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OS AUTMATOS DA FICOCIENTFICA: reconfiguraes datecnocincia e do imaginriotecnolgico1
RGIS, FtimaDoutora em Comunicao e Cultura pela ECO/UFRJ;Professora da Faculdade de ComunicaoSocial(Graduao e Ps-Graduao) da UERJ;Pesquisadora do CiberIDEA Ncleo de Pesquisa emTecnologia, Cultura e Subjetividade ECO/[email protected]
RESUMO
Com base em pressupostos de Wolfgang Iser que permitemafirmar que o imaginrio de uma cultura se revela por meio deseus produtos ficcionais, o artigo prope compreender aevoluo do imaginrio contemporneo sobre a criao da vidaartificial do sculo XIX at os dias atuais por meio da anlisede histrias de fico cientfica. Neste sentido, o texto analisaa evoluo do conceito de autmato em textos literrios e emfilmes de fico cientfica como reconfiguraes dedescobertas cientficas e produo do imaginrio de cadapoca.
Palavras-chave: Tecnocincia. Autmatos. Imaginriotecnolgico.
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Ns vivemos fico cientfica.(Marshall MacLuhan)
Ns anexamos o futuro ao nosso prprio presente.(J. G. Ballard)
Os cyberpunks so talvez a primeira gerao de ficocientfica a crescer no apenas sob a influncia de uma
tradio literria de fico cientfica, mas em umverdadeiro mundo de fico cientfica.
(Bruce Sterling)
1 INTRODUO
Uma das principais novidades da tecnocincia refere-se s possibilidades de
interveno sobre os mecanismos da vida e de criao de vida artificial, que at ento
estavam fora do alcance da cincia. Seres clonados - como a ovelha Dolly e artificiais
como o rob campeo de sinuca Deep Green ( primo do computador enxadrista
Deep Blue ) concretizam seres que s existiam na fico cientfica, despertando no
imaginrio tecnolgico a idia de que vivemos num mundo de fico cientfica, como
alardeiam os autores citados nas epgrafes que abrem este texto.Mas como acontece essa inter-relao entre tecnocincia, fico cientfica e
imaginrio tecnolgico? Dito de outra forma: como podemos relacionar esse processo de
retroalimentao entre real, fico e imaginrio?
Em outro artigo (RGIS, 2004) mostramos como o imaginrio tecnolgico uma
construo que envolve um entrelaamento de trs termos: tecnocincia (realidade),
fico e imaginrio tecnolgico, cujos pressupostos cabem aqui retomar. Wolfgang Iser
permite afirmar que o imaginrio de uma cultura se revela por meio de seus produtos
ficcionais (textos literrios, imagens, jogos, entre outros). Iser substitui o dualismo
clssico entre real e ficcional por uma relao tridica: real, ficcional e imaginrio
(1993, p. 2). A relao entre as trs partes funciona assim: o ato ficcional parte do
real/existente, de onde tira a veracidade necessria para a cumplicidade entre autor e
leitor, e acrescenta-lhe uma qualidade imaginria, colocando em contato real e
imaginrio. Se por um lado, ao apelar para o imaginrio, a fico conduz a realidade
para alm de seus limites, por outro, ela captura e d forma ao imaginrio, que quando
livre um repertrio de imagens, fantasias e sonhos em constante metamorfose e
disperso.
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Aplicando os pressupostos de Iser para nossa questo particular podemos
descrever o papel da fico na produo do imaginrio atual da seguinte maneira: a
fico cientfica (ato de ficcionalizao) tem a funo de cruzar as fronteiras entre o
real/existente (os produtos engendrados pela tecnocincia) e o imaginrio de sua poca
(ISER, 1993). Mas acreditamos que o cruzamento de fronteiras operado pela atividade
ficcional no se limita a retirar elementos do imaginrio e do real e recombin-los no
texto ficcional, como sugere Iser. Nossa hiptese que a fico os devolve,
reconfigurando tanto a realidade quanto o imaginrio. As obras de fico cientfica
ativam o imaginrio tecnolgico e inspiram a produo tecnocientfica, e estes, por sua
vez, orientam novas especulaes ficcionais.O objetivo deste artigo duplo:
a) compreender a evoluo do imaginrio tecnolgico sobre a criao da vida
artificial do sculo XIX at os dias atuais por meio da anlise das histrias de fico
cientfica;
b) demonstrar que a fico cientfica reconfigura tanto a realidade quanto o
imaginrio.
