caballeros solitários rumo ao sol poente - xico sá

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    Todos os direitos esto liberados para reproduo no-comercial. Qualquer parte desta edio poser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja mecnico ou eletrnico, fotocpiagravao, etc., bem como apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, desde que notenha objetivo comercial e seja citada a fonte (autor e editora), traduo e prefcio.

    projeto grfico Pinky Wainer produo grfica GFK

    i s b n 9 7 8 8 5 6 0 0 5 4 0 7 7

    N ih i l obs t a tI m p r i m a t u r

    ANO DA GRAA DE 2007

    Editora Clara Ltda.Rua Melo Alves, 278CEP 01417-010 SP SP BrasilTel. 55 11 3064 8673

    www.editoradobispo.com.br www.dobispo.zip.netwww.videolog.com.br/editoradobispo

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    CABALLEROS SOLITRIOS RUMO AO SOL POENTE

    {romance}

    xico s

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    PRLOGO {ON THE ROCKS} PARA O LEITOR SALTA-PGINAS

    At a mais analfabeta das traas dos sebos deste pueblo sabe que os prlogos feitos para serem pulados como cercas de um latifndio, cancelas de rodagem ou barreiras de provas hpicas.

    Um volume que tem como personagem principal um cavalo, jamais um bpedenem mesmo um corvo miservel e agourento, para ser lido mais aos pulos ainda.

    (...)Insisto, porm. A teimosia a espada nua de um escriba, na velha lio de

    Lazarillo de Thormes, parente muy longnquo pero distante apenas no tempo e nosmapas, insisto, digo, em uma nobre e cerimoniosa advertncia:

    No hay libro, por malo que sea, que no tenga alguna cosa buena.Ou seja, em livre traduo deste portunholista selvagem que no vale um falso

    guarany em cdula rasgada: at mesmo no mais odivel dos compndios poderemos pescar alguma nobre manjuba perdida nos mares gutenberguianos.

    Eu bebo sim em Lazarillo de Thormes e em todos os pcaros que os castelhanoestrelados ostentam.

    Bebo sem culpa alguma porque o misterioso autor de fabuloso volume picares j estava a beber no sbio Plnio, o Velho, naturalista romano, algo semelhante cujamemria carcomida por bebedeiras tantas no me permite um registro mais honesto.

    (...)

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    S o leitor que salta me importa, disse, pelo que entendemos do seu escorreitocastelhans, voz mida, o recm-chegado taberna dos bravos cavaleiros forjados a ferro, bronze e esquecimento.

    Ao leitor que pula pginas me dirijo. Asseguro-te que lestes todo o meu romancesem te dares conta, te tornastes leitor seguido tua revelia, medida que vou te contando

    tudo dispersamente e antes de iniciar o romance. Comigo, o leitor que salta quem mais searrisca a ler seguido, deu tintas finais tese-chiste, era de fala pouca, voz mida, donMacedonio Fernndez, egresso da provncia de Buenos Aires, ainda com cheiro de estradas emargens perdidas.

    Don Diegues de la Verga, muy amable, astronauta dos chacos paraguayos, bebia oseu composto de sete ervas guaranys ao lado do impagable Domador de Yacars, filsoforupestre, verdadeiro xam como todo poeta da trplice fronteira.

    El Domador hablava algo sobre a verossimilhana ou no do amor e as suas possibles malasartes.

    Bievenidos, comancheros!

    Donde outro forasteiro, novidade em nuestra tertlia, pula do seu mstico biombocom os segredos tpicos daquelas criaturas que vm de longe, muito longe, ponha longenisso, de las tabernas do fim dos mundos:

    Se vocs quiserem que eu conte, eu conto, mas tm de me pagar uma bebidaantes, para que eu possa molhar a prosdia e agradar mi suerte, diz o sr. Steven Brust,chamemos assim o distinto viajante igualmente empoeirado.

    Sabe-se que o sr. Steven Brust toca bateria e dumbek, aquele tambor rabe dadana do ventre, numa banda gypsi-punk dos mundos tambm finais. O distintocavaleiro, conforme a mstica, sempre muda de nome para fugir das groupies-motosserras, aquelas garotas selvagens dos trpicos que decepam todos os paus, troncos e

    membros dos seus dolos estrangeiros. Na tempestade, Steven Brust estica a mo na janela com o seu copo longo deusque, enchendo-o de granizo at as bordas. Celebra a vida nos trpicos, onde se diverte,deixando para trs o passado de menino criado num castelo escuro. Agora tem o sol o diainteiro para brincar com as mungangas da prpria sombra.

    Steven tambm bebe previsveis cowboys quando a melanclica besta-fera dolusco-fusco embaa seus culos verdes com a poeira do amor ou da ira.

    Steven Brust tem aquele jeito de cigano hngaro, o que dizem, mas comonunca vi um cigano hngaro na minha frente, Steven continua a ser apenas aquele escribavagabundo que encontrei na seco Luz, stio deste pueblo, do Sandmans Drinks, clebreno recinto por trocar boas histrias e solos de dumbeck por bebida e sexo. O que mais odiverte nesta vida contar com a musa da encomenda e a velha da foice a bafejarem prazos fatais no juzo, pequenas biografias de assombraes nocturnas. Tnhamos amesma impresso sobre o mundo, alm do mesmo ofcio, pelo menos o que me ficoucomo areia especulativa na ampulheta do enferrujado cocoruto.

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    Anjos e demnios habitam as coincidncias, disse a nuestra garota prediletacujos olhos saltavam melanclicos peixes de gua doce e aquela fagulha de beleza qhabita a alma dos esquizofrnicos desta selva. Tinha o dom tambm, igualmenteextraordinrio, de fazer pedras de gelo virarem betas, rumble fish, nos drinques colodos forasteiros.

    Viejo cigano, te pago todas, nos vemos mais adiante na taberna do sr. Knut, nidas melhores narrativas dos seres fantsticos aos quais restam apenas histriasesburacadas como os seus prprios fgados bolaos.

    Cavaleiros nativos e viejos freqentadores, perdoem-me, mas queria fazer ashonras bblicas, imbatveis filhos prdigos, aos recm-chegados de outras fronteiras perdidas. O amor aos deserdados cativos, porm, o de sempre. Aguardem os prximinformes de la calle e as aventuras de um cavaleiro que sabia, mais do que nunca, quvida, a cada dia, tem cada vez menos o aroma do triunfo e cada vez mais o gosto de plvora de um perigoso beijo em uma comprometida dama deste e de qualquer outro pueblo dos orgulhosos e destemidos bigodes de latinoamrica sangue-quente.

    Esta a verdadeira histria, balada, fulgor e quase morte, dantes fosse, doscavaleiros solitrios.

    Don Augusto Sombra, cronista de costumbres, bigrafo e andarilho, San Pablo de Piratininga, maio do ano da graa de 2006, uma das noites pontuadas pelos massivosataques dos Gngsteres do Sol Quadrado.

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    PARTE I - Na escadaria do manicmio iluminadoeu ouo o sino com farpas sacudindo a pradaria

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    Cap. I - Donde lentamente adentramos o bosque e especulamossobre nossos prprios demnios

    No havia sequer um co desplumado e lazarento a lamber a bocarra do cavaleirsolitrio. A dentio mais parecia uma espiga de milho atacada pelos famintos pssaros d bosque escuro.

    Se o ilustrssimo Sat se fazia presente, pouco sabemos, no havia nada deextraordinrio que o entregasse quela altura. Muito menos algum pacto secreto.

    evidente que o cavaleiro gostava de contar para os desalmados da taberna do sr. Ka histria de O Mestre e Margarida(1), na qual o diabo se apossa, elegantemente, de todafreguesias e criaturas daquele pueblo mui distante, mui gelado...

    At o gato preto do sr. Knut miava como se cantasse um indecifrvel blues nessa hode maneira a assombrar mais ainda aqueles refugos bbados na taberna da chance alguma

    Os desalmados ouviam gargalhadas nervosas, mas tinham dvidas se lhes pertenciam tais gargalhadas.

    Ali sobravam apenas ecos de gargalhadas antigas guardados entre o destampar e oudas pingas que comem fgados e memrias como burgueses franceses devoram foie-gras.

    As cobras dos garrafes de envelhecidas bagaceiras faziam daquele antro um pesad

    desenhado sob encomenda, antes do sono impossvel.Quem estivesse encostado s paredes ouvia vozes com sotaque tpico de quem voltmundo, mas ainda vaga sem corpo por esse vale de lgrimas doravante conhecido comoBaixada do Glicrio y arredores.

    O diabo, porm, no estava por perto, aquelas almas no mais lhe interessavam, mecomprar seus fajutos faustos, como se gabava o aliteratoso elemento, nas baciadas do exde reserva das filas de segunda ou na Bolsa de Mercadorias & Futuro.

    (1) Il Maestro e Margherita, como preferia traduzir o cavaleiro, trata-se de um romance do ucraniano MikhailAfanasievich Bulgakov (1891-1940).

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    Nem mesmo os morcegos em festim sob as copas das rvores do bosque noticiavam,quela noite, a presena do demo, no que o cavaleiro de alma perra, na inrcia da sua ressacmonstruosa, mirava, calmamente, o cavalo lunar de So Jorge refletido na poa em cmeralenta. Tentava mont-lo a todo custo, debalde, en vano, como narraria tempos depois a este

    bigrafo de mal-assombradas criaturas de la noche.

    O silncio a zoada mais demonaca e buliosa dentro da cabea de um homem, pensava coisas siberiosas, odiava aquela hora, lusco-fusco, ngelus, alm muito alm do jiboiamento precioso, as vozes no juzo de todos os pentecostes no-ditos, benzia-se num geautomtico das mos ainda governadas por foras do mamulengo de dipo.

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    A vida um pangar paraguayo que nos pega na curva, cismava ainda o cavaleisolitrio, desembestadamente, capaz de transformar a mais encorpada blis que escorriacanto da boca em gracejo ou chiste; eis a vantagem suprema de quem j havia perdido tque um homem pode perder neste deserto.

    As gargalhadas nervosas no escondiam lgrimas russas. Era a vida-vidinha, senho

    ordinria, minscula como um anzol de pegar manjubas como se fossem Moby Dicks, bal para a fartura de nuestra lngua gracilianssima.Ningum ampara o cavaleiro do mundo delirante(2), ouviu uma voz ao longe. A v

    se aproximava com as correntes da friaca. Ningum ampara o cavaleiro do mundo deliraa voz se repetia. Nin-nin-gum-gum... am-am-pa-ra..., agora como se o vento fizesse uscratch sobre um vinil, 75 rotaes por minuto, na vitrola da ante-sala do inferno.

    No havia um co feridento a lamber-lhe os beios e muito menos um problema aatormentar a vida do cavaleiro que se despedira, h tempos, das marmotas da glria e damaciez das falsas plumas.

    No havia uma testemunha com olhos de sugadores corvos, apenas este bigrafo

    espreita, por dever de ofcio, e um gigante e leso traveco recm-chegado de Espanha que batia ponto na parte mais erma do bosque.Bem-aventurados os que perdem de vez o rumo, estes herdaro apenas o desassos

    particularssimo dos seus prprios e solenes blues, o cavaleiro tangia os morcegos com ochapu negro de cowboy sem nome. No mximo ouviro uma voz ou outra a lembrar-lhintil verdade dos poemas, agora o cavaleiro dava um tapa em uma ratazana que roa-lhedobradias das janelas dalma e suas remelas pessoanas.

