4.3 guião de uma visita de estudo ao palácio nacional de mafra · 6. salientar o papel do povo...

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32 NTEHA11CP © Porto Editora 1 O voto de um rei que o povo cumpriu O romance de José Saramago, Memorial do Convento, começa com a história verídica do voto de D. João V a um frade franciscano: “Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos, e todos disseram, Deus ouça vossa majestade” (p. 14). Porém, torna-se um “ludíbrio” (p. 266) contar apenas a versão do rei, e não a do povo que construiu o convento. A palavra memorial significa o registo de factos memoráveis: ora, muito mais do que a história de um rei de poder absoluto que se perpetua nos tempos através de uma obra faraónica (ou, melhor dizendo, joanina), o Memorial do Convento é a história da gente anónima que viveu nesse Portugal do século XVIII, que acompanhou procissões, que se deleitou com touradas de morte, que gerou filhos e os perdeu em epidemias e que, além de todos os seus afazeres, ainda construiu um convento: “Todos os homens são reis, rainhas são todas as mulheres, e príncipes os trabalhos de todos” (p. 74). A visita ao Palácio Nacional de Mafra integra-se, curricular- mente, no estudo das unidades 2 e 3 do Módulo 4, conteúdos a aprofundar de acordo com o Programa Oficial de História A, do 11.° ano. Esta atividade ajudará os alunos a: 1. caracterizar o absolutismo joanino; 2. reconhecer na obra Memorial do Convento, de José Saramago, a crítica à sociedade de ordens setecentista; 3. integrar a edificação do Convento de Mafra no contexto económico da exploração do ouro brasileiro; 4. apreciar o património artístico representado pelo Convento de Mafra; 5. descobrir o romance Memorial do Convento (se possível, em interdisciplinaridade com Português); 6. salientar o papel do povo anónimo na construção da História. 4.3 Guião de uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra (com o Memorial do Convento na mão) Busto de D. João V, por Alexandre Giusti Vista do Palácio Nacional de Mafra Nota: O Guião de visita foi elaborado em interação com o romance Memorial do Convento, que se cita. O número das páginas citadas vai entre parêntesis para o caso de o professor querer alargar a citação. A – Contexto histórico da construção do Convento de Mafra, ficcionado no Memorial do Convento

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1 O voto de um rei que o povo cumpriuO romance de José Saramago, Memorial do Convento, começa com a história verídica do voto de D. João V a um frade franciscano: “Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos, e todos disseram, Deus ouça vossa majestade” (p. 14). Porém, torna-se um “ludíbrio” (p. 266) contar apenas a versão do rei, e não a do povo que construiu o convento.

A palavra memorial significa o registo de factos memoráveis: ora, muito mais do que a história de um rei de poder absoluto que se perpetua nos tempos através de uma obra faraónica (ou, melhor dizendo, joanina), o Memorial do Convento é a história da gente anónima que viveu nesse Portugal do século XVIII, que acompanhou procissões, que se deleitou com touradas de morte, que gerou filhos e os perdeu em epidemias e que, além de todos os seus afazeres, ainda construiu um convento: “Todos os homens são reis, rainhas são todas as mulheres, e príncipes os trabalhos de todos” (p. 74).

A visita ao Palácio Nacional de Mafra integra-se, curricular-mente, no estudo das unidades 2 e 3 do Módulo 4, conteúdos a aprofundar de acordo com o Programa Oficial de História A, do 11.° ano.

Esta atividade ajudará os alunos a:

1. caracterizar o absolutismo joanino;

2. reconhecer na obra Memorial do Convento, de José Saramago, a crítica à sociedade de ordens setecentista;

3. integrar a edificação do Convento de Mafra no contexto económico da exploração do ouro brasileiro;

4. apreciar o património artístico representado pelo Convento de Mafra;

5. descobrir o romance Memorial do Convento (se possível, em interdisciplinaridade com Português);

6. salientar o papel do povo anónimo na construção da História.

4.3 Guião de uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra (com o Memorial do Convento na mão)

Busto de D. João V, por Alexandre Giusti

Vista do Palácio Nacional de Mafra

Nota: O Guião de visita foi elaborado em interação com o romance Memorial do Convento, que se cita. O número das páginas citadas vai entre parêntesis para o caso de o professor querer alargar a citação.

