36599936 rumo ao reconhecimento da pluriparentalidade

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    Rumo ao reconhecimento da pluriparentalidade?1

    Agns Fine2

    As mudanas da famlia nos ltimos trinta anos nas sociedades

    ocidentais esto ligadas em grande parte evoluo do estatuto das

    mulheres e ao novo lugar da vontade individual na criao de

    parentesco. Conhece-se o papel das mulheres na deciso do divrcio,

    ele igualmente determinante na constituio da descendncia. Pode-

    se hoje escolher o nmero de filhos, o momento do nascimento,

    possvel tornar-se pai ou me com um novo cnjuge, sem cnjuge,

    tornar-se pai ou me sendo estril ou homossexual. A maternidade

    sendo, talvez ainda mais que outrora, constitutiva da identidade

    feminina, assiste-se ao aumento de apelos ao auxlio mdico para

    procriao ou adoo em caso de esterilidade, processos nos quais a

    vontade das mulheres ainda dominante. Ora, estes dois modos de

    tornar-se pai ou me tem por caracterstica introduzir outros pais no

    jogo. um pouco o caso, de uma outra maneira, nas famlias

    recompostas aps divrcio, onde a criana freqentemente dotada de

    um pai e de um padrasto, de uma me e de uma madrasta. Vrios tipos

    de pais sociais acrescentam-se ento aos pais pelo sangue, de modoque poder-se-ia falar em pluriparentalidades. A perspectiva

    antropolgica permite compreender em que essas pluriparentalidades

    entram em contradio com os fundamentos de nosso sistema de

    filiao e explicar assim as dificuldades de nossas sociedades em

    integrar mutaes to importantes. Comecemos de incio pela

    lembrana dos princpios que governam o sistema de filiao ocidental

    1 Vers une reconnaissance de la pluriparentalit? Esprit, mars-avril 2000, n. 273. Traduo Jos Csar

    Coimbra2 Historiadora e antroploga, professora na universidade de Toulouse-Le Mirail. Publicou com C. Neirinck,

    Parents de sang, parents adoptifs: approches juridiques et anthropologiques de ladoption. France, Europe,Usa, Canada, Paris, Lcdt, 2000 etAdoptions: ethnologie des parents choisies, Paris, Maison des sciences de lhomme, 1998. Este texto a verso resumida de uma contribuio intitulada Pluriparentalidades e sistemade filiao nas sociedades ocidentais, a ser publicada em D. Le Gall (dir) les Pluriparentalits dans lessocits occidentales, Paris, PUF, 2001. Encontram-se nessas referncias uma bibliografia detalhada.

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    antes de analisar as respostas de nossas sociedades s questes

    colocadas pelas pluriparentalidades.

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    O SISTEMA DE FILIAO EUROPEU, UM MODELO GENEALGICO

    Para ns, a filiao pela qual definido o pertencimento a um

    grupo de parentes e os direitos que esto a ele associados (sucesso,

    herana) parecem biologicamente fundados: deduz-se que ns somos

    aparentados do mesmo modo a nosso pai, nossa me, nossos quatro

    avs, paternos e maternos. Ora, esta representao da filiao que

    coincide com as leis da gentica em realidade uma escolha cultural:

    outras sociedades ligam as crianas a um nico sexo dos pais (filiao

    unilinear), o pai ou a me (filiao patrilinear e matrilinear). As ligaes

    de consanginidade no so somente biolgicas, como tenderia a

    indicar a etimologia do termo, mas ligaes socialmente reconhecidas.

    Certamente, algumas de nossas instituies reconhecem isso, por

    exemplo, a adoo plena que faz do adotado o filho de seus pais

    adotivos e o probe de casar com sua irm. Entretanto, nosso sistema de

    filiao nos leva a assimilar engendramento e filiao. Assim qualifica-se

    de verdadeira me a mulher que colocou no mundo a criana adotada

    e recorre-se s tcnicas de cunho gentico para identificar o

    verdadeiro pai de uma criana. Tambm ficamos muito surpresos

    diante de sociedades que distinguem totalmente essas duas noes.Nosso sistema ento caracterizado por sua vez pela bilateralidade (a

    filiao transmitida pelos dois ramos paterno e materno) e pela

    ideologia do sangue, este sendo entendido como o vetor de transmisso

    dos caracteres especficos, fsicos e morais, de uma mesma linhagem.

    Com efeito, a adoo desapareceu do direito de famlia ocidental desde

    a alta Idade Mdia at o incio do sculo XIX e no entra

    verdadeiramente nos costumes seno nos anos 1920.