Neste sentido, o texto analisa a evoluo do conceito de autmato nas
narrativas de fico cientfica como sintoma que entrelaa, por um lado, as
descobertas cientficas e, por outro, a produo de imaginrio de cada poca.Antes de comear, vamos estabelecer brevemente o que se entende por
tecnocincia, imaginrio tecnolgico e fico cientfica. Como tecnocincia
entendemos a convergncia de mtodos e prticas entre tecnologia e cincia2.
Chamamos de imaginrio tecnolgico ao conjunto de idias e percepes a respeito dos
usos e especulaes sobre as possibilidades dos recursos tecnolgicos em um contexto
cultural3. J a fico cientfica o gnero ficcional que produz deslocamentos em um
ou mais dos seguintes campos da nossa realidade: subjetividade, saber ou concepo de
espao-tempo4.
2 BREVE HISTRICO DA VIDA ARTIFICIAL
A criao de vida artificial tem razes remotas na Histria e na imaginao da
humanidade. Desde a Antiguidade, o homem tem construdo autmatos engenhos
mecnicos capazes de gerar seu prprio movimento e figuras animadas
artificialmente. A fabricao de autmatos depende da capacidade tcnica e
inventiva de cada cultura. A vida artificial tem suas bases na tipologia dos mecanismos
de controle produzidos pela cincia de cada poca.
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Na Antiguidade, os artefatos mecnicos capazes de gerar seu
autofuncionamento baseavam-se em tcnicas de transporte de gua. Era o caso do
relgio egpcio clepsidra. Por volta de 135 a .C., Ctesbios de Alexandria utilizou vrias
tcnicas hidrulicas da poca para desenvolver um relgio mecnico, tambm movido
gua. J no sculo primeiro, Hero de Alexandria escreveu um tratado sobre Pneumtica
no qual descrevia vrios dispositivos, em forma de animais e seres humanos, que
utilizavam princpios pneumticos para gerar movimento (LANGTON, 1996, p. 42). Em
850 d.C., foi inventada a tcnica de escapamento mecnico que possibilitou um salto
na tecnologia de relgios mecnicos. A partir desta era os artefatos passaram a exibir
suas sofisticadas engrenagens internas.Ao longo da Idade Mdia e do Renascimento, a histria da tcnica esteve
intimamente ligada produo de relgios. Os autmatos desse perodo so artefatos
que realizam movimentos repetitivos, como os jacks, homenzinhos mecnicos
incorporados s engrenagens de relgios que usavam machados para bater horas em
sinos. No incio do sculo XVIII, o famoso Pato do francs Jacques de Vaucanson
efetuava operaes mais complicadas. Alm dos mecanismos de relgio, possua
controladores que processavam a seqncia de suas aes, sendo definido como um
pato artificial [...] feito de cobre dourado que bebe, come, grasna, singra a gua, e
digere sua comida tal um pato vivo (LANGTON, 1996, p. 42).Em 1771, Luigi Galvani realizou uma experincia com as pernas de uma r que
se contraam involuntariamente quando atravessadas por uma corrente eltrica. A
experincia inspirou a Natrphilosophie na propagao da idia de que foras naturais
intercambiveis uniam o animado e o inanimado por meio do galvanismo e da
eletricidade. Essa noo foi uma das principais inspiraes de Mary Shelley para
Frankenstein (1817) .
Entretanto, no sculo XIX a biologia divorciou-se da fsica e da qumica e
invocou para si o princpio do vitalismo. A biologia alegou que a vida era dotada de
fora e energia vitais, no redutveis aos procedimentos de investigao da fsica e da
qumica. Ensejando a idia de que era constituda por meios inacessveis ao humano, o
pensamento e a vida no podiam ser produzidos artificialmente nem seus mecanismos
manipulados pelos humanos.