    Agora o cavaleiro imagina-se tocando um banjo melanclico que ri da vida, como u balada de Bob Dylan no paraso perdido.

    Agora o cavaleiro pensa que Tom Sawyer, pescando no rio do Bronx.

    Agora o cavaleiro copia a autobiografia de Lawrence Ferlinghetti e ouve um sermrocknroll com direito a trombone no solo desta noche.O cavaleiro viaja todos os mundos, quando lava os olhos nas turvas guas do bosq

    do parque da Luz.Agora o cavaleiro leva uma vida mansa, lendo os classificados das criaturas que n

    levam jeito para a coisa doravante denominada bida nueves fuera nada.Restaurar sonhos no me interessa, minha ourivesaria outra, o cavaleiro resmun

    para o olho do Monstro da Piedade que pastoreia nos derredores, disposto a gastar toda aremela crist com os piores trastes da rea.

    Profisso: tenho vagueado nas pradarias de la noche.

    (2) Embora o cavaleiro atribusse a Jorge de Lima (1893-1953), a memria havia sido carcomida pela sndrome deKorsacov, trata-se de um verso de Overmundo, poema de Murilo Mendes (1901-1975)

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    Uma mulher ainda sem nome, pernas no to grandes pero alongadas por lindas botasem couro de lagartos vulcnicos, ojos cortados com navalha de co andaluz...

    Esta mujer est por perto e capaz de fazer boiar na travessia melanclica dos seus

    zolhinhos at mesmo o mais babilonizado dos cavaleiros deste pueblo.Se o desejo envelhecido dos kabrones por esta chica destilasse de uma hora para outradaria no melhor usque cowboy do fim dos mundos.

    Ela traz marcas de agulhas, fabriquetas coreanas de confeces e uma tatuagem deSimon Bolvar nas costas.

    O nome de um filho tambm tatuado pelo prprio pai, que se perdeu na selva escura dCochabamba.

    Juan, eis o batismo do chico. No, ela no est triste, mesmo ouvindo uma cancin desesperada de La Lupe.Teatro, tu s puro teatro... falsidade ensaiada, estudiado simulacro.

    Agora ela ouve Johnny Cash ladeira acima, como num trote de uma bela gua que fogdo barulho dos fogos de artifcio:Cry,Cry,Cry...

    (...)Benvenido Granda, um bolero:

    Eu vengo a la barra a tomar un tragoA ver si con eso puedo disipar La angustia que llevo dentro de mi alma

    a ver se consigo tu amor olvidar...Uma guarnia...

    O relato desde o manicmio do grupo Querembas, rock pesado da sua Bolvia natalci(...)Chavela Vargas canta Luz de luna, ela no imaginava que a faixa estava na lista, no

    pode ouvi-la sem machucar-se um pouco mais.

    Os cus minguam por alguns minutos, Saturno em virgem, ela especula com os astroSu horscopo naquele dia, Sagitrio, segundo um ex-astrlogo del Clarin com o qual

    teve um romancito ac en San Pablo:Amor: Auspicioso. Deja atrs el rancor y expone sus necesidades sin perder la

    confianza. El amor fluye con naturalidad. Despejar dudas logra suavizar tensiones y ayudarlos reencuentros que permiten abandonar la soledad. Busque encuentros sin mucha exigncSalud: Haga ejercicios de elongacin. Sopresa: Com um cambio de actitud supera escollos.

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    Agora renova o gloss-urucum no espelho das ruas.Pensa nos homens como um cemitrio de sapatos que poderiam estar naquela vitrinOs homens so apenas um cemitrio de sapatos que ficam embaixo das camas,

    enquanto nos comem ou nem isso.Sapatos de bicos finos.

    Sapatos bem engraxados.Sapatos sujos na poeira do trabalho e dos dias.Sapatos cujos bicos j pedem gua.Sapatos de todos os nmeros.Quantas vezes, como num mergulho, numa vertigem, avistara aquele cemitrio de

    homens mortos de vspera na sua memria.Os homens j sobem mortos para as nossas camas, pensava ela.Ela sempre gostou de dormir bem na beirada da cama, quase como se imaginasse q

    cairia dali em sonhos e seria levada por mares artificiais de filmes de Fellini.

    (...)Naci para llorar, com Roberto Carlos, no portuol levemente selvagem e casto de

    vossa majestade enquanto rei de la juventud brasilea.(...)

    Agora, como se o lindo rabo fosse la rendecin das dores do mundo, a pequena criarebola, saltos no horizonte, com Walk On The Wild Side, do viejo Lou Reed, o hino de las calles do universo, seu mundo.

    Ela ouve uma antologia ecltica que abarca vrias fases do seu quarto de sculo ssigno de Sagitrio.

    Quando vai se aproximando mais uma vez dos becos das trevas, volta a ouvir aquelRoy Orbinson, que descobriu recentemente em uma pelcula:

    Llorando por ti,/ llorando por ti,/ y t lo dijiste tan claro/ y me deixaste tan solo/ sollorando/ llorando, llorando, llorando...

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    O inferno sobre botas se aproxima.

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    Cap. III - Do recurso do mtodo ou como escrever a biografiados fracassados

    tempo de tudo, menos de contar as desventuras dos perdedores, melhor, dos refugque vagam no mundo sem encontrar mais sequer o rodzio ingls das suas operrias camaquentes. O destino, todavia, com a sua mo peluda e invisvel, delegou a este cronista decostumbres o penoso ofcio, ofcio por sua vez to obsoleto quanto o jejuador profissionahomem-bala, o calgrafo, o faroleiro, o amolador de facas, o taxidermista...

    Apresento-me orgulhosamente como bigrafo possvel dos refugos do mundo queencontraremos pelas ruas, nuvens de cachimbos fatais, becos e tabernas deste pueblo.

    Velho Charles Dickens, aqui no haver esperanza, a no ser que algo, no calor da hdeste reprter-bigrafo, mude o rumo das coisas.

    Um bigrafo. No um simples catalogador ou fria alma com pendores estatsticos.Um biografo passional, por supuesto.Um Daniel Defoe no seu Dirio do Ano da Peste?(3), provoca o amigo inseparvdon Fracasso Morales, que faz temporal de perdigotos nos meus culos-pra-brisa de mod

    obnubilar-me. Te gusta los miserables, non?, sempre a copiar algum modelito, hein, seuaproveitador de assombraciones da Zumbilndia, o desgraado ainda fala no portunhol qaos poucos, ainda inexplicavelmente, tomava conta de la calle quela altura.

    No basta os lambe-lambes que retratam o miserere-nbis?, seca os beios com alngua depois de mais uma aguardente envelhecida nas ancoretas do sarcasmo.

    Donde Fracasso Morales aproveita para humilhar mais ainda este bigrafo:Seu Manaco do Trechinho, sempre a copiar, sample ao infinitum, pedaos,

    fragmentos, intimidades, delicadezas... Que coisa feia: at o teu Complexo de dipo com

    me alheia!

    (3) Naquele instante, don Fracasso Morales, capaz de decifrar em segundos qualquer truque ou armadilha deescolha narrativa do amigo bigrafo, acabara de tirar o pirulito da boca de uma criana, no que o bigrafo, puto da bida, obrigado a mudar de rumo e referncias, por supuesto, bamus nessa, trata-se de um invencible caballero.

    Desde j peo-lhes as devidas desculpas, perdes e cerimoniosas vnias pela demoromantismo que possa empregar nos retratos destas criaturas. No aceitaria o peso daencomenda sagrada caso estes gales de tinta fresca me fossem subtrados.

    Se um desalmado, numa noite de inverno, toca a sua caneca de aguardente em outracaneca de aguardente e celebra, beira de uma fogueira, o fiapo de vida que teima em malo vivo, l que estarei por perto doravante, onipresente, melhor, ubquo qual Santo AntnPdua, testemunha bipolar da histria, donde as duas canecas fazem o brinde qual o fiat lShazan, aquele milagroso berro selvagem de um stio mui distante.

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    Cap. IV - Dos esquecidos, los olvidados

    Quis o destino, este virtuoso maestro do bvio, que o velho e negro gato fosseesquecido no sto da casa pelos donos sem memria. Ali sobrou tambm um rato, o mesmoque agora avana sobre a ratoeira armada cuja isca um corte de queijo atacado pelos vermO gato, com o seu apuradssimo senso de justia, impede a morte do inimigo histrico. No justo morrer por um pedao de queijo apodrecido. Para salv-lo da morte injusta, o gato foiobrigado, porm, como determina a ordem natural das coisas, a devorar o rato.

    Os mal-assombros da taberna do sr. Knut, Knut Petersen(4), onde o crach de acesso um rosrio de fracassos nem sempre naturais e explicveis, ouvem a historieta ali contada poum ex-funcionrio da firma responsvel pela demolio do antigo imvel dos arredores.O ex-funcionrio chegou ao local do suposto crime quando o gato ainda sufocava o rato eentendeu que no havia o que fazer diante da ordem natural das coisas, apenas salvar o felinda demolio do antigo imvel.

    Ningum na taberna toma como fbula moralista o episdio. Era apenas a historieta d

    um velho e negro gato abandonado pelos donos sem memria que salva da morte injusta umrato atrado por um pedao de queijo da ratoeira esquecida no sto. Os zumbis apenasmiram, agora em silncio, o velho e negro gato que salta sobre o balco por desconfiar queera sobre ele que girava a conversa na taberna, naquele instante.

    (4) Por mais que se esforasse, o sr. Knut no convencia os msticos admiradores de Knut Hamsun (1859-1952) deque no haviam laos, nem sanguneos e muito menos espirituais, entre ele e o autor dos lendrios Fome e Um vagabundotoca em surdina.Alm de ser um batismo comum na Noruega, dizia, o nome original de Hamsun Knut Petersen, no batecom a tal criatura em jogo.

    Cap. V - Do cavaleiro e por acaso o seu cavalo

    O cavaleiro solitrio lambia o solo dos seus prprios infortnios como se lambesse,numa manobra de homem-borracha, a sola dos seus desconfortveis ps rachados eempretecidos pelo negrume das caladas nada serenosas.

    Como um felino, com sua lngua spera, lambe a mo de quem o ampara sob

    escombros, mesmo com toda a empfia dessa zoologia fantstica e inegocivel. Como el gatniegro danaria, se precisasse, uma milonga do adis para la vieja de la foice, nica maneiradriblar la muerte como don Diego Maradona a los ingleses durante el segundo tiempo da batalha das Ilhas Malvinas... tal qual Sherezade a enfileirar um batalho de rabes a com-lo pelos ouvidos...

    H melhor maneira de comer um homem do que pelas beiradas das suas prprias oreja

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    ...Como erristir, gracias a la bida, como las desimportncias todas de quem insiste etecer narrativas como se a aranha pudesse um dia reverter el juego e reinvertar seu prprioheri imbatvel, agora na pele do aranha-homem.

    (...)Lambia este caballero, doravante conhecido como Fodasno(5), a resina dos perdedore

    sobejo dos torpes, o vmito de um junkie sem estmago, o cuspe final visguento dos ninjas dcalle, a gosma dos rastros mais trpegos, las penas de las gallinas y sus nios olvidados, chic buuelitos de mxicos e de todas las Amricas alhures y desconhecidas... Dis, que madres cinescrupolosas, que madres de nobellas, que pelcula sem piedad, mi virgem de Guadalupe...Lambia com esta lngua de drago da maldade las perebas dos rejeitados at miesmo por las mfamintas da taberna do sr. Knut, quando aquele bravo pangar paraguayo derrubou o orgulhosheri(6) na laje da praa e correu at a margem esquerda de la sarjeta-blues, amparando estecavaleiro solitrio que rastejava, rptil de tudo, yacar del amor e de la suerte.

