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Guia Básico das Manufaturas Guia Básico das Manufaturas Texto de Carmen Cecília de Araújo dos Santos Laranjeira 1 1. A Cerâmica O ser humano aprendeu a trabalhar com a cerâmica desde o final do Paleolítico Superior. A primeira técnica consistia na modelagem de um pote a partir de um rolo feito manualmente, apoiando-o em torno de uma base circular. Mais tarde, já no Neolítico, ele percebeu que o barro queimado, mesmo que a baixa temperatura, era capaz de armazenar água e sementes. Depois de confeccionado o pote e seca a argila, ele era queimado em uma pequena fogueira. Essa técnica permaneceu durante milênios. Por volta de 2000 a.C., entre o Egito e a Mesopotâmia, ocorreu uma grande revolução na fabricação da cerâmica: a invenção do torno. A vitrificação da cerâmica de baixa temperatura era feita com matérias-primas naturais: argila misturada ao chumbo, bórax, estanho ou bicarbonato de sódio, e vidro ou pederneira. A cerâmica de alta temperatura era esmaltada com sal: jogava-se sal no forno quando a temperatura chegava a 1000 o C. No século VII d.C. foi inventada na China a porcelana de pasta dura, isto é, a verdadeira porcelana que consiste na mistura de caulim 2 com petuntsé 3 , queimada a 1300 ºC. Essa combinação produz um material altamente resistente, branco, translúcido, que, ao ser tocado, provoca um som musical, extremamente afinado. 2. O Metal O metal é utilizado pelo ser humano desde o Neolítico. A primeira técnica de fundição em metal era feita a partir da modelagem da forma em uma caixa de areia que era enterrada. Depois de vertido o metal, quando este já estava frio, a caixa era quebrada e os objetos eram retirados e polidos. Mas, logo, foi inventada a técnica da cera perdida, que consiste na modelagem em argila do objeto e, a continuação, a confecção de um molde em gesso e a reprodução do objeto em cera, que se perderá quando o metal fundido for vertido sobre ela. Entre os metais mais utilizados pelo ser humano, estão, o ouro, a prata, o cobre e algumas ligas desses metais, como o bronze 4 e o peltre 5 , por exemplo. 1 Carmen Cecília de Araújo dos Santos Laranjeira é pesquisadora pela Universidad de Barcelona, doutoranda do curso “Ensino e Aprendizagem das Artes Visuais” da mesma universidade, é mestre em “Comunicação e Poéticas Visuais”, pela UNESP, e é licenciada em “Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas”, pela Universidade de Bauru . 2 Argila pura, branca e refratária (que suporta altas temperaturas). 3 Um tipo de vitrificada. 4 Liga de cobre e estanho de proporções várias, a que se adicionam, em certos casos, outros elementos, como o zinco, o chumbo e o níquel. 5 Liga metálica a partir da mistura de estanho com chumbo ou com antimônio e cobre. 1

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Guia Básico das ManufaturasGuia Básico das ManufaturasTexto de Carmen Cecília de Araújo dos Santos Laranjeira1

1. A Cerâmica

O ser humano aprendeu a trabalhar com a cerâmica desde o final do Paleolítico Superior. A primeira técnica consistia na modelagem de um pote a partir de um rolo feito manualmente, apoiando-o em torno de uma base circular. Mais tarde, já no Neolítico, ele percebeu que o barro queimado, mesmo que a baixa temperatura, era capaz de armazenar água e sementes. Depois de confeccionado o pote e seca a argila, ele era queimado em uma pequena fogueira. Essa técnica permaneceu durante milênios. Por volta de 2000 a.C., entre o Egito e a Mesopotâmia, ocorreu uma grande revolução na fabricação da cerâmica: a invenção do torno.

A vitrificação da cerâmica de baixa temperatura era feita com matérias-primas naturais: argila misturada ao chumbo, bórax, estanho ou bicarbonato de sódio, e vidro ou pederneira. A cerâmica de alta temperatura era esmaltada com sal: jogava-se sal no forno quando a temperatura chegava a 1000 oC.