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    At o fim do primeiro quarto do sculo XX, nossas sociedades

    tiveram poucas experincias de partilha por diversos parentes de

    funes parentais referentes a uma mesma criana3. As coisas

    mudaram muito em algumas dcadas j que, como ns o indicamos, as

    ligaes eletivas no parentesco ocupam um lugar mais e mais

    importante e valorizado - em particular o caso da adoo. Esta

    promoveu mudanas importantes nas representaes de nossos sistema

    de filiao tomado hoje numa verdadeira tenso entre dois plos, de

    uma parte aquele do sangue, de outra aquele das ligaes puramente

    sociais. Tal sistema de filiao fundado sobre isso que o antroplogo

    quebequense F.-R. Ouellette chama um modelo genealgico, isto um

    modelo segundo o qual cada indivduo sado de dois outros indivduos

    de uma gerao ascendente e de sexo diferente que o teriam em

    princpio conjuntamente engendrado, seu pai e sua me. Este modelo

    no veicula apenas a idia que a filiao um fato natural. Ele

    acompanhado sobretudo de uma norma, aquela da exclusividade da

    filiao, isto que cada indivduo no colocado em posio de filho ou

    filha seno em relao a um nico homem e a uma nica mulher. Isto

    explica as contradies nas quais se batem nossas sociedades quandocoexistem vrios pais para uma mesma criana. Que fazer dos pais a

    mais?

    A OBSESSO DA CONCORRNCIA E O TRIUNFO DA SUBSTITUIO

    3 Na Europa catlica antiga, o apadrinhamento, a filiao espiritual contratada entre padrinho e afilhado pelo

    batismo, criava entre parentes de sangue e parentes espirituais uma forma original de coparentalidade, a

    copaternidade e comaternidade. Mas os padrinhos e madrinhas so investidos de uma funo simblica que osdistingue bem daquela, nutriz, dos pais, de modo que duas ligaes de filiao no so de nenhum modo

    concorrentes. Ver Agns Fine,Parrains, marraines. La parent spirituelle en Europe. Paris, Fayard, 1994.

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    Uma primeira resposta foi a expulso4 jurdica dos genitores e/ou o

    segredo sobre sua identidade. Em nossas sociedades onde as crianas

    no tm seno um pai e uma me, em caso de esterilidade, tm-se a

    tendncia a eliminar os genitores para melhor estabelecer a

    parentalidade social. assim que se pode compreender a lgica que

    presidiu a elaborao das regras de funcionamento dos centros de

    estudo e de conservao de esperma (Cecos) que, desde 1973 em

    Frana, praticam inseminaes com doadores quando a esterilidade do

    pai estabelecida, e a implantao de embries formados com os

    ovcitos doados por um terceiro, em caso de esterilidade feminina.Paraque a fico funcione plenamente, a operao se faz em segredo, o

    anonimato do doador sendo garantido. Esta regra de funcionamento dos

    Cecos era considerada antes de tudo como necessria sobre o plano

    jurdico, a ausncia de anonimato talvez desencorajando doadores

    eventuais. Ora, a lei de 29 de julho de 1994 sobre a biotica erige o

    anonimato do doador como um dos grandes princpios qualificados como

    de ordem pblica. O doador no tem existncia jurdica, ele no uma

    pessoa, ele somente produtor de substncias, gametas, ovcitos. Este

    segredo legal favorece o segredo familiar sobre as circunstncias donascimento com relao ao qual os Cecos contribuem em sua prtica.

    assim que a equipe mdica no atende seno demanda de casais

    (casados ou em concubinato) e, no caso de inseminao de uma mulher,

    ela fornece os gametas de um doador cujas caractersticas fsicas so as

    mais prximas possveis daquelas do pai, para que o nascimento parea

    natural.

    a mesma representao exclusiva da filiao que revelam as

    prticas em torno da adoo de menores nas sociedades ocidentais.

    Aparecida na maior parte dos pases ocidentais nos anos 1920 em

    seguida Grande Guerra, ela foi apresentada como uma maneira de dar

    uma famlia aos rfos de guerra e uma descendncia aos casais

    4 O termo em francs viction, cujo significado expulso por fora, intriga.

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    estreis. Doravante uma criana podia ser criada e querida por seus pais

    adotivos como se eles fossem seus pais de sangue. Durante muito

    tempo, a adoo foi praticada no segredo, as crianas ignorando o fato

    mesmo de sua adoo. O segredo da adoo apareceu de incio nos

    EUA, o que no causa de modo algum espanto quando se conhece o

    passado desse pas tanto no que tange legislao de adoo de

    menores quanto em sua organizao concreta pelos servios sociais.