    O suposto cavaleiro recebeu o apelido Fodasno por no conseguir, depois de fazer ranger dolorosamente a velha engenhoca de madeira da memria, lembrar-se de algo mais

    prximo do seu batismo verdadeiro, que seguramente passava longe deste ora posto e firmcomo marca de fantasia para a nuestra viagem, ora, tiene que tener um nombre, desalmad pensas que vais sair desta para outra com a leveza dos animais annimos?.

    O cavaleiro confabulava, confabulava, e no conseguia reconstituir a sua trajetria.(Faltavam-lhes os dados elementares, por mais relapso que fosse este bigrafo).

    Devolvido s quatro patas originais e inevitveis da existncia humana, Fodasnodebatia-se como um vira-lata que tenta curar as dores de barriga, esfregando-se no terreirquente de cho poeirento de uma fazenda do fim do mundo.

    Ao mau-jeito de existir - desamparado e s como na hora em que viu pela primeira o claro da bida a ofuscar-lhe a mnima certeza de nascena - juntava-se a porrada propriamente dita, nada de metaforazinhas pequeno-burguesas bem vestidas nas boutiquemetafsicas deste pueblo, porrada mesmo, de regurgitar, de pr os bofes, as tripas para forsocos com aneles de caveira, socos ingleses na boca do estmago, jornal de sangue, nolombo, no toitio, nos chifres, nas costelas, nos bagos, nas ventas, chutes de coturnos da Gdos Carecas Mestios dos Trpicos que Lucham pela Raa Pura.

    No mnimo, uns sete carecas mestios dos trpicos, justamente sete, pois se tratava pelos nomes dos dias da semana.

    (5) Salvo melhor juzo, o cavaleiro Fodasno foi gerado por Maubrun, que gerou Hacquelebac, que gerou Grelepixa,que gerou Grandebocarra, que gerou Gargantua, que gerou Pantagruel, entre outras grandezas no garantidas, uma vez queo cavaleiro apreciava mesmo era el viejo Panurge.

    (6) Na verso espalhada poca nas tabernas daquele pueblo, tudo indica que se tratava de uma esttua de Duquede Caxias, situada na praa Princesa Isabel, centro de San Pablo, donde o celebrado heri brasileiro vem a ser um dosresponsveis pelo genocdio da Grande Guerra do Paraguai (1864-1870), quando foram assassinados 606 mil paraguaios,sendo praticamente extinta a populao masculina. Brasil,Argentina e Uruguai formaram a Trplice Aliana para derrotar opas vizinho, o mais moderno e avanado da Amrica Latina poca.

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    Especulava-se toda sorte de simbolismo a respeito, mania de ociosos losers-iluministaque invadiram as pradarias babilnicas.Havia tambm, na linguagem rasteira dos boletins de ocorrncias, quem tratasse a

    histria como um mero disfarce para ocultar os verdadeiros nomes.D-lhe nos testculos, Sexta-Feira, urravam, para delrio da arena.Tua especialidade, Quinta, chegada a tua hora, no que o demo-Barbadilha(7)... Neste momento, o cavaleiro intuiu que pudesse ser apenas um pesadelo, donde a

    esfera do seu olho esquerdo saltou como uma bola de gude sangrenta, quebrou a vidraa deum hotel em frente e cegou, na sala 101, um contrabandista que contava o seu dinheiro,amarrando em vigorosas ligas negras, como aquelas borrachas de estilingues e baladeiras,

    montes e montes de reais, dlares, pesos e guaranys que eram devidamente acomodados emdelicadas caixinhas de pandora.Dali partiria, mal chegasse a manh, para a trplice fronteira, Foz do Iguau, por

    supuesto, onde o aguarda at hoje, com seu interminvel i-pod de boleros sua orgulhosa efundamentalista Penlope, sob linda burca que esconde para todos os hombres do planeta,inclusive para os terroristas adormecidos, um sorriso de pelo menos sete dentes de ouro e toos mistrios do Tigre e do Eufrates.

    Aquele hombre tambm era um terrorista adormecido, como so tratados os kabronesque largam por um tempo as atividades e se transvestem de bons e prsperos comerciantes.

    Quarta-Feira usava um chicote de ao, que fazia fogo com os seus aoites na mal-iluminanoite deste pueblo...

    Tera-Feira, tetraplgico, policial afastado pela corregedoria da polcia, estava em umanoite de suprema generosidade: s pingou chumbo quente no olho direito do cavaleiro deliran

    Segunda-Feira fez o cavaleiro beber gasolina...Domingo e Sbado preparavam a chama...A, Fim-de-Semana!!!, os dias de trabalho duro deram a senha e o salve! para a dup

    (7) Entrectanto Barbadilha, ardiloso e revoltoso, quer a todo transe desthronar Pluto, para tanto architetauma revoluo no inferno, pensava enquanto era surrado o nobre cavaleiro, mal sabendo que se tratava de um textode don Valncio Xavier, no seu O mez da grippe.

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    Como se ateassem fogo, cinzas-de-ndio, fazer cinzas de caboclos ainda era costumdeste pueblo...

    O pangar paraguayo largou o heri de araque e saltou en la calle...Donde o solpede distribuiu coices de cimento e bronze de alto calibre tcnico e afa

    os assassinos escalados para aquele macabro evento.

    Agora o cavalo beija, com o beijo da compaixo deveras sentida, o rosto refratrio cavaleiro, um beijo de garoto quase puro e capaz de milagres beira de um caminho.Com o beijo, o cavalo retoma a sua carne, a sua alma e a sua fortaleza ssea de

    outros pastos, despede-se do cimento e do bronze aos quais se acomodara... e parte, amuy amable, com o tal mal-assombro so e salvo sobre o lombo em uma interminvelviagem ao fim da noite.

    O acontecimento se deu aos ps de uma solitria testemunha ocular, imagina-se, umgigante travesti, maior at mesmo do que o poste onde esperava los austeros bares coreado nuevo capitalismo txtil dos arredores do Bom Retiro. Havia morado, o traveco e no o pobre cavaleiro monoglota, cumprindo o destino bvio, em Frana, Itlia e Espanha. Retoao Brasil atrada pelo avano e modernidade das clnicas de cirurgias plsticas.

    Yo no creo en las pregas, mas que las hay, las lay, las pliegue, dobladillo, por supuesto..., diz la miesma giganta mirando la luna minguante de la existncia selvagem etosca. Si, el travesti, testemunha ocular dos maus bocados del caballero, vuelveu a su ptramada com o sotaque espanholito impregnado at nas ventosidades del cullo, si, si, si, daque sai el esperanto da nueva humanidad, de los sustenidos hablares do que outrora j foraderradera flor do Lcio.

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    Cap. VI - Do bravo cavalo que derrubou o orgulhoso heri nacional

    O tombo do heri nacional provocou correria e interrompeu o jogo de futbol entre os bolivianos, que relaxavam do trabalho das oficinas de costura do Bom Retiro - bairro judeuagora sob domnio dos nuevos imigrantes da Coria - e a equipe do Resto de las Amricas,formada por brasileiros molambudos, peruanos, colombianos, um chileno... e um mexicano,

    um mexicano mascarado mais conhecido como El Vingador-Surpresa, si, jogava com aquelasmscaras das lutas livres do Mxico DF, havia sido, a levarmos em conta suas verdadesabsolutas encobertas pela crema del banzo de la erristncia, um gran luctador, quase imbatv

    Os bolivianos, que treinam ali todos os dias, mesmo depois de seguidos sis de labutadiria, venciam por 1x0, gol de Tupac Katari, segundo a smula(8) qual teve acesso este bigrafo de alma ludopdica. O time tem dois craques da Venezuela, aliana bolivaristaespontnea - um no ataque e outro como primeiro suplente, curinga que juega em todas las posiciones, inclusive de trombador -meliante de um ou outro desavisado pedestre que resolvatravessar no meio do clssico.

    (8) Certamente um batismo em homenagem ao heri boliviano homnimo, responsvel por um dos primeirosmovimentos insurgentes dos ndios do pas vizinho, ainda em 1870.

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    Rente ao cho, rastejante, o cavaleiro Fodasno enxerga as canelas de los nios peloteros como se fossem finas estacas sustentando uma mal-ajambrada palafita mvedeslocamentos bruscos pela cidade. Era deste ngulo que gostava de ver os jogos de fudisputados de forma sangrenta neste pueblo.

    Se os ps nesta lucha moderna so mais importantes que la cabeza, que eu veja ao

    do cho, como as lutas que travo, por que non?, pensava Fodasno.Pensava, com dvidas e emendas:Se bem que alguns so to elevados, nas suas jogadas e pensamentos, que durante

    muito tempo do jogo mal vejo seus miraculosos rpteis-cambitos.

    No era incomum la muerte de um ou outro artilheiro que entrava com la pelota e tno fundo das redes inimigas. Uma desonra que carecia de justia imediata, pois que nosvazem, mas que no nos humilhem, era o cdigo daqueles honestssimos hombres sobre ladrilhos da praa.

    Havia quem dissesse, sem fazer muito mistrio, que o cavaleiro se comportava dessforma por habitar, h tempos, o mundo do vai-sem-volta onde vivem as criaturas abenoa pelos gigantes cogumelos sebastianistas cultivados no melhor estrume fantasmagrico doscavalos dos belos bandidos gnsticos.

    Decerto o cavaleiro havia sido visto, na sua busca pelo Santo Graal dos cogumelosrecentes, em currais agripincos nos arredores de Embu das Artes (9), pueblo vizinho a San P

    Los rovens ofereciam las nuevas pastilhas qumicas de las pistas de baile ao caballeringeria todas, sem culpa, mas era um ingrato no pronunciamento em relacin a las nobidad

    Fraquinha, fraquinha, mucha velocidad para la pista de baile e poca viarrem para ecabeote de um Caballero que carece despirocar-se, balbuciava o inssurreito.

    (9) Teria sido visto pelos escribas Roca Tejon y Ros Bressaldo na companhia de Jos Agripino de Paula (1937-2007)autor de Panamrica.A dupla foi responsvel pela ltima entrevista com o iluminado vagabundo.

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    Cap. VII - Do Pentecostes e dos oxmoros primrios

    Um buraco vazio sem nome tinha-se instalado na parte posterior do crebro destecavaleiro(10) e um pesadelo era majoritrio quela altura: uma junta de mdicos-carrascosfazia uma contagem regressiva para que batizasse urgentemente o buraco vazio sem nome n parte posterior do crebro.

    Soltava palavras em lnguas estranhas, como os apstolos no Pentecostes, alm deoxmoros primrios, lgico, seu vcio menos perigoso neste deserto onde solitrio andar poentre as gentes.

    (...)

