCEIRA

2011 INÍCIO DADESDOLARIZAÇÃO

2014 OUTRA CRISE -PREÇO DO PETRÓLEO

2,1%É A PREVISÃO

DO CRESCIMENTODO SECTOR NÃO

PREOLÍFERO EM 2012

ECONOMIAEM 2021

0%É A TAXA DE

CRESCIMENTOESPERADA EM 2021

80

37

*

Page 12: 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE Um país forjado na ......11 de Novembro de 2020 Ano 45 • N.º 16171 Um país forjado na resistência 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE EDIÇÕES NOVEMBRO

ESPECIAL Quarta-feira11 de Novembro de 202012

Matias Adriano

A sequência de acções des-portivas, inseridas no pacotede intercâmbio com paísesda mesma linha ideológica,terá jogado papel crucialna consciencialização dedirigentes angolanos paraa importância da organi-zação de eventos de carácterinternacional.Depois de receber, nos seus

domínios, caravanas despor-tivas, sobretudo a nível de fu-tebol, que defrontava, noquadro do que ficou celebri-zado como “Jogos de Amizadee Solidariedade para com ospovos”, qual inteligente jogadadiplomática, Angola partiupara a organização de eventosde maior relevo.O Campeonato Africano

de juniores, em basquetebol,em 1980, disputado de setea 13 de Junho, no Pavilhãoda Cidadela, representou,indubitavelmente, o pri-meiro teste, em termos deorganização. No ano a seguir,apesar do espectro da guerraque pairava no ar, Angolafoi mais ousada, chamandoa si a realização dos II Jogosda África Central.Neste evento, que decorreu

de 20 a 30 de Agosto, tomaramparte onze países, alguns dosquais com numerosas dele-gações, o que obrigou à criaçãode condições que combinas-sem com o nível de organi-zação que se pretendia atingir.Uma das torres da CidadelaDesportiva foi transformadaem Aldeia Olímpica, com to-dos os apetrechos.O estrondoso sucesso

que representou os Jogosda África Central deu forçapara a assumpção de outroseventos. Foi assim, que, em1985, teve lugar em soloangolano o Campeonato

Africano de andebol, emseniores feminino.Nessa altura, o país já dei-

xara recados pelo continente,a nível do basquetebol. Bas-tava olhar para a classificaçãoque obteve em 1983, no Afro-basket de Alexandria, noEgipto, e em 1985, em Abid-jan, Côte d’Ivoire, onde foifinalista. Recuou depois parao terceiro lugar, em 1987,em Tunis. Angola assume

então o risco de acolher ocertame, em 1989, ediçãoque viria a testemunhar ocomeço de um extenso ro-sário de glórias, que perduroupor duas décadas.O basquetebol viria a re-

ceber, igualmente, as ediçõesde 1999 e de 2007, esta últimamais caprichada, com jogosem quatro províncias do país,nomeadamente, Luanda,Benguela, Huila e Cabinda.

O andebol, depois da ediçãode 1985, voltou a organizar ocampeonato em 2008 e 2016.No futebol, depois de An-

gola ter participado em quatroedições, nomeadamente Áfri-ca do Sul'96, Burkina Faso’98,Egipto'2006 e Ghana’2008,chamou a si a organização daXXVII edição. De 10 a 31 deJaneiro de 2010 a nata do fu-tebol continental reuniu-senas cidades de Luanda, Ben-guela, Lubango e Cabinda.Claro que o país, eliminado

nos quartos-de-final, peloGhana, não obteve grandemérito no plano competitivo,mas saiu sempre vitorioso.Ganhou em termos de in-fra-estruturas, embora estastenham hoje pouca serventia,em função do tratamento quelhes foi dado por quem deviareconhecer o seu real valor.

Mundiais na históriaO mundial de hóquei em pa-

tins, em 2016, foi uma es-pécie de cereja no topo dobolo. Os grandes da moda-lidade à escala mundial mos-traram classe no Arena doKilamba, no que terá sido oresgate de algo que tinha es-capado 41 anos antes.Na verdade, o Campeo-

nato do Mundo de Hóqueiem Patins estava há muitoprevisto para o nosso país.Angola era a sede da ediçãode 1974, à época na condi-ção de província portuguesado Ultramar. Para que cons-te, o pavilhão da Cidadelafoi erguido especialmentepara aquele campeonato,entretanto abortado na se-quência das convulsões quelevariam o país à indepen-dência. E o antigo edifícioda ex-DNIC como hotel quereceberia as delegaçõesparticipantes.Seria de uma injustiça

sem tamanho, terminar este

esboço sem referência a ou-tros desportos, que tambémorganizaram provas inter-nacionais no país. Aqui, re-conhecimento especial parao xadrez, que, na década de80, brindou-nos com o "Gran-de Prémio Cidade de Luanda"e o "Grande Prémio Nocal",que trouxeram ao país osmaiores nomes do jogo-ciên-cia mundial.Palmas também para o

ciclismo, que, em 2015, fezo ensaio da "Volta a Angolaem Bicicleta", iniciativa queficou por ai, por razões quenos ultrapassam.Em resumo, em 45 anos

de Independência, Angolarevelou-se num excelenteanfitrião para acontecimen-tos desportivos. Não é, pois,sem razão que tenha passadoa modelo de organizaçãopara outros países, que sepropusessem a organizarcompetições internacionais.