    um processo comparvel ao que se observa mais tarde nos pases

    europeus. Ele no seria imposto de um lado e do outro do Atlntico se

    ele no tivesse respondido em toda parte a um conjunto profundo de

    interesses. Ele permitiu com efeito esconder a adoo, muito tempo

    considerada como uma filiao de segunda categoria, assim como a

    esterilidade feminina, particularmente mal vivida, sobretudo no

    momento do baby-boom onde se desenvolve uma mstica da

    maternidade e onde explodem as demandas de adoo de bebs. O

    segredo possibilitava em acrscimo esconder a ilegitimidade da criana,

    mas, sobretudo, oferecia a segurana aos pais adotivos de estarem ao

    abrigo do toda concorrncia, o que os incitava a construir uma relao

    durvel com seus filhos.Em Frana, por muito tempo, a legislao protegeu as

    prerrogativas dos pais naturais at o voto em 1966 de uma nova

    modalidade jurdica, a adoo plena, que rompe inteiramente os laos

    de uma criana com sua famlia de origem. A criana perde seu

    sobrenome, entra em uma outra linhagem e perde tambm

    eventualmente seu nome. Na adoo plena, o estado civil da criana

    modificado e sua certido de nascimento afirma que ela nascida de

    seus pais adotivos, favorecendo assim a fico do nascimento natural. A

    criana adotada no ento incentivada conhecer a identidade de seus

    pais biolgicos. A adoo simples, que permite conservar a filiao de

    origem, continua a existir na Frana mas ela muito pouco utilizada j

    que, na maior parte dos pases ocidentais, essa forma de adoo

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    cumulativa no existe. Alis, existe na Frana uma instituio original

    que organiza legalmente o segredo sobre a identidade dos genitores: o

    nascimento sob X5, expresso perfeita do modelo de exclusividade j

    que a filiao da criana no estabelecida. O direito francs no impe

    uma ligao automtica da criana aos seus genitores, de modo que a

    criana, adotada o mais rapidamente possvel, no tem seno uma nica

    famlia, sua famlia de adoo. Em resumo, nas adoes de crianas nas

    sociedades ocidentais, o ideal buscado foi por muito tempo que pais de

    sangue e pais adotivos no tivessem nenhum contato e mesmo se

    ignorassem completamente.

    Em troca, as famlias recompostas aps o divrcio parecem colocar

    em xeque nosso modelo de exclusividade j que v-se a em ato a

    pluriparentalidade. Aps a separao do casal, a configurao familiar a

    mais freqente aquela onde a criana est sob a guarda de sua me e

    de seu novo cnjuge ou companheiro. A criana vive ento no

    quotidiano com sua me e seu padrasto, eventualmente seus meio-

    irmos e irms, enquanto que, periodicamente, ela vai viver um tempo

    limitado, aquele dos finais-de-semana e das frias, na residncia

    paterna, onde eventualmente ela levada a viver com uma madrasta. Opadrasto guardio assume por vezes uma funo nutriz e educativa de

    tipo paternal da perspectiva de seu enteado que ele compartilha em

    princpio com o pai e a me. As pesquisas de sociologia e de etnologia

    analisaram como a partilha das tarefas educativas, sempre

    problemtica, assumida pelos adultos num clima de concorrncia e de

    rivalidade maior ou menor, esta sendo particularmente viva entre

    mulheres (a me e a madrasta). Os estatutos do pai e padrasto, de me

    e da madrasta, so, entretanto, em princpio claramente distintos, ao

    menos no direito, que enfatiza ainda o sentido da exclusividade:

    somente os pais de sangue so os pais aos olhos da lei e o padrasto

    5 Uma mulher grvida que entra em um servio de obstetrcia pode solicitar o segredo de sua admisso e desua identidade; ela no precisa abandonar a criana, nem consentir sua adoo j que a filiao da criana no

    estabelecida.

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    mergulhado na inexistncia jurdica. Numerosos autores mostraram as

    dificuldades dessa lacuna, na medida onde o padrasto educador e nutriz

    no detm nem autoridade parental, nem possibilidade de transmitir um

    dia seus bens a seu enteado seno como a um estranho.

    Se as coisas parecem claras no plano jurdico, elas esto longe de

    ser to simples na prtica. As anlises revelam, com efeito, que, em um

    primeiro tempo, as famlias recompostas sendo percebidas

    negativamente, os servios sociais e os atores da recomposio

    favoreceram a instaurao de um modelo de substituio, o padrasto

    sendo convidado a assumir o lugar do pai ausente. Este modelo, ainda

    muito respaldado nas famlias socialmente desfavorecidas, encontra sua

    expresso ltima na adoo do filho do cnjuge, que sela sobre o plano

    jurdico a expulso de fato do pai. Esse tipo de adoo representa a

    maior parte das adoes intrafamiliares na Frana, no Canad e nos

    EUA. Na Frana, limitou-se a possibilidade de utilizar a adoo plena,

    mas em outros pases, como ela por vezes a nica forma jurdica de

    adoo, esta tem por efeito cortar definitivamente uma criana de sua

    famlia paterna, a compreendida seus avs, irmos e irms, primos e

    primas. H nesta escolha da me e do padrasto a vontade dereconstituir uma nova famlia conforme a norma de exclusividade e de

    fazer de todas as crianas, irmos e irms, iguais entre elas. Esta

    deciso tem por efeito eliminar a multiparentalidade e fazer coincidir a

    filiao legal com a realidade disso que constitui a nossos olhos relaes

    entre pais e filhos.