O imaginrio e a fico cientfica do sculo XIX so fortemente contaminados
pelas teorias da biologia. As figuras mecnicas que mimetizam seres humanos so vistas
como blasfmias abominveis e trazem desgraas para seus criadores: uma represlia
por tentarem acessar o conhecimento proibido. Em O homem de areia (1816), de E.T.A.
Hoffman, o professor Spalanzani condenado judicialmente por ter apresentado
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Olmpia uma boneca de madeira animada por segredos alqumicos como sua filha
legtima e t-la inserido no convvio social. O turco falante de Autmatos (1814),
tambm de E.T.A. Hoffman, e o autmato de The Bell-Tower (1855) , de Herman
Melville, tambm trazem conotaes negativas para a relao entre humanos e seus
autmatos.
O romance Frankenstein, ou o moderno Prometeu (1817), de Mary Shelley, a
primeira histria em que matria inerte animada por meio de procedimentos e
conhecimentos cientficos, sendo considerada a primeira obra de fico cientfica. Na
experincia do trgico Dr. Frankenstein, repousam quatro das principais questes que
povoam o imaginrio sobre as relaes entre homens e autmatos: a promessa deobteno da fora prometica, o medo de que o conhecimento sobre a criao da vida
seja proibido e leve o homem runa, o receio de que a criatura se volte contra seu
criador e o temor de que a criatura se reproduza por conta prpria. A obra de Mary
Shelley um marco tambm por discutir a questo epistemolgica de sua poca: a
substituio da magia pela cincia.
No sculo XX, o desenvolvimento dos estudos de robtica e de inteligncia
artificial d asas ao imaginrio e fico cientfica. Na rvore genealgica dos
autmatos aparecem, cronologicamente, robs, andrides e supercomputadores. Os
robs da fico cientfica so qualitativamente diferentes dos robs industriais. Estesforam projetados para realizar tarefas especficas e repetitivas, assemelhando-se a
braos mecnicos, cavalos de ao ou polvos gigantes. As narrativas ficcionais
reconfiguram os robs reais dotando-os de qualidades imaginrias. Os robs da fico
possuem forma corporal e capacidade sensorial e emotiva que os habilita a atuar no
mundo humano. S nas ltimas dcadas a robtica tem criado robs parecidos com os
imaginados pela fico cientfica, como o Deep Green , citado na abertura deste texto.
A Honda desenvolveu o rob Asimo, cujo nome uma homenagem ao famoso escritor
Isaac Asimov. O Asimo representa uma nova tendncia da robtica em emular a forma
humana. Nesse sentido, os cientistas talvez tenham se inspirado nas inmeras
conjecturas da literatura de fico cientfica que, pelo menos, desde a dcada de 1960,
tm demonstrado a utilidade prtica deste tipo de design. Podemos citar como
exemplo o conto I sing the body eletric , de Ray Bradbury, no qual a bab-rob tem
forma humana e feminina para interagir melhor com os bebs que cuida.
3 ROBS
A primeira obra importante do sculo XX a tratar a questo da vida artificial foi a pea
teatral R.U.R. (Rossum's Universal Robots), escrita em 1920 pelo escritor tcheco Karel
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estavam sob controle. Quando se comportam como humanos, fogem ao controle. Eis o
perigo: se nossas mquinas forem idnticas a ns em natureza e grau, elas agiro
exatamente como ns, humanos: usurpando o lugar do Criador e tomando as rdeas
sobre os outros seres vivos do planeta.
