4. defesa de investimentos em capital humano no pensamento

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4. Defesa de investimentos em capital humano no pensamento econômico dos anos 1990 Neste capítulo serão estudados alguns importantes pensadores brasileiros que, preocupados com diversos aspectos de nossa pobreza e ou desigualdade, enfatizaram a importância da educação para o nosso desenvolvimento, aspecto abraçado pela Teoria do Capital Humano. Os trabalhos de Cristovam Buarque, José Márcio Camargo, Samuel Pessôa, Francisco Ferreira, Ricardo Paes de Barros e Marcelo Neri foram de fundamental importância na definição de nossas políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade. No segundo semestre de 2013, realizaram-se entrevistas com José Márcio Camargo, Samuel Pessôa e Francisco Ferreira. Este capítulo se baseia nestas entrevistas e em levantamentos bibliográficos. Tratarei do resgate, por Ricardo Paes de Barros, nos anos 1990, das ideias de Langoni, que iriam influenciar nossa atual agenda pública. Em seguida será analisada a contribuição de destacados economistas da PUC-Rio e da FGV-Rio, Camargo, Ferreira, Pessôa e Neri. Também o pensamento desenvolvimentista, representado por Buarque, que incorporou aspectos da Teoria do Capital Humano, será comentado. Finalmente, comentarei alguns indícios que evidenciam que a sociedade brasileira passou a dar maior valor à educação, ponto defendido pela Teoria do Capital Humano. 4.1. O resgate das ideias de Langoni e a agenda pública Ricardo Paes de Barros, PhD em Economia pela Universidade de Chicago, é considerado um dos expoentes da atual política de transferência de rendas no Brasil. Paes de Barros et alli, em Determinantes do desempenho educacional no Brasil, focalizam o baixo investimento em capital humano em nosso país, apesar de apontarem para as estimativas que indicam os retornos proporcionados por este tipo de investimento, bem como para a perpetuação da desigualdade no caso de não haver uma mudança neste padrão de investimentos.

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Page 1: 4. Defesa de investimentos em capital humano no pensamento

4. Defesa de investimentos em capital humano no pensamento econômico dos anos 1990

Neste capítulo serão estudados alguns importantes pensadores brasileiros

que, preocupados com diversos aspectos de nossa pobreza e ou desigualdade,

enfatizaram a importância da educação para o nosso desenvolvimento, aspecto

abraçado pela Teoria do Capital Humano. Os trabalhos de Cristovam Buarque,

José Márcio Camargo, Samuel Pessôa, Francisco Ferreira, Ricardo Paes de Barros

e Marcelo Neri foram de fundamental importância na definição de nossas políticas

sociais de combate à pobreza e à desigualdade. No segundo semestre de 2013,

realizaram-se entrevistas com José Márcio Camargo, Samuel Pessôa e Francisco

Ferreira. Este capítulo se baseia nestas entrevistas e em levantamentos

bibliográficos.

Tratarei do resgate, por Ricardo Paes de Barros, nos anos 1990, das ideias

de Langoni, que iriam influenciar nossa atual agenda pública. Em seguida será

analisada a contribuição de destacados economistas da PUC-Rio e da FGV-Rio,

Camargo, Ferreira, Pessôa e Neri. Também o pensamento desenvolvimentista,

representado por Buarque, que incorporou aspectos da Teoria do Capital Humano,

será comentado. Finalmente, comentarei alguns indícios que evidenciam que a

sociedade brasileira passou a dar maior valor à educação, ponto defendido pela

Teoria do Capital Humano.

4.1. O resgate das ideias de Langoni e a agenda pública

Ricardo Paes de Barros, PhD em Economia pela Universidade de Chicago,

é considerado um dos expoentes da atual política de transferência de rendas no

Brasil. Paes de Barros et alli, em Determinantes do desempenho educacional no

Brasil, focalizam o baixo investimento em capital humano em nosso país, apesar

de apontarem para as estimativas que indicam os retornos proporcionados por este

tipo de investimento, bem como para a perpetuação da desigualdade no caso de

não haver uma mudança neste padrão de investimentos.

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No Brasil, a combinação de um sistema educacional público precário com graves

imperfeições no mercado de crédito tem feito com que o nível de investimentos

em capital humano esteja sistematicamente abaixo dos padrões internacionais

[...]. Este fato surpreende na medida em que todas as estimativas existentes para

as taxas de retorno desse tipo de investimento apresentam valores bastante

atraentes (Barros et alli, 2013: 1).

A preocupação com a transmissão da pobreza de geração em geração é

expressa:

mais preocupante que o subinvestimento em capital humano é o fato de este ser

tão mais acentuado quanto mais pobre é a família. Como o grau de pobreza de um

indivíduo é fortemente determinado por seu nível educacional, essa natureza

diferenciada do subinvestimento em educação leva à transmissão intergeracional

da pobreza. Os indivíduos nascidos em famílias pobres hoje tenderão a ter

escolaridade inferior e serão, com maior probabilidade, os pobres de amanhã

(Barros et alli, 2013: 1).

O investimento em capital humano depende das expectativas de um

retorno que compense a decisão de adiar a entrada no mercado de trabalho, e de

uma oferta de crédito que facilite esta decisão:

os investimentos em capital físico e humano - componentes fundamentais do

processo de crescimento econômico - ocorrem não só quando as taxas de retorno

esperadas para esses investimentos compensam o custo de oportunidade dos

recursos investidos, mas também quando o mercado de crédito não impede que

essas oportunidades sejam exploradas. Numa economia em que os mercados são

perfeitos, a contínua geração de oportunidades promissoras de investimento é

condição necessária e suficiente para que haja um processo de crescimento

sustentado (Barros et alli, 2013: 2-3).

A característica de descentralização na decisão da realização de

investimentos em capital humano é abordada, ao pontuar o autor que tal

investimento não depende somente das políticas de incentivo:

outra particularidade desse tipo de investimento é que não pode ser aumentado

por uma decisão unilateral do governante, ao contrário de grande parte dos

investimentos em capital físico. A decisão de investir em capital humano é

estritamente descentralizada. Assim, o investimento em capital humano só pode

ser aumentado se for reduzido o grau de imperfeição dos mercados de crédito, ou

se as taxas de retorno desse investimento forem elevadas ao ponto em que,

mesmo com as imperfeições existentes, compense aos agentes a realização do

investimento. Conclui-se, desse modo, que as variáveis correlacionadas com

custos e benefícios do investimento em capital humano ou que reflitam

imperfeições de crédito são as principais candidatas a determinantes relevantes do

investimento em capital humano (Barros et alli, 2013: 2-3).

Em A recente queda na desigualdade de renda e o acelerado progresso

educacional brasileiro da última década, Barros, Franco e Mendonça lembram o

pioneirismo de Langoni ao pensar a desigualdade como consequência da

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deficiência no sistema educacional. Teria sido a recente expansão educacional

responsável pela queda do índice de Gini entre 2001 e 2005?

Em meados da década de 1970, Langoni (2005) demonstrava que o crescimento

da desigualdade no Brasil era uma consequência direta da lenta expansão do

sistema educacional. Mais que isso, ressaltava que o combate à desigualdade

requereria, necessariamente, uma expansão acelerada do sistema educacional.

Desde então a relação entre educação e desigualdade vem recebendo grande

atenção da literatura econômica. [...] Ao longo da última década ocorreu, enfim,

uma expansão educacional acelerada. O progresso educacional nos últimos dez

anos foi mais de duas vezes o observado nos dez anos anteriores. Mais

recentemente, a desigualdade de renda também começou a declinar. Só entre

2001 e 2005 o coeficiente de Gini caiu quase 5%, atingindo, assim, seu nível mais

baixo dos últimos trinta anos (Barros et alli, 2007: 7).

Os autores destacam que a educação e outras formas de capital humano

têm influência na desigualdade dos rendimentos do trabalho de duas formas. Em

primeiro lugar, “na medida em que a remuneração de um trabalhador é crescente

com seu capital humano, quanto maior for a desigualdade em capital humano

maior será a desigualdade em remuneração” (Barros et alli, 2007: 8). Além disso,

“dado um grau de desigualdade em capital humano, quanto maior for a

sensibilidade da remuneração a essa variável, maior será a desigualdade em

remuneração do trabalho (efeito preço)” (Barros et alli, 2007: 8). Tendo em vista

a existência de um grau de desigualdade quando se afere o capital humano, haverá

uma variação da remuneração sempre que houver uma maior sensibilidade da

remuneração à variação do capital humano, precificada pelo mercado:

assim, o mercado de trabalho revela desigualdades em capital humano, cuja

magnitude depende: (a) da magnitude da desigualdade em capital humano a ser

revelada, e (b) da sensibilidade do tradutor utilizado para transformar essa

desigualdade (a do capital humano) em desigualdade de remuneração. Esse

tradutor nada mais é do que a relação entre remuneração do trabalho e capital

humano. Quanto mais sensível for a remuneração ao capital humano, maior será a

desigualdade revelada.[...] Evidentemente, o impacto e, por conseguinte, a

contribuição das mudanças na distribuição de escolaridade e de experiência

(efeitos quantidade), assim como a contribuição das mudanças na sensibilidade da

remuneração a esses dois atributos dos trabalhadores (efeitos preços), dependem

da magnitude e da natureza dessas mesmas mudanças (Barros et alli, 2007: 8).

Os autores concluem que os resultados conseguidos em suas pesquisas

permitem afirmar que a diminuição na diferença de remuneração em função do

nível educacional foi um dos principais responsáveis pela recente queda da

desigualdade no que tange aos rendimentos do trabalho. O mercado de trabalho

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teria ajustado as remunerações a essa diminuição de diferenças nos níveis

educacionais:

de fato, essa queda nos diferenciais de remuneração por nível educacional data

de, pelo menos, 1995, mas se intensificou entre 2001 e 2005. Antes de 2001, seus

efeitos não eram tão visíveis porque o crescimento da desigualdade educacional

na força de trabalho os anulava. Somente essa redução na sensibilidade da

remuneração do trabalho à educação contribuiu com quase 20% da queda na

desigualdade em remuneração do trabalho, e com 12% da queda na desigualdade

em renda per capita.

E chamam a atenção para o fato de que a desigualdade educacional da

força de trabalho tem diminuído desde o início do século atual:

a partir de 2001-2002, o grau de desigualdade educacional da força de trabalho

também declinou, o que seguramente contribuiu para a queda recente na

desigualdade em remuneração do trabalho e em renda per capita. Esse impacto foi

menor, respondendo por 17% da queda na desigualdade em remuneração do

trabalho, e por apenas 5% da queda na desigualdade em renda per capita (Barros

et alli, 2007: 33).

Em relação à idade e à experiência, concluíram que as diferenças de

remuneração derivadas destes fatores diminuíram a partir de 2001.

As mudanças associadas à idade ou à experiência no mercado de trabalho foram

responsáveis por cerca de 7% da queda na desigualdade em remuneração do

trabalho entre 2001 e 2005, e por apenas 2% da queda na desigualdade em renda

familiar per capita. A decomposição da contribuição da idade revela não ter sido

a redução na sensibilidade da remuneração do trabalho à idade (efeito preço) o

fator mais importante, e sim o impacto direto das mudanças na estrutura etária da

força de trabalho (efeito quantidade), o qual respondeu por 5% da queda na

desigualdade em remuneração do trabalho, e por pouco menos de 2% da queda na

desigualdade em renda per capita (Barros et alli, 2007: 33).