    Percebe-se a coerncia das respostas apresentadas s situaes

    de pluriparentalidade sempre vividas como instveis e ameaadoras:

    elas vo todas no sentido da substituio para se conformar ao modelo

    de exclusividade.

    QUEM SO OS PAIS?

    Essas coparentalidades colocam, com efeito, o problema da

    definio da categoria de pais. Quem so os pais ? Aquele que doa os

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    seus genes ou aquele que doa o nascimento? Aquele que cuida da

    criana e a cria? Aquele que lhe oferece seu nome e lhe transmite seus

    bens? Tantos componentes da parentalidade que so dissociados em

    outras sociedades, mas se recobrem at uma data recente em nossas

    sociedades. Esse ponto pareceu evidente aos etnlogos das sociedades

    extra-europias trabalhando sobre a circulao de crianas entre as

    famlias, particularmente importante em certas sociedades africanas ou

    da Oceania6. Enquanto que, em nossas sociedades, a criana pertence

    a seus prprios pais, ali, os doadores de crianas respondem geralmente

    a um tipo de direito do parentesco ascendente ou colateral

    (consanginidade e aliana) sobre a criana. Esse direito confere em

    acrscimo aos doadores um prestgio social inconcebvel em nossas

    prprias sociedades. Eles se fazem o mais freqentemente de tutores

    eles mesmos capazes de doar seus prprios filhos a outros. A noo de

    propriedade da criana, e os direitos que ela oferece aos pais face

    captao por outrem de sua progenitura, tem feito o objeto de

    anlises variadas que descrevem todas a fora dos direitos detidos

    sobre uma criana por outros indivduos que seus pais: seus receptores

    potenciais . De modo que nota-se uma fragmentao do papel parentaltal como ns o observamos nas sociedade ocidentais. A antroploga

    inglesa Esther Goody7 decompe assim a parentalidade (parenthood) em

    cinco elementos distintos: conceber e colocar no mundo, oferecer uma

    identidade ao nascimento (elemento jurdico), alimentar, cuidar e

    garantir o acesso da criana ao estatuto de adulto (acesso aos bens, a

    um emprego, ao casamento). A segunda funo parental, a transmisso

    da filiao, no se faz objeto de partilha nas sociedades estudadas pela

    antroploga, mas os outros atributos da funo parental podem ser

    dispersos entre vrios lugares e diversos indivduos. Ela mostra

    6 Ver a sntese de S. Lallemand, la Circulation des enfats en socit traditionnelle. Prt, don, change, Paris,LHarmattan, 1993.7 Esther Goody, Parenthood and Social Reproduction: Fostering and Occupational Roles in West Africa,Cambridge, 1982, e Sharing and Transferring Components of Parenthood: The West African Case, in M.Corbier (dir.),Adoption et Fosterage, Paris, De Boccard, 1999, p. 369-388.

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    igualmente como, reciprocamente, existe uma fragmentao possvel

    dos deveres da criana com respeito queles que a criaram.

    Com as pluriparentalidades novas das sociedades ocidentais, ns

    estamos em um mundo muito diferente, mas a anlise de Goody

    convida a precisar a natureza das funes parentais partilhadas. A

    partilha da residncia, aquela da funo nutriz entre pai e padrasto, me

    e madrasta, nas famlias recompostas aps o divrcio, tem sido

    analisadas recentemente nessa perspectiva8. Ns no nos espantaremos

    que as questes mais difceis digam respeito partilha do processo de

    concepo e de insero no mundo, resumo disso que ns acabamos de

    dizer de nosso sistema de filiao. O que um pai, o que uma me nas

    procriaes medicamente assistidas, na adoo?