    Havia perdido a mulher da sua vida, a mulher do ms, a mulher da quinzena e a mulhda semana e a mulher da noite por causa dos malditos oxmoros ditos com bafo de imoderv bagaceira envelhecida em barris de flor-do-Lcio, no seu delirium havia uma tomada definit

    do portunhol selvagem e adeus ao solitrio portugus de latinoamrica sangue-quente. No delirium tremens piorava: baixavam-lhes os maiores palndromos do universo, comaquele clssico atribudo ao poeta Manuel du Bocage, que lhe chegava como uma despedidanuma gare melanclica, da lngua portuguesa isolada:

    LUZIA ROCELINA, A NAMORADA DO MANUEL, LEU NA MODA DAROMANA: ANIL COR AZUL.

    (10) Na Praa Roosevelt e nos seus arredores havia, entre as belas e sbias gazelas das artes dramticas, quematribusse a origem do pesadelo a alguma influncia enviesada e mal-compreendida de escritos avulsos do francs AntoninArtaud (1896-1948), especialmente as cartas sobre o pio e da sua relao com as chocantes tremelicas da abstinncia.

    Cap.VIII - Donde o que est embaixo, seja homem ou seja cavalo, o que est em cima

    Agora o solpede, em fuga daquela maldita esttua eqestre, voa pelos becos soturnosdo centro de San Pablo e a sombra magra, esticada como um super-heri de borracha, projetse sobre as laterais dos prdios como a nica prova verossmil de que este cavaleiro se enconvivo, depois de dcadas nas veredas do excesso.Eufrico com a nueva vida, o pangar-caxias s tem uma breve queixa: a sina de estteqestre. Mesmo em alta velocidade e vida nueva no pueblo, no h fuerza neste mundo qulivre das cagadas constantes dos pombos. Os pombos de San Pablo, cisma o panga, cagamcsio e urnio.

    Maldita sina de esttua.

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    Afeito a animaes, porm, o danoso diverte o seu novo cavaleiro ao fazer cinema dsua caveira mal-assombrada em altas mungangas e manobras pelas paredes. Visto por umcriana, porm, parece que Fodasno monta um cavalo de pau, de to duro que Fodasno ecima do seu honesto pangar de guerra. Fazia tempo que Fodasno no sentia o prazer e acrena em uma dana, um bailado, o fabuloso cavaleiro Fodasno nos ltimos anos s havi

    treinado quedas, tombos, desacertos, nado livre e revesamento quatro-por-quatro em sarjeatos falhos e pesadelos do gnero, perseguio seguida de violncia gratuita.

    O cavaleiro tambm se reflete gigante no cho do Vale do Anhangaba, entre velhoespritos indgenas que perambulam depois que a cidade dorme, depois que apenas a tabedo sr. Knut, a taberna dos Irmos Benuthe - os nada-apostlicos Marcos & Pedro - e a tab

    da ltima Chance permanecem com alguma vida nalma dos seus diletos freqentadores.

    Phedra de Crdoba ainda est na janela do seu prdio nesta hora.O gato Primo, que ela acaba de ganhar na Praa Roosevelt, todo ccegas de felici

    nos seus braos.O gato mira o vale e ri das assombraes dos ndios.A atriz Phedra, honrado e glorioso travesti egresso de Cuba, disfara o arrepio na p

    dana um tcha-tcha-tcha de Clia Cruz para la luna caliente.

    O vento frio do deserto de San Pablo, em silvos cortados, recita algo que s podematribuir a Hermes Trimegisto, orai-vos, destemidos:

    O que est embaixo como o que est em cima, e o que est em cima como oest embaixo; por estas coisas se fazem os milagres de uma s coisa...

    BIENVENIDOS TODOS A LA NOCHE DE SAN PABLO, COMANCHEROS!

    Cap. IX - Dos papis de um recm-chegado e das esttuas sem sada

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    As esttuas de Luiz Vaz de Cames y Miguel de Cervantes Saavedra, ali nos arredoreda Biblioteca Mrio de Andrade, tambm no centro deste pueblo, como no dependiam deseres eqestres nas hericas poses, apenas ajeitaram seus belos saiotes de poca e continuara fingir que esto de olhos fechados para os novos tempos, gracias.

    A essa altura este bigrafo no havia lido os seus Papeles de recienvenido, don

    Macedonio Fernndez, que me acabam de chegar por mos finas de moa, babo por elas quacozinho viciado na sineta alimentar de Pavlov, don Macedonio, mos finas de moa, talvez mais lindas falanges, falanginhas e falangetas que j presenciei, empunhando um nobre voluda grandiosa e retumbante literatura de Latino Amrica.

    Bravssima, d-mo aqui, hermosa chica, na bandeja iluminada, por supuesto.Don Macedonio, impressiona-me o vosso desgosto pelas esttuas. Este bigrafo est

    deveras orgulhoso de tamanha coincidncia de pensamento. Quem dera fosse plgio ou pelomenos uma ressonncia tardia e involuntria. Ah, bastava uma osmose sovacal, dava-me poreleito, desses pedaos de livros que, de tanto exibirmos debaixo dos sobacos por a, aengambelarmos as poucas gazelas que ainda se impressionam com tais brochuras, acabam p

    furar-nos a pele e juntar-se ao lcool que corre nas veias em moto-perptuo, contnuo,combustvel da ltima diligncia do esprito.

    Don Macedonio, antes que partas, um breve alerta: todo cuidado pouco nesteMercosul fantasmagrico, se no esto respeitando autores vivos... muito menos os mortos.Que mantenhas las ideas prprias em buelsillo costurado e secreto das tuas vestes, espero qula esposita tenha te costurado los buelsillos internos, porque las nuestras mujeres adoram proteger nuestro patrimnio simblico, porque lo patrimnio materiale delas miesmas, non

    Agora hablando srio, serissimo, don Macedonio, la gangue dos Trombadias

    Metalingsticos est a suelta em todo el pueblo, nas pradarias, nos aeroportos, nosmanicmios, nas aduanas, nas carreteras, en las fronteras... um bater de pestana e j era aquidea gordinha cevada h anos nos melhores pastos das fazendas metafsicas y gachas, aqueIdia, aquele fiat lux pronto para o abate, aquela idia com quatro, cinco dedos de toucinho fazendas uruguayas de Brizola... Aquele cordeiro-mote, entonces, seja uruguaio ou dos pastoescassos dos sertes, pode ser vtima de um seqestro-relmpago, principalmente ali nascercanias do Martin Fierro, bravssima cozinha argentina de la Vila Madalena nesta supracitSan Pablo de Piratininga, si, don Macedonio, esto a subtrair las ideas de nuestros visitanteslos gracejos, los chistes, boutades, las frases de efecto, at miesmo las prprias mierdas estusar para florescimentos de burreguitos futuros e cogumelos naturales.

    Os nativos, ento, bastam ter a mnima redao prpria, motivo suficiente para seremhumilhados pelo fisco e terem as carteiras apanhadas no vuco-vuco mental de la calle, comome sopra el deflorador-mor, el Visconde hodedor de Amparo, seor Maral y Aquino.

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    Nas cadeias, don Macedonio, faltam tantos que, se faltar mais um, no vai caber.

    Aos Papeles de recienvenido, pois, que hay me presenteado hermosa chica queacaba de volver de Buenos Aires, cidade invadida pelos brasileiros, portunholistas selvainveterados e principalmente los habitantes de San Pablo, que vuelvem orgulhosos com camisetas de Maradona, para desguesto-mor de Edson Arantes, el Pel, rei das artesludopdicas.

    Las chicas mais finas, todavia, nos trazem regalitos muy nobres, pricipalmente laschicas enamoradas de Los Tres Hombres, viejo e tradicionale conjunto roqueiro deste pueque hay lhes trazido todas las estantes contemporneas.

    Aos Papeles de recienvenido, don Macedonio, com mucha honra que llamamomicrfono de nuestra taberna, ao micrfono de nuestra mais prestirriada tertlia ltero-

    borrachesca, o nuestro sarau Quinta dos Infiernos, Jueves de los Infiernos, por supuesto,donde don Macedonio recita em apurado lusitanismo sem que houvesse sequer um soproseu renial traductor nestas plagas:

    Tenho um temperamento to pedaggico que no posso deixar de lhes informar qutodos os povos existentes - ou inexistentes doentios - devem possuir uma esttua do invendos lados direito e esquerdo e dos de frente e verso, distino da qual somente os buraceximem. No me perguntem agora porque os comissrios mais abusivos sempre se abstivde prender quaisquer esttuas, que vivem nas praas como os vagabundos, ostentando o mexemplo da vadiagem. Abomino as esttuas: quase sempre so homens envergando mantogrego ou ampla sobrecasaca de mrmore. Se o traje atual masculino costuma ser absurdo, botes e gales de mrmore, esse troo grossssimo de mrmore que simula as pontaslevemente roadas pela brisa so intolerveis, e tudo isso para um homem que fica aliassegurando-nos com a mo e com a boca que vai nos dizer coisas eloqentes, mas no d pio o dia todo.

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    Cap. X - Do Caderno de Alumbramentos Dirios

    No que a biografia da moa ainda sem nome caiba na lista do arquivo musical quembala os seus passos reboladores en la calle.

    Agora ela escuta, por exemplo, um batuque de candombl, deuses que danam, por supuesto, e aquela bunda governa mais ainda o universo.

    Tem aquele rabo que no d tempo os homens pensarem direito, simplesmente no dtempo os homens refletirem sobre o perigo da hora.

    Ela sabe-se dona do melhor traseiro das Amricas, rainha-mor dos torcicolos deste pueb a maior vendedora de emplastro do mundo, diz don Fracasso Morales, deve ter

    uma comisso da indstria farmacutica para flanar assim pelas ruas.Permitam-me uma breve confisso: este bigrafo devota-se tal fmea desde os

    primeiros estudos para o seu Caderno de Alumbramentos Dirios(11), no qual descreviaminuciosamente as raparigas que abalavam os seus sentidos durante as andanas en San Pabde Piratininga.

    L, no supracitado caderno, estavam os melhores pescoos, as melhores titelas, assaboneteiras mais cavadas, os ilacos, os mais incrveis pernios deste pueblo, os joelhos coaquelas marquinhas de quedas da infncia, os melhores rdios, as cicatrizes mais amadas, asmelhores covinhas de fceis sorrisos, as coxas mais possantes, aqueles dois buraquinhos nascostas antes de chegar nas belas bundas, os mais polidos cotovelos de infindveis esperas, astatuagens mais incendirias, as metonmias todas de uma costela, los mamilos, las mejorescolunas, las omoplatas, as pintinhas nas costas que deixam louco um exmio apanhador docampo sem fim de sardas...

    Cap. XI - Da cabea de Goethe e do amor que no mataA cabeorra de Goethe, pesando umas vinte arrobas, na mesma rea del pueblo de Sa

    Pablo em que todas as esttuas se mexeram esta noche, tentou sair bolando pela Praa DonJos Gaspar, mas j era tarde demais.

    Gngsteres o levaram para derreter o mrmore em alguma oficina de desmanche deesttuas, bustos e cabeas de literatos ilustres deste stio.

    (...)Ah, ningum morre de amor to fcil assim nos tristes trpicos, relinchou o pangar

    paraguayo ao tomar conhecimento de que se tratava da cabea de onde saiu O Jovem Werthe

    Um raro relincho de Chivas desprovido, gracias, do j insuportable portunhol selvagemMuy amable, don Chivas, muy amable.

    (11) Composto e impresso na Typographia da Donzela Guerreira, Barra Funda, So Paulo, por ocasio da viradado sculo XX para o XXI. Trata-se do primeiro livro de vulto de don Augusto Sombra, el bigrafo de mal-assombros de lacalle e de las tabernas.