Angola, uma anfitriãdesde “tenra” idade

EVENTOS DESPORTIVOS EM 45 ANOS

Em 45 anos de Independência, Angola revelou-se numexcelente anfitrião para acontecimentos desportivos. Não é,pois, sem razão que tenha passado a modelo de organização

para outros países, que se propusessem a organizarcompetições internacionais. É uma vocação que ganhou

muito cedo, ainda em tenra idade

Na verdade, o Campeonato do Mundo de Hóqueiem Patins estava há muito previsto para o nossopaís. Angola era a sede da edição de 1974, à

época na condição de província portuguesa doUltramar. Para que conste, o pavilhão da

Cidadela foi erguido especialmente para aquelecampeonato, entretanto abortado. E o antigoedifício da ex-DNIC como hotel que receberia

as delegações participantes

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Amândio Clemente

As modalidadesde andebol,classe feminina, e basque-tebol, em masculinos, sãoas que mais conquistas pro-tagonizaram durante os 45anos de Independência. AsPérolas, designação da Se-lecção Nacional de Andebol,ostentam doze troféus con-tinentais, num domínio quejá perdura desde o final dosanos 1980 do século passado,ao passo que o combinadosénior masculino de bas-quetebol trouxe para a galeriada Federação onze títulos.

A saga vitoriosa das Pérolasteve início em 1989, na Ar-gélia, quando conquistou,pela primeira vez, o títulocontinental. Na edição se-guinte não venceu, mas ocu-pou o segundo lugar do pódio.Depois, foi cimentando a he-gemonia que já leva 31 anos,pois apenas em duas ocasiõesviram o troféu fugir-lhes,isto em 1996 e 2014, para aCôte d'Ivoire e Tunísia, res-pectivamente. Na classe mas-culina, destaque para trêsmedalhas de bronze, nosAfricanos de 2004, 2016 e2020, desempenhos que le-

varam os Guerreiros a dis-putar campeonatos mundiais. O domínio feminino alar-

gou-se aos clubes, com o Petroa impôr uma longa “ditadura”,com 20 Taças dos Clubes Cam-peões, interrompida pelo ar-qui-rival doméstico, o 1º deAgosto, que já conquistou seis.As tricolores têm ainda 16 Su-pertaças Babacar Fall, contracinco das militares. O exemploé seguido pela selecção júniorfeminina, que ostenta seistítulos continentais.O basquetebol masculino

angolano, apesar de ter per-dido algum protagonismo,

nos últimos, anos continuaa ser o "grande papão africano,com onze conquistas, exer-cendo um domínio quaseavassalador sobre as selecçõesconcorrentes, desde 1989,depois de ter estado no pódionas três edições anteriores:ganhou duas vezes a medalhade prata (1983 e 1985) e numaocasião a de bronze, em 1987.A partir de 1989, a SelecçãoNacional cimentou a hege-monia, com um ciclo vito-rioso, entretanto interrompidopelo Senegal (1997), Tunísia(2011), Nigéria (2015) e Tunísia(2017). O quadro pode indiciar

o fim do monopólio. Aliás, naúltima edição não ocupou qual-quer dos lugares do pódio.Mas não só a selecção mas-

culina de basquetebol inscre-veu o nome na lista de cam-peões continentais. As senho-ras também levantaram o tro-féu continental, pelo menosem duas ocasiões: Bamako,em 2011 e Maputo, em 2013.Os juniores masculinos

conquistaram igualmentetrês troféus continentais: emLuanda'1980, Maputo'1982e Kigali'2016).

Futebol Sub-20O futebol também entroupara o rol de modalidadesvitoriosas, com a conquistado Campeonato Africano deSub-20, em 2001, na Etiópia.Um triunfo ao qual se podesomar os da Selecção Nacionalde Futebol para amputados,no Campeonato Africanode 2019, depois de dois ter-ceiros lugares, e a conquistado Mundial de 2018, no Mé-xico, e um segundo posto,em 2014, também no paíslatino-americano. O títulocontinental foi arrebatadona cidade de Benguela.O hóquei em patins tam-

bém inscreveu o nome nalista dos campeões africanos.O feito foi alcançado em Lu-anda, em 2019, após baterna final a similar de Moçam-bique, por 5-3. O xadrez, principalmente

na categoria de juniores,conquistou treze títulos nes-tes 45 anos de Independên-cia. Entre os vencedores,sobressaem o falecido AdéritoPedro, Eugénio Campos, Vla-dimiro Pina, Esperança Ca-xita e Luzia Pires.Destaque também para a

trajectória de sucesso do lu-tador angolano de artes marcaismistas (MMA) Demarte Pena,que, na categoria de peso emque combate, não tem dadohipóteses aos adversários nocontinente.

Amândio Clemente

O País tem sido palco degrandes eventos desporti-vos, desde que se tornouIndependente, levando asautoridades a investir naconstrução de infra-estru-turas afins, para acolher,com dignidade, as compe-tições e os participantes.As novas instalações des-

portivas para acolher even-tos de grande envergaduracomeçaram a surgir quando

o país chamou a organizaçãodo Campeonato Africanodas Nações de Basquetebol,em seniores masculinos(Afrobasket), em 2007. Paracumprir o caderno de en-cargos exigido pela FIBA-África, entidade reitora damodalidade no continente,o Governo resolveu erguerquatro pavilhões de raiz,nas cidades de Cabinda,Benguela, Huambo e Lu-bango, inaugurados durantea competição.Também foram edifica-