No século VII d.C. foi inventada na China a porcelana de pasta dura, isto é, a verdadeira porcelana que consiste na mistura de caulim2 com petuntsé3, queimada a 1300 ºC. Essa combinação produz um material altamente resistente, branco, translúcido, que, ao ser tocado, provoca um som musical, extremamente afinado.

2. O Metal

O metal é utilizado pelo ser humano desde o Neolítico. A primeira técnica de fundição em metal era feita a partir da modelagem da forma em uma caixa de areia que era enterrada. Depois de vertido o metal, quando este já estava frio, a caixa era quebrada e os objetos eram retirados e polidos. Mas, logo, foi inventada a técnica da cera perdida, que consiste na modelagem em argila do objeto e, a continuação, a confecção de um molde em gesso e a reprodução do objeto em cera, que se perderá quando o metal fundido for vertido sobre ela. Entre os metais mais utilizados pelo ser humano, estão, o ouro, a prata, o cobre e algumas ligas desses metais, como o bronze4 e o peltre5, por exemplo.

Com o passar do tempo, alguns objetos de metal, destinados principalmente à decoração, passaram a ser pintados e esmaltados6.

3. O Tecido

A técnica da tecedura foi inventada há milênios. O ser humano já sabia fazer panos e costurá-los desde o Neolítico. Mesmo que, num primeiro momento, o tecido tenha sido usado apenas para proteger o corpo contra as intempéries, ou para carregar objetos e alimentos, fato é que produzir os fios e confeccionar vestimentas, com o passar do tempo,

1 Carmen Cecília de Araújo dos Santos Laranjeira é pesquisadora pela Universidad de Barcelona, doutoranda do curso “Ensino e Aprendizagem das Artes Visuais” da mesma universidade, é mestre em “Comunicação e Poéticas Visuais”, pela UNESP, e é licenciada em “Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas”, pela Universidade de Bauru.2 Argila pura, branca e refratária (que suporta altas temperaturas).3 Um tipo de vitrificada.4 Liga de cobre e estanho de proporções várias, a que se adicionam, em certos casos, outros elementos, como o zinco, o chumbo e o níquel.5 Liga metálica a partir da mistura de estanho com chumbo ou com antimônio e cobre.6 A técnica da esmaltar consiste na fixação de pó de vidro, colorido por meio de óxidos de metais, fixados através da soldagem.

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adquiriu um grande valor. Vestir-se bem, ou adequadamente, passou a ser sinônimo não só de beleza e prazer, como também de poder.

Os primeiros tecidos foram feitos a partir da lã de animais, como a ovelha e a vicunha, por exemplo, do linho, do cânhamo e do algodão. Mas, cerca de 4000 a.C., os chineses inventaram a técnica da fiação em seda.

Com o passar do tempo os tecidos passaram a ser tingidos, bordados, pintados e, finalmente, estampados.

4. O Vidro

O vidro, como a cerâmica, o tecido e o metal, já era conhecido pelo ser humano desde tempos pré-históricos, mas era utilizado apenas a partir de seu estado natural. Isto é, a obsidiana – como é chamada a pedra de vidro produzido em áreas vulcânicas – era esculpida para poder ser utilizada.

A manufatura do vidro só veio a ser descoberta na Mesopotâmia, por volta de 3000 a.C.. Para se fazer a pasta vítrea era utilizada a sílica, isto é, sais alcalinos de soda e potassa7, a qual eram adicionados óxidos de metais, que influenciavam na cor a ser obtida e no grau de transparência. Para a cor verde, adicionava-se ferro; para o azul, o cobalto; para o violeta, o níquel ou o manganês; o vidro cristalino era obtido adicionando-se elementos que se neutralizavam.

A técnica mais antiga da produção de vidro se assemelha a da fundição em metal, a partir de uma caixa de areia e da cera perdida, com um pré-molde em argila. A arte de soprar o vidro só apareceu próximo de 50 a.C, na Mesopotâmia.

