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Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos Cláudia Silva nº 52596 Investigação Criminal A investigação criminal constitui uma área do conhecimento especializado que tem como objectivo a descoberta e reconstituição dos acontecimentos tal qual se verificaram, como factos penalmente relevantes e a demonstração do vínculo a quem devem ser imputados. Comporta o conjunto de diligências efectuadas no local do crime que se deve revestir de cuidados e procedimentos pré-estabelecidos. “As diligências mais importantes a realizar serão: o isolamento do local, a sua preservação e a recolha dos vestígios” (US Department of Justice, 1999). Quando um Órgão de Polícia Criminal tem conhecimento de um crime, deve tomar as devidas medidas cautelares previstas no Código do Processo Penal, de forma a preservar as provas. “Devem ser tomadas diligências, por parte do Órgão de Polícia Criminal que teve conhecimento do crime, para a preservação do local do crime” (Fisher & Block, 1993). É fundamental que o investigador criminal, compreenda o que se passou no local do crime, estabelecendo uma possível relação entre o acto e o autor do mesmo. Este é um passo determinante para o sucesso e eficácia da investigação e da perícia. Estas investigações têm como propósito proceder à recolha de vestígios relevantes, que devido à sua especificidade, devem ser recolhidos por Técnicos de Criminalística (detentores de formação adequada e específica), pois deles pode depender a resolução do crime. “Vestígio é toda a modificação física ou psíquica provocada por conduta humana, de acção ou omissão, que permita tirar conclusões quanto aos factos que a causou” (Vestígios/GNR, 2000). Toda esta conjuntura depende, basicamente, dos métodos e procedimentos adoptados na recolha efectuada e na investigação no local do crime. “Os vestígios são sinais, traços ou manchas deixados por um indivíduo, os quais permitem que os Técnicos de Criminalística e os Investigadores Criminais, recorrendo a meios técnicos e metodologia científica específica, obtenham evidências referentes a um crime e ao seu autor” (US Department of Justice, 1999). É pelos motivos referidos que se devem preservar todos os vestígios e a sua recolha, mesmo os que possam parecer irrelevantes, a fim de poderem ser avaliados nas suas melhores condições. “Na recolha de vestígios, não basta chegar no local do crime e recolher; deve ser feita uma aproximação objectiva, integrada e estudada, possibilitando

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Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos

Cláudia Silva nº 52596

Investigação Criminal

A investigação criminal constitui uma área do conhecimento especializado que

tem como objectivo a descoberta e reconstituição dos acontecimentos tal qual se

verificaram, como factos penalmente relevantes e a demonstração do vínculo a quem

devem ser imputados. Comporta o conjunto de diligências efectuadas no local do crime

que se deve revestir de cuidados e procedimentos pré-estabelecidos.

“As diligências mais importantes a realizar serão: o isolamento do local, a sua

preservação e a recolha dos vestígios” (US Department of Justice, 1999). Quando um

Órgão de Polícia Criminal tem conhecimento de um crime, deve tomar as devidas

medidas cautelares previstas no Código do Processo Penal, de forma a preservar as

provas. “Devem ser tomadas diligências, por parte do Órgão de Polícia Criminal que

teve conhecimento do crime, para a preservação do local do crime” (Fisher & Block,

1993). É fundamental que o investigador criminal, compreenda o que se passou no local

do crime, estabelecendo uma possível relação entre o acto e o autor do mesmo. Este é

um passo determinante para o sucesso e eficácia da investigação e da perícia.

Estas investigações têm como propósito proceder à recolha de vestígios

relevantes, que devido à sua especificidade, devem ser recolhidos por Técnicos de

Criminalística (detentores de formação adequada e específica), pois deles pode

depender a resolução do crime. “Vestígio é toda a modificação física ou psíquica

provocada por conduta humana, de acção ou omissão, que permita tirar conclusões

quanto aos factos que a causou” (Vestígios/GNR, 2000).

Toda esta conjuntura depende, basicamente, dos métodos e procedimentos

adoptados na recolha efectuada e na investigação no local do crime. “Os vestígios são

sinais, traços ou manchas deixados por um indivíduo, os quais permitem que os

Técnicos de Criminalística e os Investigadores Criminais, recorrendo a meios técnicos e

metodologia científica específica, obtenham evidências referentes a um crime e ao seu

autor” (US Department of Justice, 1999).