O brilhantismo de Capek no termina aqui. O autor traz outra novidade:
associar a relao homem-mquina mecanizao e explorao dos homens nas
fbricas, tnica da realidade na poca. Capek escreveu R.U.R. logo aps a Revoluo
Bolchevique de 1917. O levante dos robs na fbrica Rossum claramente inspirado nos
trabalhadores revolucionrios da Rssia. R.U.R. uma metfora da mecanizao,
desumanizao e explorao dos operrios nas fbricas. Na tenso ambgua einquietante entre homens que tratamos como robs, e robs que emulam pensamentos,
emoes e aes humanas, Capek traduz os problemas sociais do imaginrio de sua
poca, mesclando-os com as questes milenares sobre o que o humano, o que a
vida e quem tem o poder de ger-la (CAPEK, 19--).
Aps R.U.R., as narrativas sobre criao de vida por meio da cincia logo
substituram os seres animados por magia, como Olmpia, e os cadveres reanimados
em laboratrio, como o monstro do Dr. Frankenstein, por robs, andrides e
supercomputadores. A fico cientfica do sculo XX foi profcua em produzir histrias e
representaes sobre nossos duplos de metal.De um modo geral, nas primeiras dcadas do sculo XX, os sentimentos
ambivalentes em relao aos robs prevaleceram nas narrativas de fico cientfica. O
conto A mquina perdida (1932), de John Wyndham, conta a saga de uma mquina
originria de Marte, onde pertence a uma raa que convive com os seres humanos,
gozando de direitos iguais. Ela veio para a Terra acompanhando um marciano em
expedio ao nosso planeta, mas a espaonave sofreu um acidente e o marciano
morreu. No suportando viver no terceiro planeta, o artefato comete suicdio e deixa
uma carta explicando suas razes. A narrativa contada em primeira pessoa pela
mquina. O conto prossegue com a mquina narrando suas aventuras na Terra,
analisando criticamente os seres humanos, e desabafando sobre o quanto se sente mal
em ver o estado primitivo em que se encontram as mquinas neste planeta. Mas o que
mais choca a mquina o medo que ela desperta nos seres humanos.
Homens com medo de uma mquina. Era inconcebvel. Que motivosteriam? No h dvida que o homem e a mquina so complementosnaturais; ajudam-se mutuamente. (...) Havia apenas dois motivospara esse receio. Em primeiro lugar, que nunca tivessem vistomquinas; em segundo, que as do terceiro planeta houvessem
seguido uma linha de evoluo que lhes fosse hostil (WYNDHAM,1985, p. 27-42).
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No perodo da fico cientfica que os tericos do gnero classificam como
Golden Age (1938-1950), a balana comea a pender favoravelmente aos robs. A
Golden Age o momento em que fico cientfica est sob o signo dos ideais
iluministas. Seus principais autores demonstram grande otimismo com o progresso
cientfico e a confiana na construo da verdade do sujeito e da sociedade nofuturo .
Predominam os temas voltados para o desenvolvimento da cincia e da tecnologia.
Entusiastas da cincia e da tecnologia, os escritores da Golden Age empenham-
se em produzir enredos que combatam o temor pelos autmatos. Robs aliengenas
que representam duplamente a funo de Outro vm para a Terra em misso de paz,mas so mal-interpretados e molestados por humanos, como o gigantesco Gnut,
autodesativado depois de ver seu senhor exterminado pelos terrqueos, no conto Adeus
ao mestre (1940), de Harry Bates, que originou o filme O dia em que a Terra parou
(1951)5.
Uma das estratgias mais usadas pelos escritores da Golden Age para estimular
a afeio pelas mquinas o emprego de robs simpticos e fiis aos seus criadores.
Revelando um modo moderno de minimizar os devires agressivos e incontrolveis das
mquinas, vrios escritores do perodo optam pela domesticao dos robs. O
escritor e pesquisador Brulio Tavares avalia que, na fico cientfica dessa poca,predominam os robs pesados, repletos de luzes e capazes de sentimentos e emoes.
Demonstram uma mistura de ar de candura com pose filosfica. O cultivo dessa
simpatia pelos robs conta Tavares era do mesmo tipo daquela que os ingleses
portavam em relao aos nativos de suas colnias na sia ou os americanos em relao
aos negros ex-escravos e os ndios recm-pacificados (TAVARES, 1986, p. 62-63).