dos quatro estádios de fu-tebol modernos, dentro dospadrões exigidos pela FIFA,desta vez nas províncias deLuanda, Cabinda, Benguelae Huíla, baptizados com asdenominações 11 de No-vembro (Luanda), Chiazi(Cabinda), O'mbaka (Ben-guela) e Tundavala (Luban-go). As infra-estruturasforam erguidas para acolhera Taça de África das Nações(CAN), disputada em 2010.Estádios já existentes desdeo tempo colonial benefi-

ciaram, entretanto, de obrasde restauro e melhoramento,para acolher os treinos dasselecções participantes.A capital do país ficou

com o estádio de maioresdimensões, com capaci-dade para 50 mil espectadoressentados. A infra-estru-tura de Benguela pode aco-lher 30 mil adeptos, ao pas-so que os recintos de Cabin-da e Huíla foram projec-tados para receber 20 mil.Foram igualmente cons-truídos estádios novos nas

lundas. A cidade do Dundoviu nascer o Sagrada Espe-rança, ao passo que Saurimorecebeu o das Mangueiras,ambos erguidos com inves-timentos públicos.A mais recente obra que

orgulha os angolanos é opavilhão multiusos, erguidona Centralidade do Kilamba,para acolher o Campeonatodo Mundo de hóquei emPatins, disputado em 2013.Foram igualmente cons-truídos pavilhões nas cida-des de Malanje e Namibe,

para a mesma competição,embora a província da Pa-lanca Negra não tenha sidopalco do Mundial.Na província de Bengue-

la, foi erguida uma vila olím-pica para acolher os Jogosda SADC de 2016, mas nãofoi utilizada. Não se sabe odestino dado à infra-estru-tura, financiada com di-nheiros públicos. Os Jogosrealizaram-se na capital e,deste modo, nunca teve ser-ventia conhecida para odesporto nacional.

Andebol e basquetebol

colocamcontinente sob longa

“ditadura”

45 ANOS DE CONQUISTAS

Doze e onze títulos. Eis o pecúlio dasselecções nacionais feminina de

andebol e masculina de basquetebol,que simbolizam as maiores

conquistas desportivas angolanas aolongo dos 45 anos que se conhececomo Nação Independente.

13Quarta-feira11 de Novembro de 2020ESPECIAL

Organização de eventos levou à construção de infra-estruturasAPOSTA DO EXECUTIVO

Ciclo de vitóriasno Afrobasket

Selecção de basquetebol masculino

Medalha de prata (1983 e 1985)

Medalha de bronze (1987)

Medalha de Ouro (1989)

Medalha de Ouro (1992)

Medalha de Ouro (1993)

Medalha de Ouro (2001)

Medalha de Ouro (2003)

Medalha de Ouro (2005)

Medalha de Ouro (2007)

Medalha de Ouro (2009)

Medalha de Ouro (2013)

Medalha de Ouro (1995)

Medalha de Ouro (1999)

ata Medalha de pr

(1992)

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de Ouro Medalha de Ouro

(1989) 89) Medalha de Ouro Medalha de Ouro

(1987) Medalha de bronze

(1983 e 1985)

(1993) Medalha de Ouro

(1999) Medalha de Ouro

(1995) Medalha de Ouro

(2005) M Medalha de Ouro

(2003) Medalha de Ouro

(2001) Medalha de Ouro

(1999)

(2013) Medalha de Ouro

(2009) Medalha de Ouro

(2007) Medalha de Ouro

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ESPECIAL Quarta-feira11 de Novembro 202014

Vivaldo Eduardo

As competições nacionaisde andebol encerraram emfinais de Março último, porforça da pandemia da Co-vid-19. Entretanto, pela Eu-ropa fora, mais de duasdezenas de jogadores ango-lanos competem nos várioscampeonatos, deixando bempatente a qualidade que con-seguiram granjear ao longodas últimas décadas.

Albertina Kassoma, pivódo CS Rapid de Bucareste,Roménia, foi protagonistade uma das transferênciasmais badaladas do ano. An-tes, as meia-distâncias Mag-da Cazanga e Joana Costa

rumaram ao Salut Tenerifede Espanha, clube com oqual renovaram o contratorecentemente.

Nesta altura, a “armada”angolana na Europa contaainda com a lateral direita Az-naide Carlos, do RK Podrav-ka, da Croácia, com a pontadireita Carolina Morais, doVipers Kristiansand, da No-ruega, a guarda-redes HelenaSousa, que actua no Saint Ar-mand Fleur les Eaux, de Fran-ça. Para terras gaulesas trans-feriu-se igualmente a centralIsabel Guialo “Belinha”, que,depois da experiência noshúngaros do Varda KKFT, re-presenta, em 2020, a equipado Fleury Loiret.

Contas feitas, para com-

pletar um eventual “sete”inicial da Selecção Nacionalsénior feminina, entre as jo-gadoras que evoluem no es-trangeiro, falta apenas umaponta esquerda. Entretanto,não faltarão boas opçõespara ocupar este posto, entremuitas praticantes que sepodem adaptar.

Numa altura em que asselecções qualificadas paraos Jogos Olímpicos realizamas concentrações iniciais,aproveitando as datas IHF(Federação Internacional deAndebol), a participação devárias jogadoras em com-petições do Velho Continentepode ser um indicador re-levante para assegurar umaboa preparação das Pérolas

de África, para o torneioolímpico de Tóquio 2021.

Portugal continua a serum destino prioritário paraas angolanas, provavelmentepela facilidade de adaptaçãoe pelo nível do campeonatolocal, acessível à jogadorasnacionais de qualidade me-diana. No Benfica, o maisprestigiado clube português,actuam, esta época, a guar-da-redes Audília Carlos, apivó Ilódia Joaquim e a meia-distância Morança Ngonga,ex-Petro de Luanda.