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    Supe-se, neste pueblo, que haveria, naturalmente, outras maneiras mais divertidas estragar a pele, jovem Werther.

    Com esse solzo danado sobre os olhos, qualquer suicdio de ordem amorosa , para dizer o mnimo, de uma deselegncia imperdovel, perigas inclusive borrar feio amaquiagem, Phedra de Crdoba teria soprado mais um chiste no redemoinho do seu jar

    suspenso sobre o abismo do vale que nos interessa.Phedra conta que mantm rstias de espanholito cubano na sua fala porque tal cancomove los brasileos.

    Ao ouvido de um militar, durante las fuedas, s irresistible, morre de rir a chica.En la transicin lenta e graduallll de la dictadura para la democracia, dis, foi um sucess

    Phedra hay devorado muchos y muchos do gnero. Suerte deles, por supuesto.

    Cap. XII - De como os chifres picos no tm cura

    No se morre de amor nos trpicos, mas corre tambm neste pueblo a verso de que mala suerte e o infortnio do cavaleiro solitrio tinha como origem uma trgica e mal-contahistria de amor.

    O cavaleiro, porm, em vez de precipitar-se no abismo das flores finales, atirou-se milagrosa lama das ruas e das tabernas.

    S a lama cura.No se morre de amor nos trpicos, uma voz parecia encoraj-lo en la noche, des

    tantas vozes que lhe chegam cortadas como vinis sob rigoroso regime de scratchs ou comvento desta Carenolndia do Oeste fosse gago.

    S a la-la-la-ma cu-cu-ra.

    Era tudo que ele queria ouvir mesmo, uma vez perturbado pela sndrome de Korsakque o atacara cedo. (12)S a lama cura.Este cavaleiro tem a lama como purgante e remate dos males, pero los chifres pico

    aqueles que doem para o resto da bida, estes levam s grandes obras e s mais conhecidasaventuras humanas.

    (12) A sndrome de Korsakov (ou Korsakoff), segundo as enciclopdias em voga aqui livremente copiadas, umaneuropatologia associada carncia de Vitamina B1 (tiamina), traumas cranianos, encefalite herptica, intoxicao pelomonxido de carbono e indiretamente, mas muito comumente ao alcoolismo agudo, pois o lcool prejudica a capacidade doorganismo de absorver a Vitamina B1. Essa vitamina est associada transformao do cido pirlico, que por sua vezrealiza transformaes bioqumicas de protenas, gorduras e especialmente hidratos de carbono, sendo que em sua ausnciaas clulas nervosas so as mais afetadas. Os sintomas da Sndrome de Korsakov so a amnsia antergrada, amnsiaretrgrada e muito comumente a confabulao e uma desorientao temporoespacial.Acompanham esses sintomas umasevera apatia e desinteresse por parte do doente, que muitas vezes no capaz de ter conscincia de sua condio.A amnsiantergrada est relacionada com o comprometimento da memria de curto prazo, ou seja, o doente se torna incapaz deformar novas memrias, a partir do momento em que desenvolve a doena, e a amnsia retrgrada est relacionada memria de longo prazo, assim o doente perde grande parte da memria que havia se formado antes da doena. baseadonessa severa condio que o neurologista Oliver Sacks (em "O homem que confundiu sua mulher com um chapu", relaciona sndrome de Korsakov perda da identidade, pois vtima de uma amnsia retro-antergrada o doente perde por inteiro

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    sua linha biogrfica, sua histria, e permanece incapaz de construir outra, sendo obrigado a viver como uma pessoa semhistria de vida. Essa linha seria fundamental para a formao do senso de identidade na conscincia. Como conseqnciadesse severo quadro que ocorre a confabulao, que seria uma tentativa do doente de preencher suas lacunas mnemnicascom imaginaes e fices aparentemente verossmeis, nas quais ele prprio poderia acreditar. Outra conseqncia seria adesorientao temporoespacial, claramente causada pela incapacidade da pessoa de marcar sua existncia no tempo.

    Nesta hora falha a aspirina, mesmo cabralina, e talvez incertos todos os sis de bolscomo don Paulo Henriques Britto, nestes mesmos tristes trpicos, denominou as plulasantidepressivas.

    Muito menos com divs vir a cura, muito menos zen-budismos, pseudo-orientalismosou carmas-colas possveis, por que os chifres crescem e avanam mais do que a gaia cincia ecrendice que fura nuvens, os chifrados ruminam o milagroso capim pantagrulico com o qualrespeitvel senhora Bicaberta hay alimentado seu mitolgico filho milagrosamente gerado emseu ventre gigante, amm, e que venha o prximo chifre a enfeitar-nos a fronte longeva e trist

    Gracias que os chifres picos no tm nem nunca tiveram cura. Levamos os tais ao fimda existncia, ao tmulo, aos vermes vorazes que sentem o gosto dos chifres como gongonzinfiltrado nos miolos da memria e do juzo.

    Como um touro que governa, entre a vida e a morte, a sorte de um toureiro, os chifresso indispensveis, porque um hombre sem chifre um animal desprotegido.

    Os mongis, comandados por Gengis Khan, dominaram quase toda a sia graas aos poderosos arcos de chifres, embora histrias do gnero se tornem inteiramente dispensveis essa altura da desgraa humana.

    Se no fossem os chifres picos, por erremplo, no teria habido la braba revuelta deCanudos, onde reinou o sebastianismo de Antnio Conselheiro (1828-1897), porque loshombres, mesmo os mais vocacionados para o herosmo, carecem de uns cornos paraenfrentarem o mundo.

    Pai de dois lindos hijos, Conselheiro, como era conhecido Antnio Vicente MendesMaciel, rbula dos pobres e dos lascados como maxixe em cruz, caixeiro viarrante, Antnio trado, supostamente trado, como diriam nos dias que correm los periodistas inseguros, por furriel, patente antiga e intermediria entre cabo e sargento.

    Natural de Quixeramobim, desierto de Siryar, encontrava-se, na ocasio, em Ipu, nosarredores, quando o destino, qual uma daquelas mozinhas de madeira japonesa para solitricoarem as costas, quis ungir-lhe justamente na fronte luminosa.

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    Desiludido, Conselheiro corre para o ento stio Tamboril, tambm nas proximidadonde dedica-se a alfabetizar aquela gente. Sua misso ajudava-lhe a esquecer dosacontecimentos, donde se sabe que muitos cornudos, para voltarmos ao mundo de hoje, coa fundarem ONGs, organizaes no-governamentais, para salvar o universo da fogueiragigante que se aproxima, donde tambm tem que ser dito que nem todo ongueiro s um

    chifrudo, por supuesto, que a sentena valha apenas para quem a essa altura j enfiou acarapua sobre os incatveis piolhos da desconfiana.

    No caso do bravssimo Conselheiro, por supuesto, havia mesmo por trs uma mulhdaquelas capazes de arruinar uma vida, desgraar com nuestra existncia, hoder com tudodaquelas que nos deixam a nadar no seco, pensando em solamente duas coisas: dar um tirtoitio ou salvar o mundo na mais ingrata das luchas perdidas como so todas as lutas pi

    Esta mulher se chamava... Nunca houve um batismo mais hermoso!, preparem-se.Esta mulher, senhoras e senhores...

    Donde esta mulher se chamava Joana Imaginria.Si, reparem o que vem a ser o destino, uma fmea cuja pia batismal da parquia dSanta Quitria havia banhado, naqueles idos dos mil e oitocentos y macabas, com o sanome de... Joana Imaginria.

    Com Joana Imaginria, alm dos dois meninos antes relatados, tivera mais umcomedorzinho-de-favas sob fartos-sis semi-ridos, pelo que supe o inqurito biogrficoque vos bafeja o cangote. Sim, Joana fertilizara outra criatura no seu ventre-massapcacimboso, molhadinho meu deus, fogosa, barro liguento, favas debulhadas na pouca chude maro, por amor, fmea de responsa, era a prpria chuva no lugar que nem o divino, cseria dos seus afazeres, molhava o roado de nuncas.

    No ba de couro de ona curtida pelos sis dos poucos sorrisos do av deste bigrafo de sertanejas miragens, encontra-se at os dias que correm um folheto de feque diz, entre outras sextilhas:

    Do barro que sobrou de EvaDeus reproduziu uma binria,Moldou, esculpiu, ave, benzeu...Aquela costela das arbias...E daquela frma nunca mais saiuUma fmea como Joana Imaginria!

    A sina de Conselheiro, porm, era correr desertos. Um homem infinitamente maiorque os chifres todos do mundo, isso pilhria, prosa de quinta diante da sua fortuna passarinhosa que o puxava pelas unhas para largar mundos e aprofundar-se, castelo dentrocastelo, casca dentro de casca dos couros dos rpteis da existncia tatuzosa y garatuja.

    Um desses homens sem acostamentos, desses homens maiores do que a vereda quaparece na vista escura em noite erma e desvagaluminada de um tudo e para sempre, glos

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    Cap. XIII - Da sina maldita ou corno em rastro de corno ad infinitum

    No bastasse o infortnio de Antnio Conselheiro, coube ao escriba Euclydes daCunha, dOs Sertes, autor do catatau desta nobre saga, a mesma sina.

    Trato de encurtar a noubella para abreviar enredo que no conta nessa histria: Euclydacabaria assassinado pelo oficial do Exrcito Dirlermando de Assis, mancebo de 17 anosamante da sua mulher Ana Ribeiro, que, em um republicanismo bucetstico involuntrio, oesqueceu depois da temporada de Canudos.

    Em 1906, ano em que nasceu o av deste bigrafo, importantssimo em pginas maisadiante, Euclydes voltar ao Rio de Janeiro, onde morava com a famlia.

    Quis o destino, esse rato existencial que ri por dentro o ossobuco de ns todos, que oreprter de O Estado de S.Paulo, enviado especialssimo, encontrasse a mulher grvida.

    No era o pai, naturalmente, estivera no front.Apenas trs anos depois, descobriu tudo.

    Pegou um revlver...Fatdico 15 de agosto do ano da graa de 1909, no tempo em que agosto ainda caiaem agosto, e saiu para "lavar a honra com sangue".

    Cruzou com o oficial na estrada Real de Santa Cruz, no bairro da Piedade.Apertou o gatilho.Uma, duas vezes...As balas se perderam no caminho.Errou feio os dois tiros.Uma fasca e j tomou um balao no centro da testa.O mancebo oponente era de tiro certeiro.

    Euclydes tombou aos 43 de idade, depois de fazer grande obra pero no labrar aobra-mor da existncia: o amor de las mujeres.

    De Cervantes contam lo miesmo, pero tamben no importa aqui nesta narracinvertiginosa rumo ao nada.

    O que so os moinhos se no chifres em cabeas de pangars nervosos que incorporamlas dores de sus distintos caballeros?

    Los chifres son ficciones laboriosas.

    Para muitos, os chifres representam a desgraa; no que tange ao rebanho dos iluminadem chamas, os chifres representam a glria, a glria que desce um certo dia na tempestade egruda aos cornos como relmpagos encomendados por infalveis pra-raios. Que assim seja,amm, para siempre.

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    Quanto ao bigrafo oficial dos mal-assombros deste pueblo, vos digo, confesso, oschifres so tantos que o sr. Knut, que chegou aos trpicos por causa de seguidos chapus ddeuses vikings, faz questo de consolar-me com lendas e contos populares nrdicos cheiodestes semelhantes chifrudos.