Isaac Asimov que antes de se tornar um escritor de fico cientfica era
cientista qumico foi um dos maiores defensores da causa dos robs e um dos
principais autores da Golden Age. Como grande entusiasta da cincia e f de fico
cientfica, Asimov revoltava-se contra o que denominava complexo de Frankenstein.
Na viso de Asimov, as histrias que narram hordas de robs assassinos ameaando a
raa humana representam no apenas o temor de que a criatura supere e ameace o
criador, mas tambm imputam medo ao progresso da cincia e ao conhecimento dos
segredos da vida.
A maior preocupao de Asimov demonstrar a segurana e a fidelidade dos
robs em relao aos humanos. Seus robs so dotados de crebros positrnicos
compatveis com o pensamento e a fala dos humanos, e projetados para se comunicar
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verbalmente com as pessoas. O nome positrnico deve-se descoberta dos postrons
quatro anos antes da publicao de seu primeiro conto.
A histria sobre robs, Impasse , publicada originalmente na edio de maro
de 1942 da Astounding Science Fiction, marcou a primeira vez em que se utilizou o
termo robtica'. O Oxford English Dictionary atribui a inveno da palavra a Isaac
Asimov. Foi tambm nesse conto que Asimov criou as famosas Trs Regras
Fundamentais da Robtica que ficaram mais conhecidas como as Trs Leis da
Robtica. Os trs princpios esto gravados numa espcie de memria ROM nos
crebros positrnicos de todos os robs. As leis prevem que:
Primeira Lei: Um rob no pode fazer mal a um ser humano ou, poromisso, permitir que um ser humano sofra algum tipo de mal. [...]Segunda Lei: Um rob deve obedecer s ordens dos seres humanos, ano ser que entrem em conflito com a Primeira Lei. [...] TerceiraLei: Um rob deve proteger a prpria existncia, a no ser que essaproteo entre em conflito com a Primeira ou Segunda Lei. (ASIMOV,1986, p. 128).
As Trs Leis agem sobre os robs de modo semelhante ao modo como as normas
de conduta disciplinares atuam sobre os indivduos: com o objetivo de estancar os atos
indesejveis vida social. Entretanto, as Leis de carter moral ocasionalmente
entram em conflito com o raciocnio puramente lgico do rob ou com as ordens diretas
recebidas dos humanos. Os robs tornam-se confusos. Na tentativa de conciliar as
informaes contraditrias, cometem pequenos delitos e mentem, como ocorre em O
pequeno rob desaparecido6, escrito por Asimov em 1947. As situaes mais diversas
provocam reaes inusitadas nos robs. Apesar de sua programao, freqentemente os
robs reagem de modo totalmente imprevisvel: demonstram sentimentos e desejos, e
chegam at mesmo a sonhar.
4 ANDRIDESCom o desenvolvimento da ciberntica e da biologia molecular nas dcadas de 1940 e
1950, os robs da fico cientfica comeam a se tornar ainda mais semelhantes
fisicamente aos humanos surgem os andrides. Clute & Nicholls historiam que a
palavra apareceu na lngua inglesa em 1727 para referir-se s supostas tentativas do
alquimista Albertus Magnus (1200-1280) de criar um homem artificial (CLUTE;
NICHOLLS, 1995, p. 34). Na fico cientfica, foi usada pela primeira vez em 1936 por
Jack Williamson em The cometeers . O uso atual do termo andride em geral denota
robs com aparncia humana, podendo ser produzidos com substncias orgnicas ou
revestidos com materiais sintticos que imitam fielmente musculatura e pele.
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Autnticas reprodues humanas, os andrides so considerados seres mais evoludos
que os robs e, freqentemente, alcanam nveis de complexidade mental e at
emocional que rivalizam com os humanos.