É pelos motivos referidos que se devem preservar todos os vestígios e a sua

recolha, mesmo os que possam parecer irrelevantes, a fim de poderem ser avaliados nas

suas melhores condições. “Na recolha de vestígios, não basta chegar no local do crime e

recolher; deve ser feita uma aproximação objectiva, integrada e estudada, possibilitando

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Cláudia Silva nº 52596

uma recolha e preservação dos vestígios de forma a salvaguardar a informação neles

contida. Interessa que a informação seja a mais fidedigna possível (US Department of

Justice, 1999).”

De um modo sistemático, os vestígios podem ser ordenados conforme a sua

natureza, apresentação e valor. Podem ser considerados vestígios físicos, quando são

materialmente individualizáveis, vestígios e materiais, quando se revelam nas condutas.

Os vestígios físicos podem por sua vez ser: orgânicos ou biológicos (sangue, saliva,

esperma, matéria fetal, fezes, urina, secreções, pêlos e cabelos, unhas, estupefacientes,

fibras vegetais, plantas, fungos, pólenes, insectos, larvas...); inorgânicos (instrumentos,

fragmentos, poeiras, solos, tintas, vidros, gazes, manchas de substancias, explosivos,

estupefacientes sintéticos, metais, fibras sintéticas, venenos e substancias químicas,

papel, documentos...); morfológicos (impressões digitais, palmares e plantares, pegadas,

arrastos, marcas de objectos, ferramentas, pneus, mãos, dentes, lábios, balísticos,

escrita, chaves e fechaduras...). Os vestígios morfológicos podem ser visíveis ou

latentes, consoante o modo como se expõem.

É na identificação, análise e interpretação dos vestígios que a investigação

criminal se incorpora numa área do saber transdisciplinar e transversal.

A investigação criminal no local do crime tem como principais objectivos:

a) Apurar da veracidade do delito cometido – verificar se o crime denunciado é

de facto, ou se é simulado;

b) Averiguar o móbil do crime – pois é de grande relevância a descoberta do

que levou o autor do crime a comete-lo;

c) Identificação do autor ou presumíveis autores – a investigação e as recolhas

efectuadas pelos técnicos de criminalística, são de exterma importância para a

descoberta do autor do crime. Deve-se recolher informação acerca de todas as pessoas

que estiveram no local do crime, para se proceder à comparação de resultados e

posteriormente à exclusão de suspeitos;

A inspecção no local do crime deverá ser sempre realizada de acordo com o

‘Princípio da Oportunidade’, pois poderá ser a única hipótese de recolher os vestígios aí

deixados pelo autor do crime.

Os técnicos de criminalística executam a sua missão de acordo com as

seguintes etapas da inspecção judiciária (procedimentos definidos pela Secção Central

de Criminalística da GNR):

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Cláudia Silva nº 52596

a) Actos preparatórios;

b) Inspecção Judiciária propriamente dita;

c) Acções ulteriores.

Numa investigação criminal devem ser adoptados os seguintes métodos e ter

em conta as suas etapas fundamentais:

a) Actos preparatórios, quando se tem conhecimento de um crime:

1. Proteger a cena do crime, isolando o local, para o preservar tal como

ficou após o crime. Devem ser registadas as horas de chegada;

2. Não alterar o local, antes que se proceda devidamente, à sua

identificação e registo, quer fotográfico e videográfico, quer à elaboração de croquis;

b) A inspecção judiciária, propriamente dita, tem como missão fundamental:

1. A procura e protecção de vestígios;

2. A reconstrução teórica do local do crime através dos vestígios;

3. A recolha, conservação e transporte dos objectos, provas ou vestígios,

presumivelmente relacionados com o crime, e respectivo registo;

4. A elaboração do relatório;

c) As acções posteriores da inspecção judiciária são as seguintes:

1. Acondicionamento e envio de vestígios biológicos ao laboratório

forense;

2. Elaboração e envio de documentação à entidade judicial;

3. Articulação com os laboratórios forenses.

Segundo Ferreira Antunes (1984), são três as principais ferramentas da

investigação criminal: informação - conjunto de procedimentos tendentes à obtenção

das indicações pessoais; interrogatório - relação interpessoal que se estabelece entre um

emissor e um receptor: testemunha, arguido, colaborador, fonte de informações versus

investigador que dela necessita; e dados de observação de exame – recolha e análise de

dados.