    Ns temos, sobretudo, examinado as respostas que o direito tem

    oferecido. Em nossas sociedades, com efeito, uma instncia jurdica

    que estabelece a filiao. As definies jurdicas da paternidade e da

    maternidade no se apiam unicamente sobre a realidade gentica, mas

    tambm sobre a fico e a realidade das situaes sociais. O casamento

    faz, por exemplo, do marido o pai das crianas que sua mulher colocou

    no mundo, mesmo se estes ltimos no foram realmente concebidos porele. A declarao voluntria nos casos de reconhecimento de

    paternidade natural tem os mesmos efeitos. O direito protege muito

    particularmente as filiaes voluntrias que so a paternidade e a

    maternidade adotivas e a paternidade do homem que consentiu a

    inseminao de sua companheira ou de sua esposa. Entretanto, desde

    algumas dcadas, em particular desde o voto da lei de 1972 relativa

    pesquisa de paternidade, a referncia implcita a pesquisa da verdade,

    no caso a verdade biolgica. Suas aplicaes jurisprudenciais indicam

    que hoje,

    A filiao no mais uma construo postulada em funo de uma ligaoinstitucional, o casamento, ou de um ato jurdico, o reconhecimento: ele torna-se

    8 A Martial, Quest-ce quun parent? Etnologie des liens de familles recomposes, thse pour le doctorat en

    antropologie (Agns Fine, dir.), universit de Toulouse-Le Mirail/Ehess, 2000.

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    uma realidade demonstrvel. Ela encontra-se todavia sob o imprio da verdade,sob os dois aspectos biolgico e social9.

    Nossa sociedade tem, portanto, uma dupla referncia em nosso

    domnio da filiao, como o sublinhou F. Hritier-Aug10, isto que tem

    por efeito de fragilizar os laos de filiao11.

    Todavia, mesmo quando o direito corta claramente e sem

    ambigidade, a tenso entre o sangue e a vontade bem presente nos

    fatos. Assim, em nossas famlias nascidas da inseminao artificial com

    doador (Iad) - forma de acesso ao estatuto parental preferido adoo,

    justamente porque ela preserva ao menos uma ligao de sangue com

    uma das partes, o que liga a me criana - , a categoria de pai o

    objeto de discursos muito contrastados. Em um menor nmero de casos,

    esses pais reivindicam claramente sua paternidade social, mas mais

    freqentemente, eles exprimem uma atitude confusa de valorizao da

    paternidade biolgica, e isso tanto mais que eles no fazem o luto de

    sua esterilidade. Eles so convidados a afirmar sua paternidade social

    para melhor preservar a maternidade biolgica de sua esposa. As

    entrevistas que Corinne Trouv-Piquot12 conduziu junto s mes

    inseminadas revelam uma situao igualmente contrastada. Seguindoisso a vontade explcita da instituio dos Cecos de despersonalisar o

    doador designando-o por um termo que o associa a essa nica funo,

    algumas dentre elas retomando por sua conta essa representao, uma

    delas afirmando, por exemplo, que quer antes o doador como aquele

    que doa espermatozides do que como indivduo, uma outra

    declarando que ele no algum, antes alguma coisa. Entretanto

    elas so mais numerosas a falar dele como de uma pessoa, de uma9 Laborde-Barbangre, La filiation en question: de la loi du 3 janvier 1972 aux lois sur la biothique, in A

    Fine et C. Neirinck (dir.),Adoptions: ethnologie des parents choisies, op.cit., p. 185.10 F. Hritier-Aug, La cuisse de Jupiter. Rflexions sur les nouveaux modes de procration. LHomme,

    1985, 94, XXV (2), p. 5-22.11 Ver I. Thry (dir), Malaise dans la filiation,Esprit, dcembre 1996.12 Corinne Trouv-Piquot,Du dsir denfant Iad. Essai d analyse sociologique du processus de parentalitdans les familles Iad, tese para o doutorado de sociologie (D. Le Gall, dir.), universidade de Caen-Basse

    Normandie, 2000.

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    parte, porque ele aquele que as torna mes e com quem elas se

    sentem em dvida por sua vez (sem ele, eu no teria podido jamais ter

    minha filha, ento ele estava to presente quanto meu marido ao

    nascimento ou: no momento do nascimento, eu o teria abraado, ele

    teria o seu lugar...), de outra parte, porque os pais se interrogam

    permanentemente sobre a questo da hereditariedade fsica13 e moral

    de seu filho. No dispondo do termo genitor, til aos pesquisadores em

    cincias sociais por sua preciso, essas mes utilizam aquele da lngua

    corrente que assimila concepo e paternidade, de modo que essa dupla

    paternidade no pode ser descrita seno em termos de concorrncia.

    Se o doador fosse conhecido, ns nos encontraramos verdadeiramente

    frente aos pais, diz uma, enquanto que uma outra leva a confuso ao

    seu paroxismo quando declara:

    Para ela [sua filha], se eu lhe digo que seu pai foi um doador, ela ir querer talvezconhec-lo e como annimo, ela se colocar questes por nada [...] ele [seumarido] o pai, de todo modo. Eu penso que no se oferece nada a uma criana aocontar-lhe, aps tudo, que ele no seu pai, enquanto que o outro, finalmente, noser jamais seu pai.