Na Idade Média, Veneza se tornou o centro de manufatura das mais lindas peças daquele momento. Os venezianos inventaram diversas técnicas, que iam desde a imitação da porcelana e de pedras semipreciosas, à lapidação e o gravado, até uma técnica chamada de filigrana, onde barras de vidro branco, opaco, e bolhas de ar eram incorporadas ao vidro, durante a confecção da peça. No século XV, os venezianos passaram a esmaltar as peças de vidro, principalmente objetos cerimoniais, com cenas típicas, influenciados pelos sírios, que já vinham utilizando essa técnica desde o século XIV.

Durante o século XVII, a Inglaterra desenvolveu uma técnica, onde era utilizado o óxido de chumbo, produzindo um vidro espesso, altamente resistente que, depois, era lapidado como as pedras preciosas. No entanto, os objetos produzidos a partir dessa técnica só começaram a ser apreciado a partir do século XVIII.

5. A Madeira

Acredita-se que a madeira vem sendo utilizada pelo ser humano desde o Paleolítico, mas, devido a sua natureza extremamente deteriorável, quase não há achados arqueológicos sobre este fato. De qualquer forma, encontramos registro do uso de objetos de madeira desde o início da Antigüidade. Objetos estes que vão desde ferramentas e utensílios domésticos, a móveis e a meios de transportes.

Já na Antigüidade egípcia os móveis feitos de madeira e outros materiais preciosos possuíam um alto valor decorativo e simbólico, mas com a queda do Império Romano, no século IV, muitas das técnicas utilizadas na manufatura desses móveis se perderam e o interesse pela decoração só voltou a crescer a partir do século XI.

Num primeiro momento, os objetos de madeira foram escavados, depois, foram utilizadas tábuas. Para decorar, eram utilizadas as técnicas do entalhe, da forração com

7 A soda era feita a partir da queima de algas marinhas e a potassa, a partir das cinzas das árvores.

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tecido, da pintura, da aplicação de folhas de ouro e do laqueamento8. Uma evolução desse processo foi a invenção da técnica da marchetaria, feita a partir

de retalhos de madeiras, colados e laqueados, com aplicação de metais ou incrustações de pedras. Na verdade, a marchetaria autêntica era feita a partir de uma única placa de casco de tartaruga.

6. O Papel

Pedra, argila, lâminas de madeira, tecido, chapas de metal, pergaminho e papiro foram utilizados pelo homem para registrar a escrita e passar o conhecimento durante a história, antes de que o papel fosse inventado.

Os primeiros registros gráficos de que temos conta são as pinturas nas cavernas, datadas do Paleolítico Superior, mais precisamente no período Aurinhacense (40.000 a 10.000 a.C.).

Cerca de 4.500 a.C., no Antigo Egito, os hieroglíficos eram gravados em imensos obeliscos de pedra. Eles contêm grande parte do conhecimento sobre aquele povo. Já na Babilônia, na mesma época, foram utilizadas placas de argila.

A invenção do papiro, entre 2.500 e 1.500 a.C., no Antigo Egito, feito pelo entrelaçamento do talo da planta de mesmo nome, que depois era prensado e polido, facilitou o transporte e o armazenamento.

Durante a Idade Média (476 a 1453 d.C.), o pergaminho foi muito utilizado na Europa. Ele era feito com a parte interna da pele do cordeiro e era mais durável que o papiro.

No Oriente utilizavam-se tiras de bambu e folhas de palmeiras amarradas entre si como suporte para a escrita e, depois que o pincel de pêlo foi inventado em 250 a.C., se escrevia em pedaços de seda.

Na América, os astecas e os maias utilizavam o “amatl” que era feito de cascas prensadas de árvores para registrar seus conhecimentos. Ainda hoje esse material é utilizado pelos descendentes desses povos para a confecção de pinturas artesanais.

O papel foi inventado na China em 105 d.C, por T’sai Lun, um oficial da Corte. Ele triturou com água, pedaços de seda, cascas de árvores e restos de rede de pesca.

Essa pasta era jogada sobre uma tela estirada por uma armação de bambu. Depois da pasta seca, ela era polida e utilizada para escrever.