    No passa nada.

    Non passaran, grasna o corvo urubuzento do sr. Knut, que fica o tempo todo bicaas cobras das garrafas das melhores aguardientes da taberna.Non passarn los chifres en la puerta, explica o famigerado.Mal sabe este miservel que, por exemplo, no Nordeste brasileo, essa histria de c

    mais pardia e dionisaca do que qualquer onda que se tire nesse mundo sobre quaisquedestas sagradas personagens, que Deus os tenha, por supuesto.

    Em algumas ocasies pode dar em morte, bvio, a faca alumiada em noite obscura puxar as tripas do adltero mais destemido. Costuma-se beber o sangue do desalmado nesepisdios, pelo menos um daqueles copos engana-bbados pelas bordas. Poesia pura, crimhonra; os gracejos, porm, reza a cincia, costumam encobrir com uma demo de stira as

    tintas mais berrantes da tragdia.Como diz a filosofia de pra-choque de caminho das carreteras daquele mundo serido que engana a vista como no deserto das miragens infinitas: chifre para homem, o usa de enxerido.

    Mesmo o touro de picas touradas, viejo Manolo madrileno de imbatveis pelejas.

    Cap. XIV - Do redemoinho empoeirado e da cisterna demonaca

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    O agora fabuloso cavaleiro Fodasno desconfia que a sua viagem no se trata de umaviagem qualquer ao fim da noite, como as outras tantas, embora el caballero houvesse percorrido, em contornos semelhantes, as mesmas vielas do estrago e da sorte vezes infinita

    Se havia uma busca, era uma busca comum a todos os poetas, assassinos, ladres esangue-ruins da cidade nesta mesma hora.

    Os malassombros, cujas molas dos colches de hotis baratos esto sempre a ejet-los para as tabernas mais imundas onde possa acontecer ao menos uma boa encrenca pararecarregar o dio e pr em dia as munhecas.

    Os colches so buenos para los amantes ou para los enfermos, non para los here destemidos.

    A la noche, comancheros!

    O que um homem sem um redemoinho empoeirado na cabea? Nesta noite, todos os inquietos samos a la calle dispostos a riscar a caixa de fsforo d

    angstias no tanque inflamvel de testosterona e solido que h no subsolo deste pueblo, ademonaca cistema encravada debaixo dos nossos ps.

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    A busca seria mais ou menos comum: preencher o buraco vazio instalado na part posterior do crebro.

    Uns com lcool, outros com mulheres, alguns com a caspa do capeta(13) na EstradLgrimas e outros simplesmente estourando os miolos dos suspeitos de sempre.Os faroestes particulares variam conforme a extenso de deserto que cada um carre

    no velho oeste da caixa torcica, amigos. Neste faroeste h poeira nos sonhos, neste faroeste supostamente freudiano nem me

    nuestras madres escapam dos nuestros prprios canos fumegantes.

    Tequila para todos, seores!

    (13) Como don Fracasso Morales, que se dizia amigo do cavaleiro solitrio, batizou a cocana em uma tabernada Estrada das Lgrimas, zona sul deste pueblo, segundo relato de don Claudio Rlio, reportero desta mesma freguesia.

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    Cap. XV - Dos Gngsteres do Sol Quadrado e do perigo da hora

    Naquela noite nica, noite do Dia das Mes, maio do ano da graa de 2006, a mais perigosa falange do crime havia feito o primeiro ataque em massa a San Pablo de Piratining

    A cidade-refm do que se contava, no obrigatoriamente do que se vivia.Donde...Cada um contava um rio a dar numa Guarapiranga de histrias, a enchente suprema

    com os sofs da acomodacin e da desgraceira boiando sobre as guas dos tiets,tamanduates e pirajuaras.

    Quem pra no meio, quem no conta, se afoga, caso deste bigrafo, sempre a melhoraos objetos de estudo com a demo do malditismo romntico e primrio.

    uma doena, persegue don Fracasso Morales, esse traste que cavalga no ao meulado, mas sempre por perto. Numa distncia que seja possvel fiscalizar vacilos, quedas,

    lapsos, citaes e samples, don Fracasso Morales no perdoa o free-style, o repente, o jazzreinventado, don Fracasso Morales persegue a matriz nica, como se isso ainda fosse possibhoy, simbora don Fracasso, j j te pego na curva com meu pangar nervoso.

    Os Gngsteres do Sol Quadrado tocavam o terror teleptico dos subsolos das sibriascaipiras de erres arrastados como o matraquear de metralhadoras, as penitencirias do interihablavam metralhands quele instante e a velha da foice se multiplicava como se reproduzinum poderoso gravador de CDs piratas de um caubi high-tech coreano recm-chegado a es plagas babilnicas.

    Esse a queria achar o amor no baile, uma bala perdida encontrou ele antes, apontadon Fracasso Morales para mais um defunto na vala-comum deste desierto. O amor uma bala perdida, rapay, ponto, deixa desse teu romantismo de mierda.

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    Tudo isso aconteceu, mais ou menos. As partes da guerra, pelo menos, so bemverdadeiras, sopra o ladro Dimas, ali na cruz, ao lado do cabeludo, na beira dos chiqueide porcos do Jardim Damasceno, na zona norte deste pueblo.

    Cap. XVI - Donde o cavaleiro se distrai com a poesia dos arese perde seu caballo

    Sempre aluado, com um dficit de atencin incomensurvel, o caballero no amarrcaballo derecho no poste.

    Muito menos o lesado hermano flanelito eqino se ligou no quadrpede qu

    pastoreava, carajo.So tantas las coisitas de la bida para pensar, por supuesto, pensou em portunholselvagem -agora, como se no bastasse, tambm pensava na lngua da trplice fronteira.

    E o caballo, como se na pior das desgracias, no mais impensvel de los infortniosla malasuerte de uma noche semi-invernosa, se encanta justamente por um relincho de umguapssima gua militar da tropa que combatia os Gngsteres del Sol Quadrado na mais perigosa e hermosa de las madrugas.

    L vai o cavalo do cavaleiro solitrio com a primeira gua militar que aparece, foi oele pensou no instante, biscaite. No era uma biscaite qualquer, se tratava mesmo de uma de uma gua, ancuda, rabo descomunal e uma marcha elegante capaz de fazer desandar u

    faroeste inteiro nos desertos do Mxico.O cavaleiro, paranico, ainda pensou:A sndrome de Caxias ainda bate fundo nalma desse pangar nervoso.Estava outra vez perdido no bosque escuro o solitrio cavaleiro.Agora o cavaleiro... Como digo no portuol maldito que contaminava aos poucos to

    as criaturas de la noche? Agora o cavaleiro... encontra-se muy hodido de nuevo.

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    PARTE II - Das viagens de um salta-vida nas margens de outras aldeiase riachos dionisacos

    Cap. I - Da menina e por acaso da fbula para ninar a menina

    Dois nomes balanavam na rede ciganosa do alpendre do cocuruto do teu pai naquelemomento, hija:

    Soledad ou Esperanza.Corria por fora Tristessa, que yo achava a cara de tu melanclica madre muito antes d

    saber que o tio Jack tinha uma aventura mexicana homnima.

    E no me perguntes porque diabos chama-se Viridiana, filha.Acordara certa manh tu padre de uma monstruosa ressaca(14) e j ouvia vozes nsto e por toda a casa a lhe chamar Viridiana, o cachorro a latir Veridiana, com E, vque tonto, e enroscar nas suas pernas, o gato, sempre mais sbio que o cachorro, comfeies de quem sabia que j se chamava Viridiana havia sculos, com todos os pingosnos IS, por supuesto.

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    Queria que visse as fotos de tu madre nas noites em que vagamos pela Espanha, hijOlhos iluminados alm do rrrrumm, rrrrom, e do bio que corria em nossas goelas

    como riachos de beiras frteis, distantes e generosas.Avistas o ribeirinho de Rioja? Mira, mira, logo ali depois das janelas dalma dos ojo

    melanclicos de tu madre, si, aquela aguazita vermelha a cair sobre los pis de las rbore

    arbustos, las marejadas perdizes de la erristncia mula-manca.

    (14) Donde tanto o cavaleiro quanto o bigrafo concluem que a ressaca depois dos quarentanos no apenas umaressaca.Trata-se de, no mnimo, uma dengue existencialista, donde a epidemia tropical que amolece os ossos, como se umtrator tivesse passado por cima, encontra a nusea sartreana numa harmonia inexplicvel.

    Cap. II - Da possible madre de la nia e suas lendas sevilhanas

    Sinos a tocar flamenco para os vivos, para os ateus e, quizas, quizas, quizas, para tementes de Al, quen tiene cullo tiene medo, hija querida.

    Paco de Lucia cumprimenta Camarn de la Isla em uma encruzilhada niegra...Mais um jerez, compay, bulerias.(...)Tu madre, jambo-girl dos tristes trpicos, a blasfemar contra o destino, como uma

    Carmen a roer os caroos imaginrios das pitombas ancestrais, em vez de apanhar facilmeas amargas naranjas sevilhanas.

    Nas margens do Guadalquivir los ojos de tu madre derramavam lgrimas deCapibaribes, Beberibes, Paraybas, Jaguaribes, Tiets, Tamanduates...

    De to ctica, tu madre no acreditava que houvesse, en la bida, seja em que stioestivesse, pelo menos una naranja de graa.

    Ou est birrada, Ros, ou tiene marimbuendo nel pi, como no samba da nuestrainzoneira, aqui na verso que ela entoou em plena Espanha, tirando la buena onda, kabron

    Tu madre sequer pensava na possibilidad real de uma bomba terrorista no trem, comtemia naquele momento.

    A crena no noticirio e nos seus infortnios nunca fizeram parte dos seus olhalongnquos.

    Se dependesse de tu madre, los abutres e los periodistas morreriam de hambre comsuas manchetes garrafales.La realidade non passa de una opinn, non?, como dizia o titio-abuelito TimothLeary, mi hija.

    O mximo que dizia tu madre, quando mostrava-lhe o El Pas nas bancas, era algocomo, perdoname em caso de infidelidad na reproducin de las palabras maternas:

    Pior nos trpicos, adonde a febre da selva mata o que sobrou das chacinas...

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    Quando eu tentava acertar o passo trpego a usar meus primeiros culos multifocales,teu padre j viejo, ela, de nuevo:

    Pior nos trpicos...E completava sempre como alguma comparacin selvagem maluca.

    Meu anjo, no havia dialgo possvel com tu madre quando o assunto era o amor ou o periTerrorismo o luxo da histria, blasfemava tu madre, com a sua pele ndia aenfeitiar os branquelos que transitavam borrachos na Calle de la Cruz.

    Ela tinha simplesmente la nocin exacta de que o terrorismo j fazia parte da suaorigem h sculos seculorum, desde a matana dos Tabajaras e dos Kariris, alm, muito almde todas las chacinas de las missiones redundantemente assassinas & jesuticas sobre los tupy guaranys.

    Difcil era na hora em que ela, j passionria ao extremo, clamava por uma certamatemtica, nunca o fuerte de tu padre:

    Quantos ndios foram mortos pelos europeus, a incluindo espanhis e portugueses, nAmrica Latina?.Dcimo rrrummmmmm, por favor.Devia at saber uma certa conta exagerada feita pelos cuervos marxistas, evidentemen

    mas, ao dcimo primeiro rrrrommm, hija, s mirei tu madre, mirei com cara de um hombreque amava de verdad. L esto os zolhes vermelhos estourados na foto que no me deixamser inverossmil a esta hora de la noche. Filha, amo fotos com los ojos vermelhos, me gusttambm la falta de fueco para la erristncia, entendes? Ojos de um amor entorpecido, porquo amor sempre borrado de riscos incompreensveis.