Áquila Marques, antiga jo-gadora da Marinha de Guerra,completa o leque de ande-bolistas nacionais que inte-gram o plantel mais angolanodo campeonato português,

o do Benfica. Em terras lusas,jogam ainda a meia- distânciaFrancisca Araújo João “Chi-quinha”, ex-Progresso doSambizanga, actualmenteno ABC de Braga, e a pontadireita Maura Galheta, ex-Petro de Luanda, que repre-senta a ASS Assomada.

Com passagens relevantespelas equipas do Passos Ma-nuel, Madeira SAD e Alvá-rium, a lateral esquerda KássiaCésar é uma das jogadorasdestacadas do campeonatoportuguês. Antiga campeã na-cional de Angola, em júniores,pelo Kabuscorp do Palanca,a meia distância transferiu-se este ano para a JuventudeDesportiva do Lis, da cidadede Leiria.

Filhos da “Dipanda” exibem andebol

de Angola ao Mundo

DEZENAS DE ATLETAS NA DIÁSPORA

No sectormasculino, RoméHebo, do Dínamo de Buca-reste, e Feliciano Couveiro,do ABC de Braga, antigos jo-gadores do 1º de Agosto, são,no momento, os internacio-nais angolanos em destaque,depois de muitos outros te-rem regressado a casa.

Arábia Saudita, Egipto ePortugal foram, recentemen-te, palcos da diáspora dosandebolistas Edvaldo Ferreira“Moreno”, Sérgio Lopes, Ma-nuel Nascimento “Manucho”e Elias António, actual jogadordo Madeira Sad.

Entretanto, o êxodo co-meçou muito antes, aindana era colonial. O antigo di-rigente do Sporting de Luan-da, Marcelino Lima “Ti Li-ma”, teve o privilégio de in-tegrar a selecção de Portugal,ído da então província deAngola, deixando claros in-dicadores da qualidade dospraticantes locais.

Pouco antes da Indepen-dência, em 1974, Abílio Cruz“Don Bilha” saiu do Sportingde Luanda, com o fito de re-presentar a congénere deLisboa. Recolhido no aero-porto pelos tios, acabariapor rumar ao Porto, repre-sentando o clube até 1976.

O antigo meia-distânciaconta ao Jornal de Angolaque chegou a vestir a cami-sola das quinas, jogando pelaselecção júnior de Portugal,na Roménia.

“Ganhava 7 mil e qui-nhentos Escudos, muito di-nheiro na altura. Era o dobrodo salário do tio, motoristade autocarro”, revelou, oex-presidente do Enana,clube que chegou a repre-sentar Angola nas compe-tições africanas.

“Tive oportunidade de es-tudar, concluindo o 5º, o 6ºe o ano propedéutico. Na al-tura, Pinto da Costa, actualpresidente do Porto, era chefeda Secção de Hóquei em pa-tins”, lembra.

No período pós indepen-dência, Victor Lemos, PauloBunze e António Costa ru-maram a Portugal, devida-mente autorizados, ainda notempo do partido único. Foilongo o período em que asaída dos andebolistas (enãosó) angolanos para o es-trangeiro se resumia a Por-tugal. Essa barreira foi que-brada precisamente pela ge-ração de praticantes nascidaapós o 11 de Novembro de1975, que se aventurou poroutras paragens.

JOGADORES EM DESTAQUE

Romé Hebo encabeça a acção masculina

HOMENS FORAM OS PRIMEIROS A EMIGRAR

Senhoras inauguram novas rotas

Portugal continua a ser umdestino prioritário para as

angolanas, provavelmente pelafacilidade de adaptação e pelonível do campeonato local,

acessível à jogadoras nacionaisde qualidade mediana. Mas anova geração já se “aventura”em outras paragens da Europa

Marcelina Kiala foi uma das primeiras andebolistas a jogar no exteriorAndebolista Romé Hebo

Embora os homens te-nham sido os primeiros aemigrar, foram as senhorasquem tiveram a ousadiade inaugurar novas rotasde emigração, ultrapas-sando a barreira da língua,com a meia-distância IldaBengue a transferir-se parao Dijon de França.

Na segunda metade dadécada de 1990, o númerode andebolistas angolanosem terras lusas beirava acentena. Muitos sairamilegalmente e não conse-guiram impor-se. Outros,entretanto, acabaram porlevar mais qualidade aosclubes, como foi o caso deFilipe Cruz, que integrou,por vários, anos a selecçãode honras de Portugal.

Entretanto, o “Sete” fe-

minino de Angola, com par-ticipação regular em cam-peonatos do Mundo, foimostrando a qualidadedas jogadoras nos grandeseventos. Sem surpresa,Marcelina Kiala e JustinaPraça, nascidas depois daIndependência, integraramas fileiras do Dijon e doMetz de França.

Pouco tempo depois,outra filha da independên-cia, a central Belina "Lariça"Miguel foi contratada peloHypo No de Viena, Áustria,clube mais titulado daquelepaís. Depois de uma car-reira relevante no Petrode Luanda, Lariça Miguelactuou na "ChampionsLeague" da Europa comas cores da formação aus-tríaca, deixando um re-

gisto interessante. Antes, Teresa Joaquim,

em Portugal, Dionísia Pio,Portugal e Espanha, e IldaBengue, em França, haviamdeixado bons indicadores,aguçando a cobiça dos clu-bes europeus.