No particular domínio do interrogatório, o conceito de investigação criminal

depende de um conjunto de atitudes técnicas e de procedimentos onde a psicologia

forense poderá prestar um contributo muito significativo, já que compreende o

desenvolvimento da comunicação interpessoal, a interpretação e análise do

comportamento delinquente e a definição dos perfis criminais.

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Porém não podemos menosprezar na investigação criminal de laboratório, o

recurso às ciências e às áreas do saber experimental, destinado à produção de provas

materiais, resultantes da recolha e tratamento analítico de vestígios físicos. Deve

salientar-se, neste campo, o inegável e enorme contributo da ciência em geral,

nomeadamente da medicina forense e das ciências experimentais no aumento da

eficácia e da capacidade de resposta da moderna investigação criminal. Produzem-se

neste sector provas de solidez demonstrativa em oposição à natureza frequentemente

precária e tendencialmente indicativa apenas da prova pessoal.

A medicina legal e algumas ramificações do conhecimento médico

especializado e aplicado, tal como a odontologia forense, por exemplo, constituíram o

primeiro corpo do conhecimento científico auxiliar da investigação criminal. Mas com o

progresso científico, outras ciências e áreas do conhecimento estruturado se afirmaram

de igual modo: a biologia forense na análise de vestígios biológicos e, mais

recentemente a serologia e a genética na identificação humana através do ADN.

O contributo de todas estas e ainda de outras áreas científicas, tais como: a

toxicologia forense, a física e química forenses, a balística, a documentologia, a

economia e gestão, a contabilidade, a informática, a acústica e óptica, assim como

diversos ramos da engenharia conduzem-nos numa perspectiva de integração

interdisciplinar ou de ciência aplicada, ao conceito de criminalística. Este conceiro foi

criado por Hans Gross (1847-1915), jurista austríaco professor da Universidade de

Graz, em 1893, justamente como um sistema de integração de várias ciências e áreas do

saber cientifico e tecnológico, adaptadas e aplicadas às necessidades do direito e, em

particular, da investigação criminal, um espaço de interdisciplinaridade, onde as

diversas áreas do conhecimento de entrecruzam e complementam. É aqui que se pode

localizar a polícia científica, imprescindível retaguarda de apoio e auxílio instrumental à

descoberta dos crimes e dos seus autores e que visa alicerçar a produção da prova

material, com o rigor, a fundamentação e a certeza do método científico. Esta é

detentora de um conjunto de actuações e metodologias que visam garantir a

autenticidade, através da preservação, registo, embalagem, etiquetagem e guarda de

vestígios e ainda na adopção de um conjunto de medidas que obstruam a contaminação

quer do local do crime, quer desses vestígios nele recolhidos.

Na produção da prova material, a criminalística e as ciências auxiliares da

investigação criminal e da aplicação do direito penal aplicam procedimentos de

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observação, técnicas de análise e interpretação de vestígios, diligenciando através de um

método comparativo obter conclusões de natureza qualitativa, assentes em critérios de

similitude demonstrada e que suportam o pretendido valor probatório; pretendem

também obter conclusões de natureza quantitativa (matemáticas e estatísticas), assentes

em critérios de probabilidade para suporte de um valor indiciário.

Resumidamente poderemos dizer que é no recurso sistemático ao saber

científico que se reafirma a natureza transversal e multidisciplinar, que é um dos traços

característicos da investigação criminal.

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Bibliografia

Antunes, M.A.F. (1984). Técnica de investigação criminal, BMJ, Lisboa, 338, p 7-44. Fisher, B. A., Block, S. (1993). Techniques of Crime Scene Investigation, Fifth

Edition, CRC Press. Guarda Nacional Republicana (2000). Plano Estratégico – Investigação Criminal

e Análise de Informação Criminal. Comando Geral da GNR, Lisboa, Out2000. Guarda Nacional Republicana (2000). Relatório do Grupo de Trabalho “Malas de

Tratamento de Vestígios”, Comando Geral da GNR, 2ª Repartição, 2000. U. S. Department of Justice (1999). A guide for law enforcement, Crime Scene

Investigation, Office of Justice Programs, Washington, USA.