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O BRASIL E OS BLOCOS REGIONAIS: SOBERANIA E INTERDEPENDÊNCIA

U

O BRASIL E OS BLOCOS REGIONAISsoberania e interdependência

ma questão historicamente pertinente, para todosos que se interessam pela evolução de longo pra-zo da economia mundial, seria inquirir em que

tanto, prevalecer sobre os momentos de ruptura. O fim dosocialismo e a retomada do processo de globalização te-riam recolocado o capitalismo na mesma postura de pree-minência ideológica e de dominação material absoluta queele já ostentava em 1900. Estaríamos assistindo, no quese refere algumas das características desse velho capita-lismo, a um revival de valores em princípios que pare-ciam ter sido aposentados pelo welfare state de meadosdo século XX. Entretanto, haveria algo de fundamental-mente novo na organização social do modo de produçãocapitalista, desde que o laissez-faire da belle époque foideixado de lado pelos requerimentos dirigistas da PrimeiraGuerra Mundial?

O papel do Estado na economia, obviamente, e prova-velmente também o padrão-ouro monetário, sacrificadono altar emissionista do papel-moeda sem lastro aparen-te, constituem dois desses pontos de ruptura. Entretanto,do ponto de vista estrutural, algo mais mudou no cenárioeconômico mundial? Aparentemente pouca coisa, a jul-gar pelo modo de funcionamento e pelos botões de co-mando da economia capitalista. Com efeito, apesar dosinúmeros choques e transformações estruturais por que pas-sou a economia mundial no decorrer do longo século XX

medida, neste início de século XXI, ela difere de modosignificativo de sua equivalente funcional de 100 anosatrás. Quais seriam os elementos de ruptura e quais aque-les de continuidade que uma apresenta em relação à ou-tra, com base nessa perspectiva histórica secular? Umaprimeira mudança de impacto, de natureza mais culturaldo que propriamente econômica, poderia ao mesmo tem-po ser considerada como apresentando características decontinuidade: o capitalismo está novamente sozinho. De-pois de um “breve” intervalo de 70 anos, em sua extensãomáxima, o modo de produção alternativo, baseado na apro-priação supostamente coletiva dos meios de produção,deixa o cenário da realidade para tornar-se uma simplesreferência histórica e talvez mesmo, dentro de mais al-gum tempo, um mero objeto de “arqueologia industrial”.

DOMINAÇÃO DO CAPITAL: DÉJÀ VU AGAIN?

A economia internacional voltou a ser basicamente demercado e os elementos de continuidade parecem, por-

Resumo: Ensaio histórico sobre o desenvolvimento da economia mundial, com ênfase no papel desempenhadopelos blocos de comércio na construção da interdependência econômica contemporânea e pelos processos deintegração na diminuição relativa da soberania nacional. Análise conceitual e empírica sobre esses processose seu desempenho como entidades relevantes da economia mundial do começo do século XXI.Palavras-chave: economia internacional; integração e blocos de comércio; Mercosul.

Abstract: Historical essay on the development of the world economy, with emphasis on the role played bytrading blocks in the creation of economic interdependence. Also examined is the process of integration howit contributes to the relative reduction of national sovereignty. This is a conceptual and empirical analysis ofthese phenomena and their relevance to the world economy at the dawn of the twenty-first century.Key words: world economy; integration and trading blocks; Mercosul.

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(1): 3-16, 2002

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econômico, atores relevantes e processos produtivos per-manecem basicamente os mesmos do que um século atrás.

O grupo de economias dominantes, por exemplo, querespondia pela maior parte dos fluxos internacionais debens, serviços e capitais em 1900, continua, com poucasexceções, a dar as cartas do jogo econômico neste iníciode século XXI, da mesma forma que o sistema produtivocontinua a ostentar, grosso modo, os mesmos princípiosorganizacionais e institucionais. Vejamos, em primeiro lu-gar, os elementos de continuidade mais de perto.

Na Europa, com exceção do desaparecimento do Im-pério Austro-Húngaro, que nunca teve características eco-nômicas bem marcadas, os centros de poder econômicosão praticamente os mesmos. A Alemanha, que já tinhaultrapassado, em 1900, a economia então dominante, ada Grã-Bretanha, volta a integrar, depois da “segundaguerra de trinta anos”, o pelotão das economias domi-nantes, apesar de amputada de cerca da metade de seuterritório e população e de reduzida à condição de anãpolítica durante a maior parte do período. Na Ásia, a as-censão do Japão a grande potência econômica foi obvia-mente confirmada, ainda que as promessas de liderançatecnológica e financeira tenham sido seriamente questio-nadas na última década do século XX. Cem anos atrás, aRússia e a China eram economias marginais em escalaplanetária e assim permanecerão durante quase todo operíodo: a União Soviética teve muito mais importânciana esfera política do que na econômica e o gigante asiá-tico recuperava muito lentamente, no último quarto doséculo XX, sua condição de maior economia do planeta,que o Império do Meio ostentou até o começo do séculoXVIII. Os Estados Unidos, convertidos de grande expor-tador de produtos primários em primeira potência indus-trial, já na passagem do século XX, permanecerão nessacondição durante todo o período, acrescentando, a partirdos anos 30, o título de primeira potência financeira, aooperar-se, no seguimento da suspensão da conversibili-dade da libra em 1931, a passagem à hegemonia finan-ceira do dólar nos mercados financeiros (capitais paraempréstimos e investimentos diretos).

Da mesma forma, o velho capitalismo concentrador edesigual, cujos “horrores econômicos” levaram Karl Marxa propor um modo alternativo de produção, volta a mani-festar-se em toda a sua pujança criadora e destruidora aomesmo tempo, retomando aliás o ciclo da internacionali-zação que tinha sido tão bem analisado, em 1848, peloautor principal do Manifesto do Partido Comunista.1 Nadamudou, praticamente, em relação a especialização produ-

tiva, organização da produção e dos mercados, trabalhoassalariado e sistemas contratuais, não fosse pelo reforçodas atividades do terciário – hoje quase dois terços da eco-nomia nos países desenvolvidos – que Marx ignorava to-talmente por considerá-las como “não produtivas”. Algomudou, por certo, no panorama geográfico da economiamundial, o que é revelado pela incorporação das últimasterrae incognitae ao movimento do capital, territórios antesreservados ao modo de produção socialista que, ao desa-parecer depois de setenta anos, se tanto, de vida “inútil”,sempre foi marginal nos campos da tecnologia, das finan-ças, do comércio e da inovação.

Ainda mais autocentrado e autárquico do que as eco-nomias comandadas pelos regimes fascistas do entre-guer-ras, o socialismo manteve-se – ou foi mantido – à mar-gem da economia mundial. Ainda assim, os sistemasbaseados no planejamento estatal centralizado exerceramcerta influência no pensamento econômico do século XX,contribuindo para moldar políticas econômicas que tive-ram certa ascendência no imediato pós-guerra, como a in-dução pública dos investimentos, o controle estatal daoferta de “bens públicos” e os novos monopólios nacio-nais nas esferas de transportes, comunicações, energia,notadamente. Não obstante isso, o planejamento indicati-vo e o controle estatal praticados em certas economiascapitalistas na segunda metade do século foram mais emrazão do legado do período de guerra, quando setores in-teiros da economia possuindo algum significado estraté-gico tiveram de ser mobilizados e controlados pelo Esta-do, do que a algum compromisso ideológico com ossistemas econômicos de tipo nacional-socialista ou comu-nista. Vale lembrar, também, que a suposta herançakeynesiana dos anos 30, teve escassa influência nos pa-drões de políticas públicas do período anterior à SegundaGuerra Mundial, vindo a florescer, basicamente, nos sis-temas de welfare state do pós-guerra. As mudanças polí-ticas então introduzidas, tendo em vista o maior controlegovernamental sobre o instrumental macroeconômico (de-manda agregada, política fiscal, taxa de juros, movimen-tos de capitais), respondiam mais a preocupações de or-dem prática dos políticos e estadistas, acossados pelamemória da depressão dos anos 30, do que às contribui-ções teóricas do grande pensador econômico britânico.

Em todo caso, no mesmo momento em que o keyne-siasmo passou a enfrentar certo declínio intelectual e polí-tico, sob o impacto do aríete ideológico do tatcherismo eda reaganomics, inspirados diretamente em Hayeck, jo-gavam-se algumas pás de terra no caixão do modo de pro-

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dução socialista, falecido mais em virtude da inanição agudacausada por sua inoperância econômica do que pelo vírusda democracia política. Assistiu-se, a partir de 1989, nãotanto a um “fim da História”, mas a um “fim da Geogra-fia”, uma vez que o levantamento das barreiras artificiaisao deslocamento do capital fez surgir, no mesmo movi-mento, um único “exército industrial de reserva”, obvia-mente representado pela China e seus milhões de cooliesdo novo capitalismo manchesteriano do século XXI.

Com efeito, o impacto da incorporação dos ex-paísessocialistas aos circuitos da economia internacional nãoseria muito grande como produto global (15%, se tanto,do PIB mundial, em razão de sua baixa produtividade) emenos ainda, em fase inicial, como aumento do comércio(basicamente produtos primários, já que os manufatura-dos “socialistas” tinham competitividade nula), mas as con-seqüências seriam mais relevantes no que tange a divisãointernacional do trabalho, com uma expansão em tornode 35% da população economicamente ativa. Esse incre-mento do exército industrial de reserva se refletiria no au-mento da participação da China nos fluxos de comérciointernacional, à medida que ela (ainda formalmente so-cialista) passa a dirigir para o exterior a produção deriva-da dos investimentos diretos estrangeiros (grande parte de-les da diáspora chinesa no sudeste asiático) que ela passaa acolher em volume expressivo nos anos 90.

Em que pese, no entanto, a manutenção de um mesmonúmero definido de atores globais e a persistência de pa-drões relativamente similares de produção, comércio e fi-nanças, a economia globalizada e interdependente do co-meço do século XXI apenas aparentemente se assemelhaàquela do início do século anterior. A grande diferençamanifesta-se no campo geopolítico (ou talvez no domíniogeoeconômico), pois o movimento de globalização reto-mado no último terço do século XX é acompanhado pelosprocessos de regionalização, destacando-se, nos últimos40 anos, a formação, consolidação e expansão do blocoeuropeu – comunidade européia do carvão e do aço, mer-cado comum, Comunidade, depois União Européia –, queé, de certa forma, o herdeiro coletivo das potências colo-niais européias do final do século XIX.

BLOCOS REGIONAIS:CONCEITO E MANIFESTAÇÕES EMPÍRICAS

Embora a designação de “bloco regional” possa seraplicada a qualquer grupo de países vinculados pelacontiguidade geográfica (blocos asiático, africano ou la-

tino-americano) ou por acordos intergovernamentais, detipo econômico ou político, o termo, em sua acepção res-trita, refere-se aos agrupamentos de caráter comercial re-sultando de um projeto integracionista. São exemplos deblocos regionais a União Européia (UE), o Mercosul e oNafta, bem como dezenas de outras entidades menos co-nhecidas. Mesmo se antecedentes existem na antigüidade– Liga Ateniense – ou no começo da Idade Moderna –Liga Hanseática, por exemplo –, trata-se de fenômenorecente, coincidindo com a emergência da ordem interna-cional pós-Segunda Guerra. O processo de formação dosblocos regionais contemporâneos coincide com o desen-volvimento dos processos de integração econômica, cujoprimeiro exemplo bem-sucedido foi o Mercado ComumEuropeu criado pelo tratado de Roma de 1957, converti-do depois em Comunidade Européia e mais recentemente(1992) em União Européia, contendo inclusive dispositi-vos sobre moeda única.

O conceito de integração econômica aplica-se a enti-dades de natureza política diversa, com realidades eco-nômicas diferenciadas entre si, mas será melhor percebi-do se considerado como um processo em etapas sucessivas:área de preferências tarifárias, que comporta a simplesredução seletiva de tarifas entre dois ou mais sócios, semobrigações complementares como política comercial; zonade livre-comércio, que liberaliza completamente o inter-câmbio entre membros em um prazo determinado, con-servando entretanto cada qual sua própria estrutura tarifáriaem relação a terceiros países; união aduaneira, que com-preende, ademais, a definição de uma tarifa externa co-mum; mercado comum, que liberaliza completamente ofluxo de fatores produtivos e de pessoas, além de obrigara adoção de políticas comuns nas áreas comercial, indus-trial, agrícola e de concorrência, entre outras; união eco-nômica e monetária, que pode comportar, como no casoda UE, a abolição das moedas nacionais em favor de ummeio circulante comum a seus membros.

Os blocos regionais organizados em torno de um acor-do de integração, como a UE, o Mercosul e o Nafta, apre-sentam a dupla característica de serem discriminatóriosem relação aos países não-membros – isto é, excluindoestes últimos das vantagens e benefícios recíprocos con-cedidos aos membros, configurando, portanto, uma exce-ção ao princípio da nação-mais-favorecida (NMF) admi-nistrado pelas regras do GATT – e de contribuírem,progressivamente, para o aumento da interdependênciaeconômica global, ao anteciparem e prepararem proces-sos mais complexos e geograficamente mais amplos de

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liberalização comercial e de abertura econômica no qua-dro do sistema multilateral de comércio, atualmente regi-do pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Amultiplicação desse tipo de acordo comercial nas duasúltimas décadas do século XX obrigou inclusive essa or-ganização a constituir, desde 1996, um Comitê sobre Acor-dos Regionais de Comércio, com vistas a monitorar seudesenvolvimento, a examinar sua consistência com as re-gras do GATT-OMC e a evitar a generalização de práti-cas excludentes e discriminatórias. Como exemplos des-sas práticas podem ser citados os regimes especiaisaplicados a determinados ramos da economia – como aPolítica Agrícola Comum da UE, por exemplo, altamentedistorcida das regras multilaterais de comércio –, que re-sultam em reservas de mercado e dispositivos contráriosao princípio do tratamento nacional, outro dos fundamen-tos do GATT, com a reciprocidade.

No regime do GATT, os blocos regionais são regidospelo art. 24, que estabelece as condições pelas quais es-ses agrupamentos (em geral sob a forma de zona de livre-comércio ou de união aduaneira) podem ser progressiva-mente constituídos como exceção à cláusula NMF(geralmente no prazo de dez anos), devendo cobrir “subs-tancialmente todo o comércio” entre os membros, sem in-troduzir maiores barreiras tarifárias e restrições não-tari-fárias do que as existentes no comércio desses países comterceiros, anteriormente à criação do novo bloco. Em 2000,existiam no mundo cerca de 130 agrupamentos regionais,e 90 deles tinham sido notificados à OMC depois de suacriação, isto é, 1995. Desse número, seis blocos tinhamsido declarados em conformidade com as regras do GATT-OMC, mas apenas dois estavam ainda vigentes.

A UE, a mais exitosa experiência de integração econô-mica conhecida, estabeleceu desde seu início o objetivodo mercado comum (livre circulação de bens, serviços,capitais e pessoas), atingido de forma acabada apenas em1993, mas convivendo durante muito tempo com espaçoseconômicos reservados aos nacionais de seus países cons-titutivos (monopólios estatais ou exceções nacionais emmatéria de transportes aéreos, sistemas bancários, meiosde comunicação de massa, por exemplo). Já o Nafta é umasimples zona de livre-comércio, embora reforçada por dis-positivos liberalizantes abrangentes, cobrindo serviços,investimentos, concorrência, compras governamentais epropriedade intelectual. O Mercosul pretende ser um mer-cado comum, ainda que em uma modalidade intergover-namental e não sob o formato do direito comunitário comono caso da UE. Entretanto, dez anos depois de sua cria-

ção, em 1991, ele ainda não conseguiu realizar plenamentesua zona de livre-comércio ou implementar de maneiraintegral sua união aduaneira. Os demais exemplos conhe-cidos de integração combinam elementos de livre-comér-cio com os de uma simples área de preferências tarifárias,a primeira etapa da construção integracionista.

O modelo europeu de cooperação econômica e de in-tegração comercial – que na verdade começou em 1951com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca)– exerceu forte influência em toda a América Latina, ten-do inspirado diversos experimentos integracionistas des-de os anos de 1960, a começar pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), criada pelo Tratadode Montevidéu desse ano e substituída, vinte anos depois,pela Aladi, que a despeito do ambicioso objetivo integra-cionista que ostenta no nome não passa de uma simpleszona de preferências tarifárias. É no âmbito da Alalc-Aladique se desenvolvem as experiências sub-regionais deintegração, a começar pelo Grupo Andino (criado com oPacto de Cartagena de 1969), convertido em Comunida-de Andina em 1996 (sem que, no entanto, sua pretensãoem atingir a fase do mercado comum tenha sido sequervislumbrada), e sobretudo a do Mercosul, o mais impor-tante bloco de países em desenvolvimento que pretendem,tendencialmente, alcançar um mercado comum. A Aladi,que oferece cobertura jurídica – do ponto de vista das re-gras do GATT e dos compromissos multilaterais comer-ciais – a todos os países da região, reagrupa quase todaAmérica do Sul (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colôm-bia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela), maiso México (que solicitou uma derrogação de suas obriga-ções em relação à cláusula NMF, pelo fato de ter aderidoao Nafta) e, desde 1998, Cuba.

No ano de 1960, criou-se a Associação Européia deLivre Comércio (Efta) com vistas a oferecer uma perspec-tiva de liberalização dos intercâmbios aos países que nãoaderiram, em 1957, ao projeto comunitário dos tratadosde Roma, em especial o Reino Unido e os países escan-dinavos. A Efta agrupou, no início, todos os outros paísescapitalistas europeus que não pertenciam à ComunidadeEuropéia, mas quase todos eles decidiram aderir, aos pou-cos, ao sistema comunitário, à exceção da Suíça, da No-ruega e da Islândia. Data dessa mesma época, o MercadoComum Centro-Americano (MCCA), que nunca realizouseu objetivo nominal, contentando-se com acordos de li-vre-comércio com seus vizinhos maiores, como México,Venezuela, Colômbia e também o Chile. México, Vene-zuela e Colômbia encontram-se por sua vez vinculados,

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desde 1995, no chamado Grupo dos Três (G-3), que visaà constituição de uma zona de livre-comércio num prazode dez anos.

Ainda no hemisfério americano, cabe reconhecer queo maior agrupamento de todos, o já citado Nafta – assina-do em 1992, em vigor desde 1994 entre os Estados Uni-dos, o Canadá e o México – pode ser estendido a outrospaíses, como revelado em algumas concessões feitas apaíses do Caribe e da América Central e, sobretudo, nadecisão tomada pelos Estados Unidos em novembro de2000 a fim de negociar um acordo de livre-comércio como Chile, país que já mantém acordos similares com outrosdois membros do Nafta, o México (1992) e o Canadá(1998). Dois pequenos grupos regionais atraem mais aatenção do que efetivamente pesam na balança da região:a Comunidade do Caribe (Caricom), criada em 1995 como objetivo de constituir um mercado comum, mas que nãologrou sequer ser uma zona de livre-comércio; e a Asso-ciação dos Estados do Caribe (AEC, 1994), da qual fa-zem parte inclusive Cuba, os centro-americanos, Méxicoe Venezuela, e que se dedica mais à concertação e à coo-peração econômica e política.

Na região da Ásia-Pacífico, destacam-se: a Associaçãodas Nações do Sudeste-Asiático (Asean), criada na épocada guerra fria (1967) para fortalecer a cooperação políticaentre países anticomunistas, mas que admitiu, recentementeo Vietnã ainda formalmente comunista e que tenta nego-ciar uma zona de livre-comércio passando por um sistemade preferências tarifárias; a Closer Economic Relations(CER), zona de livre-comércio entre Austrália e NovaZelândia que pode evoluir para uma união econômica; e aAsia Pacific Economic Cooperation (Apec), fórum de diá-logo que associa quase todos os países da bacia do Pacífi-co (inclusive no hemisfério americano) em um programade liberalização de comércio e de cooperação econômica.Na África, a despeito de tantos experimentos, ao longo dosanos, quanto na América Latina, o único bloco regionalcom viabilidades comerciais – mas inúmeros obstáculospolíticos momentâneos – parece ser representado pelaSouthern African Development Community (SADC), com-posto por uma dúzia de nações meridionais sob a lideran-ça da África do Sul, e que visa à constituição de um mer-cado comum em médio prazo.

Na última década do século XX, os dois processos apa-rentemente contraditórios – mas basicamente complemen-tares – da globalização e da regionalização avançaram demaneira constante e aparentemente bem-sucedida. A UE,instituída pelo Tratado de Maastricht (1992) e constituí-

da em união monetária (entre onze membros apenas, emsua fase inicial, entre 1999 e 2001), encontrava-se nego-ciando o ingresso de mais de uma dezena de países daEuropa central e meridional e assinou um acordo-quadrode cooperação com o Mercosul (1995), que poderá evo-luir para uma zona de livre-comércio. Da mesma forma, oMercosul multiplicou, em sua fase de união aduaneira (apartir de 1995), os acordos de associação com outros paí-ses (Chile e Bolívia, em 1996 e 1997; África do Sul, em2000) ou grupos de países (Comunidade Andina, em 1998,sem sucesso porém, repetindo-se a iniciativa em 2000 paraimplementação a partir de 2002).

A CAN partilha de muitas das preocupações do Mercosulnas negociações levadas a efeito no quadro do chamadoprocesso hemisférico, cujo objetivo é a constituição, a par-tir de 2005, de uma área de livre-comércio do Alasca à Ter-ra do Fogo, concebida segundo o modelo do Nafta. As ne-gociações, lançadas em Miami, em 1994, entre 34 países daregião (à exceção de Cuba), foram de fato iniciadas combase na reunião de cúpula de Santiago (1998) e ratificadasem Quebec (2001); se exitosas, elas podem levar àimplementação da Alca depois de 2005, embora subsistamvários imponderáveis econômicos – acesso a mercados deprodutos agrícolas ou medidas antidumping, por exemplo –e políticos – correspondência com movimentos e processossimilares de liberalização no âmbito da OMC, iniciativassemelhantes da UE em direção ao Mercosul. Esse bloco,com apoio da CAN, logrou obter, em 1997, na conferênciaministerial de Belo Horizonte, que a eventual formação dafutura Alca se fizesse segundo o modelo da adição dos es-quemas comerciais existentes na região – conceito debuilding-blocks –, e não pela simples diluição ou integra-ção individual dos países latino-americanos ao acordo doNafta, como pretendiam então os Estados Unidos.

COMÉRCIO: LIBERALISMO, PROTECIONISMO,MULTILATERALISMO E REGIONALISMO

Os fluxos de comércio explodiram ao longo do séculoXX, saindo do quadro dos tratados bilaterais típicos da-quele século – com cláusulas condicionais e limitadas denação-mais-favorecida – para o âmbito dos acordos mul-tilaterais regidos pelo GATT a partir de 1948. Poucas na-ções, a exemplo da Grã-Bretanha – entre 1856 e a Primei-ra Guerra Mundial –, praticavam o livre-comércio, masas barreiras tarifárias e não-tarifárias eram bem menos im-portantes no século XIX do que vieram a ser na passagempara o século XX e, sobretudo, depois da grande crise de

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1929. Depois do protecionismo dos anos 30, o comérciointernacional cresceu a ritmos sustentados no pós-guerra,atuando como indutor de modernização tecnológica e deganhos de competitividade. De fato, o ritmo de expansãodo comércio internacional, nesse período, apresentou ta-xas consistentemente superiores ao crescimento do pro-duto global, evidenciando o aumento da especialização, adiminuição dos custos de transportes e uma estratégia demarket sharing por parte das empresas transnacionais.

Elas são, na verdade, as grandes responsáveis, a partirdos anos 50, pelo aumento do comércio mundial, que, àdiferença do início do século XX, não mais se reduzia àtroca de produtos acabados entre economias nacionais, maspassou a ser cada vez mais dominado pelo intercâmbio deprodutos semi-acabados e de componentes, que são ex-portados, não mais para “países”, mas para outras firmas,muitas vezes afiliadas ou subsidiárias das primeiras. Apartir do quarto final do século XX, um terço, senão mais,do comércio internacional passou a ser realizado entre aspróprias firmas multinacionais, em geral no sentido Nor-te-Norte, já que o comércio Norte-Sul continua a ser do-minado por um padrão mais tradicional de trocas, envol-vendo matérias-primas e commodities contra manufa -turados e outros produtos de maior valor agregado.

Por outro lado, uma parte desse intercâmbio tambémcomeçou a ser realizado ao abrigo de sistemas preferen-ciais, como são os esquemas de integração e os blocos decomércio, seja no formato mais simples das zonas de li-vre-comércio, seja nos mais sofisticados de tipo mercadocomum ou união monetária. Esses arranjos econômicos,sancionados ou não pelo sistema multilateral de comér-cio regido pelo GATT, começaram a ser feitos, em certamedida, para contornar obstáculos não-tarifários que pas-saram a ser erigidos à medida que as rodadas de negocia-ções multilaterais do GATT foram reduzindo, em níveisgeralmente insignificantes, as tarifas aplicadas a bens in-dustriais pelos países mais avançados. Em determinadomomento, o desarme tarifário deu lugar a discussões so-bre obstáculos não-tarifários e outras medidas não quan-tificáveis – chamadas de “zona cinzenta” – cujo impactocresceu valendo-se do momento em que novos competi-dores agressivos, como os países emergentes da periferiacapitalista, passaram a oferecer uma gama mais ampla deprodutos de melhor qualidade nos mercados mundiais.

O protecionismo comercial pode ser ocasional e sujeitoa lobbies setoriais que fazem pressão pela defesa de empre-gos em determinadas indústrias – como nos EUA, onde eleem geral assume a forma de abusivas medidas antidumping

ou dos direitos compensatórios – ou institucionalizado e sis-temático, como no caso da “Política Agrícola Comum” daUnião Européia, baseada em mecanismos complexos de pro-teção à produção local – via subsídios à produção e restri-ções quantitativas, como quotas e picos tarifários contra asimportações – complementada pela competição desleal nocomércio externo, mediante subvenções ilegais às exporta-ções. Geralmente aplicado ao setor agrícola ou no caso dealgumas indústrias tradicionais não competitivas – siderúr-gicas, têxteis, calçados –, o neoprotecionismo dos paísesdesenvolvidos subtrai aos países emergentes e em desen-volvimento o benefício que eles poderiam retirar do co-mércio exterior enquanto fator indutor de crescimento e detransformação estrutural de suas economias.

Alguns mecanismos compensatórios foram desenvol-vidos a partir dos anos 50 e sobretudo nos 60 para inte-grar de forma mais completa os países em desenvolvimentona economia mundial. Eles se manifestam no sistema ge-ral de preferências – pelo qual os países industrialmenteavançados fazem concessões tarifárias àqueles menosavançados, sem exigir compensações em troca – e em al-guns acordos concessionais que tendem a reproduzir an-tigas relações de dependência formalmente abolidas coma descolonização. A conferência das Nações Unidas so-bre comércio e desenvolvimento – UNCTAD – tentou con-sagrar, nos anos 60 e 70, formas mais avançadas de rela-cionamento comercial, financeiro e tecnológico entrepaíses ricos e pobres que pudessem institucionalizar, pormeio de acordos multilaterais, o princípio do tratamentodiferencial e mais favorável em favor dos últimos, mas osprimeiros sempre manifestaram preferência por arranjosmais flexíveis, caracterizados pela concessionalidade uni-lateral e seletiva (inclusive do ponto de vista político).Práticas discriminatórias e modalidades pouco transparen-tes de acesso a mercados continuam, portanto, a marcar ocomércio internacional, a despeito do grande progressoque se logrou quando, no final da Rodada Uruguai de ne-gociações comerciais multilaterais, se passou, em 1995,do regime mais “permissivo” do GATT-1947 para osmecanismos mais estritos do GATT-1994 e da OMC.

Não obstante isso, o tratamento discriminatório mani-festa-se sobretudo sob a forma dos esquemas de integra-ção, geralmente entre países vizinhos. Os blocos regio-nais de comércio adotam como ponto de partida acontigüidade geográfica para desenvolver mecanismospreferenciais de acesso aos mercados dos países-membros,mas a maioria limita-se a esquemas pouco elaborados, aoestilo das zonas de livre-comércio como o Nafta (embora

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ele contemple arranjos reforçados em serviços, investi-mentos e propriedade intelectual). Alguns blocos comer-ciais avançam a ponto de se converter em mercados co-muns (como pretende ser o Mercosul, que ainda precisacompletar sua união aduaneira) e apenas um, a UniãoEuropéia, consolidou seu mercado comum e deu passosdecisivos para converter-se em união econômica e mone-tária, tendo adotado inclusive uma moeda comum, o euro.

Os blocos comerciais tornaram-se importantes atoresda economia internacional, justificando-se que a OMCtenha decidido instituir, um ano após sua criação, um co-mitê dedicado a monitorar suas atividades, de maneira aassegurar que esses arranjos – que, por sua natureza dis-criminatória, podem desviar fluxos de intercâmbio – pre-servem a compatibilidade com as regras do sistema mul-tilateral. Em todo caso, na passagem do século XX para oXXI, o processo de liberalização comercial poderia serimpulsionado tanto pelas rodadas multilaterais adminis-tradas pela OMC, cuja estrutura é formalmente igualitá-ria, como pelos mecanismos geograficamente restritos dosblocos comerciais.

Entre eles, o Mercosul – uma bem-sucedida experiên-cia político-econômica e o mais importante esquema deintegração entre países em desenvolvimento – parece amea-çado de ser colocado em situação de diluição comercialantecipada sob pressão da Alca (Área de Livre-comérciodas Américas), projeto que envolve todo o hemisfério (comexceção de Cuba). Criado pelo Tratado de Assunção de1991, o Mercosul juntou numa mesma união aduaneira –com a perspectiva de se avançar para um mercado comum– as economias da Argentina, do Brasil, do Paraguai e doUruguai, aos quais se associaram, mediante um acordo delivre-comércio de 1996, Chile e Bolívia. Como resultadode uma reunião de chefes de Estado dos países da Améri-ca do Sul em Brasília, em setembro de 2000, negociaçõesestavam sendo travadas para a conformação de um espaçoeconômico integrado nesse continente até 2005, unindo ospaíses do Mercosul e os da Comunidade Andina.

ALCA: FIM DA SOBERANIA ECONÔMICABRASILEIRA E DESAPARECIMENTODO MERCOSUL?

Admitindo-se que a opção pelo estabelecimento de umespaço integrado em seu imediato entorno geográfico,tal como evidenciado na experiência do Mercosul, cons-titui uma das principais vertentes da estratégia brasilei-ra de inserção econômica internacional na atualidade,

pode-se perguntar em que o desenvolvimento dessa mo-dalidade restrita de interdependência econômica contri-bui para o fortalecimento de sua economia e como airrupção da proposta da Alca pode, ao contrário, enfra-quecer a “soberania” econômica do Brasil e colocar emperigo as fundações do Mercosul. Registre-se que asquestões mencionadas já comportam uma opção de prin-cípio pelo Mercosul e uma recusa apriorística da Alca,como parece ocorrer com a maior parte dos atuais co-mentaristas da economia brasileira.

Com efeito, muitas das questões que cercam o debatesobre as vantagens e desvantagens da Alca para o Brasil eo Mercosul vêm sendo contaminadas por uma espécie departi pris ideológico, ou seja, uma posição de princípioque, por um lado, tende a recusar, em caráter absoluto, osfundamentos e as implicações econômicas da zona de li-vre-comércio hemisférica, aceitando, por outro lado, a es-tratégia política de “menor custo” do Mercosul para a eco-nomia brasileira ou a opção pela associação desse blococom a supostamente mais benigna União Européia. Sãopoliticamente realistas ou economicamente racionais taispontos de vista e correspondem aos interesses bem pen-sados da sociedade brasileira, que parece ter chegado auma nova etapa de sua transição para a modernidade?

Essa não é a postura assumida neste ensaio, que pro-pugna um exame ponderado de cada um dos elementosem jogo, que tem em vista exclusivamente a formulaçãoda melhor estratégia possível de inserção econômica in-ternacional do Brasil. Caberia discutir cada um dos argu-mentos favoráveis ou contrários à Alca, tentando separaro que se apresenta como realidade econômica decorrenteda liberalização, ou seu possível desdobramento, do quese poderia classificar como posicionamento político emrelação ao projeto proposto pelos EUA para o continente.Outra distinção importante a ser feita é a que se refere aoque se poderia chamar de “componentes estruturais daAlca” – seus elementos “imanentes”, em linguagemkantiana – e a simples mecânica do processo negociador,que vem-se desenvolvendo desde a segunda metade dosanos 90 e promete estender-se até o início de 2005, pelomenos, segundo o que foi acordado em nível ministerialem Buenos Aires e ratificado na cimeira de Quebec, emabril de 2001.

Com efeito, até a conclusão dessas negociações, cujoscontornos específicos dependem muito do conteúdo domandato negociador a ser atribuído pelo Congresso aoExecutivo dos Estados Unidos, torna-se difícil especularsobre benefícios e ameaças da Alca para a economia do

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Brasil e para o esquema do Mercosul. Pode-se no entantoantecipar, com base nas evidências até aqui demonstra-das, que o legislativo e os negociadores americanos vêema construção da Alca como mero resultado da derrubadade barreiras latino-americanas aos produtos e serviços dosEUA, cabendo-lhes bem pouco fazer com suas própriasbarreiras, senão a eliminação geral, com as exceções depraxe, das tarifas em geral baixas aplicadas na importa-ção de produtos. Essa não tem sido a visão da diplomaciabrasileira, que procura colocar na mesa de negociaçõesoutros elementos importantes com vistas a lograr um acor-do final mais equilibrado, não apenas em relação ao aces-so a mercados – em que são evidentes diversos focossetoriais de protecionismo americano – mas também noque se refere a normas e disciplinas de política comercial,terreno no qual são igualmente claras as restrições aplica-das a produtos estrangeiros no mercado americano.

Um ponto precisa ficar claro no debate que se vai se-guir. A compreensão do que seja um acordo de livre-co-mércio varia muito de perspectiva, segundo se faça umaanálise acadêmica dos resultados da abertura econômicae da liberalização dos mercados ou se parta de evidênciasmais empíricas resultantes de um processo negociadorconcreto. Na primeira visão, de modo geral de cunho eco-nomicista, a liberalização comercial, quaisquer que tenhamsido sua amplitude e distribuição entre parceiros, é vistacomo positiva, pois que conduzindo a uma alocação óti-ma de recursos e uma utilização mais eficiente da dota-ção em fatores. Na segunda perspectiva, pode-se dizer quenão existe, para a maior parte dos negociadores, essa fi-gura utópica do “livre-comércio”, um conceito puramen-te imaginário que só se materializa nos escritos dos teóri-cos acadêmicos, mas na verdade dotado de poucoembasamento prático; para eles, trata-se de lograr a me-lhor situação possível de reciprocidade no processo deabertura comercial, administrando áreas de liberalizaçãoprogressiva em função das vantagens percebidas ou apa-rentes. Trata-se de um dilema teórico-prático que não pode-rá ser resolvido no presente texto, que tem apenas o objetivode oferecer alguns elementos de reflexão sobre as opções doBrasil e do Mercosul na presente fase de discussões sobre aconsolidação interna e o aprofundamento do bloco sub-re-gional em face da opção hemisférica representada pela Alca.

A discussão pode ser organizada em torno de algumasperguntas fundamentais, as mesmas que vêm sendo repe-tidamente colocadas pelos representantes dos meios decomunicação aos negociadores e estudiosos acadêmicosdo processo hemisférico.

A Alca é desejável, benéfica ao Brasil, funcional paraseus objetivos de desenvolvimento econômico e social?– A Alca representa uma espécie particular no gênero in-tegracionista, tratando-se de um processo de liberaliza-ção controlada dos mercados e de abertura administradada economia que já vem sendo aplicado pelo Brasil desdeque ele assumiu compromissos negociais nesse sentido emprincípios dos anos 60 (criação da Alalc) e, com maiorênfase, com base nos esquemas bilaterais de integraçãocom a Argentina (1986-88) e, de forma quadrilateral, comos demais parceiros do Mercosul (1991). Os cálculos so-bre custos e benefícios desse gênero de abertura foramconduzidos de forma mais ou menos empírica pelos res-ponsáveis políticos e econômicos em cada uma dessasoportunidades e julgados compatíveis com as necessida-des de desenvolvimento do Brasil, ainda que em nenhumdos casos se tenha alcançado a liberalização total e aintegração completa dos mercados.

Do ponto de vista estrito do desempenho ótimo dasoportunidades econômicas, toda experiência de integra-ção, ainda que na forma simplificada da eliminação debarreiras aduaneiras sob um regime de livre-comércio, édesejável, quanto a uma situação de plena autonomia eco-nômica, pois que corresponde a uma etapa inicial deliberalização de mercados e de inserção nos circuitos dainterdependência mundial, mesmo em um âmbito geográ-fico mais restrito. Os economistas, procedendo a uma si-mulação teórica de caráter extremo, recomendariam aliásuma liberalização unilateral erga omnes, isto é, condu-zindo à plena integração com o mundo, pois que permi-tindo nesse caso o livre fluxo de fatores e uma alocaçãoótima das dotações econômicas. Esse tipo de exercícioricardiano não foi contudo tentado por nenhum país daera moderna, tendo apenas se manifestado de maneira maisou menos abrangente sob o capitalismo de vanguarda daInglaterra vitoriana. Desde então, as experiências deliberalização têm sido conduzidas sob forma condicionale restrita, tendo alcançado maior desenvolvimento naEuropa ocidental, nos diversos esquemas ali conhecidosdesde o final dos anos 40 (no Benelux, na Ceca, na Co-munidade Européia, na Aelc, na União Européia, nota-damente). Todos esses exemplos têm confirmado empi-ricamente os pressupostos teóricos traçados pelos econo-mistas sobre os benefícios da liberalização ampliada.

Não deveria, portanto, ser diferente para o Brasil, tan-to no formato mais restrito do Mercosul como no esque-ma ampliado de uma futura Alca, ainda que não se possaarriscar previsões mais positivas quanto a seu caráter fun-

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cional, ou não, para seus objetivos de desenvolvimentoeconômico e social. Em princípio, a resposta é positiva,ainda que de forma indireta, uma vez que a integração e aliberalização produzem situações de maior eficiênciaalocativa, conduzindo ipso facto ao aumento da produti-vidade, à expansão do emprego e à elevação dos níveis deremuneração. Deve-se no entanto observar que o proces-so de liberalização comercial, estrito senso, não tem comomissão histórica “produzir” desenvolvimento, isto é, pro-vocar transformações estruturais na formação social queenvolve o sistema econômico, mas tão-somente produzirmaior eficiência produtiva, o que por si só não gera dis-tribuição de riqueza ou justiça social. A agenda desen-volvimentista é algo mais amplo que a forma de organiza-ção social da produção, implicando em um complexo jogode fatores políticos e sociais que ultrapassam em muito aspossibilidades transformadoras da abertura econômica ecomercial.

Resumindo: a Alca pode ser benéfica para o Brasil, masnão se deve esperar que ela resolva todos os nossos pro-blemas de desenvolvimento econômico e social no curtoou médio prazo; estes só podem ser encaminhados inter-namente, com a mobilização de outros vetores de trans-formação estrutural – educação, capacitação profissional,investimentos em ciência e tecnologia, modernizaçãoinstitucional, etc. –, não de maneira exógena quando deum impulso originado no entorno econômico externo.Mercosul e Alca são compatíveis entre si?; a Alca nãopode simplesmente dissolver o Mercosul e condená-loao desaparecimento enquanto experimento sub-regio-nal? – Em princípio, Alca e Mercosul são plenamente com-patíveis entre si e até complementares, uma vez que osesquemas de livre-comércio, mesmo baseados em proces-sos negociais autônomos e independentes, tendem a se re-forçar mutuamente e a produzir eficiências dinâmicas quepotencializam os ganhos alocativos. No que se refere es-pecificamente ao caso desses dois esquemas americanos,pode-se argumentar que uma zona de livre-comércio maiortende a absorver e a diluir a menor, que foi o que ocorreu,comparativamente (no gênero união aduaneira), entre oBenelux e a Comunidade Européia no decorrer dos anos70 e 80.

Esse não deveria ser o destino, porém, do Mercosul,que corresponde a uma etapa superior da família integra-cionista, suplementando seu compromisso de livre-comér-cio com as obrigações de uma união aduaneira (tarifa ex-terna comum, política comercial comum) e visandoalcançar, num horizonte histórico ainda indeterminado,

uma situação de mercado plenamente unificado. De ma-neira que o Mercosul sobreviveria e até poderia aumentarseu grau de coesão interna ao enfrentar o desafio de umazona de livre-comércio envolvente, mesmo se no caso daAlca trata-se, potencialmente, de uma “super” zona de li-vre-comércio, compreendendo aspectos pouco usuais nessegênero de exercício (como compromissos em matéria depropriedade intelectual, política da concorrência, comprasgovernamentais e outros compromissos setoriais não es-tritamente comerciais). Na prática, é evidente que o “mer-cado comum do Sul” não passa, atualmente, de uma zonade livre-comércio deficiente e incompleta, pois que pre-judicada pela existência de alguns setores restritos à aber-tura interna recíproca e de outros funcionando sob regi-me de comércio administrado. Sua união aduaneira “emfase de implementação” é consistente com os pressupos-tos teóricos e empíricos desse tipo de esquema, pois quetendo de conviver com exceções nacionais à tarifa exter-na comum, regimes comerciais específicos a algumas si-tuações nacionais “temporárias e excepcionais” e de fatocarente de uma administração aduaneira uniforme e dota-da de regras claras (falta de um código aduaneiro ou dis-posições quanto à arrecadação fiscal, por exemplo).

Ainda assim, mesmo que o comércio intra-Mercosul sejaabsorvido e dissolvido no esquema mais amplo da Alca, oMercosul tenderá a sobreviver como construção institucio-nal, pois que resultando de uma decisão política no mais altonível, que aponta para sua progressão contínua, ainda quelenta e por vezes intermitente, em direção de um mercadocomum e talvez até mesmo de uma união econômica, a exem-plo da Europa de Maastricht (pelo menos no que se refere àunião monetária). Os perigos que cercam sua evolução co-mercial derivam mais dos desafios competitivos associadosao pólo econômico dominante e da força centrífuga do dólardos EUA, do que da Alca em si, que seria pouco relevante sefosse hipoteticamente subtraída a potência hegemônica. Con-tudo, mesmo nessa situação extrema de eventual inoperân-cia econômica do Mercosul em razão da preeminência abso-luta dos EUA no esquema hemisférico, o projeto sub-regionaldo Cone Sul tende a sobreviver, pois que ele compreendebem mais do que simples compromissos liberalizadores, es-tendendo-se a entendimentos sociais, administrativos e depolíticas setoriais outras que as meramente econômicas (jus-tiça, turismo e cultura, ciência e educação, previdência so-cial, entre várias outras), o que justificaria a continuidadedesse projeto político e societal.

Resumindo: a Alca representa um enorme desafio paraa continuidade e para a afirmação da personalidade do

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Mercosul, mas a sua dissolução só se daria por expressadecisão e vontade dos dirigentes políticos dos países-mem-bros, não em função da criação e implementação plena deuma zona de livre-comércio hemisférica, que de formaalguma eliminará, ao contrário até estimulará, o desen-volvimento de outras vertentes integrativas entre os paí-ses-membros e associados do Mercosul. Este tem um ca-pital político e uma cultura própria que jamais serãoalcançados no plano hemisférico, por mais poderosa eabrangente que venha a ser a Alca no domínio econômicoe comercial.O projeto da Alca não representa uma ameaça funda-mental às economias do Brasil e do Mercosul, pelo fatode que sua vocação liberalizadora vai além da agendatradicional de uma zona de livre-comércio, ou devidoa que os elementos de assimetria estrutural são extre-mamente relevantes quando confrontados ao cenáriomais homogêneo da América do Sul ou à dimensão maismodesta de todas as outras economias hemisféricas, àexceção dos EUA? – Sem dúvida que a pauta negociado-ra da Alca vai muito além do que vinha sendo aceito comoa agenda “normal” de uma zona de livre-comércio – com-preendendo apenas liberalização do intercâmbio de bens,mais algumas disposições de caráter aduaneiro para evi-tar triangulação indevida –, abrangendo serviços, proprie-dade intelectual, compras governamentais, investimentose outros aspectos menos relevantes, segundo um progra-ma de abertura e de regulação que já se convencionou cha-mar de “OMC plus”. Pode-se no entanto argumentar quea Alca apenas antecipa, ou acelera, esses aspectos poucousuais das “velhas” zonas de livre-comércio e que tanto oBrasil como o Mercosul encontrariam a mesma pauta dereivindicações liberalizantes numa próxima rodada denegociações comerciais multilaterais ou se decidissemempreender esforço similar com outros esquemas regio-nais (como a CAN, a UE ou outros grupos de países).

Nem tudo porém é tão-somente uma questão de tem-po, já que a ambiciosa agenda da Alca certamente colocadesafios de monta aos países do Cone Sul, em especial noque se refere aos diferenciais de competitividade nos di-ferentes setores que serão presumivelmente incorporadosao esforço liberalizador hemisférico (serviços, comprasgovernamentais, investimentos, por exemplo). Todavia,deve-se observar que os mesmos temas encontram-se pre-vistos no exercício interno ao Mercosul, processo extre-mamente complexo e tematicamente diversificado, a des-peito mesmo do pequeno número de países engajados eda dimensão mais modesta de seus aparelhos produtivos

e de serviços, em grande medida voltados para os pró-prios mercados nacionais. Mais uma vez neste caso, a Alcacoloca ao Mercosul o desafio de seu próprio aprofunda-mento interno, preservando áreas de preferência sub-re-gional em um cenário mais amplo de liberalização pro-gressiva no plano hemisférico. A homogeneidade culturale a intensidade de vínculos intra-Mercosul deve atuar emseu benefício, estimulando negócios no âmbito sub-regio-nal mesmo em face de oportunidades ou desafios poten-ciais no cenário continental mais vasto.

Alternativamente, os perigos presumidos ou efetivospara o Mercosul derivados do esquema da Alca poderiamser pressentidos de acordo com as assimetrias fundamen-tais que caracterizam as economias do hemisfério, nãoapenas como dimensão bruta (a chamada economia deescala), mas essencialmente em razão dos diferenciais in-trínsecos de produtividade e de capacidade de penetraçãomercadológica. Ainda aqui, os perigos são mais supostosdo que reais, uma vez que algumas vantagens comparati-vas naturais e dinâmicas dos países do Mercosul podemservir de contrapeso ou atuar em seu benefício, no con-fronto com a potência avassaladora do gigante do Norte.É de se esperar, por exemplo, que mesmo depois de em-preendido sério esforço de modernização produtiva e deaggiornamento tecnológico por parte dos países doMercosul, os diferenciais de produtividade permanecerãoimportantes em relação àqueles observados em setores deserviços e ramos industriais nos quais os EUA já detêmuma liderança incontestável. Mesmo nesse caso, os dife-renciais de custos de mão-de-obra para serviços associa-dos, particularidades dos mercados locais, diferenças ouespecificidades culturais, assim como o simples fator daproximidade geográfica atuarão em benefício do Brasil edo Mercosul para ampla gama de bens e serviços, produ-zindo portanto atração de investimentos e transferênciade tecnologia em um horizonte de tempo indeterminadodepois de começada a implantação da Alca.

Em análise puramente econômica, aliás, a “ameaça” dasassimetrias não apresenta a mesma relevância estrutural,se pensada fora de um esquema de capitalismo “nacional”.Com efeito, os economistas deduzem uma situação demaior racionalidade econômica intrínseca quando um paísindustrialmente menos desenvolvido associa-se, em esque-ma de livre-comércio, a um parceiro mais poderoso, nãoquando dois ou mais países igualmente “subdesenvolvi-dos” empreendem a construção de um “mercado comum”.Daí as freqüentes críticas de economistas “liberais” aoesquema do Mercosul, manifestando eles a opinião de que

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o Brasil deveria abrir-se diretamente aos EUA num exer-cício de comércio preferencial, pois tal situação conferi-ria mais vantagens a sua economia menos avançada, ade-mais de permitir o desenvolvimento das especializaçõesprodutivas. Na prática, como já constatamos, as situaçõesde livre-comércio nunca são perfeitas, persistindo espaçosde liberalização restrita e diversos mecanismos de proteçãosetorial que inviabilizam o pleno jogo da movimentação defatores idealizada pelos economistas teóricos.

Não se trata de uma questão que possa ser resolvida inabstracto, podendo apenas ser equacionada no terrenoconcreto das negociações para a definição das regras dafutura zona de livre-comércio hemisférica, assim como nodomínio bem mais prático (e microeconômico) das asso-ciações produtivas que serão promovidas voluntariamen-te pelas próprias empresas, independente da vontade dosgovernos. Com efeito, as empresas, conhecendo o cená-rio ambiental em que terão de atuar em determinado se-tor, antecipam-se às medidas governamentais de “imposi-ção” de novas regras, construindo alianças táticas e acordospragmáticos com competidores e parceiros em seu setorde atividade, atuando assim para reduzir de modo progres-sivo tais assimetrias. Esse processo será tão mais rápidoquanto mais desregulado e aberto for o mercado setorialem questão.

Não é certo, por exemplo, que empresas brasileiras e asdo Mercosul sejam invariavelmente menos atuantes do queas dos EUA em todos os setores abertos à competição, assimcomo não é seguro que o diferencial mercadológico emfavor das empresas multinacionais seja válido em todas assituações de acesso e de penetração em novos mercados.Segmentação da demanda, disponibilidade de fatores, apre-sentação dos produtos, identificação cultural e sobretudocapacidade adaptativa e imaginação criadora podem atuarem proveito de empresas locais em certas áreas de bens eserviços. O Brasil, historicamente, já demonstrou possuiruma enorme capacidade de “digestão” de novas tendên-cias e de novas técnicas produtivas, não havendo razão paraacreditar que ele não saberá responder ao desafio que aAlca coloca para o seu sistema produtivo e para a sua ca-pacidade inovadora. A passividade e o fatalismo nuncaforam traços da personalidade brasileira.

Resumindo: a Alca possui, sem dúvida, certo poten-cial “destruidor” de empregos, em função das diferençasreais ou presumidas, de escala e de produtividade, entreas economias hemisféricas, assim como pelo fato de elaestender-se a uma gama tão ampla de setores que ultra-passa, por vezes, a capacidade “balanceadora” e a missão

“restauradora” das condições “normais” de competição porparte dos governos nacionais. Sem embargo, os perigossão mais aparentes do que reais, uma vez que o própriosetor privado encontrará soluções pragmáticas a taisassimetrias, que representam outras tantas oportunidadespara ganhos temporários antes que a liberalização regio-nal converta-se em verdadeiro processo de globalização.Nesse caso, o excesso, ou a tentativa, de regulação gover-namental pode dificultar, mais do que facilitar, o proces-so de superação das assimetrias existentes.Meio ambiente e normas laborais são fatores limitan-tes e negativos no esquema de negociações hemisféri-cas?; tais cláusulas vão bloquear a expansão do comér-cio ou o livre fluxo dos investimentos? – Tais normas, aexemplo das barreiras técnicas e outras medidas não-tari-fárias que limitam ou obstaculizam o pleno acesso aos mer-cados, podem efetivamente constituir fatores limitantes auma verdadeira liberalização hemisférica, pois que con-firmando, se implementadas com base em uma visão ex-clusivamente nacional da questão, o sistema de “arquipé-lago de economias” que caracterizou, durante muito tempo,a economia internacional. A dificuldade não está tanto nafixação de determinado padrão, supostamente mais eleva-do, para equacionar problemas no campo trabalhista e naproteção do meio ambiente – algo continuamente tentadonos foros multilaterais –, mas em sua utilização abusiva,de forma unilateral, para bloquear a livre movimentaçãode bens, serviços e de capitais e tecnologias, inclusivemediante o recurso a sanções de natureza comercial. Essapossibilidade deve ser simplesmente vetada na mesa de ne-gociações, pois que correspondendo a uma reação prote-cionista dos que desejam “fazer girar para trás a roda dahistória”, ou seja, impedir que o capital dissemine-se peloplaneta, aproveitando as melhores chances de custo-bene-fício para uma alocação “ótima” de recursos.

Parece ocorrer, nesse particular, uma curiosa colusãode interesses e de propósitos entre sindicalistas do Nortee seus contrapartes do Sul, entre ONGs de ecologistas dasduas pontas do continente americano, entre refratáriospragmáticos (por definição de direita) e opositores ideo-lógicos (geralmente de esquerda) ao livre-comércio, ade-mais da já conhecida (e pouco santa) aliança entreantiglobalizadores de todos os quadrantes do hemisfério.Normas laborais e ambientais converteram-se no terrenocomum de luta de todos os que se posicionam contraria-mente à Alca, seja pelos nobres motivos da defesa efetivado meio ambiente e dos direitos humanos, seja por aque-les bem mais interessados (e por vezes mais mesquinhos)

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da defesa do emprego local ou de uma idílica produçãosaudável (e subsidiada), em fazendas familiares suposta-mente protegidas da concorrência selvagem introduzidapelas variedades geneticamente modificadas. O mais es-tranho, certamente, é ver sindicalistas do Sul defendendoempregos no Norte – uma vez que a introdução de nor-mas laborais tem precisamente como objetivo impedir a“fuga” do capital, e portanto a transferência de empregosao sul do Rio Grande – ou ecologistas, normalmente con-trários à desigualdade inerente às estruturas econômicasinternacionais, promovendo o protecionismo agrícola nospaíses desenvolvidos ou a manutenção involuntária de po-pulações inteiras de coletores-extrativistas nas regiões tro-picais em níveis próximos da miséria absoluta.

A formulação tentativa e a promoção ativa de normase padrões ambientais e laborais mais avançados, quandocombinada aos estímulos adequados para a livre circula-ção de fatores, inclusive da mão-de-obra, pode no entan-to atuar como elemento de melhoria nos padrões de vidada maioria da população, sobretudo nos países ainda emdesenvolvimento, servindo para elevar a produtividade dotrabalho e a performance geral das economias mais atra-sadas. Sua vinculação a acordos de comércio tem a virtu-de, porém, de bloquear a disseminação desses mesmos pa-drões que seus promotores querem ver implementados,uma vez que dificulta a mobilidade do capital e a transfe-rência de tecnologia pela simples razão de inibir os flu-xos de comércio, em lugar de estimulá-los.

Resumindo: um sistema de códigos de conduta, de ca-ráter voluntário, mas de adesão progressiva, para padrõesambientais e laborais pode permitir superar situações debloqueio “psicológico” que vêm contribuindo para con-taminar o ambiente negociador da Alca. Quanto ao Bra-sil, consciente das limitações, mas também dos enormesprogressos realizados nessas áreas, não parece ter algo atemer baseado na fixação de metas mais ambiciosas nosterrenos social e ambiental. A fixação de metas indicativaspara a adesão progressiva dos países, mais do que a de-terminação de padrões uniformes para todos numa escalasincrônica de tempo, pode servir para reconciliar o capi-tal e o trabalho, assim como ecologistas e empresas.Práticas abusivas de salvaguardas comerciais e deantidumping, assim como políticas deliberadamentedistorcivas das condições de comércio, a exemplo dasmedidas de apoio interno na área de agricultura, po-dem falsear os resultados da Alca, tornando o exercí-cio liberalizador meramente retórico e desequilibra-do? – Certamente, o Brasil e o Mercosul devem atuar com

toda a determinação possível para eliminar as práticas maisdanosas à liberdade de comércio nos terrenos em que eleapresenta uma competitividade “natural” bastante supe-rior à do parceiro supostamente mais poderoso. Os EUA,com efeito, já declararam que pretendem deixar intocada,no processo de negociações da Alca, sua panóplia demedidas de defesa comercial, numa postura contraditóriacom o espírito de qualquer negociação multilateral, na qualtodos os elementos possuindo incidência nos fluxos decomércio devem ser honestamente objeto de exame e even-tual discussão quanto a sua adequação ao novo espaçoeconômico integrado.

Esse posicionamento tem menos a ver com a supostaconsistência desses mecanismos nacionais de defesa co-mercial com as regras do GATT do que com o elementode chantagem política exercido pelo Congresso contra aliberdade de ação dos negociadores do Executivo dosEUA. Trata-se de elemento puramente político, não sus-tentável em qualquer critério econômico de competiçãoleal e de abertura negociada de mercados, e inteiramentedependente do exercício de uma efetiva capacidadenegocial que deve poder manifestar-se no caso do Mercosule do Brasil em particular.

Resumindo: um acordo de livre-comércio hemisféricono qual determinados componentes da agenda permane-cem unilateralmente inegociáveis – uma reprodução eco-nômica do conhecido aforismo orwelliano segundo o qualno “socialismo comercial” todos são iguais, mas algunssão “mais iguais do que outros” – não parece correspon-der aos princípios aprovados em Belo Horizonte, em 1997,quanto ao equilíbrio de resultados e ao compromissoindivisível em benefício de todos.A Alca conduzirá à desnacionalização da economia bra-sileira? Subsistirão políticas setoriais em nível nacional,diminuirá a margem de liberdade alocada à política eco-nômica governamental? – A eventual “desnacionalização”– não de setores, mas de frações de mercados setoriais – combase na venda ou fusão de empresas brasileiras a gigantesestrangeiros não será diferente ou em todo caso maior doque já ocorre no âmbito do processo de globalização atual-mente em curso, que foi voluntariamente assumido pelo Brasilcomo um desafio importante a ser vencido, não como umaameaça a ser evitada. Em nenhum dos processos conhecidosde ativa interdependência econômica, como são os existen-tes no âmbito da OCDE e a fortiori no seio da UE, diminuiuo papel do Estado ou se enfraqueceu a economia nacional,pela simples razão de que o capital estrangeiro passou a par-ticipar com maior intensidade dos esquemas produtivos in-

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ternos e dos circuitos locais de produção e distribuição. Aocontrário, as “pequenas” empresas locais adquirem dimen-são nacional e, então, passam a atuar no plano internacional,constituindo um “capitalismo multinacional” que foi até agorao apanágio dos países mais avançados. Ocorreu assim noscasos de Portugal e Espanha, assim como da Itália, e não háporque descartar que tais processos venham a ocorrer igual-mente no âmbito do Brasil e do Mercosul.

O Brasil tem, por certo, um crônico problema de défi-cit em transações correntes e de desequilíbrio na balançade pagamentos, que acompanharam todo o seu processode industrialização. Entretanto, tais fragilidades estãoigualmente associadas ao ambiente geral dos negócios,mais do que à ausência de capacidade reguladora do Es-tado, que assumirá formas novas num cenário mais previ-sível de planejamento microeconômico. O fato de que par-ceiros estrangeiros passem a atuar em setores antes vedadosou mais limitados à presença de multinacionais não se tra-duz necessariamente numa desintegração automática dascadeias produtivas, antes numa integração destas a circui-tos mais amplos nos planos hemisférico ou mundial.

É evidente, por outro lado, que qualquer acordo inter-nacional que se faça em áreas ainda inéditas de regulaçãomultilateral ou regional, como é o caso da Alca – que pa-rece apontar para um instrumento relativamente “intrusivo”como políticas setoriais ou de mecanismos regulatórios –redunda numa diminuição da esfera da soberania absolu-ta dos Estados nacionais e na redução ulterior dos pode-res regulatórios dos legisladores econômicos e, na outravertente, num aumento do grau de interdependência daseconomias e da margem de liberdade alocada aos agenteseconômicos privados. Contudo, isso é próprio das tendên-cias atuais tanto do regionalismo, como do multilateralismoeconômico, assim como da própria agenda negociadorainternacional, das quais participa o Brasil em plena cons-ciência de causa e tendo sempre como critério absolutode atuação o interesse nacional na matéria. Entre esses cri-térios não se situa o de privilegiar o capital estrangeiroem detrimento do capital nacional, mas em atribuir a am-bos um ambiente regulatório relativamente uniforme quan-to às regras gerais de exercício da atividade, o que é co-nhecido em terminologia “gattiana” como tratamentonacional.

Resumindo: a internacionalização da economia brasi-leira e a constituição de firmas nacionais de dimensão in-ternacional – algo presumivelmente desejado, mesmo pelomais ferrenho opositor da Alca e do capitalismo norte-americano – se dará, não no quadro de um suposto pro-

cesso de “preparação” da economia brasileira para “en-frentar a concorrência externa” – período de tempo que ésempre indefinido e invariavelmente dependente de con-dições “ótimas” de políticas macroeconômicas, comerciale industrial, que nunca se realizam na prática –, mas nopróprio bojo da globalização, seja ela restrita ao hemisfé-rio ou ampliada em escala planetária. Processos de “acu-mulação primitiva” nunca ocorreram de fato, a não ser nasanálises ex-post que tendem a racionalizar a experiênciahistórica e a oferecer como “modelo” o que nunca passoude um processo único e original como desenvolvimentosocioeconômico de determinada formação nacional.2

O Brasil estaria isolado se decidisse permanecer forada Alca? – Trata-se de uma decisão inteiramente políti-ca, de acordo com uma hipótese extrema, mas que serátomada com base numa análise econômica e diplomáti-ca no curso do processo negociador. A Alca não é o úni-co processo negociador de que participam ou participa-rão o Brasil e o Mercosul, bastando mencionar o processobi-regional com a União Européia, os entendimentos nocontexto da África austral e a opção preferencial no âm-bito da América do Sul. As opções para o Brasil e para oMercosul não estão fechadas, como alguns cenários maispessimistas parecem antecipar. É bem mais provável,aliás, não existir uma Alca, por razões que não teriamnada a ver com a oposição ou relutância brasileira (masmais provavelmente com a relutância do Congresso e dopróprio Executivo dos EUA), do que ser concluída umaAlca sem a participação do Brasil.

Uma revisão de meio século do multilateralismo eco-nômico e político revela que nenhum país de dimensões“respeitáveis”, seja ele “atrasado”, seja desenvolvido, per-manece isolado no cenário internacional. A experiência his-tórica da China, da Índia, da Rússia, e dos próprios paísesdesenvolvidos ocidentais, a começar pelos EUA e passan-do pelos grandes da Europa – hoje unidos no mais exitosoexperimento de integração já conhecido – confirma que oisolamento é uma fase temporária e passageira de qualquerprocesso de emergência e consolidação de novas estrutu-ras de poder econômico e político mundial. A posição doBrasil em relação ao sucesso – ou fracasso – das negocia-ções da Alca não deveria fugir a essa regra não escrita dadiplomacia contemporânea. O Congresso dos EUA, aliás,teria provavelmente maior responsabilidade nesse eventualfracasso, do que uma suposta “intransigência” do Itamaratyou do Governo brasileiro. Muito depende, em todo caso,da capacidade negociadora da diplomacia brasileira noterreno da barganha concreta em torno da Alca, bem como

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de sua capacidade “explicativa” em direção dos públicosexterno e interno. Nesse particular, o Brasil – dotado deuma diplomacia econômica que deita raízes nas primeirasdécadas do século XIX – pode considerar-se bem servidoe dispondo de enormes vantagens comparativas em rela-ção a vários outros países do continente.

NOTAS

1. A retomada do ciclo da globalização capitalista, numa paródia aoManifesto de 1848, foi analisada no livro de Almeida (1999).

2. Este último ponto apresenta certa importância (teórica) do ponto devista da sociologia do desenvolvimento econômico, mas tem poucarelevância prática do ponto de vista do negociador governamental ou

do estadista, que precisam responder às preocupações de suas respec-tivas clientelas, sempre inquietas com qualquer tipo de penetração es-trangeira na economia nacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, P.R. de. Formação da diplomacia econômica no Brasil:as relações econômicas internacionais no império. São Paulo,Senac-Funag, 2001.

________ . Velhos e novos manifestos: o socialismo na era daglobalização. São Paulo, Juarez de Oliveira, 1999.

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA: Doutor em Ciências Sociais. Autor deFormação da Diplomacia Econômica no Brasil ([email protected]).