A – Contexto histórico da construção do Convento de Mafra, ficcionado no Memorial do Convento

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Vamos imaginar que somos parte do imenso povo que acorreu a Mafra no dia da sua sagração: “Enfim chegou o mais glorioso dos dias, a data imorredoira de vinte e dois de outubro do ano da graça de mil sete-centos e trinta, quando el-rei faz quarenta e um anos e vê sagrar o mais prodigioso dos monumentos que em Portugal se levantaram […]” (p. 365).

2 Um país pobre a nadar em ouroA vontade de expansão dos franciscanos por meio de um convento em Mafra arrastava-se “desde mil seiscentos e vinte e quatro, ainda estava o rei de Portugal um Filipe espanhol” (p. 25) e havia sido indeferida em mil setecentos e cinco. Porém, não bastaria o pedido dos arrábidos para se chegar à construção de um convento imenso como o que se erigiu. A promessa coincidiu com um dado económico fundamen-tal: a exploração do ouro do Brasil que permitiu superar a crise financeira do século XVII e investir na arte, tornada espelho e suporte do poder régio.

A Mafra chegavam os melhores artistas europeus. Do desafogo económico, que se prodigalizou em dádivas aos grandes e em esmolas ao povo, brotou o cognome O Magnânimo. No Memorial do Con-vento descreve-se como “el-rei, chegado a Mafra, se pôs, ele, a distribuir moedas de ouro, assim, com esta mesma facilidade com que o contamos” (p. 138).

Critica-se, no romance, afinal, o (des)governo de Portugal sob a monarquia absoluta, um país que não faz contas a despesas porque “está longe daqui o fundo dos nossos sacos, um no Brasil, outro na Índia, quando se esgotarem vamos sabê-lo com tão grande atraso que poderemos então dizer, afinal estávamos pobres e não sabíamos” (p. 293).

Planta do Palácio Nacional de Mafra

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Pátios do conventoJardins de buxoCelasSalãoPortaria-morCozinha

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Sala dos atosSala do capítuloSacristiaPátios da basílicaSala de profundisRefeitório

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EnfermariaClaustrosBasílicaEntradas para o palácioTorreõesGaliléAdro

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B – A visita

SUGESTÃO: Audição prévia das sonatas para cravo de Domenico Scarlatti. O músico italiano era mestre da capela real e professor da infanta D. Maria Bárbara. Enquanto personagem do romance também é chamado, em tradução livre e com ternura, Escarlate. Saramago descreve, assim, a sua obra, que imaginou tocada nas mar-gens do rio Caia: “[…] uma música delgadinha, suavíssima, um tilintar de sininhos de vidro e prata, um harpejo às vezes rouco, como se a como-ção apertasse a garganta da harmonia […]” (p. 331).

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Guião de uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra (com o Memorial do Convento na mão)

1 A fachadaA visão exterior do monumento é esmagadora: ao centro, ergue-se a basílica com as suas torres sineiras e a cúpula imponente; de cada um dos lados, o corpo do edifício estende-se para terminar em torreões de quatro faces. No total, a fachada virada a poente mede 232 metros de comprimento.

É visível a inspiração do ourives/arquiteto Ludovice na basílica de S. Pedro do Vaticano, pelo neoclassicismo assumido: no pórtico, as colunas jónicas marcam o ritmo dos arcos e portas que acedem ao átrio ou galilé, enquanto o frontão apresenta, no tímpano, imagens da Virgem com o Menino e Santo António (a quem o convento é dedicado), do mes-tre escultor italiano Giuseppe Lironi.

Escutemos: somos recebidos por um concerto! Os dois carrilhões de Mafra, encomendados por D. João V aos melhores artesãos de Antuérpia e Liège, tocam pela primeira vez a 22 de outubro de 1730. Subiremos, depressa, os degraus que con-duzem ao vestíbulo, também chamado galilé.