TradiçãoPaulito “Yabalá”, Lilito, An-dré Sardinha “Paizinho”,João Cruz, Sérgio Muja-mena, Mário Macedo, Quin-teiro “Gilberto” Teresa,João Nzadi, Luís Plácido“Pada”, José Pereira “Kido”,Fernando Xavier, Beto Ge-rónimo e muitos outrosmantiveram a tradição dedesfilar por outras para-gens, despertando nospraticantes mais jovens amesma ambição.

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Anaximandro Magalhães

Em 1975, não eram nascidos,mas são, pelos feitos, dosbasquetebolistas mais no-táveis do pós-independên-cia: Carlos Morais, 35 anos,foi eleito Jogador Mais Va-lioso (MVP) do CampeonatoAfricano das Nações, Afro-basket´2013, e Bruno Fer-nando, 22, tem o privilégiode ser o primeiro angolano aingressar na NBA, a Liga Nor-te-Americana, mais mediáticado mundo. O Jornal de Angolarevisitou

o Bilhete de identidade de

cada um dos atletas, nascidospara lá da proclamação daIndependência, destacando-os como dos que mais se no-tabilizaram além-fronteiras.Apesar do critério suscitar

discussões, os feitos dão-lhes prerrogativas e coloca-os degraus acima dos demais,pois não fossem deles os re-gistos: Morais, eleito MelhorJogador (MVP) da Liga por-tuguesa, da Taça de Portugale considerado o melhor ex-tremo e estrangeiro ao serviçodo Sport Lisboa e Benfica,em 2017. Ao currículo, Carlos Mo-

rais agrega ainda as conquis-tas de uma Liga Portuguesa,uma Taça de Portugal, duastaças da Liga e uma Super-taça. O atleta, de 1,93 metros,91 kg, forjado na escola doPetro de Luanda, alinha naposição de extremo e ergueupor este clube quatro títulosde campeão nacional, igualnúmero de Taças de Angolae duas Supertaças Wlade-miro Romero. Pelo Recreativo do Li-

bolo, sagrou-se tambémcampeão, vencedor da Su-pertaça e Taça de Angola.Chegado à Selecção Nacio-

nal em 2005, Carlos Moraiscomemorou no mesmo anoo primeiro de quatro Afro-basket´s. Os outros foramem 2009, 2011 e 2013. O capitão dos hendeca-

campeões integra ainda alista de dez jogadores afri-canos mais destacados aoserviço das selecções e declubes, de 2010 a 2020. Adistinção foi feita pela equipaeditorial da Federação In-ternacional de BasquetebolAssociado, FIBA-África. Em Junho desse ano, fi-

cou na segunda posição doconcurso “Dunk da Déca-

da”, ganho pelo iranianoArsalan Kazemi, após vo-tação dos fãs pela Internet.

Bruno FernandoCom percursos diferentes,muito por conta da diferençade idades, Bruno, poste de 2,06metros, 109 kg, “engendradono laboratório” do 1º de Agosto,não tem o mesmo históricoao serviço do “cinco” nacionalsénior, no qual se estreou em2016, no Torneio Pré-Olímpicode Belgrado, Sérvia. A elevação do seu nome

deve-se ao facto de ter sidocontratado o ano passado

pelos Atlanta Hawks, equipada NBA. Em 2014, disputouo Campeonato do MundoFIBA Sub-17, no Dubai,Emirados Árabes Unidos,e obteve média de 9,1 pontospor jogo, 10,6 ressaltos e2,7 bloqueios.Com média de 18,3 pontos,

6,6 ressaltos, 2,1 assistênciase 1,6 bloqueios, ajudou An-gola a conquistar, em 2016,28 anos depois, a medalhade ouro no Campeonato Afri-cano das Nações Sub-18, emKigali, Ruanda. No final, re-cebeu o prémio de MelhorJogador (MVP).

15Quarta-feira11 de Novembro de 2020ESPECIAL

Por altura da proclamação daindependência, nenhum deles estavanascido, mas têm ambos o nomeregistado na história da modalidade

BrunoFernando e Carlos

Morais, doisactivos bem

consolidados

Da lista de atletas nas-cidos para lá de 75, des-taque ainda para o posteEduardo Mingas, 41 anos,1,98 metros, que tam-bém integra a lista dosDez Mais de África. Darelação constavam 55atletas africanos.

Armando Costa, basede 37 anos, mereceu Men-ção Honrosa da FIBA-África, que o cita como“um experiente organi-zador de jogo, pois aju-dou o seu clube, o 1º deAgosto, a ganhar cincotítulos da Taça dos Clu-bes Campeões”.

Olímpio Cipriano, ex-tremo de 38, e um dosmais talentosos atletasangolanos, é, à seme-lhança de Morais, Mingas

e Armando, tetracam-peão por Angola. O quar-t e t o e s t r e o u - s e n omesmo ano, 2005. Ci-priano testou em 2012,pelos Detroit Pistons daNBA.

Outros jogadores Carlos Almeida, 44 anos,e Joaquim Gomes “Kikas”,39, foram, após a saídade cena de atletas nas-cidos antes de 1975, comquem jogaram em 1999,dos principais artíficesda senda triunfante dobasquetebol em períodossubsequentes.

Kikas e Almeida têmno currículo sete troféusdo Afrobasket : 1999,2001, 2003, 2005, 2007,2009 e 2013.

Domingos Bonifácio,Milton Barros, FelizardoAmbrósio, Leonel Paulo,Hermenegildo Santos, Ab-del Boukar, Adolfo Quim-bamba, Vladimir Ricardino,Victor Muzadi e outros tam-bém se celebrizaram.