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ENTRE DOIS AMORES

“O

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Brasil e os blocos internacionais” é um temaque pode ser tratado de diferentes perspec-tivas. O que não impede que seja visto com

a Ilha-mundo não cobrissem praticamente todo o mapa-múndi, embora não se pudesse dizer que o sistema produ-tivo fosse o mesmo em Calcutá e Manchester. Com esse“planetário”, demonstra-se que o Modo de ReproduçãoAmpliada do Capital (MRAC) – que define o sistema pro-dutivo em quase todos os países representados nas Na-ções Unidas –, é hoje dominante no mundo, muito maisdo que o era até a Primeira Guerra Mundial. Esse fato podeser constatado sem grande dificuldade, sobretudo após aPerestroika e de tudo o que veio depois dela na EuropaCentro-Oriental e na antiga União Soviética, das transfor-mações que se estão processando no Sudeste Asiático (emespecial na antiga Indochina, particularmente no Vietnã)e do progresso econômico da China e seu empenho emingressar na Organização Mundial do Comércio. Mais doque isso, porém, o cenário planetário – para não dizer aglobalização –, faz que, nas relações entre as nações, odestino de cada Estado esteja sendo jogado, com paradasmais ou menos altas, em qualquer recanto do mundo pormenor que seja a distância (em milhas marítimas ou ter-restres) que separe esse terruño (como diria um espanhol)dos Estados hegemônicos ou que sejam pretendentes à he-gemonia no sistema internacional. Esse fato não deve

a perspectiva das “alianças”, já que a adesão a este ouaquele bloco econômico – supõe-se que o que interessadiscutir seja a pertença do Brasil a um qualquer deles –tem todas as características de uma aliança e deva obede-cer o mais possível às normas que regem a conduta dequantos se abalançam a fazer esse tipo de associação. Pos-sivelmente por deformação intelectual, parte-se do prin-cípio de que a associação só se dará entre Estados,malgrado todas as considerações que se possam tecer paradiminuir sua importância em um cenário globalizado.

As relações entre as nações, quer as especificamenteestatais, quer aquelas de que participam outros atores quenão os Estados – atualmente, este é o caso, quando asempresas transnacionais ocupam posição de relevo nocomércio internacional e são objeto da preocupação inte-lectual de quantos as fazem protagonistas do jogo políti-co e diplomático internacional a igual título que os Esta-dos – dão-se hoje em cenário planetário. Com isso, não sequer dizer que as relações econômicas entre a Inglaterra eseu Império e os demais países que comercializavam com

Resumo: Da dupla perspectiva das “alianças” e do Modo de Reprodução Ampliada do Capital (MRAC), asalianças são vantajosas apenas quando os países que as fazem estão no mesmo grau de maturação do MRAC,ou contribuem para que novos associados atinjam o estágio dos mais desenvolvidos. O acordo do Mercosuligualou do mais forte aos mais fracos. Já o ingresso na Alca e um acordo com a União Européia são aliançasem que o Brasil será a parte mais fraca.Palavras-chave: capitalismo; relações internacionais; Mercosul.

Abstract: According to the double theories of “alliances” and the Amplified Capital Reproduction Mode(MRAC), alliances are advantageous only when their members enjoy the same level of MRAC development,or when they contribute to elevating new member nations to the same level as the most developed members.The Mercosul agreement brought the strongest member down to the level of the weakest. The FTAA, however,and the agreement with the European Union, are alliances in which Brazil would be the weakest member.Key words: capitalism; international relations; Mercosul.

OLIVEIROS S. FERREIRA

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obliterar a consciência do outro. Neste cenário, se as prin-cipais ações diplomáticas objeto da maioria das análisesdos estudiosos são aquelas desenvolvidas pelos Governoshegemônicos ou desejosos de ocupar essa posição tendoem vista seu poder e sua posição geopolítica, não se deveesquecer o papel que é representado por Estados menosimportantes do ponto de vista de poder, inclusive militar,mas que ocupam posição de relevo no mapa que configu-ra a chamada nova divisão internacional do trabalho. Emoutras palavras, no estudo das associações ou dos blocoseconômicos internacionais, interessa ver qual a relação queos países com menor poder (e neste momento interessater sempre presente não apenas o poder militar, mas tam-bém as potencialidades ou condições econômicas reais)têm com os hegemônicos.

Para uma mais correta compreensão do sistema em queo Brasil se insere e no qual deverá concertar suas alian-ças, pesando fatores de força e de fraqueza, é necessáriotecer algumas considerações de ordem geral sobre o sis-tema econômico-financeiro internacional e fazer um pou-co de história – sem ser economista ou historiador. Toma-se como idéia geral, como se percebe, a classificação queRaymond Aron faz dos diferentes cenários: o europeu até1917; o cenário internacional em que se dão as relaçõesinterestatais desde a entrada dos Estados Unidos na Pri-meira Guerra Mundial até a rejeição da Sociedade das Na-ções pelo Congresso norte-americano e desse momentoaté 1941; e o planetário, que é atual desde o ataque japo-nês aos Estados Unidos. Dessa perspectiva, o que se clas-sifica de cenário planetário pode ser apresentado como as“forças profundas” – de que afirma Renouvier –, mas comuma ressalva. No pós-guerra 1939/45, há dois processosque não podem ser esquecidos: um, o predomínio incon-testável dos Estados Unidos, que perdurou anos – enquantoa Europa Ocidental e o Japão não se recuperavam –, cer-ca de 50% do PIB mundial e que, ainda que perdendo essaposição, continuam a maior potência econômica do pla-neta; outro, a continuação do processo de autonomia ca-pitalista de algumas “nações atrasadas” (no sentido em queRosa Luxemburgo define esse processo em A acumula-ção do capital). Não se deve esquecer que nesse períodohouve a ocorrência de fatos que constrangeram o triunfoglobal do MRAC em sua tipicidade. Fora do bloco socia-lista, assistiu-se em algumas décadas a volta ao protecio-nismo generalizado nas nações industrializadas e em viade desenvolvimento. Se, nas primeiras, as barreiras tari-fárias e não-tarifárias criaram obstáculos ao comércio in-ternacional, mas de um modo geral não deram origem a

processos produtivos ineficientes da perspectiva do modode produção (a negação desse fato é o atraso da indústriado aço nos Estados Unidos), nos países em via de desen-volvimento o protecionismo retardou a plena vigência doMRAC e o estabelecimento de relações sociais e políti-cas impregnadas de seu espírito racional. Ao mesmo tem-po – e para essa contradição é necessário atentar-se – ve-rificou-se o surgimento de outros obstáculos à difusão doMRAC, cada vez mais difíceis de serem transpostos, coma consolidação da União Soviética, a ocupação de parteda Alemanha e de toda a Europa Oriental pelos exércitossoviéticos, a vitória do Partido Comunista na China e otriunfo do processo de descolonização em muitos paísesda África e da Ásia. O bloco socialista, apesar dos conta-tos econômicos que manteve com o chamado Ocidente,de certo modo isolou-se de um processo que tende a serglobal (como Marx já apontava no Manifesto), embora aeconomia no bloco continuasse, como querem alguns,presa à produção de mercadorias. Ainda que isso se des-se, é preciso ter presente que o sistema político-econômi-co que vigorou em todo o Comecon, na China e nos paí-ses ásio-africanos que aderiram ao modelo soviético (comas variações nacionais necessárias), reduziu o espaço geo-gráfico necessário à expansão do MRAC – presente o es-quema de Luxemburgo –, o que levou a que sua expan-são, sobretudo quando expressa nos fluxos monetários,fosse limitada ao espaço geográfico conhecido como“Mundo Livre”. O mundo era “livre” do ponto de vistaideológico e para a condução da guerra fria. Na realida-de, no espaço social em que, no “Mundo Livre”, dava-sea produção de mercadorias e a realização do valor nelascontido, conviviam sistemas sociais inteiramente distin-tos e até antagônicos tomando como referência o queSchumpeter dizia ser próprio do capitalismo: um sistemaeconômico que produz, como tipo e no limite lógico desua ação social, a democratização, a individualização e aracionalização dos comportamentos dos indivíduos. Emoutras palavras, no chamado “Mundo Livre”, podiam en-contrar-se, como até hoje se encontram, sistemas sociaisem que os indivíduos ainda estão presos a constrangimen-tos não-estatais – para não falar de uma exacerbação dacoação estatal – e não agem como seres economicamenteracionais. Para dizer de outro modo, conviviam, no espa-ço geográfico em que se dava a acumulação do capital no“Mundo Livre”, sistemas produtivos típicos do MRAC esistemas que ainda não tinham conseguido aproximar-sedo que seria o tipo-ideal desse modo de produção: demo-cracias e ditaduras; sistemas sociais em que a ação social

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era racional com relação a fins e valores econômicos; eoutros em que a ações sociais eram irracionais com rela-ção a fins e valores econômicos – tomados uns e outrosem sua tipicidade. Nota-se com isso, que havia países emque o MRAC tinha fixado raízes profundas, e países emque, por força de acordos não escritos entre as elites so-cial e economicamente dominantes, conviviam, lado a lado,a produção segundo as normas não escritas do MRAC eaquela em que o espírito capitalista não havia penetradopor força do constrangimento a que as organizações so-ciais que sustentavam as classes dominantes submetiam aeconomia e a sociedade.

Contudo, não é possível esquecer que se realizaram econtinuam sendo atuais as previsões de Marx quanto asuperação das fronteiras nacionais, na forma de organiza-ções supranacionais. A convergência, se assim se podedizer, entre a previsão teórica e a realidade econômica deu-se, antes de mais nada, na Europa, onde o capitalismomoderno lançara suas raízes. Como se lê no Manifesto,ao ocupar a maior parte do espaço geográfico europeu, oMRAC “tornou cosmopolitas a produção e o consumo detodos os países. Para tristeza dos reacionários” – conti-nua Marx – “ele fez que a indústria perdesse suas basesnacionais. (...) As antigas necessidades são substituídaspor necessidades novas, que reclamam produtos de paí-ses e climas os mais longínquos para poder ser satisfeitas.Os produtos intelectuais das diferentes nações tornam-sepropriedade comum a todos”. Fosse por motivos de or-dem política (a superação da rivalidade franco-alemã),fosse por considerações de ordem econômica (a economi-cidade das organizações supranacionais controlando pri-meiro a produção do aço e do carvão mediante a ação daComunidade Européia do Carvão e do Aço, depois esta-belecendo regras para o funcionamento de um mercadoquase-continental), fosse por força do idealismo de algunspolíticos como Jean Monet, Robert Schumann, KonradAdenauer e Alcide de Gasperi, fosse para contrabalançara hegemonia norte-americana, o fato é que o MRAC con-seguiu realizar seu tipo, superando fronteiras nacionais,primeiro num espaço geográfico quase-continental e numaorganização econômica internacional, depois supranacio-nal, na Europa.

O Nafta só aparece depois e como união aduaneira(note-se a distância política e organizatória entre Europae América do Norte). Há entre os dois blocos diferençasque permitirão colocar o problema da participação de umpaís como o Brasil em blocos internacionais de uma pers-pectiva mais próxima da realidade. Com isso, pretende-

se chamar atenção para o fato de que a União Européia,mesmo tendo que defender políticas de subsídios inter-nos e para exportação e acordos tarifários com países afri-canos (acordos que se poderia dizer serem reminiscênciasdo passado imperial e contrariarem a racionalidade inter-na do MRAC) e lance mão da imposição de barreirastarifárias e não-tarifárias, só pôde unir-se porque os paí-ses que decidiram firmar o Tratado de Roma estavam pra-ticamente no mesmo estágio de maturação do MRAC. Maisdo que isso: como razões geopolíticas impuseram o in-gresso de Portugal e Espanha na nova estrutura econômi-ca (que depois se transformaria numa estrutura políticaem sua relação com o mundo exterior), a ComunidadeEuropéia dedicou, durante alguns anos, uma boa soma dedinheiro para que as estruturas econômicas e os sistemasfinanceiros dos dois países chegassem a um estágio pró-ximo da média da maturação do MRAC nos demais paí-ses-membros. Nada disso sucedeu na América do Nortecom o Nafta, que é também um bloco internacional. Es-pecificamente quanto ao México, que embora tenha tidodurante alguns momentos, em especial do ponto de vistafinanceiro, vantagens com sua adesão à zona de livre-co-mércio, não recebeu auxílios para realizar transformaçõesque lhe permitiriam evoluir estruturalmente e aproximar-se econômica e socialmente, em sua totalidade, dos pa-drões típico-ideais do MRAC vigentes em boa parte dosEstados Unidos.

Essas observações permitem concluir quanto ao racio-cínio daqui para a frente: tal qual nas alianças, a partici-pação em blocos internacionais só apresenta vantagenspara um país quando ele se encontra no nível médio damaturação do Modo de Reprodução Ampliada do Capitaldos outros membros do bloco ou quando recebe – sem ne-cessidade de abdicar de seu poder de decisão estatal – au-xílios suficientes como que para dar o salto que lhe per-mitirá ombrear com os mais desenvolvidos. Em outrostermos, as alianças, para serem benéficas, devem ser fei-tas entre iguais.

Ao analisar a recuperação da Europa e do Japão, tem-se insistido em que o auxílio norte-americano obedeceuao interesse egoísta de voltar a criar mercados para os bensproduzidos pela indústria, pelo comércio e pelos serviçosnos Estados Unidos, permitindo a realização de seu valore a acumulação do capital no país produtor. Embora esseobjetivo não fosse presente à consciência dos que ideali-zaram o Plano Marshall e o auxílio ao Japão, o resultadodas operações acabou conduzindo a esse fim – e a outro,sem dúvida não esperado, qual fosse a progressiva dimi-

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nuição da participação dos Estados Unidos no PIB mun-dial. Essa redução em pontos percentuais não significou,em razão da magnitude do PIB e o poderio militar dosEstados Unidos, a diminuição do poder norte-americano.Convém, no entanto, atentar para um pormenor: esse tipode análise só será completo se não se perder de vista que,para que se dê a acumulação do capital, é necessário quese realize o valor contido nos bens produzidos, vale di-zer, eles sejam transformados em moeda. Ora, nas rela-ções econômicas entre as nações, a transformação emmoeda significa liquidez cambial de quem compra – sejaliquidez “material”, em moeda forte sonante ou escrituralpossuída pelo comprador, seja obtida mediante créditosou empréstimos. O Plano Marshall, afora ter sido inspira-do pela percepção – que depois se revelou ilusória – daameaça soviética aos governos da Europa Ocidental, teveum objetivo econômico-financeiro consciente e imedia-to, que foi a criação de liquidez nos países que aderiram àproposta do secretário de Estado, liquidez essa que per-mitisse a superação da crise cambial em que a Europa es-tava mergulhada. A crise cambial, antes de atingir as rela-ções políticas, reflete-se antes de mais nada na economia,que pára, impossibilitado que se encontra o país de im-portar matérias-primas e peças de reposição; em seguida,ou quase imediatamente, a crise cambial ameaça a gover-nabilidade. Em 1947 – essa era a percepção que osplanejadores da política externa norte-americana tinhamdo cenário, reforçada pelos temores das lideranças políti-cas européias –, estavam em jogo os governos e os siste-mas políticos, especialmente na Grã-Bretanha, na Françae na Itália. Ora, a manutenção da governabilidade nessespaíses era essencial ao êxito da política de containmentque já se esboçara com a Doutrina Truman de auxílio àGrécia e Turquia.

Se se chama atenção para esses fatos de conhecimentogeral é para assinalar a necessidade de se ter sempre pre-sente que o MRAC só pôde realizar-se, historicamente,antes da Primeira Guerra e depois da Segunda Guerra Mun-dial, porque houve liquidez cambial no sistema interna-cional. Sem ela, o MRAC não poderia tornar-se de fatoglobal, como reclama sua racionalidade interna (nos ter-mos em que Marx colocou a questão, já no Manifesto).Liquidez cambial ou – negando os princípios do livrecambismo –, trocas internacionais pelo sistema de bartere/ou de compensação, sistema que, criando um Ersatz deliquidez monetária, enseja que a economia desenvolva-secomo se deu na reconstrução alemã depois da PrimeiraGuerra Mundial (e o Brasil desempenhou, ainda que mo-

destamente, seu papel no processo inicial da recuperaçãoda economia do III Reich, dele se beneficiando).

O processo de globalização – que, insiste-se, nada maisé do que o triunfo global do Modo de Reprodução Amplia-da do Capital – só foi possível em sua atual forma históri-ca1 pela existência de liquidez no sistema internacionaldepois da Segunda Guerra Mundial. (Diz-se “atual formahistórica” para não entrar na discussão sobre as diferen-tes formas e maneiras pelas quais se deu a “globalização”a partir do século XVI.) Ao dizer “Grande liquidez” sig-nifica que a quantidade de moeda em circulação (qual-quer que seja a forma que aparece nos mercados, desdemoeda papel, passando por moeda escritural até a moedavirtual nas transações por via eletrônica) é maior do quea necessária para permitir e garantir o “giro econômico”.Em outras palavras, a movimentação financeira é maiordo que a quantidade de capital necessária à produção debens e serviços. Impõem-se duas observações: a primei-ra, é que foi nos anos 70 que se deu a conjunção da revo-lução da informática com os efeitos sensíveis do aumentoda liquidez internacional; a segunda, é que a expressão“Grande liquidez” indica que em certo momento históri-co, além da moeda estritamente necessária ao processoprodutivo, os governos puderam “criar” moeda pela ex-pansão do crédito e das quantidades das diferentes moe-das M1...M4, mesmo que isso conduzisse à inflação, quepor sua vez aumentaria a liquidez. A referência à revolu-ção da informática é necessária porque foi ela que acele-rou o processo de integração dos mercados e do Capital(agora com maiúscula) e permitiu um aumento extraordi-nário da produtividade. Além do aumento do crédito e damassa monetária (fatos que ocorrem nos mercados nacio-nais com repercussão externa maior ou menor) é necessá-rio considerar que a liquidez internacional aumentou, forade controle, pela entrada no mercado financeiro doseurodólares, primeiro, e dos petrodólares, depois. Issopara não mencionar os efeitos inflacionários mundiais queteve a decisão do presidente Nixon, em 1971, de pôr fimà paridade do dólar com o ouro. O aumento da liquidezem decorrência desses fatores, facilitada cada dia mais pelainformática, indica que não é mais o bem ou serviço pro-duzido que se transforma em moeda, criando a possibili-dade de realização do valor, do lucro, da poupança (emsituações de normalidade econômica) e conseqüentemen-te da acumulação. Em outras palavras, à medida que essamoeda circula no circuito mundial, ela deixa de ser o re-sultado de um processo econômico em que o mercadovalora os bens (mercadorias e serviços) e estabelece seu

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preço, e passa a ter, ela própria, seu “valor” – estamosdiante do que Mandel chama de “capital-moeda”. Maisainda. Mesmo com a informática, o “giro econômico“ temmenor velocidade que o “giro financeiro”, isto é, o tempode maturação dos investimentos na cadeia produtiva é, demodo geral, maior do que o do investimento financeiro.O “tempo econômico”, o tempo de maturação do investi-mento, é dado pela tecnologia que comanda o início daoperação produtiva e pela demanda do mercado. Já o “tem-po financeiro”, vale dizer, o tempo em que o dinheiroaplicado deve render o esperado, é sempre estabelecidopelo investidor individual ou institucional que, como sefosse Monsieur Jordan, repete Gil Vicente sem saber: “Euhei nome Todo Mundo/ e meu tempo todo inteiro/ sempreé buscar dinheiro/ e sempre nisso me fundo”.

Quando se tem conhecimento do enorme volume dedinheiro que circula todos os dias pelo mundo, é precisonão esquecer que essa movimentação por via eletrônica(pois foram os progressos nas comunicações que permiti-ram tal circulação anormal de dinheiro pelo mundo)potencializou a intermediação bancária, à medida que essedinheiro deve render, e a única maneira de fazê-lo “pro-dutivo” é mediante empréstimos a empresas ou governosou aplicação em mercados acionários ou de derivativos.O segundo fator a ser considerado é que, ao longo do tem-po, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, osinvestimentos produtivos ou as aplicações em bolsas devalores e títulos governamentais e commercial paperspassaram a ser institucionais (bancos privados, governa-mentais ou internacionais como o Bird, fundos de pen-são), deixando de ser de pessoas físicas em sua maioria.Esse fato tolheu relativamente a liberdade de manobra dosmutuários, tendo em vista as teias de influência e com-prometimento dos sistemas financeiros que aplicam e em-prestam no exterior com os governos de seus respectivospaíses. O terceiro fator relevante é este – embora as aná-lises todas cuidem da globalização –, essa nova fase doMRAC assenta, na realidade, em economias nacionais nasquais os Estados nacionais, cuja morte tantos celebramou carpem, têm relativo controle pela fixação de políticascambiais (quando conseguem sustentar um tipo fixo decâmbio) e/ou monetárias. Ora, não foi no instante em queos Estados morreram ou perderam função, mas naqueleem que os agentes econômicos conseguiram, intencional-mente ou não, fazer que aplicações de capital, financeirasem sua essência, contribuíssem para manter a governabi-lidade ou desestabilizar governos pela flutuação das ta-xas cambiais que se tomou consciência que alguma coisa

havia mudado na economia mundial e que se estava dian-te de um novo cenário, denominado globalização. Essenovo cenário foi possível porque se tornou viável para asempresas e para os governos socorrerem-se, em volumeantes impensável, de capitais (empréstimos ou créditos)em valor suficiente para levarem avante seus projetos ecimentar suas ambições de poder. Note-se que não se estádiante de um mito grego, e que a massa de dinheiro quepermitiu a globalização – afinal, sem Moeda não é possí-vel continuar o processo produtivo e realizar a acumula-ção – não pode ser comparada a Palas Atena, a deusa gre-ga que surgiu já pronta e já armada da cabeça de Zeus.Houve um momento em que o capital-moeda irrigou osmercados financeiros e, em conseqüência, econômicos. Oaparecimento do eurodólar, moeda não sujeita ao contro-le dos bancos centrais europeus, marca o início desse pro-cesso. A partir da crise que se seguiu à alta dos preços dopetróleo em decorrência da decisão da Opep, em 1973,ao eurodólar acrescentaram-se os petrodólares. Sua abun-dância, nos primeiros anos subseqüentes, permitiu o ex-traordinário aumento da dívida externa dos países em de-senvolvimento (até mesmo dos que não tinham condiçõesde lastrar em suas economias os empréstimos que faziam).O ciclo do petrodólar tem uma característica perversa: odinheiro foi tomado em curto prazo dos produtores depetróleo pelos bancos que o emprestavam para projetosde longa maturação, como hidrelétricas – e para que asoperações financeiras de débito e crédito pudessem baterno final, um empréstimo suposto de longo prazo consti-tuiu-se, a rigor, em n empréstimos de curto prazo, de seismeses pelo menos, com juros flutuantes. O caráter per-verso e antieconômico dessas operações é responsável emgrande parte pela crise da dívida externa dos países emdesenvolvimento – sem contar a cupidez dos empresáriosdos países desenvolvidos que procuravam vender não im-porta a que preço (pago pelos governos compradores) osseus produtos para projetos muitas vezes mirabolantes, epela corrupção que grassou em muitos países, a qualensejou a transferência para paraísos fiscais de boa partedos empréstimos externos.

A essas considerações acrescenta-se outra – igualmen-te relevante, embora nem sempre levada em conta no ra-ciocínio sobre relações econômicas internacionais e in-ternas, e que de uma maneira ou de outra obriga osgovernos a valerem-se da intermediação bancária inter-nacional para garantir a governabilidade interna –, o cres-cimento demográfico, associado ao envelhecimento daspopulações. Quando se observa o problema econômico

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dessa perspectiva, o dado mais importante, por ser o quetem efeitos mais imediatos sobre a economia e a vida so-cial, é o aumento da população. O crescimento popula-cional é relevante por um fato simples: conforme sua taxa,a economia nacional deverá ser sólida o suficiente parapermitir a criação de empregos e serviços (geralmentepúblicos, como educação, saúde e transportes) capazes deatender às novas gerações que chegam ao mercado de tra-balho. No pós-guerra 1939/45, o custo da criação de em-pregos industriais só tendeu a aumentar, fosse por causada inflação, fosse porque a tecnologia que começava a serintroduzida no processo produtivo exigia investimentoscada vez maiores. Conforme as características do sistemapolítico, esses investimentos deverão ser feitos pelas em-presas, ou seja, pela combinação da poupança privada(empresarial ou individual) com o esforço dos Governosou apenas pelos Governos. Entre esses, aqueles cuja eco-nomia não tem condições estruturais ou político-sociais(sobretudo um sistema fiscal razoavelmente “democráti-co”, isto é, em que todos pagam) capazes de assegurarsuperávites fiscais que permitam a um tempo a acumula-ção privada e a expansão dos serviços públicos, recorrema empréstimos externos para atender a essas necessida-des. Empréstimos, note-se, que têm de ser pagos de umamaneira ou de outra. Essa “maneira ou outra” resume-sesimplesmente em saldos na balança comercial ou rolagemdos empréstimos vincendos. Ou então, se não se pretenderecorrer a capitais externos, pelo aumento da carga tribu-tária, que pode ser democraticamente distribuída entretodos ou onerar as camadas mais pobres da população –como tem sido a norma em praticamente todos os países,considerando-se a relação social de forças. Afinal, é pre-ciso não esquecer que, assim como a inflação, a carga tri-butária é, antes de mais nada, um fato político, pois im-plica a transferência de renda de uma parte da populaçãopara outra, menor. A má distribuição da carga tributáriaé, igualmente, um fato político resultante da relação deforças entre o Governo e a Sociedade, como Rousseauapresentou a questão com enorme lucidez no primeiroparágrafo do Livro III, capítulo X, do Contrato Social:“Assim como a vontade particular age sem cessar contraa vontade geral, o Governo despende um esforço contí-nuo contra a soberania. Quanto mais esse esforço aumen-ta, tanto mais se altera a constituição e, como não há ou-tra vontade de corpo que, resistindo à do príncipe,estabeleça equilíbrio com ela, cedo ou tarde acontece queo príncipe oprime, afinal, o soberano e rompe o tratadosocial. Reside aí o vício inerente e inevitável que, desde o

nascimento do corpo político, tende sem cessar a destruí-lo, assim como a velhice e a morte destroem, por fim, ocorpo do homem”.

A avaliação dos fatores de força e fraqueza de um paísquando se vê diante do desafio de fazer ou não aliançaseconômicas depende muito da idéia que o observador te-nha das estruturas sociais e da organização política danação que está estudando. No fundo, o modo pelo qual aselites dominantes dirigirão o processo econômico, políti-co e cultural (permitindo ou não que a racionalidade doMRAC seja dominante na economia e informe as condu-tas sociais) está sempre relacionado com a inter-relaçãoentre as estruturas sociais, a organização política e o ethospredominante em toda a sociedade, vale dizer, aquela queé juridicamente delimitada pelo Estado em determinadoterritório. É para essa inter-relação que se deve atentarpara poder verificar em que condições os governos brasi-leiros fizeram as alianças econômicas que, hoje, constran-gem a ação estatal e as forças privadas da sociedade.

Não é esta a ocasião para analisar a fundo como se deuhistoricamente, no Brasil, a relação entre a Agricultura, aIndústria e o Sistema Financeiro, sobretudo a partir de1930, e para procurar estabelecer qual o ethos que predo-minou no processo político e econômico, decorrência dessarelação.2 Basta, para o fim que se tem em vista, deixarclaro que a organização sindical e o sistema político per-mitiram a longa duração, no plano do Estado, do con-domínio entre grupos com interesses econômicos e so-ciais (presumidamente determinados pela adequação dascondutas econômicas ao MRAC) não convergentes e atémesmo antagônicos, em muitos casos. Esse condomínioentre os diferentes setores produtivos é o resultado de umlongo processo que se consolidou a partir de 1930; é nes-se momento que se verifica que a revolução que deitouabaixo a República Velha e veio cercada das maiores es-peranças, foi gestada, exatamente, no Brasil que não ha-via atingido um estágio de desenvolvimento que se pu-desse chamar de capitalista.3 Esse condomínio, que sechamou de “Sistema”, respondeu e responde pela persis-tência no conjunto da sociedade brasileira de muitos as-pectos de um ethos que se diria não moderno – por mo-derno, entendendo-se um comportamento econômico deacordo com a racionalidade implícita no MRAC. A pre-domínio desse ethos verifica-se, hoje, pelo maior peso queos aspectos financeiros e fiscais têm sobre os econômicosna formulação das políticas não apenas governamentais,mas igualmente de amplos setores produtivos, e nas con-dutas individuais de integrantes de vastas camadas da

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população. O condomínio dos interesses econômico-po-líticos da Indústria e da Finança com os interesses sociaise políticos (igualmente, se não sobretudo econômicos) dascamadas dominantes de regiões em que ainda não se veri-ficou a plena maturidade do MRAC, determinou uma pe-culiaridade do desenvolvimento brasileiro: o desinteres-se da Indústria e da Finança do Sul pela alteração dasestruturas econômicas das demais regiões, confiantes emque o processo evolutivo da economia permitiria que tudoviesse a se igualar no final dos tempos. O síndico dessecondomínio foi o Estado até o governo Collor, quando aabertura das alfândegas deu início a um processo em quea Indústria e a Finança viram-se forçadas a enfrentar aconcorrência estrangeira. Duas atitudes eram possíveis,então: enfrentar a concorrência (se houvesse capital sufi-ciente para realizar a modernização dos processos produ-tivos) ou simplesmente vender empresas para gozar dosrendimentos do principal auferido, ou então iniciar emnovo patamar tecnológico um novo empreendimento. Éessa questão – “velho” (o tradicional condomínio de inte-resses contraditórios) e “novo” (a entrada do capital es-trangeiro com velocidade e força insuspeitadas de iní-cio) – que explica as diversas alianças feitas no planointernacional.

O que se pretende esclarecer quando se fala em “con-domínio”, é que por força dos interesses que se criaram eda solidariedade objetiva que passou a existir entre inte-grantes dos diferentes setores produtivos, ninguém pre-tendendo abalar a dominação local ou regional de ninguém,os que militavam na Indústria e na Finança – setores quena teoria teriam interesse econômico em romper as estru-turas sociais das regiões mais atrasadas do País –, em es-pecial seus representantes nas chamadas entidades de clas-se, conformaram-se simplesmente com auferir algum lucronas operações realizadas nas regiões mais atrasadas doponto de vista socioeconômico. Essa aceitação do condo-mínio pelo País moderno apresenta, contudo, um aspectonegativo do ponto de vista mais geral: é que o valor reali-zado nas regiões em que o MRAC ainda não se implantousolidamente não é bastante para atender às exigências im-postas pela reprodução do Capital. Isso significa dizer queo espaço geográfico do mercado interno do Capital é me-nor do que o espaço geográfico definido pelo Estado bra-sileiro, e que o acordo tácito entre os diferentes setoresprodutivos impede que o MRAC altere, ainda que pelaviolência (“parteira da História”), as organizações sociaisque impedem a racionalização, a individualização e ademocratização dos comportamentos, como estabelecia

Schumpeter. Em outras palavras, o mercado externo doCapital (ainda pensando no esquema de Luxemburgo) égeográfica e socialmente mais amplo do que seu mercadointerno,4 o que obriga a que a acumulação se dê fora dasfronteiras estatais nacionais – por menor que seja o retor-no do valor transformado em moeda de troca internacio-nal. É nesse ponto que o Estado e a Economia fundem-senum projeto de aliança internacional que nem sempre res-peita o princípio de que ninguém deve aliar-se ao maisfraco em condições de igualdade.

O poder está na razão inversa da distância. Por maisque se pretenda que a Geopolítica está em desuso, o ho-mem de Estado que pretender realizar uma política exter-na sem considerar os aspectos geográficos do mundo emque seu país se insere está, de antemão, condenado a veressa política malograr – isto é, a não se realizar malgradoquantos tratados tiverem sido assinados. A afirmação deSpykman sobre a relação entre distância e poder pode seranalisada desde que o país que pretende projetar ou afir-mar poder tenha uma dominância econômico-financeira,de tal ordem no cenário regional ou mundial, que não ne-cessite obrigatoriamente recorrer ao uso da expressão mi-litar de seu poder nacional para afirmar-se perante os maisfracos economicamente. Vale dizer, havendo esse predo-mínio, a distância geográfica não é fator impeditivo do exer-cício do poder, expresso nas relações econômicas. Assim,as considerações de ordem política que são feitas antes datomada das decisões capitais que conduzem à formaçãode blocos econômicos devem considerar as condicionan-tes impostas pela formação histórica do país, pela relaçãode forças no plano internacional e pela Geografia, isto é,pelas relações mais ou menos próximas de vizinhança – amaior ou menor proximidade sendo determinada não tan-to pela cercania imediata, mas também pela existência ounão de Estados adversos entre um país e outro. Houvemomentos, na história brasileira, em que a distância entreBrasil e Chile era maior do que a medida em quilômetrosdada a rivalidade entre Brasil e Argentina.

No caso do Brasil, que fatores impuseram sua orienta-ção com a finalidade de estreitamento de relações com seusvizinhos, como se vê hoje, e sua participação em blocoseconômicos? A crise cambial foi um deles, no passado.Como já foi assinalado, o País beneficiou-se do sistemade barter na década de 30 – formando, então, um blocoeconômico, ainda que não formalmente constituído. Delefaziam parte países cujas moedas eram inconversíveis,como a Alemanha e países da Europa Oriental e da Amé-rica Latina. Para fazer face ao protecionismo das nações

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industrializadas e à crise que se estabelecera no sistemafinanceiro internacional, a qual diminuiu sensivelmentesua capacidade de acumular moedas fortes com que pa-gar importações e o serviço da dívida externa, esses paí-ses foram obrigados a recorrer a esse sistema de compen-sação que era a negação do livre cambismo que vigoraraaté 1914.5 No final da Segunda Guerra Mundial, não hou-ve, da parte dos Estados Unidos nem dos países da Euro-pa Ocidental, a preocupação de integrar o vasto mercadobrasileiro – então potencial – num bloco amplo, nem quefosse numa zona de livre-comércio. De parte da Europa,o desinteresse explica-se pelas preocupações econômicase políticas com a reconstrução e também porque se reco-nheciam os constrangimentos políticos impostos pelo Pla-no Marshall e a realidade geoeconômica do HemisférioOcidental. De parte dos Estados Unidos, o desinteressedecorria do fato de que tinha como assegurados osmercados da América Latina, especialmente dos países daAmérica Central e das Antilhas, não temendo a concor-rência inglesa ou francesa, muito menos a alemã. A isso épreciso acrescentar que, no caso brasileiro, o protecionis-mo da Indústria e da Finança até certo ponto isolava oPaís, impedindo que participasse efetivamente de esfor-ços tendentes à constituição de blocos econômicos queexigem reciprocidade de tratamento tarifário. Outro blo-co a que o País se ligou, desta vez formalmente, foi aAssociação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc).O malogro dessa tentativa de fazer uma zona de livre-co-mércio e caminhar para um bloco econômico no sentidoestrito do termo, e os parcos resultados obtidos por suasucessora, a Associação Latino-Americana de Integração(Aladi), em boa medida se explicam pela resistência – aliásnão apenas do Brasil – em fazer concessões tarifárias, dadaa vigência do princípio de “nação mais favorecida”6 quebalizava esses esforços de integração econômica ou, sequiser, de formação de um bloco na América Latina.

O primeiro “bloco” de fato – pode-se chamá-lo de“energético” – de que o Brasil participou foi com oParaguai, ao constituir a binacional de Itaipu. Pode-se afir-mar que é o primeiro bloco de fato, porque o tratado quepermitiu a construção e a operação da hidrelétrica impôsobrigações a ambos os parceiros e sinalizou, geometrica-mente falando, pontos de fuga da diplomacia brasileiraque iriam marcar, depois, sua associação com a Argenti-na e em seguida a constituição do Mercosul. Não se dis-cute mais se teria sido conveniente ao Brasil, para asse-gurar sua liberdade de manobra, ter construído Itaipuvalendo-se do projeto do eng. Marcondes Ferraz, que pre-

via que a represa fosse erguida apenas em território brasi-leiro. As complicações diplomáticas que adviriam do des-vio de parte das águas do rio Paraná conduziram a que sepreferisse o projeto binacional. Qualquer que tenha sidoa razão que levou a operar a hidrelétrica de Itaipu ondefoi construída – projeção de poder (portanto, motivosgeopolíticos) sobre o Paraguai, necessidade de resolverlitígios territoriais de forma pacífica ou decisão de nãocriar atritos com Assunção –, o fato é que o Brasil fezuma aliança em que ele e o Paraguai detêm igual parcelade poder decisório. Não se afirma que o peso específicodo Brasil faz do governo de Assunção um aliado fácil demanobrar. A história das relações entre os dois países –marcada pela Guerra da Tríplice Aliança da qual o Brasilpaga, até hoje, o preço, como se tivesse sido o único paísa combater o governo de Solano Lopez – faz que o Paraguainão seja esse aliado frágil uma vez que está viva na me-mória o que foi a última fase da campanha militar. Poresse fator – pela capacidade que os sucessivos governosparaguaios tiveram (até o fim do governo militar na Ar-gentina) de jogar com a rivalidade entre Brasília e BuenosAires, mesmo sendo a parte objetivamente mais fraca naaliança e embora estivesse num estágio de desenvolvimen-to econômico em que não se poderia falar em triunfo doMRAC –, o Paraguai tem condições de impor, se e quan-do julgar conveniente suas condições ao Brasil, já que podesempre jogar com a carta argentina que nunca é de se des-prezar. É preciso não esquecer que o Brasil é, do pontode vista das necessidades, a parte mais fraca, já que de-pende da energia gerada em Itaipu para sustentar o ritmode crescimento de sua economia. Até hoje, esse conflitoentre os dois parceiros não aconteceu – mas chegará embreve o dia em que Assunção pedirá a revisão do tratadopara exigir melhor preço pelo quilowatt-hora que oParaguai cede ao Brasil.

Tem-se, assim, que o Brasil participou do bloco dospaíses que faziam barter por falta de moeda forte que sus-tentasse suas importações; do bloco com o Paraguai emItaipu porque seu desenvolvimento econômico exigia ener-gia que já não podia gerar com seus próprios recursoshídricos. O que permite concluir que, nesses dois casos,as alianças se fizeram para compensar fraquezas – aindaque conjunturais – do Brasil, as quais impediam o seu de-senvolvimento ao ritmo que os governos das diferentesépocas julgavam possível e necessário.

A criação do Mercosul é o caso da adesão do Brasil aum bloco econômico que visa atingir objetivos ambicio-sos. O grande empenho das autoridades brasileiras para

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que o Mercosul não seja apenas uma zona de livre-comér-cio, mas mantenha sua característica de união aduaneira,7

indica que não são apenas objetivos econômicos imedia-tos que acabaram conduzindo à criação do bloco. É im-portante ver que as políticas que os governos Itamar Franco(do qual o senador Fernando Henrique Cardoso foichanceler antes de ser ministro da Fazenda) e o atual go-verno mantêm com relação à Argentina difere radicalmentedaquelas sustentadas durante os governos Médici e Geisel.Especialmente durante o governo Geisel, a política foi denítida hostilidade a Buenos Aires, bem como foi de agres-siva afirmação das posições brasileiras. Se é possível di-zer que, Médici consule, o governo brasileiro reagia àpretensão argentina de que a cota de Itaipu fosse menor(o que diminuiria a capacidade geradora da usina) parapermitir a construção da usina argentina de Corpus. Du-rante todo o período Geisel, o governo brasileiro mante-ve uma atitude de hostilidade quase declarada, a qual foiqualificada por muitos observadores de “política chau-vinista de grande potência” – numa referência à críticaque a China de Mao Tsé-tung fazia à política norte-ame-ricana. Possivelmente para não serem comparados a umpresidente militar, Itamar Franco e Fernando HenriqueCardoso realizaram (e até hoje se mantém essa atitude)uma política passiva, o que tem permitido à diplomaciaargentina sustentar com razoável atrevimento, para nãodizer insolência em alguns casos, uma posição de intran-sigente defesa dos interesses nacionais argentinos – o queé apenas compreensível. Essa hipótese – a de que os go-vernos Itamar e Fernando Henrique Cardoso não queremser comparados aos governos militares – não tem sidoaventada quando se procura explicar as razões que levamo Itamaraty, mais basicamente o Planalto, a concordar comtudo em nome da solidariedade sul-americana ou das fu-turas vantagens econômicas para o Brasil. Há quem sus-tente que o objetivo de não aceitar a ruptura, insistindo namanutenção do status quo, é fortalecer a economia brasi-leira no confronto com a economia mundial, e permitirque se sustente uma posição mais firme no momento emque se discutir a sério a criação da Alca. Há outra hipóte-se, que se perfila – ainda que sem atentar para a formaque assumiu a acumulação do Capital no Brasil, nem ten-do presente as condições que presidiram a formação edesenvolvimento da indústria e da agroindústria brasilei-ras (o condomínio mencionado anteriormente, em espe-cial o fato de que a cumulação do Capital realiza-se demaneira mais favorável fora das fronteiras) –, as autori-dades brasileiras apresentam consciência de que é indis-

pensável manter os mercados argentino, uruguaio e para-guaio abertos não apenas para a venda de mercadorias eserviços, mas também para investimentos. Sem remontarao apoio disfarçado que se deu à expansão da fronteiraagrícola para o Paraguai, já no primeiro governo Vargas,esse empenho em projetar poder – sem permitir que sediga que disso se trata – começou com a sustentação di-plomática e financeira à pretensão de empreiteiras brasi-leiras de participar, ainda que fosse em associação comempresas locais, da execução de obras governamentais naAmérica Latina. O procedimento de Brasília nas relaçõescom Buenos Aires teve como modelo, é evidente, a rela-ção Estados Unidos-Canadá. Vale dizer, no relacionamentocom a Argentina, pensou-se que o Brasil desempenhariao papel do país mais adiantado e de maior mercado, masque teria, no de menor desenvolvimento, um mercado cer-to, para não dizer cativo, para as indústrias e serviços (semmencionar as finanças) brasileiros. O ingresso, no Brasil,de empresas do bloco, de qualquer setor de atividade, se-ria bem-vindo, uma vez que significaria aporte de capi-tais a auxiliar o fechamento das contas correntes do ba-lanço de pagamentos. É preciso observar, porém, que oMercosul segue o modelo de Itaipu. Seja por que razão,seja quem tivesse proposto, o fato é que os quatro paísesque integram o Mercosul – e quantos a ele vierem juntar-se – têm o mesmo peso, embora um deles seja o parceiromais forte. A aceitação do princípio do consenso foi, semdúvida, necessária, pelo fato de se tratar da união de Es-tados soberanos e de o Brasil ter sido sempre defensor daigualdade jurídica das nações, independentemente de seupeso específico no cenário internacional. O respeito a essapolítica tradicional, porém, tem como conseqüência a re-dução, de fato, da liberdade de manobra do Brasil, quepode a qualquer momento defrontar-se com situações comoas que a Argentina (para resolver os problemas de suascontas externas), o Uruguai e o Paraguai (para enfrentar asituação criada pela decisão da Argentina), criaram parao bloco. Uma vez que os sócios do Mercosul são Estadossoberanos, podem adotar decisões de política cambial etarifária que vão contra os tratados assinados. Ao proce-der dessa maneira, colocam o Brasil na desagradável si-tuação de ou romper definitivamente os acordos celebra-dos com tanto júbilo e pompa, ou aceitar passivamenteque a pretendida união aduaneira seja transformada aolongo do tempo numa mera zona de livre-comércio. Em-bora nenhum dos países que eliminaram a Tarifa ExternaComum para bens de capital ou reduziram as tarifas al-fandegárias para muitos produtos tenham invocado razões

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jurídicas para fundamentar suas atitudes, poderiam fazê-lo, como em 1914 pensadores alemães fizeram, para legi-timar a violação do tratado que assegurava a neutralidadeda Bélgica: os tratados devem ser observados até quandose modificam as circunstâncias que levaram a sua assina-tura: Pacta sunt servanda, sem dúvida alguma, mas deverespeitar-se a cláusula rebus sic stantibus.

A crise do Mercosul decorre da associação de um fortecom mais fracos, todos tendo o mesmo voto nas decisõescruciais. Isso para não dizer que, nesse bloco, o Brasil éum e os países de origem hispânica são até agora três. Maisainda. Não se deve nunca esquecer que o Império brasi-leiro entrou em guerra com todos os três – a célebre Ques-tão do Prata, Oribe, Rosas e Lopez. Se os brasileiros nãotêm memória das relações belicosas do Império e da ani-mosidade republicana com os países do Prata, os platensestêm. Isso não deve ser esquecido, jamais.

A crise do Mercosul poderia ser resolvida politicamentese o Brasil tivesse a audácia de propor aos outros trêsmembros efetivos a constituição de uma Confederação.Como não terá essa coragem, manterá sempre a mesmaposição de equilíbrio instável, que não o favorece, podendoprejudicá-lo, inclusive nos preparativos para enfrentar oproblema que se apresenta pela frente, que é a Alca.

“Entre os dois, meu coração balança.” Esse é, desdealgum tempo, o dilema em que vive a diplomacia brasi-leira – para não falar nas chamadas classes produtoras reu-nidas nas associações de classe das quais as empresas es-trangeiras guardam razoável distância. Colocado dianteda proposta de criação da Associação de Livre Comérciodas Américas, o governo considera a necessidade de umaescolha entre União Européia e Estados Unidos, ou entãoo cortejo à União Européia para reduzir a pressão norte-americana. Desde que não se trate de mero jogo de cena –e a menos que o que de fato esteja em jogo seja a manu-tenção da política de afastamento dos Estados Unidos, aqual se consagrou no governo Ernesto Geisel – o dilemanão existe do ponto de vista estritamente econômico. Arigor, os negociadores brasileiros deverão se empenharpara demonstrar que a eliminação de tarifas alfandegáriaspara produtos europeus causará menos prejuízos à “indús-tria instalada” no Brasil (prefiro essa expressão àquelaoutra, de “indústria nacional”) do que um acordo celebra-do nos mesmos termos com os Estados Unidos. Ninguémnegará que a potencialidade norte-americana é maior doque a européia, e que, assim sendo, o choque tecnológicoque o livre-comércio com os Estados Unidos provocaráno Brasil terá efeitos sísmicos maiores do que o choque

europeu. Não se deve, contudo, apesar desse fato ser ver-dadeiro e reconhecido, supor que um acordo com a UniãoEuropéia possa ser uma tábua de salvação para a econo-mia brasileira e impeça a submissão do Brasil aos Esta-dos Unidos.

Fatores de fraqueza e de força do Brasil nessa nego-ciação:- a política de incorporação de equipamentos militaresrealizada ultimamente pelo Exército e pela Marinha –tanques e navios que, da perspectiva tecnológica norte-americana, são obsoletos – aponta para a dependência emsetor estratégico. Essas incorporações seguem-se à ratifi-cação do Tratado de Não-Proliferação Nuclear e à daque-le que inviabilizou a pesquisa de ponta no setor balístico,direcionando o Brasil a entrar no rol das nações “confiá-veis”, mas sem perspectiva de avanços tecnológicos real-mente significativos nessas áreas;

- o Brasil está sozinho. Insistir nas negociações 4+1(Mercosul em bloco com qualquer outro país) é lingua-gem diplomática ad usum Delphini. Diplomatas experi-mentados não devem esperar que esse princípio seja con-siderado pelos demais membros do Mercosul depois doque a Argentina e o Uruguai fizeram nessas últimas se-manas para desatrelar-se dos tratados constitutivos dobloco;

- a situação de crise cambial permanente (atual ou previ-sível em médio prazo) em que está a maioria dos gover-nos latino-americanos não favorece a adoção, por eles, deuma política de “não passarão” diante dos Estados Uni-dos. Pelo contrário, coloca cada governo diante dadisjuntiva: abrir mercados com algum prejuízo para seto-res socialmente dominantes – que poderão encontrar, re-sidindo no Exterior e lá fazendo aplicações financeiras, oremédio para seus males – ou se isolar da comunidade fi-nanceira internacional. Nos anos 20 e 30, Haya de la Tor-re tinha conhecimento do que significava a expansão docapital norte-americano na América Latina, “Indoamérica,Nossa América”; por isso, preconizava a Federação (nãoa Confederação, sempre a Federação) da América Índia,ou Latina, pois apenas a Federação impediria que o Capi-tal entrasse em Indoamérica por meio de qualquer país queficasse fora da Anfictionia bolivariana;

- a fragilidade das contas externas é fato que obriga a quese saiba, de antemão, até que ponto vão as ligações dacomunidade financeira norte-americana e do próprio FundoMonetário Internacional (em que os EUA têm, se quiser,controle) com a política de segurança norte-americana. É

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preciso não esquecer que os Estados Unidos fixaram comosendo de seu interesse nacional a globalização da “demo-cracia econômica de mercado”, e que esse objetivo confi-gura parte de sua política de segurança.

Uma pesquisa mais demorada poderia acrescentar ou-tros fatores de fraqueza a esses apontados. Contudo, ca-beria registrar, agora, que a insistência em que a UniãoEuropéia e os Estados Unidos modifiquem suas políticasde subsídio à Agricultura pode traduzir o mesmo espíritode “chauvinismo de grande potência” assinalado no go-verno Geisel, só que agora com sinal trocado: “chauvinis-mo de grande mercado potencial”. Isso, além de não re-conhecer que um dos pilares de sustentação dos governoseuropeus e norte-americano é a Agricultura subsidiada.Há outro elemento, desta feita interno, que não pode seresquecido nesse tipo de consideração: uma vez que a Eu-ropa (e os Estados Unidos, igualmente) precisa vender pro-dutos de alta tecnologia, a mudança na política agrícola(se fosse possível fazê-la, dada as circunstâncias políti-cas internas de cada país europeu) poderia significar queas exportações brasileiras de commodities aumentariam,mas não as de produtos manufaturados com alta tecnolo-gia, o que poderia fazer que perdurasse por mais tempo ocondomínio a que se referiu.

Quais são os fatores de força?O Mercado – Deve levar-se em conta que, rigorosamen-te, ele deve ser tido como potencial por causa da má dis-tribuição de renda. O mercado efetivo não pode ser medi-do pelo dado bruto do total da população, mas pelorendimento das classes sociais (critérios exclusivamenteeconômicos, de rendimento). Embora o mercado efetivoseja menor do que o potencial, o Brasil é o maior merca-do da América do Sul, e poderá crescer desde que hajapolíticas de incorporação da grande massa de despossuídosà economia de mercado. Do ponto de vista do interessebrasileiro, o importante é saber que porção do mercadoefetivo absorverá bens que incorporem tecnologia de pri-meira geração – para não falar da possibilidade da econo-mia absorver bens de capital com alta tecnologia que pos-sa ser incorporada e reproduzida, e que parte do mercadoserá, por assim dizer, tomada por produtos acabados defino gosto e que parte dele absorverá bens acabados deconsumo de massa.O mercado do Mercosul – Esse fator de força poderátransformar-se, para o Brasil, em fator de fraqueza seporventura realizar-se uma das duas seguintes hipóteses:a primeira é que a negociação 4+1 seja levada a cabo comêxito; a segunda, é que malogre, mas um dos membros do

Mercosul faça o acordo com a UE ou com os EUA. Nosdois casos, coloca-se interessante questão, que poderá tersolução desfavorável ao Brasil, especialmente se, no se-gundo caso, o país do Mercosul que fizer o acordo nãoromper juridicamente os acordos constitutivos do bloco.Nessa hipótese, ausente o Brasil de um acordo com a UEou os EUA, e tendo um membro do Mercosul aderido auma zona de livre-comércio – e os precedentes indicandoque pode aumentar ou reduzir a TEC –, como se faria aimportação dos produtos europeus ou norte-americanospelo Brasil, via país do Mercosul?

No que se refere à Alca, o fato de o presidente da Re-pública haver declarado no Canadá que o Brasil só ade-rirá à Alca se lhe for conveniente (o que soa como ób-vio) tem levado muitos a considerar que sem o Brasil aAlca não será constituída. Se essa postura orientar as ne-gociações, a posição do Brasil poderá deixar de ser deforça para transformar-se em fraqueza – pois o futurodo desenvolvimento industrial e financeiro ficará na de-pendência do que decidirem Argentina, Uruguai eParaguai, que têm menos poder de barganha que o go-verno de Brasília e poderão ser levados, por legítimointeresse nacional ou de suas classes dominantes, a ade-rir à Alca. O problema, aliás, é o mesmo quando se faladas negociações com a União Européia.

É interessante analisar os fatos e o discurso dos parti-dários do acordo do Mercosul com a União Européia paraver como a posição do Brasil é menos forte do que se su-põe. Essa suposição, é bom ficar claro, vem da circuns-tância de ter-se estabelecido que o Brasil pode escolherentre a Alca e a União Européia – entre dois mercados-continente em que o Modo de Reprodução Ampliada doCapital atingiu seu pleno desenvolvimento e no qual aprodutividade aumenta especialmente pelos progressostecnológicos. Os fatos são de conhecimento geral: na úl-tima reunião entre o Mercosul e a UE, o comissário euro-peu para o Comércio, Pascal Lamy, jogou sobre a mesa oque a Europa pode e quer fazer, obrigando o Mercosul aapressar-se para responder à provocação européia. É que,no fundo, permitindo que seu coração balance entre doisamores – o Mercosul e o Brasil, em particular –, proce-dem como se, pelo fato de ser uma cobiçada donzela, osaventureiros que dela se querem apossar sejam obrigadosa proceder com tato e cortesia. Ledo e perigoso engano.O discurso revela tudo, e mostra porque – tendo-se emconta os fatos criados pela Argentina, pelo Uruguai e peloParaguai – a posição do Brasil não é tão forte como sequer que seja.

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O discurso é revelador. Antes da reunião com o Merco-sul, falando em Genebra, Lamy foi claro: “Vamos ficarum ano à frente da negociação da Alca” –, com isso ficaexplícito dizer que a Europa espera concluir as negocia-ções sobre a zona de livre-comércio com o Mercosul em2004. Na seqüência da entrevista, desvenda a razão dapressa em firmar o acordo: “A Europa tem interesse es-tratégico na consolidação e solidez do Mercosul e é nessecontexto que vemos o acordo de livre-comércio bi-regio-nal”. E mais adiante: “Não estamos preocupados com ques-tões táticas ou mercantilistas. Um Mercosul forte é umaprioridade para nós” (Gazeta Mercantil, 5/7/2001:7). Quese concluiu dessa oferta generosa? Que o importante paraa Europa é o Mercosul – e essa importância existe aindaque se saiba que o bloco está cindido.

A posição européia fica mais clara quando se lê o arti-go que Alain Touraine publicou no jornal Folha deS.Paulo, de 23/07/2001. O brilhante sociólogo, um dosmembros do establishment acadêmico francês e, nessa con-dição, capaz de refletir ou influenciar o pensamento doestablishment político, é conhecido como amigo do pre-sidente Fernando Henrique Cardoso e do Brasil, onde le-cionou e fez discípulos. Que diz ele, no artigo? Primeira-mente, deixa claro que o acordo com o Mercosul é umaquestão – eu diria que, para ele, vital – de tempo. As ra-zões estratégicas não referidas por Lamy, ele as deixa cla-ras: a Europa está agindo em três direções para consoli-dar sua economia, abrindo maiores mercados: Lesteeuropeu, Mediterrâneo Sul (desde Turquia a Marrocos eMauritânia) e América Latina.

O Leste europeu não apresenta problemas, dado o vo-lume de capitais que auxiliam a reconstrução econômicados antigos membros do Comecon. O Mediterrâneo é ex-tremamente problemático por causa da situação argelina.A crise de Estado que se delineia na Argélia, retratada pelarebelião na Cabila, que é berbere e não quer se sujeitar aum governo árabe, impedirá por algum tempo a penetra-ção européia. É na América Latina que o tempo urge, poisou a Europa age com rapidez e consegue bons frutos, ouse verá excluída da área pela Alca.

Touraine sabe que as ações do ministro Cavallo foramum golpe no bloco do Cone Sul. Por isso, escreve que oMercosul não existe mais, e que uma Argentina refeita desua crise – ele admite os fatos em sua crueza – poderánegociar diretamente com os Estados Unidos. Nesse qua-dro, apenas o Brasil quer conservar a unidade do Mercosul.No interesse estratégico da Europa, a Argentina precisaser salva, hoje, para que o Mercosul reerga-se amanhã e o

acordo com a Europa faça-se até 2004, como quer o co-missário Lamy.

Pela amizade que nutre pelos países do Mercosul, ouatendendo aos interesses europeus, Touraine passa porcima dos dados da Geografia e faz sua opção, que deveser a do establishment europeu: “A Europa, que precisavender produtos de alta tecnologia e que também precisacontratar profissionais qualificados, tem muito mais inte-resse em desenvolver a América Latina do que um mundoárabe ainda fraco e dividido”. A lógica dos mercados pra-ticamente derrotou a da Geopolítica de Spykman, que fa-zia o poder residir na razão inversa das distâncias. ETouraine avança, sem ambages, a linha mestra da estraté-gia européia; “Ao ajudar a Argentina a se reencontrar,tornamos possível ao Brasil conservar ou retomar uma li-berdade de iniciativa e de escolha que apenas ele podeexercer para o conjunto do continente e que, hoje, corre ograve risco de desaparecer”. Não se poderia ter coloca-ção mais clara de uma política de ocupação de mercadose de tentativa de fazer, no campo político, aquilo queCanning realizou em 1823, levando Monroe a proclamarsua famosa “Doutrina”: o então secretário do ForeignOffice gabava-se de haver restabelecido o equilíbrio eu-ropeu, incorporando, sob influência inglesa, o Novo Mun-do ao Velho. O que se pretende, agora, é a mesma coisa,sabendo-se que não mais existe a esquadra inglesa paraassegurar a integridade dos países sul-americanos diantede qualquer pretensão espanhola ou francesa. Existem,porém, para Touraine, Espanha e Itália, que têm profun-das raízes – e, especialmente a primeira, enormes capitaisaplicados na América hispânica – que podem auxiliar naaliança com o Mercosul, partindo de um ponto de apoio,que é a reconstrução argentina (o que faz do Brasil, comose tem e como o atual governo de Brasília parece fazer,um ator de segunda importância no jogo europeu). Para oBrasil, depois de a Argentina estar recuperada, está reser-vado um papel de relevo: despreocupado com as crises deseu vizinho, ajudará a restabelecer o equilíbrio de poderentre a Europa e os Estados Unidos, exercendo sua influên-cia sobre o conjunto do continente sul-americano. É esteque interessa à Europa – as Américas do Norte e Centralsão dadas, desde já, como sob a influência norte-america-na via México.

Se se estendeu nessa exposição da estratégia européia– aliás posta a nu sem nenhum pudor – foi para que não sefaça da opção européia a salvação, a única possibilidadede independência do País. Não que as intenções dos Esta-dos Unidos sejam melhores. São iguais e têm a apoiá-las

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ENTRE DOIS AMORES

não os capitais de Espanha e Itália, mas o poder financei-ro e militar. Um moço que tenha por objetivo, em suasrelações com o mundo, garantir a qualquer preço sua se-gurança, manter sempre abertas as oportunidades de ne-gócio e procurando impor sua visão de mundo sobre a dosdemais, é tão perigoso quanto aquele guapo rapaz quepersegue a donzela com juras de amor e promessas de ca-samento, mas mantém segredo de que isso só se dará de-pois que uma outra, rival dela, estiver em condições detambém com ele se casar.

Assim, pode-se voltar ao início e dizer que, da pers-pectiva das alianças, a conclusão de um acordo para a cons-tituição de uma zona de livre-comércio entre o Brasil e,tanto faz, a União Européia ou os Estados Unidos será,para aquele que chegou a um ponto de maturação supe-rior do MRAC, uma mésalliance. Mestre Aurélio registraeste galicismo como um “casamento de alguém com pes-soa de condição inferior à sua”. Condição inferior, mascapaz, ainda assim, de proporcionar não apenas pingueslucros, mas gozosas aventuras, que não lhe impedirão oflerte com uma vizinha rival, que sempre quis casar-se comalguém que seja forte.

NOTAS

1. Paulo Nogueira Batista Jr. vem insistindo em que a globalização jáse realizara em muitos aspectos antes da Primeira Guerra Mundial. Veja-se, entre outros, seu artigo Batista Jr. (1997:84-98).

2. Uma ilustração desse processo está em Ferreira (1986).

3. A revolução de 30 nasce da aliança de setores dominantes no Nor-deste, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, convém não esquecer.

4. No esquema de Luxemburgo, o mercado externo do Capital é sem-pre mais extenso que o interno até que seja totalmente ocupado peloMRAC; aqui, refere-se especificamente às extensões territoriais defi-nidas juridicamente pelo Estado brasileiro.

5. A esse propósito confrontar a excelente análise de Keylor(1996:128 ss).

6. Entende-se por “princípio de nação mais favorecida”, neste contex-to, a garantia que têm todas as partes de um acordo de comércio degozar das mesmas reduções tarifárias que forem acertadas entre doissignatários do acordo. O princípio pode aplicar-se, também, por deci-são soberana de um Estado que decide favorecer um outro, igualandoas tarifas alfandegárias cobradas sobre os produtos dele importados àsvigentes para os produtos de outros países. Enquanto a China não in-gressa na OMC, o Congresso norte-americano decide de tempos emtempos se ela pode gozar dos benefícios do princípio de nação maisfavorecida. A Alalc inscreveu esse princípio em sua carta constitutiva,e a Aladi não deixou de seguir idêntica orientação. Foi a insistêncianesse princípio que, em boa medida, frustrou todo tipo de integração,de formação de bloco, uma vez que nenhum país pretendeu fazer con-cessões que levassem suas indústrias e agricultura a competir com pro-dutos estrangeiros eventualmente mais baratos. Cabe notar, dada a im-portância que teve no processo de constituição do Mercosul, que a Aladireconhece a existência de blocos sub-regionais, que não são obrigadosa submeter-se ao princípio de nação mais favorecida.

7. É conveniente insistir na diferença entre zona de livre-comércio ea união aduaneira: quando se estabelece a primeira, como é o casodo Nafta, eliminam-se tarifas alfandegárias e barreiras não-tarifáriasentre os países-membros; na união aduaneira, além de se ter a elimi-nação de barreiras ao comércio interbloco, estabelece-se uma tarifaexterna para produtos oriundos de países não-membros do bloco. As-sim, determinados produtos que são importados pelos países-mem-bros são sujeitos ao pagamento da mesma tarifa aduaneira. É a ma-neira de proteger os bens produzidos no bloco da concorrência depaíses mais avançados num determinado setor produtivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA Jr., P.N. “O círculo de giz da ‘globalização’”. Novos Estu-dos – Cebrap. São Paulo, Cebrap, n.49, nov. 1997, p.84-98.

FERREIRA, O.S. Teoria da coisa nossa. São Paulo, GRD, 1986.

KEYLOR, W.R. The twentieth century, an international history. NewYork, Oxford University Press, 1996.

OLIVEIROS S. FERREIRA: Professor do Departamento de Política daPUC-SP e do Departamento de Ciência Política da USP.

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A

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Resumo: A hipótese de formação de blocos regionais rivais não se realizou. O Brasil tem hoje a possibilidadede aprofundar sua inserção de modo complementar em dois arranjos regionais – a Alca e o Mercosul – e um arranjointer-regional, entre o Mercosul e a União Européia. A negociação da Alca é a mais importante das três porqueestabelece a referência a partir da qual o Brasil definirá seu papel no mundo.Palavras-chave: blocos regionais de comércio; Alca; Mercosul.

Abstract: Contrary to expectations, the formation of competing trade blocks has not become a reality. Today,Brazil has the opportunity to play a larger role in two regional associations – the FTAA and Mercosul – as wellas in the inter-regional arrangement between Mercosul and the European Union. FTAA membership is themost important of the three, providing as it would a point of reference from which Brazil can define its role inthe world.Key words: regional trading blocks; FTAA; Mercosul.

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE

noção de blocos comerciais foi moeda correnteno início da década de 90, forjada a partir da ex-pectativa de que, com o fim da polarização polí-

cedido da CEE permitia prever que ela forneceria o mode-lo de integração, baseado na forte liberalização interna comconsiderável margem de protecionismo externo: a fortale-za econômica. Deve-se lembrar que, após um período deeuroceticismo, a CEE estava a caminho do Mercado Únicoem 1993 e já preparando a negociação do futuro Tratadode Maastricht, que resultou na União Européia, com unifi-cação da moeda e da política externa e de defesa.