E constatam que houve uma diminuição da diferença de experiência dos

trabalhadores motivada pelos anos de trabalho e uma maior homogeneidade no

aspecto educacional. Com isso, as remunerações reagiram de forma a tornar

menos desiguais os rendimentos do trabalho:

em suma, ao longo do último quadriênio vimos que: (a) tanto a heterogeneidade

etária como a desigualdade educacional da força de trabalho declinaram, e (b)

tanto a sensibilidade da remuneração do trabalho à escolaridade quanto à idade

também declinaram, contribuindo, portanto, para a queda das desigualdades em

remuneração e em renda familiar per capita no país (Barros et alli, 2007: 34).

Ricardo Paes de Barros, ao trabalhar com aspectos como desigualdade

educacional, experiência no trabalho e idade dos trabalhadores, aborda temas

básicos da Teoria do Capital Humano. Podemos ver aqui um resgate das ideias de

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Langoni, cuja obra tem sido reconhecida, como vimos e veremos, como

fundamental para a definição das nossas políticas sociais de transferência

condicionada de renda.

4.2. A contribuição dos economistas da PUC-Rio e FGV-Rio

José Márcio Camargo formou-se em 1970 na Universidade Federal de

Minas Gerais, na Faculdade de Ciências Econômicas e veio fazer o mestrado na

Fundação Getúlio Vargas em 1971. Fez o curso de mestrado entre 1971 e 1973.

“Não fiz a tese porque imediatamente eu apliquei para fazer doutorado nos

Estados Unidos; fui aceito no MIT e fui fazer doutorado no MIT. De 1973 a 1977,

eu fiz o doutorado no MIT. Acabei o curso do MIT em 1977 e vim pra PUC”

(Camargo, 2013).

E relata seus primeiros contatos com a Teoria do Capital Humano:

na verdade, foi aqui no Brasil. No final dos anos 60, a teoria do capital humano é

uma coisa nova em Economia. Não é uma coisa que vem lá dos primórdios. Quer

dizer, a formalização da ideia de capital humano é alguma coisa da década de 50,

e teve muita resistência, mesmo entre os economistas, com a ideia de que

Educação é investimento, e não consumo. Porque, antes da teoria do capital

humano, a ideia era que a Educação era consumo. Era uma forma de as pessoas se

tornarem mais educadas, mais agradáveis, mais interessantes, de você poder

conversar melhor, ter mais cultura e tal. Era muito uma coisa que tem a ver com

consumo (Camargo, 2013).

Camargo explica como a Teoria do Capital Humano relaciona educação

com produtividade e, consequentemente, como a decisão de dedicar mais anos ao

estudo traria melhores rendimentos no futuro:

a ideia da teoria do capital humano é que, na verdade, educação, cultura, etc., mas

principalmente educação tem a ver com produtividade. O que acontece: quanto

mais educação você tem, mais produtivo você é e, consequentemente, maior é a

produção por unidade de pessoa. Então o que importa não é a quantidade de

trabalhadores que você tem no país, mas é a quantidade de capital humano que

você tem no país. Se você tem milhões de trabalhadores, um milhão de

trabalhadores com pouca educação, você pode ter muito menos fator de produção

do que se você tiver cem mil trabalhadores com muita educação, porque um

trabalhador com muita educação produz mais riqueza para a sociedade. Estou

falando de riqueza. Produz mais riqueza do que um trabalhador com pouca

educação. Então a ideia é que você deixa de trabalhar quando você é adolescente,

criança, pra acumular capital humano, de tal forma que você vai ser mais

produtivo quando você for adulto, e ganhar mais. É uma forma de investir. Você

está deixando de ganhar quando você é adolescente, criança, em vez de ir para o

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mercado de trabalho e ganhar um salário, você está acumulando capital humano

para poder ganhar mais quando você entrar no mercado de trabalho, daqui a dez

anos. Então, por exemplo, eu poderia estar trabalhando logo depois que eu me

formei; eu resolvi fazer mestrado e doutorado. Deixei de ganhar dinheiro nesse

período aqui. Por que é que eu deixei de ganhar dinheiro nesse período aqui?

Porque, quando eu acabasse o meu doutorado, eu teria uma produtividade maior.

Consequentemente, eu teria um salário maior do que eu teria só com graduação.

Essa é a ideia da teoria do capital humano (Camargo, 2013).

O economista considera Gary Becker sua principal referência teórica:

é uma revolução porque isso significa uma mudança na forma de pensar um

monte de coisas na sociedade. Família, relações pessoais. Você gera toda uma

mudança na forma de pensar o dia-a-dia, independente de você concordar ou não.

Não importa. Mas, do ponto de vista da revolução teórica, é extremamente

importante. Você começa a avaliar pequenas coisas, de uma forma

completamente diferente do que você avaliava antes. Então acho que a grande

referência é esse cara chamado Gary Becker. Esse é um cara de Chicago que está

aí até hoje (Camargo, 2013).

Camargo comenta a importância que deu, em seu trabalho acadêmico, à

forma de pensar nosso mercado de trabalho brasileiro, e critica a

institucionalidade, a presença de um Estado regulador no nosso mercado de

trabalho:

eu acho que o mercado de trabalho brasileiro tem características muito próprias: a

institucionalidade, as legislações, da forma como a justiça trabalha, a

institucionalidade é extremamente prejudicial ao trabalhador. Por razões opostas

ao que, normalmente, as pessoas acreditam. Eu acho que toda a ideia de que você

tem que proteger o trabalhador contra os empresários é um equívoco completo. E

toda a ideia da CLT se baseia nessa ideia. De proteger o trabalhador. Só dá errado

e isso faz com que os trabalhadores brasileiros sejam sempre pobres e pouco

eficientes. Sempre se valoriza muito pouco capital humano. Esse é o ponto

fundamental. Você não vai treinar e ele não vai querer ser treinado! Os dois lados

saem perdendo na brincadeira. Só que, no curto prazo, você não tem muito que

fazer. Porque você tá numa armadilha, porque, se você fizer sozinho, você perde

dinheiro, porque você tem um cara, e o cara vai pra outra empresa (Camargo,

2013).

Mesmo com educação deficiente, com baixo capital humano, nós teríamos

conseguido nos industrializar. Mas a tecnologia mudou, e nós não poderíamos

mais prosseguir da mesma forma:

você conseguiu industrializar sem nenhuma educação. Com o nível educacional

que o Brasil tem, não tem nenhum país do mundo que tenha a indústria que o

Brasil tem. [...] Mudou a tecnologia. Esse sistema não vai funcionar mais. Era

tecnologia mecânica. Agora, cara, digital, “dançou”. O meio de informação virou

outra coisa. O “cara” tem que saber pensar! Não é mais operacionalizar, só. Tem

que saber pensar (Camargo 2013).

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De acordo com José Márcio Camargo, economistas e outros cientistas

sociais têm estudado a relação direta entre os rendimentos e o nível de educação

dos indivíduos pelo menos desde o começo do século XX. Mas teria sido somente

a partir dos anos 1960 que os gastos com educação passaram a ser considerados

gastos de investimento. Haveria uma questão a ser discutida e esta seria: qual o

motivo de a renda dos indivíduos aumentar quando neles se investia em

educação? Em uma reflexão teórica, Camargo explica os princípios que norteiam

a Teoria do Capital Humano:

uma primeira possibilidade é que educação aumenta a produtividade do

trabalhador e, portanto, sua renda. Uma segunda possibilidade é que educação

está correlacionada a outras características não observadas das pessoas que

determinam suas produtividades. Neste caso, educação seria apenas um

sinalizador destas características. Porém, se educação aumenta a produtividade,

mais educação deveria gerar taxas maiores de crescimento do produto dos países,

o que significa uma taxa de retorno social também positiva do investimento em

capital humano (Camargo, 2012: 5-6).

Camargo afirma que desde o trabalho de Becker a educação tem sido

tratada como um investimento nas pessoas. Isto teria acontecido porque o tempo

que um indivíduo usa se educando poderia ter sido utilizado alternativamente

obtendo algum tipo de renda no mercado de trabalho. É um custo que o indivíduo

investe no presente, com a expectativa de um ganho maior no futuro. “Por outro

lado, a observação empírica mostra que pessoas com mais escolaridade, ou seja,

com mais anos de estudo têm, em média, rendimentos maiores do que pessoas

com menos escolaridade” (Camargo, 2012: 6). Mas por que o mercado valorizaria

com salários maiores anos adicionais de educação? Apoiando-se em Becker,

Camargo relaciona uma melhor educação com um aumento na produtividade.

Devido à concorrência entre os empregadores pelos trabalhadores mais

produtivos, os ganhos de produtividade são recompensados no mercado de

trabalho por meio de maiores salários. Neste caso, níveis educacionais mais

elevados estariam diretamente relacionados a maior produtividade do trabalhador

no processo produtivo. Ganhos de produtividade, por seu turno, significam que a

mesma quantidade de bens e serviços poderá ser produzida com menor utilização

de fatores de produção (trabalho e capital) e, dado a disponibilidade destes

fatores, ganhos de produtividade geram mais crescimento das economias. Neste

caso, acréscimos no nível educacional da população seriam fator importante para

alavancar o crescimento econômico dos países. Em outras palavras, além de ter

uma taxa de retorno privada positiva, investimentos em educação teriam taxas de

retorno social também positivas. (Camargo, 2012: 6-7).

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A questão da definição da estruturação das políticas sociais, segundo

Camargo explica em Política social no Brasil: prioridades erradas, incentivos

perversos, que foi publicado em 2004, deveria responder a uma série de questões:

a resposta a esta pergunta independe do grau de desenvolvimento da nação, da

porcentagem de pobres existentes, do nível de desigualdade na distribuição da

renda e da estrutura etária da população? Qual o papel dos gastos sociais do

Estado na redução da desigualdade e da pobreza? As respostas não são únicas e

estão na raiz do debate sobre a forma como devem ser estruturados os programas

sociais no Brasil e em outros países (Camargo, 2011: 68).

As respostas irão depender dos objetivos que se queira alcançar. Camargo

argumenta que existem respostas distintas à pergunta sobre quais os motivos que

levam o Estado a taxar as pessoas e agentes produtivos:

uma delas seria considerar o objetivo dos programas sociais a redução das

desigualdades na distribuição da renda e nos níveis de pobreza, decorrentes de

falhas no funcionamento dos mercados. Ou seja, se, devido a externalidades

positivas ou negativas, assimetria de informações, mercado de crédito imperfeito,

etc., o resultado do funcionamento do mercado gera uma distribuição da renda e

níveis de pobreza indesejáveis para a sociedade, as políticas sociais poderiam ser

utilizadas para contrabalançar estes resultados. Uma resposta alternativa seria que

os programas sociais têm por objetivo criar uma rede de proteção social para

todos os cidadãos do país, fazendo com que, diante de imprevistos como

desemprego, acidentes no trabalho, doença, etc., ou em face de situações

previsíveis, mas que os cidadãos, por alguma razão, não conseguiram antecipar

adequadamente, como a perda da capacidade de trabalho devido à idade

avançada, pouco investimento em capital humano, etc., consigam manter um

padrão de vida mínimo adequado à sua sobrevivência (Camargo, 2011: 68).

No Brasil, Camargo lembra que cerca de um terço do que o Estado

arrecada destina-se ao pagamento de pensões e aposentadorias. Assim sendo,

restaria um valor insuficiente para gastos em programas sociais de educação

fundamental. E isso inviabiliza o esforço que o Estado deveria fazer no sentido de

financiar o aumento do capital humano das famílias mais pobres.