Depoisde sucessivos falhanços, natentativa de chegar ao ouro, tendoa medalha de bronze (1981, 1986,1994, 2007 e 2009) sido o mais no-tável que obtiveram, eis que, em2011, a geração de jogadoras nas-cidas para lá de 1975 consegue oinédito e ambicionado título doCampeonato Africano das NaçõesBasquetebol (Afrobasket), na provadisputada em Bamako, Mali.

A vitória, na final, por 62-54, foisobre o temível Senegal, detentor,na altura, de dez taças e hoje com11, sendo a última conquistada em2015. Sob o comando de Aníbal Mo-reira, ergueram o título CatarinaCamufal , Fineza Eusébio e Luzia

Simão (bases), Felizarda Jorge, As-trida Vicente, Sónia Guadalupe,Ângela Cardoso e Nacissela Maurício(extremos), Nadir Manuel, NgiendulaFilipe, Luísa Tomás Macuto e CristinaMatiquite.

No ano seguinte, pela primeiravez na história do basquetebol fe-minino, Angola marcou presença nosJogos Olímpicos de Londres, na In-glaterra. Em 2013, Aníbal Moreira,coadjuvado por Elisa Pires e HilárioFilipe, vai a Maputo, Moçambique,e vence, na final, por 64-61, as anfitriãs,revalidando o troféu.

Ao grupo de jogadoras campeãsinsólitas juntaram-se MadalenaFelix, Clarisse Mpaka e Whitney Mi-

guel. De fora ficaram Luzia Simão,Ângela Cardoso e Cristina Matiquite.

Em 2013, em Maputo, Moçam-bique, revalidou o ceptro africanoao vergar no derradeiro encontroas anfitriãs por 64-61.

O feito permitiu a Selecção Na-cional estrear-se em 2014, num Cam-peonato do Mundo, realizado emIstambul, Turquia.

A jogar no estrangeiro estão al-gumas atletas com menos de 30anos, destaque para Whitney Miguele Sara Caetano ( França ), RudianeEduardo e Artémis Afonso (Espanha),Alexia Dizeco ( Suíça ). Clarisse Mpaka,do Anzoli de França, é a mais velhacom 34 anos.

Mingas, Armando Costa e outros distintos atletas

SUCESSOS DO PAÍS NOVO

Ouro saiu para nascidas depois de 1975 CLASSE FEMININA

A par de Bruno Fernando, o expoentemáximo no exterior, Angola tem outrosjogadores distribuídos por distintoscampeonatos europeus e americanos.Todos nasceram, obviamente, depoisda independência, com realce paraYanick Moreira, 29 anos, jogador doAEK de Atenas (Grécia).

Yanick, poste de 2,11 metros, tam-bém já testou pelas equipas dos Hous-ton Rockets, Philadelphia Seven Sixers,Phoenix Suns, Toronto Raptors e LosAngeles Clippers, todas da Liga Pro-fissional norte-americana de basque-tebol, NBA

Actualmente, na América está Sílviode Sousa, 21 anos, 2,06 metros. Neste

momento, o campeão Sub-16 e 18está sem vínculo com qualquer equipa,por estar a responder a um processojudicial.

Eric Amândio, 21 anos, 1,91 metros,está vinculado a Marshalltown Tiger,Valdir Manuel, 20 anos, 2,08, alinhapelo Harcum Basketball; Rifen Miguel,20 anos, 2,05, no Tallahassee; CristianoGomes, 21 anos, 2,08, é do Central

Georgia Tech; Joshua Kashila, 20 anos,1,91, defende as cores do SAGU. JáLevy Miguel, 21 anos, 1,91, é do FortLewis (NCAA D2); Selton Miguel, 19anos, 1,95, representa o West OaksAcademy High School.

Ttambém tentam a carreira nosEstados Unidos Sadraque Nganga, 16anos, 2,08, ligado a Hillcrest Prep HighSchool; Dário Domingos, 19 anos, 2,03,estuda e joga no Desert Valley PrepHigh School.

Luís Pereira Faial, 19 anos, 1,91,assinou, recentemente, com o Atléticode Queluz, de Portugal; Ketson Cabral,19 anos, 1,75, joga no Saint Ouen, deFrança.

Yanick Moreira na Grécia

JOGADOR DO PERISTERI BC

GERAÇÃO DE BASQUETEBOLISTAS

Coordenação e Edição: Caetano Júnior

Redacção: Matias Adriano, Diogo Paixão, Luísa Rogério, Cristóvão Neto, Vivaldo Eduardo, Amândio Clemente,Anaximandro Magalhães, Matadi Makola e Gaspar Micolo, Kindala Manuel, Rui Vasco e Fernando Oliveira

Departamento de Paginação : Irineu Caldeira (Chefe), Adilson Santos (Chefe-adjunto), Carlos Casimiro, AdilsonFélix, Waldemar Jorge, Jorge de Sousa, Bruno Vieira Dias e Paulo Lopes

Eduardo Mingas

DR

Page 16: 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE Um país forjado na ......11 de Novembro de 2020 Ano 45 • N.º 16171 Um país forjado na resistência 45 ANOS DE ANGOLA INDEPENDENTE EDIÇÕES NOVEMBRO

Miguel Gomes

A geração do "pós": Pós-independência, pós-colonial,pós-escravatura, pós-luta delibertação. A primeira geraçãonascida e criada numa Angolaindependente está agora comidade compreendida entre os30 e os 45 anos. Era para seruma nova aurora, mas a rea-lidade é mais complexa.