2 A galiléSeguimos, com o olhar, os volteios que os mármores policromos fazem no chão: enlaçam-se o branco com o amarelo, o vermelho, o azul, o cin-zento e o preto. Quando levantamos o olhar, impõe-se a presença das esculturas de santos importadas de Itália. Vimos quatro na fachada e agora temos não menos do que catorze! Saramago imaginou as está-tuas conversando em círculo na vés-pera do dia em que seriam colocadas nos seus nichos:

“O luar ilumina de frente as duas gran-des figuras de S. Sebastião e S. Vicente, as três santas no meio deles, depois para os lados começam os corpos e os rostos a encher-se de sombras, até ao completo negrume em que se escondem S. Domingos e Santo Inácio, e, injustiça grave se já o condenaram, S. Francisco de Assis, que merecia estar em luz plena, ao pé da sua Santa Clara […]” (p. 343) “Fosforeciam como sal. Apurando o ouvido, percebia-se daquele lado um rumor de conversação, seria um concílio, um debate, um juízo, talvez o primeiro desde que par-tiram de Itália, metidos em porões, entre ratos e humidades, atados violentamente nos conveses, porventura a última fala geral que poderiam ter, assim à luz da lua, porque não tarda que sejam metidos em seus nichos […].” (p. 345).

Para termos uma ideia da importância que a escultura virá a assumir em Mafra, basta referirmos que, mais tarde, no reinado de D. José I, será criada a Escola de Escultura de Mafra, dirigida por Alexandro Giusti. A coleção de arte sacra do palácio exibe aos visitantes algumas das melhores produções da Escola de Mafra.

3 A Basílica de Nossa Senhora e de Santo António de MafraD. João V fez coincidir a sagração da basílica com o dia do seu quadragésimo primeiro aniversário, que calhava a um domingo de 1730. Esta decisão obrigou a recrutamentos forçados de mão de obra, concentrando em Mafra cerca de qua-renta mil trabalhadores que Saramago compara a “um gigantesco dragão deitado, respirando por quarenta mil foles” (p. 344).

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Entramos dentro da igreja com planta em cruz latina e caminhamos pela nave central. Chegados ao transepto, obser-vamos a capela-mor. Por cima do altar, permanece o retábulo do pintor italiano Trevisani, pintura a óleo datada do segundo quartel do século XVIII, que representa a Virgem mostrando o menino a Santo António. Olhemos ainda mais acima e temos um crucifixo de jaspe com mais de quatro metros de altura. De cada um dos lados, varandas e colunas. Se, no exterior, toda a vila de Mafra ressoava com os sinos, aqui, dentro da basílica, os fiéis podiam deleitar-se com os concertos dos seis órgãos que D. João V encomendou na Itália. Deterioraram-se e aqueles que vemos, hoje em dia, datam do reinado de D. João VI.

A basílica tem, ao todo, onze capelas. No cruzeiro da basílica (cruzamento da nave central com o transepto) olhemos para o alto: deslumbre! Um zimbório com 65 metros de altura ilumina a igreja. Não estava completo no dia de anos do rei: “a sagração é já no domingo e todos os cuidados e trabalhos serão poucos para dar à basílica um ar composto de obra acabada, está concluída a casa da sacristia, mas sem reboco nas abóbadas, e, como ainda conservam o simples, se manda-rão cobrir com pano de brim engessado, a fingir de guarnição de cal, para parecer com mais asseio, e à igreja, como falta o zimbório, do mesmo modo se disfarçará a ausência” (p. 341). Tal como acontece na cúpula da basílica de São Pedro, em Roma, e na da Catedral de Santa Maria das Flores, em Florença, foram construídas duas cúpulas concêntricas, com espaço entre si. A cúpula de Mafra é rematada por um bloco com oito janelas redondas.

Se olharmos, neste momento, para a zona acima da porta de entrada, vemos a sala da Bênção que, tal como acontece na Igreja de São Pedro, no Vaticano, tem janelas quer para o interior, quer para o exterior da igreja.

Saímos da basílica pelas naves laterais, protegidas por arcaturas, para vermos a fiada de capelas, três de cada lado. Aqui existiam pinturas a óleo, como se descreve no romance aquando do dia da sagração: “Este foi o dia de se benzerem as cruzes, os quadros das capelas, os paramentos e mais objetos de culto, e depois o convento e todas as suas dependên-cias.” (p. 364). Porém, a deterioração fez com que se substituíssem as pinturas (algumas das quais se encontram no palácio) por retábulos em mármore de Carrara esculpidos em baixo-relevo. Esta alteração data do tempo em que o convento foi entregue aos cónegos regrantes de Santo Agostinho, no reinado de D. José I. A Basílica é, assim, o melhor local para estudar a escultura do século XVIII em Portugal.