Nestas condições, o Estado não consegue financiar o principal mecanismo de

ascensão social e econômica das famílias pobres, que é a acumulação de capital

humano através de boas escolas públicas. O resultado é que os filhos das famílias

pobres entram no mercado de trabalho em condições de competitividade muito

piores do que os filhos das famílias ricas, que estudam em escolas particulares, ou

porque completam poucos anos de estudo ou porque suas escolas são de baixa

qualidade. Como 50% das crianças brasileiras vivem em famílias pobres e,

destas, 80% não concluem o ensino fundamental, aproximadamente 40% dos

adultos brasileiros no futuro não terão completado oito anos de estudos.

Dificilmente conseguirão trabalho decente, com remuneração adequada.

(Camargo, 2011: 75-76).

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De acordo com Camargo, estavam presentes nos programas sociais no

Brasil duas tendências que faziam com que estes programas fossem de eficiência

duvidosa no objetivo de reduzir a desigualdade de renda e a pobreza. Chamou

essas tendências de “viés pró-idoso e o viés antipobres” (Camargo, 2011: 76).

Do total de recursos gastos pelo governo federal com programas sociais, 60% se

destinam ao pagamento de aposentadorias e pensões. Isto representa 12% do PIB

do país, o que é o dobro do que a média dos países que têm proporção de idosos

na população similar à do Brasil (5,85%) gasta com porcentagem de seus

respectivos PIB. Por outro lado, 65% destes recursos são apropriados pelos 40%

mais ricos da população (Camargo, 2011: 76).

Por outro lado, o gasto efetuado pelo Estado com a educação seria pouco e

não atenderia prioritariamente a educação fundamental:

concretamente, apenas 3,6% do PIB do país, em 2000, eram gastos com educação

fundamental, enquanto 29,6% da população brasileira tinha naquele ano entre 0 e

14 anos de idade. O resultado desta estrutura de gastos sociais criou um

mecanismo de reprodução da pobreza ao longo do tempo. Uma parcela

substancial das crianças brasileiras vive em famílias pobres (50%). Destas

crianças, mais de 80% não completam o ensino fundamental, ou seja, não

possuem oito anos de estudos, ou porque não têm condições de fazê-lo por

precisar entrar no mercado de trabalho muito cedo, ou porque as escolas públicas

a que têm acesso são de tão baixa qualidade que são incapazes de mantê-las.

Como consequência, 40% das crianças brasileiras, ao se tornarem adultas, terão

menos de oito anos de estudo. Dificilmente conseguirão um trabalho decente.

Serão os pobres do futuro. A proposta do programa bolsa-escola tem por objetivo

exatamente criar os incentivos corretos para quebrar este círculo de reprodução da

pobreza. Entretanto, como um terço das receitas do governo são destinadas ao

pagamento de aposentadorias e pensões, sobram poucos recursos para o

financiamento de programas como o bolsa-escola (Camargo, 2011: 76-77).

Em Desigualdade de renda no Brasil: uma analise da queda recente,

Camargo, Foguel e Ulyssea analisam a queda da desigualdade de rendimentos do

trabalho ocorrida entre 2001 e 2005. Essa redução já vinha sendo observada desde

o Plano Real, mas intensificou-se no período citado. Consideram que teria sido de

fundamental importância para essa intensificação a “acelerada expansão

educacional ocorrida na última década, bem como das concomitantes mudanças

na estrutura etária, com consequentes mudanças na experiência da força de

trabalho” (Camargo et alli: 2013: 336).

Os resultados obtidos demonstram que um dos principais fatores responsáveis por

essa queda da desigualdade de rendimentos do trabalho foi a redução nos

diferenciais de remuneração por nível educacional (efeito preço). De fato, essa

queda nos diferenciais de remuneração por nível educacional data de, pelo menos,

1995, mas se intensificou entre 2001 e 2005. Antes de 2001, seus efeitos não

eram tão visíveis porque o crescimento da desigualdade educacional na força de

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trabalho os anulava. [...] No que concerne a idade e a experiência, os resultados

obtidos revelam que tanto a heterogeneidade etária da força de trabalho como os

diferenciais em remuneração por idade ou experiência no mercado de trabalho

vêm declinando a partir de 2001. Entretanto, esse declínio tem sido muito lento e,

portanto, sua contribuição para a queda das desigualdades em remuneração e em

renda familiar per capita foi bastante limitada. Em suma, ao longo do último

quadriênio vimos que: (a) tanto a heterogeneidade etária como a desigualdade

educacional da força de trabalho declinaram, e (b) tanto a sensibilidade da

remuneração do trabalho à escolaridade quanto à idade também declinaram,

contribuindo, portanto, para a queda das desigualdades em remuneração e em

renda familiar per capita no país (Camargo et alli, 2013: 336-337).

Camargo comenta seus diálogos com Darcy Ribeiro e Ricardo Paes de

Barros que ajudaram a construir seu argumento quanto à necessidade de se pagar

para que os pobres ponham os filhos na escola:

eu acho que a minha contribuição é uma contribuição que é essa coisa do Bolsa

escola. Que é essa coisa de, para usar uma palavra que eu gosto, programas

condicionados de transferência de renda. Por que é que eu acho que é uma

contribuição? Porque eu acho que é uma coisa que está sendo muito mal aplicada.

Mas esse é outro problema. Acho que é um problema político, diferente da

questão teórica, de como que o programa foi idealizado, foi pensado no começo.

Lá em 1982, quando o Brizola se elegeu aqui no Rio, o Darcy Ribeiro pensou na

ideia dos CIEPs. Que era uma ideia de escola em tempo integral para as crianças,

em que você tinha esporte, lazer, ensinava a sentar-se à mesa, a comer, a estudar,

etc. Era uma coisa muito clara na cabeça do Darcy Ribeiro. Eu não achava tão

claro assim. Mas era muito transparente pra ele. Ele tinha um objetivo muito

claro. Mas, a partir daí, eu pensei: “Então as famílias devem adorar os CIEPs. As

famílias pobres devem adorar os CIEPs”. Aí tinha um grupo, a gente tinha um

grupo aqui na PUC que estudava essa coisa de mercado de trabalho e aí tinha um

grupo no IPEA, em que estava o Ricardo Paes de Barros, que estudava essa coisa

de capital humano. Aí “conversa vai, conversa vem”, resolvemos fazer pesquisa

juntos. Eu e o Ricardo. Aí, um dia, sentados na mesa de trabalho do Ricardo lá no

IPEA, uma tarde, nós começamos: “mas escuta, e os CIEPs? Como é que é esse

negócio dos CIEPs? Vamos ver como é que funciona?” (Camargo, 2013).

E constataram a importância que tinha para a renda familiar o trabalho dos

filhos, que em alguns casos chegava a 30% desta renda:

começamos a fazer pesquisas factuais. Sem nenhuma grande preocupação

acadêmica, e a gente começou a perceber que, na verdade, as famílias evitavam

os CIEPs. Aí eu falei: “Ô Ricardo, eu não estou entendendo. Como é que é isso?

A gente acha que capital humano é espetacular. Que educação é básico, está

certo? Que, sem isso, “neguinho” não vai pra frente. E as famílias pobres não

querem o CIEP. O CIEP é ótimo, “cara”! Tem alguma coisa errada nesse

processo?” Aí essa coisa a gente discutia muito. Essa coisa do ambiente

acadêmico é muito importante, a discussão, passava a tarde inteira discutindo.

Escrevemos vários papers juntos, uma quantidade enorme e, na época, a gente

estava preocupado com pobreza. E tentando ver por que é que o Brasil tinha tanto

pobre. Essa era a questão inicial. “Pô”, por que é que o Brasil tem tanto pobre? O

Brasil, na época, tinha 40% de pobres. A renda per capita brasileira, o Brasil era

um outlier. E aí olhando uma PNAD, eu comecei a perceber que, na verdade, as

crianças de famílias pobres contribuíam com uma percentagem muito grande da

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renda per capita familiar, trabalhando. Em situações extremas, podia contribuir

com até 30% da renda per capita familiar. E isso me impressionou muito. Eu

falei: “Escuta. Se o meu filho contribui com até 30% da minha renda, com a

renda per capita familiar da minha casa, eu vou deixá-lo na escola ou eu vou

colocá-lo no mercado de trabalho?” Essa foi a pergunta que veio à minha cabeça.

E aí eu falei: “Imagina. Se o meu filho contribui com 30% da renda per capita

familiar, eu vou colocar ele no mercado de trabalho. Não vou por ele na escola.

Isso é maluquice. Só se eu for doido eu vou colocar ele na escola”. Aí eu falei:

bom, só tem uma forma de resolver esse problema. É comprar o tempo da criança

no mercado de trabalho. É pagar para a criança ir para escola, em vez de ir para o

mercado de trabalho (Camargo, 2013).

E tem um ponto de vista surpreendente acerca do altruísmo nas famílias

ricas, ao buscar explicações para o fato de o mercado não resolver este problema.

Afinal, se o filho ficar na escola, ganhará mais no futuro. Mas quem tem o poder

de decisão são os pais, não a criança:

se você quer que as crianças pobres vão para escola, você vai ter que pagar para

elas irem para a escola. E aí eu desenvolvi todo um arcabouço em torno disso.

Mas aí tinha alguns pontos muito importantes. Era o seguinte; aí tem uma coisa

mais teórica. “Por que é que o mercado de trabalho não resolve isso?”. Afinal de

contas, o pai sabe que a criança vai ganhar mais dinheiro se ela for pra escola do

que se ela não for pra escola. É verdade que ela ganha dinheiro agora, mas no

futuro, ela vai ser pobre. Então o pai está querendo que ela seja pobre? Então, por

que é que o mercado de trabalho não resolve? Aí é que você tem uma falha de

mercado. Quem decide o quanto, quando que a criança vai estudar são os pais. O

beneficiário é a criança, mas quem decide são os pais. Então não é de quem é

beneficiário da decisão. Isso é uma falha clássica de mercado. Então, se você

deixar o pai decidir, ele só vai decidir mandar a criança para escola se ele for

muito altruísta. E aí tem uma coisa muito curiosa. E a coisa curiosa é o seguinte:

suponha que isso seja verdade. Se isso é verdade, as famílias muito altruístas

mandam seus filhos para escola. As famílias pouco altruístas não mandam seus

filhos pra escola. Mandam para o mercado de trabalho, porque eles preferem

ganhar dinheiro no presente a o filho ficar mais rico no futuro. Mas isso significa

o seguinte: que, na verdade, os ricos são os altruístas, e não os pobres. Os pobres

são os individualistas. As famílias pobres são pobres porque, no passado, elas

foram individualistas e não deram educação para os filhos. Enquanto que as

famílias ricas são ricas porque, no passado, os pais foram altruístas, e educaram

seus filhos. O que era uma coisa louca na minha cabeça. Isso é uma conclusão

espetacular! (Camargo, 2013).

Então, se deixarmos o mercado funcionar sem algum incentivo para os

pobres, a desigualdade continuará aumentando:

mas aí você tem o seguinte: uma pessoa educada, à medida que vai ficando mais

velho, o aumento de renda é muito maior do que uma pessoa não educada. Por

razões óbvias: está acumulando capital humano ao longo da vida. Se acumular

pouco capital humano, você acumula pouca renda. Se acumular muito capital

humano, você ganha muita renda. Então a renda das crianças, dos adolescentes,

elas são muito parecidas, independentemente do tipo de família que você vem,

pobre ou rica. Porque tem pouco capital humano acumulado ali. Os adolescentes

pobres são parecidos com os adolescentes ricos. Parecidos, entre aspas. Tem uma

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diferença, mas é pequena. Isso significa que a porcentagem de renda que uma

criança pobre pode contribuir para a família é muito maior do que uma criança

rica. Então o custo de oportunidade de colocar uma criança na escola é muito

menor, para uma família rica, do que para uma família pobre. Isso significa o

seguinte: se você deixar o mercado funcionar, o mercado vai gerar cada vez mais

desigualdade. Via investimento em capital humano (Camargo, 2013).