António Panzo, segurançaprivado, 34 anos, natural doUíge, seguiu os irmãos quecomeçaram a vir para Luandadurante os anos de 1990. Nãochegou a conhecer o pai, quemorreu quando ainda estavaaninhado na barriga da mãe,que ainda está viva. Contamais de 70 anos. Tambémvive em Luanda.

Desde que chegou à ci-dade-grande praticamentenão voltou ao Uíge, apenasfoi em 2014, para enterrar aavó. É uma realidade que

transporta o pensamentopara a falta de integração epara o afastamento real entrea cidade e o campo, anomaliaque quebrou a logística, avida rural e a agricultura nopaís (com a grande ajuda damonocultura petrolífera eda ausência de um modelode desenvolvimento ade-quado à realidade).

A guerra civil tambémfacilitou a fractura, mas nãoé a única justificação. Os an-golanos são agora um povoque, na maioria dos casos,vive nas cidades. Aos 14 anos,por volta de 1999-2000,Panzo entrou na vida militar.Foi um período curto. Depoisde 2002, já ninguém ficounas matas.

Em Luanda, vive marital-mente com a mulher. O casaltem seis filhos e habita nobairro Belo Monte, municípiode Cacuaco. As crianças estu-dam num colégio privado.

"Ainda ontem um delesestava com febres altas e foinecessário levá-lo ao postomédico do bairro. Postos lá,disseram-me que era neces-sário pagar 10 mil kwanzaspara fazer a consulta", la-menta, naquela que considerauma das falhas do país.

45 anos depois de 1975, amaioria dos angolanos con-tinua a lutar por Educação,Saúde e Emprego. Pelo básico.

Segundo o último relatórioanual "Inquérito ao Empregoem Angola", relativo a 2019,produzido pelo InstitutoNacional de Estatística (INE),a população desempregadaentre os 25 e os 45 anos ultra-passa os 40 por cento. DeAngola, a primeira geraçãorecebeu muito pouco, paraalém de uma bandeira e deum país.

É uma geração queconhece e relaciona-se for-temente com as grandes nar-

rativas da luta de libertaçãoe dos movimentos que a lide-raram, que sofreu (directa eindirectamente) com o con-flito armado até 2002, mas,para além disto, enfrenta algu-mas dificuldades em situar-se na região e no mundo.

Também não há esperançaque resista aos anos que pas-sam e às frustrações que vãomarinando debaixo dos pés.Sobrevive-se. A força dos anosde juventude também vaiesmorecendo e começam asurgir os primeiros sinais devida da segunda geração deangolanos.

"Ainda se tivéssemos ser-viços básicos em condiçõese melhores empregos, a vidapoderia ser normal", defendeAntónio Panzo, que carregauma expressão relativamentedespreocupada. Ele contaque, na sua família, apenasum dos irmãos tem uma "vidamais ou menos".

"Conseguiu construir umcolégio, que também nosajuda um pouco. Os outrosandam mesmo por aí", contaAntónio Panzo, ao mesmotempo que faz um gesto comas mãos.

Já Avelino, 35 anos, é natu-ral do Lobito, província deBenguela. Com a nona classee sem ter passado pela vidamilitar, veio para Luanda hápouco tempo, para vendercremes na zunga, junto aomercado do Kikolo. Tambémseguiu um irmão que se ins-talou na capital e que lhe dis-ponibilizou um espaço parase acomodar.

São sobejamente conhe-cidos estes movimentos cí-clicos entre Luanda e as res-tantes províncias. Estão asso-ciados à venda ambulante eà concretização de pequenosnegócios. Sinais da falta deoportunidades económicase de formação profissionalfora de Luanda.

O plano de Avelino esfu-mou-se com o surgimentoda pandemia. O comércio foidas actividades mais afectadaspor conta do confinamento,da menor circulação de pes-soas e pelas históricas difi-culdades económicas damaioria da população, cas-tigadas agora com altas taxasde inflação e uma recessãode cinco anos.

A solução foi procurar porbiscates diários - e imprevi-síveis - junto dos prédios da"cidade", na zona dos Com-batentes: acarretar sacos decompras e bidões de água,cumprir missões de apoiofamiliar, limpar carros.

Todos os prédios têm oseu séquito de serviçais,muito à custa da escanda-losa falta de elevadores eda exploração física dos

mais desprotegidos.Ainda não aprendeu todos

os truques de sobrevivêncianuma cidade como Luanda.As dúvidas entre fazer o certoe encher a barriga, seja comofor, ainda lhe causam medoe alguns dilemas éticos.Nota-se pelo olhar poucoconfiante, pela voz trémula,pelo sorriso nervoso.

"A minha intenção eratrazer a família para Luanda,mas até agora não conse-gui", explica Avelino, paide três filhos. A mais velhajá tem 15 anos. Os pais deAvelino também são natu-rais do Lobito.

De corpo pequeno e esta-tura média, Avelino nãoparece ter grandes opiniõessobre a vida, o país e o mundo.Afirma que nunca tinha pen-sado que faz parte da primeirageração de angolanos nascidosno pós-independência.

A sua preocupação estácentrada no dia-a-dia, emconseguir algum dinheiropara alimentar a família. Paralá destes horizontes, é tudolento, distante, a pobreza pro-voca uma tensão constanteque aleija, que fatiga o maisforte, o mais destemido. Nemtodos têm as ferramentas paracortar os arames-farpadosque colam na mente.