4 O palácioSabemos que a intenção expressa por D. João V era a de construir um convento. No entanto, grande parte do edifício destinava-se à estadia temporária da família real e do patriarca de Lisboa. É, pois, uma “casa de campo” do rei, não muito distante de Lisboa, composta por 666 divisões! Estas ocupavam toda a fachada poente (excetuando a basílica mas incluindo os dois torreões) e o terceiro piso das frentes norte, sul e parte da frente nascente. Focaremos a nossa atenção nas seguintes:

Sala da Bênção

1) Sala da Bênção. Aqui encontramo-nos, já, em território secular, porém, os mármores policromos e as pilastras dóricas remetem-nos para a ornamentação da basílica. As duas frentes da sala reforçam essa ambivalência entre o sagrado e o profano: das três janelas que dão para a basílica o rei podia assistir à missa, enquanto das três outras que dão para o terreiro podia o monarca, ou o patriarca, mostrar-se ao povo em toda a sua magnificência: “Eram cinco horas quando o patriarca começou a missa de pontifical […] dali subiu à tribuna da casa de Benedictione para lançar a bênção ao povo que esperava cá fora, setenta mil, oitenta mil pessoas, que num grande sussurro de movimentos e vestes se derrubaram de joelhos no chão, momento inesquecível, por muitos anos que eu viva […]” (p. 366).

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Guião de uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra (com o Memorial do Convento na mão)

A varanda da janela central é feita de uma só pedra de “sete metros [de comprimento], três metros [de largura] e sessenta e quatro centímetros [de espessura]” (p. 253): partindo destes simples dados, Saramago construiu uma jornada épica descrevendo a viagem da pedra entre Pero Pinheiro e Mafra sobre um carro gigante, “espécie de nau da Índia com rodas” (p. 249), puxado por duzentas juntas de bois.

No final da travessia: “Quando entraram no terreiro, foi como se estivessem chegando duma guerra perdida, sujos, esfarra-pados, sem riquezas. Toda a gente se admirava com o tamanho desmedido da pedra, Tão grande. Mas Baltasar murmurou, olhando a basílica, Tão pequena.” (p. 274)

De facto, pequena, se comparada com os quase quatro hectares de obra construída. E, afinal, para quê este esforço? Para que, nos nossos dias, um guia do monumento diga aos visitantes que “o peso da pedra da varanda da casa a que se cha-mará de Benedictione é de trinta e um mil e vinte quilos, trinta e uma toneladas em números redondos, senhoras e senhores visitantes, e agora passemos à sala seguinte, que ainda temos muito que andar.” (p. 254) A História é um esforço da imagi-nação e não só uma série de factos. Imaginemos, pois, esses homens que trouxeram a pedra, pois que do rei D. João V temos o busto no centro da sala para supor as feições (realizado por Alexandro Giusti no reinado de D. José I).

Sala do Trono

2) Sala de Audiências ou Sala do Trono. Nesta sala o rei receberia as figuras de maior destaque da sociedade absolutista. Observem-se as pinturas murais, de inícios do século XIX: Domingos António de Sequeira pintou os quadros com cenas de guerra e as alegorias às sete virtudes morais. Cirilo Wolkmar Machado pintou a Alegoria do Olimpo presente na abóbada (na Sala das Descobertas e na Sala dos Destinos podem observar-se outros trabalhos seus).

3) Outras salas merecem, ainda, especial atenção: a Sala de Jantar ou Sala da Caça, repleta de troféus de caça nas paredes, cadeiras e até no lustre; a Sala de Diana, também alusiva à caça; a Sala da Música e os oratórios reais.

4) Aposentos reais. Os quartos dos reis situavam-se no terceiro piso do torreão sul (os quartos de D. Fernando constituem a exceção à regra) enquanto os das rainhas se localizavam no torreão norte. Separava os monarcas a galeria da fachada e a das frentes norte e sul. Em 1806-1807, estava próxima a invasão pelas tropas francesas, o príncipe regente D. João VI e a família real passaram grande parte do tempo em Mafra, acabando, como sabemos, por partir para o Rio de Janeiro, levando consigo grande parte da riqueza do palácio, talvez adivinhando que este iria servir de quartel-general para os soldados franceses. O Paço Real assistiu, também, ao fim da monarquia em Portugal: aqui dormiu D. Manuel II a última noite do seu reinado, antes de partir para o exílio, em Inglaterra. O palácio foi, então, transformado em museu.