Aos Estados Unidos, em parte devido a sua perda decompetitividade, em parte devido às barreiras comerciaisde seus principais parceiros, restaria o caminho da regio-nalização, já então iniciado com o Acordo de Livre Co-mércio celebrado com o Canadá. Esse acordo teve conti-nuidade com as negociações, iniciadas em 1991, com oMéxico e, posteriormente, com o Canadá, para a adoçãodo Nafta. A proposta de adoção de uma área de livre-co-mércio continental, embutida na Iniciativa para as Amé-ricas do presidente Bush senior, era tida por alguns comoconsolidação de um bloco sob hegemonia regional ameri-cana e, por outros, como manobra diversionista, mas nun-ca como contra-argumento.

Naquele momento, em que não se conhecia a extensão dadébâcle política e militar da ex-União Soviética, ainda era

tica e militar, os interesses econômicos iriam predominarnas relações internacionais. Como decorrência dessa pre-dominância, os conflitos internacionais tenderiam a oporinteresses comerciais que redundariam, por sua vez, naformação de blocos, a exemplo dos blocos americano esoviético durante a Guerra Fria.

Por essa ótica, as guerras comerciais substituiriam asguerras propriamente ditas, e se poderia esperar um au-mento da interdependência comercial intrablocos e um au-mento do protecionismo interblocos. Dada a disputa pelaliderança na competitividade internacional, que deixou osEstados Unidos atrás de seus parceiros europeus e japo-neses até o início do governo Clinton, em 1993, previa-seque os principais candidatos a liderar um bloco seriam pre-cisamente a Alemanha e o Japão.

A forte implantação regional de suas respectivas econo-mias, a da Alemanha na CEE e a do Japão estendendo-seem círculos concêntricos entre os “tigres” e, posteriormen-te, no Sudeste Asiático, levava a crer que os blocos que daíresultariam teriam caráter regional. E o exemplo bem-su-

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possível prever a constituição de um quarto bloco, formado apartir da Comunidade dos Estados Independentes, sob a lide-rança da Federação Russa. Era uma hipótese a ser formulada.Quanto ao Mercosul, ainda em processo de formação, pre-via-se um isolamento que o condenaria à irrelevância dianteda dimensão dos demais blocos, ou um destino de inexorávelabsorção num futuro bloco americano.

A proposta, então avançada pelos Estados Unidos, decriação de uma área de livre-comércio inter-regional, unin-do as duas orlas do pacífico a partir da Apec,1 não cabia,obviamente, no modelo de blocos regionais. Mas, em vezde ser utilizada para infirmar a hipótese era, ao contrário,empregada como prova contrafactual. Ela constituiria, talcomo a Iniciativa Bush, uma alternativa para o objetivorealmente buscado pelos Estados Unidos: a formação deuma fortaleza comercial regional, restrita à AméricaSetentrional.

Passada uma década, apenas a UE evoluiu de maneirafiel ao próprio modelo de bloco ao mesmo tempo comer-cial, financeiro, regulatório, político e de segurança, em-bora não tenha enveredado, como se temia, por um fecha-mento comercial crescente. Tampouco se expandiu navelocidade prenunciada com o fim da Guerra Fria, em di-reção a uma incorporação rápida e total da Europa ex-so-viética, do Oriente Próximo e das antigas colônias.

A incorporação dos países circunvizinhos está na agen-da, assim como a unificação da política externa e de defe-sa, mas apenas a unificação monetária está prestes a efeti-var-se por completo. O protecionismo sofreu derrotasformais – como o compromisso de aprofundar a liberali-zação da agricultura e de indústrias e serviços sensíveis –e obteve vitórias de fato – como a reintrodução de novosargumentos a favor dos subsídios. Mas a UE não é hojesignificativamente mais protecionista do que a CEE antesde Maastricht. Longe de isolar-se, a UE se mantém emmovimento na direção de acordos comerciais com a Ásiado Leste, a África Austral e a América do Sul.

Com relação ao Japão, não parece ter havido um movi-mento significativo em direção à criação de um bloco talcomo previsto. Em sua região convivem várias iniciativasregionais (como a Asean2) e inter-regionais (como a Apece a Falal3), nenhuma organizada em torno de um acordocomercial. O movimento mais relevante do Japão, até o fi-nal do ano 2000, consistiu, ao contrário, em não apoiar qual-quer processo rápido de criação de blocos de natureza re-gional ou inter-regional em sua área de influência.

Pode-se notar, em função do apoio dado ao Falal (Kojima,2001) e do interesse demonstrado pelas autoridades comer-

ciais japonesas pelas experiências de integração econômicaregional, como o Mercosul e a Alca, que o Japão começa arever sua política de não se engajar formalmente em acor-dos regionais de comércio. Atualmente, encontram-se emnegociação acordos de comércio com dois “tigres” asiáti-cos, Singapura e Coréia do Sul, e com o que há de mais pró-ximo de “tigres” latino-americanos, México e Chile.

Com relação aos Estados Unidos, as iniciativas toma-das no que diz respeito a acordos comerciais definitiva-mente não confirmam a exclusividade, sequer a priorida-de concedida à formação de uma fortaleza regional. Aliteratura aponta, ao contrário, a tentativa de abrir novasopções na direção da liberalização dos mercados para asexportações e os investimentos americanos.

Com o impasse criado nas negociações da Rodada Uru-guai do GATT, os EUA procuraram negociar acordos queincluíssem os temas em que eram demandeurs no GATT,tais como liberalização de serviços e regulação de pro-priedade intelectual e investimentos. A iniciativa de umacordo de livre-comércio com o México, proposto por este,foi direcionada para esse objetivo. Simultaneamente, osEUA tomaram iniciativas semelhantes com relação àAmérica Latina e à Ásia-Pacífico.

Tais iniciativas tinham dois objetivos: aumentar a pres-são em favor de um desenlace favorável no GATT e, casoa Rodada Uruguai fracassasse definitivamente, dispor dealternativas para exportações e investimentos americanosdentro das condições que lhes pareciam mais favoráveis.Com o resultado relativamente satisfatório da Rodada Uru-guai, tais iniciativas deixaram de ser prioritárias, arrefe-cendo o interesse inicial.

Entretanto, a estagnação das negociações para a criaçãode áreas de livre-comércio na Ásia-Pacífico e nas Améri-cas não pode ser explicada por um movimento de isolamentoregional dos EUA. Longe disso. O sucesso relativo da Ro-dada Uruguai colocou em segundo plano essas iniciativasjustamente porque corresponde a uma prioridade globalacima de uma prioridade regional. A estagnação dastratativas para a constituição de uma área continental delivre-comércio deveu-se à falta de apoio do Brasil e à opo-sição de grupos de interesse domésticos nos Estados Uni-dos. E, no caso da Apec, o empecilho veio da oposição depaíses da Asean e à falta de apoio do Japão. Em nenhumdos três casos se pode falar na predominância de um movi-mento isolacionista regional americano.

Fora dessa esperada divisão do mundo em blocos lide-rados pelos três grandes, ocorreu uma grande difusão deacordos comerciais nas mais diversas regiões, ou unindo

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diferentes regiões. No primeiro caso, dificilmente se po-deria falar em fortalezas comerciais ou blocos tendendo aum isolacionismo e preparados para guerras comerciais.

Faltariam, na maioria dos casos, recursos econômicose de poder para qualquer pretensão de disputa hegemôni-ca com outros blocos. Isso se aplica, por exemplo, aos ar-ranjos comerciais da América Central e do Caribe, daÁfrica Austral, da Ásia Central.

Quanto aos arranjos inter-regionais, como os celebradosentre a UE e o México e os que estão sendo negociados entrea UE e o Chile, ou entre o Japão e cada um desses países,eles atestam, ao contrário, o grau de flexibilidade dos arran-jos existentes. O México, membro do Nafta, nem por isso sevê privado de estabelecer inúmeros acordos, tanto no conti-nente como fora dele.

Assim sendo, a questão dos blocos regionais tem deser recolocada, hoje, de maneira diferente daquela comoera encarada na virada da década passada. Para o Brasilela não se coloca em termos excludentes, mas sim em ter-mos de um leque de opções complementares. Quais sãoessas opções?

Para responder a essa questão pode-se partir dos fatosou das idéias. Isto é, partir dos acordos existentes ou emvias de negociação, ou partir dos objetivos e interessesem jogo. O segundo método é o que convém a um estudopolicy-oriented. O primeiro é mais apropriado a uma abor-dagem acadêmica. Neste artigo serão combinados, na me-dida do possível, esses dois métodos.

A TRÍADE ESTRATÉGICO-COMERCIAL

A economista Vera Thorstensen tem empregado a ex-pressão Tríplice Aliança para evocar o linkage existenteentre as principais frentes de negociação internacional emque o Brasil se encontra envolvido, a nova rodada globalno âmbito da OMC, as negociações da Alca e as negocia-ções entre o Mercosul e a UE. No que se refere a blocosregionais ou, mais propriamente, a arranjos regionais decomércio, as opções do Brasil concentram-se principal-mente em três frentes, que em grande parte recobrem asnegociações apontadas por ela. Trata-se da integração sub-regional no Mercosul, da integração continental na Alcae da integração inter-regional com a UE.

Essa tríade de processos interligados de integração,além do aspecto comercial, envolve outro, estratégico,porque a opção excludente de um desses arranjos em de-trimento dos demais, ou a exclusão de um deles em favordos demais deveria pressupor uma escolha do “nosso can-

to” no mundo globalizado. Isso porque tal opção implica-ria uma escolha a respeito do núcleo de economias nacio-nais, mais ou menos integradas transnacionalmente, den-tro e a partir do qual se processa a integração brasileirana economia global. E, por decorrência, nas relações in-ternacionais de poder.

Em outras palavras, pode-se chamar essa tríade de es-tratégico-comercial porque a prioridade política concedi-da a uma delas deveria envolver uma parte substancial denossa identidade externa. O objetivo é apresentar o Brasilcomo uma economia emergente – do bloco do eu-sozinho– como a economia líder do Mercosul, como a segundaeconomia do continente americano, ou como a economialíder de um dos arranjos laterais da economia da EuropaOcidental?

É uma referência à prioridade política de longo prazo, enão à urgência pragmática de curto prazo. A diferençaentre as duas é que, no primeiro caso, não importa se o ob-jetivo é atingido em primeiro ou em último lugar, o queimporta é que todos os demais objetivos lhe sejam subordi-nados e possam ser sacrificados em seu benefício. No se-gundo, entretanto, trata-se de um objetivo que pode até virem primeiro lugar, por estar ao alcance a um custo maisbaixo, mas que poderá, a qualquer momento, ser prejudi-cado em benefício de outro. O argumento é que, a menosque se aceite o pressuposto de que a agenda de nossa polí-tica externa pode ser totalmente definida do exterior, a prio-ridade excludente de uma dessas opções de integração de-veria basear-se na consideração prévia de uma hierarquiade objetivos e de prioridades políticas e econômicas.

O caso do Mercosul é ao mesmo tempo o mais com-plexo e o mais simples. Mais complexo porque o Mercosulé o marco fundador das relações internacionais brasilei-ras. Ainda como parte integrante do Império luso, a Baciado Prata constituiu o primeiro teatro de cooperação e con-flito com outra potência soberana,4 processo que se inten-sificou a partir do final do século, com a fusão das duascoroas ibéricas.

Nossas fronteiras na Bacia do Prata foram desde sem-pre vivas e densas tanto do ponto de vista econômico,quanto cultural, político ou militar. O mesmo não ocor-reu com o resto do território brasileiro, onde as frontei-ras naturais separavam em vez de integrar e, a tal ponto,que era como se não houvesse vizinhos. Não fosse nossarelação internacional com os “castelhanos” e com seusherdeiros, teríamos permanecido até o século passado noesplêndido berço do isolamento em nosso próprio terri-tório continental.

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Isso faz com que se possa considerar a Bacia do Prata– não propriamente o Mercosul – um destino, na expres-são de Celso Lafer, mais do que uma opção. Não que nãotivesse sido possível, desde o início de nossa vida inde-pendente, subordinar nosso “destino” platino a nossas op-ções transatlânticas. Não a principal alternativa do Bra-sil, na virada do século XIX para o século XX, não fosseentre prosseguir atrelado ao evanescente império britâni-co ou se integrar ao nascente império americano, enquan-to a Argentina permanecia fiel aos seus laços europeus.Um destino assim entendido pode permanecer latente du-rante séculos antes de ser assumido, como ocorreu com afase de cooperação e integração com a Argentina iniciadanas décadas finais do século XX.

O aspecto da complexidade do Mercosul está em queas diversas dimensões do “destino” platino do Brasil es-tão profundamente interligadas nas Actas de Iguazú5 e noTratado de Assunção6 que as sucedeu. Assim sendo, algocomo um “Mercosul”, em que poderá eventualmente so-bressair-se uma ou outra das dimensões do comércio, dasegurança, da cultura, dos direitos e valores globais emdetrimento das demais, deveria, ao menos potencialmen-te, fazer parte de nosso “destino”.

Tendo em vista a complexidade da interdependênciabrasileira com os vizinhos do Cone Sul e, especialmente,com a Argentina, a tarefa de determinar qual a naturezaprioritária do Mercosul, entre tantas, é extremamente di-fícil. Por outro lado, a única resposta possível é sim, oMercosul tem de existir.

Não obstante, o caso do Mercosul é o mais simplesdevido à crise, no momento insolúvel, em que se encon-tra. Como a crise é, atualmente, insolúvel, não há alterna-tivas: a saída é aquela atribuída a Getúlio Vargas – deixarcomo está para ver como fica.

Na verdade, a crise do Mercosul é a conjunção de trêscrises: aquela decorrente da desvalorização do real, queafetou negativamente o conjunto das economias do blo-co; a crise decorrente da crise argentina, que levou essePaís a um grau de volatilidade fiscal e comercial que, naprática, revogou a união aduaneira existente entre os qua-tro países; e, finalmente, a crise desencadeada com a alte-ração da posição brasileira em relação à Alca.

Dentro de sua múltipla funcionalidade, o formato doMercosul, como área de livre-comércio e união aduanei-ra, estabeleceu uma solução oposta e complementar aosobjetivos da política econômica externa do Brasil e da Ar-gentina. Para o Brasil, o Mercosul tem sido o principalinstrumento para limitar o aumento de sua interdependên-

cia econômica com os Estados Unidos, sem isolar-se daeconomia da região. Para a Argentina, o Mercosul tem sidoo principal instrumento para elevar suas chances de au-mentar os ganhos de uma maior interdependência econô-mica com os Estados Unidos, na medida em que incluiriao Brasil como fator equilibrador dessa interdependência.

Assim sendo, o Brasil não quer que a Argentina se inte-gre na economia americana porque não deseja se integrar,enquanto a Argentina não quer se integrar na economiaamericana enquanto o Brasil não se integrar, se possívelpela mão da própria Argentina. A Argentina, por sua vez,não deseja que o Brasil se integre na economia americanasem levá-la junto, enquanto o Brasil deseja conter ou, pelomenos, retardar essa integração. Portanto, embora os ob-jetivos sejam opostos, os dois países têm coincidido numponto: Brasil e Argentina devem retardar, a curto prazo, oaumento da integração de ambos na economia americana.

Uma hipótese é que o fator mais agravante da crise doMercosul consiste na mudança de posição do Brasil comrelação à Alca, tornando o Mercosul irrelevante para oprincipal objetivo comum de seus dois protagonistas. Apartir do momento em que o Brasil reconheceu a inevi-tabilidade da Alca e decidiu negociar a limitação de seussupostos inconvenientes e a ampliação dos eventuais be-nefícios daí decorrentes, o principal objetivo comum doBrasil e da Argentina no Mercosul – retardar a adesão deambos à Alca – tornou-se secundário.

Se isso é verdade, o Mercosul deixa de ser um objetivoem si mesmo, e seu caráter instrumental passa a prevale-cer. Duas perspectivas abertas recentemente passam, pos-sivelmente, a justificar o emprego do Mercosul pelo Bra-sil no processo de construção de seu espaço econômicointernacional. Trata-se, por um lado, do novo impulso ga-nho pelas negociações inter-regionais entre Mercosul e UE,após a oferta tarifária feita pela UE na reunião de julho de2001 da CNB.7 Como o formato das negociações é bilate-ral UE/Mercosul, e o mandado da UE é para negociaçõescom o Mercosul, e não com seus países-partes individual-mente, o Mercosul, independentemente da resolução desua crise interna, tornou-se o fórum para a elaboração daagenda e o canal para a negociação comercial com os par-ceiros europeus.

O Mercosul teria até outubro de 2001 para apresentaruma contraproposta à oferta européia e, até lá, essa seriasua tarefa prioritária, passando à frente das negociaçõesda agenda interna do Mercosul. Não o será necessariamente,porque o governo dos EUA, por ocasião do anúncio donovo empréstimo do FMI à Argentina (Folha de S.Paulo,

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22/08/01), propôs o início de conversações bilaterais como Mercosul com vistas à adoção de um acordo de comércio.

Essa nova frente de negociação obedeceria ao formato4+1 do acordo-quadro firmado entre os EUA e os quatropaíses do Mercosul no âmbito da Iniciativa das Améri-cas, o chamado Acordo do Jardim das Rosas (Albuquerque,2001). Com a derrota de George Bush nas eleições presi-denciais de 1992 e o lançamento da Alca em 1994, aqueleacordo perdeu sua relevância, mas foi repescado recente-mente na reunião de Assunção do Conselho do Mercosulem junho de 2001, por iniciativa do Uruguai, que propôsa abertura de negociações do Mercosul com os EUA emparalelo às negociações da Alca.

Assim sendo, em que pese sua crise interna, o Mercosulretoma uma relevância de primeiro plano por se tornar uminstrumento essencial de negociação comercial externa doBrasil com seus principais parceiros, os EUA e a UE. Issoem princípio lhe garante, de antemão, uma sobrevida até2005, prazo para o final das negociações da Alca ou, sefor o caso, até o final das negociações da anunciada Ro-dada do Milênio da OMC. Ao mesmo tempo, seu caráterinstrumental descarta o Mercosul como prioridade políti-ca de integração econômica.

A UE constitui o outro caso. Do ponto de vista dasnegociações comerciais e paracomerciais (isto é, de tradeand trade-related issues), a integração econômica inter-regional com a UE é um processo tão ou mais complexoquanto o da Alca. Do ponto de vista da multiplicidade deatores, são quinze países de um lado e quatro do outro,teoricamente cada lado falando em uníssono mas, de fato,uma negociação pelo menos em dois níveis (se for excluí-do o nível doméstico de cada país dos dois blocos).

São negociações comportando um grande grau de de-sequilíbrio, não apenas entre as economias das duas re-giões, mas também entre os países de cada bloco. Nãoexiste, porém, como existe na Alca, um protagonista cla-ramente delimitado, no caso os EUA (e de certa forma,do outro lado, seu principal interlocutor na Alca, o Bra-sil). Falta à UE uma liderança unilateral com relação àpolítica comercial, o que permite certa deriva entre inte-resses e estratégias repartidos entre a França, a Alema-nha, a Inglaterra – apenas para mencionar os três grandes.

Finalmente, do ponto de vista da simetria das negocia-ções, a UE, tal como os EUA, pretende o máximo de aber-tura de seus parceiros de ultramar, enquanto quer manterreservada como inegociável uma área significativa de co-mércio, cuja dimensão é quase impossível estimar a priori.O que distingue o caso da UE do caso dos EUA com rela-

ção aos interesses comerciais brasileiros, é que a área re-servada por este último é mais delimitada e restrita e deestimativa mais factível, enquanto na UE esbarra-se emquestões intricadíssimas de princípio e de política domés-tica, como é o caso da política agrícola comum.

A limitação da prioridade política que se pode conce-der à integração inter-regional é que ela é inter-regional.A “cartada européia” sempre foi, para o Brasil, um pontode apoio para contrabalançar as enormes assimetrias comseu principal parceiro no Continente americano, os EUA.Desse ponto de vista, a integração UE/Mercosul vem ser-vindo para o que foi concebida, isto é, evidenciar para osEUA que o Brasil tem alternativas.

Hoje é inegável que cada avanço ou retrocesso nasnegociações da Alca provoca um sacolejo no tabuleirointer-regional, e vice-versa. De fato, a UE reagiu com inu-sitada rapidez ao pedido do Mercosul para que formulas-se uma proposta de liberalização comercial. Isso ocorreudepois de cinco anos em que se marcou passo sem que aUE autorizasse um mandato negociador com relação aoMercosul, da assinatura do Acordo Quadro, em 1995, àCimeira do Rio, em 2000. Pode-se creditar a atual acele-ração do processo, num contexto em que a UE reiteravasempre que a integração era sobretudo política, aos avan-ços da Alca na Cúpula de Quebec.8

Por mais que se queira, entretanto, o Brasil dificilmen-te será uma potência européia, mesmo no sentido em queos EUA foram, durante toda a Guerra Fria, a maior potên-cia européia e a maior potência asiática. E se, capaz deamealhar todos os recursos necessários para exercer, naEuropa, algum papel relevante, o Brasil estivesse dispos-to a pagar o preço econômico, político e militar desse exer-cício, teria certamente mais vantagem em exercê-lo emseu continente.

A OPÇÃO CONTINENTAL

Esse conjunto de considerações converge no sentidode apontar para a própria região brasileira como sendo ofoco principal de seus objetivos políticos. Isso não destoado princípio quase universal de que nenhuma potência podeter alcance mundial sem ter necessariamente uma forteimplantação regional. Ou, em outros termos, não é possí-vel uma potência deter relevância mundial sem pelo me-nos disputar a hegemonia regional.

Dito isso, o leque de opções brasileiras se reduz ao ConeSul ou a todo o continente americano. Dentro dessa or-dem de idéias, há dois fortes argumentos em apoio à se-

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O BRASIL E OS CHAMADOS BLOCOS REGIONAIS

gunda opção. O primeiro, de caráter factual, baseia-se naevidência do caráter instrumental do Mercosul, tanto parao Brasil como para a Argentina: enquanto o Mercosul sejustificar exclusivamente pela oportunidade que conferea seus membros para negociar com terceiros – no caso aUE e os EUA –, ele não pode aspirar a ser o objetivo cen-tral da política externa do Brasil.

O segundo argumento é de caráter conceitual. O lugarde um país no mundo pode ser definido em termos locais,regionais ou globais. Exemplo do primeiro caso seria umpaís cuja principal aspiração no mundo é sobreviver a seusvizinhos. Israel e um hipotético futuro Estado palestinoestão enredados nesse tipo de destino.

O segundo caso, regional, talvez possa ser aplicado àRússia. Por mais que esse país tente recuperar um destinoglobal, de longe comparável ao de que desfrutou na GuerraFria, sua atuação internacional tende a ser mais relevanteem torno do que fora a Grande Rússia.

O último caso corresponde a todas as grandes potên-cias que, bem ou mal, mantiveram relevância sistêmicaapós o fim da Guerra Fria, como os EUA, a Inglaterra e aFrança, e também aquelas que almejam algum grau de re-levância global no futuro. Todas detêm ou disputam a he-gemonia regional, como foi assinalado há pouco.

Assim sendo, a menos que renuncie a ter sua identida-de e sua agenda definidas de fora para dentro, e a menosque renuncie a ter um mínimo de relevância global e regio-nal, o papel do Brasil no mundo não cabe no Mercosul. Aidentidade nacional de um país como o Brasil não podeser definida em termos locais.

Isso direciona as opções do Brasil para o âmbito docontinente americano, quer o principal objetivo seja terrelevância regional ou global. Dessa forma, seria perti-nente definir seu principal objetivo externo na região, comosendo o de principal interlocutor dos EUA no continente,tanto do ponto de vista político como econômico e de se-gurança e defesa. Isso já lhe asseguraria, de per si, umpapel de relevância global que, no entanto, não teria porque se limitar a um papel regional. Se o tão propalado fu-turo, a que o Brasil pertence, um dia chegar, essa baseregional de relevância sistêmica será uma das condiçõesindispensáveis para que este País se torne um dos prota-gonistas da ordem mundial.

Se isso for correto, a importância estratégico-comercialda Alca será medida por sua pertinência no alcance dosobjetivos intrínsecos do Brasil, não em reação aos interes-ses dos EUA, ou dos demais países, no continente. Desseponto de vista, as negociações da Alca seriam as mais im-

portantes porque são as mais relevantes para a definiçãodos objetivos de liderança regional inerentes aos objeti-vos políticos globais do País. Tanto as negociações com aUE como a esperada Rodada da OMC lhe seriam subordi-nadas, porque delas depende a consolidação do papel deliderança continental do Brasil, perspectiva da qual sepoderá avaliar o alcance dos ganhos e concessões a seremporventura acordados no âmbito desses dois foros.

Em contrapartida, isso implica uma reversão de expec-tativas em relação à Alca. Ela só passa a ser relevante, noque diz respeito aos objetivos maiores do País na medidaem que seja relevante para consolidar seu papel de lideran-ça regional. Desse modo, o objetivo tático de retardar ouminimizar perdas comerciais é menos relevante do que umprotagonismo eficaz. Por protagonismo eficaz entenda-seo exercício efetivo da liderança e da interlocução entre atorescom relevância sistêmica. Isto é, o fato de um ator fazerparte do núcleo de atores que controla de fato o sistemadecisório. No caso da Alca, o número não superior a qua-tro ou cinco países que decidirão o futuro desse acordo.

Se assim for, a co-presidência do Brasil e dos EstadosUnidos no processo negociador da Alca é infinitamentemais relevante para os objetivos brasileiros no continentedo que toda a década de protelação do processo negocia-dor, motivado pelo objetivo de diminuir eventuais perdascomerciais com a adoção e entrada em vigor do acordo.Mais relevante, inclusive, do que a vitória da diplomaciabrasileira na sua resistência contra a antecipação de suadata de vigência.

Como observado anteriormente, “nenhum país anfitriãose sente à vontade com o fracasso de uma reunião da qualele é sede. Se existe um inconsciente dos Estados-Nação9

– e deve-se admitir que Freud disse explicitamente quenão –, quando a diplomacia brasileira aceitou hospedar oFórum (Empresarial) e a Reunião Ministerial de Belo Ho-rizonte e, depois de Santiago, admitiu co-presidir a fasefinal de negociação da Alca, inconscientemente o destinoestava selado” (Albuquerque, 2001). Se isso é verdade, oinconsciente estratégico do Brasil – que o defende, com“atos falhos”, dos objetivos inconsistentes de sua políticaexterna – falou mais alto.

CONCLUSÕES

Tudo o que foi dito autoriza a formulação de algumasconclusões sobre as prioridades brasileiras com relaçãoaos chamados blocos comerciais. Em primeiro lugar, é ne-cessário estabelecer uma hierarquia de precedência entre

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os três blocos em cujas negociações o Brasil está engaja-do. Tal hierarquia não pode ser reduzida exclusivamenteà importância do fluxo de comércio. Além das dimensõesde endividamento externo e investimento direto, que nãose confundem com o fluxo de comércio, embora este pos-sa se tornar um fator positivo na sustentabilidade daque-les, é necessário considerar os objetivos políticos do País.

Assim, os argumentos acima convergem na direção deoutorgar à Alca o primeiro lugar na hierarquia dos blocoscom interesse para o Brasil, porque ela é mais condizentecom os interesses globais de nosso país ser identificadocomo a segunda maior potência do continente, e não ape-nas como a maior potência do Mercosul. Vem em seguidao Mercosul, com as convenientes revisões de rumo, nadireção apontada, por exemplo, em “Integração regionalna América do Sul e a agenda multilateral pós-Seattle”(Motta Veiga, 2000).

As negociações com a UE, entretanto, com a grandeimportância instrumental que de fato possui, viriam ape-nas em terceiro lugar e deveriam ser subordinadas aoseventuais resultados de uma futura rodada global de ne-gociações na OMC – precisamente porque é assim quequerem os europeus, assim como corresponde tudo o queé relevante para os interesses comerciais do Brasil.

NOTAS

1. Asia Pacific Economic Cooperation.

2. Association of South East Asian Nations.

3. Forum América Latina-Ásia do Leste.

4. Como as populações indígenas não formavam estados nacionais, nãose está considerando suas relações com os conquistadores como inter-nacionais em sentido estrito.

5. Protocolo assinado pelos presidentes Alfonsín e Sarney prevendo acriação de uma Área de Livre Comércio entre os dois países.

6. Tratado firmado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai crian-do o Mercosul.

7. Comissão de Negociação Birregional, fórum das negociações entreos dois blocos.

8. Raciocínio análogo cabe com relação à rapidez com que os EUAresponderam à proposta uruguaia de negociação bilateral com oMercosul, sobre a qual, tudo indica, o governo brasileiro ainda nãotem posição firmada.

9. Ou das coletividades e instituições, para ser mais preciso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KOJIMA, T. “Future Perspective of Fealac”. Carta Internacional.98,abr. 2001.

MOTTA VEIGA, P. da (org.). O Brasil e os desafios da globalização.Rio de Janeiro, Relume Dumará/Sobeet, 2000.

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE: Professor de RelaçõesInternacionais do Departamento de Economia da FEA-USP e Coorde-nador Científico do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais daUSP.

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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E OS BLOCOS INTERNACIONAIS

D

POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRAE OS BLOCOS INTERNACIONAIS

FLAVIA DE CAMPOS MELLO

esde o final do ano 2000, a política externa bra-sileira enfrenta dificuldades na articulação dasestratégias diplomáticas do País nos planos sub-

formato da integração bilateral Brasil-Argentina, inicia-da nos governos Sarney e Alfonsín, refletiam a conver-gência política entre os governos Collor e Menem, quebuscaram vincular suas políticas externas à reestrutura-ção e às reformas econômicas domésticas. Ao mesmotempo, constituíram uma resposta defensiva aos impac-tos potenciais de outros processos de regionalização e,sobretudo, antecipavam possíveis efeitos que adviriam daformação do Nafta. Ante o anúncio do Plano Bush, emjunho de 1990, que propunha pela primeira vez a criaçãode uma área de livre-comércio hemisférica, a estratégiada diplomacia brasileira consistiu em articular uma res-posta conjunta com a Argentina, o Chile e o Uruguai, des-tacando que a iniciativa norte-americana não poderiacontrapor-se aos esquemas de integração em curso noCone Sul nem cercear as opções de cooperação com ou-tras regiões do mundo. Essa articulação viria a constituira origem do Mercosul, ao evidenciar que o Chile não iriaaderir ao arranjo sub-regional e ao incorporar o Uruguaie posteriormente o Paraguai. Além do alargamento daintegração sub-regional com a adesão dos dois novossócios, o anúncio do Plano Bush também incidiu sobre aopção pelo aprofundamento do projeto do Mercosul, que

Resumo: A análise do quadro atual das relações exteriores do Brasil, com respeito ao Mercosul e às negocia-ções da Alca, exige também uma avaliação histórica. Nesse sentido deve-se recuperar as origens e a evoluçãodas estratégias regionalistas da política externa brasileira na década de 90.Palavras-chave: política externa brasileira; Mercosul; Alca.

Abstract: An analysis of the current state of Brazil’s foreign policy relations with regard to Mercosul andFTAA negotiations requires a historical perspective, including an examination of the regional strategies ofBrazil’s foreign policy during the 1990’s.Key words: Brazilian foreign policy; Mercosul; FTAA.

regional (Mercosul), regional (América do Sul), hemisfé-rico (Alca) e inter-regional (as negociações Mercosul-União Européia). Num contexto no qual se acentuaram asinter-relações entre esses diversos planos, foram explici-tados os condicionamentos e limites das estratégiasregionalistas traçadas pela política externa brasileira daúltima década. Este artigo recupera as origens dessas di-retrizes e sua evolução desde o início dos anos 90 paraanalisar o quadro atual das relações externas do Brasilquanto ao Mercosul e às negociações da Alca.1

ORIGENS: O MERCOSUL E O PLANO BUSH

Constata-se hoje que as estratégias regionalistas da po-lítica externa brasileira que foram definidas no início dadécada de 90, no contexto da gênese do Mercosul, emparalelo com as negociações para a criação do Nafta ecom o lançamento da Iniciativa para as Américas do pre-sidente George Bush, mantiveram-se praticamenteinalteradas desde então. Em 1990, a retomada e o novo

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teria por meta não apenas a criação de uma área de livre-comércio, mas também a constituição de um mercadocomum, com tarifa externa comum e atuação conjunta deseus membros em negociações externas.

Desde então, o Brasil foi o único país da América La-tina que, de alguma forma, resistiu a todas as iniciativasdos Estados Unidos para a região, mantendo os mesmosobjetivos estabelecidos em 1990: assegurar a atuação con-junta do Mercosul para fortalecer seu poder de barganhanas negociações com Washington; evitar a defecção daArgentina; tentar alterar a natureza unilateral da propostanorte-americana; e impedir que o bloco sub-regional pu-desse vir a ser diluído caso a área de livre-comérciohemisférica fosse de modo efetivo deslanchada (Lima,1996:149; Magalhães, 1999:83). Ao longo da década de90, todas as sinalizações dos Estados Unidos com a fina-lidade de avançar na integração hemisférica resultaram nofortalecimento do compromisso brasileiro com o aprofun-damento e/ou o alargamento da integração sub-regional(Albuquerque, 1998; Lima, 1999).

No próprio momento de gestação do projeto doMercosul, já era explícita a divergência de posições entreBrasil e Argentina acerca dos objetivos do processo deintegração sub-regional. Quando da assinatura da Ata deBuenos Aires e da decisão de cooordenar posições peran-te o Plano Bush, em 1990, o discurso argentino referia-seà “unidade continental”, entendendo o Mercosul como umprimeiro passo na integração continental, enquanto o Brasiljá enfatizava que sua prioridade consistiria no fortaleci-mento da unidade sub-regional para mais tarde tornar pos-sível uma eventual negociação hemisférica.

De fato, o formato e a evolução posterior do proces-so de integração sub-regional instaurado em 1990 de-monstraram que, embora os marcos gerais do projetoinicial de política externa do governo Collor estivessemvoltados para a aproximação e a convergência com asposições dos Estados Unidos, a diplomacia brasileiraencontrou no Mercosul um espaço para uma atuação in-ternacional independente do eixo central nas relações comWashington. Da perspectiva da diplomacia brasileira, aunião aduaneira do Mercosul não apenas fortaleceria opoder de barganha do Brasil nas negociações hemisféri-cas, mas também poderia constituir uma plataforma paraum projeto de inserção global, autônoma, colocando oPaís no mapa dos blocos internacionais.2 Análises dapolítica externa brasileira nesse período já salientavamque a consolidação da estratégia regionalista do Brasildecorreu, em parte, da “necessidade do Ministério das

Relações Exteriores de criar um campo de intervençãoativa”, no qual “a diplomacia consegue notável poderdecisório de formulação e implementação, na linha dabusca de uma ação de política internacional de autono-mia” (Vigevani e Veiga, 1991:45).

Essas diretrizes foram posteriormente explicitadas, nafase final do governo Collor, quando o discurso diplomá-tico brasileiro passou a centrar-se na autodenominação doPaís como global trader, sintetizando a idéia de que, àdiferença do México e do Canadá, o Brasil tem interessesdiversificados e, portanto, não deveria proceder a adesõesexcludentes. Dada a estrutura diversificada de sua pautade exportação (com destaque para o fato de que o comér-cio com a Comunidade Econômica Européia, no início dadécada de 90, ultrapassava bastante o comércio com osEstados Unidos), não interessaria ao Brasil vincular-se aum único parceiro ou bloco. Para um global trader, seriaessencial a diversificação de opções, em estratégia inter-nacional de várias frentes.

EXPANSÃO NA AMÉRICA DO SUL

Com a conclusão das negociações do Nafta ao final de1992, as perspectivas de relacionamento dos Estados Uni-dos com a América Latina passariam também a contem-plar a possibilidade de que o novo bloco incorporasseoutros membros entre os países da região, para a qual osprimeiros candidatos seriam o Chile e talvez a Argentina.Nesse momento, o Brasil foi caracterizado como o casodesviante, pelo atraso na estabilização monetária e na im-plementação das reformas econômicas, e por ser o únicopaís a demonstrar um desinteresse explícito com relaçãotambém a essa segunda possibilidade nas iniciativas dosEstados Unidos para a região.

Além da prioridade conferida à conformação doMercosul, a diplomacia brasileira deu então início à ex-pansão de sua estratégia regionalista, buscando, na Amé-rica do Sul, alternativas ao regionalismo liderado pelosEstados Unidos. Em dezembro de 1992, o Brasil anun-ciou o lançamento da Iniciativa Amazônica, que visava anegociação de acordos de complementação econômicacom os países-membros do Tratado de Cooperação Ama-zônica (Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, Peru,Suriname e Guiana). No ano seguinte, absorvendo a pro-posta da Iniciativa Amazônica, o Brasil lançou o projetode criação de uma Área de Livre Comércio Sul-America-na (Alcsa), que visava congregar os países do Mercosul,do Grupo Andino e o Chile, mediante a negociação de uma

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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E OS BLOCOS INTERNACIONAIS

rede de acordos de livre-comércio. À época, por ter sidoapresentada aos países da região sem que os sócios doMercosul fossem previamente consultados, a proposta daAlcsa gerou reações contrárias entre os vizinhos do Bra-sil no Cone Sul (Veiga, 1995:24). Embora tenha sido fi-nalmente aceita pelo Mercosul, o unilateralismo da ini-ciativa brasileira já demonstrava que a nova prioridadeconferida ao objetivo da expansão de suas relações com aAmérica do Sul colocaria em segundo plano o objetivode garantir a coesão do agrupamento sub-regional já for-mado. Conforme seria outra vez demonstrado nos últimosanos da década de 90, o objetivo do alargamento da inte-gração regional eventualmente assumiria prioridade comrelação ao aprofundamento da integração sub-regional.Embora a Alcsa não tenha avançado sob o formato pro-posto de início, a estratégia regionalista brasileira naAmérica do Sul seria fortalecida com o interesse da Bolí-via e, em especial, do Chile em se associarem ao Mercosul,no contexto das dificuldades norte-americanas em promo-ver a incorporação de novos membros no Nafta.

Também nesse período, a gestão de Fernando HenriqueCardoso no Itamaraty deu início à substituição do termo“América Latina” pelo “América do Sul” no discurso di-plomático brasileiro, no qual excluía explicitamente o Mé-xico e qualquer relação de proximidade com o Nafta, deli-mitando a nova esfera geográfica da estratégia regionalistabrasileira. Na política externa do governo Itamar Franco,a nova prioridade conferida à América do Sul seria tam-bém articulada com o objetivo de promover uma atuaçãointernacional protagônica para o Brasil nos foros multila-terais, em particular no contexto da perspectiva de amplia-ção do Conselho de Segurança da ONU. A idéia do Brasilcomo global trader foi então ampliada para a de globalplayer, ao qual não caberia confinar suas relações econô-micas e políticas a um único parceiro ou bloco.

LANÇAMENTO DAS NEGOCIAÇÕES DA ALCA

No ano de 1994, a preparação para a entrada em vigorda união aduaneira do Mercosul, o interesse de outrospaíses da região em se associarem e a proposta de criaçãoda Alcsa conformavam, com o diálogo inter-regional en-tre Mercosul e União Européia, as opções abertas para oregionalismo brasileiro. Demonstrando novamente as inter-relações entre os processos sub-regional, regional, inter-regional e hemisférico, essas opções da política externabrasileira foram ainda reforçadas, nesse momento, pelaconvocação da Cúpula das Américas por parte do gover-

no norte-americano, que viria a instaurar o processo decriação da Área de Livre Comércio das Américas.

Nas negociações do Mercosul, a nova iniciativa dos Es-tados Unidos gerou maior disposição da diplomacia bra-sileira a fazer concessões aos seus parceiros, para que fossecumprido o objetivo de criar a união aduaneira até o finalde 1994 – em paralelo com o interesse da área econômicado governo em antecipar a redução tarifária e a entradaem vigor da tarifa externa comum, determinado pela con-juntura do programa de estabilização. A Argentina, emparticular, mantinha suas preferências por uma integra-ção de alcance mais limitado, de todo explicitadas no con-texto das dificuldades para alcançar a união aduaneira edas perspectivas de que o país pudesse tornar-se membrodo Nafta. Em fevereiro de 1994, o ministro da economia,Domingo Cavallo, ainda declarava que, caso o Mercosulse restringisse “à meta mais realista de uma zona de livre-comércio, dadas as dificuldades dos acertos pendentes paraa conformação da união aduaneira”, a Argentina estarialivre e em condições de examinar individualmente even-tual acordo de livre-comércio com os Estados Unidos (Ma-galhães, 1999:51).

Nas relações entre Mercosul e União Européia, a apro-ximação iniciou-se em 1992, como resultado da iniciati-va e do empenho da diplomacia brasileira em fortalecer aatuação do Mercosul como ator internacional. Em dezem-bro de 1994, logo após a Cúpula das Américas lançar asbases da integração hemisférica, a União Européia pro-pôs ao Mercosul a negociação de um acordo que aprofun-dasse as relações bi-regionais, um passo que sem dúvidaresultava de uma resposta européia às possibilidades deformação da Alca. O acordo-quadro foi firmado em 1995,e o início das negociações para a liberalização comercialfoi finalmente formalizado em 1999.

Também em 1994, no entanto, o Brasil aceitou com re-lutância a proposta norte-americana de iniciar as negocia-ções para a criação da Alca, com base na avaliação de que,caso optasse por obstruir o processo, encontrar-se-ia emposição isolada no continente em confronto direto comos Estados Unidos (Lima, 1999). Nas negociações que pre-cederam a Cúpula das Américas, o Brasil foi o principaldefensor da opção por um prazo de dez anos para a con-clusão das negociações, que prevaleceu na definição dadata de 2005, enquanto a Argentina propunha que as ne-gociações fossem concluídas até 2000.

Após terem sido formalmente instauradas as negocia-ções para a criação da Alca, a estratégia brasileira consis-tiu essencialmente em adiar ao máximo o início efetivo

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tanto das negociações substantivas quanto dos prazos paraa liberalização. Adicionalmente, o Brasil buscou fortale-cer sua posição de barganha em relação aos Estados Uni-dos, tentando, de um lado, angariar o apoio de outros paí-ses participantes das negociações, e, de outro lado, alterara estrutura do processo negociador, mantendo os mesmosobjetivos estabelecidos no contexto do Plano Bush, em1990.

APROFUNDAMENTO x ALARGAMENTO

Com o avanço do processo negociador hemisférico apartir de 1995, o objetivo de construir alianças para for-talecer o poder de barganha brasileiro na Alca foi dire-cionado, em especial, para a estratégia de alargamento naAmérica do Sul, iniciada com os acordos de associaçãodo Chile e da Bolívia ao Mercosul, firmados em 1996.Embora os textos acordados na reunião ministerial da Alcade 1997 tivessem suscitado preocupações quanto à sobre-vivência do Mercosul como agrupamento sub-regionalquando a Alca entrar em vigor, a agenda de consolidaçãointerna do bloco pouco avançou. Contudo, o Brasil obte-ve então o compromisso do Chile e da Bolívia de que co-ordenariam suas posições com o Mercosul nas negocia-ções da Alca.

Na prática, após a passagem para a fase de união adua-neira, a integração no Mercosul permaneceu, de formageral, estacionada em um mesmo patamar, marcada por di-ficuldades crescentes para avançar no processo de apro-fundamento e por atritos constantes entre seus membros.O primeiro fator que incidiu na configuração desse novocontexto foi a própria complexidade de sua agenda, supe-rada a fase de eliminação automática das tarifas intrabloco.Adicionalmente, a nova assimetria nas orientações da po-lítica econômica de seus principais membros acarretou umamenor inclinação para assumirem compromissos que res-tringissem sua capacidade de adotar decisões unilaterais.Suas implicações foram ainda agravadas pelo contexto defragilidade macroeconômica e vulnerabilidade externa pre-valecente na região, e exacerbadas pela instabilidade nosmercados financeiros internacionais em 1997 e 1998. Aopção foi pela manutenção da flexibilidade na conduçãodas políticas macroeconômicas, que freqüentemente agra-vou as situações de atrito entre seus membros. Nesse con-texto, o acúmulo de descumprimentos aos acordos e deassuntos não resolvidos no aprofundamento da integraçãoampliou a agenda conflituosa e tendeu a reduzir as per-cepções acerca dos custos de cada nova medida unilateral.

Em particular, no período que se iniciou em 1995, asimultaneidade entre a passagem do Mercosul para a eta-pa de união aduaneira e a reorientação das políticas in-dustriais e de comércio exterior brasileiras explicitou arelação existente entre a posição negociadora do Brasil ea dinâmica dos avanços na integração sub-regional. Di-versas análises sobre a evolução da integração sub-regio-nal na segunda metade da década de 90 coincidiram emdiagnosticar a ausência de iniciativa do Brasil no apro-fundamento do processo. Segundo Veiga, por exemplo, aposição brasileira foi o principal fator explicativo para osresultados limitados do Mercosul, a imperfeição de suaunião aduaneira, seus reduzidos mecanismos de institu-cionalização, as poucas discriminações positivas em be-nefício dos dois parceiros menores e a ausência de avan-ços na agenda de consolidação e aprofundamento daintegração (Veiga, 1999:25).

Na definição dessa posição, no entanto, a autonomiado Ministério das Relações Exteriores foi limitada. Emprimeiro lugar, essa posição refletiu a prioridade atribuí-da pelo governo aos objetivos da estabilização macroeco-nômica. Em segundo lugar, a reorientação das políticasindustriais e de comércio exterior do Brasil bem como aprópria complexidade envolvida na nova etapa da inte-gração do Mercosul conferiram um papel mais ativo aoMinistério da Indústria, do Comércio e do Turismo nasnegociações externas. Quando as posições dos dois mi-nistérios convergiram, como foi o caso com relação à Alca,a influência e o poder de barganha do Itamaraty no pro-cesso decisório foram fortalecidos. Nas relações comer-ciais com os parceiros do Mercosul, no entanto, a diplo-macia brasileira não teve condições de impedir a adoçãode medidas unilaterais (Lima, 1999).

Contudo, além dos fatores econômicos que fundamen-taram a resistência brasileira ao aprofundamento da inte-gração sub-regional, a avaliação quanto à incerteza que aausência do fast track gerava para as perspectivas de avan-ço da Alca também constituiu um determinante significa-tivo, de natureza diplomática, para a redução da priorida-de conferida pelo Itamaraty à obtenção de avanços rápidose abrangentes no Mercosul (Bouzas, 1999:15). Dessa for-ma, reverteram-se os incentivos que, em 1990 e em 1994,haviam resultado na convergência entre as prioridades dasautoridades econômicas e os objetivos do Ministério dasRelações Exteriores a fim de acelerar a integração sub-regional ante as perspectivas da integração hemisférica.Na avaliação da diplomacia brasileira em 1997, a ausên-cia do fast track reduziria a pressão que o Executivo nor-

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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E OS BLOCOS INTERNACIONAIS

te-americano estaria em condições de exercer sobre o pro-cesso, e, portanto, também reduziria os riscos de “dilui-ção” do Mercosul no contexto da negociação da Alca, pelomenos em curto prazo.

Conforme já mencionado, após o documento final daIII Reunião Ministerial da Alca ter incorporado, em maiode 1997, uma formulação dúbia acerca da coexistência dosarranjos sub-regionais com a integração hemisférica, otema da possível diluição do Mercosul gerou preocupa-ções quanto à necessidade do aprofundamento para ga-rantir sua própria sobrevivência como bloco. Para mantersua identidade no contexto da zona de livre-comérciohemisférica, a integração do Mercosul precisaria avançaralém dos compromissos previstos na agenda da Alca. Noâmbito desse debate, no entanto, a reunião do Conselhodo Mercosul de julho de 1997 evidenciou a existência depropostas e motivações distintas no que se referia às es-tratégias de seus membros para o aprofundamento da in-tegração sub-regional. Para o Brasil, tratava-se de avan-çar na consolidação dos resultados já alcançados, esobretudo reduzir as imperfeições da união aduaneira doMercosul. Já para a Argentina, a necessidade de aprofun-damento, independentemente das negociações da Alca, im-plicava avançar para a integração dos mercados, passan-do, de imediato, a enfrentar temas como os serviços, ascompras governamentais e as políticas de concorrência,que haviam sido até então postergados no Mercosul, masjá se encontravam incorporados ao processo negociadorhemisférico. Ao mesmo tempo, o governo argentino apre-sentou diversas propostas, em 1997, a fim de que a inte-gração avançasse em campos como o da adoção de umapolítica de defesa comum, uma cidadania comum, e atémesmo uma moeda única, com vista em fortalecer oMercosul como espaço econômico e político consolida-do. Por sua parte, entretanto, o governo brasileiro reitera-va que, antes de avançar em novas áreas, o Mercosul de-veria consolidar o que já havia sido acordado.

No segundo semestre de 1997, o Mercosul logrou ob-ter o consenso entre seus membros para iniciar negocia-ções em temas que constavam da agenda da Alca e nãohaviam ainda sido enfrentados na integração sub-regio-nal. No entanto, se o processo negociador hemisféricoforçou o Brasil a aceitar alguns avanços do Mercosul paraalém da área estritamente comercial, as perspectivas deaprofundamento da integração sub-regional permanece-ram limitadas pela posição brasileira radicalmente con-trária a toda e qualquer iniciativa com a finalidade de con-ferir alguma autoridade supranacional ao bloco.

Nesse sentido, embora a posição brasileira de resistên-cia ao aprofundamento do Mercosul foi fundamentadaprimordialmente em determinantes de natureza econômi-ca e em decisões que não competem exclusivamente à di-plomacia, também foi explicitada a oposição absoluta dadiplomacia brasileira a qualquer possibilidade de que oPaís venha a aceitar uma maior cessão de soberania emprol do fortalecimento interno do bloco. O MinistroLampreia declarava que “o Brasil não tem razão nenhu-ma para abrir mão da sua soberania”, argumentando quea idéia da delegação, a uma autoridade supranacional, dacapacidade de representar, negociar e impor normas paraos Estados-membros do Mercosul, seria “absolutamenteinaceitável para o Congresso Nacional, para a opiniãopública brasileira, para a imprensa brasileira” (Lampreia,1999:304).

No início de 1999, a crise do Mercosul atingiu está-gio crítico, exacerbada pela desvalorização do real ocor-rida em janeiro. Contudo, a prevalência da estratégia dealargamento na América do Sul sobre a opção do apro-fundamento da integração sub-regional foi ainda ex-plicitada quando o Brasil rompeu o formato 4+4 nas ne-gociações entre o Mercosul e a Comunidade Andina paraobter logo um acordo 4+1 com esse grupo. Ao longo doano de 1999, no entanto, na medida em que as negocia-ções hemisféricas haviam concluído a fase de pré-nego-ciação e avançaram para o início do processo de reda-ção do acordo da Alca, a diplomacia brasileira voltou aenfatizar a importância do bloco sub-regional como nú-cleo das relações externas do País. Apesar das dificul-dades nas relações com seus parceiros sub-regionais, osdeterminantes externos do compromisso do Brasil como Mercosul voltavam a manifestar-se. No entanto, foitambém mantida a prioridade conferida à expansão re-gional, que culminou na convocação da cúpula de presi-dentes da América do Sul, realizada em Brasília, emagosto de 2000, ao mesmo tempo em que o “relan-çamento” do Mercosul permaneceu limitado.

CONJUNTURA RECENTE

Com o intuito explícito de assumir a liderança da Amé-rica do Sul, a diplomacia brasileira conferia grandes ex-pectativas, em 2000, à concretização do compromisso quehavia obtido do Chile com o objetivo de que ele formali-zaria, em poucos meses, sua plena adesão ao Mercosul.Foi nesse contexto que, no final do ano, o anúncio da aber-tura de negociações bilaterais entre Estados Unidos e Chile

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reverteu abruptamente o êxito que a diplomacia brasileirapretendia alcançar no avanço de sua estratégia regional,com implicações diretas nos planos sub-regional e hemis-férico. O redirecionamento do Chile incitou a Argentinaa manifestar seu apoio à proposta de antecipar a conclu-são das negociações da Alca de 2005 para 2003, explici-tando seu interesse na integração hemisférica e inclusiveem negociações bilaterais com os Estados Unidos, segui-da também pelo Uruguai, reabrindo divergências signifi-cativas entre as posições dos membros do Mercosul. Coma desestruturação da unidade sub-regional, foi atingido ocerne da estratégia perseguida pelo Brasil ao longo da dé-cada de 90 para fortalecer seu poder de barganha nas ne-gociações hemisféricas.

No discurso da diplomacia brasileira, o redirecionamen-to chileno gerou nova prevalência da prioridade conferidaao plano sub-regional, em detrimento do alargamento eda liderança na América do Sul. Antes de deixar o cargo,o ministro Lampreia declarou nunca ter acreditado plena-mente na possibilidade de expansão do Mercosul, citan-do, como exemplo, a Colômbia, que tem 60% de seu co-mércio com os Estados Unidos e uma equação política emilitar própria com aquele país. Nesse sentido, não seriarazoável pensar em uma frente sul-americana para as ne-gociações da Alca, devendo o Brasil fortalecer sua posi-ção com base na atuação conjunta do Mercosul (Valor Eco-nômico, 2001). Também no discurso de posse do ministroCelso Lafer, foi reafirmado que as negociações na OMC,na Alca e com a União Européia exigem o fortalecimentodo Mercosul. No contexto da crise argentina, entretanto,o principal avanço da cúpula do bloco, realizada em ju-nho, foi o de impedir que houvesse retrocessos. Ao mes-mo tempo, nas relações externas do Mercosul, a desarti-culação do bloco manifestou-se não apenas nos intuitosargentinos e uruguaios de aproximação com os EstadosUnidos, mas também na inexistência de uma posição con-junta perante a oferta apresentada pela União Européiapara dar início à liberalização comercial inter-regional.Em um contexto no qual se acentuaram as inter-relaçõesentre esses diversos processos, a reconstrução dessas ar-ticulações constitui o desafio de curto prazo para a políti-ca externa brasileira – sob o risco do isolamento.

NOTAS

1. Este artigo sintetiza argumentos desenvolvidos na tese de doutora-do de Mello (2000).

2. Uma interpretação alternativa para a opção pelo estabelecimento deuma união aduaneira sugere que, dando prioridade à abertura econô-mica, teria sido buscada uma estratégia de lock-in, que consiste emvincular as reformas liberalizantes a acordos internacionais, com vis-tas a impedir eventuais retrocessos. Ver Batista (1994). Essas duasinterpretações não são excludentes. Ao contrário, podem ter incididocada uma sobre a opção de diferentes setores do governo brasileiropela meta de criar uma união aduaneira e não apenas de uma área delivre-comércio.

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T

INSTITUIÇÕES E CONFLITOSCOMERCIAIS NO MERCOSUL

endo em vista o recrudescimento dos conflitos co-merciais e políticos entre os Estados membros doMercosul nos últimos anos, principalmente en-

tempo, os primeiros resultados econômicos da integraçãoe a visualização das possibilidades comerciais desperta-ram o interesse do empresariado.

Nesse período, a participação dos setores não-gover-namentais ainda era dificultada pela ausência de canaisapropriados, o que só ocorreria mais tarde, durante a fasede transição do Mercosul. Uma possível explicação paraessa limitação da participação do setor privado era a forteinstabilidade política e econômica nos dois países, geran-do no âmbito nacional incerteza quanto à viabilidade deum processo de integração entre esses Estados, e, de cer-ta forma, desviando as atenções dos grupos de interesseorganizados para as questões internas imediatas.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MERCOSUL

A intenção de formar um mercado comum surgiu so-mente em 1988, com o Tratado de Integração, Coopera-ção e Desenvolvimento entre Argentina e Brasil. Apesarda evolução nas intenções para aprofundar a integração,com a criação de uma Comissão Parlamentar e um maiorentrelaçamento entre os temas domésticos e os externos,a estrutura ainda dificultava a relação com setores não-

tre a Argentina e o Brasil, o tema de uma alteração na suaestrutura institucional volta à tona. A recente declaraçãodo Presidente Fernando Henrique Cardoso,1 sobre a pos-sibilidade do bloco adotar órgãos supranacionais, pode servista por esta ótica, pois demonstra, ainda que de formatênue, que existe uma preocupação em melhorar a formacomo a estrutura institucional do Mercosul soluciona osconflitos intra-regionais.

Analisando a evolução desse processo, vê-se que aestruturação institucional da integração no Cone Sul co-meçou já em 1985, com a Declaração de Iguaçu, duranteos governos Alfonsín e Sarney, tendo como elementodinamizador uma articulação estatal-burocrática binacio-nal liderada pelo Itamaraty e o Palácio San Martin, con-tando com o auxílio de setores dos Ministérios da Econo-mia e Bancos Centrais.

Em 1986, com a assinatura do Programa de Integraçãoe Cooperação Econômica (PICE), esse núcleo decisóriofortaleceu-se e iniciou o estabelecimento de uma estrutu-ra institucional de caráter intergovernamental. Ao mesmo

Resumo: De que forma a evolução da estrutura institucional do Mercosul, desde sua criação até sua atualconformação, facilita a transformação de conflitos econômico-comerciais, de menor e maior grau, em confli-tos políticos. Acredita-se que uma parte significativa dos conflitos no Mercosul poderia ser solucionada tecni-camente, sem resvalar nas relações políticas globais dos Estados membros, como tem ocorrido regularmente.Palavras-chave: integração regional; instituições; Mercosul.

Abstract: How, since its creation, has the evolving institutional structure of Mercosul helped turn economicand trade disagreements of varying magnitudes into political conflicts? It is believed that a significant portionof the disagreements within Mercosul could be solved at the technical level, without becoming the basis offoreign policy rifts, as is often the case.Key words: regional integration; institutions; Mercosul.

TULLO VIGEVANI

MARCELO PASSINI MARIANO

RICARDO GLÖE MENDES

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INSTITUIÇÕES E CONFLITOS COMERCIAIS NO MERCOSUL

governamentais. O principal agravante era a situação ma-croeconômica nos dois países, que induzia a uma centra-lização ainda maior da coordenação da integração nosMinistérios das Relações Exteriores, resultante da preo-cupação com o agravamento da situação interna que cadavez mais exigia a atenção dos governantes e dos ministé-rios envolvidos com esse processo.

Foi com o Tratado de Assunção, em 1991, que a inte-gração passou a ser o ponto mais dinâmico e fundamentaldas diplomacias dos países envolvidos, revitalizando avontade política dos governantes em aprofundar a inte-gração no Cone Sul, ao mesmo tempo que havia amplia-ção e melhoria nos mecanismos decisórios.

Além das burocracias envolvidas e do espaço já exis-tente para os Parlamentos nacionais, surgiram canais departicipação dos setores não-governamentais, engloban-do não só o empresariado, mas também os representantesdos trabalhadores. Foi no interior dos Subgrupos de Tra-balho (SGTs) do Grupo Mercado Comum (GMC) que essaparticipação se efetivou.

Nesse período, o centro decisório ainda estava concen-trado nos Ministérios das Relações Exteriores, havia umaforte dependência da vontade política dos governantes, oConselho do Mercado Comum (CMC) era o único órgãoa produzir decisões e os canais de participação dos atoresnão-governamentais estavam localizados apenas nosSubgrupos de Trabalho, que produziam recomendaçõesao GMC e, portanto, formalmente não tinham poder deci-sório, mas influenciavam os rumos que tomavam as ques-tões técnicas.

Apesar de a estrutura institucional apresentar tais en-traves à participação dos setores não-governamentais, cujointeresse em influenciar os destinos da integração mos-trou-se importante, tanto que formas alternativas de arti-culação foram implementadas no próprio aparelho insti-tucional e também fora dele, no âmbito regional. Exemplodisso foi a forte pressão dos setores sindicais para a for-mação do Subgrupo 11, que não era previsto ao tempo daassinatura do Tratado de Assunção.

Durante o período de transição (anterior ao Protocolode Ouro Preto) ficou evidente o peso político dos formu-ladores iniciais. A articulação bem-sucedida entre as bu-rocracias argentina e brasileira ligadas à política exteriorconseguiu, na medida do possível, firmar sua posição dedefesa de uma estrutura intergovernamental.

É possível perceber esse aspecto ao se analisarem asnegociações travadas no interior do Grupo Ad Hoc sobreAspectos Institucionais, que discutia a evolução institu-

cional para depois do período de transição. O acordo re-ferente aos temas de intergovernamentalidade, suprana-cionalidade e sistemas decisórios permitiu visualizar comoos interesses dos países estavam distribuídos. Argentinae Brasil apresentaram-se favoráveis a uma alteração nosistema decisório atual caracterizado pelo consenso e poruma manutenção da estrutura institucional intergoverna-mental, não supranacional. Isso permitiria que a forçapolítica dos formuladores iniciais fosse mantida, tendo ummaior controle do processo integracionista. Já o Paraguaie o Uruguai mostraram interesse, inerente às suas realida-des, em manter o sistema decisório por consenso a fim desustentar seu relativo poder de veto. Ao mesmo tempo,eram favoráveis à conformação de instituições suprana-cionais, pois supunham que isto seria benéfico nos casosde solução de controvérsias e conflitos de interesses go-vernamentais, ao diminuir os impactos que o peso argen-tino e brasileiro representam para eles.

O resultado final foi a manutenção do sistema decisó-rio por consenso e da estrutura institucional intergover-namental. Isso permite dizer que esses dois grupos depaíses acordaram em uma concessão mútua: enquanto osdois maiores países aceitaram manter a regra do consen-so, os dois menores renunciaram a sua posição em tornode instituições com caráter supranacional. Dessa forma, acooperação entre eles garantiu ganhos para todos e adioua definição da conformação institucional do MercadoComum.

Nesse contexto, o Protocolo de Ouro Preto resultounuma estrutura institucional mais ramificada, com atribui-ções mais bem definidas e com mecanismos mais especí-ficos para a atuação dos setores não-governamentais atra-vés da constituição do Fórum Consultivo Econômico eSocial (FCES). No entanto, o poder decisório manteve-secom as burocracias governamentais formuladoras das po-líticas externas.

Quanto às decisões, estas sofreram uma ampliação nasua origem e no seu alcance. Agora, não só o CMC é oórgão decisório, como também o GMC e a Comissão deComércio do Mercosul, produzindo normas obrigatóriasaos Estados participantes.

Atores e Demandas

A estrutura institucional do Mercosul é constituída porórgãos e mecanismos decisórios que prevêem a atuaçãodos seguintes atores: a burocracia governamental, os ato-res não-governamentais e os partidos políticos.

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Os atores governamentais são a base do Mercosul eestão presentes em quase todos os seus órgãos. A prove-niência de um membro governamental no Mercosul mar-ca a sua atuação, isto é, membros que coordenam ou deci-dem têm origem obrigatória nos Ministérios de RelaçõesExteriores, da Economia e Bancos Centrais, enquantoaqueles que participam da análise e negociação decisórias,tendo uma atuação mais consultiva, podem ser oriundosdestes e de outros ministérios dos governos envolvidos,conforme a necessidade técnica dos temas tratados.

No caso dos governantes pode haver a oportunidadede conjugar liderança pessoal, sentido de oportunidadeeconômica e necessidade de projeção internacional (Hirst,1995), utilizando a integração como projeto mais de go-verno do que de Estado, o que significa que tendem apossuir uma visão de curto e médio prazos, associada quaseque especificamente à duração de seus mandatos.

As burocracias governamentais ligadas à definição daspolíticas econômicas acabaram por desenvolver corpostécnicos apropriados à problemática da integração, alémde fazer com que o comércio exterior e a política regionalpassassem a ter uma relevância maior para a definição daspolíticas domésticas.

Os atores não-governamentais, ou setor privado, como édefinido pelos acordos de integração no Mercosul, são o se-tor empresarial, sindical, organizações não-governamentaisde interesse específico (ONGs ambientais, direitos do con-sumidor, direitos humanos, etc.) e movimentos sociais.

Os setores empresarial e sindical são os atores não-governamentais mais atuantes no processo de integraçãodo Cone Sul, principalmente pelo fato de que os outrosatores apenas tiveram sua participação prevista na estru-tura institucional após a criação do Fórum Consultivo Eco-nômico e Social (FCES) criado pelo Protocolo de OuroPreto, no final de 1994.