At a dcada de 1940, os andrides raramente aparecem nas histrias de fico
cientfica. Os enredos da Golden Age privilegiam os mecanismos de aspecto
visivelmente maqunico. Os robs esto no limite do humano, mas sua natureza
mecnica mantm fronteiras bem delineadas. Mas os andrides no possuem diferena
biolgica em relao aos humanos. Por ofenderem diretamente a prerrogativa divina de
criao seres vivos orgnicos, os andrides produzem no imaginrio a idia de que so
mais perigosos que os robs humanides.Freqentemente, as histrias de fico cientfica apresentam andrides criados
imagem e semelhana do homem justamente com o objetivo de substitu-lo. o caso
do romance As Possudas , de Ira Levin, no qual os homens da pequena cidade de
Stepford substituem suas esposas feministas por rplicas perfeitas que no se importam
em serem usadas, literalmente, como objetos. J no filme Westworld: onde ningum
tem alma (1973)7, andrides masculinos e femininos so criados para povoar um parque
de diverses onde podero ser assassinados e estuprados por turistas sequiosos por
emoes violentas. s vezes, as mquinas emulam o ser humano com tanta perfeio
que enganam a si mesmas, como o menino Daryl, que se julga completamente comumat que descobre ser um Data Analysing Robot Youth Lifeform (forma de vida robtica
jovem de anlise de dados), no filme D.A.R.Y.L . (1985)8.
Principalmente aps a ciberntica e a biologia molecular terem dissolvido as
distncias entre humanos e mquinas, as histrias passaram a destacar mais os esforos
de andrides que desejam se tornar humanos, desenvolvendo os dilemas morais e os
recorrentes problemas de preconceitos e diferenas ontolgicas adjacentes questo.
Como o boneco de madeira que queria ser um menino de verdade, no famoso
romance de Carlo Collodi (1883), muitas vezes andrides perfeitos exigem ser
reconhecidos como seres humanos. Entre os mais famosos portadores do complexo de
Pinquio esto o Tenente Data, da srie televisaJornada nas estrelas A nova gerao
(1987-1993) e Andrew, de O homem bicentenrio, conto de Isaac Asimov, transformado
em filme homnimo (2000)9.
Os autores tradicionalmente relacionados ao movimento New Wave da fico
cientfica produziram obras marcantes sobre andrides e sua relao com humanos. A
raa de andrides de A torre de vidro (1970), de Robert Silverberg, desenvolve
emoes tipicamente humanas como o prazer sexual, o amor e o medo. Os andrides
revoltam-se contra a condio de subordinados e lutam por sua emancipao.
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Entretanto, esta luta no pode mais ser compreendida como a revolta da criatura que
ameaa o criador, nem mesmo como metfora para o castigo da humanidade que ousou
conhecer os segredos da vida. Os andrides de Silverberg no so meras mquinas,
possuem alma; no so seres assassinos tentando destruir a raa humana, lutam pelo
direito de ser livres. o imaginrio da liberdade de escolha e do direito aos prazeres
individuais, caracterstico da dcada de 1960, contaminando a fico (SILVERBERG,
1981).
5 COMPUTADORES SURGEM OS CREBROS ELETRNICOS
Mas como comparar a inteligncia orgnica com a inteligncia sinttica quando noexistem semelhanas entre os corpos nos quais esto enclausuradas? Constitudo por
caixas gigantescas e opacas que encerram circuitos eltricos indecifrveis e
insondveis, o computador representa a frieza e a assepsia do clculo perfeito, isento
de emoes. Destitudo de aspectos antropomrficos, a criao humana mais
diferente do homem, e, justamente por isso, a mais ameaadora.
O uso do computador como crebro eletrnico apto a realizar clculos
velocidade da luz foi praticamente ignorado pelo imaginrio tecnolgico e pelos
primeiros escritores de fico cientfica. O gnero havia apostado no desenvolvimento
de autmatos semelhantes aos humanos, tecendo narrativas em que os crebros
eletrnicos encontravam-se enclausurados em corpos mecnicos com formato
humanide os robs.
Entretanto, assim que surgiu, o computador foi adotado pela fico cientfica.