    Vai, diga-me, quantos ndios?Tu padre sempre cordiale, digo, cobarde no ltimo, sussurrava:Fala baixo, que coisa mais incmoda.Mal sabia tu padre que los espanhis, asi como todos los europeus, amam purgar el

    passado, no temem o assunto, bailam lindamente la dana da culpa.Asi como los brasileos metropolitanssimos danam folguedos e maracatus.Filha, mas pera, tu madre borracha a querer uma revanche quela hora, haja pacinciTua me, sangue de holandeses e ndios, nunca esteve to linda naquela viarrem.Sim, corriam riachos de Rioja sobre nuestros pezitos.O mais espirituoso, no entanto, era pedir rrrom nas tabernas.Sabe como a gente tinha que hablar, hija?Rrrrrruuuuummmmmmm, rrommm, algo asi. Quase como o suspiro metafsico do gat

    rrrrrummmmmm, se no, ningum nos trazia rrrruummm...Rrrrrrrroooooommmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm...

    rooommmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmRepita comigo, hija: rummmrommrummromrumrommmmm...

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    Cap. III - De como la hija foi gerada numa banheira de um hotel da Gran Via

    Tu padre e tu madre adoravam emborracharse, hay notado en las corrientes maisanimadas del sagrado tero, non, hermosa chica?

    Oceanos to lindos como nos documentrios da National Geographic, mi padrecitoamado, mares to azuis, mergulhos incrveis, lguas e lguas submarinas na quentinhasoledad de mi madre y sus drinques coloridos.

    Estvamos doidos demais, por erremplo, quando te fizemos na banheira daquele hna Gran Via - agora j estamos em Madrid, por supuesto, mi hija, deixamos Sevilha parana poeira de la carretera perdida.

    Quantos dias a p demoramos de Sevilha a Madrid? Tu madre de novo com

    preguntas difceis.Chegamos, tu padre dizia apenas.Tu padre e tu madre crente que habiam feito o Caminho de Santiago.Qualquer cho que tu padre e tu madre pisavam en Espaa, at mesmo nos brejos-s

    de Castela e arredores de la Mancha, acreditavam, despus de borrachos, que haviam feitovezes el Camio de Santiago, por supuesto, se sentiam puros, almas leves e inegociveis, pobres desalmados.

    Tu padre, todavia, hija, num se achava, digamos assim, um Pablo Conejo, famosoescriba da poca. Tu padre continuava acreditando apenas nas parbolas das quedas perfeda arte de nadar no seco, tcnica assimilada do mestre cubano Virglio Piera(15).

    (...)Algum bateu na puerta da habitacin nmero cento e uno para cobrar la cuentaindagar se no amos mais embora, como puede estes maltrapilhos a usufruir disso tudosujar nuestros lenis de tanto gozo sem travas, era a cabea de tu madre paranica comespanolitos desbravadores y colonialistas.

    Se bem que acho que estvamos numa banheira... No rdio-relgio fanhoso, umas seis, sete de la noche, tocava Candy... Quando

    acordamos era a vez de Angel, do titio Iggy Pop, de certa forma tu padrinho, mira ele aqulbum da famlia. Achaste esquisito o titio recortado del peridico? Caprichei na tesoura,embora a ressaca fosse monstra para enquadr-lo. Hay cortado alguna costela del tio, chic

    Como consegue ser to magro, apesar de los anos, el titio Iggy Pop, carajo!(15) Aprendi a nadar no seco.Acaba sendo mais vantajoso do que faz-lo na gua. No h o temor de afundar, poi

    voc j est no fundo e, pela mesma razo, est afogado de antemo.Tambm se evita que tenham que nos pescar sob a luzde um farol ou da deslumbrante claridade de um lindo dia. Por ltimo, a ausncia de gua evitar que fiquemos inchados.

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    Cap. IV - Do poeta e por acaso da poesia

    O que um poeta, pai?, Viridiana e a sua primeira pergunta difcil.

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    Cap. V - Da poesia apenas como um descuido e de uma bicicletaque se pedala ao infinitum

    A poesia como andar de bicicleta pela primeira vez, mi hija, escoriaes nos joelh para siempre.

    No que Viridiana faz dos aros dos culos gigantes do seu pai as rodas de uma bicic pedala ao infinito.

    Montada na sua bicicleta, transpassa as telhas e goteiras por onde pinga a vida e alcos cus como a bicicleta do filme E.T., isso que ela lembra de imediato, ainda a subir ao Viridiana percorre as galxias em um segundo.Viaja, viaja... e volta cheia de histrias e confabulaes.Ficou impressionada com a hora do rush dos discos voadores.Viridiana s conseguiu voltar para casa gracias a uma busca no Google Earth!

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    Eis a sua piadinha recorrente e sem graa quando narra a sua viagem verdadeira.Mi hija, por favor, mas amor e devoo aos verdadeiros sueos.

    Somente sete luas depois tentei te responder a contento, Viridiana, puxando na memquando eu tinha ouvido pela primeira vez na vida a palavra poeta.

    No, filha, andar de bicicleta pela primeira vez comovente, um acontecimento dooutro mundo, mas ainda no poesia.Poesia apenas um descuido, mi hija, est mais para a queda mesmo, por supuesto.Quando um prato de feijo e sonho, quente, caa descuidadamente da mo de algum

    plaft no cimento vermelho do cho da nossa casa, tua abuellita gritava:Ah, o poeta, o poeta outra vez a me dar prejuizo!Portanto, o poeta algum com a cabea nas nuvens, lesadito, distante e que quebra

    pratos como um grego involuntrio, entiendes?Quando tu abuella chamou teu pai de poeta pela primeira vez, j sabia que estava

    perdendo o seu pintassilgo para el corazon das chicas, perdendo para las rodovirias, os tant

    pneus dos caminhes e nibus, la calle, los desiertos, las carreteras, as partidas que furtam pobres hijos de las madres e os pem no acostamento de la erristena, las margens de la bidFilha, hay una maldicin, assombracin, na palabra poeta!Mal saa dos cueros, tu padre j provava que era um andarilho.O primeiro medo de mi madre foi com os ciganos, cujos bandos eram muito comuns

    nos anos 1970 nos sertes brasileos.Quando ela dava f, teu futuro padre ao longe, lombo de jegue, ou pangar tocado

    pelos ciganitos.Mas como tu abuello, sempre estava, por mero acaso, no ponto futuro do caballer

    delirante...

    Teu padre era resgatado.Todas as vezes em que teu padre ia fugindo, morto de feliz, deu-se dos ciganos parare justo no povoado onde teu abuello estava bebendo.

    Mas se meu pai emborrachou-se em todos os cantos dos sertes ao mesmo tempo, pensava quando mi madre fazia escndalos, claro que tu padre sempre estaria, infelizmentesalvo dos amables e manhosos ciganos.

    Talvez teu padre confiasse nisso naquelas fugas primrias.Meu pai borracho morria de rir quando me via nos lombos dos pangars dos gipsys-punk

    Um poeta que no derruba pratos no cho e que nunca est nas nuvens, hija, chama-sgngster, de to preciso e necessrio nos seus versos fumegantes.

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    Cap. VI - Do sol e por acaso da falta de foco

    O cavalo relincha l fora na cocheira de la erristncia, sinal que o lusco-fuesco esformando aquela camada pastosa nos ojos amarillos, a remela de dis, como diria o cavalcom a sua recente queda para o mstico.

    Far silncio por instantes o pangar nervoso, sonha o cavaleiro, a lua cheia o deixavontade de marchar sobre el pueblo, repare como entendo a alma do velho Chivas, pangaruma ueva, s um lerritimo mangalarga marchador nel mezzo del camin de Santiago de nu bidas suadas y otras picaretagens tantas s quais nos sujeitamos, hoy e para siempre.

    Em cismar sozinho em uma estrebaria das redondezas, abaixo do jardim suspenso y babilnicos, Chivas parece divertir o seu Caballero ao longe:

    Foco, digo, fueco, coisa do sculo XIX, alardeia, histeria eqina. Los ojos novem los prprios ojos nem miesmo com espelhos.

    Ouviremos agora dois, trs relinchos, e ter chegada a hora de mais uma viagem aoda noite, partiremos, Liliput vista, repare, meu anjo, no tamanho dos hombrezitos diante

    nosotros, no duermes minha menina, j tarde e a noite assombra o mundo la fuera. Chiampara o seu caballero e avana sobre a estepe, safo, ri do jeito com o qual o cavaleiro ruo portunhol selvagem.(16).

    (16) La grand lengua da trplice fronteira, Brasil, Paraguay y Argentina, cuja reinveno em escrita fina o cavaleiroe o seu pangar nervoso devem a un astronauta del chaco, poeta de la trplice fronteira, conhecido como don Diegues De laVerga ou simplesmente don Douglas Diegues.Alm do portugus chulo de las tabernas e do castelhano de la calle, elportunhol selbage diegueano pontuado com um hermosito guarany daquelas aldeias perdidas en comezo del mundo. Em sulibro Uma flor na solapa da misria(Buenos Ayres, 2005, Elosa Cartonera), em virtuosssimo portuol salvaje, o majestosescriba define o portunhol salbaje como la lngua falada por la gente simples que increiblemente sobrevive de teimosia, brisamor al imposible, mandioca, vento y carne de vaca: Es la lengua de las putas que de noite vendem seus sexos en la linha dla fronteira. Brota como flor de la bosta de las vakas. Es una lengua bizarra, transfronteiriza, rupestre, feia, bella, diferente.Pero tiene uma graa salvaje que impacta. Es la lengua de mi me y de la me de mis amigos de infncia. Es la lengua de mabuelos. Porque ellos sempre falaram em portunhol salbaje comigo. Us poetas de vaguarda primitibos, ancestrales de lospoetas contemporneos de vanguarda primitiba, non conociam u lenguague potico, justamente porque llos solo conocian unlenguaje, ele lenguaje potico. Con los habitantes de las fronteras du Brasil com u Paraguay acontece mais ou menos lamisma coisa. Ellos solo conocen u lenguaje potico, porque ellos no conocen, non conhecem, outro lenguaje. El portunhsalbaje es una msica diferente, feita de rudos, rimas nunca bistas, amor, gua, sangre, rboles, piedras, sol, ventos,fuego, esperma.

    Cap. VII - Da taberna dos perdedores e no por acaso os feiticeirosda taberna

    Mesmo de olhos abertos e em plena luz do dia, o fabuloso cavaleiro Fodasnofantasiava com o seu cavalo desaparecido como um menino inconformado com a perdarepentina do brinquedo.

    Sem a solpede e dadivosa criatura, o cavaleiro solitrio de las pradarias de San Pde Piratininga rastejaria eternamente como um rptil fossilizado na fria pedra azul de amo desprezo e la suerte.

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    A mesma piedra, si si si, que amola, lmina e contralmina, as facas da desalmadaatiradora do circo que sempre acaba, seguramente, por acertar el corazn de um palhao.

    E el caballero sempre foi um palhao, um palhao borracho sabotador de romances e possibles nobellitas amorosas, por supuesto.