Uma das razões de o ensino não ter sido valorizado durante tanto tempo

pode estar relacionada à má qualidade do ensino público, o que desencorajaria os

pais a abrir mão de uma renda complementar proveniente do trabalho dos filhos:

mas pode ter uma razão mais complicada. E que é o seguinte: se você consegue

calcular a taxa de retorno educação por pessoa no Brasil, com os dados da PNAD.

Você pega cada pessoa e calcula a taxa de retorno educação daquela pessoa. Você

pega uma pessoa com determinadas características. E olha uma pessoa com as

mesmas características com 30 anos a mais. E vê quanto que ele ganhou a mais

de renda. E calcula a taxa de retorno desse cara. Então, o que é que acontece?

Uma vez, um aluno meu, fazendo uma tese de mestrado, eu era orientador, ele foi

apresentar a tese no computador – já tem muitos anos isso. Ele apresentou lá um

gráfico que era o seguinte: aqui a taxa de retorno, e aqui nível educacional. Aí ele

mostrou que a taxa de retorno do capital brasileiro é uma coisa desse tipo aqui.

Mas ele calculou pessoa por pessoa. Aí, cada pontinho desses é a taxa de retorno

de uma pessoa. Aí, apresentou o gráfico lá é uma coisa assim: Aí eu olhei para o

negócio e falei assim: “Que fantástico! Uma maravilha! Esse gráfico é uma

maravilha!”. Na hora. Eu olhei, “pô, espetacular, Zé! Esse negócio é espetacular!

Olha a cara desse gráfico!”. A taxa de retorno educação é pequena. Aí, depois de

dois minutos, eu falei: “Mas é óbvio que tem que ser assim. Afinal de contas, tem

muito mais capital humano, a diferença de capital humano lá na ponta é muito

maior do que a diferença de capital humano aqui”. Isso é aquela coisa que eu

falei. As crianças de família pobre têm a mesma renda que as crianças de família

rica no mercado de trabalho. Porque têm muito pouco capital humano acumulado

ali. Porém acontece o seguinte: suponha que esses “caras” aqui sejam de família

pobre. Suponha o seguinte: que, como o sistema educacional público é de pior

qualidade, essas pessoas se educam, mas, como a educação é ruim, a quantidade

de capital humano efetivamente acumulado ali é muito menor do que nas famílias

ricas, e esses caras aí ganham muito pouco. E pegue um pai, coloque um pai aqui,

olhando o que é que ele vai fazer com os seus filhos. O que ele olha, o que ele vê

é esse cara aqui, não é esse cara lá. Agora, se o que ele vê é esse cara aqui, ele

não vai dar educação para o filho dele. Esse é o ponto. Eu não estou falando que é

isso. Eu estou falando se isso é isso. Não quer dizer que seja por isso que ele dá

pouco valor à educação. Pode ser (Camargo, 2013).

Francisco Ferreira fez sua graduação na London School of Economics com

uma bolsa que conseguiu em 1987 e, depois, fez o mestrado e o doutorado. “Então

uma trajetória um pouco diferente da trajetória mais comum dos economistas

brasileiros” (Ferreira, 2013). Ferreira considera que Gary Becker e Jacob Mincer,

em seu trabalho original, “são de certa forma as referências originais da Teoria do

Capital Humano” (Ferreira, 2013). Comenta em seguida alguns dos seus trabalhos

relacionados à Teoria do Capital Humano:

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eu diria que um deles, que eu gostaria de ressaltar, foi um trabalho que eu fiz com

o Ricardo Paes de Barros, chamado The slippery slope: explaining the increase in

extreme poverty in urban Brazil, está na Revista de Econometria, 1999, em que a

gente olhava as mudanças na desigualdade brasileira. Essa questão de renda de

uma forma geral, que não era só desigualdade, era, também pobreza. Entre 1976 e

1996. E usava umas técnicas de decomposição baseadas em microssimulações,

para entender essas mudanças. Também foi publicada, além dessa revista, uma

versão dele num livro que a gente fez com o François Bourguignon e a Nora

Lustig, que chamava The Microeconomics Income Distribution Dynamics. Esse

também seria um livro que eu incluiria nessa lista. Dos trabalhos influenciados

pela Teoria do Capital Humano, no sentido de que o que a gente tenta fazer nesse

livro, numa série de estudos de caso. Tem um capítulo metodológico. Introdução,

um capítulo metodológico, e depois tem uma série de estudos de caso no Brasil,

acho que era Argentina, México, Tailândia, com uma série de países na América

Latina e na Ásia, aonde a gente tenta entender diferentes forças que afetam

mudanças na distribuição de renda e também essa questão de renda de uma forma

bem flexível, quer dizer, não só um índice que resuma desigualdade ou pobreza,

mas o que hoje em dia, na época a gente ainda não chamava, não usava esse

nome, mas, na verdade, a gente já estava fazendo o que depois passou a ser

chamado de curva de incidência do crescimento. E a gente tenta decompor a

curva de incidência de crescimento, ainda sem usar esse nome, em diferentes

efeitos. Inclusive o efeito do crescimento na quantidade da educação. De

mudanças, do retorno da educação, de mudanças na estrutura nacional. Então aí

você tem essa coisa dos dois lados da educação, quer dizer, tanto a quantidade

quanto o preço dela. Isso tudo baseado em equações mincerianas e usando

mudanças nos parâmetros. E essa foi uma linha, uma linha de pesquisa que eu

segui por algum tempo. Muito influenciado, na verdade, pelo François

Bourguignon. E esse artigo com o PB, The slippery slope, foi o primeiro nessa

direção para mim (Ferreira, 2013).

E relaciona as desigualdades de riqueza, de educação e de poder político:

de certa forma tem várias outras coisas que eu fiz que são também influenciadas

pela teoria original do Becker, Schultz e tal. Por exemplo, do lado mais teórico,

eu tenho um paperzinho bem antigo, chamado Education for the masses:

interaction between wealth, education and political inequalities 29

, que saiu no

Economics of Transition em 2001. E é um modelinho do que eu considero de

como é que é a função da reprodução da desigualdade brasileira. Então nesse

modelo, você tem três tipos de desigualdade. Você tem a desigualdade de riqueza,

a desigualdade de educação e a desigualdade de poder político. E basicamente,

você tem uma situação na qual um dos equilíbrios é um equilíbrio em que você

tem muita desigualdade de riqueza que gera uma massa que não pode pagar a

escola particular. Uma elite que paga pela escola particular. E essas pessoas

votam. Aí a gente tinha um modelo bem simples. Um pouco parecido com uma

coisa que (tinha) também na Letter Economic Review, em que, se você tem muita

desigualdade de riqueza, ela também gera desigualdade de poder político. E nesse

equilíbrio, com muita desigualdade de poder político, a elite, cujos filhos têm

acesso à escola particular não paga, ela tem um poder de decisão sobre o sistema

tributário, e ela decide, então, não financiar uma escola pública de qualidade. E

29

Conforme Ferreira explica: “Na verdade, esses argumentos são mais claramente apresentados

nesse paper que você mencionou do que no outro que eu estava mencionando, ainda que eles

sejam parecidos” (Ferreira, 2013). Isto em resposta ao meu comentário de que estes pensamentos

podem ser lidos também em Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes

ou heterogeneidade educacional (Ferreira, 2000).

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isso se reproduz: não tendo uma escola pública de qualidade, as classes pobres

ainda ganham pouco, têm uma riqueza menor, não podem colocar os filhos na

escola. É um modelinho dinâmico, com uma interação entre um sistema político

bem estilizado, com pouca estrutura, mas com a essência dela capturada por essa

desigualdade de poder político relacionada à riqueza, que gerava uma reprodução

da desigualdade num equilíbrio de longo prazo, com essas características. Que

era, um pouco, a minha visão estilizada de como era, pelo menos, um dos

elementos importantes de reprodução de desigualdade no Brasil, ao longo do

tempo (Ferreira, 2013).

Para Francisco Ferreira, atualmente, há que se pensar na natureza do

sistema educacional, visto que a simples inclusão não é suficiente para evitar que

se reproduzam e se perpetuem as desigualdades. A mudança no desenho do nosso

sistema educacional terá que agir “na diferença entre o que se aprende nas

melhores escolas particulares das grandes metrópoles do Sudeste e nas escolas

públicas de suas periferias, ou da caatinga do Piauí, ou nas margens dos igarapés

amazonenses” (Ferreira, 2000: 15).

Estamos diante de um sistema que gera um círculo vicioso no qual uma

grande disparidade na qualidade educacional produz um alto nível de

desigualdade de renda. Somente com o aumento do poder político das classes

mais pobres, pela via de uma maior exigência de oferta de educação de qualidade,

poderíamos interferir no sentido da interrupção dessa armadilha em que estamos.

Far-se-iam necessárias maiores mobilização e pressão social da sociedade no

sentido de assegurar uma educação básica de qualidade. Para Ferreira devemos

admitir que nos deparamos com:

[...] a possibilidade da existência de um tipo de equilíbrio político-econômico em

que três desigualdades se reforçam mutuamente: uma grande desigualdade

educacional gera um alto nível de desigualdade de renda - como se observa no

Brasil. Esta desigualdade de renda ou riqueza, por sua vez, pode implicar numa

distribuição desigual de poder político, na medida em que a riqueza gera

influência sobre o sistema político. E a desigualdade de poder político reproduz a

desigualdade educacional, já que os detentores do poder não utilizam o sistema

público de educação, e não têm interesse na sua qualidade, dependendo apenas de

escolas particulares. Os mais pobres, por sua vez, não tem meios próprios (nem

acesso a crédito) para frequentar as boas escolas particulares, nem tampouco

poder político para afetar as decisões fiscais e orçamentárias que poderiam

melhorar a qualidade das escolas públicas (Ferreira, 2000: 25).

Ferreira considera que a Teoria do Capital Humano influenciou as decisões

do governo brasileiro de vincular transferência de renda com frequência escolar,

como nos programas Bolsa Escola e Bolsa Família.

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Eu acho que sim. Na verdade, eu acho que você já conversou com a pessoa que

melhor poderia falar sobre esse tema, que é o José Márcio. O José Márcio,

obviamente, como você sabe, naquele artigo que ele propõe pela primeira vez a

ideia de fazer isso. De vincular a transferência com a frequência à escola. Eu acho

que isso vem com essa compreensão de que o investimento na educação, hoje,

gera retornos no futuro. Tem um custo no presente, mas gera retornos no futuro,

que é a essência, na verdade, do modelo do Becker. A transferência condicional

requer, do ponto de vista teórico, uma série de outras ideias. Nas quais eu acho

que as pessoas ainda estão trabalhando. Eu acho que a visão que o José Márcio

teve, que o Cristovam Buarque depois comprou, implementou em Brasília e

gerou as primeiras experiências do Bolsa Escola em 94, 95 e depois foi dar no

Bolsa Escola nacional, e, por fim, no Bolsa Família, vem de uma compreensão de

que as crianças pobres têm um custo muito alto pra investir no capital humano,

hoje, mas que isso é fundamental para sua saída da pobreza no futuro. Então tem

diretamente a ver com a teoria (Ferreira, 2013).

Para Samuel Pessôa a negligência com a educação teria sido o maior erro

por nós cometido nos últimos séculos. Considera, no entanto, que esta questão

vem sofrendo melhoras. “O país percebeu o problema. A situação começou a

mudar quando viramos uma democracia – hoje, o Brasil é uma democracia muito

dinâmica e aberta. A população tornou a educação uma questão importante”

(Pessôa, 2013).