Os mecanismos de participação social desenvolveram-se de forma insuficiente, se comparados com a sua impor-tância para o processo. O setor privado sempre teve cará-ter consultivo dentro da estrutura institucional do períodode transição, mas com o Protocolo de Ouro Preto pôdecontar com um órgão específico para sua atuação – oFórum Consultivo Econômico e Social –, abrindo umaoportunidade para a inclusão de setores que extrapolassema esfera do capital e do trabalho.

É importante notar que mesmo um ano depois da cria-ção do FCES, ainda havia uma preferência em dar priori-dade a canais informais de pressões ou a práticas de lobbyjá desenvolvidas no âmbito nacional (Hirst, 1995). Pode-

se concluir que isso ocorreu em virtude dos canais insti-tucionalizados com poder consultivo serem insuficientespara um posicionamento mais ativo, privilegiando o acom-panhamento técnico da evolução do processo. Questõespolíticas e comerciais mais pontuais, que necessitavam deuma resposta rápida, tenderiam a ser levadas diretamenteà burocracia decisória, aos governos nacionais ou às chan-celarias. No Mercosul, os canais pelos quais a atuação dossetores não-governamentais ocorre são estreitos, não per-mitindo atender a uma demanda que necessite de uma tra-mitação mais veloz.

Esse aspecto é agravado pelo caráter intergovernamen-tal do processo, pelo fraco interesse demostrado pelosParlamentos nacionais e pela inexistência de um Tribunalou Corpo de Justiça dedicado à solução de problemas ede conflitos no interior do Mercosul, levando à conclusãoque o diálogo político se dá mais entre a sociedade e ogoverno do que entre a sociedade e os órgãos do Mercosul.

É interessante ressaltar que, no caso brasileiro, a práti-ca de negociação nos assuntos que ultrapassam as frontei-ras do Estado Nacional conta com a quase exclusiva parti-cipação do Itamaraty e a ausência de setores sociaisdiversos, assim como o escasso espaço para a discussãocom a comunidade acadêmica, diferente do que aconteceem países com posicionamento externo mais atuante(Tomassini, 1988). Isso resulta principalmente das carac-terísticas próprias do Itamaraty que, na condição de orga-nismo estatal voltado para a formação de quadros especia-lizados nos assuntos internacionais, tem conseguido mantersua preeminência nas decisões de política externa.

A estrutura institucional do Mercosul tem atribuído aosistema representativo um caráter apenas consultivo, como objetivo único de facilitar a tramitação das decisões ado-tadas regionalmente no interior dos sistemas legislativosnacionais. A intergovernamentalidade do processo faz comque as normas emanadas pelos órgãos decisórios sejamobrigatórias para os Estados-partes, embora tenham de seadequar e ser incorporadas ao sistema de leis de cada país.Dessa forma, a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) tor-nou-se um órgão intermediário entre o centro decisóriodo Mercosul e os Parlamentos nacionais, sem caráter pro-positivo e com um poder de atuação que, no limite, pode-ria apenas dificultar a aprovação das normas do Mercosul.

Esse papel facilitador da CPC combinou perfeitamen-te com a estratégia da burocracia integracionista, no perío-do de transição, de avançar pelo mais fácil. Segundo Nye(1994), esse tipo de postura pode ser entendido pelo con-ceito de integração negativa, isto é, quando os custos vi-

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INSTITUIÇÕES E CONFLITOS COMERCIAIS NO MERCOSUL

síveis são baixos nos primeiros passos da integração é maisfácil conseguir concordância, no entanto, a integração debaixo custo e procedimentos decisórios de estilo tecno-crático tem menor durabilidade e não chega a um amploapoio popular, dificultanto a legitimação do processo.

Os partidos políticos têm tido uma participação margi-nal, seus vínculos com órgãos técnicos do Mercosul têmsido informais e inconstantes, o que resultou numa mobi-lização parlamentar limitada, e por vezes desarticulada.Além disso, os partidos não contam com redes interparti-dárias que promovam práticas interativas na região. Tam-bém não existe um parentesco ideológico e programáticoque estimule esse tipo de integração, pois cada país temuma estrutura partidária própria, sem correspondênciapolítica e ideológica (Mariano, 2001).

Conclui-se, assim, que a estrutura institucional e ascaracterísticas políticas dos países do Mercosul não per-mitiram um papel mais relevante às organizações políti-co-partidárias. Estas últimas tampouco se empenharampara firmar posição e alcançar um posicionamento ade-quado à sua importância para o desenvolvimento daintegração regional.

É importante ressaltar que apesar do Mercosul mos-trar-se como um processo dinâmico, não se pode concluir,com base nesta característica, que as possibilidades de es-tagnação ou retrocesso estão afastadas. Pelo contrário, aevolução institucional ainda tem um longo caminho a per-correr a fim de alcançar um patamar de maior previsibili-dade e continuidade.

O SISTEMA DE SOLUÇÃO DECONTROVÉRSIAS

O Tratado de Assunção previa, desde o início, um me-canismo provisório de resolução de controvérsias.2 Em suaprimeira reunião de presidentes,3 o CMC emitiu sua Deci-são no 1, adotando o Protocolo de Brasília para a Soluçãode Controvérsias durante o processo de transição. Esse pro-tocolo era provisório, mas acabou sendo institucionalizadopelo Protocolo de Ouro Preto, junto com o restante da es-trutura orgânica do Mercosul no período pós-transição.

O Protocolo de Brasília procurou sanar as principaisdeficiências do Anexo III do Tratado de Assunção. Suaaplicação compreende as controvérsias que possam ocor-rer sobre (art. 1): a interpretação, aplicação e falta de cum-primento das normas originais e derivadas.

As fontes do ordenamento jurídico do Mercosul sãonormalmente divididas pelos juristas em originais e deri-

vadas. As originais se constituem do Tratado de Assun-ção e acordos celebrados no âmbito do mesmo; as deci-sões do CMC e resoluções do GMC são as fontes deriva-das. O protocolo reconhece dois procedimentos distintos,dependendo de quem lhes dá início, um Estado-parte ouum particular.

A possibilidade do particular acionar o sistema de so-lução de controvérsias constitui importante inovação emrelação ao Anexo III, que não previa esta possibilidade,embora com limitações.

Em primeiro lugar, vejamos o procedimento adotado quan-do a controvérsia se faz entre Estados membros do Mercosul.As partes em conflito devem procurar, antes de tudo, resol-ver a controvérsia através da negociação direta. As únicasexigências nessa primeira fase são que o GMC seja informa-do, por meio da Secretaria Administrativa, sobre a evoluçãodo processo e sua resolução, caso houver, e que as negocia-ções tenham o limite máximo de 15 dias (art. 3). Se não forpossível obter um acordo nessa primeira fase, qualquer dosEstados envolvidos pode submeter a controvérsia ao GMC,que, após devida apreciação, com ou sem assessoria técnicade um painel de especialistas, formulará as recomendaçõesaos Estados litigantes (art. 5). Essa fase deve durar 30 dias apartir da data de comunicação da questão à Secretaria Ad-ministrativa do Mercosul.

Se ainda persistir a divergência entres os Estados, mes-mo após as recomendações do GMC, inicia-se o procedi-mento arbitral, que começa quando um governo insatis-feito com a solução apresentada pelo GMC comunica àSecretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao re-ferido procedimento. Esta, por sua vez, comunica tal ocor-rência aos demais envolvidos e ao GMC, que se encarre-gará da tramitação da questão.

Primeiro, ocorre a formação de um Tribunal Arbitral parasolucionar a questão. A controvérsia deve ser resolvida den-tro de 60 dias, prorrogáveis por mais 30, por decisão damaioria dos árbitros. A decisão se expressa através de umalauda, obrigatória para o Estado infrator, sem possibilidadede impugnação. A partir do recebimento da lauda, o infratordeve cumprir suas determinações num prazo de 15 dias. Casoo governo não cumpra em 30 dias, o país prejudicado podeadotar medidas compensatórias até que a decisão do Tribu-nal seja cumprida. Entretanto, as laudas não usufruem deexecução forçada, ou seja, dependem da cooperação jurídi-ca dos Estados para se fazerem cumprir.

Quanto ao procedimento adotado no caso de particula-res, este se inicia com o exame da reclamação pela SeçãoNacional do GMC onde o reclamante reside ou tenha sede

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de negócios (art. 26). Oteiza (1992) afirma que tal proce-dimento consiste simplesmente em: “una simple denun-cia de violación del derecho aplicable por el Tratado deAsunción y sus normas derivadas. Los Estados se reservanindirectamente, mediante el control de admisibilidadejercido por el Grupo derecho a rechazar la petición delos particulares. Es claro el dominio que los Estados tienensobre el Grupo Mercado Común, que es coordinado porel Ministerio de Relaciones Exteriores de cuatro Estados,que lleva a pensar que esta vía de acceso a los intentos desolución de controversias constituye simplemente elderecho de personas de sugerir que se contemple deter-minada situación.” De fato, pode-se afirmar que o acessode particulares ao sistema de solução de controvérsias per-manece limitado, considerando essas peculiaridades deacesso.

A única participação do particular no trâmite da ques-tão se restringe ao fornecimento dos elementos necessá-rios à Seção Nacional para determinar se há violação ouameaça de prejuízo. Violação é definida como a sançãoou aplicação de medidas legais ou administrativas de efeitorestritivo, discriminatório, ou de concorrência desleal, emdesacordo com o Tratado de Assunção e acordos celebra-dos em seu âmbito, bem como das decisões do CMC e doGMC (art. 25).

Uma vez detectada a violação ou ameaça de prejuízo,a Seção Nacional do GMC pode entrar em contato com aSeção Nacional do CMC do Estado a quem se atribui aviolação, para tentar uma solução imediata para a ques-tão, ou submetê-la diretamente ao CMC, no caso em queo contato com a Seção Nacional do governo infrator nãoproduzir resultados dentro de 15 dias após o seu início. Jánas mãos do GMC, este avaliará a validade da questão,podendo rejeitá-la ou não. Aceitando-se a reclamação,ocorrerá a convocação de um grupo de especialistas paraemitir um parecer dentro de 30 dias após sua formação. Oparticular e o Estado a quem se atribui a violação terãooportunidade de ser consultados durante este período.

O Protocolo de Ouro Preto, no qual supostamente de-veria ter sido incluída a criação de um mecanismo de so-lução de controvérsias definitivo, em oposição à transito-riedade do Protocolo de Brasília, pouco veio a acrescentar.Decidiu-se, em Ouro Preto, atribuir à recém-criada CCMo papel de examinar as reclamações feitas pelos Estadosintegrantes, a qual ganhou papel relevante na solução dedisputas, tornando-se órgão competente para tratar dosconflitos comerciais em primeira instância. Com poder deemitir apenas recomendações, igual ao GMC, a CCM pode

decidir imediatamente sobre a questão ou formar um co-mitê técnico com 30 dias para emitir parecer. O Estado,objeto de reclamação, deve cumprir o determinado noprazo estipulado.

O GMC passou a ter jurisdição quando: 1) não se ob-tém sucesso na fase de negociações diretas; 2) a contro-vérsia foi solucionada de forma parcial pelos Estados liti-gantes e, ao ser enviada à CCM, esta não pode efetivamentesolucioná-la.

Em suma, a estrutura intergovernamental do bloco con-solidou um sistema de resolução de disputas no qual pre-valece a negociação diplomática e política, buscando sem-pre um acordo entre as partes antes de recorrer aoprocedimento arbitral (Baptista, 1998). Foi dada maior ins-titucionalidade ao Mercosul para diminuir as incertezasque potencialmente criassem conflitos (Vigevani, 1998),e parte disso se fez através da criação desse sistema, massem afetar a natureza intergovernamental do bloco. Des-sa forma, tanto a estrutura do Mercosul quanto o seu me-canismo de solução de controvérsias não significaram acriação de órgãos supranacionais e tampouco a de um sis-tema jurídico permanente.

Atualmente no Mercosul, o procedimento se amparana solução político-diplomática, já que após a primeirafase de negociação direta entre as partes a questão é sub-metida à CCM e posteriormente ao GMC, órgãos em quepredomina a negociação política dos Estados. Ademais, osistema em vigor não permite a formação de jurisprudên-cia, pois as primeiras fases são soluções negociadas casoa caso, seguindo o Tribunal Arbitral a mesma lógica.

CONFLITOS COMERCIAIS

A partir do ano de 1999, o Mercosul foi marcado pordiversas disputas comerciais entre Brasil e Argentina, comretaliações e ameaças recíprocas. As tensões, em algunscasos, não puderam ser solucionadas pela via diplomáti-ca, levando ao acionamento do Tribunal Arbitral, em 1999,que se pronunciou sobre três disputas diferentes. Esseórgão nunca havia sido acionado, apesar de estar previstodesde 1991. O estopim desse período de turbulências foia desvalorização cambial brasileira, acompanhada do tér-mino do regime de adequação em 1o de janeiro de 1999,deixando às claras as reais diferenças em termos comer-ciais e de competitividade entre a indústria brasileira e aargentina.

Seguindo essas três negociações, pode-se ver como aatual conformação institucional do bloco contribuiu para

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criar um ambiente de incertezas na região, levando inclu-sive à necessidade de promover um “relançamento doMercosul”.

A primeira decisão do Tribunal Arbitral foi em relaçãoao dispositivo brasileiro de licenças de importação não-au-tomáticas. O governo argentino e as empresas exportadorasdesse país consideraram o regime de licenciamento préviode importação adotado pelo Brasil, em outubro de 1998, umabarreira não-tarifária. A Câmara de Exportadores da Repú-blica Argentina (Cera) reclamava que a liberação de uma LI(Licença de Importação) podia levar mais de 30 dias, afir-mação contestada pelo governo brasileiro. O ltamaraty ar-gumentava que sua solução poderia se dar através da nego-ciação de um sistema harmonizado de reconhecimento doscertificados sanitário e fitossanitário do Mercosul, já que ospaíses poderiam aceitar esse tipo de controle efetuado naorigem. No entanto, não se tratava de uma discordância lo-calizada apenas no âmbito regional, pois havia a pressão porparte de outros países, fazendo com que a questão chegasseà OMC.

Como resultado, em maio de 1999, o Tribunal Arbitraldo Mercosul, constituído em fevereiro, determinou o fimdo instrumento de controle das importações brasileirasatravés da Licença de Importação não-automática para ospaíses do Mercosul. O Brasil deveria cumprir as exigên-cias até o final de 1999.

A carne suína sem osso foi o segundo caso julgado peloTribunal Arbitral. Esse produto expandiu sua participa-ção no mercado argentino, fundamentando a alegação, porparte dos produtores locais, que a carne suína brasileiracontava com subsídios nos preços da ração animal (mi-lho). Inicialmente, o governo argentino privilegiou a uti-lização de canais estabelecidos na Secretaria de Comér-cio e na chancelaria, mas não descartou a possibilidadede acionar o Protocolo de Brasília.

Entre 1995 e 1998, prevaleceu um acordo firmado en-tre o setor de ambos os países, que se renovava automati-camente. Porém, em outubro de 1998, os produtores ar-gentinos de suínos romperam o acordo, levando o governoa interferir diretamente na questão. Depois de acionado oProtocolo de Brasília, no dia 28 de outubro de 1999, oTribunal Arbitral do Mercosul, em sua segunda decisão,anunciou que o Brasil poderia vender carne suína para aArgentina com base nos preços então praticados. Dessavez, a vitória foi dos produtores brasileiros, mas apesardessa decisão os empresários argentinos continuaram con-testando o embarque de suínos para seu país e pressiona-ram o governo argentino para iniciar um processo

antidumping. Nesse exemplo podemos verificar que, notocante ao setor privado, há uma falta de legitimidade dasinstituições de solução de controvérsias do Mercosul, ape-sar de a decisão ter sido reconhecida pelo governo argen-tino.

A terceira decisão do Tribunal Arbitral foi sobre os têx-teis, porque o governo argentino aplicava cotas aos teci-dos de algodão exportados pelo Brasil, alegando ter havi-do um aumento muito expressivo do volume exportadono primeiro semestre de 1999, sendo necessário verificarsuas causas. O Grupo de Acompanhamento da Conjuntu-ra Econômica e Comercial, criado em junho de 1999 peloCMC, ficou responsável por analisar o caso. Em novem-bro de 1999, o Brasil recorreu às instituições do Mercosule também à OMC e, em março de 2000, o Tribunal Arbitraldo Mercosul determinou que a Argentina suspendesse assalvaguardas comerciais para os produtos têxteis brasi-leiros por um período de 15 dias.

No entanto, o processo contra os argentinos continuou aser analisado na OMC e no dia 20 de março de 2000, pelaprimeira vez, a OMC abriu um painel para discutir um con-flito comercial entre membros do Mercosul. A Argentinadecidiu, então, utilizar-se do seu direito de pedir esclareci-mentos ao Tribunal Arbitral do Mercosul, tentando ganharmais algum tempo, mas seu pedido não foi aceito.

Outros conflitos ocorreram no período analisado, masao se voltar a atenção para dois conflitos específicos, re-ferentes aos setores automotivo e açucareiro, pode-se ve-rificar como os problemas comerciais adquirem conota-ções políticas, afetando as relações globais entre osintegrantes do Mercosul.

O açúcar foi um dos produtos mantidos como exceção aolivre-comércio no Mercosul, fazendo parte do Regime deAdequação Final à União Aduaneira. Enquanto os negocia-dores técnicos brasileiros apresentaram inúmeras vezes pro-postas de convergência tarifária externa e desgravaçãotarifária interna, os argentinos, pressionados pelos seus pro-dutores de açúcar, continuaram acusando a produção brasi-leira de receber subsídios indiretos, impedindo que o produ-to fizesse parte da zona de livre-comércio.

A acusação argentina se baseou no incentivo à produ-ção de álcool no quadro do Programa Nacional do Álcool(Proalcool), que estimularia a plantação de cana-de-açú-car no Brasil voltada para a produção de álcool, mas queproduziria o açúcar como um subproduto, recebendo in-centivos indiretos.

O conflito entre os produtores argentinos e brasileirosde açúcar no Mercosul e as dificuldades para a negocia-

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ção do setor ensejaram a criação, na V Reunião do GMC,entre 30 de março e 1o de abril de 1992, de uma Comissãono âmbito do SGT 8 (Política Agrícola), que, com a inter-venção do SGT 7 (Política Industrial e Tecnológica) e SGT9 (Política Energética), ficou responsável por propor al-ternativas para formular uma política regional para o com-plexo sucroalcooleiro.

Como as negociações prosseguiram sem a definição deuma proposta de política regional para o setor até agosto de1994, o CMC constituiu um Grupo Ad Hoc, encarregadooficialmente de estudar o regime de adequação do setor açu-careiro e apresentar até novembro de 1995, no máximo, umaproposta de adequação do produto ao livre-comércio. Esseprazo foi prorrogado para junho de 1997 pelo GMC, seguin-do a Recomendação no 1/96 do Grupo Ad Hoc do setor açu-careiro, apesar da reiteração do Brasil de que uma reuniãofosse realizada para definir o regime de adequação do setoro mais breve possível. Porém, o GMC declarou na XXIVReunião, em Fortaleza, de 12 a 14 de dezembro de 1996, suaintenção de levar a questão à consideração do CMC, apósanalisar o tema e concluir não haver consenso sobre políticade adequação do açúcar. Nos dias 19 e 20 de maio de 1997,em reunião do GMC, o Brasil apresentou uma proposta dedesgravação tarifária progressiva e automática até aimplementação do livre-comércio, prevista para vigorar apartir de 1o de julho de 1997; entretanto, a delegação argen-tina impôs reservas à proposta.

Como as discussões terminaram indefinidas, o gover-no argentino, pressionado pelos produtores de açúcar dasprovíncias do norte do País, editou a Lei do Açúcar no

24.822, impondo taxas de importação no valor de 20%.Imediatamente em resposta, apresentou-se um projeto dedecreto legislativo pelo secretário-geral da Comissão Par-lamentar Conjunta do Mercosul (CPC), Paulo Bornhausen,proibindo todas as autorizações de importação de trigo,pois “sabidamente a Argentina exporta trigo a partir deuma cultura fortemente subsidiada (art. 2)”. Em seguida,a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica)repudiou a decisão da Argentina, fazendo uma reclama-ção formal à CCM contra as restrições argentinas às im-portações de açúcar, alegando sua inconstitucionalidade.A reclamação resultou na eliminação das taxas de impor-tação aplicadas ao açúcar brasileiro pela Argentina e naretirada do projeto de decreto legislativo apresentado pelosecretário-geral da CPC, Paulo Bornhausen.

O CMC decidiu prorrogar o mandato do Grupo Ad Hocaté 31 de dezembro de 2000, incumbindo-o de continuar asdiligências para a formulação de um regime de adequação

que contemple a eliminação das tarifas aduaneiras e barrei-ras não-tarifárias ao comércio do açúcar no bloco.

Na data especificada, novamente, não foi possível ne-gociar um acordo entre as partes e o açúcar continuousujeito às mesmas restrições comerciais vigentes. As ne-gociações no Grupo Ad Hoc prosseguem até a atualida-de, sem no entanto alcançar um consenso, uma vez que aspropostas precisam invariavelmente ser encampadas peloGMC, pois o governo argentino se encontra impossibili-tado de aceitar um acordo devido às pressões dos produ-tores argentinos.

As negociações do setor automotriz foram realizadasno âmbito do Subgrupo de Trabalho no 7 (Política Indus-trial e Tecnológica), que em março de 1992 propôs a cria-ção de uma comissão para estudar a exportação conjuntapara terceiros países e apresentar as bases para um acor-do setorial de autopeças. Os representantes dos governosse encarregavam do auxílio técnico e da verificação dacompatibilidade com as normas ditadas pelo Tratado deAssunção, enquanto os acordos eram negociados pelo se-tor privado, que se encarregou efetivamente das negocia-ções do universo tarifário, cotas, índice de nacionaliza-ção e exceções, representado, do lado argentino, pelaAssociação de Fábricas de Automotores (Adefa) e pelaAssociação Nacional de Fábricas de Veículos Automotores(Anfavea), do lado brasileiro.

Desde a assinatura do Tratado de Assunção, o comér-cio intrabloco nesse setor sofreu significativa elevação,principalmente entre 1990 e final de 1992. As exporta-ções brasileiras aumentaram devido à manutenção de umcâmbio subvalorizado, provocando a deterioração da ba-lança comercial argentina. O fluxo crescente de importa-ções atingiu particularmente os setores industriais da Ar-gentina, inclusive o setor automotivo, o que provocou umrecuo nas negociações realizadas para definir as cotas parao ano seguinte, 1993.

Em 15 de novembro de 1992, reuniram-se represen-tantes dos governos da Argentina e do Brasil (do lado bra-sileiro, participaram membros dos Ministérios de Econo-mia, do Trabalho, de Indústria, Comércio e Turismo e,posteriormente, do Ministério de Desenvolvimento), con-juntamente com representantes da Adefa e Anfavea, paraelaborar uma carta de intenções que fixou as cotas de im-portação em pouco mais de 40 mil veículos e um índicede nacionalização de 70% (peças originárias dos paísesmembros do Mercosul) para usufruir da tarifa zero.

A ratificação e a entrada em vigência desse acordo forampostergadas porque a Argentina não conseguiu cumprir a cota

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de exportações para o Brasil a que tinha direito. As negocia-ções prosseguiram até março de 1993, quando se celebrou oAnexo V ao Protocolo no 21, vigente a partir do dia 31 domesmo mês, fixando as cotas para 1993 em pouco mais de20 mil veículos (mantendo inalterado o índice de nacionali-zação). O Anexo V marca uma reorientação na política ex-terna brasileira, que passou a privilegiar o aspecto políticoda integração, pois não só estabelecia uma cota inferior parao ano de 1993 em relação a 1992, para proteger a indústriaautomotiva argentina, como prorrogou para 31 de dezembrode 1993 o prazo para completar o restante da cota de expor-tações não cumprida pela Argentina em 1992, além da cotanormal para o ano. É significativo o fato de que o Anexo Vfoi inteiramente elaborado pelos representantes de governo,e posteriormente submetido à apreciação dos representantesprivados, que pouco puderam fazer para alterar o acordo,pois as negociações e a tomada de decisões para essas ques-tões do setor se efetuaram inteiramente no plano do Conse-lho do Mercado Comum.

A declaração do embaixador Rubens A. Barbosa, ex-subsecretário-geral de Integração, Assuntos Econômicose de Comércio Exterior do Itamaraty, referente às medi-das adotadas pelo Brasil para elevar as importações ar-gentinas, mostra esta posição de forma clara: “Do pontode vista do Mercosul, e diante dos desequilíbrios da ba-lança comercial argentina, as medidas foram as menos trau-máticas possíveis” (Gazeta Mercantil, 1992).

Em 1994, com a aproximação do fim do período detransição, as negociações se tornavam mais prementes. AAnfavea continuava a pressionar o governo brasileiro aaumentar as cotas de exportação e estabelecer rapidamenteum regime comum para o setor. No entanto, a Decisão 29/94 do CMC, contemplando uma proposta apresentada pelosetor privado uruguaio, evidenciou as dificuldades dosgovernos em atender simultaneamente às reivindicaçõesdos setores privados nacionais e aos objetivos daintegração, criando um Comitê Técnico Ad Hoc na futuraComissão de Comércio do Mercosul (CCM), que se en-carregaria da elaboração de uma proposta de Regime Auto-motriz Comum para o bloco.

O Comitê Técnico Ad Hoc deveria apresentar para a apro-vação da CCM uma proposta completa do Regime AutomotrizComum até 31 de dezembro de 1997, que contivesse os se-guintes elementos: liberalização do comércio intrazona paraos produtos do setor automotriz; uma tarifa externa comum;e a ausência de incentivos nacionais que distorcessem acompetitividade na região. O regime comum deveria entrarem vigor a partir de 1o de janeiro de 2000.

Diante das dificuldades de se obter uma proposta con-sensual no âmbito do Comitê Técnico, o CMC decidiupostergar o prazo final para a apresentação da propostado Comitê para 30 de abril de 1998. Esse prazo foi suces-sivamente prorrogado até o fim de 1999, quando definiu-se o regime de transição que vigoraria entre 2001 e 2003,até atingir o livre-comércio em 2004.

No final do ano de 1998, foi estabelecido que o regimeautomotivo definitivo do Mercosul contemplaria o livre-co-mércio interno, com Tarifa Externa Comum (TEC) de 35%para veículos e entre 16% e 18% para autopeças. Porém, seriapor meio de um regime de transição a vigorar entre 1o dejaneiro de 2000 e 31 de dezembro de 2003. Somente em 1o

de janeiro de 2004 seria atingido o livre-comércio interno.As divergências se tornaram mais evidentes a partir da

desvalorização do real, focando-se nas negociações quantoao índice de nacionalização. Ao mesmo tempo, a Argen-tina passou a dificultar a entrada de veículos obrigandoos importadores a apresentarem uma declaração detalha-da da mercadoria. Além disso, solicitou à OMC a prorro-gação do regime automotivo nacional, suscitando amea-ças do Brasil de submeter os veículos importados daArgentina à TEC. No final do prazo, quando deveriam serdefinidas as regras do setor que iriam vigorar a partir de2000, estabeleceu-se um acordo provisório até 29 de fe-vereiro, em virtude, principalmente, das divergências so-bre o índice de nacionalização de peças, enquanto as ne-gociações prosseguiam. As negociações ainda estãoocorrendo e não se definiu um regime de convergênciatarifária que possa alcançar o livre-comércio no futuro.

ALGUMAS CONCLUSÕES

Ao se analisar o período que vai do início de 1998 atéos dias que antecedem o retorno do Ministro DomingoCavallo ao governo argentino, pode-se notar um esgota-mento na forma de avançar nas negociações do Mercosul,que até então privilegiava os assuntos mais fáceis de re-solver, deixando os temas mais críticos para depois. Aomesmo tempo, permite questionar a viabilidade da estra-tégia da via diplomática de solução de conflitos. Nessesentido, o setor burocrático-estatal ainda se mostra comoa principal influência que permeia as negociações. Na prá-tica, essa influência se traduz na opção da via diplomáti-ca em detrimento do aprofundamento dos mecanismos ins-titucionalizados.

Se, por um lado, está o problema estrutural dos setoreseconômicos sensíveis, de outro, essa opção mostrou-se

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pouco eficiente e prejudicial ao fortalecimento de meca-nismos de solução de controvérsias, o que poderia ajudarna percepção empresarial de que os órgãos do Mercosulseriam mais adequados para o encaminhamento das di-vergências do que a pressão direta aos governos nacio-nais ou o apelo aos mecanismos da OMC.

Essa forma de negociação faz com que fatores não re-lacionados diretamente ao processo de solução de confli-tos sejam agregados, como pode-se verificar no segundosemestre de 1999, quando ficou clara a disposição doItamaraty em atrasar as negociações com a Argentina atéque o novo governo fosse empossado.

Nesse exemplo, setores econômicos importantes pre-cisaram adequar suas prioridades comerciais ao calendá-rio eleitoral de um Estado-parte. Esse tipo de aconteci-mento faz com que os agentes econômicos percebam asituação da integração como carente de credibilidade e pre-visibilidade, elemento que deveria ser privilegiado numprocesso de integração regional.

Paraguai e Uruguai, juntamente com a Argentina, mui-to em função da sua situação socioeconômica interna, co-meçaram a perceber a estagnação dessa forma de condu-zir as negociações e partiram para a tentativa de colocarna agenda de discussões o aprimoramento dos instrumen-tos jurídicos comuns. Mesmo no caso do Brasil, país maisreticente quanto à criação de instrumentos que possamavançar além do âmbito intergovernamental, já há sinaisde mudança de postura. Como exemplo temos o MinistroLampréia (1999) que discutiu a possível necessidade defortalecimento de mecanismos institucionais de mediação,como a ampliação do papel dos tribunais arbitrais, de for-ma que os conflitos comerciais e outros tenham instânciasadequadas de solução, sem necessidade de afetar o conjuntodo sistema integracionista, inclusive mobilizando a própriaPresidência da República em temas ordinários.

Outra declaração que reforça a necessidade de mudan-ças mais abrangentes foi feita pelo Ministro Celso Lafer(2001): “(...) Para dinamizar o bloco, há necessidade demaior integração. Temos de dar passos firmes na direçãodo Mercado Comum, da integração das cadeias produti-vas, da integração das infra-estruturas físicas, além de aper-feiçoar os aspectos institucionais, buscando aprimorar omecanismo de solução de controvérsias, coordenar meca-nismos de defesa comercial extrazona e a eliminação demedidas intrazona, instalando, em seu lugar, um sistemacomum de defesa da concorrência. Além disso, devemostrabalhar por políticas comuns em áreas tais como zoofitos-sanitárias e certificação, entre outras. Para tanto, devemos

obedecer a uma agenda, tal como já fizemos no passado,quando estabelecemos o cronograma em Las Leñas (...)”.

A declaração do Presidente Fernando Henrique Car-doso,4 embora ainda não possa ser vista como reflexo deuma ação determinada por parte do governo brasileiro paramudar a estrutura institucional do Mercosul, mostra queos condutores da política de integração estão percebendoo esgotamento do atual sistema de resolução de conflitose de encaminhamento das negociações, admitindo até apossibilidade de adoção da supranacionalidade.

Entendemos que o Mercosul encontra-se numa faseem que a interdependência entre as questões regionais eas domésticas já é bastante importante e tende a se apro-fundar. O processo de integração tem gradativamente de-mandado mais estabilidade, para que fatores domésticospossam ser processados de forma que não constituam ele-mentos de interferência prejudicial à evolução das ne-gociações em torno de um futuro compartilhado. As rei-teradas vezes que os governos argentino e brasileiroutilizaram ameaças ou retaliações permitem confirmar atendência de que a aplicação de medidas restritivas emum setor faz com que esta contagie outro, formando umquadro no qual evidenciam-se diferenças e não os aspec-tos comuns, e as divergências comerciais tendem a assu-mir uma conotação mais política e menos técnica, fazendocom que as disputas passem do setor empresarial para osetor governamental.

A evolução da estrutura institucional no Mercosul, comodescrita neste artigo, dificulta a participação de forma maisdireta dos setores não-governamentais, o mesmo aconte-cendo com os mecanismos de solução de controvérsiaadotados. Essa dificuldade tende a fazer com que as ne-gociações do setor privado se realizem fora dos canaispróprios da integração, dependendo continuamente doenvolvimento dos governos nos assuntos negociados. Ascrises enfrentadas nos últimos anos podem ser o início deum processo de transformação organizacional, tanto dasinstituições do Mercosul quanto dos governos envolvidose dos setores responsáveis pela tomada de decisões empolítica externa, em que a agenda nacional poderá mes-clar-se mais com as necessidades regionais, e vice-versa.

NOTAS

Este artigo é fruto da pesquisa “Gestão Pública Estratégica de Gover-nos Subnacionais Frente aos Processos de Inserção Internacional eIntegração Latino-americana”, que está sendo realizada pelo Cedec,Fundap e PUC-SP, contando com o apoio da Fapesp.

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INSTITUIÇÕES E CONFLITOS COMERCIAIS NO MERCOSUL

1. Discurso do Senhor Presidente da República, Fernando HenriqueCardoso, na Reunião de Cúpula do Mercosul, por ocasião da Reuniãodo Conselho do Mercado Comum, Assunção, 22 de junho de 2001.

2. Artigo 3 do Tratado de Assunção e Anexo III.

3. Realizada em 17 de dezembro de 1991.

4. “(...) Um espaço cuja vocação vai além do comércio: a vocação deintegração profunda no plano econômico, inclusive monetário, e decrescente unidade no plano político, unidade que, no devido momen-to, encontrará expressão em instituições de caráter supranacional (...)”.Trecho reproduzido do discurso proferido na Reunião de Cúpula doMercosul, por ocasião da Reunião do Conselho do Mercado Comum(2001).

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D

O MERCOSUL E ASEGURANÇA REGIONAL

uma agenda comum?

e maneira simplificada, pode-se dizer que há duasgrandes vertentes para analisar as relações inter-nacionais: a óptica conflitiva e a que privilegia a

os diversos agentes, assegurando, a eles, condições míni-mas para que sobrevivessem com relativa tranqüilidade,dentro de um mundo com regras preestabelecidas.

As relações entre os diversos Estados dão-se ao mes-mo tempo por dois prismas: da cooperação e o do confli-to. Quando interesses comuns apresentam-se, a coopera-ção é o caminho preferido. As divergências, por sua vez,fazem parte das regras do jogo e, no limite, levam a acir-ramentos, e o resultado final só é conhecido nos camposde batalha. Como lembra Raymond Aron (1962:1030), o“sistema internacional é o conjunto constituído por uni-dades políticas que mantêm entre si relações regulares eque são suscetíveis de entrar em guerra total”.

De resto, as normas e convenções que dão formato aosistema internacional continuamente se apresentam instá-veis, em um contexto em que prevalecem regras impreci-sas e cambiantes (Sardenberg, 1982). Isso, é evidente, con-tribui para que governos e Estados privilegiem seus própriosinteresses – cada vez mais fortes –, confiando com reservanos demais, desde os vizinhos mais próximos, até os maisdistantes com os quais mantêm intercâmbio satisfatório.

A cooperação, ao lado da competição e do conflito,sempre existiu, e nunca houve necessidade de grandes

integração, ou, dito de outra forma, abordagens que de-fendem a paz e a guerra.

Provavelmente, em nenhum momento da História, mes-mo em tempos mais remotos, encontrou-se elementos su-ficientes para afirmar que dois ou mais atores tenham-serelacionado entre si apenas de maneira amistosa. Ou quese tenha verificado a existência de um quadro no qual aguerra tivesse sido permanente, uma luta de todos contratodos.

Na realidade, essas duas visões sempre caminharam paripassu ao desenrolar da história da Humanidade. E per-mearam o relacionamento entre os diversos Estados, ougrupos, quando aqueles não haviam-se constituído formal-mente, a partir de 1648, com o Tratado de Vestfalia, deacordo com as interpretações correntes.

A idéia hobbesiana de “estado da natureza” nada maisé do que um modelo típico ideal, segundo os moldesweberianos, e nunca comprovado empiricamente (Forsyth,1980). Trata-se de um recurso teórico, para que ele justi-ficasse a criação do Estado, por meio de um pacto entre

Resumo: Desde o início do processo de integração regional, têm falado mais alto os interesses particulares dosEstados, cada um procurando resolver seus próprios problemas domésticos. Nesse contexto, a indefinição deuma agenda mais consistente dificulta a integração regional em todos os planos, sobretudo, em áreas sensíveiscomo as de políticas externa e de defesa, muito complexas para serem elaboradas em conjunto.Palavras-chave: Mercosul; integração regional; segurança regional.

Abstract: Despite movement towards regional integration, countries continue to place priority on their nationalinterests, seeking first and foremost to address their particular domestic issues. The resulting lack of a cohesiveagenda hinders regional integration, particularly in the areas of foreign policy and defense – issues that, byreason of their complexity, defy group consensus.Key words: Mercosul; regional integration; regional security.

SHIGUENOLI MIYAMOTO

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(1): 54-62, 2002

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debates para chegar a essa conclusão. Não é, gratuitamente,que a maior parte da literatura que trata das relações in-ternacionais centre sua atenção em um desses prismas.

A cooperação entre os diversos Estados é uma cons-tante, embora não permanente, ao longo dos séculos. Aose comportarem dessa forma, os agentes consideram apossibilidade de obter uma série de dividendos, calculan-do custos e benefícios. Entre estes últimos, a desnecessi-dade de se preocupar com gestos agressivos ao longo desuas fronteiras, ameaças à sua soberania e a chance deviver, portanto, mais tranqüilos.

Tomadas em conjunto, tais medidas tornaram viávelelaborar e executar, com maior regularidade e consistên-cia, as políticas públicas, atendendo aos interesses dossenhores feudais, do Estado e da sociedade.

Essa cooperação implicou no seguimento de algumasregras comuns, amparadas no princípio de que todos sai-riam ganhando. Quando os interesses gerais eram supe-riores, a cooperação foi privilegiada. O contrário deu-sequando os benefícios ficavam aquém do esperado ou de-sejado. A quebra de acordos enquadra-se na lógica de queeles são bons apenas enquanto todos lucram.

Há entendimento de que a cooperação, por mais bemintencionada que seja, sempre é limitada, restrita a itensespecíficos de uma pauta de negociações. Assim, a coo-peração pode ser feita no âmbito econômico, abarcandoum ou outro setor, mas não necessariamente o mesmo severifica nos planos político ou militar. Isso significa di-zer que cada um dos lados mantém pleno domínio sobresuas propriedades, seus domínios, seus territórios, não dei-xando margens a dúvidas sobre sua soberania, conceitotão caro aos Estados e governantes, ainda que sob a égideda interdependência e da globalização.

Por outro lado, o aprofundamento da cooperação, comonos últimos anos tem-se observado, em busca de uma efe-tiva integração, rompe com o tradicional conceito de so-berania. A integração, entendida como deve ser e tomadaàs últimas conseqüências, leva à quebra da soberania,constituindo-se instâncias supranacionais, com centros dedecisão coletivos e não mais individuais, em que o bemcomum é o objetivo primordial a ser alcançado.

Como esclarecem alguns autores, por integração deve-se entender o “processo pelo qual os atores políticos emvários marcos nacionais diferentes são persuadidos danecessidade de dirigir suas finalidades, expectativas e ati-vidades políticas para um centro novo e maior, cujas ins-tituições possuam ou exijam jurisdição sobre os Estadosnacionais já existentes”. (Haas, 1964:28).

O aprofundamento das relações bilaterais ou multila-terais, rumo à integração, entre dois ou mais países, e cons-truindo blocos, consiste na definição de uma agenda úni-ca para esses Estados, abrangendo aspectos políticos,econômicos, militares, culturais, etc. As políticas não se-riam objeto de apenas uma ou de outra unidade, mas deresponsabilidade de todos que firmariam tal pacto, cons-tituindo instâncias maiores.

A adoção desse tipo de comportamento levaria a atin-gir o que há, pelo menos, oitocentos anos a literaturainternacional aborda, ou seja, a criação de um governomundial, no qual o conflito cede lugar à paz, e ela impul-sionando o relacionamento entre todos, independentementede suas diferenças políticas, culturais, religiosas, etc.

O que se verifica, sobretudo, nos anos mais recentes,em diversas ocasiões, tanto na Europa, na América doNorte, quanto na América Latina, é que as propostas deintegração têm caminhado mais devagar do que seria pos-sível ou desejável. Obstáculos quase insuperáveis têm sur-gido em todos os instantes, com resistências de um ou ou-tro parceiro, procurando cada um gerenciar, sempre, aspolíticas regionais em favor de suas vontades particulares.

INTEGRAÇÃO E TEMAS SENSÍVEIS

Muitos tópicos, por sua delicada natureza, são difíceisde negociar, e apresentam sérios percalços para chegar aum denominador comum. Entre esses, os que dizem res-peito à segurança do Estado e a atuação do país no cenáriomundial apresentam-se como os mais importantes e com-plicados, para a definição de políticas convergentes.

Há motivos plausíveis que justificam as reticências dosgovernantes sobre esses assuntos. Sentar à mesa de nego-ciações, discutir, barganhar, ceder e tomar decisões con-juntas, significa abrir mão da feitura de políticas atenden-do tão-somente aos seus anseios, como até então estavamacostumados. Para os decision-makers, essa nova situaçãoos obrigaria a ver, por outro prisma, seus Estados como oelemento mais importante do sistema internacional. Apa-rentemente verificam-se, portanto, irreconciliáveis contra-dições, com as falas pregando a colaboração e a práticaindicando o contrário.

Contradizendo os discursos, o Estado-Nação continua,nos dias atuais, mais sólido do que nunca. Os aconteci-mentos da última década, com as posturas assumidas pe-las grandes potências para salvaguardar seus interesses eampliar suas influências, são incisivos ao comprovar quea globalização, tal como é propalada, está longe de elimi-

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nar categorias como fronteira, soberania, nacionalismo, etc.Como foi possível constatar, em nome dos interesses na-cionais, países como Estados Unidos, França, Canadá, Ín-dia ou China realizaram vigorosas políticas.

Os Estados Unidos em nenhum momento abdicaram deseu poder, fosse no plano econômico, fosse no militar. Lan-çando mão de duras medidas, a Casa Branca ameaçou umsem número de vezes retaliar outros países, acionando a SuperCláusula 301, da Lei de Comércio Americana. Tal atitudefoi tomada inclusive contra o Canadá, seu parceiro maior noNafta, com quem mantém relações especiais desde os anos50. O mesmo acontece quando se confrontam e seus interes-ses chocam-se com os de seus principais competidores, eu-ropeus, ou japoneses, ainda que todos ocupem o topo da pi-râmide (Sardenberg, 1989:255-72; Thurow, 1993).

Além dos protecionismos econômicos, o bloqueio demovimentos migratórios para seus territórios e os xeno-fobismos converteram-se em moeda corrente utilizada nocotidiano das grandes nações industrializadas, contra osparceiros menores do mundo em desenvolvimento.

No plano militar, os Estados Unidos não se esquece-ram do direito de ditar pela força, o que consideram cor-reto, de acordo com seus pontos de vista, ao interferir emtodos os quadrantes, onde seus interesses, ou suas empre-sas, pudessem sofrer quaisquer tipos de danos. Interven-ções como as ocorridas no Iraque em 1991, e no Kosovopouco depois, independentemente de autorização da Or-ganização das Nações Unidas, enquadram-se nesse racio-cínio (Vicentini, 1998).

Como diria Bill Clinton “precisamos compreender oque temos em jogo nos Balcãs e em Kosovo (...) esta éuma crise humanitária, porém, é muito mais do que isso:é um conflito sem fronteiras naturais, que ameaça nossosinteresses nacionais”.1

A França e a China adotaram comportamentos pareci-dos, pouco se importando com as críticas, quando resol-veram reforçar seus arsenais militares. Primeiro detona-ram, cada uma delas, meia dúzia de bombas nucleares, antesde assinar o Tratado de Rarotonga desnuclearizando o Pa-cífico Sul em 1996. Em julho de 2001, os Estados Unidoscontinuaram com seus testes, desta vez com o escudoantimíssil. Outros países como a Índia e o Paquistão tam-bém exercitaram políticas de poder, realizando seus expe-rimentos nucleares, não obstante as ameaças das grandespotências, pautando-se pelo raciocínio de que “se os ou-tros fazem, o que nos impede”?

O aumento das capacidades econômicas e militares dasgrandes potências, reafirmando seu papel de guardiãs do

mundo, foi a tônica do período pós-guerra fria. Essa ten-dência contrariou, assim, os mais otimistas que esperavamo surgimento, no limiar do terceiro milênio, de um cenáriointeiramente distinto, isento de ameaças e de guerras.

Os conflitos que explodiram com violência avassaladora,justamente em função do término das divergências Leste-Oeste, serviram para corroborar, uma vez mais, que osEstados Nacionais continuam tão ou mais importantes doque antes. Verificou-se, em pouquíssimo tempo, a fragmen-tação de impérios, como a União Soviética, e de paísescomo a Iugoslávia e a Checoslováquia, dando surgimentoa várias unidades menores, independentes, soberanas. Emtodo o mundo uma infinidade de reivindicações, até entãocamufladas, emergiu com vigor, objetivando criar novospaíses, desde o sul do Brasil ao Nepal, passando pelo Texas,pelo Quebec, pela Itália com a República da Padânia, pe-los curdos, pelo Timor Leste, pelos palestinos, pelo Tibetee pelos ianomâmis, sem esquecer os bascos que continua-ram sua antiga luta.

A derrocada do império soviético e o esvaziamento doPacto de Varsóvia (extinto oficialmente em 1991) não fo-ram motivos suficientes para o arrefecimento das políti-cas de poder, não havendo contrapartida ocidental. Em1991, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)deixou de ser exclusivamente defensiva, e mudou seu pa-pel. Ao adotar novo conceito estratégico, ampliou seu raiode ação, o que lhe permitiu operar em qualquer lugar, se equando a segurança européia estiver em risco (Otan, 1991).Não é fortuitamente que textos como os de SamuelHuntington (1994) tiveram considerável impacto nos mes-mos anos, com a eleição de novos inimigos do mundo oci-dental (Huntington, 1994).

Contudo, estes são comportamentos habituais das gran-des potências, que produzem e executam políticas, paraatender às suas necessidades, e de acordo com as capaci-dades acumuladas ao longo do tempo. Nada diferente, por-tanto, da realpolitik, que serve de fio condutor para os“donos do mundo”, que nunca pedem licença a ninguém,além de surdos e insensíveis a apelos e protestos de quais-quer natureza.

Afinal de contas, dita a política de poder, quem garan-te que o fim de um conflito significa o início de um está-gio, em que todos elegem como prioridade os interessescoletivos, substituindo os tradicionais egoísmos indivi-duais?

Os últimos dois mil anos orientam os que decidem osrumos de seus países. Esses levam na devida conta, não oadvento de um período de paz duradouro, mas vêem o atual

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estágio apenas como um breve interregno entre outrosconflitos que, é claro, virão.

As atitudes que modelam as relações internacionais es-tão longe de obedecer às concepções idealistas, guiando-se por posturas realistas, em que os interesses ecoam comintensidade cada vez maior. As boas intenções, muitas delasassinadas, são negociadas com base em posições de forçae de poder. Os resultados obtidos nas negociações demons-tram claramente as capacidades utilizadas em todos os sen-tidos, particularmente no militar, que dá credibilidade atodos as demais, quando se coloca a necessidade de inter-vir, pressionar e impor boicotes a outros países.

A literatura clássica utilizada para explicar as relaçõesinternacionais, parcialmente rejeitada em nome das no-vas teorias, não teve o seu fim decretado, como se divul-ga em muitas oportunidades. Sua utilização apenas não émais feita com a mesma intensidade, como ocorria em diaspassados, em todas as ocasiões, dividindo agora o cená-rio com outras variáveis, como a econômica, a cultural,etc. Entretanto, isso deve ser interpretado como algo quenão foge à normalidade, visto que as relações internacio-nais caracterizam-se por ser essencialmente dinâmicas,nunca havendo dois momentos iguais quando se deseja.Os atores, os lugares, as circunstâncias e as motivaçõesforam e são diferentes no transcorrer da História.

Por esse prisma, determinadas políticas – externa, dedefesa e de segurança – encontram dificuldades para sercompartilhadas, já que colocariam em risco a própria so-brevivência dos Estados e, por extensão, de suas socieda-des. Essa interpretação pode ser considerada verdadeira,pelo menos enquanto perdurarem desconfianças mútuas,como até agora tem prevalecido.

Não custa relembrar quais os objetivos de uma políti-ca externa, ainda que recorrendo a antigas obras como asde Karl Deutsch (1970). Segundo ele, “a política exteriorde cada país se refere, em primeiro lugar, à preservaçãode sua independência e segurança, e, em segundo lugar, àperseguição e proteção de seus interesses econômicos”.

Se isso é observável no cotidiano das grandes nações,que disputam espaços, poderes e influências, estruturandoo sistema internacional e estabelecendo padrões e ordensmundiais, segundo suas conveniências, nada mais naturalque os demais países adotem idêntico padrão de compor-tamento. Por que agir de outra forma, se os grandes paísesutilizam o expediente das políticas de poder para resolverquaisquer problemas que lhes digam respeito?

Há abismos enormes entre os discursos de boas inten-ções, de união, de cooperação e de integração, e aquilo

que na prática é implementado de maneira comedida. Issose dá tanto na questão ambiental, no comércio internacio-nal, nos direitos humanos, como nas áreas de defesa e se-gurança.

Quando é conveniente, as grandes potências esquecem-se até mesmo dos argumentos em defesa da preservaçãodo meio ambiente e dos direitos humanos, quando emer-gem outros interesses, como fazem os Estados Unidos. Ascríticas intensas ao governo chinês, por desrespeitar es-ses dois itens, motivos alegados para impedi-lo de ingres-sar na Organização Mundial do Comércio (OMC),esfumaçaram-se, quando se chegou à conclusão de que émelhor ter a China dentro do que fora da OMC.

Ou então, como fez o presidente atual, George W. Bush,ao rejeitar o Protocolo de Kyoto sobre a emissão de po-luentes, sequer lembrando-se da Conferência Mundial dasNações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,a ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, quando as ricasnações industrializadas comprometeram-se a ceder 0,7%de seus PIB, em tecnologias e recursos aos países em de-senvolvimento.

Obviamente, essa percepção das relações internacio-nais cria dificuldades crescentes, impedindo colaboraçãomais estreita, mesmo em regiões mais afastadas dos gran-des centros de decisão, como os países do Mercosul, ob-jeto de análise a seguir.

.EXPERIÊNCIA LATINO-AMERICANA

Na segunda metade do século passado, o continentelatino-americano passou por várias experiências de coo-peração e de integração, que nunca conseguiram alcançaros objetivos inicialmente traçados. Os países da regiãoenfrentaram várias dificuldades, por conta não só do qua-dro doméstico, mas também por causa das conjunturasregionais e internacionais. Conte-se, ainda, o próprio oti-mismo exagerado quando da confecção dos acordos. Es-ses problemas, no todo ou em parte, contribuíram paraminar as tentativas integracionistas.

A Associação Latino-Americana de Livre Comércio(Alalc), criada em 1960 com o Tratado de Montevidéu, éum exemplo que reforça essa interpretação. A tentativaque nasceu calcada na boa vontade dos países de todo ocontinente, logo começaria a ver solapada na pretensãode solucionar os problemas locais.

As mudanças de regime verificadas logo depois, coma implantação de governos ditatoriais, que competiamentre si por influências na América Latina, embora fos-

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sem todos anticomunistas, com a bênção e a ajuda dogrande irmão do Norte, e as interpretações distintas so-bre a essência do acordo, pesaram de modo decisivo parao fracasso da entidade.

De um lado, brasileiros e argentinos tinham projetosdiferenciados de inserção regional e internacional, acir-rando as disputas que tradicionalmente movimentaram ahistória da Bacia do Prata. As políticas públicas brasilei-ras concernentes à ocupação das fronteiras, corredores deexportação e abastecimento, populacional e energética,eram alvo freqüente de intensas críticas, por serem consi-deradas parte de um projeto geopolítico expansionista.Com esse clima, é claro que qualquer projeto de colabo-ração mais próximo tinha poucas chances de ser coroadode êxito.

Por outro lado, enquanto os países menores desejavamque o processo desse prioridade ao desenvolvimento detodos – em que eles, em particular, seriam ajudados –, osmaiores não compartilhavam de igual ponto de vista (Bar-bosa, 1991).

Para as grandes nações, a Alalc era mais um pretexto,por assim dizer, uma instituição que facilitaria a entradade seus produtos em outros mercados, por menores queeles fossem. Tratava-se de uma visão estritamente comer-cial, e não desenvolvimentista. Com essa dicotomia, o re-gionalismo não poderia caminhar a contento.

O prazo fixado, de maneira otimista, para que o projetose concretizasse, foi várias vezes alterado. As intempériesque os países enfrentaram, ao mesmo tempo, diante da tur-bulência internacional – como as crises do petróleo – e aimpossibilidade de honrar seus compromissos – como opagamento da dívida externa – ajudaram a sepultar o so-nho inicial. Tanto é assim que, em 1980, a Alalc foi subs-tituída por outra organização – cujo foro também se loca-lizava em Montevidéu –, a Associação Latino-Americanade Integração (Aladi). O nome ambicioso propunha, nãoapenas a emergência de uma zona de livre-comércio, masalgo maior, integrar o continente.

Nesse meio tempo outras propostas, com escopo maisreduzido, foram igualmente encaminhadas. Em 1969,pelo Tratado de Cartagena, criou-se o Pacto Andino. PeloTratado de Cooperação Amazônica (TCA) – firmado peloBrasil com mais sete países da região em julho de 1978– pensou-se na possibilidade de integrar a região nortedo continente, e defendê-la contra interesses externos quese mostravam cada vez mais presentes (Ministério dasRelações Exteriores, 1978). Todavia, o TCA passou porincontáveis dificuldades, desde o início, como a falta de

recursos financeiros, não conseguindo levar avante suastarefas.

As denúncias sobre a depredação do meio ambiente,os maus cuidados com as populações florestais, e o usodos recursos minerais pelas empresas estrangeiras que aquise estabeleciam, precisavam ser respondidas. Impunha-se,pois, uma postura mais agressiva por parte do governobrasileiro, que tomou algumas iniciativas para proteger afloresta tropical, primeiro com o Projeto Calha Norte e,em seguida, com o Sivam/Sipam – Sistema de Vigilânciada Amazônia/Sistema de Proteção da Amazônia (Conse-lho de Segurança Nacional, 1985; Câmara dos Deputa-dos, 1996).

Tendo surgido em conjuntura desfavorável, já que osanos 80 constituíram-se em período difícil para o conti-nente, a Aladi pouco realizou. Com a mudança do pano-rama político, ou seja, a redemocratização dos paísescastrenses latino-americanos, as alterações na conjunturainternacional, os Estados Unidos contrários à forma comoas instâncias multilaterais estavam atuando e a RodadaGATT do Uruguai, a criação de blocos regionais adqui-riu força, e tornou-se não apenas conveniente, mas impe-riosa para enfrentar em melhores condições a voracidadecompetitiva que seria marca dos anos 90.

A subida de civis aos governos argentino e brasileiro jáfora um bom sinal para o continente. Enterrando, pelo me-nos a princípio, as velhas discórdias regionais, Buenos Airese Brasília assinaram em 1985 os protocolos de integraçãoregional, absorvendo depois o Uruguai e o Paraguai, cons-tituindo o Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL).Logo, o Mercosul passou a alimentar a esperança de cres-cer, ingressando no continente.

A década de 90 serviu para mostrar ao Mercosul queapenas as intenções não seriam suficientes para que em-preendimento de tal magnitude tivesse sucesso assegura-do, ainda mais em período tão curto, esquecendo-se que ocontinente europeu tenta, há muito tempo, a mesma coisa,caminhando devagar em busca desse destino.

As polêmicas diárias em praticamente todos os setoresdá o tom que caracterizou o relacionamento sob a rubricado Mercosul. Com críticas, ora sobre a inoperância dosacordos, ora sobre quem ganha e quem perde, ou sobre asdiferenças de concepção do que seja o processo regional,ameaçando por fim a tal iniciativa, o Mercosul marchou,até o momento, apoiado em frágeis muletas. A situaçãodelicada que a Argentina enfrentou em meados de julho,é outro indicador de como é difícil negociar quando tan-tos e tão diferentes interesses estão em jogo.

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POLÍTICA EXTERNA E DE DEFESA:CONVERGÊNCIA DE INTERESSES?

Durante décadas, os dois maiores países da Américado Sul competiram de forma extraordinária. Em várias oca-siões, como no contencioso de Itaipu/Corpus, a situaçãochegou a momentos delicados (Caubet, 1989).

Os argentinos criticavam o uso do Rio Paraná pelo go-verno brasileiro, acusando-o de colocar avante um proje-to geopolítico de hegemonia regional. Não era, porém, sócontra Brasília que Buenos Aires brandia sua cólera. OChile também tinha um impasse com o governo portenho,pelo controle do Canal de Beagle. Nos anos 80, os gene-rais argentinos que controlavam o poder, ousaram entrarem guerra contra o reino de sua majestade britânica pelasilhas Malvinas.

Brasília, além do confronto com Buenos Aires, tinhapouco com que se preocupar. Em 1986, propôs, na ONU,a criação da Zona de Paz e de Cooperação no AtlânticoSul (Zopacs) (MRE, 1986). O país também não quis apoiar,na década de 70, a constituição de um tratado que envol-via os países da região em uma congênere como a do Atlân-tico Norte, com o nome de Pacto do Atlântico Sul, ou Or-ganização do Tratado do Atlântico Sul. Por motivos jáexpostos em outros trabalhos, essas iniciativas não agra-davam ao governo brasileiro (Miyamoto, 1985).

Com a redemocratização do continente, o princípio quepassou a vigorar é que as disputas deveriam ceder lugar aoutros propósitos. Para os argentinos era muito melhor,recuperar os anos perdidos, tanto com a guerra contra osingleses, quanto com a energia despendida contra brasi-leiros e chilenos.

O mesmo se sucedia pelo lado brasileiro. Por isso, aBacia do Prata deixou de ser palco privilegiado de aten-ção do governo brasileiro, como política de defesa. Alémdo final do contencioso de Itaipu, a subscrição do tratadoda Zopacs dava boa margem de segurança para que assimse pensasse.

Novas preocupações passaram a orientar Brasília, agoradirigidas para a região Norte do País, rumo às densas flo-restas amazônicas. A ascensão do coronel Desi Bouterse,que se autoproclamava portador de tendências marxistas,ao governo de Paramaribo, além das persistentes críticascontra os desmandos praticados pelos países amazônicosaos seus recursos naturais, fizeram com que aquela partedo continente se convertesse em primazia do governo bra-sileiro. O surgimento do Projeto Calha Norte, em 1985, edepois do Sivam/Sipam retratam essas preocupações.

No próprio documento intitulado “Política de DefesaNacional”, datado de 1996, e que fixa as diretrizes estra-tégicas brasileiras, a Amazônia ocupa a parte central. Estetexto antecedeu a criação do Ministério da Defesa em 1999(Presidência da República, 1996). Na realidade, vários ou-tros documentos já enfatizavam, há muito tempo, a ques-tão amazônica, como tema de importância na estratégianacional (Cebres, 1991; Escola Superior de Guerra, 1990;Revista Brasileira de Política Internacional, 1968).

Ao elegerem tal região como prioridade, brasileiros,bolivianos, venezuelanos, equatorianos – que guerrearamduas vezes contra os peruanos –, além dos colombianosàs voltas com graves problemas, nada mais fizeram do quecolocar, em primeiro lugar, a necessidade de proteger seusterritórios, suas instituições, portanto, sua soberania. Paraisso, mantiveram aparatos bélicos, adquirindo equipamen-tos sempre que possível, e de acordo com seus exíguosorçamentos. A própria Comissão Econômica para a Amé-rica Latina (Cepal), em estudo recente, mostra que as preo-cupações com esta atividade nunca deixaram de existir.(Lahera e Ortuzar, 1998).

Os Estados agem (ou tentam) como unidades indepen-dentes, soberanas, fazendo com que a política externa au-xilie na manutenção da segurança nacional, tornando-separte constante do cálculo governamental. Destarte, a des-peito do término das discórdias estratégico-militares en-tre argentinos, brasileiros e chilenos, tal constatação nãosignifica forçosamente a possibilidade de se modelar po-líticas comuns, revelando seus equipamentos militares (sebem que todos sabem o que cada vizinho possui ou ad-quire), suas preparações e suas estratégias para enfrentare superar os diversos antagonismos que possam surgir.

As Forças Armadas brasileiras e argentinas aproxima-ram-se desde o final dos anos 80, realizaram exercíciosconjuntos, desativaram seus programas nucleares (o Bra-sil encerrou as atividades da Serra do Cachimbo), e parti-ciparam de dois eventos entre os Estados Maiores dasForças Armadas, além dos encontros de Ministros dasDefesa das Américas, desde Williamsburg em 1995 à rea-lizada em 2000 em Manaus, mas nem por isso, tomam ini-ciativas visando produzir políticas uniformes.

Os discursos e o comportamento das autoridades dosetor são bem significativos a esse respeito. Deixam abertaa possibilidade de integração, mas ressalvam que ainda éprematuro partir para tais medidas, e que isso, por enquan-to, não é prioridade.

Enquanto não enfrentam problemas comuns, cada umrealiza suas políticas individualmente como sempre fez.

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A Argentina está mais voltada para a questão do terroris-mo contra a comunidade judaica (como ocorreu nos anos90), com o tráfico de drogas e armamentos e com a pre-sença de grupos islâmicos na fronteira tripartite argenti-no-brasileiro-paraguaia. A preocupação brasileira, porforça das circunstâncias, acha-se dirigida para o territórioamazônico, apesar de não negligenciar o tráfico de dro-gas como uma de suas prioridades.

Por razões como essas, não sentem necessidade de apro-fundar a cooperação – já existente no âmbito da Justiça –,enquanto dão conta, sozinhos, de seus problemas. Na ver-dade, não se trata apenas disso. Cada um deles raciocinadentro de estreitos parâmetros de defesa dos interesses e deprojeção de seus Estados nacionais. Daí, ter-se observadouma prematura disputa por vaga no Conselho de Segurançada Organização das Nações Unidas, no caso de uma possí-vel reestruturação dessa entidade. Situação parecida verifi-cou-se quando a Argentina solicitou o status de aliado pre-ferencial da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Ouainda, assumindo posições isoladas – porém em perfeita sin-tonia com os Estados Unidos – para atuar em conflitos in-ternacionais, como fez na Guerra do Golfo em 1991, ao en-viar duas embarcações para aquela zona de conflito.

Em abril de 1987, quando se realizou, em Buenos Aires,o 1o Simpósio de Estudos Estratégicos Argentino-Brasi-leiro, na abertura do encontro o brigadeiro-generalTeodoro Guillermo Waldner, chefe do Estado-Maior Con-junto das Forças Armadas Argentinas, chamava a atençãopara a importância do evento, já que “em algumas opor-tunidades, através da história, esgrimimos [argentinos ebrasileiros] objetivos antagônicos”. A seguir frisava que“juntos, Brasil e Argentina podem chegar a conformar umespaço geopolítico que lhes permitirá alcançar um dimen-sionamento de nível mundial” (Waldner, 1987: 291-92).

O mesmo discurso otimista foi feito, exatamente umano depois, por ocasião do 2o Simpósio, dessa vez em SãoPaulo, pelo general de divisão Edson Alves Mey, vice-chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro (Mey,1988:341-42).

Os anos 90, porém, encarregaram-se de trazer à tona,os óbices – como dizem os militares – para atingir o obje-tivo, tão apregoado nos discursos oficiais. As iniciativasisoladas de cada parceiro, em quase todas as instâncias,políticas e econômicas e, sobretudo no setor bélico, cons-tituíram-se em prova definitiva de que quase nunca os dis-cursos refletem o comportamento real dos governos.