    Na adoo na Frana, a concorrncia conjurada pelo segredo

    sobre a identidade dos genitores e, sobretudo na adoo internacional,

    pela distncia e pela inexistncia de contatos diretos com os pais de

    sangue. A situao de rivalidade fantasmtica vivida mais

    intensamente pelas mes que pelos pais, porque a maternidade

    comumente associada ao parto, e no h quase nunca questo do pai de

    sangue nos processos de adoo. Numerosos so os adotantes que nos

    revelaram preferir no conhecer aquelas que eles mesmos chamam de

    verdadeiras mes, e que eles tinham sentido uma mistura de mal-

    estar e de fragilidade no momento onde elas se encontravam no avio

    de retorno com a criana adotada nossos braos; mal-estar, pois, dizem

    alguns dentre eles, isso parecia operar um tipo de rapto da criana;

    13 O entusiasmo expresso quando a proximidade fsica entre o pai social e a criana existe equivalente inquietude que precede o nascimento. A constatao de uma semelhana entre pai e filho uma condio de

    manuteno do segredo desejado pela maioridade dos pais.

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    fragilidade porque eles sabem que esse momento, eles no tinham mais

    a temer seno que o retomassem. O anonimato e a ausncia de

    contatos permitem representar uma criana sem ligao; ela menos

    aquela de uma me, que aquela rf de tal ou qual pas. Esta imagem

    permite deslocar o problema de origem genealgica da criana sobre

    aquela de sua origem geogrfica14. Sero conservados ento

    sistematicamente os traos do pas da criana, a falta de lhe conservar

    sua filiao de nascimento, simbolizado pelo seu nome e sobrenome. Na

    adoo, v-se que o que se faz objeto de uma concorrncia entre pais

    de sangue e pais adotivos menos o estatuto jurdico de pais

    (reconhecido pela lei em benefcio dos pais adotivos, sem nenhuma

    ambigidade) que o reconhecimento, encarnado pela presena real de

    pessoas conhecidas, de uma dupla forma de colocao no mundo da

    qual um ou outro casal no o nico ator. V-se toda a importncia que

    poderia revestir um reconhecimento simblico da pluriparentalidade na

    adoo, ao menos um reconhecimento da existncia de pais sucessivos,

    ao manter-se, em acrscimo ao patronmico do adotante, o primeiro

    patronmico da criana, como era o caso na adoo grega e romana e na

    adoo francesa at 1939. Pode-se medir tambm a caractersticaextraordinria que representa a adoo aberta nos EUA e Canad.

    RUMO A UM RECONHECIMENTO DA PLURIPARENTALIDADE?

    Assiste-se com efeito desde h alguns anos, sobretudo nos EUA e

    Canad, a um movimento que vai no sentido de um reconhecimento

    legal de situaes de pluriparentalidade. Ele o resultado da ao de

    grupos de presso em favor do interesse da criana, ao qual so

    reconhecidos novos direitos: o direito a ser criado pelos pais substitutos

    conservando laos com sua famlia natural, o direito manuteno de

    seu nvel de vida e de sua s ligaes eletivas, ou aquela de conhecer

    suas origens.

    14 F.-R. Ouellette, lAdoption. Les acteurs et les enjeux autour de l enfant, Sainte-Foy (Qubec), Presses de luniversit Laval, coll. Diagnostic, 1996.

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    Evoquemos de incio a questo do lugar respectivo do pai e do

    padrasto nas famlias recompostas aps divrcio. Nos pases anglo-

    saxes, busca-se encontrar solues jurdicas que permitam criana

    conservar laos com seus dois pais biolgicos, estabelecendo novos

    laos com seu padrasto. No Reino Unido, o Children Act de 1989 (que

    entrou em vigor em 1991), fundado sobre a noo de responsabilidade

    parental, concede ao padrasto, que se ocupa quotidianamente de uma

    criana desde ao menos dez anos, os direitos e deveres legalmente

    reconhecidos, at os 16 anos de vida do mesmo. Esses direitos e esses

    deveres no colocam em causa os dois pais legais da criana. Alis,

    constatando a freqncia crescente da ruptura das segundas unies na

    sociedade americana e o nmero importante de crianas que se

    encontram lesadas materialmente pela partida do padrasto que

    subvencionava a sua manuteno, juristas fazem proposies para lhe

    atribuir o estatuto jurdico de pai de fato, estatuto que criaria para ele

    obrigaes especficas, proporcionais ao tempo da assuno dos

    encargos materiais de seus enteados. Isso seria uma maneira de

    reconhecer que o tempo de coresidncia e a situao de pai nutriz criam

    um tipo de parentalidade entre adulto e criana que precisoreconhecer e, em certa medida, institucionalizar no interesse da criana.