Samuel Pessôa comenta como chegou à Economia, vindo da Física. E

relembra que veio de uma família de esquerda, com avós comunistas, em um

ambiente contrário ao regime militar:

eu entrei em física na USP, fiz mestrado em física na USP. Aí me interessei muito

por economia. E eu comecei a me interessar por economia, eu me lembro bastante

bem: foi a crise de 1982. Dívida externa, eu tinha 19 anos. E eu nasci em 1963,

peguei todo o período do milagre na minha infância e juventude jovem,

adolescência. Com a crise de 1982, foi a primeira vez que eu senti que eu morava

em um país pobre. Eu não tinha essa consciência. Eu sabia que era um país pobre.

Meus avós eram comunistas de carteirinha, meu avô era um médico sanitarista

importante. Samuel Pessoa. Eu cresci e fui criado num ambiente de esquerda e

muito crítico à ditadura, mas eu vi o mundo como um país que crescia muito

(Pessôa, 2013).

Começou a ter consciência de que havia pobreza no país na crise de 1982,

quando no bairro onde vivia começaram a aparecer flanelinhas:

a crise de 1982, o desemprego e a perda de renda, foi a primeira vez que eu

percebi que eu vivia num país pobre. Eu me lembro que eu não conhecia, até

1982, a figura do flanelinha. Isso não existia em São Paulo. Se você fosse num

cinema, nos Jardins, ou em qualquer bairro de São Paulo, não tinha guardador de

carro. Meu pai me disse que tinha no centrão. Mas nos bairros, não tinha. Eu me

lembro bem, no começo, quando surgiu essa figura, as pessoas reagiam. Tinha

revolta. Tinha briga. E os guardadores de carro, eles conquistaram seu espaço,

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sua profissão, seu negócio na força. E aí a sociedade aceitou e hoje virou uma

norma social (Pessôa, 2013).

Interessou-se pelo problema do subdesenvolvimento e entusiasmou-se pela

economia lendo Mario Henrique Simonsen:

fiquei muito interessado e comecei a me interessar pela questão do

subdesenvolvimento. Aí veio o plano Cruzado, em 1986, eu estava no último ano

da Física, começando o mestrado em Física. Comecei a ficar muito interessado

nas questões inflacionárias. Saía muita coisa no jornal sobre teoria inercial da

inflação, e entrei numa livraria, comprei um livro de macro. Dei sorte. Quer dizer,

dei sorte, não: sei selecionar o que é bom e o que é ruim facilmente. Peguei, saí

da livraria, em 1986, com o livro Dinâmica macroeconômica, do Mario Henrique

Simonsen, que é um livro maravilhoso de macro. Eu acho que, para a época, era o

melhor livro do mundo que tinha de macro, que eu conhecesse. Equivalentes

internacionais, com prêmio Nobel, não eram tão bons quanto o livro do

Simonsen. Um livro brilhante. Eu comecei a estudar macro sozinho. Aí soube que

a economia é uma profissão muito democrática. Você tem uma prova nacional.

Qualquer pessoa com curso de graduação, qualquer que seja o curso de

graduação, é elegível à prova. Se você for bem na prova, os melhores centros do

Brasil vão correndo te pegar para você estudar lá. É uma coisa superlegal,

competitiva, aberta e aí eu me preparei, entrei bem na ANPEC, fui fazer

doutorado em Economia. Depois de terminar o mestrado em Física na USP, fui

direto para o doutorado e fiz uma tese com o professor Affonso Pastore. E

encaminhei a minha pesquisa para estudar crescimento econômico. A minha tese,

em macroeconomia, já foi mais (sobre) questões de longo prazo e, como

pesquisador em economia, passei a ser uma pessoa com interesse em crescimento

econômico (Pessôa, 2013).

O caminho que percorreu para chegar à Teoria do Capital Humano foi

estudando o crescimento. Ao pesquisar a importância do capital humano para o

crescimento econômico, constatou que as formulações de Becker e Mincer eram

adequadas:

eu cheguei pelo crescimento. A gente começou a estudar crescimento nos anos

1980 e nos anos 1990, um revival de teoria do crescimento econômico. Você

tinha aqueles fundamentalismos de capital, a economia cresce, a teoria do capital

físico, que era, um pouco, a maneira que a gente pensava. Aí teve o fenômeno dos

tigres asiáticos. Aí, da virada dos anos 1980 para os anos 1990, começou com o

artigo clássico do Robert Lucas, um Junior Monetary Economics, acho que é de

1988. Ele é de Chicago. E ele é um cara de monetária, também. Mas ele escreveu

um paper publicado no Junior Monetary Economics, acho que é 1988, chamado

Mecanics of Growth, ou alguma coisa assim. Que ele começa dizendo isso: a

renda per capita do Egito é, ou da Etiópia, é 40 vezes menor que a dos Estados

Unidos. Será que tem alguma coisa, quando você começa a pensar nesse

problema, é difícil a gente achar em economia, qualquer assunto interessante. Aí,

ele fez um modelinho simples. Começou a ter toda uma preocupação com os

modelos de desenvolvimento endógeno. O que aconteceu é que esses modelos de

crescimento endógeno, eles geraram certas previsões que foram rejeitadas já em

meados dos anos 90. E as pessoas voltaram para variações de modelos de Solow.

Só que as pessoas perseguiram variações do modelo de Solow tentando colocar

algum daqueles ingredientes que, nessa literatura de modelo endógeno, as pessoas

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começaram a achar que era um dos mais importantes. E uma delas era o capital

humano. Que já tinha sido incorporado na teoria do capital, do crescimento, lá

atrás, na literatura de decomposição do crescimento. Eu escrevi um paper, nessa

época – que eu sou assim, eu sou um economista meio paroquial. Eu não estudei

fora, então eu não escrevo paper em inglês. Então eu não consigo publicar, mas

eu me lembro que, nessa época, eu escrevi um paper tentando também dar minha

contribuição. Que o capital humano vincula o capital humano à produtividade, e a

produtividade ao salário. E, de fato, ao longo dos anos, os macroeconomistas

convergiram para aquela especificação. Então eu cheguei um pouco por esse

debate de crescimento econômico, e aí, sim, quando eu descobri esse negócio eu

fui correr atrás do Becker e do Mincer (Pessôa, 2013).

Pessôa lamenta que os economistas de esquerda não tenham enxergado a

influência que uma educação de qualidade poderia trazer no combate ao nosso

subdesenvolvimento:

estudando crescimento econômico, eu cheguei à conclusão (de) que onde a gente

é mais atrasado, o fator que mais explica o diferencial de renda entre Brasil e as

demais economias do mundo é o capital humano. A gente tem problema de

produtividade. Também tem muito para melhorar em produtividade. Mas,

relativamente, me parece que a gente está mais atrasado em capital humano do

que em produtividade. Foi assim que eu cheguei ao capital humano. O meu

interesse inicial não era capital humano. Meu interesse inicial sempre foi

subdesenvolvimento. Que começou lá em 1982, quando eu tinha 19 anos. Mas,

nesse sentido, eu sou meio parecido com o Celso Furtado, guardadas as devidas

proporções, evidentemente: que o Furtado fala isso “eu me casei com o problema

do subdesenvolvimento brasileiro, passei a vida toda estudando isso”. E, nesse

sentido, eu também meio que casei com esse problema. Eu me interessei por esse

problema lá em 1982, e, até hoje, essa é a grande questão que eu tenho na minha

vida. Tentar entender o subdesenvolvimento no Brasil. E a resposta que eu tenho

é oposta à do Furtado. E aí acho, essa questão do capital humano é

superinteressante. Que tem essa diferença: os economistas ditos de esquerda, se a

gente lembrar o Celso Furtado, nunca enxergaram nenhuma relação entre

educação, e crescimento econômico, e subdesenvolvimento (Pessôa, 2013).

Por outro lado, Pessôa rende homenagem a dois pensadores brasileiros que

conseguiram enxergar a relação entre educação e desenvolvimento: Gudin e

Langoni.

Os economistas ditos de direita sempre enxergaram relação entre educação e

desenvolvimento. Tenho dois exemplos: o primeiro, mais antigo, é o Eugênio

Gudin, não é um cara de crescimento. É um cara de monetária. Mas ele tem três

artigos sobre crescimento que eu acho brilhantes. Pouco lidos. E acho que tem

muito preconceito. As pessoas leram pouco e mal esses três artigos do Gudin.

Três artigos que foram publicados no mês dos fascículos, mês de setembro,

respectivamente, 52, 54 e 56 da Revista Brasileira de Economia. São três artigos

belíssimos. O que eu mais gosto é o segundo, de 54, sobre produtividade. Acho

que é um texto que sobrevive super bem hoje. Se for dar um curso de graduação

em crescimento, pode começar com o artigo do Gudin que você vai dar super

bem. E o Gudin, em diversos pontos, faz referência ao nosso atraso educacional

como um dos grandes empecilhos ao desenvolvimento. É um insight que ele tem,

é meio fantástico, porque a Teoria do Capital Humano na economia começou

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com o Mincer no final dos anos 1950. O Gudin tem esse insight mais ou menos

junto com o Mincer, não desenvolve, mas ele elabora um pouquinho esse insight

nos textos dele. Então acho que ele foi o primeiro economista brasileiro que se

preocupou com essa questão. E o segundo é o Langoni, na tese de doutorado dele,

lá em Chicago, um trabalho absolutamente brilhante. Uma coisa magistral. Acho

que é uma das melhores coisas que um economista brasileiro aplicado já fez na

história do pensamento econômico (Pessôa, 2013).

Apesar de reconhecer em Celso Furtado um dos nossos melhores

economistas, e o mais influente, Pessôa considera um enigma o fato de Furtado

não ter se ocupado da influência da educação sobre a economia. Isto teria sido, em

sua visão, um grande erro:

eu costumo dizer é o Erro de Furtado. Eu acho que é das perguntas mais

intrigantes da história do pensamento social e econômico brasileiro. Por que é que

Furtado foi incapaz de perceber a relação entre crescimento econômico e

educação? Muito interessante. Porque Furtado foi, provavelmente, um dos

economistas melhores que nós temos na nossa história. Certamente é o mais

influente, e aí está o nosso azar: o nosso economista mais influente não foi capaz

de perceber essa relação. A vida pessoal dele mostrava que tudo o que ele

conseguiu, ele conseguiu pela educação. Ele não era um homem de muitas

posses. Ele não era pobre, longe disso, mas estava longe de ser um homem rico.

Ele pensou esse problema de subdesenvolvimento, você lê a autobiografia

intelectual dele durante 4 décadas, pelo menos, se não chegou a 5 décadas. Em

nenhum momento, se você pegar os 30 livros que ele escreveu na vida dele, em

nenhum desses 30 livros, (há) qualquer menção ao papel econômico da educação

(Pessôa, 2013).