Com o advento do Mercosul, enquanto alguns interes-ses convergiam na esfera econômica, verificou-se, na maior

parte dos casos, postura divergente, e os assuntos estraté-gico-militares seguiram a passos miúdos.

Como lembravam autoridades argentinas e brasileiras,ainda é cedo para formalizar esses temas. Para o ex-chan-celer Guido di Tella, “batalhões conjuntos, por enquantosão pura fantasia” (Bertolotto, 1997). O que não significadizer que não sejam importantes. Contudo, uma coisa éconsiderá-los como tal, e outra é viabilizá-los na prática.No fundo, o grau de confiança recíproco é, ainda, muitolimitado para tornar concretas tais propostas. Se há clarasdificuldades para os países membros do Mercosul, que nãoconseguem solucionar seus próprios problemas, e a inca-pacidade para chegar-se a bom termo em temas políticose econômicos do bloco, o que dizer, então, sobre ques-tões mais delicadas como as políticas externa e de defesacomuns?

Os últimos dez anos de percalços enfrentados, em es-pecial por Buenos Aires e Brasília, indicaram claramenteque a colaboração faz parte das regras do jogo, assim comoas próprias divergências. Nesse sentido, são compreensí-veis as reclamações destemperadas quando um país nãoconsegue resolver seus problemas domésticos, colocandoa culpa no parceiro. Dessa forma, no final da década de90, a desvalorização da moeda brasileira foi alvo de co-mentários quase impublicáveis, e apontada como respon-sável pela situação aguda enfrentada pela Argentina. Pas-saram a ser freqüentes, desde então, os discursos argentinosque pregavam o fim do próprio bloco. Os acontecimentosrecentes do novo século caminham em trilha semelhante.

A percepção que os governantes têm é de que algunsanos são insuficientes para pensar em integração estraté-gico-militar. Se a Europa conduz tal processo há cincodécadas, sem chegar a resultados satisfatórios, o mesmose pode dizer do cenário regional. Boas intenções são com-partilhadas, mas não necessariamente realizadas. Além domais, as mudanças de governo são, de igual modo, ele-mentos a ser devidamente ponderados. Nada assegura queas decisões tomadas em um momento terão seqüência emoutros, visto que os novos governantes podem adotarposicionamentos completamente distintos dos anteriores,em nome de novas prioridades, de novas conjunturas, denovas conveniências, etc.

As agendas externas de argentinos e brasileiros têm sidodiametralmente opostas nos últimos anos. Enquanto aArgentina, durante os dois governos de Saul Menem op-tou pelo aprofundamento das relações com os norte-ame-ricanos, o Brasil esbarrou em uma série de contenciososcom os Estados Unidos, desde o relativo à propriedade

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O MERCOSUL E A SEGURANÇA REGIONAL: UMA AGENDA COMUM?

intelectual ao meio ambiente, dos fármacos a um sem-nú-mero de posições contrárias no comércio internacional.

NOTAS FINAIS

Nada pode ser considerado irreversível nas relaçõesinternacionais. Alianças, acordos, tratados e organizaçõessobrevivem enquanto atenderem a todos os participantes.

Quando se pesam na balança os custos e benefícios, éevidente, só convém participar de uma empreitada, pormelhor que esta seja, se os lucros forem maiores, ou se asperspectivas apontarem na direção em que todos ganhemem um jogo de soma variável positivo.

É assim que está escrito no Tratado de Rarotonga, quepossibilita a saída de seus membros, quando problemasagudos afetarem seus interesses. Ou seja, atingirem seusinteresses nacionais, em qualquer plano, seja no político,seja no econômico, e primordialmente no estratégico-mi-litar. A Liga das Nações e o Tratado de Cartagena, ape-nas para lembrarmos dois casos, são amostras que ilus-tram com boa propriedade esse argumento.

Por isso, acordos em áreas sensíveis só serão realiza-dos quando todos os participantes do Mercosul conside-rarem que seus interesses estão perfeitamente contempla-dos, que todos saem ganhando, e que as desconfianças nãomais existem. Caso contrário, essas iniciativas jamais da-rão frutos, além de ficar tão-somente no plano retórico.

Como a experiência européia ilustra, há necessidadede um longo amadurecimento para que essas políticas se-jam viáveis. A Otan é um bom exemplo. Apesar de o pilareuropeu ter-se tornado possível, há alguns anos, na reali-dade ele só pode vigorar com a presença dos EstadosUnidos, configurando-se uma tutela disfarçada.

Não se quer dizer aqui, que processos de integraçãojamais serão realizados, abarcando todas as variáveis pos-síveis. O cenário internacional, todavia, não dá indicaçõesde quando isso se tornará factível. Ainda que os discursosda interdependência e da globalização enfatizem o surgi-mento de um único mundo, isso se dá apenas no plano es-tritamente discursivo. Como exemplificamos, nunca tive-mos um período tão protecionista em que os valoresnacionais falassem tão vigorosamente como agora. A glo-balização nada mais é do que um processo altamente com-petitivo entre a tríade que comanda o mundo – EstadosUnidos, Europa e Japão –, e no qual estão excluídos osdemais, pelo menos como decisões globais (Petrella, 1990).

Os interesses nacionais e o conceito de soberania – mes-mo repensado – mais do que nunca sobrevivem e encon-

tram-se presentes em todas as circunstâncias. Cada um pro-cura salvaguardar seus próprios interesses, proteger suasfronteiras, seus domínios e fortalecer-se o mais possível, acu-mulando capacidades econômicas, bélica, ao mesmo tempoque investem em itens como ciência e tecnologia.

Assim, nada diferente se passa no Mercosul. As chan-ces de se compatibilizar políticas externa e de defesa têm-se manifestado apenas nos discursos, embora, efetivamen-te, algumas experiências tenham sido feitas nos últimosquinze anos. Todavia, isso tem-se demonstrado insuficienteem face das transformações internas e externas, em quecada um busca sua salvação individual, procurando ocu-par espaço maior no cenário internacional.

Os blocos são utilizados pelos países para aumentar seusmercados, capacitar-se melhor em tecnologia, e para fa-zer frente a outros blocos. Entretanto, nada disso derrubao argumento original de que, enquanto não houver umgoverno mundial ou mesmo regional, abarcando três, seisou duas centenas de países, torna-se inviável discutir emesmo dividir decisões que só dizem respeito aos habi-tantes locais.

Comparando os anos anteriores com os anos 80, con-tudo, e apesar das divergências enfrentadas pelo Mercosul,a situação atual como relacionamento bilateral e multila-teral, é sensivelmente melhor. O que não quer dizer quenão perduram, ainda, desconfianças e discordâncias emmuitos pontos que poderiam ser objeto de uma agenda co-mum. Tudo isso, entretanto, é perfeitamente natural, por-que os personagens que se encontram em postos-chave nosdois governos, são os que passaram pelas duas etapas, an-terior e atual às transformações nos cenários nacionais decada um desses países, e do cenário regional.

Do mesmo jeito que militares exercem suas influênciasnos planos domésticos de vários países da região – já quesão oficiais com idade mais avançada, logo, necessaria-mente situados no topo da hierarquia das Forças Arma-das, – igual condição ocorre nos planos político e econô-mico, apesar de, nesses setores, profissionais mais jovensencontrarem-se em diversos cargos. Como se tem visto,porém, mesmo esses tem-se pautado muito mais por umapostura de confronto e de críticas aos seus vizinhos, doque de fato de estreitar colaboração.

Mudam-se as gerações, mas não o princípio de que cadaum, tecnocrata ou militar, defenda os interesses específicosde seus países, até porque são eles os responsáveis pelaspolíticas macro e microeconômicas, em seus locais de ori-gem. Agarram, com todas as forças, as decisões que benefi-ciem, em primeiro lugar, seu governo, seus partidos políti-

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cos, seus grupos, e só em último lugar a sociedade nacionale as relações mais amistosas com os demais países.

Possivelmente, ainda se passarão gerações para que acooperação aprofunde-se, e que a integração se concretizede modo efetivo. Só aí as desconfianças desaparecerão,possibilitando que o aumento do grau de confiança recí-proco molde as relações internacionais não só em termosbilaterais, como também multilaterais, nos âmbitos políti-cos, econômicos e culturais. Nesse sentido, desnecessáriofalar em termos estratégico-militares, porque essa variávelseria relegada definitivamente a segundo plano. Contudo,as milhares de guerras travadas no período da era cristãparecem contradizer otimismo desse porte. As lutas coti-dianas espelham o realismo com que cada Estado vê suaparticipação no plano regional e internacional, procuran-do, de qualquer forma assegurar sua sobrevivência, e am-pliar seus espaços, muitas vezes à custa de seus vizinhos.

NOTAS

Este texto conta com recursos do CNPq, mediante Bolsa de Produtivi-dade em Pesquisa concedida ao autor, para desenvolvimento do proje-to “As políticas sul-americanas de segurança regional”.

1. Declaração transcrita do jornal O Estado de S.Paulo, 23/03/99.

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MERCOSUL E SOCIEDADE CIVIL

A

MERCOSUL E SOCIEDADE CIVIL

Resumo: Os pontos principais referem-se a aspectos parciais de uma pesquisa em andamento sobre “gestãopública estratégica dos governos subnacionais diante dos processos de inserção internacional e integraçãolatino-americana”, desenvolvida por equipes dos quadros da Fundap, do Cedec e da PUC-SP. Das três partesconstituintes do projeto temático, serão feitas referências àquela pertinente à participação da sociedade civilno processo de integração regional, tendo por centro o Mercosul.Palavras-chave: governos subnacionais; sociedade civil; Mercosul.

Abstract: The main points of this article are extracted from a research project that is currently underway entitled“Strategic Public Strategies of Sub-National Governments Within the Context of the Processes of Latin AmericanGlobal Insertion and Integration” carried out by researchers from Fundap (Foundation for Public Administration),Cedec, and the Catholic University of São Paulo. Reference will be made to a section of the study dealing withthe participation of civil society in regional development, in this case, in the context of Mercosul.Key words: sub-national governments; civil society; Mercosul.

LUIZ EDUARDO W. WANDERLEY

ntes de apresentar as reflexões referentes à temá-tica central deste artigo, serão feitos breves co-mentários sobre certas questões vinculadas à com-

América Central e o da zona de livre comércio da AméricaLatina (Alalc, depois Aladi) repousaram sobre preocupa-ções da mesma ordem para os espaços concernidos. Hoje,com a segunda vaga regionalista, o desafio é experimentadocomo uma ameaça proveniente do exterior, contra a quala união regional espera então se proteger, se colocar numamelhor posição de negociação. (...) É precisamente o queexplica que os Estados Unidos – que sempre foram hostisem participar de uma zona de integração somente na Amé-rica – se converteram à solução regional, com o Canadá em1988, e depois em prol da Alena em 1992. Para eles, con-cretamente, os concorrentes europeus e do sudeste asiáticoretiravam suas partes de mercado dos Estados Unidos: erapreciso discriminá-los e, com a Alena, dispôs de um me-lhor contrapeso em face das uniões regionais no restanteda Tríade. Desde então, contrariamente ao período 1950-1960, as uniões regionais são agora menos constituídas paraelas mesmas do que por reação às interferências com ou-tras zonas” (Quadros 1 e 2).

Mesmo considerando-se a necessidade de uma atuali-zação das informações apresentadas nos Quadros 1 e 2,ficam evidenciados os dois momentos formativos dos blo-cos regionais e a mudança de enfoque em cada um deles.

preensão do significado da integração regional e suas in-cidências mais diretas ao assunto em pauta. Na seqüên-cia, salientam-se alguns tópicos para o entendimento dosignificado de sociedade civil.

Sobre a temática da integração regional, uma longa ci-tação de Goudard e Jordan (1997:93-94) indica bem os ân-gulos que se pretende destacar neste texto. “As uniões re-gionais da primeira geração surgiram prioritariamente pararesolver problemas interiores às suas zonas, nas quais ospaíses tinham geralmente necessidade de mais abertura. NaEuropa, em 1951 e em 1957, os signatários dos Tratadosde Paris e de Roma queriam consolidar a paz sobre o con-tinente, modernizar o setor de carvão e do aço, dotar-se deum mercado interior ampliado que permitisse produçõesmais competitivas e mais rentáveis, e estimular tecnologiasnovas. Aqueles da Aele (...), em 1960, tinham em vista umafórmula provisória (ela durará mais de 30 anos!), para seprepararem a uma cooperação econômica regional mais es-treita, mas dividindo os domínios da política comercial eda agricultura. No mesmo ano, o Tratado de integração da

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O Mercosul, independente de outros motivos – na in-terpretação de Ginesta (1999), a opção por este Bloco emparticular se deve a uma perspectiva do Brasil de lideran-ça continental madura e integração na economia interna-cional, de uma maneira vantajosa para os seus interesses– atravessa uma fase de tentativa de apoio nos países-mem-bros e mesmo mais além (Chile), para entrar na Alca commaiores trunfos de negociação. Algumas tratativas de es-tender acordos com a União Européia em geral – o quetem sido bastante difícil principalmente para vencer o pro-tecionismo agrícola que naquela região é tradicional e bemassegurado – vão no sentido de obter parceiros importan-tes e melhorar os termos das futuras negociações com osEstados Unidos, cujo poder hegemônico torna delicadaeventuais pressões para ganhos significativos dos paíseslatino-americanos.

Sobre a explicitação de certos ângulos do conceito desociedade civil, foram esboçados, em texto anterior(Wanderley, 1999), determinados componentes, com baseem idéias expostas por Gramsci, que são retomados aquicom a finalidade de assinalar aspectos relevantes na pre-sente análise:- incorporar, somando-se aos elementos constitutivos daconcepção gramsciana de sociedade civil (ideologia, fi-losofia, artes, ciência, religião e aparelhos privados de he-gemonia), tudo aquilo que constitui a esfera pública (ca-racterizada pela presença dos seguintes componentesconstitutivos: visibilidade social, controle social, demo-cratização, confrontação pública, cultura pública) e quenão se confunde com a esfera estatal;- reafirmar, na concepção de Gramsci, a visão da mútuarelação entre sociedade política e sociedade civil, que nasconjunturas históricas pode oscilar ora com a prevalênciada hegemonia, ora com a prevalência da dominação;- enfatizar, ao lado da idéia de consenso, o aspectoconflitivo que permeia todas as dimensões da vida social,que não se reduz aos conflitos de classes, mas é causadotambém por diferenças de raça, de sexo, de religião, decultura, etc.;- ampliar a idéia de direção intelectual e moral, com asnoções de direção social e direção política – esta últimaconduzida não por um partido único, mas por vários par-tidos e por outros condutos políticos (conselhos, porexemplo) e pela presença de associações e movimentosque contribuem para dar consistência à identidade dossetores e classes sociais envolvidos e para sua ação maisconcertada;

- reforçar a noção de que não há separação nem descola-mento da infra-estrutura (mercado) com a superestrutura(sociedade civil e sociedade política), considerando queestão organizadamente interligadas na constituição do blocohistórico; ligação que é empreendida não somente pelos“intelectuais orgânicos” das classes fundamentais do ca-pitalismo, mas por representantes de outras classes e seto-res sociais não-classistas (por exemplo, dos grupos reli-giosos, das minorias étnicas), dos setores envolvidos comformas de propriedade alternativa (propriedade comunitá-ria, autogestionária, pública não-estatal) e de produçãoalternativa (como, por exemplo, economia solidária);- destacar, no caso latino-americano e, particularmente,no brasileiro, o surgimento dos movimentos sociais (po-pulares e de outra natureza – de gênero, ecológicos, indí-genas, de negros, de direitos humanos, etc.), geradores denovos sujeitos sociais que fortaleceram a sociedade civilnas últimas décadas, trazendo práticas inovadoras quequestionaram práticas tradicionais implementadas pelo Es-tado e pelo mercado, tais como o rompimento com o “rei-nado de privilégios”.

Nos marcos teóricos esboçados pelo grupo de pesqui-sa em foco, a tese central defendida (Wanderley eRaichelis, 2001), a respeito de uma efetiva participaçãodos governos subnacionais (e mesmo nacionais) associa-dos às forças vivas da Sociedade Civil, convergia para umesforço de conceituação mais rigoroso do que se entendepor gestão pública nos marcos de uma sólida democracia.Isto derivava da compreensão de como todos os interes-sados ocupavam o espaço público. Partia-se do pressu-posto de que, mesmo reconhecendo como um patamarnecessário a conquista e o fortalecimento da democracialiberal representativa, em sua dimensão político-institu-cional, o que no nosso continente já significa um avançoexponencial, uma democracia sólida e fecunda deve in-cluir sem tergiversações as dimensões econômica e social.Se alguns passos foram conseguidos com a emergência eo funcionamento dos Estados de Bem-Estar Social em de-terminadas regiões do mundo, problemas derivados daexplosão da atual globalização (perda da soberania doEstado-Nação, predomínio do capital financeiro, fluxoscomerciais abundantes, mas que privilegiam os países ri-cos, presença decisiva das multinacionais, passagem daetapa do fordismo para a da acumulação flexível) e dodomínio do neoliberalismo (desregulamentação, reduçãodo Estado, precarização do trabalho, privatização, ajusteestrutural, Consenso de Washington) e as imensas e per-

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MERCOSUL E SOCIEDADE CIVIL

QUADRO 1

Principais Organizações Econômicas Regionais1960-1970

Nome do Agrupamento Países Inicialmente Membros Ano da Assinatura

Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca) Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda, RFA 1951

Comunidade Econômica Européia (CEE) Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda, RFA 1957

Comunidade Européia de Energia Atômica Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda, RFA 1957

Mercado Comum Centro-Americano Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua 1960

Associação Européia de Livre Comércio (Aele) Áustria, Dinamarca, Irlanda, Noruega, Portugal, 1960Suíça, Grã-Bretanha

Associação Latino-Americana de Livre Comércio Argentina, Brasil, Chile, Peru e Uruguai 1960(Alalc, tornada em seguida Associação Latino-Americanade Integração – Aladi, em 1980)

União Aduaneira e Econômica da África Central Camerum, República Centro-Africana, Chade, Congo, 1964Guiné Equatorial, Gabão

Austrália-Nova Zelândia Acordo de Livre Comércio Austrália e Nova Zelândia 1966

Mercado Comum das Caraíbas ou Antígua, Barbados, Guiana, Trinidad e Tobago 1968Comunidade das Caraíbas (Caricom)

Pacto Andino Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Peru 1969

Comunidade Econômica dos Estados da África do Oeste Benin, Burkina Fasso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, 1975Gana, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria,Senegal, Serra Leoa, Togo

Associação das Nações do Sudeste Asiático (Anase/Asean) Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia 1978Fonte: GATT, apud Célimène e Lacour, 1997:89.

QUADRO 2

Principais Organizações Econômicas Regionais1980-1990

Nome do Agrupamento Países Inicialmente Membros Ano da Assinatura

Pacto Andino (1) Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela maio 1987

Canadá – USA Acordo de Livre Comércio Canadá e Estados Unidos janeiro 1988

União do Magreb Árabe Algéria, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Tunísia fevereiro 1989

Associação das Nações do Sudeste Asiático (Anase/Asean) (1) Brunei Darussalam, Indonésia, Malásia, janeiro 1991Filipinas, Cingapura, Tailândia

Mercado Comum do Sul (Mercosul) Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai março 1991

Espaço Econômico Europeu CEE e Aele (salvo a Suíça) maio 1992

Associação de Livre Comércio Norte-Americana (Alena/Nafta) Canadá, México, Estados Unidos dezembro 1992

Acordo de Livre Comércio da Europa Central (Cefta) Hungria, Polônia, República Tcheca, República Eslováquia dezembro 1992

União Européia (Tratado de Maastricht) (2) CE fevereiro 1993

Acordo de Livre Comércio Grupo dos Três Colômbia, Venezuela, México junho 1994

Fonte: GATT, apud Célimène e Lacour, 1997:90.(1) Reativação do Agrupamento.(2) Aprofundamento da União.

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versas conseqüências no social (aumento da pobreza e daexclusão social, desemprego estrutural, perda de direitos)engendraram, nos últimos anos, um panorama que vempondo em risco a própria sobrevivência da democracia.

Acentuava-se que o interesse público deve tornar agestão pública mais permeável às demandas emergentesda sociedade, e reduzir a tendência do Estado, do poderburocrático e dos agentes sociais privilegiados de mono-polizar as esferas de decisão política. Nas condições his-tóricas e estruturais brasileiras, nas quais houve sempreuma privatização do Estado por parte das elites (econô-micas e políticas principalmente, mas não só), gerandomesmo uma cultura de apropriação do público pelo pri-vado, faz-se necessário um processo contínuo de publici-zação que impregne a sociedade, que permita mobilizarespaços de representação, interlocução e negociação en-tre os atores sociais, que dinamize novas formas de arti-culação/integração entre Estado e Sociedade Civil em queinteresses coletivos possam ser explicitados e confronta-dos. Com as particularidades típicas de cada Estado-Na-ção, essa privatização do público permeia todas as socie-dades do continente.

Visualizando o público como construção social – umaconseqüência a ser atingida na luta democrática –, é in-dispensável colocar a sociedade, principalmente os seto-res organizados, com instrumentos de representação e pro-tagonismo (Cunill Grau, 1998). O paradigma tecnocráticohegemônico busca a eficiência da ação governamental emum processo de concentração, centralização e fechamen-to do processo decisório, e alargamento das prerrogativaspresidenciais. A “eficácia da gestão seria reduzida à no-ção de insulamento burocrático, implicando basicamentea capacidade de o Estado isolar-se das pressões políticase sociais” (Diniz, 1999).

Com esse enquadramento, foram destacadas algumascategorias analíticas como base para a investigação, quaissejam: visibilidade social, controle social, representaçãode interesses coletivos, democratização e cultura pública(Wanderley, 1996 e 1999).

Trazendo a temática para o plano das relações interna-cionais, no modelo cosmopolita de democracia, Held odefine como “um modelo de organização política na qualos cidadãos, qualquer que seja sua localização no mundo,têm voz, entrada e representação política nos assuntosinternacionais, paralela e independentemente de seus res-pectivos governos” (Archibugi e Held apud Gómez, 1998).

Em contraposição aos processos ambivalentes de glo-balização, surgem os sinais efetivos de uma “sociedade

civil global”, ainda emergente, pela difusão e consolida-ção da democracia no interior das nações, regiões e redesglobais. “O Estado-Nação não pode mais reivindicar parasi a condição de único centro de poder legítimo nas suaspróprias fronteiras, ao mesmo tempo que deve assumir umpapel mediador de diferentes lealdades nos planossubnacional, nacional e internacional; a cidadania, por suavez, passa a conhecer formas mais elevadas de participa-ção e representação em estruturas supranacionais e, simul-taneamente, formas mais ‘reduzidas em escala’, com in-cremento de poder em comunidades locais e grupossubnacionais” (Linklater apud Gómez, 1998).

Nessa direção, contudo, as lutas por criação de meca-nismos mundiais, como, taxação de operações financeirasglobais (o imposto Tobin), o julgamento de crimes contraa humanidade por Cortes de Justiça internacionais (casodo ex-presidente da Iugoslávia, Slodoban Milosevic), oaffaire Pinochet, o surgimento do Fórum Social Mundial,as ações do Green Peace, entre outros, são exemplos decasos nos quais a democracia cosmopolita e a cidadaniamundial direcionam-se para uma “sociedade civil global”.

Ainda muito longe do estabelecimento de meios supra-nacionais de elaboração de diretrizes macroeconômicas,de resolução de controvérsias, de efetivação de direitos,pode-se aspirar à formação de uma “sociedade civil ame-ricana”, ou “sociedade civil do Mercosul”? Sim, comopossibilidade ainda muito remota e se elas forem visuali-zadas com toda a prudência devida, requerendo, para isso,que os imensos obstáculos da presente realidade sejam ven-cidos e que a vontade política de governantes e gruposorganizados seja revigorada para conseguir criar os meiosindispensáveis para sua consecução. Não, se prevalece-rem as rivalidades e antagonismos intra e interpaíses, e sepermanecerem hegemônicos os modelos de sociedade ede organização econômica atualmente vigentes.

No quadro latino-americano e com acentuada implica-ção na presente conjuntura brasileira, vale o alerta deGómez (1998:33) “Os governos radicalmente comprome-tidos com as reformas pró-mercado, em lugar de buscar oapoio mais amplo possível através de negociações e pac-tos e de um forte envolvimento das instituições represen-tativas, empenham-se em enfraquecer e tornar ineficazesas oposições partidárias e sindicais e o próprio jogo dasinstituições democráticas em benefício do mais purodecisionismo autoritário e estilo tecnocrático de governo.Desse modo, o processo democrático fica reduzido ao ri-tual eleitoral, decretos-lei e explosões fragmentadas deprotesto; a participação declina e o debate político desa-

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parece; o Estado diminui e a política-espetáculo seentroniza pela mão dos meios de comunicação como maisuma prática de consumo simbólico; os partidos políticos,sindicatos e organizações sociais representativas enfren-tam a alternativa do consentimento passivo ou das explo-sões extraparlamentares; a corrupção e a falta de respon-sabilidade no manejo dos assuntos públicos vão juntas coma degradação da cultura cívica e dos laços de solidarieda-de no próprio seio da sociedade civil, contribuindo assima reforçar uma cidadania extremamente passiva”.

Nos limites da pesquisa em curso, e tendo como panode fundo as demarcações feitas, foram estabelecidas al-gumas hipóteses que, se se considerar os fatos dos últi-mos anos e a crise acirrada dos últimos meses, sobretudoa da Argentina, e mesmo que não se tenham ainda as con-clusões finais dessa pesquisa, parece que podem ser vali-dadas. A primeira é a de que quanto maior for a esferapública democrática em cada Estado-membro, maior seráa possibilidade de uma integração regional abrangente. To-mando por base as enormes dificuldades vivenciadas pe-los governos da Argentina e do Brasil (e que podem serestendidas para os demais países) para consolidar meca-nismos e práticas democráticas efetivas, seus reflexos fa-zem-se sentir na atual conjuntura de existência de gran-des incertezas quanto à própria sobrevivência do Mercosule seu futuro, o que pode ser exemplificado com a desva-lorização do real (medida não anunciada aos parceiros na-quela ocasião e que ocasionou tensões marcantes), e comas medidas propostas (com a presença do ministro Cavallo)e em operação no caso argentino que afetam de forma di-reta o nosso país, gerando atritos de monta. A falta de con-sulta e de se levar em conta a opinião pública das socie-dades civis desses países – que, é evidente, ainda guardamressaibos de um passado de desconfianças e tensões, e quenão estão sendo conscientizadas para o valor da integra-ção regional, mesmo ressalvando determinadas exceçõesminoritárias e de relativo alcance político (como se pon-derará a seguir) – demonstram como o processo integradorvem sendo quase inteiramente forjado de “cima para bai-xo”, com gestões públicas pouco democráticas, minimi-zando o potencial que poderia ser brandido.

A segunda hipótese é a de que quanto maior for o pro-cesso de publicização existente nas instituições e diretri-zes do Mercosul, maior a possibilidade de avançar em con-quistas públicas nos Estados-membros. Ainda que não hajainstâncias supranacionais capazes de influenciar as deci-sões nacionais em relação a determinados assuntos, comoé a situação da União Européia, as poucas decisões

consensuais tomadas pelos agentes protagonistas podembalizar avanços públicos em cada país envolvido, comofoi o caso acontecido com o Paraguai no momento em queos governos dos demais países coordenaram uma tomadade posição, propondo eventuais represálias, na eventuali-dade de se instalar uma instabilidade política não demo-crática naquele país. A instituição do Foro Consultivo Eco-nômico e Social (FCES), com todos os enormes limitesem seu funcionamento, sobretudo com a atuação das cen-trais sindicais obteve espaços de diálogo positivos.

Outra hipótese central baseia-se na proposição de quesem a resolução da questão social o processo de integra-ção regional padece de substantividade e a democracia nãose sustenta. Partindo da concepção dominante quedesvincula o plano econômico, do político e do social, quecogita em crescimento econômico na lógica do mercado eignora o desenvolvimento humano e sustentável, que con-trapõe os atores tecnoburocratas e os político-sociais, queleva os governantes e setores empresariais, em geral, adescurarem do social, encarando-o como algo subordina-do ou efeito automático do econômico, que usa o socialcomo tema retórico, não há uma preocupação verdadeirano encaminhamento das questões sociais. Daí os embatespermanentes com os trabalhadores organizados e crisessucessivas nos países do Bloco, nos quais as condiçõessociais existentes são de extrema perversidade e vulnera-bilidade.

Interessante constatar que, no período dessa pesquisa,outra pesquisa estava sendo desenvolvida por Castro Vieira(2001:20), e desvinculada dessa, propondo como tese ehipótese central a mesma orientação: “a hipótese centraldo trabalho é que o Mercosul não se consolida como Co-munidade Regional devido aos limites impostos à partici-pação da sociedade civil no processo decisório de inte-gração, em face do exclusivismo negociador associado àsburocracias governamentais”. “Esta tese demonstra que oprocesso de integração do Mercosul, ao contemplar basi-camente aspectos econômicos e comerciais, ao relegar aum segundo plano as políticas sociais, traz à tona o peri-go de ser mais um processo de exclusão social (CastroVieira, 2001:287).”

O que se pode reafirmar, com constatações preparadaspor analistas e estudiosos do assunto, em diversas partesdo mundo, é a proposição fundamental de que sem a pre-sença consciente e ativa da sociedade civil nos processosintegrativos eles perdem consistência em curtos prazos esão atingidos por conflitos intra e intergovernos. Toman-do por exemplo a União Européia, foi com base na mobi-

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lização de contingentes expressivos das populaçõesconcernidas, por múltiplos meios, que as autoridades mu-daram estratégias e planos de ação. Contudo, mesmo nela,não obstante os esforços ingentes para aperfeiçoar a legi-timação democrática, o grande número de cidadãos e avariedade geográfica e cultural impedem que haja um re-lacionamento mais direto. Para ter uma idéia do que é de-nominado por “cidadania da União”, vale registrar algunsdireitos e liberdades decorrentes dela, de que gozam oscidadãos nacionais dos Estados-membros (Piepenschneiderapud Weidenfeld e Wessels, 1997):- o direito de residir em qualquer país da União Européia;- o direito de cada cidadão de votar e ser eleito para oParlamento Europeu em seu país de residência;- nos países terceiros, cada cidadão da União pode soli-citar a assistência e a proteção diplomática e consular dequalquer outro Estado-membro, se o seu próprio país nãodispuser de qualquer tipo de representação;- o direito de apresentar petições ao Parlamento Europeu,e o direito de recorrer ao Provedor de Justiça; a UniãoEuropéia tem de respeitar os direitos do homem e as li-berdades fundamentais, tal como definidas na ConvençãoEuropéia dos Direitos do Homem, e as decorrentes dastradições constitucionais comuns aos Estados-membros.

Mantendo ainda a referência da União Européia, mes-mo na condição de órgão consultivo, é de se lembrar a atua-ção do Comitê Econômico e Social, constituído de 222 re-presentantes de grupos de trabalhadores, patronato einteresses diversos – profissões liberais, agricultura, coo-perativas, câmaras de comércio e associações de consumi-dores. Apesar de sua eficácia reduzida para salvaguardaros interesses dos distintos grupos econômicos e sociais, porsua natureza consultiva, o que leva esses grupos a optarempela via da influência direta junto com a Comissão Euro-péia, o Comitê tem procurado, com a ajuda de outras orga-nizações européias, ampliar suas ações para melhorar asrelações entre os cidadãos da União e as respectivas insti-tuições, e procurado influir de forma direta no processolegislativo (Schley apud Weidenfeld e Wessels, 1997).

Está-se muito longe dessas conquistas e se fazem ne-cessários esforços redobrados de todos os interessados paraque se chegue a atingir patamares crescentes nesse senti-do. No entanto, algo semelhante aconteceu com os passosefetuados nos debates e documentos elaborados para aadoção da Carta de Direitos Fundamentais do Mercosul(apresentada aos governos em 1994), que posteriormentefoi abortada. Em 1998, foi aprovada a Declaração

Sociolaboral do Mercosul, na reunião do Conselho doMercado Comum, mas que não tem caráter vinculativo aosdireitos e às obrigações derivados dos acordos entre ospaíses. Sua validade é a de funcionar “como um instrumentoque garanta o cumprimento de um conjunto restrito de di-reitos fundamentais individuais e que, ao mesmo tempo,estabelece mecanismos que viabilizem a negociação cole-tiva e um espaço de solução de conflitos entre os segmen-tos econômicos e sociais e/ou países. Portanto, a Declara-ção permite uma maior visibilidade dos efeitos daintegração comercial e da ação das empresas” (Castro Viei-ra, 2001:215). A Declaração propõe a definição de umespaço social nas discussões do Bloco, um conjunto degarantias e o reconhecimento das Convenções da OIT comofonte jurídica. Propugnam-se como princípios irrenunciá-veis a democracia política e o respeito irrestrito aos direi-tos civis e políticos. Centralmente, a Carta contém umapercepção do processo de integração como uma possibili-dade histórica para melhorar as condições de vida das so-ciedades nacionais, um apelo aos governos para propor umaeficaz intervenção dos Estados que garantam os direitosdos trabalhadores. A posição perante a livre circulação damão-de-obra é a de garantir no Bloco igualdade de direi-tos, condições de trabalho, condições dignas de vida, mo-radia, educação e saúde. Na perspectiva dos direitos cole-tivos, propõe a liberdade sindical, a negociação coletiva,o direito à greve, o direito a permanente informação e con-sulta dos outros órgãos do Mercosul. As Recomendaçõesda OIT para serem ratificadas eram 35, das quais os qua-tro países em conjunto só assinaram 11.

Em Declaração apresentada à Cúpula Presidencial (de-zembro, 1997), os representantes do Foro manifestavam-se: “Deve-se tomar consciência de que o FCES está espe-cificamente qualificado como interlocutor capaz de opinar,contribuir positivamente para a tomada de decisões pelosórgãos técnicos e políticos do MERCOSUL e expressaras preocupações e expectativas de nossas sociedades. Essefoi o espírito e a finalidade que motivou a criação do FCESno Protocolo de Ouro Preto. Mas, na prática, SenhoresPresidentes, ainda não se concretizou, pois apesar de ha-ver tratado nestes 18 meses de temas de vital importân-cia, nenhuma consulta lhe foi formalizada”. Situação quese repete em 1998: “O FCES poderá cumprir com seu papelde agente consultivo se for devidamente consultado, den-tro de um processo onde disponha das devidas informa-ções e condições para a elaboração de suas Recomenda-ções, situação que até o momento não ocorreu” (Ata daVI Reunião Plenária do FCES).

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A posição predominante nas centrais sindicais é bas-tante crítica, levando em conta que o Subgrupo de Traba-lho que deveria ter colocado em seu centro as questõessociais e trabalhistas reduziu-as a problemas de ordem téc-nica; os encontros entre empresários, governos e traba-lhadores concentraram-se em debates voltados paraharmonizações de legislações trabalhistas dos quatro paí-ses. Os temas debatidos entre empresários e governos ana-lisavam basicamente os interesses comerciais e a promo-ção e defesa do princípio da competitividade empresarial.Para elas, o que se busca no setor empresarial é uma maiorconcorrência para reduzir custos trabalhistas. E o que sepretende no setor governamental é implementar as refor-mas internas – reformulação do Estado, flexibilização tra-balhista, desregulamentação econômica –, de acordo comas receitas neoliberais.

“A reação dos governos diante das propostas de ga-rantia de direitos trabalhistas básicos supranacionais sem-pre é defensiva, pois alegam que vincular direitos sociaisao acordo pode criar precedentes protecionistas, afetar asoberania nacional e a intergovernabilidade do Mercosul”(Castro Vieira, 2001:216).

Com este pano de fundo, lança-se luz sobre uns pou-cos ângulos da pesquisa, que privilegiou, na parte corres-pondente à participação da sociedade civil, dois segmen-tos: empresariado e trabalhadores.

No que tange ao empresariado, há que se considerar ini-cialmente que a inserção das empresas brasileiras no Mercosulrealizou-se muito mais por suas potencialidades individuaisdo que por uma estratégia organizada. As empresas de gran-de porte têm capacidade e autonomia para formular suas po-líticas e estão sempre atentas para quaisquer mercados queofereçam melhores condições de lucratividade, em quaisquerlugares mais vantajosos em que se situem, nos vários conti-nentes. Se o Mercosul consolidar-se e o Bloco oferecer con-dições objetivas para a expansão de seus negócios – comoatestam os sinais do passado recente no qual houve uma atua-ção mais agressiva de um conjunto delas na região e um cres-cimento das exportações brasileiras, com especial destaquepara o Estado de São Paulo –, é evidente que seu interessepoderá ser ampliado.

Já para os empresários, pequenos e médios, há grandefalta de informações sobre as possibilidades abertas peloBloco. A situação é conhecida, e para convencê-los dasoportunidades na região, vários tipos de incentivos foramcriados, como, cursos, palestras, assessoria, eventos, pro-gramas especiais de acesso a crédito, etc. Nessa direção,criou-se inclusive a Associação de Empresas Brasileiras

para a Integração no Mercosul, cujo objetivo principalcentra-se em informar e capacitar empresários para a im-portância da integração econômica. Os Estados de SantaCatarina e do Rio Grande do Sul têm favorecido a opçãopor maior inserção regional.

Uma hipótese sobre as dificuldades de uma maior mo-bilização do empresariado está na ausência de uma orga-nização que seja capaz de unificar o setor em seu conjun-to e pressionar os governos e a sociedade para atenderemàs suas demandas. “A predominância da lógica setorial ede interesses particulares enfraquece o movimento maisamplo. As concessões pontuais, que na maioria das vezestrazem grandes benefícios a um determinado grupo de em-presas, tomam o lugar de políticas gerais que possam be-neficiar o setor privado de maneira geral” (Degenszajn,2001). Algumas federações de empresários têm-se mobi-lizado mais, como é o caso dos Estados do Sul, e, em SãoPaulo, a Fiesp tem tentado certa coordenação, inserindouma instância específica em sua estrutura para o Mercosul.Nos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul,“a criação e o funcionamento de instâncias, quer de natu-reza governamental – como a existência de organismosdentro de secretaria estaduais –, quer de natureza empre-sarial – com a existência de organismos internos das enti-dades de classe – deixaram entrever com claridade a suaimportância e seu significado como um fator de estímuloe colaboração indispensável para que a atuação do em-presariado se realize” (Tomazoni, 2001).

Foi destacado, nas entrevistas, que a participação con-junta dos representantes de empresários e trabalhadores,no Foro Econômico e Social, tem sido produtiva e, nãoobstante as discordâncias óbvias, criou oportunidade deum aprendizado democrático.

Um dado interessante a ser salientado é a existência dochamado Grupo Brasil, criado em 1994, como um ator so-cial significativo. Reúne atualmente cerca de 200 empre-sas, responsáveis pela geração de 11 mil empregos, naArgentina. Aglutina também empresas argentinas com in-teresses no Brasil. A entidade promove eventos de caráterpolítico, econômico, social e cultural, os chamados “am-bientes de integração”, bem como missões comerciais emcidades do interior daquele país. Procura dirimir contro-vérsias e assessorar os empresários. Dedica-se, ainda, a co-locar em contato autoridades dos dois países, tendo reali-zado reuniões com os presidentes (Fernando Henrique,Menem, De la Rúa) para tratar de questões ligadas aoMercosul. Um fato relevante foi a articulação do Grupocom o BNDES, para concessão de linha de crédito finan-

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ciando empresas brasileiras com investimentos na Argen-tina, e argentinos que já possuem investimentos no Brasil.

Pelo lado dos trabalhadores, desde os primórdios daproposta integradora, definiu-se um “apoio crítico” aoMercosul, com intuito de firmar a integração regional comouma necessidade, mas questionar o tipo de integração pre-tendido, em razão de orientações da política econômicade corte neoliberal.

As grandes mudanças que vêm afetando os trabalha-dores, com a acumulação flexível, a reestruturação pro-dutiva, e suas seqüelas de precarização, desemprego es-trutural, rupturas sindicais, entre outras, que acontecemnos planos mundial e nacional, condicionam as análi-ses, que se possam fazer, por regiões. Dada a realidadeheterogênea deles na região, com situações diferencia-das nos diversos países, as oportunidades e riscos po-dem incidir, como vem acontecendo, a fim de maioresou menores custos, permanentes ou transitórios, pior oumelhor distribuídos.

Como é sabido, o reconhecimento formal da presençadesse segmento na estrutura do Bloco foi consagrado coma criação do Foro Consultivo Econômico e Social (FCES).Na esfera organizativa, as Centrais Sindicais dos países-membros, fortaleceram sua articulação por meio da Co-ordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS).Com base em sua atuação dela, tem havido uma presençaconstante nas reuniões importantes do Mercosul, procu-rando apresentar na agenda as demandas dos trabalhado-res e da sociedade civil em geral, com as dificuldades an-teriormente apontadas.

Na primeira etapa da pesquisa, a participação dos tra-balhadores brasileiros no Mercosul enfatizou a presençada Central Única dos Trabalhadores. Desde os primórdios(1991), esta Central demonstrou uma postura bastante crí-tica com os rumos assumidos, sobretudo pelo desconhe-cimento nas orientações e ações da questão social, e seucompromisso era o de uma integração regional que apro-fundasse os processos democráticos na região, favorecendoa justiça social e o crescimento econômico. Em sua pers-pectiva, o critério dominante na gestação do Bloco foi oda competitividade, que suplantou o de desenvolvimento,e a realidade maior é a da hegemonia do capital financei-ro internacional, que enfatiza o aprofundamento dos pro-cessos de liberalização comercial. A integração, na ópticagovernamental, respondia aos interesses dos credores ex-ternos e às políticas de ajuste estrutural, mesmo com re-cessão interna, e o foco era o crescimento do comércioexterior.

Com os avanços pretendidos de constituição da Alca,tanto a CCSCS como a CUT posicionaram-se contrárias aela por entenderem que a integração ficaria dependentedos interesses do Bloco do norte do continente, sob a su-premacia dos Estados Unidos. O que implicaria mais per-das para os trabalhadores.

A posição da Central, em geral, é de privilegiar a uni-dade da CCSCS como instrumento útil de dinamização dossetores trabalhistas do Mercosul, em que pese reconheceros seus limites. Com a crise setorial, nos ramos têxtil ecalçadista, em 1999, por ocasião da I Cúpula Sindical doMercosul, na qual a CUT teve grande participação, asCentrais acordaram relançar o Bloco social e culturalmen-te. “Os desafios para a CUT são permanentementeredefinidos e novos problemas aparecem. Um deles é comodinamizar a CCSCS. Em 1999 as duas mobilizações con-juntas das centrais sindicais – o Primeiro de Maio cele-brado no Uruguai e a I Cúpula Sindical – apontam o sur-gimento de um cenário viável para sua recomposição comoforça impulsora da dimensão social no Mercosul” (Trotta,2001).

A presença mais efetiva nas estruturas do Bloco faz-secom a participação no espaço do Foro Econômico e So-cial, lugar em que, não obstante as diferenças explícitasde interesses dos membros constituintes, conseguem-se ar-ticular algumas negociações ainda que precárias.

Entretanto, as dificuldades são gigantescas. Na afirma-ção de Chaloult (apud Castro Vieira, 2001:220): “O de-safio dos trabalhadores consiste em pensar a atuar comouma classe trabalhadora regional e progressivamente con-tinental, em construir uma estratégia comum e em estabe-lecer novos parâmetros de relações com os empresários,os quais são, cada vez mais, integrados e subordinados adecisões supranacionais”.

Na opinião de outra pesquisadora – que também tevecomo referência central o Mercosul –, houve várias razõespara que o movimento sindical não atingisse seus objeti-vos: “(...) amplitude de suas propostas, desvinculação desuas demandas da agenda negociadora dos governos, con-centração dos trabalhos em temas técnicos e a fragilidadepolítica do movimento sindical naquele momento. Porém,o principal motivo do movimento sindical não ter conse-guido atingir seus objetivos mais ambiciosos no Mercosulfoi por não dispor de qualquer instrumento de barganha emrelação aos governos do bloco regional e em virtude da pres-são sindical estar diretamente relacionada à sua capacida-de mobilizadora. (...) Outro fator que prejudicou a atuaçãosindical no Mercosul foi a disparidade entre os interesses

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das centrais, que tiveram dificuldade para formular objeti-vos comuns, porque às vezes o benefício de uma delas sig-nificava fortes perdas para as demais. Um fato interessanteé que as discussões técnicas acirraram estas disputas ao evi-denciarem as diferenças entre os países e ao expor as des-vantagens de cada uma em relação a determinados temas”(Pasquariello Mariano, 2001:269).

Fora do âmbito desses segmentos sociais, surgem ou-tras forças organizadas que têm por escopo alimentar apretendida integração regional e participar ativamente doprocesso. Na esfera universitária, universidades individual-mente e grupos de universidades formaram-se, atuando emespaços delimitados (como por exemplo, Arcam, Mercosulnas Universidades) e agindo por diversos meios para criaruma consciência e interferir de algum modo no processo,que vão de dissertações e teses, eventos acadêmicos, pu-blicações, até parcerias institucionais entre instituiçõesdos países-membros para intercâmbio de docentes e deestudantes e para a realização de atividades conjuntas. Játradicionais, é de se registrar a presença de professores epesquisadores com expressiva contribuição à reflexão la-tino-americana, que se reúnem sob os auspícios da Facul-dade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e doConselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso)com irradiação em distintos países do continente e emparticular no Cone Sul.

Associações profissionais inserem-se nesse conjunto,defendendo a presença ativa da sociedade civil e a colo-cação na agenda do Mercosul da questão social, além deinstrumentos de regulamentação profissional: “A criação,defesa e consolidação da regulamentação legal da profis-são, de códigos de ética e de formação profissional combases comuns na região, a partir de princípios decididosem forma coletiva, autônoma e democrática, que garan-tam o livre exercício da profissão, com direitos e obriga-ções assegurados de acordo aos marcos jurídicos e em si-tuação de reciprocidade legal” (Princípios éticos y políticospara las organizaciones profesionales de Trabajo Socialdel Mercosur, 1999).

Tem havido, ademais, um esforço crescente de aglutinare dar consistência a fóruns e redes que envolvem organi-zações não governamentais, movimentos sociais, terceirosetor, etc., dotados de maior ou menor alcance e eficácia.

No campo cultural, o intercâmbio de artistas, cineas-tas, romancistas, músicos, teatrólogos e de outras catego-rias, pessoal especializado na mídia, grupos étnicos indi-cam facetas emergentes de uma eventual sociedade civilregional, do Bloco e mesmo mais ampla.

Por fim, uma alusão ao intercâmbio de militantes departidos políticos, de espectro que recobre todas as ten-dências político-ideológicas, e que elaboram estratégias,documentos, ações integradas, no sustento de seus objeti-vos programáticos.

Toda essa constelação de atores, processos, atividadessinaliza a busca embrionária de instituição de uma socie-dade civil, débil, limitada, pouco organizada, quedescortina um horizonte de esperança, já que ancorada emfatos concretos tangíveis.

NOTA DE CONJUNTURA

Este artigo já estava escrito e entregue aos editoresquando, como conseqüência dos acontecimentos perpe-trados pelos ataques terroristas a alvos nos Estados Uni-dos, se prevê uma profunda inflexão nas relações interna-cionais. Os cenários anunciados e prescritos, presentes efuturos, são ainda dotados de ampla imprevisibilidade(guerra mundial ou guerras de “baixa intensidade”, des-truição de nações, perda de direitos civis em nome da se-gurança, xenofobia, discriminações de toda a espécie, etc.).Alguns indicadores seguem exatamente esses prognósti-cos e há manifestações concretas que os atestam (mobili-zações insufladas de populações propondo guerras san-tas, combates do bem contra o mal, ações psicossociaisque visam identificar posturas políticas com determina-das religiões, criação de inimigos latentes e potenciais noOcidente e no Oriente, acirramento de racismos étnicos, eassim por diante). Contudo, sua concretização e consoli-dação vão depender de uma constelação de variáveis deextrema complexidade, e a prudência exige contenção nafeitura de prognósticos seguros.

Para os objetivos aqui delineados, breves comentáriosincidem de forma direta sobre a temática aqui exposta.Por um lado, constata-se enorme consenso entre analistasde diferentes concepções, visto que a data encerra um ci-clo e inicia um outro ciclo, no qual estaria esboçando-seuma “nova ordem mundial”. Creio que é temerário aceitá-la como vem sendo anunciada e referendar alguns doscaminhos como fatos consumados, e é preciso aguardarum tempo antes de se posicionar com o desejáveldescortínio. Basta atentar para as provas inferidas das afir-mações categóricas de alguns arautos em um passado re-cente, logo após a queda do socialismo real, pregando o“fim da história” e o estabelecimento do “pensamentoúnico”, que os próprios fatos encarregaram-se de contra-riar. Por outro lado, indo na contramão dessa perspecti-

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va, incensada pela maioria da mídia internacional, pes-soas, grupos, instituições e setores populacionais mobili-zam-se para opor-se à esta (des) ordem mundial em cur-so, denunciar certo “terrorismo ideológico” que se pretendeimpor às nações, congregar-se efetivamente pela paz, eavançar na linha de que “um outro mundo é possível”.

Em função dos temas específicos analisados neste arti-go, pode-se aventar umas poucas hipóteses, como pers-pectivas futuras, assim resumidas:- Contrariamente às teses neoliberais de desregulação doEstado e de direção hegemônica do Mercado, que se an-coram de modo exemplar nos Estados Unidos, as medi-das até agora propostas pelo governo Bush com o intuitode criar mecanismos de maior segurança e de impulsionara economia do país, oferecendo para isso importâncias as-tronômicas de investimento estatal a partir do Executivo,com o apoio quase unânime do Congresso, fazem ressur-gir com vigor idéias keinesianas que levam a reconside-rar novamente o papel do Estado.- A necessidade de apoio logístico, para combate ao ter-rorismo no plano mundial, tem levado os Estados Unidosem sua estratégia atual contra o Afeganistão (e a eventua-lidade já proclamada nos discursos das autoridades de iralém e atacar outros países hospedeiros de terroristas), poruma parte, a ignorar a ONU e tomar iniciativas indepen-dentes, alegando seu “direito de defesa” e, por outra par-te, a propor alianças e conseguir apoios para essa causaem todos os continentes, ampliando com certo ineditismo,e mesmo riscos futuros, seu raio de ação para Estados-Nação com quem suas relações internacionais são de con-flito, de afastamento, de subordinação e de competição.O que pode afetar o equilíbrio de forças nacionais e re-gionais.- Com relação à América Latina, sempre ressaltando queé muito cedo para chegar a posições conclusivas, tantopode haver uma aceleração do movimento em direção àconstituição da Alca e a uma maior presença norte-ameri-cana na região (até mesmo pela vertente da segurança re-gional e do combate ao narcotráfico), quanto pode havermaiores restrições à alocação de recursos em países emcrise (Argentina e Brasil, por exemplo) em função dadesaceleração da economia mundial, como também certo“abandono” da mesma Alca.- Divergências que afloram na condução das políticasmacroeconômicas por parte dos governos argentino e bra-sileiro, bem como qual deva ser a modalidade de inserçãodesses países na presente conjuntura internacional, dificul-

tam sobremaneira a consolidação do Bloco. As presentesdificuldades existentes na Argentina e a aposta no Mercosul(pelo menos no discurso governamental) trouxeram mu-danças de peso nas relações entre os dois países, configu-rando certo retrocesso na história do Bloco, ao se adota-rem salvaguardas nas regras que o regem (uma medidapara defender a produção Argentina da excessiva desvalo-rização do real, e que vinha sendo solicitada desde 1999).Procura-se manter a TEC, porque a União Européia só ne-gocia uma zona de livre-comércio com o Mercosul se elafor mantida, e não ferir as regras da OMC. As primeirasreações, de empresários brasileiros que participaram doFórum de Líderes do Mercosul, em São Paulo (Folha deS.Paulo, B4, 10/10/2001), foram de descontentamento, pelafalta de clareza das posições governamentais, pela possi-bilidade de se manter o protecionismo para certos setorese por não estarem claros os setores que serão atingidos pelassalvaguardas, o que, em sua opinião, afetará o livre co-mércio e prejudicará a indústria brasileira.

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POLÍTICA EXTERIOR ARGENTINA:DE MENEM A DE LA RÚA

¿Hay una nueva política?

espués de una política exterior signada por elaislamiento, la ruptura y las contradicciones, quecaracterizó el período del gobierno militar (1976-

mente “desarrollista”.2 Esta interpretación sería abando-nada bajo la nueva visión del mundo que traía consigo lacomunidad epistémica3 del menemismo(Bernal-Meza,2000).

Como ocurrió con otros países de América Latina,la Argentina abandonó el paradigma de relaciones interna-cionales del Estado-desarrollista, adoptando el paradigmaneoliberal, cuyas reformas implícitas fueron rápidas yradicales (Bernal-Meza, 2000; Cervo, 2000).

El eje de la “nueva agenda” de la política exterior argen-tina de los noventa lo constituyó entonces la adopciónintegral de los “valores hegemónicos universalmenteaceptados”,4 porque de ellos resultaba el prestigio, lacredibilidad y la confiabilidad externas. Estos valores,impuestos por el orden imperial configurado por la post-guerra fría, significaban una confluencia de democracia(formal) y libre mercado, bajo una extraordinaria hegemoníaideológica del neoliberalismo, que se reflejaría en múltiplessegmentos del sistema internacional. Así, el “Consenso deWashington” (1989), la “Iniciativa para las Américas” (1990)–de la que derivaría el proyecto ALCA– y la constituciónde la OMC, junto a las nuevas disciplinas, que establecieronlas normativas a las cuales debían ajustarse las políticas

1983), el siguiente gobierno, constitucional y democrático,presidido por Raúl Alfonsín, introdujo tres cambios impor-tantes respecto de los criterios ordenadores de la políticaexterior del régimen militar: el desplazamiento del modeloEste-Oeste y la resignificación de la “occidentalidad de Ar-gentina”(diferenciar entre los intereses del bloque y losintereses de Argentina1); reformulación de la participaciónen No Alineados, cuestión que partía de la percepción delgobierno sobre la existencia de una confrontación de carácter“realista” entre dos grandes poderes y no de una “guerrasanta”, en la cual se involucraba todo occidente, lo que dabaespacio a la continuidad de la permanencia del país en dichoforo; revalorización del eje Norte-Sur (Russell,1989), siendoeste último segmento considerado el espacio natural yapropiado para la búsqueda de convergencias entre deter-minados intereses políticos y económicos del país y los deotras naciones del Tercer Mundo, aún cuando estas relacio-nes fueran pasadas por el tamiz de las “alianzas selectivas”.

El marco determinante de la política exterior y su relacióncon la política interna fue una concepción predominante-

Resumen: El presente estudio hace un análisis de las políticas exteriores seguidas por los gobiernos ar-gentinos en los últimos veinte años, con especial atención al período 1989-2001. Comparativamente,se analizan las políticas externas de Menem y De la Rúa, identificando en ellas las respectivas macrovisiones,su formulación y praxis, haciendo referencia en particular a los contextos hemisférico, subregional ybilateral (Brasil).Palabras clave: política exterior argentina; Menem; De la Rúa.

Abstract: This article examines the last twenty years of Argentine foreign policy, with special emphasison the period 1989-2001. The policies of Menen and De la Rúa are compared with regard to the formulationand implementation of their respective macro-visions, with particular focus on hemispheric and bilate-ral (Argentina-Brazil) relations.Key words: Argentine foreign policy; Menem; De la Rúa.

RAÚL BERNAL-MEZA

SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(1): 74-93, 2002

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públicas, incluyendo el comercio internacional y lasregulaciones financieras, pasaron a constituir los marcossegún los cuales los gobiernos que los hicieron suyos,reformularon sus orientaciones y praxis de política exterior.

En este contexto, “el país (en realidad debería decir elgobierno) modifica su concepción del mundo, realiza unprofundo viraje en su orientación internacional y defineuna nueva política exterior” (De la Balze;1997:107). Estollevaba implícita una adhesión a la alianza occidental y susprincipios de democracia y libre mercado; en términos deseguridad, adopción de los nuevos marcos de seguridadcooperativa, que implicaba, naturalmente, la renuncia a laconstrucción de misiles, y, en general al armamento quími-co, atómico y bacteriológico. Se reformularon así lasconcepciones y las políticas gubernamentales dominan-tes en el pasado: se abandonaron, definitivamente, lasestrategias de sustitución de importaciones, que ya veníanen crisis desde mediados de los setenta;5 se reformuló elpapel del Estado, de las relaciones económicas y comer-ciales internacionales del país; se adoptó la interpretaciónsegún la cual los problemas argentinos eran de naturalezapuramente económica. Por lo tanto, en términos de la polí-tica interna, se supuso agotado el modelo económicodesarrollista/estatista y, en términos del contexto externopara la política exterior, la globalización había disminuidolas opciones y alternativas posibles y que fueran distintasa las emanadas de la visión ideológica y fundamentalistade ésta.6

La adopción de esta nueva alternativa implicaba –en tér-minos de política exterior– tres posiciones básicas:-una alianza con las potencias vencedoras de la guerra fríay un alineamiento con el hegemón, lo que conducía, natu-ralmente, al retiro del movimiento de los No Alineados;

- aceptación de las nuevas reglas de juego de la economíay la política mundiales en la construcción del “nuevoorden”, que sería el determinado por las grandes potenciascapitalistas. Este cambio implicaba adscripción a la agen-da de “valores hegemónicos universalmente aceptados”,especialmente en lo que se refería a las políticas deseguridad y los alineamientos en los distintos regímenesinternacionales;-profundización de los vínculos transnacionales de Argen-tina, ante la evidencia de encontrarnos frente a un mundo“global”, lo que implicaba adhesión a las estrategiasmundiales del capitalismo transnacional (Bernal-Meza,2000). La Argentina, viéndose a sí misma como un país

pequeño en el escenario internacional (según la visión dela comunidad epistémica), dió prioridad a la inserción enel mercado internacional de capitales, a partir de la eviden-cia de que esos flujos eran determinantes de su cicloeconómico (Baumann, 2001:61), adoptando entonces polí-ticas adecuadas a esa estrategia de inserción externa. Elplan de “Convertibilidad” sería un elemento clave de esta,que, como se verá, De la Rúa mantendría bajo su gestión.

FORMULACIÓN Y PRAXIS DE LA POLÍTICAEXTERIOR ARGENTINA: 1989-1999

La Agenda Internacional de los 90s.: Cómo Ésta seEstableció, para Identificar los Temas de la Misma

Una particular, realista (en términos del reconocimientoa las jerarquías de poder mundial), pero a la vez sesgada yparcial interpretación del proceso de cambios interna-cionales y de las dificultades internas para lograr eldesarrollo, constituyeron elementos clave, los que fueronutilizados para dar cuenta del cambio de política. SegúnRussell, los principales argumentos que permitieron algobierno del presidente Menem justificar el cambio de lapolítica exterior, fueron los siguientes:- que el orden mundial emergente se caracterizaba por lainterdependencia y la cooperación entre los países y porel triunfo categórico, aunque no universal, de una filosofía(democracia liberal);- que en este orden existían condiciones para que la paz sesustentara más en la seguridad cooperativa que en elequilibrio de poder;- que la globalización de la economía había hecho definiti-vamente obsoleto el modelo de crecimiento basado en lasustitución de importaciones;- que este modelo, junto al aislamiento al que dio lugar, acarreóla decadencia relativa del país y, por ende, la pérdida degravitación de Argentina en el orden internacional;- que la relación preferente con Gran Bretaña fue una delas claves de la inserción exitosa de Argentina en el mun-do a fines del siglo XIX y principios del XX; y- que, en consecuencia, el país necesitaba encontrar ydesarrollar, en forma pragmática, nuevas relacionespreferentes para asegurarse una nueva reinserción exito-sa en el siglo XXI (Russell, 1993).

Variables Internas y Externas de la Formulación de “laNueva Política Exterior Argentina” – En términos de

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“variables”, de las externas fueron representativas: elcarácter e ideología de la nueva alianza gobernante; suvisión del mundo y el papel relevante de los actores y lacomunidad epistémica que formulaban la política exterior;la posición respecto de las estrategias posibles dedesarrollo; la cultura política dominante (nacionalismo ter-ritorial, vocación hegemónica o de liderazgo subregionaly regional y los marcos institucionales: centralismo, presi-dencialismo y personalismo).7 De las variables externas: lanueva configuración del orden mundial y la agenda políti-ca internacional, con la predominancia de los temaseconómicos, que excluían todas la variables exógenas deldesarrollo (dependencia científico-tecnológica y apartheidtecnológico; hegemonía ideológico-cultural y su visiónsesgada sobre la naturaleza del desarrollo y el progreso).

La Percepción del Escenario Mundial al Comenzar elGobierno – Según los hacedores de la “nueva política ex-terior argentina”, era absolutamente necesario para que laArgentina iniciara un proceso sostenido de desarrolloproducir cambios drásticos y sustanciales en la políticaexterior. Sin embargo, al interior de la comunidad epistémica,existieron dos interpretaciones acerca de la lógica quedeterminaba el nuevo curso de acción para la política exte-rior. Mientras que para Menem, Cavallo, Di Tella, Cisnerosy los pensadores De la Balze, Fontana, Bolívar, J. Castro yotros, la necesidad de implementar la “nueva política” eraconsecuencia, fundamentalmente de los cambios ocurridosen el sistema mundial (fin de la guerra fría; Estados Unidoscomo única superpotencia mundial capaz de ejercer influ-encia y “jugar” en todos los escenarios: político-diplomá-tico, militar-estratégico, tecnológico y financiero), paraCarlos Escudé la necesidad del cambio de política, aban-donando el aislamiento y el confrontacionismo con Esta-dos Unidos era a-temporal, en el sentido que la adopciónde tal modelo de política exterior era independiente de lascondiciones derivadas del fin de la guerra fría;8 aún cuandotambién De la Balze señala que la política de reincorporaciónal Primer Mundo es anterior – temporalmente – al fin de laguerra fría, teniendo origen en los cambios económicos,sociales y políticos internos que ocurrieron en Argentina apartir de fines de 1983. Una diferencia se advertía, sin em-bargo, en el hecho que, con la excepción de Escudé – paraquien una buena política exterior no necesariamenteconduce al desarrollo – la mayoría de pensadores yformuladores consideraban que ésta, de por sí, asegurababeneficios inmediatos. No obstante, el formulador del rea-lismo periférico señalaba claramente que una “buena polí-

tica exterior” (es decir, la que en su formulación él conside-ra como tal), eliminaba los obstáculos que se presentabana los objetivos de la política externa.

A su vez, otra diferencia, al interior de la comunidad seencontraba también entre las argumentaciones de Di Tellay de las de Escudé. Mientras este último insistía en lairrelevancia de las condiciones sistémicas, para el cancillerhabía que cambiar porque el mundo estaba cambiando.

La formulación de Carlos Escudé, que éste denominócomo realismo periférico (1989; 1992; 1995), se transformóen el paradigma de la “nueva” política exterior argentina.La misma dominaría la formulación y praxis de la políticaexterior durante toda la década de los noventa, proyec-tándose su influencia en el gobierno siguiente.

La Evolución de la Agenda y la Definición de Objetivos

Identificación de los Temas que la Integraban – La funda-mentación del núcleo duro de la agenda política loconstituyó entonces la “reinserción de Argentina en elmundo desarrollado”. Esta visión, que se sostenía sobreel revisionismo histórico, suponía que el país, por propiavoluntad y como consecuencia de la aplicación decincuenta años de políticas externas equivocadas y con-frontacionistas con la potencia hemisférica, había abando-nado el eje binario del desarrollo, al que el (supuestamente)exitoso modelo agroexportador de subordinación a lahegemonía británica la condujera durante su vigencia (1880-1930). El objetivo entonces de la “nueva política” era vol-ver a la Argentina al segmento del que nunca debió habersalido: es decir, el desarrollo.

Para esto, se implementó una estrategia que permitieralas más amplias coincidencias con la agenda externanorteamericana y los “valores hegemónicos universalmenteaceptados”:

Hubo así coincidencia con los temas dominantes de lapolítica y la agenda internacional de Estados Unidos: de-mocracia y libre mercado; seguridad cooperativa y “nuevostemas” (narcotráfico, medio ambiente, etc.).