"Se conseguisse um em-prego, mesmo aqui em Lu-anda, para mim, seria bom",disse. Para já, é a sua grandeambição, o seu grande sonho.

Mais do que um sonho,as histórias simples de Ave-lino e de António Panzo con-fundem-se com a realidadediária da maioria da popu-lação. Herdaram um país pro-fundamente ferido por 500anos de ferro e fogo, mas ocontexto não permite ima-ginar grandes utopias.

Em 2019, segundo o INE, ossectores de actividade quemais contribuíram para ageração de empregos forama agricultura, produção ani-mal, caça, floresta e pesca,que, no seu conjunto, empre-gavam mais de 5 milhões deangolanos, o que representa53,1 por cento do total daspessoas empregadas.

Segue-se o comércio, agrosso e a retalho, e a repa-ração de veículos automóveise motociclos, que represen-taram 18 por cento dos em-pregos. A proporção da po-pulação de 15 a 64 anosempregada na indústria trans-formadora situou-se em ape-nas 2,7 por cento.

Apesar da realidade serfactual - sete em cada dezangolanos trabalha no sectorprimário e na prestação deserviços básicos - há tambémvárias histórias de sucessono seio da primeira geração.

Não apenas sucesso eco-nómico ou ao nível do mer-cado de trabalho. Falamosmesmo de pessoas e de ini-ciativas que mostram umpaís-possível, ainda que namaioria dos casos sejamideias provenientes de umaelite com acesso a melhoresreferências e mais oportu-nidades económicas.

A produtora Geração 80,fundada no início da décadapor Tchiloia Lara, Jorge Cohen

e Mário Bastos "Fradique",tem vindo a rasgar horizontesinternos e externos. Recen-temente, estrearam a longa-metragem "Ar Condicionado",realizada por Fradique, quetem vindo a ser bastante elo-giada nos importantes fes-tivais de cinema em que temparticipado.

O sucesso não se restringeapenas ao cinema, porquea empresa produz outro tipode formatos, desde o docu-mentário (“Para lá dos meuspassos”, de Kamy Lara e PaulaAgostinho, também foi muitobem recebido, tal como“Independência”) até aosfilmes publicitários.

O próprio nome remetepara uma reflexão sobre opapel dos primeiros angolanosnopós-independência, quepoderia estar centrado emreinventar Angola, em sonharcom um país para todos.

Ao nível do empresariado,

há sinais de alguma dinâmicaentre os angolanos com ida-des entre os 30 e os 45 anos.Para lá da Geração 80, empre-sas como Tupuca, Kubinga,o comércio online em geral(que tem vindo a desenvol-ver-se sem regulação), sãoapenas algumas das possí-veis referências.

Outro caso de estudo estáno conjunto de artistas plás-ticos angolanos, que dão cartasdentro e fora do país. Nomescomo Kiluanji Kia Henda, Nas-tio Mosquito, Edson Chagas,entre vários outros, são dignosrepresentantes do país e sem-pre com reflexões profundassobre o mundo e o papel dosangolanos.

Ao nível do entretenimentoe da música, especificamente,a pr imeira geração pós-dipanda também se repre-senta bem e em diversosestilos. MCK, Matias Damásio,Ary, Aline Frazão, Irina Vas-

concelos, Yuri da Cunha, TotyS'amed são apenas algunsdos nomes mais destacadose que fazem enorme sucessodentro e fora de portas.

Curiosamente, ao nívelda política e do poder polí-tico, os representantes oriun-dos da primeira geraçãoainda são poucos.

Vera Daves , 36 anos ,actual ministra das Finanças,é seguramente incontorná-vel. Luther Rescova, falecidorecentemente, é outro nomea destacar. Tinha 40 anos. Adeputada Mihaela Webbaou até Adão de Almeida (nas-cido em 1979). Outros nomespoderiam ser referidos masa lista seria curta.

Continua a ser a geraçãodos libertadores, daquelesque fizeram a luta de libertação,a mandar no país. Sinal de quea transição de poder geracionaltem sido lenta e muito con-trolada pelos mais-velhos.

A fuga para a diáspora é outracaracterística da primeira geraçãode angolanos. Entre os casos desucesso referidos anteriormente,quase todos passaram por expe-riências de vida, estudo ou trabalhofora de Angola.

Várias figuras importantes daLiteratura, da Comunicação Social,da Sociedade Civil, da Educação,entre outras actividades, não foramaqui referenciadas, mas não devemser esquecidas.

No entanto, o enorme contrasteentre as histórias de vida de AntónioPanzo e de Avelino e os casos desucesso da primeira geração pós-colonial é mais um motivo de refle-xão. Ao lado de uma minoria bemsucedida, perfila-se um exércitode cidadãos sem possibilidadede sonhar.

Uma realidade incontornávelque deve originar profundas refle-xões sobre a capacidade interna,as políticas públicas e os investi-mentos concretizados nos últimos45 anos.

Entre realizações e sonhos desfeitosPela frente, histórias diferentes de jovens da mesma geração, a da AngolaIndependente. Entre expectativas confirmadas e sonhos desfeitos, estes

compatriotas, nascidos depois de 11 de Novembro de 1975, procuram contornar afalta de emprego e outros problemas com iniciativas empreendedoras ou nem

tanto. O trabalho precário é muitas vezes a saída

REINVENTAR ANGOLA

História de sucesso na Geração do “Pós”

Diáspora

ANGOLANOS NASCIDOS DEPOIS DE 1975