Pessôa vê, na tradição da esquerda latino-americana, a obrigatoriedade de

haver espoliação se há desenvolvimento econômico em algum outro país:

a minha interpretação, que tem esse corte entre direita e esquerda, é que

economista de direita acha que educação é importante para o crescimento, e

economista de esquerda acha que não, e isso acontece até hoje, é porque na

América Latina, em geral, e no Brasil em particular, a esquerda tem uma tradição

que eu acho que vem de certa leitura, “meio” não muito profunda, do Marx, que

vem lá do Lênin, do imperialismo, de achar que desenvolvimento econômico tem

que gerar (espoliação) em alguém ou outro. Alguma outra economia. Outra

sociedade. Quer dizer, a grande narrativa que o pensamento econômico e latino-

americano faz, de esquerda, do processo de desenvolvimento econômico, é que

em algum lugar tem alguma espoliação. Tem alguém que está sendo roubado, ou

explorado, ou alguém está tendo trocas desiguais e isso gera o que o Furtado

falava o tempo todo: “O subdesenvolvimento é um lado de uma moeda, que o

outro lado tem o desenvolvimento dos ricos”. Para Celso Furtado, é impossível

entender a trajetória dos Estados Unidos sem entender o desenvolvimento da

América Latina. As duas coisas eram um todo (Pessôa, 2013).

Por outro lado, a narrativa dos liberais acredita que o desenvolvimento está

associado às instituições e às características da sociedade, e que a educação seria a

instituição fundamental para o desenvolvimento econômico:

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e a tradição mais liberal, de direita, chamemos assim, acha que o processo de

desenvolvimento econômico é um processo que está associado, nessa visão que a

gente tem desde o Smith, aos processos econômicos internos das sociedades. Que

as relações que a sociedade estabelece com o resto do mundo não são decisivas.

Podem até ajudar, podem atrapalhar, tem que ver cada caso, com pesos históricos,

mas não vê, no processo de desenvolvimento das sociedades, um determinismo

fundamental nas relações que as sociedades estabelecem com o entorno, mas sim

com as instituições e com as características internas da sociedade. E aí a educação

é uma das instituições, uma das características internas, fundamental pra gerar

desenvolvimento econômico (Pessôa, 2013).

Nos anos 1950, fomos às ruas para defender o petróleo, mas não nos

mobilizamos para uma melhor educação. Aí, para Pessôa, estava a semente

daquilo que chama de tragédia social dos anos 1980 e 1990:

por que é que a população brasileira, quer dizer, as classes, os formadores de

opinião e as esquerdas, foram às ruas pelo “petróleo é nosso”, não foram às ruas

por educação pública e gratuita, para todo mundo, de qualidade? Um dia me deu

essa luz. Porque eu vim de uma família de esquerda; eu lembro da campanha do

petróleo é nosso. Minha avó falava, meu pai falava. A gente não produzia um

barril de petróleo. A gente passou a produzir alguma coisa 25 anos depois da

campanha. Na mesma época (em) que a gente estava indo “pras” ruas pelo

“petróleo é nosso”, 7 em cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola.

A taxa de crescimento populacional era 3% ao ano. É óbvio que o desastre social

que se abateu sobre o Brasil nos anos 1980 e 1990 foi construído nos anos 1950.

Não tenho dúvida disso. Porque era uma sociedade absolutamente esquizofrênica.

É uma sociedade que construía Brasília. O Rio de Janeiro devia ser, de longe, a

melhor cidade do mundo para viver, a gente ganhava título mundial, a gente

inventava a bossa nova, a gente fazia a campanha do “petróleo é nosso” e a gente

estava construindo esse inferno que o país virou a partir dos anos 1980. Foi

construído lá nos anos 1950. Gastando 1% em educação e achando normal que 7

em cada 10 crianças de 7 a 14 anos ficassem fora da escola (Pessôa, 2013).

As elites brasileiras teriam aceitado a ideia de que a universalização do

ensino era inviável por falta de recursos. Com a democratização, universalizamos

em 10 anos. E hoje a questão não é recursos, é qualidade:

eu me lembro disso, nos anos 1970, que o Estado não tinha dinheiro para colocar

todas as crianças na escola, era algo normal nas elites brasileiras. Eu via o meu

pai falando. Meu pai, que era filho de comunista. Ele não gostava, mas aceitava.

Depois que a gente virou democrático, é inaceitável. A gente, em 10 anos,

colocou todo mundo na escola. Gasta 5% do PIB em educação. Eu acho que,

hoje, o problema da educação é a questão de qualidade. E o problema de

qualidade não é, necessariamente, orçamento. É uma agenda muito maior, que

não passa tanto por orçamento. Talvez até pudéssemos gastar mais. Acho até

legal gastar um pouco mais. Mas não é gastando mais que a gente vai resolver

(Pessôa, 2013).

E comenta um trabalho que demonstra que não há correlação entre

aumento de gastos e melhoria na qualidade da educação:

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tem um economista da PUC, o Claudio Ferraz; brilhante, um cara que tem muitos

papers internacionais, ele tem um gráfico super legal. Aqui, a gente tem o gasto,

por aluno, das diversas redes estaduais e municipais. Cada ponto é uma rede, uma

cidade. Então o número de pontos é o número de municípios que o Brasil tem.

Cada ponto é em reais. Quantos reais por ano, por aluno, aquela rede gasta. E

aqui é o resultado da garotada na prova Brasil. É uma nuvem, correlação nula. O

que é que esse gráfico mostra? Ele mostra que a correlação que há, hoje, entre o

desempenho da garotada e gasto per capita é zero. Se eu não fizer nada, e

aumentar o gasto, isso é que nem, como o PB fala, jogar dinheiro do helicóptero.

Pode cair no município que é bom. Pode cair no município que é ruim. Pode não

acontecer nada. Então eu acho que a agenda da educação é uma agenda de

entender por que é que esse negócio tem correlação zero. Se a gente não entender

isso, a gente não vai melhorar a qualidade (Pessôa, 2013).

O economista considera haver uma indicação de que houve uma maior

percepção, na sociedade, e até em setores populares, da importância da educação

pra mobilidade social:

eu acho que o Prouni foi o Ovo de Colombo do Fernando Haddad. O cara ganhou

uma prefeitura da maior metrópole do país por conta disso. Acho que o Paulo

Renato se arrepende amargamente de não ter feito o Prouni, porque ele poderia

ter feito, da mesma forma que eu acho que o FHC se arrepende amargamente de

não ter feito o Bolsa Família. Poderia ter feito. O FHC até começou, mas não deu

tempo. Essas coisas têm uma dinâmica. Mas acho que o Paulo Renato foi falta de

ideia. No governo, você tem que fazer muita coisa ao mesmo tempo. Às vezes,

você não pensa. O eleitor mediano está fazendo a revolução no país, e, em última

instância, é a democracia que está fazendo. E eu acho que está funcionando bem.

E acho que a gente, hoje, está preso na questão das corporações. Acho que vai

andar. Eu sempre falo isso: em Bangu, você tem escola privada de 300 reais a

mensalidade. E o professor dessa escola privada de 300 reais a mensalidade é pior

que o professor da rede, porque ele não passou no concurso (Pessôa, 2013).

Aponta o que seria, no seu entender, o principal óbice para que

pudéssemos ter um ensino público de qualidade: a ausência de um sistema de

gestão meritocrático e competitivo. E começa a discutir que medidas devem ser

adotadas para melhorar a qualidade da educação básica:

eu acho que a gente tinha que fazer uma revolução no direito administrativo,

caminhar para uma situação em que a escola pública vire um contrato de gestão

entre o diretor da escola e a Secretaria, ou entre o diretor da escola e a regional da

Secretaria, dependendo se a rede é regional ou municipal. Ou dependendo do

tamanho da rede. E, dentro desse contrato de gestão, o diretor ou a diretora ter

muita flexibilidade para contratar professor, para demitir professor, para gerir o

dinheiro. Eu acho que a gente tem que ter mecanismos de compensação de

dinheiro. Acho que a gente tem que avançar muito mais nas redistribuições

regionais vinculadas à educação. Eu acho que as regras do fundo de participação

Estado/município são anacrônicas, são horríveis, porque transferência per capita é

completamente injusta, mas eu acho que a gente tinha que caminhar para o

serviço básico de saúde e educação por um acordo federativo de equalizar

recursos. Acho que o Estado brasileiro deveria gastar com cada aluno a mesma

coisa, independente de onde esse aluno viesse, estudasse. E aí teria que ter

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equalização. Acho que isso é muito melhor do que a forma que a gente faz, com o

fundo de participação Estado/município hoje. E então fortes mecanismos de

redistribuição de dinheiro: toda a gestão muito descentralizada, muita

avaliação/punição, e com mecanismos mais de regulação privada. Podendo

contratar professor, podendo demitir professor (Pessôa, 2013).

O corporativismo trabalharia no sentido de não deixar fazer as mudanças

necessárias. Segundo Pessôa, esse corporativismo na área educacional torna difícil

a implantação de uma educação básica de qualidade. No entanto, o eleitor

mediano ainda não teria percebido que esse é um dos principais óbices para a

melhoria do ensino:

e eu acho que o eleitor mediano quer educação. A dificuldade que eu vejo, hoje, é

que o eleitor mediano quer educação, mas ainda não identificou o problema. Que

é: ele não identificou que, hoje, as corporações e os funcionários públicos são,

provavelmente, o maior impedimento que a gente tem pra melhorar a qualidade

do sistema educacional. Há um tempo em São Paulo, fui num seminário sobre a

experiência do Ceará. O Ceará foi o estado que mais avançou na prova Brasil, nos

últimos anos. A partir da estadualização de uma experiência muito bem sucedida,

há uns 10 anos atrás, em Sobral. É muito bonita a experiência. Agora, você vai a

Fortaleza, não mudou nada. O que Fortaleza tem, em relação ao resto? Fortaleza

tem um sindicato forte. O resto do estado não tem. Eles fizeram uma lei que está

funcionando, muito legal, que uma parte do ICMS estadual para os municípios é

vinculada em desempenho para educação. Uma medida que está funcionando

muito bem lá no Ceará: fizeram um monte de coisas e está tendo um resultado

muito bom. Sem aumentar o gasto. Só por gestão, incentivos e tal, tiveram um

desempenho muito bom. Você vê que a própria avaliação que as pessoas que

implantaram a política têm é que, em Fortaleza, é quase impossível reproduzir o

que eles fizeram no resto do estado por conta dos sindicatos (Pessôa, 2013).

E a dificuldade para se aumentar a eficiência, devido a restrições legais e à

força de alguns sindicatos, faz, muitas vezes, o gestor público desistir:

então, eu acho isso, a sociedade e o eleitor mediano não perceberam. O eleitor

mediano acha que o professor é um pobre coitado, que ele tem salário muito

baixo, que ele é explorado pelos governantes. E aí tem o que o meu amigo

Reinaldo Fernandes, um cara que estuda muito educação, um economista

brilhante [...] lá na gestão Fernando Haddad fala. Ele dialoga muito com os

pedagogos. “Ai, Samuel, pedagogo é um bicho difícil. Mas eu falo com eles”.

Você quer aumentar o salário do professor, é mais ou menos assim. Vamos supor

que tenha um cara que tem um time de futebol. O futebol está péssimo, está na 3a

divisão. Chega o empresário, e diz: Vamos botar dinheiro e fazer um time bom.

“Vamos contratar jogador”. Aí você vai contratar jogador, “ah, não, não. Você

pode contratar, mas aí tem que aumentar os que estão aqui”. Aí tudo bem, vai

aumentar os que tão aqui. “Não, não, não, não: mas tem muito jogador que jogou

aqui no passado e está aposentado. Também tem que aumentar para esses caras”.

Aí, você faz a conta do impacto fiscal de dobrar o salário do professor, aí o cara

pode fazer um metrô. Que fica pronto dali a 6 anos e resolve um problema. Não

vai botar o dinheiro na educação. Quer dizer, as restrições legais e o elevado

poder de barganha que as corporações dos professores têm de impedir medidas de

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gestão pra aumentar a eficiência, que o gestor público desiste. Então assim, o

Alckmin desistiu em São Paulo, o Paulo Renato morreu (Pessôa, 2013).