    Na Frana, as proposies de Irne Thry15 ao governo propondo

    preservar a responsabilidade prpria do pai, visariam permitir ao

    padrasto exercer, da perspectiva de seu enteado, algumas funes

    parentais relativas vida quotidiana e de lhe legar seus bens de

    maneira preferencial (suprimindo as antecipaes fiscais sobre as

    doaes entre estranhos).

    O reconhecimento da pluriparentalidade no somente ligada ao

    lugar, sem dvida importante, das famlias recompostas em nossa

    sociedade. Ela foi tambm pautada pela relevncia crescente da

    15 I. Thry, Couple, filiation et parent aujourdhui. Le droit face aux mutations de la famille et de la vieprive. Paris, Odile Jacob, 1998.

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    questo identificatria que se exprimiu sob a forma reivindicativa de um

    direito da criana ao reconhecimento de suas origens, para a criana

    adotada ou aquela nascida por procriao medicamente assistida. Nos

    EUA, as associaes de adotados e as associaes dos pais naturais que

    abandonaram seus filhos e lutam pelo reencontro com elas, fazem

    presso sobre a opinio pblica, tendo obtido mudanas significativas,

    em particular no direito e na prtica da adoo. Desde uma ou duas

    dcadas, nos EUA e Canad, passou-se com efeito de um modelo

    fechado, fundado sobre as idias mestras de ruptura total do lao de

    filiao, do anonimato das partes implicadas e do segredo dos processos

    de adoo como atos de estado civil original, a um modelo aberto

    conhecido hoje como open adoption. A Frana, contrariamente

    Inglaterra e Alemanha, permanece provisoriamente afastada dessa

    evoluo bem que, desde vrios anos, a apario de mltiplas

    associaes de luta pelo direito s origens deixa antever uma evoluo

    no mesmo sentido.

    A adoo aberta significa que se favorece o interconhecimento

    entre os genitores e os pais adotivos, sob as formas mais variadas, as

    quais vo do simples conhecimento de sua identidade frequentaoregular (com direito de visita reconhecido), o contrato sendo negociado

    entre os participantes. Alm do objetivo explcito - evitar os problemas

    de confuso de identidade para o adotado no momento da adolescncia

    -, esse movimento revela uma outra funo mais escondida:

    interromper a diminuio do nmero de crianas adotveis oferecendo

    um lugar maior s mes naturais. A possibilidade, para estas ltimas, de

    poder escolher os pais adotivos de sua criana e de no cortar

    definitivamente todo lao com ela favoreceria com efeito sua deciso de

    consentir sua adoo. A maior parte das adoes de bebs se faz nos

    EUA em agncias privadas sobre a base dessa abertura, particularmente

    buscada pelos pais naturais, enquanto que as agncias pblicas que

    mantm a adoo tradicional fecharam suas portas umas aps as

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    outras. Para o momento, a legislao muito diferenciada conforme os

    estados: um pequeno nmeros dentre eles, tais como a Califrnia e a

    Virgnia, exigem que todas as partes troquem informaes

    identificatrias, mas, na maior parte dos estados, as modalidades de

    interconhecimento so deixados discrio das partes.

    No domnio das procriaes medicamente assistidas (Pma), um

    movimento de opinio vai no mesmo sentido. Na Frana, por exemplo,

    desde alguns anos, os psiclogos que acompanham os casais

    requerentes de uma inseminao com doador incitam aqueles a no

    manter as pessoas prximas e a criana na ignorncia de sua origem.

    Quanto ao anonimato do doador ou da doadora de ovcitos, parece

    haver uma contradio com a afirmao pela Conveo internacional de

    Haya do direito das crianas em conhecer sua origem. Os debates atuais

    deixam pensar que pode haver uma modificao sobre a lei de julho de

    1994 sobre a biotica. Face s certezas francesas sobre o segredo, os

    EUA fazem o papel de experimentadores, alguns diro aprendizes de

    feiticeiros, autorizando prticas que vo de encontro lgica do nosso

    sistema. A prtica das mes portadoras, autorizada em vrios estados,

    tona impossvel a eliminao dos genitores. Reportagens de televisomostram no momento do parto, cercados pelo casal ao qual elas

    prometeram a criana, e aps o nascimento, os vemos por vezes manter

    relaes de amizade com a famlia que elas contriburam para a

    formao.

    Enfim, os debates recentes sobre as reivindicaes do direito

    adoo de casais homossexuais tm trazido tona diferentes

    coparentalidades daqueles experimentadas hoje. Bem que elas no

    sejam ainda muito numerosas em Frana, sua grande diversidade

    constitui sem dvida hoje um dos terrenos mais ricos a observar desse

    ponto de vista, na medida onde as situaes de pluriparentalidade a so

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    a regra por definio, a parentalidade e a conjugalidade sendo quase

    sempre dissociados16.