Los Temas de la Agenda y su Jerarquización – De acuerdocon el razonamiento que justificaba el cambio, se puso enmarcha una política exterior ordenada alrededor de cuatroejes, todos ellos estrechamente relacionados. El primerode ellos era el abandono de las posiciones de confronta-ción política con los países desarrollados, el segundo,estrechamente ligado al anterior, fue que el bajo perfil po-lítico en las cuestiones que ocasionaban confrontaciones

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o fricciones con los países desarrollados no implicaba ce-der espacios en aspectos que se referían al desarrolloeconómico del país; el tercero, planteado como unacuestión de objetivos y estilo señalaba que Argentina nopodía ni debía pretender un alto perfil, ni mucho menos unaposición de protagonismo internacional;9 por último, elapoyo al funcionamiento efectivo del sistema establecidoen la carta de la ONU para garantizar la paz y la seguridadinternacionales.

Los Objetivos – Di Tella, refiriéndose al gobierno del pre-sidente Carlos Menem, señaló que “en el inicio de sugestión, la presente administración se propuso un cambiodrástico como prioridad de nuestras relaciones exteriores.Se trataba, sintéticamente, de terminar con una tradiciónde aislamiento internacional y con conductas largamenteerráticas y perjudiciales para los intereses argentinos (...).Lo que se ha hecho desde 1989 hasta ahora fue devolverel país a su posicionamiento normal, a las alianzas que lecorresponden tanto por su historia como por vocación einterés. Esto significa cooperación con los países de laregión y firme ubicación en Occidente, compartiendo losvalores democráticos, el respeto a los derechos humanos,la economía de mercado y el comercio libre y abierto. (...);la credibilidad, la confianza y la transparencia fueron lasnotas decisivas de esta política de cara al mundo...” (DiTella;1998:13-17). El eje central de la política exterior argen-tina pasaba por la nueva relación con Estados Unidos(Cisneros;1998:114-15).

El objetivo central o estratégico de la “nueva políticaexterior”, según sus policy makers (Menem, Cavallo, DiTella) y su comunidad epistémica era “favorecer lareinserción de la Argentina en el Primer Mundo” (Escudé,1989;1992;1995; Cisneros,1998; De la Balze, 1998; Cas-tro,1998; Bolívar,1998). Dentro de ese núcleo, el objetivomás evidente fue construir una relación especial, una alianzade largo plazo con Estados Unidos. A éste le siguieron larecomposición de las relaciones con Europa10, a través dela profundización de las relaciones económicas y comer-ciales, así como con Japón; por último, la construcción deuna alianza económica con Brasil (que, en realidad, se habíainiciado en el tiempo de los acuerdos Alfonsín-Sarney).Seguidamente, ubicar al país en los nuevos escenarios deexpansión y dinamismo del capitalismo mundial: la regiónAsia-Pacífico. Sin embargo, muchos de los objetivospasaban por una “cuestión de imagen”: en la medida quehabía un reconocimiento a la Argentina se consideraba quehabía progresos en el proceso. Así, uno de los objetivos

también fue obtener el ingreso del país a la OCDE y laincorporación como miembro pleno a la Asociación deCooperación Económica de Asia-Pacífico (APECC), objeti-vos que no fueron alcanzados.

Así, de la descripción de objetivos se desprende queexistió:- Una argumentación coincidente con la de autores de lacomunidad epistémica: la tradición de un supuesto“aislamiento internacional”; el retorno a alianzas que lecorresponden por historia y vocación y la apelación a lacredibilidad externa.- La adopción de la “agenda de valores hegemenónicosuniversalmente aceptados”.

Estilo – Como argumentó en su momento el canciller Cavallo,la política exterior no podía seguir siendo interpretada enforma aislada, de modo que se trató de integrarla formandoparte del programa de gobierno del presidente Menem, quese propuso introducir profundas transformaciones en pro-cura de un aumento del bienestar del pueblo. De acuerdo aesa lectura, la situación, entonces, “tenía toda las caracte-rísticas de un verdadero reto generacional: debimosadoptar una actitud comprometida y eficaz, alejada de latentación metafísica del principismo estéril, procurando unarespuesta capaz de sustraernos de la periferia del panora-ma mundial (...). Decidimos movernos con un sentido prag-mático de la realidad, prefiriendo explotar las posibilidadesconcretas en desmedro de las especulaciones doctrinariasa las que habían sido propensas, desafortunadamente,algunos de nuestros predecesores (...). Entendimos quenuestra diplomacia debía ser activa y dinámica porquepartiendo de la realidad y operando sobre ella, nuestro paíspodía llevar a cabo la mejor defensa de sus intereses yubicarse adecuadamente en el concierto internacional”(Cavallo,1996:357-78).

En relación al estilo de conducción, hubo un elementode continuidad desde 1984, la “diplomacia presidencial”.Sin embargo, durante la gestión del presidente Menem hubouna excesiva concentración de la conducción de losasuntos externos al nivel presidencial. Las exageraciones,la sobreactuación, la permanente aspiración al protagonis-mo, rompieron con el perfil más sobrio y reposado que leconfirió al estilo la conducción de Alfonsín. Asimismo, ala relación más cautelosa del primer canciller (Cavallo),respecto de la diplomacia de carrera, le siguió el estilo deDi Tella, mucho más prescindente de las opiniones de laburocracia diplomática (Busso y Bologna, 1994).

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Constantes, Coincidencias y Rupturas en la PolíticaExterior Argentina de Alfonsín a Menem

El cambio más drástico de la política exterior se diorespecto de Estados Unidos y del Brasil. Respecto delprimero, se abandonó la búsqueda de autonomía y se buscópermanentemente la alianza y el alineamiento. El objetivofue construir una “relación especial con Estados Unidos”.Respecto del segundo, se redujo la importancia en larelación bilateral en el ámbito de la integración, aún cuandose buscaron mayores coincidencias en los temas vincula-dos a la seguridad y el fortalecimiento de la confianza mutua.Sin embargo, estos objetivos se sustentaban en la herenciade búsqueda de cada vez mayores entendimientos políti-cos con Brasil, heredados del gobierno de Raúl Alfonsín.

Según Jorge Bolívar, “la nueva política exterior argenti-na ofrece una fuerte identidad continental americana, queva desde la alianza estratégica con los EE.UU. a laintegración de un mercado común (el Mercosur) con suspaíses vecinos: Brasil, Uruguay, Paraguay, con el agrega-do de Chile y Bolivia (...). Además, nuestra Nación seexpresa plenamente en las figuras dominantes del nuevoorden planetario: la democracia y la economía libre. Semuestra integracionista y comprometida con la defensa delnuevo ordenamiento mundial en el ámbito de NacionesUnidas, contrastando con su anterior perfil dominado porun aislacionismo internacional de hecho”(Bolívar,1998),que encuentra sus “antecedentes conceptuales en unainterpretación correcta de las tendencias profundas quecaracterizan el escenario mundial contemporáneo” y cuyospilares son la “reinserción en la economía mundial”, “unaalianza con Estados Unidos”, “la integración económica,de cooperación política y de alianza estratégica con Bra-sil”, una política de seguridad y defensa orientada a crearuna Zona de Paz en el Cono Sur de América” y en una“política de prestigio” fundada en la reafirmación de ciertosprincipios universales y en el desarrollo de un sostenidoesfuerzo de cooperación y solidaridad con el resto de lospaíses de América Latina (De la Balze;1998).Síntesis de Agenda argentina 1989-1999:- Proyección externa de la “reformulación de la estrategianacional de desarrollo”.- “Reinserción” en el Primer Mundo.- Adopción de la “agenda de valores hegemónicos uni-versalmente aceptados” (o Agenda de las potencias indus-trializadas de occidente).- Crear para Argentina una “zona de paz” en el cono sur.

Síntesis Objetivos de la política exterior argentina 1989-1999:- Cambiar las relaciones estructurales e históricas conEstados Unidos (confrontacionismo, aislamiento). Buscaruna alianza y relación especial, adoptando un conjunto depolíticas que son vistas como convenientes para ese ob-jetivo, en particular las vinculadas a la seguridad y ladefensa.- Afirmación de la democracia, de la libertad y de losderechos humanos.- Obtener mejores condiciones para el desarrollo, desdela perspectiva dominante del neoliberalismo.- Ingresar a la OTAN y a la Organización de Cooperacióny el Desarrollo Económico (OCDE).- Impulsar la integración bilateral con Brasil y Chile.- Profundizar los vínculos con la Unión Europea y Japón.- Participar activamente en la ONU y especialmente en susoperaciones de paz.Síntesis del Carácter de la Política Exterior 1989-1999– Al amparo del Ejecutivo (Menem, Di Tella), surge unacomunidad epistémica que cambia la política exterior tan-to en su agenda como en sus objetivos y le impone un estiloactivo y dinámico en la formulación de propuestas e inici-ativas, marcadas, esencialmente por sus contenidos de “altapolítica”, con una fuerte y permanente concentración enlos temas de la seguridad, el intervencionismo y las medi-das vinculadas al logro de un nuevo y distinto perfil derelacionamiento con Estados Unidos, basado en el realis-mo de la subordinación al poder y en el pragmatismo delalineamiento a sus políticas y agenda internacional. El altoperfil de la política exterior se caracteriza por una fuertediplomacia presidencial y un activismo protagónico.

En síntesis, tomando el concepto de cambio, segúnRussell, como “el abandono o reemplazo de uno o más de loscriterios ordenadores de política exterior” (Russell, 1989),desde mi perspectiva, en la Argentina, durante el período delas dos presidencias de Carlos Menem, hubo dos tipos de“cambios”, en relación al pasado reciente (el gobierno deAlfonsín): los de naturaleza básica (o lo que Russell denomi-na como “criterios orientadores”); los cambios que sonconsecuencia de la adopción de nuevos criterios ordenadoresen la política exterior, considerando éstos como“instrumentales” para la implementación de los primeros.

De esta forma, los cambios de la primera tipología fueron:- en las relaciones con Estados Unidos: es decir, el cambiode alianzas esenciales desde una visión de compromisos

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y coincidencias, también pertenencia, con el mundo endesarrollo o Tercer Mundo (Grupo de los 77, No Alineados,etc.) hacia una alianza estratégica con Estados Unidos y elgrupo de potencias capitalistas de occidente, vencedorasde la guerra fría, que conforman un grupo, al cual la Ar-gentina (en la suposición de la comunidad epistémica)pertenece por naturaleza y que abandonó por propiavoluntad. Es lo que De la Balze denomina como “políticade reincorporación al primer mundo” y el desarrollo de unaalianza especial con la mayor potencia mundial.

Sin embargo, en esto no hubo nada nuevo, respecto dela visión que bajo el régimen de “Reorganización Nacio-nal” (1976-1983) ya tuvieron los militares, acerca de lapertenencia de la Argentina, aunque sí cambió el estilo yel contenido más radicalizado ahora de la política públicaque debía acompañar este cambio (adopción del modeloneoliberal; liberalización de los mercados, privatizaciones,ajuste, etc.).- en las negociaciones por Malvinas, formulando unanueva línea de acción frente a Gran Bretaña, aceptando conrealismo el hecho que la posesión efectiva de las islas estáen manos británicas y que esa situación difícilmente vayaa cambiar, frente a lo cual surge un camino de acción quese mueve entre los extremos de entregar o vender las islasa los kelpers (Escudé) u olvidarse definitivamente delasunto hasta que las cosas, en términos de poder relativo,cambien para la Argentina, pasando por la “asociación”(Di Tella).11 Los cambios de la política se concentraron enlos siguientes aspectos: a) restablecimeinto de relacionesconsulares y luego diplomáticas con Gran Bretaña, b)aplicación del “paraguas de soberanaía”;12 se declaró elcese formal de hostilidades y se dejó de lado la presentacióndel tema Malvinas en la Asamblea General de la ONU; c)se inició una serie de acuerdos de cooperación (firma deacuerdos pesqueros y petroleros; autorización para el vi-aje de familiares de combatientes argentinos muertos avisitar el cementerio en las islas; restablecimiento de losviajes aéreos desde el continente, tocando territorio argen-tino; realización de diálogos radiales a través de la BBC,entre el canciller Di Tella y los kelpers, como parte de la“nueva política” de seducción, etc.).

Los cambios de la segunda tipología fueron:- el giro en la política nuclear y la firma de los acuerdos deno proliferación.- el abandono de la política misilística y el ingreso al MTCR.- el retiro del Movimiento de No Alineados, en la medidaque la agenda de éste ya no permitía coincidencias con la

nueva política exterior argentina de alianza con occidentey adopción de la “agenda de valores hegemónicos univer-salmente aceptados”.- modificación de los votos en la ONU, para acercar lasposiciones a aquellas defendidas por Estados Unidos.- modificación de la posición respecto de Cuba en laComisión de Derechos Humanos de la ONU, con el fin deajustarla a las expectativas de Estados Unidos.- abandono de la posición de neutralidad en los conflictosinternacionales en los cuales el país no está involucradodirectamente (guerra contra Irak; aceptación implícita dela invasión norteamericana a Panamá y de las interven-ciones de la OTAN en Yugoslavia; eventuales inter-venciones en conflictos internos como en el caso deColombia), participando así activamente de las estrategiasmilitares y de seguridad de Estados Unidos.- reformulación de las políticas de seguridad, adhiriendoa la nueva visión norteamericana de “seguridad coope-rativa”.- búsqueda de una incorporación a la OTAN, en la medidaque ésta podía reflejar el nivel de resultados del cambio dela política respecto de Estados Unidos y podía confirmarel buen camino del objetivo de “reinsertar a Argentina enel mundo desarrollado”.

En tanto, las continuidades con el gobierno de Alfonsínestuvieron dadas por:- La profundización de la integración económica con Brasil.- La integración física de infraestructura, así como lacooperación económica, política y militar con Chile.- La pertenencia al Grupo de Río, aún cuando el involu-cramiento argentino sería significativamente menos inten-so en relación a la “agenda latinoamericana del foro”.13

- La aplicación del paradigma del realismo periférico, comouna lectura “realista” de la necesaria subordinación al poderhegemónico. Éste fue un permanente frente de profundasdiferencias con Brasil, en la medida que para este últimopaís, de acuerdo a sus objetivos de país intermédiario, labúsqueda de mayores recursos de autonomía (recurriendoal multilateralismo y al universalismo selectivo) pasaba,necesariamente, por buscar las formas de reducir el poderde los grandes o, al menos, de reducir las diferencias deatributos de poder entre éstos y el país.

En el caso de Argentina no puede hablarse de “parceríasestratégicas”, en la medida que la búsqueda de un alinea-miento estratégico con Estados Unidos anulaba las

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eventuales alianzas con otros, cuando las agendas de estosúltimos no fueran coincidentes con la norteamericana. Estosucedió en el relacionamiento con Brasil, donde, a pesar dela coincidencias en términos de las percepciones dominan-tes sobre el “orden mundial” y la “globalización”, las agen-das brasileñas y norteamericanas diferían en cuestionesesenciales, como la política de seguridad, el comercio, lasinterpretaciones sobre la ubicación geográfico-política delos problemas del medioambiente, etc.

Por último, hasta 1997 (Reunión de Belo Horizonte),Argentina sigue una política de double standing, respectode las relaciones económicas hemisféricas: entre optar porALCA o profundizar el Mercosur. En relación a Brasil, ésteno fue la prioridad de la política exterior.

DE LA RÚA, LA ALIANZA UCR-FREPASO YLA POLÍTICA EXTERIOR DEL 2000: CAMBIOS YCONTINUIDADES

Las Definiciones de la Política Externa

Si bien durante la campaña electoral no hubo abiertas omanifiestas declaraciones que hicieran presumir drásticoscambios en la política exterior, respecto de aquella segui-da por Menem, la ciudadanía votó en forma mayoritaria,evidentemente, por “cambios en general”.

Desde los primeros días de su gestión (diciembre de 1999),el nuevo gobierno buscó diferenciarse del anterior. Noobstante, como esos esfuerzos no se advirtieron en el pla-no de la política económica – ya que en el primer año y mediode gobierno De la Rúa aplicaría tres grandes ajustes, queafectaron exclusiva y directamente a los trabajadores,asalariados y clases medias- se hicieron abiertas decla-raciones respecto de una gestión diferenciada del ministeriode Relaciones Exteriores, a cargo de un economista con-servador, como era Adalberto Rodríguez Giavarini.

En el discurso del 21 de diciembre de 1999, en ocasiónde poner en funciones a sus colaboradores inmediatos, elcanciller expresaba que el nuevo camino elegido por losciudadanos (al haber optado por la Alianza), favorecía laampliación democracia. Hacer del ministerio de RelacionesExteriores un instrumento que colaborara en la generaciónde una nueva e imprescindible “previsibilidad y confia-bilidad” vis-à-vis el mundo desarrollado, implicaba cohe-rencia en las iniciativas y decisiones y la elaboración depolíticas de Estado sobre aquellos considerados como“intereses primordiales” del país: la integración política yeconómica sudamericana como un objetivo central; el

afianzamiento de la paz y la seguridad internacionales y lademocratización del sistema internacional.14

De estas primeras líneas de política se podían percibirdos elementos relevantes: la integración (Mercosur, Amé-rica del Sur) y la adscripción a una visión más bien ética ynormativa sobre el sistema internacional.

Algunos meses más tarde, el nuevo canciller señaló quela agenda de la política exterior argentina no se trazaría “sólopor los intereses, sino también por los valores compartidos”.La nueva política marcaría una diferencia, porque “mientrasintenta profundizar las relaciones políticamente indis-pensables, pretende no dejar fuera a ningún país del mun-do”.15 Implicaba un mensaje de adhesión a la política exte-rior norteamericana (la apelación a los valores compartidos),que no excluía a aquellos gobiernos latinoamericanos quelos compartían) y, a la vez, señalaba cuál sería la diferencia:Cuba.

Bajo la presión de la situación económica y financierainterna y, en buena medida por propia adscripción a loslineamientos de la nueva agenda de valores impulsadas porlas democracias desarrolladas, la Argentina acompañó elvoto norteamericano de castigo a la Isla en la Comisión deDerechos Humanos de la ONU en el año 2000.

Según la prensa, este tema provocó el primer debate denaturaleza ideológica en el seno del gabinete nacional (Car-doso, 2000). Esta discusión profundizaba los desen-cuentros sobre la política en general, mientras los críticos,internos y externos, señalaban que el nuevo gobierno nohabía abandonado el alineamiento automático ni las re-laciones carnales,16 ni tampoco había aplicado el cambiode estrategia: fortalecer al Mercosur para negociar, desdeuna mayor calidad y capacidad, con Estados Unidos porALCA. El nuevo gobierno reiteró su posición frente a Cuba,por segunda vez consecutiva, en 2001. La Argentina votabala moción de condena junto a Estados Unidos, la UniónEuropea y Uruguay, mientras que Brasil nuevamente seabstenía17 (Bernal-Meza, 2001).

Respecto a la comunidad internacional, el nuevogobierno argentino considera a las Naciones Unidas comoel ámbito más adecuado para las negociaciones internacio-nales y la obtención de consensos multilaterales. Ha de-clarado su aspiración a que se logre una mayor democra-tización del organismo, especialmente de su Consejo deSeguridad. El aumento del número de miembros permanen-tes, según la posición argentina, debe realizarse teniendoen cuenta la representación regional, sin alterar la igualdady las posibilidades de participación de los países decualquier región.

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En relación al tema “Malvinas”, el gobierno de De laRúa decidió modificar la línea de conducta seguida porel gobierno anterior. En ese sentido, impulsó lareanudación de las negociaciones sobre la disputa porla soberanía de las islas, de acuerdo a las resolucionesde las Naciones Unidas y abandonó la política de“seducción a los kelpers”, iniciada por la gestión de DiTella y que implicó considerar a éstos como parte delas gestiones diplomáticas por las negociaciones sobrela soberanía de las islas.18 El cambio más significativose relaciona con la reintroducción del tema en los deba-tes de la Asamblea General de la ONU, donde éste no setrataba desde 1989. La modificación obedece, en primerlugar, al convencimiento que la política de “seducción”y cooperación seguida por Di Tella no dio ningún resul-tado y, en segundo lugar, porque la ONU le brinda a laArgentina el único foro que puede servirle como instru-mento de presión frente a Gran Bretaña.

Las Relaciones con Estados Unidos y Alca

De la Rúa y su canciller impulsaron una línea de políticaque mantuviera el nivel de buen relacionamiento que lasrelaciones bilaterales argentino-norteamericanas tuvieronbajo la gestión del presidente Menem, pero reduciendo elperfil de exposición (“relaciones carnales”), interpretadas–interna y externamente– como de seguidismo o ali-neamiento. El canciller argentino definió lo que serían lasnuevas relaciones bilaterales como “intensas” .

La agenda política se ha caracterizado por una mayorimportancia asignada a los temas de baja política: economía,comercio y finanzas. En cuestiones de seguridad interna-cional, la Argentina aceptó la petición norteamericana demantener su misión de gendarmes en Haití.

El principal problema bilateral radica en el rechazonorteamericano a la Ley de Patentes Medicinales, promul-gada por la Argentina. Otro problema, planteado porEE.UU. y que podría afectar el status que tienen los argen-tinos de ingresar sin visa a ese país es el tema de las dograsy la situación de la llamada “triple frontera”.19 Una terceradiferencia se relaciona en un conflicto entre la CIA y la SIDE(Secretaría de Inteligencia del Estado) argentina.

Durante los primeros meses de la gestión de De la Rúa,dos misiones económicas norteamericanas visitaronBuenos Aires, para presionar sobre el tema de las pa-tentes, la lucha contra la corrupción, la adjudicación delos nuevos sistemas de radares para aeropuertos20 y lapolítica de cielos abiertos para el cabotaje, inicialmente

prevista para comenzar a regir en el 2003. Sobre el primertema, el Secretario de Comercio de la administraciónClinton, William Daley, en su primera misión ante elnuevo gobierno argentino, amenazó al país condenunciarlo ante la OMC, en el caso que la Argentinacambiara la ley de patentes en vigencia, introduciéndoleuna cláusula que obligue a los laboratorios a produciren el país al menos una parte de los fármacos que secomercializan en el país. El juicio se inició, finalmente, amediados de agosto del año 2000. En relación a la polí-tica de cielos abiertos, Estados Unidos presiona por unaapertura total e irrestricta, cuyo carácter recíproco noasegura a las compañías argentinas sobrevivir frente ala eventual competencia norteamericana.

La preocupación del gobierno norteamericano sobrela “triple frontera” se relaciona con el supuesto de quelos gobiernos con soberanía en la zona –y en particularel de Argentina, teniendo en cuenta los atentadosproducidos sobre representaciones israelitas, queprovocaron más de cien muertos– no ejercen los de-bidos controles y seguimientos antiterroristas ni deseguimiento sobre las eventuales ramificaciones de cé-lulas terroristas islámicas que operarían en la zona. Porúltimo, en relación al conflicto entre las dos agenciasde inteligencia, el mismo se ha transformado en el másespinoso problema político entre ambos gobiernos. Eljefe de la estación porteña de la CIA, Ross Newland,denunció que la SIDE espiaba la actividad de los agen-tes norteamericanos en Argentina y que no prestabaatención a los pedidos de cooperación, en particular enel control de la embajada rusa en Buenos Aires. Segúnla prensa, el Secretario de Estado, Colin Powell, planteóel problema al canciller Rodríguez Giavarini, durante laentrevista que ambos sostuvieron en Washington, du-rante la segunda semana de mayo pasado. La situación,identificada como “el punto más ríspido de la relacióncon el gobierno de Bush”, llevó a la suspensión de larelación entre las dos agencias de inteligencia y la CIAhabría levantado su estación “formal” en BuenosAires.21

No obstante estas diferencias, el apoyo del nuevogobierno norteamericano de George Bush Jr. fue funda-mental para que Argentina consiguiera, a comienzos delaño 2001, el “blindaje” por 40.000 millones de dólares,acordado por el FMI y la participación de otrosgobiernos, en particular de España. Pero no estuvodispuesto a aportar nuevos recursos, transfiriendo laresponsabilidad al FMI. Esta fue también la posición

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adoptada frente al rebrote de la crisis financiera, entrefines de junio y el mes de julio de 2001. A pesar de eseapoyo, el gobierno norteamericano, siguiendo la líneaconducta de Clinton durante sus últimos años, señalóque no brindaría apoyo financiero directo a BuenosAires.

En relación a los temas hemisféricos, a diferencia dela política con contenidos más intervencionistas deMenem, De la Rúa no apoyó el “Plan Colombia”, diseña-do e implementado por la administración Clinton. En la“Cumbre de Brasília” (31 de agosto de 2000), el presi-dente argentino expresó su apoyo al gobierno constitu-cional de Colombia y reivindicó las políticas de nointervención, acercándose en este sentido a la posiciónsostenida por Brasil.

Por el otro tema hemisférico de relativa importancia paraEstados Unidos, ALCA, el gobierno norteamericano, bus-cando el debilitamiento de la posición más dura de Brasilfrente a las negociaciones futuras y creando una situaciónde fractura en el Mercosur, ofreció a la Argentina negociarun acuerdo bilateral de comercio, similar al que la potenciaestá negociando con Chile, pero el mismo fue rechazadopor el gobierno argentino.

La opinión del negociador argentino, Horacio Chighizola,expresada meses atrás, sostenía cuatro premisas básicas so-bre las cuales se diseñó la negociación frente a ALCA: - la decisión de negociar como parte de un bloque subregional,presentando una posición única y coordinada en todas lasáreas sustantivas;- la intención de contar con una agenda lo suficientementeamplia como para permitir un avance equilibrado, que reflejelos intereses de todos los participantes del proceso, de manerade reducir las asimetrías iniciales existentes. La agenda am-plia debería reflejar un equilibrio entre los llamados “nuevostemas de la agenda multilateral” (servicios, inversión,propiedad intelectual), propuesta principalmente por EstadosUnidos y Canadá, y los viejos temas de dicha agenda multila-teral (acceso a mercados, agricultura, subsídios);- el convencimiento de que el ALCA redundaría en benefi-cios para la región, en la medida en que contemplara losintereses particulares de los participantes;- el reconocimiento de la necesidad de lograr un acuerdo conderechos y obligaciones comunes para todos los participan-tes del proceso. La decisión es no permitir el establecimientode otros ALCA diferenciales, es decir, con previsión dederechos y obligaciones diferentes, dependiendo del nivel dedesarrollo del país (Chighizola, 2000:16-18).

El impacto de la Predisposición Argentinaa Negociar ALCA

El gobierno del presidente Menem nunca desechó porcompleto las posibilidades de conseguir un acuerdo bila-teral con Estados Unidos o adelantar las negociaciones porALCA. Estas dudas derivaban de dos situaciones: enprimer lugar, las posiciones en el seno del gobierno, entrequienes perferían un acercamiento a Estados Unidos yALCA, por sobre las relaciones con Brasil (“comunidadepistémica”, Cavallo, Di Tella) y aquellos que queríanmantener la prioridad del eje sudamericano (nivelesintermedios de Economía y de la Cancillería, así comotambién, en parte, el propio Menem). En segundo lugar,porque algunos sectores, tanto de gobierno como de lasociedad (grupos económico-financieros), considerabanque el arancel externo común era un impedimento para latoma de decisiones que mejoraran la competitividad de laeconomía argentina.

Desde 1994, un documento interno (non paper) de laCancillería argentina señalaba algunas contradicciones dela unión aduanera del Mercosur con los objetivos de cor-to plazo de la Argentina. Allí se decía que lo que el paísnecesitaba era contar con mayores grados de libertad enla política económica, para equilibrar su balanza comercial,sin afectar su nivel de actividad, algo que la resignaciónde instrumentos de política comercial que imponía la uniónaduanera hacía incompatible (Bernal-Meza, 1994:274).

Con el nuevo gobierno, dentro de los poderes espe-ciales que solicitó Cavallo para enfrentar la crisis estabauna mayor injerencia de Economía en la gestión de la polítiaexterior. No está claro aún cuánto de este espacio le fueasignado por De la Rúa, pero lo cierto es que el autor de la“Convertibilidad”, desde su retorno a la actividad oficial,se ha caracterizado por sus permanentes declaracionespúblicas, sobre Mercosur, ALCA y las relaciones con Bra-sil.22 Muchas de ellas han evidenciado abiertas contra-dicciones con los dichos del canciller Giavarini y del propioDe la Rúa.

El giro a la derecha que ha realizado el gobierno de Dela Rúa, constituyendo una nueva alianza de apoyo conCavallo, potencia las posiciones de los sectores másliberales que siempre vieron mejor la alternativa ALCA quela profundización del Mercosur. Machinea, antes de dejarsu cargo en el ministerio de Economía (febrero de 2001), yahablaba de anticipar las negociaciones de ALCA.

Sin embargo, el canciller argentino rechazó el ofrecimientoque, de manera informal, le efectuó el gobierno norte-

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americano, para negociar un acuerdo bilateral de libre co-mercio como el que EE.UU. está negociando con Chile. Elcanciller Rodríguez Giavarini señaló que las negociacionespara ingresar al ALCA se realizarán a través del Mercosur,reiterando que “nosotros cumplimos con los tratadosinternacionales, nuestros compromisos con el Mercosur ynegociaremos a través de él”.23

Sin embargo, la presencia de dos opiniones distintas enel gobierno argentino crean un manto de dudas sobre elMercosur y debilitan aún más su imagen externa. Un di-plomático brasileño señaló que “a chancelaria argentinarevela que o país quer manter a união aduaneira. Mas, comessa divisão interna na Argentina, não se pode esperar quehaja espaço para grandes inovações no bloco”.24

Cavallo representa la continuidad de vigencia delpensamiento de sectores que fueron dominantes bajo elmenemismo (su “comunidad epistémica”: alianza con Esta-dos Unidos, visión de la integración del Mercosur como uncamino de liberalización comercial hacia ALCA; percepcionescríticas sobre Brasil, tanto hacia su política externa –particu-larmente frente a Estados Unidos, que es vista comoconflictiva y distorsionadora de una necesaria comunidadde intereses hemisféricos– como respecto de la capacidad desus dirigencias gubernamentales para generar escenarioseconómicos de estabilidad) y también de sectores actualesdel radicalismo (gobierno) y de la cancillería.

Desde este sector, hoy identificado en la figura deCavallo, dos problemas separan a Argentina de Brasil: losescenarios probables para Mercosur y la posición frente aEstados Unidos y ALCA.

Respecto del primero, mientras este grupo impulsa unretroceso del Mercosur hacia una zona de libre comercio,Brasil (en principio) apoyaba la continuidad o statu quoactual del bloque. En relación al segundo, en tanto estesector argentino está a favor de la propuesta norteamericanade acelerar la firma de tratados bilaterales de comercio, Bra-sil impulsa una negociación de bloque y lo más tarde posible,es decir lo acordado (2005). Como señaló la prensa, “Cavalloquiere flexibilizar el encuadramiento del Mercosur yacercarse, con alianzas bilaterales, a Estados Unidos. En lacancillería prefieren no irritar a los brasileños y no volver alas relaciones carnales”.25

Las Relaciones Bilaterales con Brasil y su Incidenciasobre el Mercosur

Hasta 1997 (Belo Horizonte), Argentina sigue una polí-tica de double standing, respecto de las relaciones

económicas hemisféricas: entre optar por ALCA o pro-fundizar el Mercosur. El hecho que el Brasil no constituyerauna prioridad para la política exterior de Menem y labúsqueda constante de un mayor acercamiento a Wa-shington fueron motivos definitorios para que las relacio-nes bilaterales no pasaran del umbral de interdependenciasrestringidas al ámbito comercial del Mercosur y de labúsqueda de los entendimientos señalados en materia deseguridad.

En los hechos más visibles, desde la devaluación delreal las relaciones bilaterales venían deteriorándose. Des-de su arribo, el gobierno de De la Rúa intentó fortalecer larelación. Así, hasta el desencadenamiento de la “nuevaetapa de crisis”, con las medidas implementadas por Ar-gentina entre marzo y julio pasados (2001), ambos paíseshabían realizado pequeños progresos en su relacionamientomutuo, en relación al Mercosur.

El 28 de abril de 2000, los ministros de Relaciones Ex-teriores de ambos países firmaron un documento reser-vado, con el fin de disminuir el impacto institucional denuevas crisis en el Mercosur. Para ello, se avanzó en laprevisibilidad, estableciendo como fecha el mes demarzo de 2001 para comenzar la aproximación de laspolíticas económicas. El primer paso fue hacia laestandarización u homogeneización de las estadísticaseconómicas recopiladas por los órganos específicos decada país. Posteriormente, en la Cumbre de Florianópolis,a mediados de diciembre de 2000, Argentina y Brasilavanzaron en varios aspectos. En primer lugar, se revisóla forma cómo se resolverían las controversias quesurjan en el futuro, ratificándose la situación de “es-tudio” para la creación de un Tribunal Arbitral Perma-nente para resolver los conflictos comerciales delbloque, algo que permitiría al Mercosur adquirir unamayor seguridad jurídica. En segundo lugar, avanzandohacia una mayor liberalización unilateral del comercio,los países del Mercosur acordaron reducir en mediopunto el AEC, a partir de enero de este año. Por últimoy en lo que respecta a la situación futura de la armoniza-ción y coordinación específica, se acordó ésta a partirdel 2002, sobre la base de las variables macroeconómicas,con metas fiscales y de inflación comunes.

Finalmente, en Asunción (14 de junio de 2001), ar-gentinos y brasileños presentaron un proyecto común dedecisión para crear un grupo de alto nivel que revea todala estructura del AEC. Posteriormente, en Brasília, Cavalloy Malán convinieron en apostar a la zona de libre comer-cio, flexibilizando (diluyendo) el arancel externo común,

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aunque sin hacer desaparecer la unión aduanera, lo queaparece como difícil de compatibilizar.

Como se podrá apreciar, en realidad no hay discor-dancias respecto de ALCA y Mercosur entre las posicio-nes de ambos países, pues, en los hechos, la reducciónprogresiva del arancel externo común26 (con el acuerdo delBrasil) tiende a perforar hacia abajo el AEC, disminuyendola protección, acercándose así cada vez más a una ZLC.Por otra parte, en tanto la posición oficial del gobiernoargentino es respetar las fechas convenidas en lasnegociaciones Mercosur-Estados Unidos, el problemacentral, que era la reticencia y hasta la oposición brasileñaa ir hacia un ALCA, quedó en la nada después que Cardo-so aceptara oficialmente en Québec la propuesta norte-americana, en los plazos y condiciones convenidos desdeBelo Horizonte (1997).

Sin embargo, el nivel de estancamiento del Mercosur yla falta de decisión política del Brasil para impulsar inicia-tivas de “relanzamiento”, asociado a la presencia de actorespolíticos que manifiestamente declaran su perferencia porun mayor acercamiento a Estados Unidos, agregan incer-tezas sobre el destino futuro del bloque y sobre loscompromisos argentinos con el Tratado de Asunción. Seconsidera que el Mercosur, en el estado que se encuentrano es satisfactorio No obstante, éste constituye “políticade Estado” y, de acuerdo a la Constitución Argentina, porel hecho que los tratados internacionales incluídos en ella(como es el caso del de Asunción) tienen jerarquía supe-rior a las leyes, generando derechos exigibles ante losTribunales de Justicia nacionales, la decisión políticagubernamental tiene claros marcos determinantes acercade sus alcances.

La Nueva Política Arancelaria y Monetaria

El nuevo programa del ministro Cavallo, el “Plan deCompetitividad”, resultó ser, en los hechos, un programaheterodoxo, que mantenía lineamientos de la políticamonetarista, (continuidad de la Convertibilidad, aumentode la recaudación, reducción del déficit fiscal), pero leagregaba un componente proteccionista, al aumentar losaranceles externos.

La suba de aranceles tiene varias lecturas, de las cualesderivan incógnitas sobre el destino futuro del AEC y, endefinitiva, sobre la naturaleza del Mercado Común del Sur.Ellas se desprenden del carácter “proteccionista” del au-mento tarifario externo, en lo que concierne a bienesmanufacturados de consumo final, cuyo efecto –en el caso

que se revisase la naturaleza “comercialista” del Mercosury se buscaran estrategias para “profundizar” los aspectoseconómicos y sectoriales– podría conducir a un nuevoesquema, más cerrado del modelo de integración. Sin em-bargo, a la par de este supuesto animus proteccionista,están las propuestas –en principio aceptadas por Brasil –para rediscutir el AEC y, aún más, eventualmente reducirel Mercosur a una simple zona de libre comercio (Bernal-Meza, 2001a).

Las medidas de reducción de aranceles para bienes decapital, piezas y partes se complementaron con un aumen-to de los aranceles de importación de bienes de consumofinal, llevándolos hasta un 35%, que es el máximo que per-mite la Organización Mundial de Comercio. Iincluiráaquellos productos comercializados dentro del Mercosurque hasta ahora estaban liberados de aranceles. Las medi-das proteccionistas regirán hasta diciembre de 2002

La reducción arancelaria generó el primero de losconflictos políticos con Brasil durante la gestión de De laRúa. Como sabemos, el presidente Fernando H. Cardosoanuló su visita a Buenos Aires, programada para los días16 y 17 de abril, como muestra de desagrado contra lo quese considera una medida que afectaba directamente lasexportaciones brasileras a la Argentina, que rompía con losacuerdos arancelarios negociados en el Mercosur.27

Posteriormente hubo un mejoramiento relativo en las rela-ciones bilaterales, ya que el gobierno argentino aumentó al14% los aranceles de productos de comunicaciones ycomputación extra Mercosur (5 de abril de 2001).

La “segunda etapa” de conflictos bilaterales se suscitóa partir de la decisión arancelaria argentina (Resolución 258/01 del Ministerio de Economía del 2 de julio pasado), dereducir las tarifas de importación de 500 productos de fueradel Mercosur, al permitir a los exportadores –del bloque yextra Mercosur– que descuenten al pago del impuesto deimportación la diferencia de 8%, según el nuevo cambiode comercio exterior,28 justificada por la devaluación cons-tante del real y para mejorar la competitividad nacional, yde los dichos poco diplomáticos del ministro Cavallo parareferirse al país vecino. Estas situaciones generaron unanueva ola de conflictos, no sólo comerciales, entre los dosprincipales socios del bloque.

Las medidas crean un perjuicio potencial para los ex-portadores brasileños de bienes de informática, tele-comunicaciones, bienes de capital y vehículos yconstituyen un cambio unilateral respecto de los en-tendimientos alcanzados por los dos gobiernos, enAsunción, recientemente, pero se basan en el hecho que

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la moneda brasileña se devaluó más de un diez por cientoen los últimos sesenta días29 y supone una falta dedecisión política de las autoridades monetarias de esepaís para frenar el alza constante de la moneda nor-teamericana. Brasil ha reaccionado sugiriendo quepodría retaliar las importaciones argentinas y amenazócon interrumpir las negociaciones que el bloque estállevando a cabo con la Unión Europea.

Respecto de la incorporación del euro a la canasta demonedas de la convertibilidad, además del aspecto pura-mente monetario, está el componente político externo. Sibien el anuncio tenía varias lecturas,30 incorporar al euroes, en cierta forma, acercar a la Argentina a la UniónEuropea, expresando de ese modo la voluntad del gobiernode mantener una posición cercana tanto a la órbita de laeconomía norteamericana (y de ALCA) como de laComunitaria; asimismo, puede mejorar las relaciones entreEuropa y la Argentina, tal como opinan algunos ejecutivosde finanzas europeos, en el sentido que la introducción deesa moneda y el acercamiento a Europa puede permitir algobierno una gestión económica menos cíclica y vulne-rable ante las coyunturas, a la par de que es un alicientepara mayores inversiones.31

No obstante estas argumentaciones, teniendo en pers-pectiva que la moneda europea, más tarde o más tempranoterminará compitiendo con el dólar, es posible tambiénimaginar que Cavallo haya considerado como una cuestiónde realpolitik la incorporación a la zona del euro, buscan-do un lugar en la disputa de poder económico entre Euro-pa y Estados Unidos.

El Cambio de Visión Argentino sobre el Brasil

Para el nuevo grupo que maneja la política económicaargentina, Brasil es visto como un socio que sufre gran-des inestabilidades cambiarias y económicas. Se sostieneentonces que la inserción argentina, sin descartar elMercosur, debe dirigirse hacia otros bloques comerciales,en particular el NAFTA. La idea es que este acercamientoaseguraría la estabilidad macroeconómica argentina.

Visión de Cavallo sobre el Mercosur y las Percepcionesde Otros Actores

En un libro que coincidió con su llegada al Ministeriode Economía, Cavallo sostiene que “el arancel externocomún no le conviene a nadie”. Más tarde, en públicoseñaló que “el Mercosur debería concentrar sus esfuerzos

en expandir el libre comercio hacia el resto de los países deSudamérica y en lograr la plena integración de todos susfactores de producción, lo que era mucho más importanteque discutir por el Arancel Externo Común”.32

Vale la pena destacar que el Mercosur ha sido señaladopor el gobierno argentino como un objetivo estratégico,parte de la “política de Estado argentina” e instrumentoclave para la inserción y negociación externa. Como expresóel presidente De la Rúa, “el Mercosur es nuestra gran fuerzay debemos ir al ALCA desde esa base”; agregando que“Brasil sólo pidió que el ALCA no se concretara antes de2005 y se respetó ese pedido”. 33

Raúl Alfonsín y Carlos Alvarez, los máximos referentespolíticos de la Alianza UCR-FREPASO, plantean que, comoobjetivo de política hemisférica, el gobierno argentino debefortalecer el Mercosur y, sobre todo, la relación con Bra-sil. En encuentros realizados desde fines de mayo, hanvenido propiciando un debate –junto a otros espacios dereflexión– sobre el presente y futuro de la Argentina fren-te al mundo, en el cual sitúan, como eje de la discusión- elposicionamiento del país frente a ambos escenarios deintegración. Para ambos dirigentes políticos, se debe pri-vilegiar, sin excepción, la restauración de la relación con elgobierno de Fernando H. Cardoso, antes que cualquieraspiración o sueño inspirado en los Estados Unidos;abogando asimismo por un mayor apoyo a la posiciónsostenida por el canciller, en su disputa con Cavallo. Segúnlos aliancistas, “el Mercosur es un serio proyecto estraté-gico de integración económica y política que no debedeshacerse”.34

Sin embargo, más que atender a las declaraciones, loque se debe tener en cuenta es que para el actual gobierno,así como lo fue para el anterior, el tema sigue siendo lavinculación entre los dos escenarios: Mercosur y ALCA.La relación entre ambos proyectos pasa por el futuro queambos países, Argentina y Brasil, decidan sobre el bloquesubregional, frente al cual siguen presentes los tresescenarios posibles: unión aduanera, zona de libre comer-cio o continuidad del statu quo (unión aduanera incom-pleta o en lenta construción). Pero la sociedad argentinase manifiesta más escéptica sobre el futuro del bloque.Según una encuesta realizada a fines de abril de 2001, elMercosur tiene 29% de imagen positiva en la opinión pú-blica argentina, contra sólo 12% de ALCA. La imagen delbloque subregional ha venido descendiendo según laspercepciones y expectativas fueron reduciéndose, a la luzde las dificultades entre Argentina y Brasil. Ese desgastese advierte en el descenso de la imagen positiva que tenía

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el Mercosur en 1993, que era de 45% y que para 1997 sehabía reducido al 38%.35

Las Relaciones con la Unión Europea

Las relaciones, principalmente económicas, se hanmanejado preferentemente bloque a bloque (Mercosur-Unión Europea), en la medida de las coincidenciassudamericanas de la agenda, con excepción de los temasagrícolas específicos, como la suspensión de las importa-ciones de carne argentina debido a los brotes de aftosa.Esa perspectiva se basa en el hecho que las relacionesbilaterales, excelentes en el plano político, pasan priorita-riamente por los temas del comercio, frente a lo cual laPolítica Agrícola Común de la UE se transforma en el prin-cipal impedimento para alcanzar un equilibrio comercial,pues el comercio argentino con esa región es histórica-mente deficitario.

Las relaciones comerciales de la Argentina con laUE son significativas. En 1999, el 66% de las inversionesen al país fue realizado por empresas europeas.

Después de la frustración de la Cumbre de Río, don-de no hubo progresos en torno al tema agrícola, la UniónEuropea ofreció, durante el mes de junio de 2001, incluiralgunos de los temas candentes, en la siguiente ronda denegociaciones bilaterales Mercosur-UE, en Montevideo.

Según Roberto Lavagna, representante argentino ante laUE, los tres puntos que pretende debatir el bloque del ConoSur son: el acceso a los mercados, que abarca la eliminaciónde tarifas, barreras no-arancelarias y medidas sanitarias yfitosanitarias que a menudo frenan el ingreso de agroalimentosen la UE; la supresión de los subsidios a las exportacioneseuropeas hacia el Mercosur; finalmente, la restricción de lassubvenciones a los productos comunitarios que compiten conlos del bloque sudamericano en terceros mercados, por caso,en el resto de América del Sur.36

De acuerdo a declaraciones del embajador argentino, laUnión Europea derivará a la OMC el debate sobre las reglassanitarias y fitosanitarias, dejando para la cumbre de Qatarla discusión sobre las ayudas a las exportaciones en el nivelgeneral y a los productos que se venden dentro del merca-do común, desestimando que haya flexibilizado su postu-ra respecto de la política agrícola.37

Respecto de las relaciones bilaterales país-a-país, éstasse inscriben casi exclusivamente en el ámbito econonómico,aunque con España las mismas fueron definidas por elpresidente del Gobierno español como de una alianza es-tratégica. Esta identificación de las relaciones bilaterales,

asociados a la situación económica y financiera argentina–que afecta a la economía española, en virtud de lascuantiosas inversiones de empresas españolas en Argen-tina– fue puesta de manifiesto durante la primera visita ofi-cial del presidente Bush Jr. a España. En esa oportunidad,Aznar planteó el tema de Argentina durante la reunión conBush en la finca estatal de Quintos de la Mora, en Toledo.Analizando la situación latinoamericana hizo referencia ala necesidad de apoyar los “esfuerzos de recuperación” querealiza actualmente el gobierno argentino.

Sin embargo, las relaciones –a nivel de sociedades y delmundo de los negocios– se han deteriorado sensiblemente,como consecuencia de la crisis de la empresa AerolíneasArgentinas (que luego de su privatización pasó a manosespañolas), llevada a situación de quiebra por suspropietarios, la SEPI española. La intransigencia delgobierno español, de considerar el hecho como unacuestión puramente “empresaria” motivó, por primera vezen la historia contemporánea, masivas manifestacionesantiespañolas en Argentina, al punto de llamar la atencióndel gobierno madrileño, quien apeló a los lazos históricosque unen a ambas sociedades, advirtiendo sobre losriesgos que esa situación generaba para los negocios einversiones. Las autoridades españolas de AerolíneasArgentinas, aduciendo problemas financieros que leimpedían pagar la provisión de combustible fuera de Ar-gentina, suspendió los vuelos, primero, aquellos con des-tino a Europa, Estados Unidos, Brasil y Australia y luegolos de cabotaje. Frente a esta situación, el gobierno argen-tino, intimó a la empresa a mantener los vuelos y amenazócon quitarle la concesión de las rutas. La situación parecíamantenerse en un impasse, al menos hasta mediados deagosto, fecha para la cual el directorio de la empresapospuso una decisión sobre su destino, mientras, por otraparte, continuaba buscando eventuales compradores parasu traspaso.

Las inversiones españolas en Argentina, de 32 milmillones de dólares al comenzar el año 2000, representabanmás del 25% del total de inversiones entranjeras, lo quetransforma a ese país en el segundo inversor externo. Noobstante, según estimaciones actuales, las inversionesespañolas alcanzarían una cifra cercana a los 40 mil millones,ubicándose así en el primer lugar del ránking de inversionesextranjeras.

Las relaciones con Francia e Italia mantienen su tradi-cional buen vínculo político, aunque en ambos casos nohubo apoyo financiero específico para la Argentina en sureciente crisis. Los temas principales de la agenda de la

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vista del canciller francés Hubert Vedrine a Buenos Aires,se concentraron en torno a los problemas judiciales queenfrentan algunas empresas francesas, como Renault,Aguas del Aconquija y Partouche. En el caso de la primera,la Aduana argentina le aplicó una multa de 519 millones dedólares por supuesto contrabando. En tanto, en los temaspolíticos, Francia no ha manifestado una voluntad deapoyar la causa argentina de Malvinas, en contra de GranBretaña.

LA OSCILACIÓN ENTRE WASHINGTON YBRASÍLIA: LA CONTINUIDAD DE LA INCERTEZA

Más allá de una predisposición hacia una continuidadde relaciones más estrechas con Washington, el gobiernode Dela Rúa ha sido fuertemente condicionado por lagravedad de la situación económica y financiera heredaday que fuera agravada por las débiles y erráticas políticasimplementadas en los primeros 15 meses de gobierno. Enese contexto, el gobierno argentino dependió del apoyonorteamericano para la obtención del “blindaje”38 por u$s40.000 millones y luego para enfrentar nuevos acuerdos conel FMI y la renegociación de sus deudas de corto plazocon la banca internacional privada. La posición crítica deArgentina, respecto de Cuba, incluyendo su voto junto aEE.UU. (aún cuando la Argentina manifestara su oposiciónal embargo norteamericano), así como una predisposicióninicial a adelantar las negociaciones por ALCA –luegodesechadas por el gobierno de De la Rúa– deben ser leídasen ese contexto.

Además de esa situación coyuntural, la llegada algobierno del ministro Cavallo evidentemente fortaleció lasposiciones pro-ALCA y a favor de un acuerdo bilateral conEstados Unidos, en la medida que éste y los sectores po-líticos de su entorno siempre manifestaron su opciónpreferente por una integración con Washington. Sin em-bargo, la posición oficial del gobierno argentino, expresadapor su canciller y por el propio De la Rúa, siempre fuerespetar el compromiso del país con el Mercosur, in-cluyendo negociar “como bloque” por ALCA.

Ambas alternativas, Mercosur y ALCA, aparecencomo distintas y, a la vez, complementarias; pero esto esasí también para Brasil. Las relaciones políticas bilaterales,que tuvieron como núcleo de divergencias las respectivasrelaciones con Estados Unidos y las políticas de seguridad,durante la gestión del presidente Menem (Bernal-Meza,1999), se recompusieron, bajo promisorias perspectivas,luego de la asunción de De la Rúa, hecho que se reflejó en

las coincidencias de Florianópolis y posteriormente en losacuerdos sobre coordinación macroeconómica; pero sedeterioraron a partir de las primeras medidas heterodoxasde Cavallo.

No obstante, el gobierno argentino hizo un gesto designificativa relevancia política, al adelantar al gobierno deCardoso las medidas que pensaba implementar respecto dela política cambiaria. A partir de allí, el gobierno brasileñootorgó pleno apoyo a las mismas y se cerraron coincidenciasen torno al futuro del Mercosur, respecto de su AEC y dela decisión de nombrar un solo negociador “coordinador”,junto a los cuatro respectivos representantes, para lasdiscusiones con Estados Unidos sobre ALCA.

A pesar de estas coincidencias, el desafío conjunto siguesiendo la preservación del Mercosur como un subsistemaregional, cuyo liderazgo responda exclusivamente a lasprioridades y objetivos del desarrollo económico y de lainserción de ambos países en el sistema mundial.

Argentina logró su objetivo de transformar el proyecto“Mercosur” en un escenario de expansión comercial. Tuvoun creciemiento del comercio y un aumento de las expor-taciones al Brasil. Su balanza comercial bilateral fuesuperavitaria durante gran parte del período. Pero ladesviación de comercio generada por el Mercosur, a pesardel componente de mayor valor agregado (manufacturasde origen industrial), que alcanzaron cerca del 40% de lasexportaciones totales al Brasil, en términos globalesacentuó el carácter primario de sus exportaciones, gene-rando un subsistema centro-periferia de intercambiosbilaterales, con el cual la Argentina profundizaría suinserción internacional basada en ventajas comparativasestáticas. Por su parte, dentro del patrón de comercio nor-te-sur que ha caracterizado históricamente el comercio bi-lateral argentino-norteamericano, éste fue deficitario para

CUADRO 1

Balanza Comercial Argentina-Brasil1995-2001

En millones u$s

Año Importaciones Exportaciones Saldo

1995 4.041 5.591 1.5501996 5.170 6.805 1.6351997 6.770 8.032 1.2621998 6.748 8.034 1.2861999 5.364 5.812 4482000 6.233 6.843 610Enero-Abril/2001 1.870 2.179 309

Fuente: INDEC, Ministerio de Economía, Rep. Argentina

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Argentina. Comparativamente, mientras que el comerciocon Brasil, entre 1995 y 2000 arrojó un saldo positivo deu$s 5.335 millones, el comercio con EE.UU. resultó negati-vo, en igual período, por u$s 17.029 millones.

Según cifras de INDEC, para el año 2000 las exporta-ciones argentinas de manufacturas de origen industrialhacia el Brasil totalizaron u$s 3.300 millones (40,2% deltotal), mientras que hacia los Estados Unidos este sectorsólo representó u$s 1.080 millones (13,1% del total).

En este contexto, ¿cómo explicar las posiciones contra-rias a una integración cuyo comercio bilateral ha sido po-sitivo?

Uno de los argumentos, de orden económico-estructural,se ha fundado sobre el carácter centro-periferia del co-mercio. Pero otro, político, se ha sostenido, permanente-mente, sobre una visión negativa respecto del Brasil, enrelación a los pocos avances de coordinación alcanzadosentre ambos países y a las posiciones divergentes en po-lítica exterior, en particular las que se expresan en las res-pectivas relaciones con Estados Unidos y sus agendas.

En relación a las opciones, entre Alca y Mercosur, en elespectro político argentino existen dos claras posiciones:aquella representada por los sectores “cavallistas”(incluyendo al menemismo) y la que representan los máxi-mos referentes de la coalición de gobierno, Raúl Alfonsíny Carlos Alvarez. Estos últimos plantean como meta forta-lecer el Mercosur y, sobre todo, la relación con Brasil.

En la sociedad argentina se advierten posiciones encon-tradas respecto de lo que deberían ser las alianzas exter-nas de Argentina. Una encuesta, sobre la relación del paíscon los Estados Unidos, reveló que ésta es consideradauna cuestión muy importante por el 69% de los consulta-dos, aunque quienes opinan en favor de esa cuestión sonlos encuestados con mayor poder adquisitivo. Para el 69%de los consultados por Gallup, la relación con el país delNorte es muy importante, mientras que un 24% opina quees poco o nada relevante y sólo un 7% no tiene opiniónformada sobre el tema.39

La percepción de la diplomacia y la prensa brasileñases que el gobierno argentino habla por boca de Cavallo,persona que nunca tuvo buena imagen en Brasil, dada sureconocida filiación pro norteamericana (ALCA) y su visióncrítica sobre el Mercosur. Sin embargo, ésta es unapercepción equivocada: es el presidente De la Rúa quiendecide la política. Pero, ¿por qué éste ha permitido queCavallo maneje su política bilateral con el gobiernobrasileño? La respuesta tiene que ver con las limitacionespropias que la situación económico-financiera argentina

impone y la dependencia que el gobierno tiene de la figurade Cavallo como su ultima ratio, dentro de la continuidaddel modelo de ajuste estructural.

Pero muchos empresarios, diplomáticos, economistasy académicos continúan considerando que la mejor opciónargentina sigue siendo el Mercosur; que éste es una “po-lítica de Estado” y que las relaciones con Brasil son muyimportantes para la Argentina y que seguirán siéndolo pormucho tiempo.40

La nueva situación de conflicto, creada a partir de lasmedidas del gobierno argentino para enfrentar la crisis del2001, pone de relevancia tres aspectos: en primer lugar, noes posible identificar cuánto del poder que pidió Cavallode injerencia de Economía en la política exterior, como par-te de las negociaciones para su ingreso al equipo gober-nante de De la Rúa, le fue concedido por éste. No obstante,de la permanente incursión de Cavallo en las relacionesbilaterales argentino-brasileñas, se deduce que el perfil dela gestión externa de Giavarini ha sido, en los hechos,manifiestamente reducido. Las medidas arancelarias delministerio de Economía argentino marcan también lalibertad que tiene Cavallo para incursionar en las relacio-nes internacionales del país.

En segundo lugar, las últimas medidas arancelarias deCavallo –que objetivamente no mejorarán la situación dela economía argentina en el corto plazo (ya que la recu-peración del crecimiento y del empleo requieren de tiempoy políticas de reasignación recursos, así como del mejo-ramiento del poder adquisitivo de los trabajadores)– ponenen cuestionamiento las relaciones económicas bilaterales.Resulta incomprensible que De la Rúa haya aceptado unaestrategia de deterioro político con Brasil cuando este paísprovee a la Argentina de un mercado de intercambiosuperavitario y que es el eje del único bloque comercialdel mundo con el cual se tiene un superávit comercial per-manente.

Por último, las medidas arancelarias argentinas ponende relevancia las fragilidades del Mercosur. En primer lu-gar, porque su evolución sigue condicionada por los re-sultados de los programas económicos nacionales de ajus-te, estabilización y reformas. En segundo lugar, el caminosin salida frente a las medidas unilaterales, por ausenciade una estructura institucional (supranacional) que prote-ja a todas las economías de las decisiones autónomas eindividualistas. En este sentido, Brasil está tomando de supropia medicina, pues sistemáticamente se opuso a lacreación de órganos comunitarios supranacionales y ahora,frente a la situación de una medida unilateral, sólo le que-

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da el camino de la suspensión de negociaciones comer-ciales. Así, el modelo de institucionalidad elegido por loscuatro países y que Brasil ha insistido en mantener, deja alos países miembros ante un camino sin salida frente a losconflictos –que naturalemente deberán continuar, tal comootras experiencias históricas lo demuestran–41 por laausencia de una instancia negociadora y reguladora decarácter superior.

Esta evaluación debe ser contextualizada en unapercepción de deterioro de las relaciones bilaterales. Másallá de las declaraciones “formales” de solidaridad,gobierno a gobierno, en relación a las respectivas con-flictivas situaciones internas, la política seguida por Ar-gentina y Brasil hacia su vecino, durante el presente año,es lo más semejante al puro realismo, con actitudes mutuasde “sálvese cada uno, por sus medios y como pueda”.

Argentina y Brasil, por tanto también el Merosur, nolograron –a pesar del recambio presidencial argentino–establecer una agenda bilateral, regional y multilateralcomún; en este último caso, con la excepción de lasnegociaciones por Alca y con la Unión Europea.

CONCLUSIONES

Tal como señalamos en un documento que hacíaprospectiva, no podían esperarse grandes cambios en lapolítica exterior. Las diferencias estarían más en lasactitudes y las formas que en los contenidos (Bernal-Meza,1999a). La Argentina no abandonaría su aspiracióna transformarse en el principal interlocutor de EstadosUnidos en América del Sur, ahora a través de una políticade “bajo perfil”, cuyo principal eje pasa por la adhesión alos proyectos económicos norteamericanos (ALCA).

El gran cambio en política exterior debería haber venidocomo consecuencia de un cambio en el modelo económicovigente desde 1976 (con un breve interludio bajo Alfonsín);pero De la Rúa prefirió la continuidad.

Las pequeñas diferencias en política exterior, de Menema De la Rúa, están en un retorno del interés por Europa, enparticular España –hoy el principal inversor externo en laArgentina– y en las apelaciones por el fortalecimiento delos consensos multilaterales, aspirando a una mayordemocratización de Naciones Unidas. En definitiva, más alláde las diferencias de estilo, la política exterior de De la Rúano ha hecho mucho por diferenciarse de la anterior.

La Argentina vive hoy una de las etapas terminales dela crisis del modelo de inserción neoliberal (Bernal-Meza,2001; 2001b). El fracaso de los sucesivos modelos de

desarrollo e inserción internacional influyó en la políticaexterior, marcando ésta con una línea de continuidades,cambios y rupturas significativas, reflejándose en etapasde alineamiento –con Gran Bretaña primero–, de autono-mización y de nuevos alineamientos (con Estados Unidos,durante parte de las décadas de los 50, 60 y 70), para llegaral período de nuevo alineamiento e inserción subordinadade los noventa. Sin embargo, bajo esas “incoherenciassuperficiales”, existió una coherencia estructural quepermitió explicarla (Puig, 1984;1988), primero, a través dela imagen del país que percibían sus élites, luego, por lasrelaciones entre modelo económico e inserción externa.

El abandono definitivo de las estrategias de sustituciónde importaciones y la adopción de una inserción en losmercados internacionales de capital, por sobre la opciónde una inserción productiva de carácter industrial, requeríade una política exterior de alineamiento con las potenciasdel capitalismo central y, principalmente con Estados Uni-dos. Sin embargo, el resultado –en términos económicos yde desarrollo– fue un fracaso, que se manifiesta en elcarácter estructural de la actual crisis (Bernal-Meza, 2001)

De la Rúa ha tenido un fuerte condicionamiento políti-co derivado de la situación económica y financiera here-dada, agravada por las débiles políticas implementadas enestos primeros 15 meses de gobierno, y dependió del apoyonorteamericano para la obtención del “blindaje” financieroy luego para enfrentar nuevos acuerdos con el FMI y larenegociación de sus deudas de corto plazo con la bancainternacional privada. La posición crítica respecto de Cuba,incluyendo su voto junto a EE.UU. (a pesar de la oposiciónal embargo) y la predisposición a adelantar las nego-ciaciones por ALCA deben ser leídas en ese contexto.

El Mercosur y las relaciones Estados Unidos/ALCAsiguen siendo el tema más relevante y de complejopronóstico de la política exterior. La posición oficial delgobierno argentino continúa siendo la de mantener lavigencia del Mercosur y que negociará ALCA en acuerdocon los restantes socios del bloque subregional. Pero estadecisión ha sido también relativizada, según lo cual, lavoluntad norteamericana por profundizar su compromisode constituir el mercado hemisférico, acelerando los plazosy el estado de las relaciones con Brasil podrían influir enun cambio de posición.

Algunos temas de la agenda y objetivos de la políticaexterior, que fueron altamente relevantes bajo la gestióndel presidente Menem, como los relacionados con laseguridad y la defensa, han sido reducidos drásticamenteen su perfil. A pesar de que ello implica una preferencia

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por una agenda de “baja política”, la política exterior ar-gentina actual no se ha caracterizado por una gestión in-ternacional activa en lo que constituyen los asuntos másrelevantes de los nuevos temas internacionales, como elimpacto de las nuevas tecnologías, la degradación del me-dio ambiente, los delitos electrónicos y las patentesmedicinales.

La sítensis de la agenda argentina, a partir de diciembrede 1999, señala que ésta continuó con dos de los tres te-mas relevantes de la gestión Menem: 1) proyección exter-na de la “reformulación de la estrategia nacional dedesarrollo y reinserción en el Primer Mundo” (en la medi-da que hay continuidad del modelo económico neoliberaly una preferencia por el relacionamiento con las grandespotencias capitalistas occidentales, en particular con Es-tados Unidos) y 2) adopción de la “agenda de valoreshegemónicos universalmente aceptados”; mientras que eltercero, crear para Argentina una zona de paz en el conosur, que se traducía en la adhesión a la nueva concepciónde seguridad de los Estados Unidos, no ha sido motivo depreferencia alguna.

Por su parte, los Objetivos de la política exterior, to-dos ellos se mantienen respecto del pasado, excluyendolos temas de seguridad, en relación a la agenda argentino-norteamericana y el ingreso a la OTAN, vista por el radica-lismo como inviable y no conveniente para el mejoramientode las relaciones con Brasil. A pesar de ello, las relacionescon el país vecino no lograron traspasar la barrera de losproblemas comerciales.