Em Políticas estruturais de combate à pobreza no Brasil, Marcelo Neri

destaca o potencial que o Brasil tem para tentar erradicar a pobreza através de

políticas redistributivas:

o Brasil é um caso importante para se estudar a pobreza, não somente porque

possui uma grande parte da população pobre da América Latina, mas também

porque apresenta um grande potencial para erradicar a pobreza. O relativamente

alto PIB per capita brasileiro, combinado com um alto grau de desigualdade da

renda, gera condições favoráveis para o desenho de políticas redistributivas. Esse

potencial é exemplificado pela alta sensibilidade dos índices de desigualdade e

pobreza a mudanças em certos instrumentos de política (por exemplo, mudanças

no salário mínimo e nas taxas de inflação). Por outro lado, talvez devido a

instabilidades anteriores, o Brasil não tenha avançado muito na implementação de

políticas estruturais de alívio de pobreza, indutoras de um reforço do portfólio de

ativos dos pobres (Neri, 2000: 503).

A influência da educação sobre a pobreza, medida pelos anos completos de

estudo de acordo com a PNAD de 1996, estudada por Neri, é explicada pelos

resultados encontrados:

a relação entre anos completos de estudo e pobreza é clara [...]. O número médio

de anos completos de estudo dos chefes pobres e não-pobres da população

corresponde a 4,7 e 6,6 anos, respectivamente. Similarmente, os cônjuges das

famílias pobres apresentam também uma média de dois anos a menos de

escolaridade do que os cônjuges na população não-pobre - 4,6 e 6,5 anos,

respectivamente. O coeficiente de variação de anos completos de estudo entre os

chefes e cônjuges pobres é maior nos segmentos pobres da sociedade - 24,6% e

25,4% - do que no total da população - 20,9% e 20,7%, respectivamente. Esse

ponto é digno de nota, já que os anos completados de estudo são provavelmente a

melhor aproximação para renda permanente encontrada nas pesquisas de

domicílio (Neri, 2000: 513).

Outros pontos importantes abordados pela Teoria do Capital Humano,

como já vimos, são a idade e a experiência. Neri comenta a influência desses

fatores para a redução da pobreza:

a aproximação comum para a experiência usada nas pesquisas de domicílio é a

idade. Os efeitos da idade na pobreza têm um papel central nesse projeto.

Tentamos basicamente captar qual é o comportamento ao longo do ciclo de vida

na pobreza. De acordo com a PNAD de 1996, a média de idade do chefe e do

cônjuge nas famílias pobres é de 44 e 40 anos, respectivamente, enquanto para a

população não-pobre é de 41 e 38 anos. Essa diferença de dois a três anos pode

indicar uma tendência decrescente da pobreza medida pela proporção de pobres

ao longo do ciclo de vida. Quer dizer, quando as famílias adquirem mais

experiências ou acumulam outro tipo de capital, a probabilidade de escapar da

pobreza aumenta (Neri, 2000: 514).

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A negligência com o ensino básico teria sido uma das causas mais

importantes do alto índice de desigualdade de rendas e de pobreza ao qual

chegamos ao fim do século XX. Uma vez que conseguimos praticamente

universalizar o acesso ao ensino básico, nossa questão passa a ser a melhoria da

qualidade de ensino.

Diversos pensadores aqui analisados enfatizaram que o principal óbice

para a melhoria do nosso ensino básico não passa pela falta de recursos

financeiros, como visto pelo senso comum. Um dos principais entraves estaria no

corporativismo, que impede que políticas de gestão utilizem a meritocracia como

instrumento básico de análise. Leis como as que obrigam a isonomia salarial e

outras que, na prática, tornam quase impossível a demissão de maus profissionais,

precisariam ser flexibilizadas para que ocorresse um salto qualitativo.

4.3. O pensamento desenvolvimentista incorpora aspectos da Teoria do Capital Humano

Cristovam Buarque 30

é Doutor em Economia pela Sorbonne. Eleito

governador do Distrito Federal em 1994, criou o programa Bolsa Escola,

referência de programa de transferência de renda condicionada à presença na

escola. De acordo com Buarque, o programa está baseado em uma constatação

evidente: a de que se faz necessário quebrar o círculo vicioso da pobreza

propagada através de gerações, indenizando as famílias pobres para que deixem as

crianças na escola, abrindo mão de enviá-las precocemente para o mercado de

trabalho.

Paga-se um salário mensal a cada família, em troca de que todos seus filhos

estejam na escola e nenhum deles falte às aulas no mês. [...] De certa maneira,

utilizam-se a pobreza e a necessidade da renda para combater a pobreza, tendo as

famílias como fiscais da frequência de seus filhos às aulas. Com isso, resolve-se

ao mesmo tempo a pobreza futura, quando estas crianças forem adultos educados,

e reduz-se a pobreza atual por meio de uma renda mínima para sua família.

(Buarque, 1999: 59).

30

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque (1944- ) nasceu no Recife. É doutor em Economia pela

Universidade de Sorbonne. Foi governador do Distrito Federal de 1995 a 1998. É senador pelo

Distrito Federal desde 2002. Foi Ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro governo

Lula.

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Buarque ressalta sua posição quanto à importância da educação e da

igualdade de oportunidades como o elemento fundamental para a ascensão social.

A desigualdade de resultados é por ele aceita, uma vez respeitada a igualdade de

oportunidades:

a filosofia do educacionismo é dizer que a libertação está na educação e não na

economia. O socialismo não está em tomar o capital do capitalista e dar ao

trabalhador, a revolução está em pegar o filho do capitalista e pôr na mesma

escola do filho do trabalhador. É a igualdade na escola que importa. O

comunismo falava numa renda igual para todos e isso é possível na base de muito

autoritarismo e ineficiência. A proposta do educacionismo é que você tem uma

desigualdade tolerada entre dois limites: o piso, que é o piso social, aqui ninguém

passa fome, ninguém fica doente sem atendimento médico; e o teto ecológico,

ninguém consome acima disso aqui. A escada de ascensão social permite que um

chegue lá em cima e outros fiquem aqui embaixo - essa escada é a escola. Você

oferece escola para todos, uns vão subir mais que outros pelo talento, pela

vocação e pela persistência. Então, essa desigualdade tem que se tolerar. Não vejo

problema nenhum em um atleta ganhar mais dinheiro que o cara que não tem o

talento dele. Cuba acaba perdendo muitos atletas por causa disso. Mas ninguém

abaixo, ninguém acima. Isso vai exigir, primeiro, leis de proteção ambiental.

Ninguém, por mais rico que seja, pode fazer um safári de baleia ou de leão. É

possível que chegue um momento em que, por mais dinheiro que você tenha, não

poderá comprar um carro, cujo número será limitado (Buarque, 2013: 308).

Buarque, em 1990, defendia que, para a modernização do país, far-se-ia

necessário erradicar o analfabetismo: “O primeiro gesto de modernidade de um

país, no final do século XX, deve estar em abolir o analfabetismo de todos que

desejem aprender a ler” (Buarque, 1991: 56). Esse passo deveria ser seguido pela

universalização do ensino básico: “A alfabetização é um ponto de partida, mas o

ensino básico, até a conclusão do segundo grau, é uma necessidade social da

população de qualquer país, como parte do caminho para realizar sua

modernidade real” (Buarque, 1991: 57). No entanto, já antevia a necessidade de

compensar as famílias de baixa renda pela perda da renda proporcionada pela

mão-de-obra dos filhos em idade escolar:

por isso, durante um longo período, um programa educacional público deverá,

necessariamente, incluir objetivos setoriais que vão além da educação, como

alimentação escolar completa, atendimento médico na escola e até mesmo um

sistema de seguro que compense os pais desempregados pela perda da mão-de-

obra que representam seus filhos (Buarque, 1991: 57).

Em Educação é a solução possível!, Buarque aborda os males que o nosso

atraso educacional traz para as pessoas e para a sociedade e, entre outras, cita:

desemprego, violência urbana e rural, desigualdade de renda, trabalho infantil,

insuficiência econômica e queda na produtividade (Buarque, 2012: 49).

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Segundo ele, antigamente o desemprego tinha como causa a falta de

investimentos. “Mas essa não é mais a causa. Atualmente, o investimento não cria

empregos na proporção de antes, quase sempre podendo até reduzir postos; e para

aqueles criados, exige qualificação para o uso de equipamentos modernos”

(Buarque, 2012: 50).

Atualmente a desigualdade de renda se dá pela desigualdade no acesso ao

conhecimento: “Um profissional bem educado e qualificado tem hoje um padrão

de vida próximo ao do dono de sua empresa, e muito diferente daqueles dos

trabalhadores sem qualificação” (Buarque, 2012: 52). Quanto à baixa

produtividade, Buarque afirma que:

a produtividade [...] não é mais resultado de uma função em que o capital era

determinante, com a mão-de-obra possuindo baixíssima qualificação. Não pode

haver alta produtividade se os trabalhadores não possuem nem a educação

necessária para adquirir algum nível de qualificação (Buarque, 2012: 53).

E comenta a nossa industrialização, que permitiu crescimento mesmo com

educação deficiente. Mas isso não mais seria possível:

até aqui, mesmo sem uma educação de qualidade para todos, foi possível a

unificação territorial, fazer a economia crescer e iniciar uma democracia. Com o

advento da moderna sociedade do conhecimento esta situação altera-se

radicalmente. Sem uma boa educação para todos, não haverá a integração social,

nem a consolidação plena da democracia, nem a transformação da economia

fazendo-a crescer com a qualidade de alto conteúdo científico e tecnológico

(Buarque, 2012a: 11-12).

Mesmo sem se referir à Teoria do Capital Humano, Cristovam Buarque é

um ferrenho defensor da ideia de que somente através da educação poderemos

chegar a uma sociedade mais desenvolvida.

4.4. A sociedade e a valorização da educação

Ainda que de forma muito preliminar, é importante analisar a hipótese de

que a sociedade passou a valorizar a educação como um fator fundamental para a

mobilidade social. De alguma forma a decisão de governos de apoiarem políticas

sociais que fortalecem a frequência escolar e educação básica em geral, reflete

mudanças na própria sociedade.

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Camargo explica por que, no seu entender, a área governamental foi tão

insensível, durante tanto tempo, à Teoria do Capital Humano. E isto estaria

relacionado ao fato de que a sociedade, por muito tempo, não valorizou a

educação.

Uma razão pode ser isso: a sociedade valoriza pouco. Se a sociedade valoriza

pouco, quer dizer, dá pouco voto. Se der pouco voto, político não vai dar muita

importância para esse negócio aí. Então isso vai ser uma razão pela qual o sistema

político valoriza tão pouco essa questão educacional. Por enquanto, pelo menos, é

uma hipótese. Agora, se a explicação é aquela ali, aquela hipótese não pode ser

verdadeira. Se a explicação é aquela ali, aquele cara que está parado ali na ponta

pode achar que o filho dele não chega lá em cima. Mas ele certamente vai achar o

seguinte: “olha aqui. Se eu colocar o meu filho numa escola do filho do rico, o

meu filho vai ser igual ao filho do rico. Consequentemente, ele vai chegar lá em

cima. Então eu deveria demandar do Estado que desse uma escola de “qualidade

FIFA”, não é? De filho do rico”. Então por que é que ele não faz? Talvez ele não

tenha cultura, então ele não sabe que é assim que você consegue. (Camargo,

2013).