    Merecia mesmo lamber, com a lngua que agora d nos poucos dentes, a resina dos

    perdedores, o cuspe final dos hombres de la calle, a gosma dos rastros, a baba do fim da feirou os farelos da taberna do sr. Knut, para citar o seu antro predileto e lembrar a prosdia dodiabo aliteratoso que aparece na cumeeira deste informe do bigrafo de mal-assombros.

    El caballero sempre perseguiu o fracasso, quase como caricatura ou pose de malditomas esta pode ser apenas uma acusao desprovida de fundamentos, levantada por donzelaguerreiras que o preferiam em seus leitos perfumados com a lavanda e a alfazema doscampos mais frescos.

    Pode ser apenas mais uma calnia de amantes mais ricas que o preferiam nos seus leitde algodo egpcio e jamais no frenesi das tabernas-finales, com suas luzinhas vermelhas piscarem os orgulhosos mantras dos derrotados. Os orgulhosos mantras dos supostos

    derrotados deixam las burguesitas loucas do juzo.Mas a acusao muito dura, por supuesto, coisa mesmo de quem deseja arrancar-lhede todo modo a aura de perdedor irresistible. Tal aspecto ainda se encontra sob suspeita eapuracin deste bigrafo de mal-assombros, que ora fareja as pulgas lombares dos sem-afag

    Ninguna fmea resiste a un chico con una infncia difcil, costumbra chistear en laesquinas, donde se supe que o cavaleiro solitrio inventa vrias histrias, no somente sobos verdes anos, mas sobre toda a trajetria, inclusive acerca do reumatismo precoce que lhegasta as juntas e dobradias dalma.

    Uma biografia to complicada quanto a do feiticeiro Carlos Castaeda, que pode ter nascido, inclusive, neste pueblo de San Pablo, como espalhava nos seus primeiros escritos e

    orejas. No descartamos, porm, Argentina e Peru como stios natalinos. Assim como BobDylan, Castaeda, o guerreiro tolteca, nasceu em vrios lugares ao mesmo tempo, sempre afalsear la prpria trarretria.

    Donde Carlos Cesar Araa Castaeda encontra numa tarde de relmpagos - era precischover um pouco em nuestra histria to rida e sem umidade alguma - Don Juan Matus, elviejo ndio yaqui, que tambm no faz idia onde nasceu, nuvens baixas.

    Usted hablou Datura inoxia?Usted hablou Ayahuasca?O encontro chamou a ateno dos conquistadores espanhis. O sangue de Cristo, mais

    uma vez, contra os feiticeiros.Eles no sabem ainda que o mundo como uma cebola, mestre Juan, em camadas.

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    Ninguna fmea resiste a un chico esquisofrnico e com dificuldades para o sonotranqilo, daqueles que esto sempre a retornar para o tero rocknroll da Cantareira, muagradable e arejado stio deste pueblo para adonde hay partido nuestro amigo don ArnaldoBaptista, com quem me encontro nesta exata hora.

    Ninguna fmea resiste s mais tristes biografias de assombraes nocturnas, como

    dicho este biografo oficiale de la cancha.Quase todas las chicas nasceram com la vocacin para la Cruz Vermelha del amore da suerte.

    Las chicas todas son madres Teresas de perdidas Calcutares.Donde se conclui que las chicas son sobretudo muy humanas, freiras, Viridianas

    bueuelitas em carne e osso.Ou, como diria Chivas, caballo del caballero Fodasno, no seu relincho mais poticoLas mujeres son las mujeres, los hombres son los hombres.

    Cap. VIII - Da mal-assombrada nuvem de moscas que voa de cima daqueleser disforme

    V esse quibe, Sr. Knut, e um conhaque, o cavaleiro Fodasno aponta na pequenavitrine do balco de frmica, batendo fortemente no vidro escurecido.

    O sr. Knut pega primeiro a bebida, na mesma prateleira daquela garrafa de aguardecom razes e uma pequena cobra mstica da Amaznia peruana, sobre a qual falava lendasatribua o poder fabulador dos beberres da sua maloca.

    O taberneiro das sobras gerais do Largo do Glicrio, no epicentro miservel dacidade de San Pablo, vai com a sua mo branca de veias azuladas em direo ao salgado.

    Os vagabundos contam suas histrias esburacadas.

    (...)O caballero d um gole no conhaque e lembra daquela mxima, irlandesa, cr, de asanto: vinho para as mulheres, usque para os homens, conhaque para os heris.

    Quando a mo branca de veias azuladas e norueguesas do sr. Knut toca a iguaria, umal-assombrada nuvem de moscas voa de cima daquele ser disforme, que os presentesimaginavam ser um maltratado quibe, e a assombrada nuvem se debate contra o vidro.

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    Tratava-se de uma esverdeada coxa de frango, encoberta secularmente pelas moscasmais famintas daquela taberna que abrigava os farrapos humanos da rea.

    Cap. IX - Da bondade do taberneiro com os corpos dos mal-assombrosO sr. Knut, no entanto, era mui generoso.Ele bancava os caixes e as taxas burocrticas do enterro de todas as criaturas que

    freqentavam o seu estabelecimento.No justo que esses desalmados paguem os tributos dos seus prprios vermes, diz

    sem a vaidade dos piedosos e muito menos o arroto dos imodestos.O sr Knut, bom que se firme nos melhores papiros, era mesmo mui generoso. Havia

    enterrado milhares de ps-de-cana e jurava nunca ter ouvido o soluo de uma viva.Quando muito, um parente distante ou um inimigo daquele que se fora apareciam pa

    reclamar o cadver.O parente, por ruindade e orgulho, desejava testemunhar aquela criatura aos farrapos;inimigo queria a chance de poder jogar-lhe a ltima p de cal sobre os olhos.

    Uns desalmados que j faziam hora extra no mundo, dizia o sr. Knut ao velho gato branco que passeava sobre o balco de frmica vermelha rachada pelo sol da fresta da telha vidro. Ningum mais para chorar por estes morimbundos.

    Quando eu for desta, pensava o sr. Knut com a sua gravatinha estreita quadriculadasobre a camisa marrom de flanela, s os gatos devem chorar por mim, ningum mais. Isso oconfortava, passara a vida a fugir do choro de parentes e de mulheres.

    Por este motivo resolveu estrangeirar-se, mudar de condado, distrito, pas. Embora

    continuasse triste, sempre desejou habitar uma nao dos trpicos onde as dores profundasfossem supostamente mais leves. Era o que cismava sozinho noite. Na vitrola porttil da taberna ouvia-se, quem tivesse as oias mais apuradas, um

    nico disco desde 1973, Berlin, de Lou Reed, herana das suas dores guardadas no bolsodo capote mais antigo, pudo e trgico, aquele capote que guarda histrias como um cque no vive mais sem a fidelidade das pulgas.

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    S se ama uma vez na vida?, don Isaas questionava, srio, todos os cavaleiros da tabQue idia fazem do suicdio?, don Isaas de novo, antes de qualquer resposta do

    bebuns eutansicos.O sr. Knut cortou a prosa bem antes que o primeiro desalmado da tvola respondesQuantas vezes preciso dizer que tais assuntos aqui so terminantemente proibidos

    Sempre que o taberneiro se dirigia de forma rspida aos mal-assombros, o gato branco roava a sua perna esquerda, como se tentasse amaciar as possveis tragdias qfizeram seu ninho permanente.

    Sossega, mi seor, desse faroeste ningum sai vivo, ronronava el gatito, nem minuestras santas madrezitas de Guadalupe e outras madres santas de altares alhures.

    Aconteciam pelejas horrveis entre o sr. Knut e os deserdados que bebiam na suataberna a bagaceira envelhecida nos barris dos desistentes.

    Bastava uma das duas partes puxar pela memria alheia.De um lado e outro do balco, ningum ali queria saber do passado imperfeito.O sr. Knut, questo de origem, mantinha a luta inglria, em um didatismo medonho

    entre civilizao & barbrie.

    Cap. X - Donde se sabe que cavalo de bandido no tem nome

    Sempre a fraudar o par ou mpar com o destino, o cavaleiro solitrio seguia com o s

    cavalo que lembrava, inicialmente, as feies de Tony, o quadrpede que justificaria aexistncia de Tom Mix, e tambm do cavalo de Roy Rogers, Trigger. Lembrava tambm, dalguma forma, Silver, porque todo cavalo de mocinho tem nome e todo cavalo de bandido passa de um animal annimo. No foi toa que o cavaleiro cuidou logo de batizar de Chiseu garboso mamfero que ainda se encontra desaparecido, menos nos seus sonhos e delrem San Pablo de Piratininga.

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    A imagem mais triste de qualquer faroeste a do cavalo que parte sozinho depois damorte do seu dono.

    Ali o solpede, mesmo pertecente a um mocinho, perde o seu nombre, ali morre a memO cavalo, nada metafsico, nada sabedor da possibilidade da morte, fica condenado a

    vagar e obter um novo nome de um novo dono.

    Esse rebatismo, porm, a sua nica idia de morte e desmemria.

    Nunca vi maior desamparo do que o do cavalo que parte solitrio e sem nome.Muito maior do que a nossa dor de amor mal-resolvido, aquele p-na-bunda numa noi

    de inverno, com todas as tabernas de portas cerradas ao mesmo tempo, quando s nos resta passos trpegos e cambaleantes, alm de mal-ajambrados decasslabos camonianos que noschegam inexplicavelmente bbados ao juzo em poeirento redemoinho que tange uma cambade pardias chinfrins, como esta que ocorreu ao cavaleiro nesta mesma noite, quando tentavinultimente, resistir melancolia do seu portugus definitivamente tomado pelo portunhol

    selvagem, que lhe deixou de herana o foragido pangar rocambalesco y recitoso:

    O amor fogo que arde... um caralho; ferida que di... uma buceta; um contentamento s de esteta; dor que faz o clitris um chocalho.

    um no querer mais que atalho; solitrio andar e no tem seita;

    nunca contertar-se, uma pta; uma dor que murcha at o malho.

    querer estar preso a uma peste; servir a quem narra, o narrador; ter com quem nos trai um deleite.

    Mas como cismar pode ser amor... Nos coraes humanos s um teste,Se to contrrio a si eu j estou? (17)

    (17) Ao delirar com a pssima pardia ao nobre Soneto 11 de Luis de Cames, de maneira nada solene, o cavaleiroparece acreditar na cura da sua obsesso por oxmoros e pelo portunhol mais tosco.

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    Chivas no tinha dono.O pangar fora fixado na praa por um desses azares que pesam sobre o destino

    esttuas eqestres.Pena que no se tratava de uma esttua qualquer deste pueblo.Chivas, mesmo um pangar annimo de bronze e cimento, havia sido o maior caval

    maior esttua eqestre de todos os tempos, de todo o mundo, no pouco. Na barriga de Chivas havia uma sala de jantar para ocasies especiais,

    especialssimas, dos militares cujos fantasmas ainda vagavam no continente, reencarnnos seguidores do realismo fantstico.

    Jantares nobres, haja gala.

    Na noite em que Chivas se jogou na vida, te juega, comemorava-se l dentro do seu valguma efemride da memria do Conde DEu, o sanguinrio comandante da Grande GuerrParaguay.

    Quando o caballo saltou, sangre do demo, de l se jogaram no se sabe quantos velditadores enferrujados da Amrica, como se no ventre del pangar selvagem bolassem nu planos e reiventassem o realismo fantstico ao qual foram condenados no fog