Por último, en relación al carácter de la políticaexterior, se advierten algunos cambios y continuidades.En primer lugar, si bien la “comunidad epistémica” quesustentara el modelo del realismo periférico está fuera delgobierno, su influencia sigue proyectándose en la políticaexterna, en la medida que no ha habido un cambio del ejede las preferencias externas, hacia el Mercosur y las rela-ciones con Brasil, aún cuando no puede hablarse hoy deun “alineamiento” de la Argentina con Estados Unidos, que–supuestamente– fuera el núcleo de las divergencias du-rante el gobierno anterior. Esta continuidad de la influen-cia está dada tanto por los contenidos (agenda y objeti-vos) como por la incidencia que el ministro Cavallo – quienformó parte del staff que implementó la política exteriormenemista– tiene en la conducción de las relacionesinternacionales del país. En segundo lugar, la política ex-terior actual se caracteriza por su bajo perfil y una ausenciade “diplomacia presidencial”. La figura del Presidente hasido más bien pasiva, mientras que la del ministro Cavallo

ha sido altamente relevante, tal como se desprende de losanálisis que aquí efectuamos.

NOTAS

1. En forma llamativamente similar a la que se formuló en Brasilcon el “pragmatismo ecuménico responsable”; Cfr. Bernal-Meza(2000).2. El sentido que damos aquí al desarrollismo deriva de lasinterpretaciones sobre el proceso de transformaciones del sistemamundial y de las políticas nacionales necesarias para enfrentar susdesafíos. Esta visión mantenía continuidades como el neo-keynesianismo, respecto del papel del Estado como conductor deldesarrollo y actor esencial de la asignación de recursos y del realis-mo, en la percepción de las características de un sistema interna-cional dominado por los imperativos del poder.3. Desarrollado por Peter Haas, bajo la denominación de “comuni-dades epistémicas” el concepto ha sido tomado por Amado LuizCervo (2000:5-27), para aplicarlo al conjunto de intelectuales,académicos y diplomáticos argentinos que con sus aportes ayudarona formular la base de sustentación ideológica de la política exteriorde Menem, que fuera implementada por lo cancilleres Cavallo y DiTella (Bernal-Meza, 2000:353).Todos ellos, según Cervo (1999; 2000), tenían en común una visiónrevisionista de la historia argentina. Estaba integrada, entre otros,por Tulio Halperin Donghi, Carlos Escudé, Felipe de la Balze, Jor-ge Castro y Andrés Cisneros.4. Hemos definido éstos como aquellos que constituyen la esenciade la agenda post-guerra fría, bajo el orden imperial, quesustituyeron los temas relevantes de la agenda internacional delos años 70 y 80. Estos valores, que sustentan ahora la nuevaconfiguración del sistema internacional, como el liberalismoeconómico, los derechos humanos, la protección ambiental, losderechos sociales, junto a los temas militar-estratégicos -bajonuevas formas, vinculadas a los nuevos conceptos de la seguridad-excluyen el tema del “desarrollo”. Cfr. Bernal-Meza (2000:91-92).Asimismo, constituyen el fundamento de los instrumentos paramejorar -supuestamente- la inserción internacional de los paísesen desarrollo, bajo el nuevo orden político y económico de laglobalización (Bernal-Meza, 2000:155).Algunos autores los han definido como valores hegemónicos in-ternacionalmente reconocidos (Vigevani, et alii, 1999).5. Si bien bajo la gestión de Alfonsín se había comenzado a refor-mular el rol del Estado, sobre todo desde el ministerio conducidopor Terragno, con Menem el proceso de reforma y privatizacionesdel Estado se acelera, bajo el paradigma neoliberal.6. Para la interpretación “fundamentalista” o “ideológica” de laglobalización, ver Ferrer (1998) y Bernal-Meza (1996; 2000),respectivamente.7. Ver, a este respecto, Bernal-Meza (1994), segunda parte, capí-tulo primero.8. Escudé señala la irrelevancia de las modificaciones del sistemainternacional para la elaboración de una adecuada política exteriordel país.9. Sin embargo, como se ha advertido, respecto de este tema sedaría una gran paradoja: mientras el discurso y las argumentacionessugerían una “política de bajo perfil” (o de “baja política”), lo quese hizo fue todo lo contrario. Cfr. Bernal-Meza (2000).10. Aunque éste fue un objetivo importante de Alfonsín, a quien sedeben los grandes beneficios de la nueva relación de Argentina conla Unión Europea y sus países miembros, especialmente España e

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Italia, países con los cuales durante su gestión se firmaron impor-tantes convenios económicos, financieros y comerciales.11. Como señala Bologna (1998:13), citando prensa de la épo-ca, esta línea de acción diplomática había sido sugerida al presi-dente Menem, antes de asumir el cargo, por el presidente delgobierno español, Felipe González, quien le manifestó que siquería poner un pie en el Mercado Europeo, antes tenía quearreglar el tema Malvinas con los ingleses.12. Decimos “aplicación” porque los términos de éste habían sidoacordados entre ambos países durante la gestión de Alfonsín.13. Como señalan Busso y Bologna (1994:51), “el gobierno deMenem no concentró un alto nivel de expectativas en esteámbito. “Si bien Buenos Aires fue sede de la reunión cumbrerealizada en noviembre de 1992, la actividad del Grupo no fuetrascendente. Esta apreciación se sustenta en nuestra percepciónsobre la existencia de un cambio en este proceso de concertaciónpolítica que va de un enfoque resolutivo a uno más deliberativo.En sus orígenes lo caracterizábamos como un espacio deresolución de temas pero, actualmente se ha convertido en unasociedad de debate. Por otra parte, la influencia del alineamientoargentino con Estados Unidos se hizo presente en la Cumbre deBuenos Aires. El Presidente Menem efectuó contactostelefónicos con el entonces presidente George Bush y con elpresidente electo Bill Clinton, comunicándoles los objetivos dela reunión. Esta actitud argentina no contó con el aval de losotros miembros. Por otra parte, la disparidad de posiciones en-tre Argentina y otros integrantes ante la cuestión cubana tambiénpuede ser interpretada como una consecuencia de la dinámicadel alineamiento”.14. “Discurso del canciller Adalberto Rodríguez Giavarini sobre lapolítica exterior argentina”, Dirección de Prensa, Ministerio deRelaciones Exteriores, Comercio Internacional y Culto, BuenosAires, 30 de mayo de 2000.15. “Rodríguez Giavarini bregó por la reducción del proteccionismoeconómico para reducir la marginación social”; Dirección de Prensa,Ministerio de Relaciones Exteriores, Comercio Internacional yCulto, Buenos Aires, 27 de septiembre de 2000.16. Esta fue una desgraciada expresión, con la cual el entoncescanciller argentino, Guido Di Tella, quiso ejemplificar el nuevomodelo de relaciones que la Argentina aspiraba a mantener conEstados Unidos.17. Las relaciones con Cuba se deterioraron a partir de la filtraciónde la noticia que detallaba la posición que adoptaría la Argentina enla Comisión de Derechos Humanos de la ONU.” En el acto por el 1de mayo en la Habana, Fidel Castro acusó al gobierno argentino deser “monigote de los yanquis”. Como respuesta, el gobierno argen-tino, con fecha 5 de mayo, hizo permanente el retiro de su embajadoren Cuba, que ya estaba en Buenos Aires desde febrero pasado, quedandolas relaciones diplomáticas al borde de la ruptura.18. Según declaró la Secretaria de Política Exterior, Susana RuizCerutti, “nuestro único interlocutor es Gran Bretaña. Los isleñosno son ni serán parte de la controversia”, La Nación, “El Gobiernono dialoga con los isleños”, Buenos Aires, 22/02/2001.19. Clarín, “Apuran los tiempos de la cita entre Clinton y De laRúa”, Buenos Aires, 08/02/2000.20. El gobierno de Carlos Menem otorgó la adjudicación a la em-presa norteamericana Northop, asociada a la italiana Alenia, perola misma fue suspendida por una medida judicial.21. La Nación, “EE.UU continúa molesto con la SIDE. Colin Powellplanteó a Rodríguez Giavarini la falta de cooperación del organis-mo de inteligencia”; Buenos Aires, 13/05/2001.22. Según señaló la prensa, la síntesis de la estrategia inicial deCavallo frente al Mercosur y ALCA era un “replanteo total delMercosur”. Según Gazeta Mercantil (semana del 26 de marzo al1 de abril de 2001), citando declaraciones de uno de los asesores

del ministro al diario El Cronista, la reformulación del Mercosurpasaba por: “Primero implica exigir de Brasil una rápidaconstitución de un verdadero mercado común. Como Brasil nolo va a hacer, eso nos dría libertad de acción y pasaríamos a unazona de l ibre comercio, donde recuperaríamos toda nuestalibertad comercial, y eso nos permitiría buscar un acuerdo bila-teral con Estados Unidos”.23. Clarin.com, Economía, miércoles 09/05/2001.24. “Há preocupação no Brasil”, Gazeta Mercantil Latino-ameri-cana, Rio de Janeiro, edición del 14 al 20 de mayo de 2001, p.23.25. Clarín, Buenos Aires, 13/04/2001.26. En la reciente reunión del Mercosur en Asunción, el 21 dejunio pasado, los cuatro países del bloque decidieron reducir enun punto porcentual la tasa de estadíst ica general para lasimportaciones extra-Mercosur (del 2,5% al 1,5%), lo que en lapráctica reduce el promedio actual del AEC de 13,5 a 12,5 porciento.27. “El presidente Fernando H. Cardoso suspendió la visita pro-gramada a Argentina para los días 16 y 17 de abril, como muestrade desagrado contra lo que se considera una medida que afectadirectamente las exportaciones brasileras a la Argentina, que rom-pe con los acuerdos arancelarios negociados en el Mercosur”, Fo-lha de S.Paulo, 05/04/2001.28. Entre las medidas del segundo “paquete”, implementado porCavallo durante su actual gestión, estaba una devaluación encubierta,del 8%, que se aplica sobre los valores de importación y exportación,con lo cual el peso argentino tiene, para el comercio exterior, unaequivalencia de u$s 1= $ 1,08.29. Ya con anterioridad, el 25 de junio, Cavallo había amenzado aBrasil, Uruguay y Paraguay con más medidas si esos paísescontinuaban devaluando sus monedas. El ministro argentino estáconvencido de que todas las devaluaciones regionales son producidaspor los gobiernos y los bancos centrales y no por libres movimientosdel mercado. Cfr. Ambitoweb, 26/06/2001.30. La primera podía obedecer a un test para evaluar cómo los ope-radores económicos y la ciudadanía podrían reaccionar frente a laalternativa de una flexibilización del sistema de convertibilidad,que llevara posteriormente a una salida no traumática del mismo.La segunda, habría sido tranquilizar a los inversores españoles y engeneral a los europeos, acerca del hecho que la Argentina no seestaría volcando hacia una vinculación más estrecha con EstadosUnidos y ALCA, postergando sus relaciones con la Unión Europea.31. La Nación, 22/04/2001.32. Domingo Cavallo, en la presentación de su libro Pasión porcrear, 31/3/2001, p.12.33. La Nación, Buenos Aires, 18/04/2001. En igual forma se expresóel vocero presidencial, Ricardo Ostuni, en conferencia de prensadel mismo día, previa al viaje de De la Rúa a Québec, cuando señalóque “la posición argentina es negociar desde el bloque regional delMercosur. La Argentina negocia desde el Mercosur en el ALCA;esta es la resolución que se tomó aquí en Buenos Aires; es la posicióndel gobierno argentino”.34. La Nación, Buenos Aires, 19/06/2001.35. Ambitoweb, “Encuesta: Mercosur mejor que ALCA”, 22/05/2001.36. La Nación, “El Mercosur y la UE comienzan a negociar sobrearanceles”, Buenos Aires, 01/06/2001.37. Declaraciones del embajador Roberto Lavagna a La Nación,01/06/2001.38. Apoyo financiero del FMI y de algunos países (España), poru$s 40.000 millones, como recursos a disposición del gobierno ar-gentino, a entregar en cuotas, de acuerdo a aceptación previa –porparte del organismo financiero internacional– de las medidas

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implementadas por la gestión económica, negociado durante lagestión del ministro José L. Macchinea.39. La Nación Line, “Para los argentinos, la relación com losEE.UU. s muy importante”, Buenos Aires, 12/06/2001.40. Cfr. La Nación, “Voces a favor de mantener el Mercosur”,Buenos Aires, 08/05/2001; también, Bernal-Meza (2001a).41. De allí que la entonces Comunidad Económica Europea instituyó,como uno de sus primeros y esenciales instrumentos, la CorteEuropea de Justicia, que fuera pieza clave en la dinamización delproceso de integración y para el efectivo cumplimiento de losacuerdos entre Estados.

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A

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Resumo: O objetivo é examinar o significado para os países latino-americanos em geral, e para o Brasil emparticular, do projeto de formação da Alca proposto pelo governo norte-americano na Cúpula de Miami, emdezembro de 1994. Para tanto, faz-se uma reconstituição dos esquemas regionais de “nova geração” que emer-giram no continente nos anos 90, tomando como foco de análise o Nafta, ante-sala do que possa vir a ser aAlca, e o Mercosul.Palavras-chave: regionalismos de nova geração; relações Estados Unidos/América Latina.

Abstract: This article examines the significance for Brazil in particular and for Latin America in general of theFTAA agreement proposed by the United States government at the Miami Summit in December of 1994. Tothis end, the author reviews the various regional frameworks of the “new generation” that emerged throughoutthe continent in the 1990´s, taking as a starting point Nafta, which may provide a notion of what can beexpected from the FTAA and Mercosul.Key words: regionalisms of the new generation; U.S./Latin American relations.

SONIA DE CAMARGO

Terceira Cúpula das Américas que se realizouem Quebec de 20 a 22 de abril de 2001 – prece-dida pela de Miami, em fins de 1994 e pela de

governos e, em especial, de suas sociedades, cresçam asrestrições e as rejeições ao atual modelo econômico glo-bal e aos esquemas regionais nele inspirados, vistos comoos principais geradores das vicissitudes sociais que ospenalizam. No que se refere especificamente à AméricaLatina, as maiores desconfianças e dúvidas concentram-se nas políticas norte-americanas de segurança para a re-gião e nos esforços para alcançar acordos de integraçãoeconômica e de abertura comercial no plano hemisférico.

E é justamente nesse contexto, em que se combinam,de forma contraditória, sentimentos e atitudes de adesão,realismo, pragmatismo, dúvida, rejeição, que as negocia-ções dos países da região com os Estados Unidos para aformação de uma Área de Livre Comércio das Américascomeçam a adquirir um contorno mais definido, na espe-rança de que, para os que apostam no projeto, elas saiamdo papel e se tornem, efetivamente, uma realidade con-creta no prazo previsto e, para os que dele duvidam, quepossam revertê-lo ou ajustá-lo aos objetivos e particulari-dades de cada nação. Partindo dessa perspectiva, e toman-do como gancho as contradições apontadas, pode-se tra-zer para o debate alguns das principais linhas de conflitoque, velhas ou novas, imaginárias ou reais, perturbam –

Santiago, em 1998 – reuniu os 34 Chefes de Estado dastrês Américas, com exclusão de Cuba. O objetivo princi-pal do encontro foi discutir o projeto de constituição deuma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), cujadata de implantação, marcada para 1o de janeiro de 2006,obteve, depois de algumas idas e vindas em relação a suaantecipação, consenso entre os países participantes. Con-tudo, a realização da “II Cúpula dos Povos”, paralela àoficial, organizada por representantes de movimentos so-ciais do continente, e as manisfestações de rua em Quebec– cidade declarada zona militar durante três dias – e emoutras cidades latino-americanas, mostrou ao PresidenteGeorge W. Bush que os assuntos hemisféricos estavampassando por um momento de extrema turbulência, maiordo que há apenas alguns anos.

Na realidade, essas diferentes expressões de oposiçãoao projeto Alca são facilmente explicáveis se se levar emconta que grande parte dos países em desenvolvimentoenfrentam, no presente momento, crises políticas e eco-nômicas graves que fazem que, no seio de alguns de seus

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neste momento em que as negociações para a implanta-ção da Alca parecem avançar – as relações entre o norte eo sul das Américas.

Uma das razões mais evidentes para o desgaste dessasrelações que, desde o início do governo do presidenteGeorge Bush pai e do fim da Guerra Fria até, aproxima-damente, o fim dos anos 90, haviam sido mais cordiaisque em qualquer outra época, é que a maioria dos paíseslatino-americanos, como já assinalado, estão em pior si-tuação do que há algum tempo. Com efeito, no começodos anos 90, o otimismo coloria a região, onde a reformaeconômica de cunho neoliberal produzia um aumento docrescimento e uma queda da inflação e onde a consolida-ção da democracia prometia mais justiça e maior segu-rança. Os dados da Cepal indicam que entre 1990 e 1997a pobreza na região diminuíra de 41% para 36% e a indi-gência de 18% para 15% (Cepal, 1999). No entanto, em1991, o lançamento da “Iniciativa para as Américas” –que parecia abrir para a região a possibilidade de garantiro acesso por longo prazo ao mercado norte-americano e aentrada de maior volume de capitais produtivos, especial-mente no caso dos países de menor desenvolvimento re-lativo – rendia aos Estados Unidos um voto de confiança(Hakim, 2001).

Entretanto, nos três últimos anos da década, a situaçãodos países da América Latina deteriora-se, com taxas decrescimento cada vez mais irregulares, quando não decres-centes em grande parte de seus países, e com a reversãoda tendência anterior, produzindo-se um aumento do ní-vel de pobreza e de exclusão social, com todas as suasconseqüências, como violência e criminalidade (E. Kleine V. Tokman, 2000). Como decorrência, embora a quasetotalidade dos governos latino-americanos continuasse aapostar nas políticas de abertura dos mercados, ou por issomesmo, a confiança por parte dos setores produtivos daregião e de sua população em geral na capacidade de com-petir na economia globalizada sofreu um retrocesso, car-regando em seu bojo a confiança irrestrita no ideário neo-liberal preconizado pelos Estados Unidos.

Com efeito, a identificação desse país com as refor-mas reunidas no chamado “Consenso de Washington” –que inclui além da abertura das economias, a privatizaçãodas empresas públicas e a desregulação das atividades fi-nanceiras, comerciais e dos mercados de trabalho – aoapresentarem resultados econômicos e sociais decepcio-nantes, fez que a liderança dos Estados Unidos no conti-nente e seu poder real ou imaginado de dominar os orga-nismos financeiros mundiais, como o FMI e o Banco

Mundial, fossem olhados com crescente desconfiança pelaopinião pública. A esse conjunto de percepções se acres-centava a de que, enquanto a América Latina estavaestancada economicamente, os Estados Unidos gozavamo período de auge econômico mais longo de sua história(Hakim, 2001).

Paralelamente às questões econômicas, o avanço daconsolidação democrática na região parecia perder impulsoem alguns países, desafiada pelo crescente cesarismo ecorrupção do governo de Alberto Fujimori, no Peru, pelaperda de controle institucional do governo eleito da Co-lômbia, fortemente golpeado pela guerra de guerrilhas epelo acirramento da violência criminal, pelo golpe mili-tar vitorioso no Equador, o primeiro na América Latina,nos últimos 24 anos, e por surtos antidemocráticos emoutros países como Nicarágua, Guatemala, Paraguai (LeMonde Diplomatique, out. 2000). Logicamente essas tur-bulências político-institucionais não foram nem são im-putadas diretamente aos Estados Unidos. Mesmo assim,algumas políticas do governo norte-americano para a re-gião, como exemplarmente o “Plan Colômbia”, em queestão previstos mecanismos de controle policial, fiscali-zação das fronteiras e uma ajuda militar imediata de 1.300milhões de dólares, seguido da “Iniciativa Andina”, paraa qual está prevista uma ajuda financeira de aproximada-mente 3.000 bilhões de dólares no curso de três anos – oque significa a militarização da luta antidrogas na regiãoe sua internacionalização, com efeitos desestabilizadorespara os demais países andinos – aumentaram as reticên-cias das populações latino-americanas e de seus governos(Bonilla, 2001).

Partindo dessa perspectiva propõe-se, neste artigo,examinar as razões políticas e econômicas que impulsio-naram o governo norte-americano a ampliar, nos anos 90,a agenda da política externa do seu país, incorporando nelaa dimensão hemisférica. E as razões e o modo pelos quais,do ponto de vista latino-americano, especialmente dospaíses do Mercosul, o projeto Alca – visto por grande parteda região como inevitável – é introduzido, com prazo mar-cado para sua realização, nas agendas de sua política ex-terna. Antes, porém, é oportuno abordar algumas consi-derações gerais sobre os acordos regionais que precederamo lançamento da proposta da integração hemisférica, oumelhor, sobre o surgimento, na América Latina, no iníciodos anos 90, de novas modalidades de regionalismos, oschamados “sistemas continentais de nova geração”, cujalógica e objetivos diferem, em muitos aspectos, dos dageração dos anos 60 (Hurrel, 1995). Como exemplos mais

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significativos pode-se citar o Mercado Comum do Sul(Mercosul), constituído pelo Tratado de Assunção, emmarço de 1991, a Iniciativa para as Américas, lançada pelopresidente George Bush, em junho do mesmo ano, o Acor-do de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), im-plantado em janeiro de 1994, e a proposta de formação deuma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), apre-sentada em dezembro do mesmo ano.

REGIONALISMOS DOS ANOS 90

Esta análise inicia-se salientando que a formação deblocos regionais está diretamente ligada à configuraçãogeopolítica e geoeconômica do sistema global no qual estãoinseridos. Ou, em outras palavras, que a emergência des-ses blocos econômicos traduzem as transformações espa-ciais e os processos de desterritorialização e reterrito-rialização do atual sistema-mundo, ambos movimentosfundamentados na lógica capitalista da competição glo-bal. Na realidade os fenômenos da globalização e da re-gionalização, superpostos e interligados, expressam for-mas de acumulação do capital e formas de distribuição dopoder que reorganizam espacialmente a economia e a po-lítica no plano mundial. E essa reorganização do capita-lismo, atestada pela hipermobilidade do capital e pela ces-são de autonomia política que se transfere para o emergentesistema comandado pelas grandes corporações, reveste-se de um número de fenômenos e de configurações anali-ticamente distintos, unificados pela emergência de um prin-cípio organizativo novo, suficientemente estável paradefinir os contornos de uma nova ordem mundial, pelomenos por um determinado tempo (Marshall, 1998).

Nesse contexto, a globalização – ao redefinir o locusdo poder político, ampliando-o para fora dos governos so-beranos por meio de sua concentração nas grandes corpo-rações transnacionais, e ao reorganizar a atividade eco-nômica, passando-a do plano nacional para a regional eglobal – põe os estados nacionais diante de um impasse ede um desafio. Com efeito, a lógica neoliberal que presi-de o atual processo de globalização, ao ter como utopia acriação de um mercado global livre de controles sociais epolíticos, põe em questão a habilidade do atual sistemade Estados para enfrentar alguns dos principais proble-mas e desafios de natureza transnacional (Mittelman,2001).

Contudo, é preciso considerar o fato de que a própriaglobalização da economia força as atividades das empresastransnacionais de qualquer país a se tornarem mais depen-

dentes da boa vontade do país em que operam. Dessa ma-neira, os Estados, com suas diferentes competências, conti-nuam inevitavelmente a participar no processo capitalistaem sua atual fase de acumulação. Isso, contudo, não invali-da que tenham de enfrentar o “paradoxo global”, de que nosfala Naisbaitt (1994), isto é, que tenham que se mover ebarganhar entre o impulso voltado para a consolidação eampliação dos interesses nacionais, de um lado, e a promo-ção da mobilidade do capital, de outro (Marshall, 1998).

É essa a lógica que fundamenta e justifica os atuais“esquemas regionais de nova geração”. Na realidade, aemergência de um princípio novo de organização mun-dial torna a opção regional um meio considerado eficazde administrar com mais facilidade o paradoxo global re-ferido. Se adotarmos o ponto de vista dos Estados de menordesenvolvimento relativo que avaliam que a expansão dasoportunidades de mercados aumenta, paralelamente, àsexigências de competitividade, vemos que essa opção estávinculada ao fato de que os regimes de integração sub-regional significam uma forma de aprendizado e uma ponteque facilita e abre caminho para transações internacionaismais amplas, permitindo-lhes alcançar, de forma mais com-petitiva, novos patamares em seu processo de inserção naeconomia internacional. Com efeito, ao incorporarem noâmbito da região modos de articulação da economia polí-tica global e, ao mesmo tempo, modos de ação políticaantes reservados aos espaços nacionais, adquirem maio-res recursos econômicos e político-institucionais para ad-ministrarem, coletivamente, as exigências de ajuste daseconomias dos países-membros e assegurarem melhorescondições de competirem em mercados globais, preser-vando, ao mesmo tempo, características e interesses pró-prios da região, em seu conjunto (Camargo, 1997).

No que se refere aos Estados mais fortes, os esquemasde integração regional, quando formados por sócios acen-tuadamente assimétricos, podem ser percebidos por elese por seus agentes econômicos como significativamentefavoráveis a seus interesses, uma vez que avaliam que osavanços cada vez mais rápidos nos meios de comunica-ção e de transporte e a erosão da autonomia política dosgovernos com quem se associaram, permitem a seus capi-tais atravessarem fronteiras com crescente liberdade, e aseus produtos invadirem mercados em espaços cada vezmais amplos, abertos e desregulados (Camargo, 1997).

Paralelamente, ou melhor, interligados aos fatores exa-minados, os blocos econômicos respondem, igualmente,aos interesses político-estratégicos, em especial no casodos países centrais, que buscam não apenas assegurar o

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nível de riqueza que desejam preservar ou alcançar mas,sobretudo, defender, fortalecer e ampliar a posição relati-va de poder que ocupam no cenário mundial. Nessa pers-pectiva, a economia torna-se uma questão de segurança,tornando as relações entre forças econômicas e atuaçãopolítica externa extremamente complexas e difusas. No casoespecífico dos Estados Unidos – potência hegemônica docapitalismo atual e, portanto, a única com interesses glo-bais – o fim da guerra fria proporcionou a essas duas di-mensões, a econômico-comercial e a de segurança, ummesmo nível de prioridade. Isso significa que o desafiomaior para o governo norte-americano é conduzir o paísao cume da economia mundial, dissipando ao mesmo tem-po os ressentimentos provocados por sua posição hegemô-nica, e convencer os demais países de que a reorganizaçãoda ordem mundial se dá tanto em seu próprio benefíciocomo na dos demais países. Já no caso dos países não si-tuados no centro do sistema, os esquemas de integraçãoeconômica, quando apoiados regionalmente em objetivos,políticas e instituições comuns têm, além dos fins econô-mico-comerciais previstos explicitamente, objetivos polí-ticos, de modo que a região adquira a possibilidade de fa-lar com uma voz única nas negociações internacionais. Isso,por sua vez, lhes dá maior poder para defenderem interes-ses regionais próprios e de seus países, assim como políti-cas e ações que se referem a toda a humanidade.

É, portanto, com base nessa lógica e dentro de um novoquadro de tensões e desafios, que antigos esquemas re-gionais reestruturaram-se em diversas partes do mundo,outros foram criados, apresentando diferentes modelosinstitucionais, objetivos e campos de atuação. No que serefere aos países da América Latina, que se encontram,neste começo de século, imersos em uma economia glo-bal que não os favorece, a perspectiva de se integraremcom vizinhos regionais mostra-se como o caminho maiscurto e promissor. Esse caminho passa, para alguns, pe-los processos sub-regionais ou continentais de integração,como a Comunidade Andina, o Mercosul, a Comunidadedo Caribe, o Mercado Comum Centro Americano, a Áreade Livre Comércio da América do Norte ou o projeto deintegração sul-americana, para outros pelo grande proje-to de integração hemisférica que, lançado e liderado pe-los Estados Unidos, atrai, preocupa e amedronta a região.

Levando em conta essa multiplicidade de acordos, pro-jetos e propostas regionais, e considerando os fins espe-cíficos deste trabalho, inicialmente, irá se analisar a Áreade Livre Comércio da América do Norte (Nafta) uma vezque, constituindo-se como a ante-sala da futura integra-

ção hemisférica, é uma referência obrigatória para a re-flexão em questão. Em seguida abordar-se-á o Mercosul,especificamente em sua função de interlocutor privilegia-do com os Estados Unidos, no contexto das negociaçõesreferentes à formação da Área de Livre Comércio das Amé-ricas. Esses dois temas levam, naturalmente, a reconstituiros passos que pavimentaram a história recente da Améri-ca Latina em seu entrelaçamento com a grande potência,ao mesmo tempo regional e mundial, passos que, segun-do algumas vozes latino-americanas, conduzem o conti-nente, inexoravelmente, na direção de uma integração dealcance hemisférico.

O DESTINO DAS AMÉRICAS

Área de Livre Comércio da América do Norte

Do ponto de vista geral latino-americano, e brasileiroem particular, seria possível afirmar que a presença da Alcacomo projeto a médio e longo prazo e a do Mercosul, comouma realidade imediata que parece estar perdendo fôlego– ao lado nas negociações com a União Européia para aconstitução de um acordo de livre-comércio – ocupam,quase que em tempo integral, os corações e as mentes, asagendas dos governos, as diplomacias e os agentes eco-nômicos dos países latino-americanas.

Analisar esses dois temas implica, necessariamente, tra-zer para o centro do debate as relações “perigosas” daregião com os Estados Unidos, já que a possibilidade derealização de um projeto de integração hemisférica – quetem em uma ponta a potência hegemônica mundial e, naoutra, países de menor nível de desenvolvimento e de poder– coloca questões que, não só ameaçam a própria continui-dade dos esquemas sub-regionais, como despertam descon-fianças e dúvidas em seus membros potenciais.

Tomando-se como ponto de partida o início dos anos90, principia-se a análise pela “Iniciativa para as Améri-cas”, proposta lançada pelo então presidente norte-ame-ricano George Bush em junho de 1991, num contexto emque as relações entre os países latino-americanos e osEstados Unidos haviam começado a se tornar mais cor-diais e cooperativas do que haviam sido em tempos ime-diatamente anteriores. Algumas razões explicam o relativootimismo daquele momento, entre as quais a redemocra-tização dos sistemas políticos da região e a perspectivade adoção de políticas econômicas neoliberais que se mos-traram inicialmente exitosas na maior parte de seus paí-ses (Hakim, 2001).

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Dentro desse contexto, a “Iniciativa para as Américas”expôs, pela primeira vez, a possibilidade de um acordode cooperação econômico-comercial entre países do pri-meiro e do terceiro mundos, proposta com a qual o gover-no dos Estados Unidos pretendia preencher um vazio emsuas relações com os países latino-americanos que haviamsido perturbadas, nos anos 80, por temas conflitivos comoo da dívida externa, a questão da América Central e a dotráfico de drogas, estabelecendo um diálogo mais cons-trutivo com o subcontinente (Hakim, 1992).

Alguns desses temas já haviam sido negociados ante-riormente pelo próprio Presidente Bush no início de seumandato, como a questão da dívida externa, cujo PlanoBrady representou algum alívio para os países devedores,especialmente no âmbito dos acordos com o México e aCosta Rica. Da mesma maneira, a solução parcial de ou-tras questões, como a da América Central, já havia sidoobtida, tendo os Estados Unidos alcançado alguns de seusprincipais objetivos, como a expulsão do poder do Gen.Noriega, no Panamá, a derrota do governo Sandinista, naNicarágua, e a perspectiva de um acordo negociado emEl Salvador (Garcia, 1998). Esses resultados, aliando-seao fato de que o componente comercial do projeto abria apossibilidade para que as economias latino-americanasacedessem ao crescente mercado norte-americano por meioda formação de áreas de livre-comércio sub-regionais com-patíveis com os esquemas multilaterais, contribuíram paraque a Iniciativa para as Américas, sobretudo em uma con-juntura em que os resultados da Rodada Uruguai pareciamincertos, tivesse uma boa receptividade por parte dos paí-ses da América Latina (Fritsch, 1992).

Na realidade, a Iniciativa para as Américas apresenta-va um caráter mais político do que econômico, uma vezque não se tratava de reorientar a política comercial nor-te-americana, nem de propor a transferência de recursossubstanciais para a região, dados os próprios limites or-çamentários do país, mas de recuperar o diálogo políticocom a América Latina que, depois de 1961, quando haviasido lançada a Aliança para o Progresso, fora perdendoimportância. Várias considerações por parte da Casa Bran-ca impulsionaram esta nova tentativa de formular umapolítica interamericana, entre as quais a idéia de que a criseeconômica latino-americana poderia ter um impacto ne-gativo sobre os processos de democratização na região esobre o tráfico de drogas em todo o continente.

Ao mesmo tempo, a Iniciativa para as Américas era vistapor Washington como um meio de reforçar a tendênciacrescente na direção da liberalização da economia e da

abertura dos mercados, o que levou o governo norte-ame-ricano a fortalecer a posição dos líderes regionais com-prometidos com esse tipo de política e a incentivar os in-decisos, introduzindo ao mesmo tempo a idéia de umapossível integração econômica com os Estados Unidos(Hakim, 1992).

Aproximadamente três anos depois do lançamento daIniciativa para as Américas, em janeiro de 1994, na admi-nistração do Presidente Clinton, um novo passo é dadono sentido de estabelecer uma efetiva integração comer-cial com um país em desenvolvimento com quem faziafronteira, o México, empreendimento que tomou a formade uma Área de Livre Comércio da América do Norte entreesse país, o Canadá e os Estados Unidos (Nafta) que abriuo caminho para que, em dezembro de 1994, no âmbito dacúpula de Miami, o governo norte-americano lançasse for-malmente a proposta de criação de uma Área de Livre Co-mércio das Américas.

Dessa maneira, em termos substantivos, o Nafta, im-plantado em janeiro de 1994, concretizou a idéia de queum único regime continental de acumulação, que ocupa-ria a área que se estende da fronteira da Guatemala ao PóloNorte, deveria sobrepor-se às três economias separadas.Em termos instrumentais, significou um mecanismo des-tinado a criar normas que assegurassem mobilidade e efi-ciência para os agentes econômicos, leia-se corporaçõestransnacionais, para não dizer norte-americanas, que tran-sitavam livremente por meio de duas fronteiras nacionais,e regras de origem que os protegessem contra a competi-ção extra-regional (Clarkson, 2000).

No que se refere, especificamente, aos interesses ime-diatos dos Estados Unidos, o Nafta surgiu como um com-plemento ou uma alternativa às negociações multilateraisque se realizavam no âmbito do que era então o GATT,cuja rodada Uruguai não parecia saber adaptar-se às no-vas condições do comércio mundial. Se, nos anos anterio-res, o GATT fora dominado pelos países centrais que ne-gociavam entre si reduções tarifárias para produtos de seuinteresse, nos anos 90 dificuldades entre esses próprios paí-ses – como a resistência da Comunidade Européia em li-beralizar sua Política Agrícola Comum e do Japão em abrirseus mercados às exportações norte-americanas – derammunição para que os Estados Unidos tentassem formar umbloco comercial próprio no Hemisfério Ocidental e, para-lelamente, pregar para o resto do mundo a integração glo-bal dos mercados, em toda sua plenitude.

Quanto ao México, a idéia de participar de um proces-so de negociação com o “poder imperial” e de desenvol-

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ver, formalmente, laços comerciais mais estreitos com ele,teria parecido impossível algumas décadas antes. Entre-tanto, no início dos anos 90, seguindo a tendência dos de-mais países latino-americanos e caribenhos que começa-vam a reduzir unilateralmente suas tarifas externas e a abrirseus mercados, o presidente Carlos Salinas de Gortari fazum pedido oficial para que se iniciassem as conversaçõesreferentes à incorporação do país ao acordo de livre-co-mércio. É verdade que o terreno já havia sido preparadoanteriormente pela estratégia de liberalização econômicalançada em 1985 pelo presidente De La Madrid, momentoem que o México toma a decisão de incorporar-se ao CATTe de assinar um número significativo de acordos bilateraiscom os Estados Unidos que abrem caminho para negocia-ções futuras mais amplas (Lustig, 1992).

Cabe destacar que a decisão do México de institucio-nalizar os vínculos comerciais com os Estados Unidosapoiou-se em uma situação concreta já existente, a de umarelação comercial em que mais de 80% das exportaçõesmexicanas dirigiam-se ao mercado norte-americano e pertode 70% eram precedentes desse país, dando, assim, aosEstados Unidos o lugar de primeiro parceiro comercial.Em sentido inverso, o México representava, para os Esta-dos Unidos, o seu terceiro maior mercado exportador eimportador.

Contudo, a aparente consistência das razões econômi-co-comerciais que justificavam a prioridade do projetoNafta para os Estados Unidos e para o México, não impe-diu o surgimento de temores, restrições e resistências, dediferentes procedências, matizes e alcance, de acordo como país e o setor social de onde provinham. No que se refe-re aos Estados Unidos, a resistência, pelo lado da esquer-da, vinha, essencialmente, dos movimentos trabalhistas,ambientalistas, ativistas de direitos humanos e de seusrepresentantes Democratas, e pela direita, dos Republica-nos nacionalistas. Contudo, apesar de a forte mobilizaçãocontra o Nafta, estes setores foram derrotados no Con-gresso, em que as forças empresariais representadas pe-los Republicanos e parte dos Democratas conservadoresmoderados, apoiadas pelo próprio presidente Clinton, con-seguiram aprovar o projeto, obtendo na Câmara 234 vo-tos contra 200 e no Senado 61 contra 38 (Shoch, 2000).Na verdade, o processo de aprovação foi bastante traba-lhoso, especialmente pelo fato de que, desde 1993, nãovigorava mais o sistema de “autoridade de promoção co-mercial” (fast track) que dava ao Executivo a possibilida-de de negociar os acordos comerciais sem estar sujeito apossíveis emendas do Congresso. Sem ele, o Executivo

teve de negociar votos, um a um, com membros indivi-duais ou com grupos no Congresso.

O argumento dos que se opunham ao projeto, especifi-camente dos trabalhadores organizados reunidos na gran-de Central Sindical AFL-CIO, era a possibilidade de per-da de fontes de trabalho. Seus membros argumentavamque, em razão da grande diferença salarial entre os traba-lhadores mexicanos e os de seu país, haveria um desloca-mento destes que seriam substituídos pela mão-de-obrabarata vinda do México para os Estados Unidos, num con-texto de pouca ou baixa efetividade institucional que pu-desse neutralizar os custos da transição. Já no caso doMéxico, os temores e resistências dos setores sociais con-centraram-se, especialmente, na mudança da estrutura doemprego e do regime da terra com seu conseqüente im-pacto sobre os salários reais, sobre a flexibilização do tra-balho, e sobre a diminuição das medidas de proteção aostrabalhadores e aumento de sua mobilidade. No que serefere especificamente à mudança do regime da terra, odeslocamento do campo para a cidade atingiu, em espe-cial, os produtores agrícolas mexicanos vinculados à pro-dução de grãos. Com efeito o campo mexicano, que jápassara anteriormente por uma reforma em sua legislaçãode propriedade da terra em razão de sua privatização, viusurgir, graças à liberalização comercial dos bens agríco-las, um amplo fluxo de migração que, sem proteção e semalternativas de fontes de trabalho, abandonou as áreasrurais, procurando as cidades, tanto no México como nosEstados Unidos.

Ao lado dessas questões, a crise financeira mexicanade fins de 1994 – que surpreendeu o próprio governo nor-te-americano – e sua crise política em que não faltaram osingredientes de corrupção e violência física, como o as-sassinato de Colosio, candidato à presidência, e de RuizMassieu, Secretário-Geral do PRI, e as revoltas constan-tes da população camponesa, em que se inclui o levanta-mento armado de Chiapas, em janeiro de 1994, represen-taram um bom termômetro da situação em que se deu aimplantação do Nafta (Morris e Passe-Smith, 2001).

Agora que se passaram sete anos, é difícil fazer, e aintenção não é essa, uma avaliação dos resultados da op-ção mexicana de participar do regime continental. Ape-nas convém destacar que, em virtude da proximidadegeográfica e sua forte dependência da economia norte-ame-ricana, a desaceleração econômica desse país está atin-gindo seriamente o crescimento industrial do México eseu mercado de trabalho. Segundo as notícias mais recen-tes, fábricas estrangeiras que haviam atravessado a fron-

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teira mexicana para beneficiar-se de sua mão-de-obra ba-rata, iniciaram um processo de demissão de dezenas demilhares de trabalhadores, revertendo uma tendência deexpansão do mercado de trabalho decorrente de um cres-cimento econômico significativo na esteira do acordoNafta.

Um último tópico a ser examinado, o das regras e nor-mas vigentes no acordo Nafta. Foi por meio do slogan do“comércio livre” que o sistema político mexicano, que con-tava com forte presença do Estado, foi reestruturado à luzdas necessidades de liberdade das corporações transna-cionais norte-americanas postas em face das crescentespressões por competitividade no contexto de uma ordemglobalizada. Na realidade o acordo Nafta, especificamenteem seu Capítulo 11, inclui um conjunto de novos direitose proteções para os investimentos das empresas, sem pre-cedente conforme extensão e poder. O artigo 1.110, porexemplo, garante aos investidores estrangeiros, por meiode um sistema de arbitragem, uma compensação por qual-quer tipo de expropriação direta (nacionalização) ou quepossa ser vista como indireta, ainda que perfeitamente le-gal, determinada pelo governo de um dos países integran-tes do Nafta. Da mesma maneira, garante compensaçãose um investidor estrangeiro considerar que os rendimen-tos de seu capital aplicados na região, ou mesmo rendi-mentos futuros potenciais, tenham sido prejudicados porações dos governos locais. O sistema de arbitragem fun-ciona do seguinte modo: o investidor estrangeiro podeiniciar um processo arbitral por perdas monetárias pre-sentes ou potenciais diante de um tribunal fechado para aobservação e participação públicas e que não oferece ne-nhuma das garantias básicas asseguradas nas cortes na-cionais. Por conseguinte, as empresas estrangeiras queoperam em um dos países do Nafta têm mais direitos queempresas domésticas que operam em seu próprio país, oque significa segurança e liberdade em toda a extensãodo continente, o que implica maior flexibilidade e mobi-lidade. A diferença fundamental deste artigo com o deoutros acordos comerciais é que as corporações globaissão livres para pleitear por conta própria sem precisar daaprovação dos governos nacionais para agir em seu pró-prio benefício em fóruns internacionais (Greider, 2001).É interessante lembrar que o Capítulo 11 do Nafta baseou-se no “acordo multilateral de investimento”, no qual amaioria dos países da Organização Mundial do Comérciorejeitara há alguns anos por considerá-lo um ultrajante edesrespeito à soberania nacional (Bottary e Swenarchuck,2001).

Área de Livre Comércio das Américas

O tema Nafta leva diretamente à Alca uma vez queeste projeto de integração das duas metades do hemis-fério constitui uma ampliação, para as três Américas,da lógica e das regras, procedimentos e políticasdesenvolvidas no âmbito do acordo entre Estados Uni-dos, Canadá e México.

No que se refere à conjuntura internacional, as condi-ções que haviam levado à implantação do Nafta mostra-vam-se igualmente favoráveis para o lançamento de umprojeto mais ambicioso e abrangente que deveria cobrirtodo o hemisfério. Com efeito, a consolidação dos Esta-dos Unidos como única potência global, o avanço rápidodo processo de globalização financeira que aumentara opeso estratégico do campo econômico na política mun-dial, a expansão ideológica da democracia liberal e do ca-pitalismo desterritorializado, permitindo que esses doisprocessos se afirmassem como modelos hegemônicos, deuaos Estados Unidos a possibilidade de pensar que chega-ra o momento de estender ao conjunto dos três continen-tes os benefícios de uma integração iniciada e que, julga-vam, mostrara-se produtiva. Paralelamente, as própriascondições estratégico-militares em âmbito regional e mun-dial também favoreciam o governo norte-americano, umavez – que uma das áreas de conflito político-ideológicomais intenso, a América Central, pacificara-se e o perigocomunista no continente, representado inicialmente por al-guns países do Cone Sul e, posteriormente pela Nicará-gua e Granada, parecia haver-se evaporado, permitindoaos Estados Unidos uma redefinição de suas prioridades.

A prioridade passava, assim, por integrar as três Amé-ricas e o Caribe, criando um mercado único de pouco maisde 800 milhões de habitantes, com um PIB de 11.220 bi-lhões de dólares, o que equivale a 40% do PIB mundial, eno qual os Estados Unidos detêm, aproximadamente, 80%do PIB do conjunto dos outros países da região. Nessecálculo o Brasil, cuja economia é a maior do continentesul, pesa aproximadamente 17 vezes menos do que os Es-tados Unidos (SEAIN, 2000).

Um dos atrativos principais do projeto é a possibilida-de de avançar em pontos que vão além dos que foram acor-dados no âmbito da Organização Mundial do Comércio(OMC). Entre esses pontos, é possível destacar o acessoirrestrito às licitações e contratos de fornecimento ao se-tor público dos demais países (ministérios, empresas es-tatais, etc.) e a interdição de quaisquer restrições à entra-da de suas empresas no setor de serviços. Com efeito está

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previsto que corporações transnacionais possam adquirirdireitos competitivos para fornecer amplo espetro de ser-viços em âmbito governamental e o direito de processarqualquer governo cujas medidas de ordem pública, aindaque legais, possam ser consideradas como prejudiciais aseus lucros imediatos ou potenciais. Dessa maneira a Alca,assim como o fizera o Nafta, facilitará a entrada pela por-ta dos fundos ao Acordo Multilateral de Investimentos.

Contudo, apesar desses privilégios, algumas dificulda-des domésticas interpõem-se no caminho da realização daAlca, as mesmas que, como já vimos, haviam aparecidopor ocasião da aprovação do Nafta. Elas têm como epi-centro a oposição do Congresso norte-americano, que atéo momento não concedeu ao presidente George W. Bush,apesar de todos seus esforços, a “autoridade de promoçãocomercial” que lhe permita operar em acordos comerciaiscom a rapidez e a liberdade necessárias. A recorrência nanão aprovação desse mecanismo traduz o mesmo temoranterior de que, em face da competição de mão-de-obramais barata – que no caso da Alca, se estenderia aos tra-balhadores de, praticamente todos os países da AméricaLatina – ocorresse um avanço no processo de flexibiliza-ção, de desproteção e de redução de empregos. Paralela-mente, a possibilidade de acirramento da competição comempresas estrangeiras que, ao contrário das norte-ameri-canas que sofrem as pressões de normas e de medidas deproteção relativas aos consumidores, ao meio ambiente,etc., se relacionam entre si livremente, constitui um fatora mais de preocupação.

A importância do mecanismo de “via rápida” está nofato de que, sem ele, os demais países do continente terãodificuldades em aceitar negociar o acordo proposto. Narealidade, a dinâmica do processo vai depender, em gran-de parte, do pleno envolvimento dos Estados Unidos, comodiz Peter Hakim presidente do Inter-American Dialogue,para quem a obtenção do fast track tem o sentido de umconvite (Hakim, The Washington Post, 18/04/01). A so-lução, contudo parece remota apesar do esforço do presi-dente George W. Bush em solucioná-la. Uma alternativapossível, e que já foi tentada, é a de negociar com os gru-pos contrários ao acordo a imposição de sanções a paísesque falharem na observação das normas de proteção aostrabalhadores e ao meio ambiente. Contudo, os governoslatino-americanos, em que se inclui o do Brasil, não apóiamessa exigência, pois consideram que seria utilizada comoelemento discriminatório nas relações comerciais entre ospaíses centrais e os países em desenvolvimento. Por to-das essas razões não é fácil discutir a Alca sem que isso

pareça um puro exercício de futurologia, especialmentese acrescentarmos o fato de que os Estados Unidos, sóciomaior da empreitada e seu maior idealizador, está passan-do por uma fase de recessão cujo alcance é ainda impre-ciso e pouco previsível.

Do lado dos países latino-americanos, para além dasquestões ideológicas que sempre coloriram as relações comos Estados Unidos, questões concretas dividem suas po-sições em relação à possível integração à Alca com efei-to, a região latino-americana vive, no momento, uma sen-sação de insegurança econômica generalizada, cujascausas, provenientes de várias fontes, alimentam-se reci-procamente. Grande parte delas tem suas origens na vul-nerabilidade da maioria de seus países em face da instabi-lidade financeira internacional, do reduzido crescimentoeconômico, e da crescente desigualdade e exclusão socialdecorrentes da perversa distribuição de renda, da rupturada tênue rede de proteção social, da existência de um de-semprego estrutural, todos fatores que tendem a se acen-tuar à medida que cresce, acima de qualquer outra alter-nativa, o compromisso de seus governos com as forças domercado.

Na realidade, um dos problemas centrais que cerca oacordo de constituição da Área de Livre Comércio dasAméricas, desde o ponto de vista latino-americano, é aprofunda assimetria econômica que separa os países daregião entre si e entre eles e os Estados Unidos. Os núme-ros citados são suficientes para mostrar as diferenças notamanho das economias que estão presentes no espaçoterritorial que se pretende integrar, no qual convivem agrande potência mundial com potências médias regionaise sub-regionais e países pequenos com economias frágeisou em plena recessão e com pouco ou nenhum poder denegociação em âmbito internacional. De fato, se se com-parar a região das Américas com outras regiões no mo-mento que iniciam seu processo de integração, vê-se que,tomando como exemplo a “Europa dos 12”, a relação en-tre o PNB médio de sua principal economia e a média dasdemais era de 3,1 vezes, proporção mais ou menos simi-lar à dos outros esquemas de integração, como o PactoAndino, Mercado Comum do Caribe, Mercado ComumCentro Americano e Nafta. No que se refere à Alca, a pro-porção alcança 23 vezes (Abreu, 1997).

De qualquer modo é preciso levar em conta, quandopensamos em um possível acordo de integração das Amé-ricas, que as relações entre países e grupos de países lati-no-americanos com os Estados Unidos sempre tiveram eterão uma agenda bilateral extensa, abrangendo, parale-

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lamente, interesses conflitantes e metas convergentes. Nocaso específico da Alca, a estratégia negociadora estarámarcada pela dicotomia entre os atrativos de um acessopotencial ao mercado e à tecnologia de uma grande po-tência e os riscos de destruição da capacidade produtivadoméstica e regional (Tavares de Araújo, 1998).

Apesar dessa ambivalência, em que convivem esperan-ças por parte de setores que defendem o projeto Alca comoalternativa prioritária, e temores e desconfianças de partede outros setores que visualizam custos políticos e sociaisgraves, a integração comercial hemisférica é vista, quasepela maioria dos governantes da região, como um destinoinexorável, não só por considerarem que o governo dosEstados Unidos se empenhará de todas as formas para quea rota já iniciada não se interrompa, em virtude do desen-volvimento linear do processo de globalização que está-se dando em todo o planeta.

Por outro lado, em face dessa perspectiva, avaliada comoum horizonte próximo, um consenso parece formar-se naAmérica Latina: o da necessidade de que os processos deintegração sub-regionais em andamento aprofundem-se ede que desenvolvam entre si relações de maior densidadee operacionalidade. No que se refere especificamente aoBrasil, o compromisso com o Mercosul continua priorida-de, embora, muitas vezes, o diálogo entre seus sócios te-nha-se transformado em monólogo. Não se pode esquecerque seus dois maiores sócios, Brasil e Argentina, encon-tram-se com suas economias em crise, suas relações recí-procas muitas vezes turvadas, enfrentando problemas cujasolução não se descortina com facilidade. Mesmo assim, oMercosul ainda representa uma aposta que se acredita quepossa dar certo e um fator importante de legitimidade paraas negociações internacionais, merecendo, portanto, queos esforços para sua continuidade sejam intensificados.

De qualquer maneira, não se pode desconhecer o fatode que o Mercosul está diante de um impasse que com-promete sua continuidade, e que tem como epicentro a criseargentina, que se irradia por todos os demais sócios dobloco, gerando um fracionamento em suas posições, atéaqui conjuntas, e fazendo com que alguns deles se mos-trem tentados a seguir caminhos individuais como formade sair da crise e de melhor integrar-se à economiahemisférica e mundial.

Com efeito, diante da Alca, as opiniões e os argumen-tos não apontam todos na mesma direção. Como já anteci-pamos, o Brasil, oficialmente, aspira a somar o peso dosquatro países na negociação e mostra-se como o mais for-te opositor às práticas protecionistas dos Estados Unidos.

Já, no que se refere à Argentina, considerando as declara-ções de seu ex-ministro da Fazenda Domingo Cavallo, ogoverno considera que seria mais vantajoso para o paísestabelecer relações comerciais diretas com os EstadosUnidos do que conduzir as negociações desde Brasília.Acrescenta, contudo, que todas as alternativas devem serutilizadas, incluindo-se a multilateral que envolve oMercosul (Financial Times, 19/07/2001). Contudo, ape-sar de declarações e posições, no mínimo, ambivalentes, ogoverno argentino, na última Reunião de Cúpula emQuebec, assim como os do Paraguai e Uruguai, que tam-bém em outros momentos mostraram-se reticentes em re-lação à permanência do Mercosul, afirmaram não quererabandonar seu próprio projeto de integração sub-regional.

No que se refere a países fora do Mercosul, as posi-ções também variam, como um dos exemplos o Chile, paísassociado e não seu membro pleno, que negocia bilateral-mente com os Estados Unidos um acordo de livre-comér-cio, argumentando que, se os Estados Unidos não concor-darem em fazê-lo, sendo o Chile um país de economiaaberta e de tarifas baixas (8%), será difícil explicar aosdemais países da região seu compromisso real na abertu-ra dos mercados (discurso de Ricardo Lagos na Câmarade Comércio dos Estados Unidos em abril de 2001). Eainda, a posição mais radical em favor da Alca dos paísesda América Central que, com suas economias já de fatona órbita dos Estados Unidos, consideram que têm mais aganhar do que a perder nessa parceria. Na realidade, po-dendo ser quase equiparados ao México – primeiro par-ceiro comercial dos Estados Unidos –, Costa Rica,Honduras, Nicarágua, El Salvador e Panamá exportammais de 70% para o mercado americano, e um de seuspaíses, El Salvador, assim como o Equador, na regiãoandina, já estabeleceram uma “santa aliança” com o dó-lar, ao mesmo tempo em que outros países da região tam-bém planejam fazê-lo. Correndo por fora, a Venezuela deHugo Chavez tem mostrado uma posição crítica em rela-ção ao documento assinado na Cúpula de Quebec, assu-mindo-se, retoricamente, como o mais novo representan-te do antiimperialismo norte-americano na América Latina(Le Monde, 20/04/01).

Voltando, com mais pormenores, a examinar a posi-ção do Brasil, vê-se que a orientação de seu governo é ade aprofundar e fazer avançar o Mercosul e, desde essepatamar, negociar ponto por ponto cada item do novo re-gime hemisférico, em especial a questão da abertura dosmercados norte-americanos. O discurso diplomático bra-sileiro confirma essa posição e, mesmo, a radicaliza. Em

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O CANTO DA SEREIA. AMÉRICA LATINA PERANTE A ALCA

diferentes ocasiões – discursos, entrevistas coletivas comjornalistas estrangeiros, palestras, etc. – o ministro das Re-lações Exteriores, Celso Lafer afirma: “O Mercosul é umdestino para o Brasil, a Alca apenas uma hipótese”, ima-gem que tem sido utilizada pelo próprio PresidenteFernando Henrique Cardoso. E continuando a desenvol-ver esse tipo de lógica: “A Alca é uma opção para o Bra-sil. Portanto não deve ser encarada com resignação, massim como um empreendimento que valerá a pena na me-dida em que for congruente com o projeto de desenvolvi-mento do país” (Lafer, 2001). Na realidade, essa posiçãoaponta para questões substantivas que, segundo o gover-no brasileiro, são prévias a qualquer entendimento, einegociáveis, como o corte dos subsídios na agricultura, aeliminação das barreiras não-tarifárias e modificações nalegislação antidumping, mecanismos considerados comouma forma de protecionismo. Segundo ainda o ministroCelso Lafer, 60% das exportações brasileiras para os Es-tados Unidos defrontam-se com esse tipo de barreiras, sejana forma de medidas antidumping para o aço, seja de di-reitos compensatórios para o suco de laranja, seja de me-didas sanitárias que restringem a exportação de carnes.“Não se trata apenas de uma negociação sobre tarifas, trata-se de uma negociação de acesso a mercados”, enfatiza(Lafer, 2001).

Com base nessa posição, o governo brasileiro, assu-mindo o compromisso com o que considera “o seu desti-no”, tem-se empenhado em retomar as relações bilateriascom a Argentina, abaladas pelas medidas unilaterais to-madas por esse país. Na realidade a Argentina, ao abrirseus mercados a terceiros países na tentativa de resolverseparadamente os graves problemas econômicos que aafligem, rompe, na prática, com a união aduaneira doMercosul, revertendo o processo a uma fase anterior. Opresente conflito com a Argentina, aparentemente já con-tornado, é especialmente sério, pois explicita publicamentepercepções e interesses discordantes entre os dois maio-res sócios do Mercosul, que pode ser interpretado comoum mau sinal para os demais sócios plenos ou potenciais,enfraquecendo uma possível estratégia conjunta.

Mesmo com todo o empenho do Brasil e do fato de queas posições discordantes de seus sócios terem voltado aconfluir na direção de um mesmo objetivo, o Mercosul –na formação de um mercado comum – parece estar mor-talmente ferido, muitos acreditando que possa retrocederem seus objetivos e tornar-se apenas um acordo intra-re-gional de abertura comercial. Se isso se concretizar, difi-cilmente poderá continuar a ser o único conjunto de paí-

ses da região suscetível de se fazer ouvir, efetivamente,nas negociações perante os Estados Unidos.

Quanto a opinião da sociedade brasileira sobre os te-mas Mercosul e Alca, está longe de ser consensual sobre-tudo dos setores que, por diferentes razões, a eles estãoligados, como economistas, políticos, intelectuais, empre-sários, trabalhadores. De forma bastante impressionista,já que não há pesquisas sistemáticas sobre o tema, poder-se-ia dizer que, de um lado, situam-se os que concordamcom a estratégia do governo brasileiro por consideraremque a Alca, sendo um destino praticamente inevitável,poderá, se bem negociada, trazer benefícios para o Brasile para toda a América Latina. Nesse caso, pensam que aconsolidação do Mercosul constitui um recurso de poderessencial. De outro lado, há os que consideram que oscustos de uma integração profundamente assimétrica doponto de vista econômico e com uma enorme diferençade poder entre a potência que lidera o processo e os de-mais sócios e que, ao mesmo tempo, carece de redes deproteção capazes de neutralizar esses desequilíbrios, é to-talmente incompatível com um projeto de desenvolvimentobrasileiro e latino-americano. Os que assim pensam, apos-tam no avanço do Mercosul como a melhor solução a cur-to, médio e longo prazo para sair-se da crise, empurrandoa solução hemisférica, se é que ela vai-se concretizar, paraum horizonte sem prazo definido. Há ainda uma terceiravertente, os que, por negarem a importância do Mercosulou sua viabilidade, não lamentam sua morte que conside-ram anunciada e apostam no ambicioso futuro próximohemisférico que se descortina para todos os latino-ameri-canos e brasileiros. No que se refere a esta última posi-ção, uma pesquisa realizada no Conselho Empresarial daAmérica Latina por Amâncio Jorge de Oliveira, no âmbi-to do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais daUSP, revela que uma maioria acima de 50% dos empresá-rios considera que a Alca trará mudanças positivas para oPaís, e que esta proporção tende a subir (Estado de S.Paulo,14/03/01).

Concluindo como síntese da posição do governo brasi-leiro e de boa parte da sociedade – economistas de modogeral, acadêmicos, intelectuais, lideranças políticas de di-versas facções –, poder-se-ia dizer que a estratégia que maisconviria ao País seria o estabelecimento de relações co-merciais plurais, incluindo diferentes blocos e regiões, euma maior participação do Brasil nas instâncias internacio-nais. Essa estratégia, em que se privilegia a consolidaçãoe aprofundamento do Mercosul, só poderia ser compatívelcom a Alca se viesse acompanhada de ações paralelas, ar-

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ticuladas entre si e simultâneas que, construídas ao longodo tempo, permitissem aproveitar todas as possibilidadeseconômicas do País derivadas de sua dimensão continen-tal, da amplidão potencial de seu mercado, de uma estru-tura industrial desenvolvida e de uma diversificação sig-nificativa conforme investimentos estrangeiros e fluxosinternacionais (Coutinho, 1998).

No caso específico do Mercosul, cujo avanço daria aoBrasil e aos demais países-membros uma unidade de pro-postas e objetivos em face da Alca, é necessário, mais doque nunca, que os conflitos que inevitavelmente surjamem seu âmbito não congelem sua agenda, como os quetêm ocorrido entre Brasil e Argentina, em que atritos co-merciais mal resolvidos e posições tomadas individual-mente vêm produzindo, além da queda do comércio entreeles, a percepção de que o Mercosul esgotou-se.

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SONIA DE CAMARGO: Professora e Diretora do Instituto de RelaçõesInternacionais da PUC-RJ ([email protected]).

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POLÍTICA EXTERNA DOS EUA E A INTEGRAÇÃO HEMISFÉRICA

O

POLÍTICA EXTERNA DOS EUA E AINTEGRAÇÃO HEMISFÉRICA

Resumo: o artigo focaliza o processo de integração hemisférica com base na óptica da política externa dosEUA, procurando chamar a atenção para as relações entre os aspectos políticos e econômicos contidos naquestão. Faz ainda algumas considerações sobre as tendências e perspectivas do atual governo Bush.Palavras-chave: política externa dos EUA; integração na América Latina; geopolítica.

Abstract: This article examines the process of hemispheric integration from the perspective of United Statesforeign policy, while highlighting the relationships between various political and economic aspects of theissue. Further, it offers some observations regarding trends of the current Bush administration.Key words: United States foreign policy; Latin American integration; geopolitics.

REGINALDO MATTAR NASSER

The first goal in our hemisphere is democracy. Our second goal isfree trade in all the Americas, which will be a step toward free

trade in all the world (...) My administration will foster democracyand level barriers to trade. But we have a third great goal. We must

defend the security and stability of our hemisphere against thegrave threats of organized crime, narcotics traffickers, and terroristgroups.” Extraído do discurso intitulado “Century of the Americas”.

George Bush em Miami (25/08/2000)

efeitos diretos na economia brasileira, como no nível deinvestimento e na criação de emprego. Alguns parlamen-tares já vêem como inadiável o caráter de certas reformasdomésticas como a tributária, a previdenciária e a moder-nização da Lei das S.A. em decorrência da integração eco-nômica que tende a se aprofundar.

O recente encontro entre Chefes de Estado na Cúpuladas Américas em Quebec veio confirmar que a políticaexterna do Brasil está-se tornando um dos temas princi-pais da política doméstica, provocando debates entre em-presários, sindicalistas e políticos com repercussões den-tro do governo.

Para alguns, a adesão à Alca significa uma renúncia àsoberania nacional, destinada a beneficiar unilateralmen-te os EUA. As preocupações com o meio ambiente e comas medidas fito-sanitárias, por exemplo, são interpretadascomo subterfúgio para reduzir a soberania brasileira, aopasso que a política americana de antidumping e os pa-drões trabalhistas são tidos como pretexto para o protecio-nismo. Uma das críticas mais contundentes à Alca veiodo embaixador Samuel Guimarães. Segundo ele, “ocorolário desse processo de redução negociada da sobe-rania será, como é natural, a diminuição da possibilidade

PT pretende colocar o debate em torno do livre-comércio e da criação da Alca como um dos pon-tos de sua campanha presidencial deste ano, além

dos já tradicionais temas – saúde, educação, reforma agrá-ria. De acordo com Luiz Inácio Lula da Silva, o assuntotem potencial para despertar interesse na sociedade, poisa “questão do livre-comércio já mostrou ser importantepara a população na recente disputa comercial com o Ca-nadá sobre a exportação de carne bovina” (Folha deS.Paulo, 27/04/2001).

A avaliação não é exclusiva do político petista e já éconsensual nos meios políticos e intelectuais que, desde acrise com o Canadá, aumentou o interesse da sociedadepelas relações internacionais e a percepção de que têm

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do Brasil promover e defender seus interesses de todaordem, inclusive políticos e estratégicos”. O Estado bra-sileiro, por um tratado internacional, teria, como conse-qüência principal, a redução, ou mesmo a eliminação, desua capacidade soberana de promover políticas comerciais,industriais, tecnológicas, agrícolas e de emprego do par-que produtivo (Guimarães, 2001).