Em sua opinião, somente no final da década de 1980 a área governamental

passou a dar mais atenção à questão da educação pública, mostrando afinidade

com alguns pensamentos de Cristovam Buarque:

o meu ponto é acabar com a pobreza definitivamente no futuro. Eu costumava

dizer, na época dessa discussão, que o grande problema desse programa

condicionado é que ele era autodestrutivo. Daqui a duas, três, quatro gerações

você não ia precisar mais dele. Que todo mundo ia estar educado, e aí acabou. Já

pode parar com essa brincadeira. Curiosamente, essa ideia é uma ideia que surgiu

concomitantemente, nessas discussões que eu falei, aqui na PUC, e em Brasília.

Cristovam. Eu não sei quem é que teve a ideia primeiro. O que eu sei é que

começaram a surgir artigos na imprensa com essa ideia, mais ou menos

concomitantemente. Então como é que os dois chegaram a essa mesma

conclusão? Difícil saber, mas não importa. Eu acho o seguinte: lá no início dos

anos 1990 você tinha uma organização social muito grande. Começou a se

espalhar pela sociedade, pela elite, na verdade, porque isso é uma coisa de elite,

obviamente, a ideia de que “olha aqui, tem que educar”. Não dá para continuar

neste processo. Eu acho que o que importa é o seguinte: uma pessoa pouco

educada na zona rural é funcional. É “pau pra toda obra”. Faz qualquer coisa. Ele

tira o toco da árvore que ficou lá, ele limpa o chão, ele vira jagunço, mata o

inimigo do político. Esse cara é funcional. Ele tem uma funcionalidade muito

grande. Lá no setor rural. Na hora que a sociedade se urbanizou, ele perdeu

completamente a funcionalidade. Ele virou um marginal. E aí sem

funcionalidade, acho que se começou a notar que aquilo não era sustentável no

longo prazo. Então, na minha impressão, surgiu um pouco dessa não-

funcionalidade do não educado. Passou a ser uma coisa complicada lidar com o

não educado. No Rio de Janeiro, o não educado é um problema. Não é uma

solução. Lá na fazenda, era uma solução. Não era um problema. Ele só incomoda.

Ele passa a ser traficante, faz qualquer coisa pra ganhar dinheiro. É o flanelinha, é

o não sei o quê. Ele vira um problema (Camargo, 2013).

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Camargo considera que existe uma sinalização no sentido de que a

sociedade está priorizando mais a educação, adiando a entrada no mercado de

trabalho para apostar num aumento da renda do mercado de trabalho. E levanta a

hipótese de que a sociedade estaria exigindo mais meritocracia:

acho que existe um pouco essa ideia de que a educação realmente aumenta a

renda das pessoas no mercado de trabalho. Acho que existe essa questão da

meritocracia. Eu até acho o seguinte: eu vou te falar uma coisa que eu não deveria

falar, mas eu acho que essas manifestações aí, de junho, são uma demanda por

meritocracia. O que esse povo na rua estava demandando é mais meritocracia.

Quando o cara fala assim: “saúde padrão FIFA”, ele está falando: “Precisamos ter

pessoas de qualidade oferecendo saúde pública”. É uma demanda por

meritocracia. Que é bem conservador, esse movimento. Eu posso não ter razão.

Mas, se é verdade, a minha percepção das declarações, das conversas, dos

cartazes, da forma como as manifestações aconteceram, a minha interpretação das

manifestações é que existe uma demanda por mais meritocracia. Eu acho que a

sociedade está percebendo que é muito importante você ter mais produtividade. E

produtividade é mais meritocracia (Camargo, 2013).

A crítica à qualidade do ensino está aliada à percepção que ele tem de que

o ensino não foi valorizado no nosso país por muito tempo. Furtado não falou de

educação, Brizola criou os CIEPs, mas não ultrapassou eleitoralmente obstáculos

fora do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. E conclui com a afirmação de que

a educação é mais valorizada no setor urbano que no rural:

eu converso muito com o Samuel Pessôa. De vez em quando, mesa de bar,

basicamente. Na minha avaliação, é o seguinte: eu entendo que o Prebisch não

fale de educação. Por que é que eu entendo que o Prebisch não fale de educação?

Eu entendo que o Prebisch não fale de educação porque o Prebisch é argentino.

No início do século XX, a educação na Argentina já era universalizada. Você já

não tinha mais analfabeto. Início do século XX. O Brasil só conseguiu

universalizar o acesso ao ensino fundamental na década de 1990. Paulo Renato.

Impressionante. Cem anos depois! Paulo Renato, no final dos anos 90, quando ele

era Ministro da Educação, fez um esforço enorme para universalizar o ensino

fundamental. Então entendo que o Prebisch não fale, entendo entre aspas, não fale

de educação, porque ele está diante de um problema resolvido lá no país dele.

Agora, eu não entendo que o Celso Furtado não fale de educação. A minha

interpretação, que pode estar totalmente errada, é o seguinte: eu acho que o

Brasil, a sociedade brasileira valoriza muito pouco a educação. Você, quando

você faz pesquisa de opinião, pergunta: “O que é que é mais valorizado?”, não sei

o quê, “blábláblá”, educação sempre aparece em 1o e 2

o lugar. Mas, quando eu

digo que valoriza pouco a educação, eu digo que valoriza nas atitudes. Qual o

político nacional importante que, efetivamente, valorizou a educação na história

brasileira? Só o Brizola. Que não conseguiu se eleger em nada, nada a nível

nacional, “hem”! É um político regional, Rio de Janeiro/Rio Grande do Sul.

Nunca conseguiu entrar em São Paulo. Nunca conseguiu entrar no Nordeste.

Então isso é um sintoma de que tem pouca valorização da educação. Existem

outros. Eu e o PB, de vez em quando, costumávamos brincar, o seguinte: sabe

qual a diferença entre os asiáticos e os brasileiros, no que se refere à educação? A

diferença é a seguinte: no Brasil, quando tem um temporal e os caminhos ficam

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cheios de lama, o pai não leva a criança para escola. “Pô, lama”, vai demorar pra

chegar, é difícil pra caramba, um saco, e tal, não dá para ir para a escola. Na Ásia,

se tem um terremoto, no dia seguinte o pai “tá” sentadinho no degrau da escola,

esperando a professora para dar aula. Essa é diferença. Deve ter mil razões pelas

quais isso é verdade. O Brasil era um país muito rural até pouco tempo atrás. No

setor rural, se valoriza muito menos educação do que no setor urbano (Camargo,

2013).

Pessôa comenta que a democratização foi fundamental para que se

trouxesse a educação para um ponto de destaque nas nossas decisões políticas:

eu acho que a democratização da nossa sociedade colocou a educação no centro

do debate. A gente gasta 5% do PIB com educação básica. Nos anos 30, a gente

gastava 1,5% com a básica, pública. Se eu pegar os anos 50: com um aluno na

universidade, o governo gastava o equivalente ao que ele gastava com 76 alunos

do básico. Esse número, hoje, está 1 pra 5. Então tudo melhorou muito (Pessôa,

2013).

E comenta sua discordância em relação à desbalanceada alocação de

recursos para o ensino superior:

eu fui assessor do senador Tasso Jereissati durante sete anos. Eu tenho uma

amizade longa com o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, porque nós

fomos colegas de colégio. E depois, também, fomos colegas de mestrado na USP,

então nos reencontramos diversas vezes na vida, e eu sou um entusiasta da

prefeitura dele, e acho que, inclusive, a agenda dele para transporte, para

mobilidade está corretíssima. E acompanhei o trabalho que ele fez no MEC,

tenho lá algumas discordâncias, um peso excessivo para educação superior, e

mesmo o técnico, acho muito legal o técnico, mas eu acho que o técnico (no)

modelo escolas federais não é bom. Eu acho que é melhor um modelo mais

Fundação Paula Souza, como é em São Paulo, que você faz um curso técnico

mais ligado com a produção. Mais ligado com a indústria. A escola técnica

federal, eu acho que é um “elefante branco”, uma coisa meio deslocada,

desconectada do mundo do trabalho. Quase um curso acadêmico. E acho que nas

escolas técnicas (do) tipo Fundação Paula Souza, você tem uma escola mais

ligada com a indústria. O cara que é professor lá, muitas vezes, é um técnico da

indústria. Tenho lá minhas discordâncias com o Fernando, mas eu acho que a

preocupação maior é da sociedade (Pessôa, 2013).

A educação teria passado a ter um apelo politico, e os políticos não

ficariam alheios, por diversos motivos, a essas reivindicações:

a gente vive o império do eleitor mediano, e cada vez mais. Eu sou convencido

pelo argumento do André Singer (de) que, a partir de 2006, a gente teve um novo

passo nesse processo. Antes de 2006, a gente tinha um eleitor mediano, mas este

ainda era muito influenciado pelos formadores de opinião. A gente tem um

processo de evolução da economia brasileira, da sociedade brasileira, inclusive

associada ao fato do capital humano médio ter aumentado, de as pessoas terem

mais autonomia. Terem um nível de escolaridade maior. Terem uma renda maior.

As pessoas começaram a ter uma maneira diferente de formar o seu juízo, o seu

pensamento (Pessôa, 2013).

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Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, em A classe média brasileira:

ambições, valores e projetos de sociedade, comentam a chegada de milhões de

brasileiros a um padrão mais elevado de consumo nos últimos anos. Segundo os

autores, a partir da década de 1990, a escolarização básica tornou-se praticamente

universal, e vem aumentando nos níveis médios e superiores. No entanto, ainda

temos graves problemas que “dizem respeito à qualidade da educação e à

equidade na distribuição de oportunidades educacionais, com destaque para as

deficiências dos níveis fundamental e médio” (Souza & Lamounier, 2010: 53). E

mais: os brasileiros com 25 anos ou mais em 2007 tinham em média 6,8 anos de

estudos, contra 12 anos nos países industrializados.

A educação é vista como um símbolo de identidade da classe média e

como um dos principais fatores de ascensão social. Esta percepção faz com que

melhorar a educação dos filhos seja uma aspiração dos brasileiros, e com isto

temos uma menor disparidade educacional, fruto de maior demanda por educação:

tradicionalmente, no Brasil, a educação tem sido chave na criação de chances de

acesso à classe média. Até as primeiras décadas do século XX, o ensino de

segundo grau já era suficiente para engendrar tais oportunidades. Mas a educação

vem sendo erodida como marca de classe. A vantagem relativa de que gozava a

classe média alta vem perdendo espaço em virtude da crescente demanda por

educação, estimulada por retornos mais altos de renda. Se, no passado, um

diploma de nível médio era garantia de um bom emprego, hoje exige-se o curso

superior. Com efeito, a ascensão da nova classe média está associada à queda da

disparidade educacional e de renda, o que, paradoxalmente, tornou a educação

um indicador menos preciso de posição social (Souza & Lamounier, 2010: 53).

Com os dados utilizados em suas pesquisas, afirmam que a educação tem

fator preponderante para uma vida confortável:

a educação é vista como um dos principais fatores de ascensão social. Com efeito,

sua demanda reflete os enormes diferenciais de renda que existem entre os

indivíduos mais e menos escolarizados. A quase totalidade dos entrevistados

(97%) considera que uma boa educação é fator “essencial” ou “muito importante”

para vencer na vida (Souza & Lamounier, 2010: 54).

Na realidade, com os dados extraídos do gráfico 3.2, Aspirações

educacionais (Souza & Lamounier, 2010: 58), podemos compreender a

importância que uma educação com muitos anos de estudo tem para as famílias. O

percentual de pais que desejam que os filhos tenham um nível de educação de

ensino superior ou de pós-graduação era de 96% para os pais com nível superior

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de escolaridade; 88% para os pais com nível médio; 83% para os pais com nível

fundamental; e 70% para os pais semi-escolarizados.

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