O papel foi mantido em segredo por 500 anos, até que um monge budista ensinou a técnica aos japoneses. No Japão muitos outros materiais foram misturados à pasta inicial, na tentativa de melhorar a qualidade da técnica de manufatura do papel. Segundo Roth (1982), “a fibra dos arbustos “kozo”, “gampi” e “mitsumata” - são utilizadas até hoje pelos artesãos daquele país”.

Durante uma guerra com a China no ano de 751, os árabes prenderam dois fabricantes de papel que, por sua liberdade, ensinaram o segredo da fabricação desta preciosa invenção.

Quando os árabes invadiram a Espanha, em 1150, levaram com eles a técnica do papel que, a partir daí foi espalhada por toda a Europa. Segundo Roth (1982), “alguns anos mais tarde surgia na Itália a Oficina de Fabriano, em funcionamento até hoje, considerada a casa mais tradicional do ramo”.

No Brasil, era proibido produzir papel nos tempos da Colônia. Era grande o medo de que o papel fosse utilizado para assuntos de liberdade e direitos humanos. De acordo com Roth (1982), “os portugueses consideravam o papel e a tipografia elementos fundamentais para manipular o obscurantismo”. Só em 1889 os irmãos Melchert iniciaram a fabricação

8 “A laca é a seiva da árvore Rhus vernicífera. Quando aplicada a objetos, forma um revestimento duro, forte e lustroso e, usada como pigmento decorativo, talvez seja a forma mais próxima da pintura a óleo ocidental de que o Oriente dispôs.” (Mallalieu, 1999)

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industrial na Fábrica Paulista de Saltos de Itu. Antes disto, a produção era artesanal, na fábrica de papel de embira dos portugueses Nunes Cardoso e Joaquim José da Silva.

Na arte, a mais de mil anos o papel é um elemento fundamental na China, no Japão e na Coréia até o ponto de adquirir um significado filosófico. Yong-Woo (1995: 6) nos diz que a idéia básica era que “a escrita ou o desenho no papel, para lograr certo nível artístico, requer algo mais que traços com um pincel: requer um caráter cultivado e uma mente disciplinada. Daí a importância da consciência de maturidade de parte do artista que arrasta o pincel sobre o papel”.

No Brasil, uma das pessoas que mais se dedicou à produção de papel artesanal e sua utilização na arte foi o artista plástico Otavio Roth. Ele se iniciou nesta arte quando estudava gravura na Inglaterra e, insatisfeito com os papéis disponíveis, resolveu fabricar suas próprias folhas. Junto a ele, há outras pessoas que se encantaram com esse processo e procuram desenvolver um trabalho interessante, como por exemplo Renata Telles, que desde 1985 iniciou pesquisas no campo de fibras vegetais e fundou a Moinho Brasil9 que produz papel para os artistas e universidades ligadas às artes principalmente, além de ministrar cursos na área e dedicar-se ultimamente a projetos de escultura de papel e ferro, assim como jóias de papel e prata.

6.1. O Papel Machê

A técnica do papel machê também foi inventada na China. Essa técnica consiste em produzir uma pasta, moldável – feita basicamente de papel e substâncias aglutinantes – altamente resistente, usada para confecção de objetos decorativos ou utilidades domésticas. Como acabamento, muitas dessas peças levam um tratamento com laca. Por volta de 1600 a técnica do papel machê foi introduzida na França.

Bibliografia

LAVER, James (1990). A Roupa e a Moda – Uma História Concisa. São Paulo: Companhia das Letras.

MALLALIEU, Huon (1999). História Ilustrada das Antiguidades – Guia Básico para Antiquários, Colecionadores e Apreciadores de Arte. São Paulo: Livraria Nível.

ROTH, O. (1982). Criando papéis - O Processo Artesanal como Linguagem. MASP- Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Gráfica Hamburg.

YONG-WOO, L. El Papel y el Arte Moderno. Jornal El Universo: Caderno Paratodos. Guayaquil (Equador), 15/01/95.

Coleção Civilizações Perdidas. Abril Coleções.

9 A Moinho Brasil está na cidade de Garça-SP, Brasil, na R. Padre Leite, 640.

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