De um modo geral, os computadores da fico cientfica so inteligncias artificiais
puras, que prescindem da forma corporal dos robs e mantm apenas os mecanismos
constituintes do crebro. O pensamento racional do Ocidente v o corpo como base das
emoes, elemento que confunde a razo. Neste contexto, o computador a figura que
representa o ideal mximo de perfeio: desvencilha-se do inconveniente de um corpoprprio ao mesmo tempo em que, sendo mquina, rene atributos de lgica,
inteligncia e razo puras. O rob e o andride ainda so feitos imagem e semelhana
do homem, mas o computador parece tocar diretamente o divino. A eletrnica sempre
manteve um carter etreo por sua capacidade de fazer sons e imagens trafegarem
invisveis pelo espao areo, tendo o ar como nico substrato material.
fcil imaginar robs tornando-se companheiros do homem. Mas difcil
imaginar que o computador, com suas formas retilneas e inexpressivas evocando frieza
e razo, possa sentir empatia pelos humanos. Entrevistado sob a possibilidade de as
mquinas desenvolverem emoes genunas, Michael Hawley, cientista do MIT, revela
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sua crena de que ser mais fcil para as mquinas apresentarem reaes quando
forem dotadas de corpos e possam experimentar o mundo10. Sherry Turkle (1984), em
sua pesquisa sobre os modos de relacionamento entre crianas e computador, revela
que, no imaginrio infantil, a mquina uma entidade que raciocina e os homens so
seres que sentem.
O computador eleva ao grau mximo a suspeita dos humanos em relao s
mquinas. A maior parte das obras de fico cientfica destaca os temores em relao
s mquinas inteligentes. A idia de um computador evoluir at se tornar Deus e no
necessariamente uma divindade bondosa apresentada em vrias histrias. No conto
Resposta (1954), de Fredric Brown, cientistas conectam todos os computadores datotalidade de planetas habitados do universo inteiro (96 bilhes de planetas) a um
supercomputador capaz de combinar o conhecimento integral de todas as galxias. Em
seguida, um cientista formula ao computador uma pergunta que nenhuma outra
mquina tinha sido capaz de responder: Deus existe? Ao que o computador responde
sem hesitao: Sim, agora existe. Apavorado, o cientista tenta desligar a chave, mas
fulminado por um raio cado de um cu sem nuvens (BROWN, 1985).
J o conto No tenho boca e preciso gritar (1967), de Harlan Ellison, faz jus ao
ttulo que recebeu: a melhor histria de horror que a fico cientfica criou at hoje
em torno dos computadores. Com seu estilo direto e ultrajante, Harlan Ellison conta ahistria de uma Terra cujo perodo de Guerra Fria desencadeou a Terceira Guerra
Mundial. O conflito alcanou propores to gigantescas que os polticos recorreram a
computadores para resolver a situao. A soluo do computador AM para a guerra foi
exterminar a humanidade, reduzindo-a a cinco espcimes, a quem ele tortura e mata,
sempre os ressuscitando em seguida para mant-los em agonia por toda a eternidade
(ELLISON, 1985).
Mas h tambm os enredos otimistas. Um dos mais comuns refere-se
expectativa de que a inteligncia superior da mquina possa ser usada para concretizar
o sonho moderno de construo de organizaes sociais justas. Isaac Asimov defende
consistentemente os benefcios de uma sociedade administrada por mquinas
inteligentes. Em O conflito evitvel (1950), Asimov imagina uma mquina inteligente
capaz de refrear as tendncias destrutivas da humanidade. Sob o controle de
computadores, a guerra torna-se evitvel. Uma outra possibilidade otimista (?) a do
upload da mente. A hiptese de que em pouco tempo as tecnologias da informao e
da comunicao tornaro possvel o upload da mente no computador e, at mesmo, a
juno de memrias de pessoas diferentes em uma mesma mente, ficou famosa com a
divulgao da obra Mind Children , do cientista do MIT, Hans Paul Moravec. Esta
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hiptese um dos exemplos em que a fico cientfica inspirou imaginrio e
tecnocincia. A idia do upload surgiu em 1969 no romance To live again , de Robert
Silverberg, no qual os vivos disputam as mentes gravadas de gnios falecidos para
serem mescladas s suas prprias, na condio de conscincias secundrias.