    No caso onde as crianas so de uma unio heterossexual anterior

    e que um dos pais vive agora com uma pessoa do mesmo sexo, a

    questo do estatuto do padrasto ou da madrasta lembra aquela das

    famlias recompostas colocando problemas especficos. Quando as

    crianas so adotadas por uma nica pessoa (como a lei as autoriza)

    mas so criadas e por vezes desejadas por duas pessoas do mesmo

    sexo, se coloca o problema do estatuto do pai substituto, regulado em

    certos pases por aquele de pai adotivo. Quatro pessoas podem estar na

    origem do nascimento de uma criana: um casal de pais biolgicos,

    composto de uma me lsbica e de um pai gay e seus parceiros

    respectivos. Essa coparentailidade, freqentemente praticada nos EUA

    coloca o problema do lugar de cada um dos atores da construo das

    diferentes parentalidades, de suas relaes com a filiao de sangue e a

    coresidncia.

    Enfim, crianas nascem tambm de Pma ou de recurso a mes

    substitutas. o caso sobretudo da adoo internacional j que a lei, na

    Frana, probe os Pma s pessoas celibatrias ou homossexuais, assimcomo o recurso s mes portadoras. Mas esta prtica j relativamente

    respaldada em certos estados dos EUA e faz o objeto dos primeiros

    estudos em cincias humanas e sociais. Tantas situaes que colocam a

    questo do lugar respectivo de cada um dos adultos que concorrem

    concepo, colocao no mundo e educao das crianas, na lei e

    nas prticas.

    PARENTALIDADE E FILIAO

    As reivindicaes da adoo nas famlias homoparentais, os

    debates ligados s relaes entre pais de sangue e pais sociais nas

    famlias Iad e na adoo, as questes relativas ao estatuto a ser

    concedido ao padrasto nas famlias recompostas colocam todas a

    16 M. Gross (dir).Homoparentalits. tat des lieux. Paris, Esf, 2000.

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    questo da relao entre filiao (descent) e parentalidade

    (parenthood). Esse neologismo, criado recentemente nas cincias

    sociais e humanas - essencialmente a antropologia e a psicanlise17 -,

    recobre o campo das relaes pais/filhos, mas uma parte somente

    daquele do parentesco (kinship). Essa noo e a palavra que lhe

    corresponde no existem em direito j que ele no conhece seno os

    termos sexuados de pai e me, relativos filiao, seja a inscrio de

    um indivduo em uma organizao genealgica - um sistema de

    parentesco. Ora, a anlise da evoluo do direito e da prtica da adoo

    conduz a fazer a constatao de que a segunda noo tem tendncia a

    recobrir a primeira, o que significa que a ligao pais/filhos tende a

    ocupar todo o espao da filiao. Como o exprime mais precisamente F.-

    R. Ouellette18, opera-se atualmente uma desimbricao conceitual entre a famlia de

    uma parte e a organizao genealgica do parentesco de outra parte, duas esferas dotadas de

    uma autonomia relativa cujas relaes recprocas mudaram.

    A anlise da evoluo histrica da instituio familiar, do direito

    familiar, das representaes da famlia e da criana, aquela enfim da

    definio do incesto nas famlias recompostas confirmam totalmente

    essa anlise.Ento, reconhecendo-se que uma criana pode ter

    simultaneamente ou sucessivamente em sua vida vrios adultos

    exercendo ou tendo exercido por sua vez funes parentais, podem ser

    apontadas as seguintes questes: seriam eles institudos igualmente

    como pais e mes no sentido jurdico (filiao)? Independente do sexo?

    Se no, quais dentre eles devem dar criana seu estatuto jurdico? Em

    qual famlia no sentido genealgico (linhagem) a criana inscrita, aquem aparentada e de quem deve portar o nome? Os direitos e

    obrigaes de manuteno podem ser divididos entre vrios adultos? A

    filiao deve ser automaticamente ligada ao nascimento? Ou bem

    17 Como o lembra G. Delaisi de Parseval em M. Gross (dir)Homoparentalits...., op.cit.18 Ver em particular, a propsito da adoo, as contribuies de F.-R. Ouellette e C. Neirinck em Parents desang, parents adoptifs..., op. Cit.

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    deciso de colocao no mundo? A uma declarao solene das pessoas

    que desejaram o nascimento? Deve-se admitir que algum possa mudar

    de filiao? Quem pode ter disso a iniciativa? Tantas questes

    numerosas e imensas, sobre as quais tanto melhor se pode refletir

    medida que a anlise permita precisar, separando-as, as duas noes de

    filiao e de parentalidade.