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aGuia de uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra (com o Memorial do Convento na mão)

Claustros do Convento de Mafra

Biblioteca do convento

1) A biblioteca

5 O conventoA decisão de D. João V de que o Con-vento de Mafra, em construção, fosse ampliado para acolher 300 frades, em vez dos 80 previstos, é tomada por um capricho, no Memorial do Convento: “Enfim o rei bate na testa, resplandece-lhe a fronte, rodeia-o o nimbo da inspiração, E se aumentássemos para duzentos o con-vento de Mafra, quem diz duzentos, diz quinhentos, diz mil […] Sejam trezentos, não se discute mais, é esta a minha von-tade” (pp. 291-292).

Sendo o monumento composto por duas secções retangulares contíguas, o convento integra-se naquela situada por detrás da basílica, para onde a obra se teve de expandir à custa de duros trabalhos de rebentamento de pedra.

Trata-se da parte menos exuberante da obra joanina. O claustro (Jardim do Buxo) constitui um bom exemplo de como a parte conventual da obra foi relegada para segundo plano, em favor do palácio.

O convento compreende as celas dos frades, a enfermaria, uma farmácia, a cozinha e a biblioteca. Estava incompleto aquando do 41.° aniversário do rei (no Memorial do Convento refere-se que “antes da sagração se mudarão os noviços para duas casas já construídas por cima da cozinha […]” (p. 342).

No lado nascente, no quarto piso, vale a pena determo-nos na biblio-teca. Esta sala de 86 metros de comprimento só recebeu os livros no rei-nado de D. Maria I. Os mármores do pavi-mento e as estantes, em estilo rocaille (ou con-cheado, dada a profusão do motivo da concha empregue neste estilo), datam do reinado de D. José I (arquiteto Manuel Caetano de Sousa). Era aqui, na biblioteca, que os infantes praticavam um divertimento inédito: cami-nhar sobre patins.

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6 A Tapada RealEste terreno com mais de 1000 hectares foi adquirido por D. João V nos anos 40 do século XVIII. Era utilizado como reserva de caça (de javalis, gamos, aves), como local de passeio pelos seus pinhais e matos e como fonte de abasteci-mento de água. No meio desta reserva natural podemos, ainda, encontrar o Chalê d’El-Rei de D. Carlos e D. Amélia.

Em conclusão: Depois da sagração, as obras continuaram sob a direção de Custódio Vieira, tendo terminado, oficial-mente, em 1750, data da morte de D. João V. Apesar dos acrescentos em reinados posteriores, a obra de Mafra carac-teriza-se pela unidade estilística. Resistiu ao terramoto de 1755 e às invasões francesas. De lá partiu a família real para o Brasil e num dos seus quartos dormiu D. Manuel II a última noite do seu reinado e de oitocentos anos de monarquia. Obra polémica pelo gigantismo, continua a dividir as opiniões de quem a visita: “montanhão de pedra” (p. 106) e “bisarma” (p. 306) foram alguns dos epítetos que Saramago lhe atribuiu. Mas, no final de contas, dedicou-lhe 373 pági-nas inesquecíveis, um monumento literário não menor do que o dito convento de que fez memória.

As estantes, com medalhões que exibem os bustos de autores clássicos, albergam verdadeiras preciosidades, entre as quais uma primeira edição de Os Lusíadas, 22 incunábulos, cadernos de música e dois forais de D. Manuel I. No total, são 40 000 livros que os investigadores podem consultar. Uma curiosidade: a biblioteca é habitada por morcegos que contribuem para a conservação dos livros: é que a sua dieta diária inclui os parasitas que roem papel. Abençoados morcegos conventuais!

Já não há frades em Mafra desde 1834, pois os liberais decretaram a extinção das ordens religiosas em Portugal. O Real Con-vento de Mafra passou, então, a fazer parte da Fazenda Nacional. A igreja passou, também, para o Estado e serve de paró-quia à vila de Mafra.

Atualmente, o espaço do convento é sede da Escola Prática de Infantaria.

Guião de uma visita de estudo ao Palácio Nacional de Mafra (com o Memorial do Convento na mão)

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