6 CONSIDERAES FINAIS
Por meio da anlise do modo como os autmatos evoluram na fico cientfica,
buscamos mostrar o entrelaamento entre tecnocincia, fico cientfica e imaginrio
tecnolgico. Procuramos evidenciar tambm que a atividade ficcional no se limita a
colher elementos do real e do imaginrio, recombinando-os no texto ficcional. A ficoos devolve, reconfigurando real e imaginrio.
E o que os autmatos revelam a respeito de seus criadores humanos? Ao se
posicionarem no limiar do humano, robs, andrides e computadores espelham as
vises que o homem faz de si prprio. Para Capek, nossos autmatos so robs na
acepo exata da palavra tcheca: escravos. Representam o proletariado e aspiram
emancipao (CAPEK, 19--). J os seres artificiais de Silverberg (1981) desfrutam do
despertar dos sentidos oferecido pela dcada de sessenta, despindo-se de seus pudores
e reivindicando seus direitos aos prazeres. Nos anos noventa, o andride Data reflete o
assombro do homem diante do determinismo gentico: se ele dotado de conscincia e
identidade, como pode ser uma mera mquina?
ABSTRACT
Starting from Wolfgang Iser's conjectures, which enable toaffirm that one culture's imaginary manifest itself through itsfictional production, this article aims to discuss the evolutionof contemporary imaginary on the creation of artificial life,from XIX century until present day, analyzing science fictionstories. In this sense, the text analyses the evolution of
automaton's concept in science fiction literature and cinemaas a reconfiguration of the scientific discoveries and theproduction of each times' imaginary.
Keywords: Technoscience. Automaton. Technologicalimaginary.
RESUMEN
Basado en los conceptos de Wolfgang Iser, que nos permitenafirmar que el imaginario de una cultura se revela por mediode sus productos ficcionales, el artculo se proponecomprender la evolucin del imaginario contemporneo sobrela creacin de la vida artificial desde el siglo XIX hasta los das
actuales a travs de una anlisis de cuentos de ciencia-ficcin.En este sentido, el texto analisa el concepto de autmata en
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Os autmatos da fico cientfica
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textos literarios y en pelculas de ciencia-ficcin como
reconfiguraciones de descubrimientos cientficos y laproduccin del imaginario de cada poca.
Palabras claves: Tecnociencia. Autmata. Imaginariotecnolgico.
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1Artigo apresentado na Conferncia de Abertura do NP Tecnologias da Informao e daComunicao, do VI Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom, na UnB, Braslia, 6 a 9 desetembro de 2006 .2Para uma anlise da convergncia entre tecnologia e cincia, ver as entrevistas de JaquesPerrin (Por Uma Cultura Tcnica) e de Dominique Janicaud (Crticas Filosficas das
Tecnocincias). (SCHEPS, 1996).3Para um aprofundamento sobre o tema, ver FELINTO (2005) e SILVA (2003).4Para um maior aprofundamento sobre esta definio e para uma descrio pormenorizada devrios conceitos de fico cientfica, ver RGIS (2002).5As anlises que se seguem so uma verso condensada e modificada do texto original que seencontra em REGIS (2002).6O DIA em que a terra parou. Direo: Robert Wise . EUA: 20 th Century Fox , 1951. 1 DVD (92min).7As histrias de Impasse e O pequeno rob desaparecido so as principais inspiraes do filmeEu, rob (Direo de Alex Proyas, 2004) .8WESTWORLD: onde ningum tem alma. Direo: Michael Crichton. EUA: MGM, 1973. 1 DVD (88min).9D.A.R.Y.L. Direo: Simon Wincer. EUA: Paramount Pictures, 1985. 1 DVD ( 99min).10O HOMEM bicentenrio. Direo: Chris Columbus. EUA: Paramount Pictures, 2000.