Para outros, a Alca faz parte de um processo natural deinternacionalização, e dependendo de nossa capacidadede negociação, será favorável ao País. Receoso de ver oBrasil isolado no Continente, o ex-ministro Bresser Pe-reira entende que é fundamental preparar-se para nego-ciar com competência, envolvendo os diferentes setoresda sociedade civil e adotando a atitude de quem quer con-quistar maiores mercados. O Brasil, de acordo comBresser, é um País maduro o suficiente para negociar bem,“em vez de esconder-se num canto do mundo” (BresserPereira, 2001).

Logo após a realização da Cúpula das Américas, o re-presentante comercial dos EUA (USTR), Robert Zoellick,percebendo o rumo que a questão da ALCA está tomandono Brasil, apontou o calendário eleitoral brasileiro e asresistências de empresários “beneficiários do isolamentoeconômico do país” como os maiores obstáculos ao avan-ço nas negociações da Alca. Apesar de reconhecer “osesforços feitos pelo presidente FHC e o ministro Lafer paraabrir a economia do país”, o representante do USTR dis-se que reina uma certa indefinição do Brasil quanto aoseu papel no cenário internacional, pois terá de decidir sequer ser um “líder global ou o maior país da América doSul”. Se quiser ser um líder global, “terá de chegar a umacordo com os EUA, com a União Européia e com outrosatores no sistema de comércio global” (O Estado de S.Paulo, 23/04/2001).

As impressões do Robert Zoellick advêm da posturaque assumiu o governo Brasileiro na Cúpula de Quebec.O discurso de abertura do Presidente Fernando HenriqueCardoso, que apresentou uma série de condicionantes paraa adesão do Brasil à Alca (acesso aos mercados mais di-nâmicos; regras compartilhadas sobre antidumping; redu-ção de barreiras não tarifárias; acabar com a distorção pro-tecionista das boas regras sanitárias; proteger a propriedadeintelectual e promover a dos povos participantes), e a ên-fase com que o ministro Celso Lafer tem declarado que o“Mercosul é um destino e Alca uma opção”, foram avalia-das, de uma forma geral, pela mídia (internacional e na-cional) e por alguns think tanks dos EUA como um “en-durecimento” da posição brasileira.1

O ex-secretário de Estado e influente pensador dasrelações internacionais, Henry Kissinger, vê com ex-trema preocupação a posição assumida pelo Brasil. OPaís pode-se tornar o principal obstáculo para a reali-zação da Alca devido, sobretudo, às “razões políticas,resultantes da histórica aspiração do Brasil de desem-penhar papel de liderança no Hemisfério Sul”. A inquie-tação do ex-secretário volta-se para a postura que aEuropa vem assumindo na América, valendo-se de umadeclaração do então presidente do Conselho da UniãoEuropéia, Antônio Guerres,2 em que defende um acor-do agrícola com o Mercosul como meio de “construiruma nova ordem mundial multipolar capaz de limitar ahegemonia natural dos EUA”. Assim, a permanecer atendência do afastamento do Brasil com os EUA e umapossível aproximação do Mercosul com a Europa, talatitude seria não apenas um revés para perspectivas eco-nômicas dos EUA em um mercado responsável por 20%do comércio exterior, mas “acima de tudo, é um desa-fio à posição histórica dos EUA no hemisfério e à suaaspiração por uma ordem mundial baseada numa co-munidade crescente de democracias nas Américas”(Kissinger, 2001).

O tema de criação da Área de Livre Comércio ao in-gressar na sociedade brasileira politizou-se e ganhoucontornos ideológicos de tal ordem que se torna quaseimpossível avaliar a questão em sua real dimensão. Dasconsiderações astuciosas do ex-secretário HenryKissinger aflora uma perspectiva que vai muito alémdas empobrecedoras dicotomias ideológicas presentesno debate brasileiro, permitindo ampliar de forma con-siderável o enfoque quase sempre visto apenas sob aóptica da diplomacia comercial. Na verdade, o historia-dor Kissinger quer nos lembrar – a História é a memó-ria dos Estados – que o processo de integração nas Amé-ricas faz parte de uma estratégia histórica dos EUA parao hemisfério, no qual o comércio, ao lado da segurançae da missão civilizadora, compõem os principais veto-res de sua política externa.

Os esforços para estreitar as relações políticas e eco-nômicas no continente, que os norte-americanos estãoconduzindo, vão muito além dos referenciais partidários(democratas e republicanos), das orientações teóricas(idealistas e realistas) e do mero oportunismo econômi-co. Baseiam-se mais no que Arthur Whitaker denominou“a idéia de hemisfério ocidental”, uma percepção de queas nações do hemisfério compartilham de uma relação es-pecial entre elas. Todos os presidentes norte-americanos,

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desde James Monroe até George Bush, têm alentado a idéiade estabelecer uma comunidade de nações no hemisférioocidental. Embora o ingrediente essencial seja o aspectogeográfico, há um grande núcleo de idéias associadas aele, tanto sociais e culturais como político-geográficas e,mesmo, místicas e racionais. Jefferson escrevia, em 1813,que a unidade dos povos americanos compreendia todasas formas de existência (Whitaker, 1954:1-2).

O representante dos EUA na OEA, Luís Lauredo, ad-vertia em Quebec que a criação da Alca não era o únicocomponente da reunião, pois quando Bush e Clinton lan-çaram a proposta reconheceram a existência de uma sériede desafios que deviam ser enfrentados (democracia, tra-balho, meio ambiente, tecnologia e educação) de modoque a união do hemisfério refletiria a crença em duas idéias-chave: democracia é única forma legítima de governo e olivre-comércio é o melhor caminho para a prosperidade(jornal Miami Herald, 20/04/2001).

Tal entendimento foi também manifestado por ColinPowell em artigo publicado na Folha de S.Paulo (22/04/2001), em que atribui aos líderes políticos das Amé-ricas “a responsabilidade da decisão sobre políticas quelevem à abertura dos mercados, que enfrentem a cor-rupção que destrói as sociedades e as empresas, pro-movendo a boa governança, o livre-comércio e a liber-dade numa ação conjunta para uma vida melhor e umavizinhança mais segura”.

Percebe-se, pois, que o Brasil (governo e sociedade deforma geral) tem cometido o equívoco, por razões que nãonos importa no momento, de não se atentar devidamentepara necessidade de se compreender como pensa aquelecom quem estamos entabulando nossas relações. Não sepode negligenciar a premissa básica que rege as relaçõesdiplomáticas-estratégicas que é conhecer, ao mínimo, quaissão os objetivos da “outra parte” e o modo pelo qual ten-tará implementá-los – seja aliado permanente ou ocasio-nal. Diferentemente dos EUA, o governo brasileiro temcolocado a diplomacia comercial em primeiro plano, re-legando as questões políticas.

O objetivo do presente artigo é mostrar que a Alca fazparte da agenda da política externa dos EUA e, como tal,apresenta-se articulada a uma série de outros temas con-siderados basilares de sua política externa como demo-cracia e segurança. Que se incorpore aqui, as palavras doestrategista chinês Sun Tzu: “Conheça o inimigo e a simesmo e você obterá a vitória sem qualquer perigo; co-nheça o terreno e as condições da natureza, e você serásempre vitorioso.”

PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NOS ANOS 90:ECONOMIA E POLÍTICA

A política externa norte-americana em relação à Amé-rica Latina e Caribe seguiu um padrão cíclico durante operíodo da guerra fria. Cada vez que Washington deter-minava que havia concedido recursos insuficientes paraos países, desenvolvia um programa e anunciava-o comestardalhaço; quando o suposto perigo cedia, a atenção erespaldo norte-americano passavam a outra região. Dessaforma, as perspectivas, conclusões e recomendações ema-nadas das viagens de Milton Eisenhower à região, em 1953e 1959, repetiram-se no informe de 1961 na Missão Espe-cial para América Latina do Presidente Kennedy, e, maisà frente, reapareceram no informe de 1984 da ComissãoKissinger. Estas três administrações avaliaram que aintranqüilidade na América Latina devia-se tanto à desi-gualdade social como à interferência soviética, recomen-dando que os Estados Unidos respondessem com maioresrecursos econômicos e militares à região. O Fundo para oProgresso Social de Eisenhower, a Aliança para o Pro-gresso de Kennedy e a Iniciativa para a Cuenca do Caribe(ICC) de Reagan nasceram da mesma teoria da contençãomediante o desenvolvimento econômico, e cada uma des-sas iniciativas esteve acompanhada por um incremento deassistência externa às operações de segurança.

A política dos EUA continuou refletindo várias dasmesmas motivações contidas na Doutrina Monroe: evitarque doutrinas de fora e não democráticas deitassem raízesno continente americano. O continente americano já nãoera a região principal dos interesses norte-americanos, masum setor a mais na luta, em nível mundial, entre as super-potências. A disposição dos Estados Unidos em dedicarmaior atenção política e mais recursos materiais à regiãoalterou-se no transcurso de sua disputa com Moscou.Embora o Congresso de modo geral estivesse disposto afinanciar os programas de assistência externa, ou de ou-tro tipo, solicitados pelos distintos presidentes, sempre in-sistia que o executivo deveria economizar e não se mos-trava animado em aprovar auxílios às regiões que nãopareciam estar diante de ameaças iminentes.

As complicações políticas tornaram-se mais graves nosanos posteriores à guerra fria, à medida que o Congressotornou-se mais assertivo como instituição e se desfez oconsenso bipartidário sobre os objetivos supremos dosEUA, além disso, as limitações orçamentárias geraram umaconcorrência entre os programas internos e externos. Adesintegração da União Soviética e o fim da guerra fria,

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libertando a política externa norte-americana de sua ob-sessão com o comunismo; o colapso das economias daAmérica Latina, bastante centradas no modelo nacional-estatista, e a crise dos regimes militares, marcadamenteautoritários; tornaram possível aos Estados Unidosconclamar os governos da América Latina e das Antilhaspara que conjugassem seus esforços na defesa de demo-cracia, na promoção do livre-comércio e na manutençãoda segurança no continente.

Em 1990 o Presidente Bush estabelecia uma série demedidas orientadas a fomentar as reformas democráticase liberais que então se empreendiam em toda a região: oalívio da dívida externa, a liberalização do comércio e aabertura de novas linhas de financiamento para progra-mas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).O princípio do livre-comércio proposto pelo presidentedos EUA, por ocasião do lançamento do Empreendimen-to pela Iniciativa das Américas, concebia um sistema in-tegrado abrangendo todo o continente, do Alasca aoextremo sul do Chile. Seu significado principal era esta-belecer uma relação “especial” entre os EUA e os outrospaíses do Hemisfério Ocidental. O Nafta aparecia como oprimeiro grande passo para levar o projeto adiante. Nãoobstante, o fato de que as “coisas iam bem na região”, alia-da à recessão interna e às conseqüências desastrosas re-sultantes do colapso da União Soviética, levaram os mem-bros do Congresso a questionarem a necessidade de setomar tais ações na região. O Congresso jamais atribuiutodos os fundos que a administração solicitava para o BIDe estabeleceu restrições orçamentárias aos planos para oalívio da dívida esboçados pelo governo.

Coube ao sucessor de G.Bush, Bill Clinton, dar um im-pulso definitivo ao processo de integração nas Américas.Após intensas discussões, em relação aos méritos do Nafta,com uma grande parte da opinião pública norte-america-na extremamente cética e receosa diante da perspectivade aproximação econômica e política com o México, opresidente acabou convencendo o Congresso a aprovar oAcordo. Logo a seguir, em dezembro de 1994, Clintonreuniu 34 chefes de Estados em Miami, um marco para ahistória das relações interamericanas, a primeira CúpulaHemisférica desde 1967, a primeira apresentada pelosEUA, e a primeira na qual todos os líderes políticos re-presentavam governos democráticos. Empolgado, o Pre-sidente via “uma oportunidade sem precedentes para cons-truir uma comunidade de nações livres”. Para os EUA aAmérica Latina reemergia, após longa depressão, comouma zona econômica importante e dinâmica, em que a

formação de blocos econômicos regionais, e a reviravoltapara a democracia não só poderia estimular o comérciointernacional, mas promover um sentido de comunidadeentre as nações do continente. Entretanto, o poder execu-tivo não conseguiu persuadir o Congresso a aprovar o “FastTrack” concedendo-lhe amplos poderes para promover acor-dos comerciais específicos.

Pode-se dizer que com o fim do sistema bipolar, osEUA, tal como nos momentos posteriores às duas gran-des guerras, estavam de novo diante do ressurgimento dowilsonismo que se manifesta basicamente em torno dosseguintes pontos: a democracia se expandirá pelo mundointeiro, criando uma verdadeira comunidade de nações comvalores e interesses compartilhados; o livre-comércio tra-rá prosperidade e promoverá as forças democráticas; seránecessária a liderança americana nos assuntos mundiaispara ter a certeza de que a nova ordem esteja segura.3 Tudoisso parecia fazer sentido nos anos 90, e os policymakersnorte-americanos concluiam que a difusão da democraciae o livre comércio pelo Hemisfério Ocidental teriam dadouma contribuição significativa para a estabilidade na re-gião mediante redução dos conflitos interestatais. Enten-diam que a razão principal da ocorrência das guerras nopassado entre Costa Rica e Panamá, Bolívia e Paraguai,Peru e Equador, Honduras e El Salvador, e mesmo da Ar-gentina com a Inglaterra era decorrente do fato de que asnações latino-americanas envolvidas encontravam-se li-deradas por ditadores. Os acontecimentos pareciam com-provar a assertiva, de inspiração kantiana – governos de-mocráticos não fazem guerra entre si (Talbott, 1994).

Passados alguns anos, os policymakers já não estavamdemonstravam o mesmo otimismo. Em artigo de 1997, ScotTalbott, propunha usar a palavra democratização e nãodemocracia. Democracia – dizia ele – “soa como um ab-soluto, um estado de graça, um destino a qual chegou. De-mocratização, ao contrário, parece mais um processo –uma jornada longa e dolorosa que requer paciência e per-sistência, fortaleza e poder de recuperação, não apenasdos que participam do processo, mas também dos que oapóiam. Nenhuma sociedade pode transformar o modo quese governa durante a noite, um ano ou até mesmo umadécada. Democratização é o trabalho de uma geração oumais... Quando a comunidade de nações democráticas res-ponde em concerto à subversão da democracia, suaschances de sobrevivência são mais altas” (Talbott, 1997).

O Relatório da OEA de 1999, fazendo um balanço dadécada, apontava a existência de sérias ameaças à demo-cracia na América Latina, afirmando que, apesar da vi-

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POLÍTICA EXTERNA DOS EUA E A INTEGRAÇÃO HEMISFÉRICA

gência do regime democrático, os direitos humanos se-guem sendo violados na região. De acordo com a organi-zação, o funcionamento deficiente das instituições atra-palha o “império da lei” e causa instabilidade, dificultandoo desenvolvimento social, econômico e cultural da região.“Apesar da vigência da democracia, numerosos habitan-tes do hemisfério continuam sendo vítimas de violaçõesde direitos fundamentais, como a vida, a liberdade e a in-tegridade pessoal.” Segundo ainda o relatório, a cons-tatação de tais fatos “confirmam a gravidade dos proble-mas que se enfrentam e as dificuldades dos sistemaspolíticos em sua tentativa de dar respostas às demandasda sociedade”. Em suas conclusões, a OEA convocava ospaíses membros “a adotarem medidas eficazes para pro-teger o direito à vida, à integridade física e à liberdade egarantir que as violações sejam devidamente investigadase reparadas” (Folha de S.Paulo, 13/05/2000).

Embora a Cúpula de Miami (1994) fizesse menção, notexto final da declaração, aos problemas das drogas ilíci-tas, às atividades criminosas conexas e ao terrorismo na-cional e internacional como sérias ameaças às economiasde livre mercado e às instituições democráticas do hemis-fério, não colocou como prioridade para ação as questõesde segurança. Entretanto, vários de seus membros leva-ram esse desafio no ano seguinte ao “Simpósio sobre aPaz e Segurança no Hemisfério” (Williamsburg, jul. 1995)para pensar em novas formas de defesa e segurança emum ambiente estratégico modificado. A democracia pare-cia triunfar como forma de governo na região, mas seufracasso para solucionar as desigualdades econômicas, osproblemas das migrações, drogas e crimes conduzia aperguntas persistentes sobre se a democracia implementadaseria realmente eficiente. As condições internacionais edomésticas, radicalmente novas, exigiam para o estabele-cimento de segurança no Hemisfério Ocidental sérios ajus-tes a serem realizados (Downes, 1995).

Sem dúvida nenhuma, nos últimos dez anos, a Améri-ca Latina vivenciou uma série de transformações políti-co-econômicas que alteraram de maneira significativa asua inserção no cenário internacional. O aprofundamentodos fluxos de comércio, impulsionados, sobretudo, por ini-ciativas de integração sub-regional bem-sucedidas; as re-formas orientadas para o mercado; e o processo de demo-cratização ainda vigente, é evidente, contribuíram para quenovas perspectivas se abrissem aos países do continente.O quadro atual diferencia-se profundamente da décadapassada, se se levar em conta que tradicionais rivalidadesdo passado, por ora, estão adormecidas, e os processos

de integração aprofundaram-se com uma velocidade es-pantosa, com conseqüências marcantes para as nações en-volvidas.

Com tantas e profundas mudanças, o desafio é definirquais são as ameaças que, de fato, colocam em risco asolidez e a segurança do hemisfério. Na Cúpula de San-tiago (1998), os chefes de Estado reconheceram que, coma construção de relações mais cooperativas entre os paí-ses do continente, os antigos referenciais geopolíticosperderam importância, cabendo agora o estímulo aodiálogo regional com vista a revitalizar e fortalecer as ins-tituições do Sistema Interamericano, considerando os no-vos fatores políticos, econômicos, sociais e militares noHemisfério e em suas sub-regiões. Por “novos fatores”entenda-se o terrorismo, o crime organizado internacio-nal e a ação dos grupos paramilitares, todos capazes decausar instabilidades políticas nos países da região. Res-salte-se que agora as ameaças são multidimensionais, trans-gredindo fronteiras e requerendo, portanto, soluções trans-nacionais. Nenhum país do hemisfério pode lidar com essascircunstâncias complexas, de forma objetiva e eficaz, semo apoio dos demais. Dessa forma, e pensando ainda narealização de políticas de segurança multilaterais, surge anecessidade de se fortalecer os mecanismos de ação cole-tiva, já existentes, bem como avaliar a dimensão e o al-cance dos novos conceitos de segurança no sistemainteramericano emergente. Os velhos padrões de compor-tamento – que sempre nortearam a ação no continente –deram sinais de desgaste, incapazes em atender as exigên-cias que as relações interamericanas, mais dinâmicas eintegradas, agora suscitam. A tradicional ambivalência efalta de comprometimento que, de modo geral, caracteri-zaram a postura dos EUA, cede espaço a uma política maisativa, que busca a liderança, modelando o espaço hemis-férico de acordo com seus valores (Strategic Assessment,1999).

GOVERNO BUSH: NOVA POLÍTICA EXTERNA?

Diferentemente da campanha eleitoral, os assuntos re-ferentes à política externa assumiram um enorme grau derelevância já nos primeiros meses da administração Bush.À véspera da viagem de Vladimir Putin para a Cúpula daUnião Européia em Estocolmo, o governo dos EUA ex-pulsou 50 espiões russos com comentários do secretáriode defesa de que a Rússia é um “proliferador” ativo detecnologia de projéteis nucleares; o chefe da Agência deProteção Ambiental descreveu como morto o acordo de

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Kyoto sobre mudanças climáticas; o secretário de Defesaavaliou os tratados de mísseis antibalísticos, com a extin-ta URSS, como obsoletos; a diplomacia norte-americanajá não vê mais a China como um “parceiro estratégico”,mas um “competidor estratégico” que está extrapolando asua esfera de ação.

Enfim, está-se assistindo a uma série de ações, extre-mamente polêmicas, que faz com que se coloque as se-guintes perguntas: o governo Bush representa uma des-continuidade na condução da política externa dos EUA?Quais parâmetros deve-se utilizar a fim de verificar a va-lidade ou não dessa proposição? Estaria Bush desmentin-do os analistas que avaliam que o fim da guerra fria, acomplexidade dos novos temas internacionais e a ausên-cia de um potente adversário externo reduziriam as dife-renças políticas entre os partidos Democrata e Republi-cano?4

Pode-se dizer que, de forma geral, atualmente, os par-tidos Republicano e Democrata nos EUA são a favor deum programa semelhante na área de política externa: pro-moção dos negócios internacionais, valorização do multila-teralismo econômico, fortalecimento da idéia de seguran-ça coletiva e edificação de uma comunidade democráticade nações. Essa coalizão não é distinta da que se formounos anos 40 quando os Estados Unidos estavam contem-plando o mundo pós-guerra. Nem todos, porém, agem pe-los mesmos motivos ou interesses. Alguns procuram de-mocracia, a regra de lei, e direitos humanos como fins emsi mesmos; outros os vêem como um modo de se expandire salvaguardar negócios e mercados; e, por fim, existemos que vêem uma forma indireta para alcançar a seguran-ça nacional. Na verdade, tudo isso está mesclado em umagrande estratégia que é o modo norte-americano de se vero mundo.5

Por vezes acontece que a mudança de governo pode oca-sionar uma atenção maior para um dos objetivos em detri-mento dos demais, e as diferenças entre as administraçõespodem-se manifestar também no modo como esses impera-tivos serão implementados, ou mesmo qual região do globomereceria uma atenção maior. O governo de Carter foi ca-racterizado por empunhar a bandeira dos direitos humanos;para Reagan, o projeto Guerra nas Estrelas constituía a suagrande estratégia ao lado do combate ao comunismo naAmérica Central e Caribe; já Clinton, sobretudo depois desua reeleição em 1996, elegeu a diplomacia econômica comocentro de sua política externa.

Estimulando o uso de incentivos financeiros e/ou em-bargos econômicos para promover mudanças políticas em

outros países e chamando a atenção para um mundo noqual não mais existiriam as rivalidades nucleares, o go-verno Clinton colocou o comércio à frente de direitos hu-manos e da segurança, acreditando que a expansão do ca-pitalismo norte-americano ajudaria a propagar o americanway of life em um ambiente de paz. Um bom indicadordessa conduta é verificar como se estruturavam as rela-ções entre economia e segurança durante o seu governo.

Em 1993, foi criado o Conselho Econômico Nacional,que passou a rivalizar com o Conselho de Segurança Na-cional, a tal ponto que se engajaram em várias disputas naCasa Branca. Na realidade, outras administrações já ha-viam tentado articular melhor a área de segurança nacio-nal com os assuntos econômicos e a pressão cresceu as-sim que se constatou que a CIA e o Departamento deEstado mostraram-se lentos na reorientação da políticanorte-americana diante dos novos desafios da economiamundial. Após a queda do Muro de Berlim, oficiais daCIA passaram a fornecer mais informações para os repre-sentantes comerciais norte-americanos, mas, mesmo as-sim, os EUA foram freqüentemente pegos de surpresa porcrises econômicas que geraram riscos políticos para o país.Tanto na crise mexicana quanto na da Ásia e Rússia, aCIA e o Departamento de Estado não detectaram sinaisda crise que afetaria toda a região.6

Querendo alterar profundamente esse quadro, Bush, mes-mo antes de sua posse, manifestou o propósito de incluir es-pecialistas em assuntos da área econômica nos quadros doConselho de Segurança Nacional do país, capazes de prevere detectar crises e mudanças econômicas em países que pos-sam afetar a estabilidade política mundial. Solicitou aCondoleeza Rice, conselheira de Segurança Nacional, e aochefe do Conselho Econômico, Lindsey, que “dividissem amesa de trabalho” para coordenar os objetivos da políticaexterna com a estratégia econômica que o governo deve im-por nos próximos anos. O plano de Bush tem o objetivo dealterar substancialmente o problema que o ex-presidenteClinton teve de enfrentar: “Matérias relativas à economiainternacional ainda não estão tão integradas ao processo desegurança nacional como deveriam”, disse Rice. No mesmodiapasão, Robert Zoellick julga que o processo de integração,além de seus méritos econômicos, pode dar uma boa base desustentação para os compromissos com a segurança, permi-tindo que os EUA promovam também sua “agenda geo-política” (Zoellick, 2000). Ao que tudo indica, portanto, coma equipe de Bush, a geopolítica está de volta.7

Outra possível alteração na conduta externa dos EUArefere-se às prioridades regionais. Durante a campanha

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eleitoral no ano passado, o então candidato do partidoRepublicano George W. Bush, em discurso na Universi-dade Internacional da Flórida, acusava a administraçãoClinton de haver mantido uma estratégia indefinida paraa América Latina e advertia: “aqueles que ignoram o nos-so hemisfério não compreendem plenamente os interes-ses norte-americanos”. Chamava a atenção para a neces-sidade de se estabelecer prioridades na política externados EUA, repreendendo a administração Clinton em co-locar os assuntos hemisféricos em segundo plano: “Estepaís tinha todos os motivos para se preocupar com umaregião como Kosovo, por exemplo, mas há mais refugia-dos causados pelos conflitos na Colômbia. Os EstadosUnidos têm motivos para se preocupar com o Kuwait, masparcela muito maior do nosso petróleo vem da Venezuela.Os Estados Unidos estão certos em receber com agrado aliberalização do comércio com a China, mas exportamosvolume praticamente igual para o Brasil”.

Poder-se-ia dizer que seria apenas uma questão de re-tórica de um candidato em campanha querendo conquis-tar os votos latinos da Flórida, do que uma proposição maisestratégica.8 Entretanto, se olhar com atenção para os thinktanks norte-americanos mais próximos do partido repu-blicano se perceberá que o discurso de George Bush tam-bém reflete uma percepção que veio sendo construída du-rante os anos 90, tendo como referencial crítico a políticado governo Clinton para as Américas.9

Em conferência realizada em 1999 na FundaçãoHeritage, o senador Republicano Mike De Wine, alertavapara os perigos reinantes na América Latina (terrorismo,tráfico de drogas), que eram da mesma proporção, ou atémais grave do que em Kosovo. Se na Europa, dizia o se-nador, o desafio colocava-se para as missões e a sobrevi-vência da aliança com a Otan, na América Latina os EUAsão confrontados com o seguinte dilema: “vamos permitirque a América Latina exporte seus problemas para nós –ou, ao contrário, nós tomaremos a iniciativa, e exportare-mos algumas soluções já comprovadas para a América La-tina?” (De Wine, 1999).

A avaliação geral é de que os anos Clinton dissiparamas realizações de mais de uma década com uma políticade negligência e indiferença para a América Latina. Apósa crise do peso mexicano, ao término de 1994, o livre-comércio no Nafta passou a sofrer uma série de críticas.Com um discreto apoio dos EUA, o governo mexicanoseguiu uma política rigorosa caracterizada por sólidasmelhorias no nível de emprego e inflação, conseguindoalcançar uma taxa de crescimento de 7% ao ano em 1997.

No entanto, a integração passou a ser vista, ao mesmo tem-po, como causadora de problemas domésticos com o au-mento do tráfico de drogas e a crescente imigração ilegal.Em vez de responder atuando mais decisivamente para oaperfeiçoamento do Nafta – reclamam os analistas –, ogoverno retraiu-se, minando os interesses econômicos nor-te-americanos na América Latina e debilitando sua lideran-ça no Hemisfério.

Além das razões econômicas, políticas e militares háque se levar em conta também uma razão simbólica quevê a hegemonia no Hemisfério Ocidental como um indi-cador da credibilidade dos EUA no mundo. Logo após arevolução em Cuba, em 1959, o presidente Eisenhowerassegurava que o abandono ou a neutralidade dos Esta-dos Unidos no continente “afetariam seriamente a capaci-dade dos EUA exercerem a liderança efetiva do mundolivre”; em 1984, o presidente Reagan alertava que “se nãopodemos (EUA) nos defender ali (América Central eCaribe), não podemos esperar prevalecer nossa seguran-ça em outros lugares. Nossa credibilidade entraria emcolapso, nossas alianças se esfacelariam, e a segurança denossa pátria estaria em perigo”.10

Por enquanto, ainda não foi possível constatar qualquermudança significativa na Política Externa dos EUA emrelação à América Latina. É verdade que se está no reinodas percepções, embora se saiba o relevante papel que elasrepresentam no âmbito das relações internacionais, prin-cipalmente quando se tem presente a constante referênciaque se faz à América Latina nas eleições norte-america-nas. O Estado da Flórida, por exemplo, mostrou-ser deci-sivo nas eleições presidenciais da década de 90. Depoisde toda a confusão eleitoral do ano 2000, Bush saiu-sevitorioso pelo apoio dos latinos, sobretudo, da comunida-de anticastrista (Caso Elian). Em 1992, Bush (pai) rever-teu sua oposição a Lei (Torriceli) de Democracia Cuba-na, semanas antes da eleição, num momento de incertezaeleitoral em que os democratas haviam anunciado apoio àmedida. Já nas eleições de 1996 foi a vez de Clinton re-verter sua posição e assinar a Lei (Helms-Burton) de Li-berdade e Solidariedade Democrática Cubana. De acor-do com o historiador Lars Schoultz, embora “caprichosose inesperados, difíceis de prever o resultado” – os exem-plos relatados acima indicam que: – “se há capital políti-co doméstico a ser ganho fazendo-se algo para ou com aAmérica Latina, então os dois séculos de história das re-lações entre EUA – América Latina demonstram plena-mente que alguém o fará” (Schoultz, 2000:411). Acres-centaria que hoje, diferentemente do passado, a América

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Latina tem um peso econômico considerável. As exporta-ções dos EUA para as Américas, entre 1990-1999 – ex-cluindo Canadá e México –, cresceram 7,8%, compara-dos com 6,3% para o resto do mundo; e os Estados daFlórida e Texas respondem por quase 50% do total.

OPINIÃO PÚBLICA E POLÍTICA EXTERNA

Não se pode deixar de lembrar que o Congresso de-sempenha papel fundamental na condução da política ex-terna dos EUA, e apesar da pouca importância dada pelopúblico à política externa e das reduzidas diferenças en-tre os partidos Democrata e Republicano no que se refereàs relações exteriores, o público leva em conta os valorese a competência da administração na resolução das crisesinternacionais. Embora os Estados Unidos gozem de umpoder sem paralelos no cenário mundial, está cada vez maisdifícil para o presidente lidar com o congressistas e mo-bilizar apoio para sua ação internacional. Clinton triun-fou em questões como a ampliação da Otan, o final daguerra na Bósnia e a aprovação do Senado à Convençãosobre Armas Químicas, após intensas negociações. Mes-mo assim, as margens de sua vitória foram bastante es-treitas. Em outras questões, como a política de aproxima-ção com a China, o aquecimento global e a autorizaçãopara o fast track viu suas iniciativas caírem vítimas dadisputa partidária no Congresso.

Deve-se ressaltar que, na maioria das vezes, quando sefala o “Congresso”, não é algo monolítico em seus pontosde vista e raramente atua como organismo unitário. A aten-ção deve-se fixar, de fato, para os atos de uma das câma-ras, ou de uma comissão, ou mesmo de alguns de seusmembros mais atuantes. É importante ter em conta que ainfluência do Congresso não pode ser medida unicamentepelo registro de seus votos, pois está sempre reagindo aosacontecimentos mundiais, por meio de suas freqüentesinterações com o Presidente da República, os think tanks,os meios de comunicação e a opinião pública. Freqüente-mente o presidente pode não adotar uma medida oupostergá-la porque o preço político de forçar sua aprova-ção e mobilizar apoio da opinião pública pode ser dema-siadamente alto, ou prejudicar outros objetivos da admi-nistração, externos ou internos.11

Embora os presidentes dos EUA tenham a clara com-preensão do dever de guiar suas ações em prol do interes-se nacional, há certa margem de manobra para justificarsua implementação, que varia de administração para ad-ministração. As mudanças não dependem apenas das va-

riáveis internacionais, mas pautam-se também em funçãode possíveis redefinições no conceito de liberdades essen-ciais dos cidadãos norte-americanos, de teorias sobre obom funcionamento da economia e das convicções sobreo que constitui uma justa distribuição de custos e benefí-cios na sociedade. Tais flutuações, todavia, são dimen-sionadas em cada governo pelo feeling presidencial emconduzir a nação em suas ações externas diante de situa-ções nas quais tem de ser realizados severos trade-offsentre sobrevivência, liberdade e bem-estar material. Por-tanto, em certo sentido, a linha de continuidade da políti-ca externa entre os sucessivos governos será traçada maisem função da popularidade do presidente em sustentar seuspropósitos (Brown, 1994).

No ano de 1999, o Centro de Pesquisa Pew colocoucomo quesito para pesquisa de opinião pública a priori-dade (de “não prioritário” a “alta prioridade”) que os Es-tados Unidos deveriam conceder às diversas questões depolítica externa. No topo da lista apareceram: prolifera-ção de armas nucleares (Coréia do Norte e Índia/Paquis-tão), e redução do terrorismo internacional tráfico de dro-gas (cerca de 75% concederam “alta prioridade” a essasquestões). Em pesquisa realizada pelo Instituto Aspen/Belden Associates (janeiro/fevereiro de 2000) mais dequatro quintos do público manifestou a crença de que osEstados Unidos são afetados grandemente (51%) ou pelomenos em parte (36%) por “guerras e inquietações emoutras partes do mundo”.

As relações interamericanas continuam sendo sobretudoeconômicas, mas eles também sublinham a crescente impor-tância das crises de governabilidade, da urgência de certasreformas institucionais, do aprofundamento das desigualda-des sociais e das transformações da natureza da segurança.Pode-se inferir que, muito embora a América Latina não fi-gure, especificamente, como área preocupante, a alta prio-ridade que a opinião pública concede ao tráfico de drogasfaz com que se torne pelo menos uma zona de “inquieta-ção” para a segurança nacional dos EUA. O tema da estabi-lidade regional hoje não abrange apenas as metas militares,mas igualmente o bem-estar individual e coletivo dos cida-dãos norte-americanos. A “cooperação” que os EUA “soli-citam” aos latino-americanos como de interesses comparti-lhados, reciprocidade, transparência e responsabilidademútua é bem genérica e, a bem da verdade, denota novaestratégia que, ao promover a democracia, a ampliação doacesso aos mercados, a repressão ao tráfico de drogas e ocontrole das migrações, estaria, ao mesmo tempo, assegu-rando a realização de seus interesses nacionais.

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POLÍTICA EXTERNA DOS EUA E A INTEGRAÇÃO HEMISFÉRICA

Em resposta ao artigo de Kissinger, citado anteriormen-te, o ex-embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon,rebate minuciosamente com argumentos bem fundamen-tados as considerações do ex-secretário, ponderando que“sujar ainda mais essas águas já turvas (Relações Brasil-EUA), injetando fantasmas geopolíticos, não atende anenhum propósito construtivo” (Gordon, 2001).

Parafraseando o famoso adágio espanhol diria que:pode-se não acreditar nos “fantasmas geopolíticos”, masque eles existem, não resta a menor dúvida.

NOTAS

1. Sobre os problemas que envolvem a posição brasileira na Alca verFerreira (2001).

2. De acordo com Alain Touraine “Desde a posse do presidente Bush,as divergências entre os EUA e a Europa vêm sendo formuladas maise mais claramente... Os próprios europeus sofrem em razão da ausên-cia de um grande projeto geopolítico e devem, portanto, escolher agrande aliança com o Mercosul como seu projeto principal (Folha deS.Paulo, 22/07/2001) (grifos meus).

3. O ressurgimento do wilsonismo nos anos pós-guerra fria é tratadopor Smith (1995).

4. Essa questão é tratada por Henriksen (2001).

5. Sobre as relações entre democracia e estratégia norte-americana verIkenberry (1999).

6. As comparações entre o tratamento dado às relações entre seguran-ça e economia nos governos Clinton e Bush são abordadas por Sanger(2001).

7. Sobre esse debate ver Friedman (2001) que aponta para o retorno dageopolítica.

8. Digo apenas, pois trataremos mais adiante da influência que o colé-gio eleitoral tem representado na condução da política externa dos EUA.

9. Confrontar os artigos na Heritage Foundation, sobretudo Sweeney(1998) e Johnson (2001).

10. Ver Schoultz, 2000, sobretudo os Capítulos 19 e 20.

11. Os problemas que envolvem a participação do Congresso na for-mulação da política externa dos EUA são tratados por Holborn (1996).

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REGINALDO MATTAR NASSER: Professor do Departamento de Políticae Coordenador do Curso de Relações Internacionais da PUC-SP([email protected]).

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N

OS BLOCOS ASIÁTICOS E ORELACIONAMENTO BRASIL-ÁSIA

Resumo: Até pouco tempo não se podia falar em relações brasileiras com a Ásia, já que estavam basicamenterestritas ao relacionamento com o Japão. Somente na década de 90 são ampliadas as relações com a Coréia doSul, Sudeste Asiático, além da China. Assim, o relacionamento brasileiro com os blocos asiáticos restringe-seàs tentativas de aproximação do Mercosul com a Asean, adquirindo agora maior intensidade política atravésdo processo de institucionalização do relacionamento entre Ásia e América Latina com o Focalal.Palavras-chave: bloco asiático; relações Brasil-Ásia; Focalal.

Abstract: Until recently, the only Asian country with which Brazil had any significant relations was Japan.Only in the 1990´s was this scope widened to include South Korea, Southeast Asia and China. Up until now,the relationship between Brazil and the Asian blocks has been limited to Mercosul´s overtures to Asean. Thisrelationship is currently gaining in political intensity through the institutionalization of the relationship betweenAsia and Latin America, through Focalal.Key words: Asian block; Brazil-Asia relations; Focalal.

HENRIQUE ALTEMANI DE OLIVEIRA

o momento em que, devido às dificuldades deacordo entre as principais potências na Organi-zação Mundial do Comércio (OMC), as perspec-

formatação de alianças entre grupamentos regionais, ten-do em vista a disputa pelo poder internacional.

Dessa forma, em primeiro lugar, serão analisadas as ten-tativas de formatação de blocos econômicos asiáticos,considerando-se que a região, por características internas,estaria muito mais propensa a esquemas de cooperaçãoregional do que de estabelecimento de blocos propriamenteditos. Mas que, de outro lado, a crise asiática vai suscitaruma série de questionamentos sobre a região, os atores eseu papel no sistema internacional, induzindo à necessi-dade de definição de um esquema de bloco regional reati-vo aos já estabelecidos (UE – União Européia, Nafta –North American Free Trade Agreement) ou em negocia-ção (Alca – Área de Livre Comércio das Américas).

Em segundo lugar, será avaliado o atual relacionamentobrasileiro com a Ásia, ponderando-se que historicamente seapresentava quase que integralmente restrito às relações eco-nômicas com o Japão, com o acréscimo da relação políticacom a China a partir da metade dos anos 70. Apenas na últi-ma década do século passado, o relacionamento é ampliadoe diversificado com a inclusão de novas parcerias.

Por fim, algumas considerações sobre as novas pers-pectivas de integração na Ásia e as possibilidades de in-

tivas de integração regional aparentam estar na agenda dosmais diferentes Estados, a presente análise procura refle-tir sobre o relacionamento brasileiro com as instituiçõesasiáticas de integração regional.

A reflexão parte da premissa de que os principais atoresinternacionais (Estados Unidos, Japão/Ásia e Alemanha/União Européia) estão num processo de disputa pelo poderinternacional, no qual interagem não só as variáveis econô-micas, como também as estratégicas. Assume-se a pressupo-sição da existência de uma íntima relação entre as variáveiseconômicas e estratégicas como garantia de um continuadodesenvolvimento econômico mundial. “Um inter-relaciona-mento interativo e sinérgico desenvolveu-se entre economia,política e segurança militar, não podendo ser significativa-mente separado: paz é precondição para a prosperidade e umacriativa diplomacia para gerenciar rivais econômicos e rela-ções comerciais no mercado global é, por sua vez, precondi-ção para uma paz duradoura” (Kegley, 1998:7).

Esse processo acaba incentivando, de um lado, o de-senvolvimento de mecanismos regionais e, de outro, a

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OS BLOCOS ASIÁTICOS E O RELACIONAMENTO BRASIL-ÁSIA

tegração com o Brasil ou com o processo regional sul-americano.

Em decorrência da imprecisão do termo Ásia, a regiãoque estará sendo abordada corresponde à Ásia-Pacífico, ouseja, o Leste Asiático (Japão, China, Hong Kong, Taiwan,Coréia do Sul e do Norte), o Sudeste Asiático (Indonésia,Malásia, Tailândia, Filipinas, Cingapura e Brunei) e outrospaíses da região, como Vietnã, Laos, Camboja e Myanmar.

OS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO NA ÁSIA

A primeira iniciativa asiática concreta de desenvolvi-mento de um esquema regional de cooperação ou de inte-gração, no plano econômico, surgiu em 1965, com a for-malização da proposta apresentada pelo professor japonêsKiyoshi Kojima de criação de uma área de livre-comér-cio (Pafta – Pacific Asian Free Trade Area).

A motivação para essa primeira tentativa decorreu, en-tre outros fatores, dos receios do crescimento dos blocosregionais e da sensação de que poderiam criar entraves parao acesso ao mercado mundial. “A motivação original foi apreocupação japonesa de que a formação do MercadoComum Europeu e os esquemas de livre-comércio na Amé-rica Latina e em outros lugares estavam sinalizando parauma ruptura da economia mundial para blocos regionais,deixando o Japão de fora” (Arndt, 1990:563).

A proposta previa como membros plenos Estados Uni-dos, Japão, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, com apossibilidade dos países em desenvolvimento da regiãoaderirem como membros associados. No entanto, essa pro-posta não foi bem aceita no Sudeste Asiático devido àênfase na forte presença ocidental, e, na realidade, o fatorfundamental para seu fracasso foi a indisposição dos Es-tados Unidos em participar de esquemas de cooperaçãoregional que pudessem afetar interesses americanos.

Ainda que não tenha obtido êxito formal, a propostado professor Kojima, como reflexo de uma preocupaçãoregional sobre as questões econômicas, propiciou o de-senvolvimento de uma série de conferências com o obje-tivo de refletir sobre as possibilidades de cooperação regio-nal. É necessário frisar que essas conferências, as quaisvão caracterizar o processo asiático, abandonam comple-tamente as perspectivas de área de livre-comércio e vãose concentrar especificamente nas questões de coopera-ção, e mesmo assim entendendo-se cooperação não comointegração, mas como coordenação.

É exatamente essa idéia de coordenação de políticaseconômicas que vai gerar as seguintes séries de conferên-

cias: Pacific Trade and Development Conference (Paftad);Pacific Basin Economic Council (PBEC) e PacificEconomic Cooperation Conference (PECC).

Peter Drysdale, acadêmico australiano e incentivadorda Paftad, define essas conferências como “privadas no sen-tido de que são convidados a título pessoal economistasde diferentes países do Pacífico. Os participantes não-aca-dêmicos não são representantes de seus governos nem deorganizações internacionais, sendo convidados por sua ca-pacidade profissional privada. Os participantes provêmprincipalmente do setor acadêmico e muitos tiveram umaexperiência política importante no governo. As reuniõesdestinam-se, primeiramente, à consideração e ao exame dosaspectos de política econômica de importância para ospaíses do Pacífico. Essa é a finalidade das análises e tex-tos apresentados. Focalizar as políticas econômicas é o quemarca a diferença em relação à pesquisa econômica pura esua contribuição vai auxiliar e complementar as daquelesque aplicam na prática tais políticas, na esfera dos gover-nos e no mundo dos negócios” (Legorreta, 1994:7).

Da mesma forma que a Paftad, o PBEC, constituídoem 1967, é uma organização não-governamental operan-do como uma rede de relações comerciais, com o objeti-vo de estabelecer um ambiente mais favorável para osnegócios na região. Em outros termos, trabalha na pers-pectiva de coordenação de políticas que possam influen-ciar governos e organizações internacionais na manuten-ção de políticas de mercados abertos e na diminuição debarreiras ao comércio e ao investimento.

No final dos anos 70, enquanto nos Estados Unidos,com base no relatório Patrick-Drysdale, encomendado peloSenado norte-americano, crescia a expectativa de imple-mentação de uma Comunidade do Pacífico, no Japãosedimentava-se a perspectiva de que, antes de uma orga-nização voltada para a integração econômica, seria neces-sária a superação das diversidades culturais e ressentimen-tos históricos.

Assim, dentro dessa visão japonesa, em 1980, inicia-se a série PECC, com a presença de delegações de 11 paí-ses: os cinco desenvolvidos (Estados Unidos, Japão, Ca-nadá, Austrália e Nova Zelândia), os cinco membros daentão Asean – Association of Southeast Asian Nations(Malásia, Indonésia, Cingapura, Filipinas e Tailândia) e aCoréia do Sul. Cada delegação tem uma composição tri-partite: um representante acadêmico, um do setor privadoe um do setor governamental a título privado.

As conferências PECC “têm podido levar a cabo am-plo e profundo trabalho exploratório dos mais diversos

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aspectos das relações intrapacíficas, terminando por pe-sar nas políticas governamentais da região. (...) Destruí-ram muitas das ilusões em torno da rápida formalizaçãoda cooperação econômica no Pacífico mas, por outro lado,vão mantendo vivo, e até robustecendo, o ideal corres-pondente. Têm a seu crédito duas importantes realizações:a lenta elaboração de vasta malha de relacionamentos pes-soais entre entusiastas oriundos dos quatro cantos do gran-de oceano e o acúmulo de impressionante massa de infor-mações sobre as necessidades e possibilidades da área”(Oliveira, 1995:104-105).

Enquanto essas iniciativas de cooperação se processamno Leste Asiático, detectam-se diferentes propostas vol-tadas para o campo da segurança no Sudeste Asiático,desde o final da Segunda Guerra Mundial, culminando coma estruturação da Asean, em 1967. A criação da Asean sófoi possível após a solução parcial das reivindicações ter-ritoriais envolvendo principalmente Indonésia, Malásia eFilipinas; da separação de Cingapura da Federação Malaia;e a instalação de governos mais pró-americanos na Indo-nésia com a deposição de Sukarno em 1965 e, nas Filipi-nas, com a posse de Ferdinando Marcos em 1966.

Apresentada como tendo o objetivo de promover o cres-cimento econômico, a Asean, na realidade, tinha a missãode evitar o avanço do comunismo. “Durante os primeiros20 anos de sua existência, Asean foi essencialmente umaorganização política antes do que econômica. Os objeti-vos políticos predominaram em larga medida por causada ameaça comum interna dos grupos guerrilheiros comu-nistas, da ameaça externa do Vietnã comunista e os impe-rativos de manter boas relações dentro do Sudeste Asiáti-co não-comunista de forma a ser capaz de estabelecer emanter a estabilidade regional” (Stubbs, 2000:300).

Concisamente, Gutiérrez (1993) aponta que a Aseanapresenta três fases desde sua criação, sendo a primeiracorrespondente ao processo de manutenção da segurançaregional, evitando-se a transformação dos regimes políti-cos nacionais em comunistas e colaborando para a dimi-nuição dos conflitos internos, bem como para a estabili-dade entre fronteiras.

A segunda fase, com maior ênfase nos anos 80, abran-ge o período em que o Sudeste Asiático se insere no pro-cesso de desenvolvimento econômico asiático, por inter-médio da transferência de empresas e investimentos tantodo Japão quanto dos Tigres Asiáticos.

A terceira fase, já no pós-guerra fria, representa umnovo direcionamento de seus objetivos. De um lado, o lan-çamento do projeto de estabelecimento de uma área de

livre-comércio (Asean Free Trade Area – Afta) em 1992,com previsão de redução tarifária até sua efetivação em2008. E, de outro, a ampliação da Asean em seu papel demecanismo garantidor da segurança estratégica, não sórestrito ao Sudeste Asiático, mas incluindo o total da Ásia-Pacífico através do ARF – Asean Regional Forum.

Esse Fórum Regional (ARF) foi institucionalizado em1993 com caráter intergovernamental para discussão dequestões políticas e de segurança. No início, foram incluí-dos como participantes do ARF os membros da Asean(Brunei, Cingapura, Malásia, Indonésia, Filipinas eTailândia), seus sete maiores parceiros comerciais (Esta-dos Unidos, União Européia, Japão, Canadá, Coréia doSul, Austrália e Nova Zelândia), dois convidados (Chinae Rússia) e três observadores (Vietnã, Laos e Papua-NovaGuiné).

A inserção do ARF dentro da Asean decorreu, entreoutros, do fato de ela ser a única organização na regiãocom um fórum de diálogo estabelecido e de já ter umaforte importância na arquitetura de segurança regionalatravés dos princípios contidos no Tratado de Amizade eCooperação (pelo qual se assegura que nenhum membroprocurará resolver suas disputas pelo uso da violência).

Utilizando o mesmo canal da Asean, mas muito maisem decorrência da experiência das conferências Paftad,PBEC e PECC, criou-se a Apec (Asia-Pacific EconomicCooperation forum) com um caráter essencialmente eco-nômico e como um fórum informal em resposta ao aumentodo regionalismo econômico e, conseqüentemente, para dis-cussão de questões econômicas e ampliação da coopera-ção regional.

Constituída em 1989 com 12 membros (Austrália, Ca-nadá, Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul, Nova Zelândiae os seis membros da Asean – Indonésia, Malásia,Tailândia, Filipinas, Brunei e Cingapura), a Apec contahoje com 21 membros.1

De sua criação até 1992, a Apec caracteriza-se pela au-sência de propostas concretas que pudessem levá-lo a ter umaatuação mais ativa no contexto regional. De acordo comDonald Crone (1992), essa rede organizacional não emergiurapidamente nem está definida ainda: antes de sua forma-ção, algumas questões foram levantadas e, em princípio, per-manecem, em torno de sobre o que cooperar e com quem.

A primeira questão seria a participação dos EstadosUnidos, de uma forma genérica percebida como fator deestabilidade para a segurança regional e de instabilidadeespecificamente para o comércio e para outras áreascorrelacionadas, a partir de suas constantes críticas quan-

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to às condições sociais dos trabalhadores e aos direitoshumanos e pressões sobre direitos intelectuais. Deve-senotar que a proposta inicial excluía os Estados Unidos e oCanadá, primeiramente, devido às mudanças no protecio-nismo norte-americano em relação ao Pacífico e, em se-guida, devido a um posicionamento contrário à participa-ção dos Estados Unidos num mesmo organismo com oJapão, temendo-se que seu relacionamento bilateral mo-nopolizasse as atividades da organização.

Na realidade, essa questão da presença norte-america-na em organismos regionais asiáticos estava igualmentena base da proposta do Primeiro-Ministro da Malásia(Mohamad Mahatir) sobre a criação dos Eaeg (East AsianEconomic Grouping). O Eaeg previa somente a partici-pação de Estados asiáticos, excluindo tanto os Estados Uni-dos, quanto o Canadá, Nova Zelândia e Austrália. Previaigualmente que o Japão se predispusesse a liderá-lo.

De outro lado, e favoravelmente à presença dos Esta-dos Unidos, havia o receio de predominância do Japão.Nesse sentido, Malásia e Tailândia preocupavam-se como predomínio norte-americano, enquanto Cingapura achavaque a ausência dos Estados Unidos e a ameaça de um blo-co do yen desestimularia a proposta australiana. Já a In-donésia questionava se um ou outro isoladamente teriacondições de liderar o processo, raciocinando que a pre-sença de ambos seria favorável às economias abertas daregião. Porém, os Estados Unidos conseguiram sua parti-cipação devido às suas pressões e ao pedido japonês desua inclusão.

A proposta inicial de Hawke (Primeiro-Ministro aus-traliano) para o estabelecimento da Apec era vista comouma resposta à emergência de blocos regionais, princi-palmente na Europa e na América, tendo Sueo Sudo (1994)subentendido que essa divergência de posições decorriaprincipalmente de fatores regionais, como o surgimentode um novo regionalismo, a reinserção do Sudeste Asiáti-co na era pós-hegemônica e a dificuldade do Japão emassumir um novo papel tanto no contexto regional quantono internacional.

Desde sua constituição e, principalmente, nesse primei-ro momento, está bem patente a perspectiva de ser um me-canismo que está buscando seu sentido, isto é, decorre doreconhecimento da necessidade e do interesse de desen-volvimento de consultas e cooperação em âmbito regio-nal, porém com um caráter deliberadamente vago.

Independentemente dessa aparência de indefinição deobjetivos e de estratégias, pode-se visualizar a Apec comoo resultado de um processo de interação das perspectivas

americanas e asiáticas do Pacífico, dentro do contenciosoeconômico-comercial entre o Japão (compreendendo aeconomia asiática) e os Estados Unidos.

Em outros termos, os momentos iniciais da Apec deixambem claro que sua proposta não é de estabelecimento de ummecanismo de integração econômica nos moldes da UE, mas,muito mais, de um fórum de coordenação política de ques-tões econômicas regionais. “Quando o Primeiro-Ministroaustraliano Bob Hawke propôs o estabelecimento da Apec,em 1989, ele tomou como modelo a OCDE, a Organizaçãopara a Cooperação e o Desenvolvimento Europeu, o grupobaseado em Paris que promove a coordenação de políticaseconômicas domésticas e internacionais entre seus Estados-membros. O principal papel da OCDE é aumentar a trans-parência, coletando e divulgando informações sobre as po-líticas de seus membros. A OCDE não é um fórum paranegociações comerciais e a Apec inicialmente também nãoestava desenhado para sê-lo” (Ravenhill, 2000:321).

No entanto, a partir de 1993, na reunião de Seattle, aperspectiva de liberalização comercial torna-se a peça-cha-ve da agenda da Apec. Na reunião de Seattle, presididapelos Estados Unidos, procurou-se estabelecer, em primeirolugar, uma Estrutura de Comércio e Investimento para fu-tura liberalização de comércio e investimento. Em segun-do, o Grupo de Personalidades Eminentes, que em 1992tinha recebido a incumbência de preparar a institucionali-zação da Apec, apresentou um relatório (Para uma comu-nidade econômica da Ásia-Pacífico) propondo que a Apecacelerasse a cooperação econômica com vistas ao estabe-lecimento de um regime de livre-comércio e de investimentona região. E, em terceiro, procurou-se instrumentalizar areunião para se obter um consenso mútuo de apoio à con-clusão da Rodada do Uruguai do GATT.

Na reunião na Indonésia, em 1994, deu-se seqüênciaao objetivo de estabelecimento da área de livre-comér-cio, com um cronograma de adaptação até 2010 para ospaíses desenvolvidos e até 2020 para os em desenvolvi-mento. Permaneceu, no entanto, a questão de definiçãode quais membros eram desenvolvidos e quais estavamem desenvolvimento.

Entretanto, essa disposição para definição de uma áreade livre-comércio decorria precipuamente das intençõesnorte-americanas e dos países ocidentais membros, sofren-do uma velada oposição dos membros asiáticos, principal-mente do Japão e da Malásia. “Os membros asiáticos pro-curam evitar a evolução da Apec para um outro fórum noqual os governos ocidentais possam atacar suas políticascomerciais. Além disso, dada sua dependência comercial

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da Europa Ocidental como da América do Norte e outraspartes da Ásia, eles se opõem radicalmente a qualquer mu-dança para a Apec se transformar numa área comercial pre-ferencial (na realidade, um de seus interesses no estabele-cimento do grupo, no momento em que as negociações naRodada Uruguai do GATT estavam estagnadas, era dimi-nuir as possibilidades de fragmentação da economia globalem blocos comerciais rivais)” (Ravenhill, 2000:321).

Assim, já na próxima reunião, sob liderança japonesa,1995 em Osaka, a perspectiva de transformação da Apecnuma área de livre-comércio é praticamente descartada.Essa reunião vai se caracterizar pela retomada da via asiá-tica, pela definição da idéia de regionalismo aberto, se-gundo o qual as vantagens tarifárias que os membros daApec se concederem mutuamente devem ser estendidas atodos os não-membros, via cláusula da Nação MaisFavorecida e sem exigências de contrapartida.

Além disso, flexibilizou o disposto na reunião de Bogorsobre os prazos de liberalização comercial, deixando acargo de cada país-membro decidir sobre os prazos e ocalendário para implementação de seus compromissos deliberalização.

AS RELAÇÕES BRASILEIRAS COM A ÁSIA

Em seu atual projeto de inserção internacional, o Bra-sil delega à região asiática um espaço especial, conside-rando-se a grande demanda por investimentos e por aces-so a tecnologias de ponta, bem como por um mercado comalta capacidade de consumo. Por sua vez, o Brasil levantainteresses na Ásia por se caracterizar como uma impor-tante fonte supridora de matérias-primas, principalmenteprodutos alimentícios e insumos básicos. Nesse sentido,à medida que a Ásia se dinamiza e se especializa em pro-dutos manufaturados, é mantido ou ampliado o interessena importação de produtos básicos do Brasil.

A presente análise aponta que até a década de 70 o re-lacionamento brasileiro com a Ásia restringia-se basica-mente às relações com o Japão, e à aproximação, de cará-ter mais político, com a República Popular da China nametade dos anos 70. Mesmo esse estrito relacionamentosofre uma retração com a sucessão de crises nos anos 80,retomando força na década de 90.

Nessa última década, a retomada e ampliação do relacio-namento com a Ásia adquire novo vigor pela maior presen-ça tanto da Coréia do Sul e dos países do Sudeste Asiático,quanto da China que, em decorrência de seu desenvolvi-mento acelerado, não é mais apenas um ator político, mas

um forte mercado consumidor além de fornecedor. Essaretomada tem clara conotação econômica, mas também éinfluenciada pela disputa comercial entre os países desen-volvidos e a proposta de criação da Alca, por muitos en-tendida como uma modalidade de protecionismo regional,com entraves para a inserção de atores externos.

Assim, até quase o final do século XIX pode-se afir-mar que não havia qualquer tipo de relacionamento entreo Brasil e a Ásia. No que se refere ao Japão, por exemplo,somente com a Restauração Meiji (1867) é que o Japãovai sofrer uma série de modificações estruturais que pos-sibilitam o estabelecimento do Japão moderno e tambémuma abertura para o exterior.

Em decorrência da Restauração Meiji, a economia ja-ponesa sofre um processo de desestabilização provocan-do fluxos migratórios inicialmente para o Havaí e a CostaOeste dos Estados Unidos. Do lado brasileiro, com a abo-lição da escravidão em 1888 e o crescimento rápido dalavoura cafeeira no Estado de São Paulo, tornou-se neces-sária a ampliação da migração de mão-de-obra externa.

Dessa forma, o relacionamento bilateral entre o Brasile o Japão inicia-se com a vinda de migrantes para o traba-lho nas lavouras cafeeiras. A base legal para esse relacio-namento é criada, primeiramente, pela assinatura do Tra-tado de Amizade, Comércio e Navegação em novembrode 1895 e, depois, pelo estabelecimento de companhiasque trabalhavam especificamente no recrutamento e trans-porte de imigrantes.

Pode-se notar que inicialmente a opção era por mão-de-obra chinesa, motivando o deslocamento de uma mis-são brasileira para a China em 1879. Mesmo com a não-concretização dessa corrente migratória, pela proibiçãoformal da China em permitir emigração para o Brasil, osdois países assinaram o Tratado de Amizade, Comércio eNavegação em 1881, com a abertura de um consulado bra-sileiro em Xangai em 1883.

A chegada do navio “Kosato Maru”, em 1908, dá início àimigração japonesa ao Brasil, tendo um crescimento signifi-cativo até 1934 quando a nova Constituição brasileira limitao fluxo migratório, o qual praticamente se interrompe com aSegunda Guerra Mundial e é retomado somente após 1955.Já com a China, os contatos bilaterais foram escassos em de-corrência da sucessão de conflitos internos e externos queafetaram esse país no final do século XIX e na primeira me-tade do século XX. Com a vitória de Mao Zedong em 1949,o Brasil rompe as relações diplomáticas.

Dessa forma, é interessante ressalvar que o relaciona-mento entre Brasil e Ásia até a década de 50 ficou quase

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unicamente restrito ao campo sociocultural representadopelo fluxo migratório japonês. E que nas décadas de 50 a70 não se pode, então, pensar propriamente num relacio-namento Brasil-Ásia. Apesar de presente em discursos,principalmente a partir da política externa independenteno governo Jânio Quadros, constata-se, na realidade, so-mente uma interação, no plano multilateral, de constru-ção de uma agenda política comum a países em desenvol-vimento no processo de defesa de instauração de uma novaordem econômica internacional.

Sukarno, em 1959, foi o primeiro presidente asiático avisitar o Brasil. E, em maio de 1961, foi assinado um acor-do bilateral econômico. Excluindo esses dois eventos,pode-se afirmar que inexistiu, até a década de 80, um re-lacionamento concreto entre os dois países, ou mesmo como Sudeste Asiático. Na realidade, a Indonésia passa a com-por o imaginário político no que se refere ao estreitamen-to de vínculos com o mundo afro-asiático, dentro dos pres-supostos da política externa independente.

A intensificação das relações com o mundo afro-asiá-tico seria conseqüência da necessidade de autodetermi-nação não só nacional, mas também do contexto afro-asiá-tico com vistas à superação mútua do subdesenvolvimento.Nesse sentido, as perspectivas de inter-relacionamentomantêm-se no contexto do espírito de Bandung (confe-rência realizada na Indonésia em 1955 e que daria origemao Movimento dos Não-Alinhados), sem que se chegue auma definição objetiva.

Dessa forma, nesse período, o relacionamento brasi-leiro com a região asiática esteve restrito às relações como Japão, considerando-se ainda que decorria basicamenteda iniciativa japonesa. Nesse sentido, aponta-se a ocor-rência de dois ciclos de investimento direto japonês noBrasil e que condicionam igualmente o fluxo comercial.

O primeiro ciclo, na segunda metade da década de 50,esteve claramente relacionado à constituição de uma infra-estrutura comercial, a cargo de trading companies japo-nesas. Seu objetivo era assegurar fontes regulares de for-necimento de matérias-primas, bem como firmar-se comoexportador de manufaturados. Assim, as primeiras empre-sas que se instalam no Brasil, nesse período, são do ramotêxtil e de comercialização. Embora sem muita expressãoeconômica internacional e em decorrência de sua extre-ma fragilidade devido à escassez de matérias-primas emseu território, o Japão investe pesadamente no projeto deaço da Usiminas.

O segundo ciclo, nos anos 70, coincide com os anosdourados do milagre econômico brasileiro, com a conso-

lidação do Japão como potência econômica e com a valo-rização do iene. Além da idéia de desenvolvimento e ma-nutenção de fornecedores seguros e estáveis, o Brasil, nessemomento, mostra-se atrativo em decorrência de seu cres-cimento acelerado. Note-se que a maior parte desses in-vestimentos foi realizada em associação com empresasestatais indicando, de um lado, uma possível convergên-cia de interesses entre o Estado japonês e o brasileiro e,de outro, a busca de maior estabilidade política e econô-mica aos investimentos realizados.

Como emblema dessa convergência entre os dois Esta-dos aponta-se, por exemplo, a estratégia utilizada pelo Ja-pão de incentivo ao desenvolvimento da produção de sojano Brasil. Quando os Estados Unidos, em 1973, decideinstrumentalizar o mercado de soja como uma arma emrelação ao Japão, inicia-se o investimento japonês no Pro-grama de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), fazen-do com que o Brasil, de produtor marginal, se transfor-masse, já no início dos anos 80, no segundo maior produtorde soja, logo após os Estados Unidos.

Denota-se, assim, certa complementaridade entre osdois países: fornecimento de matérias-primas em troca deinvestimentos e fornecimento de produtos industrializa-dos. A relação comercial do Brasil com o Japão, no en-tanto, mantém-se no esquema tradicional de colocação deprodutos básicos, enquanto a tendência geral, na pauta deexportações brasileiras, era de ampliação da venda de pro-dutos manufaturados.

Essa complementaridade nipo-brasileira sofre, porém,um processo de retração a partir do início dos anos 80,em decorrência, por um lado, da diminuição da importân-cia da garantia de fornecimento de matérias-primas, sejapelo aumento da oferta como pela queda dos preços reaise, por outro, pela aceleração da crise econômica brasilei-ra, revertendo as expectativas de que a economia brasi-leira continuaria crescendo a ritmo acentuado.

Essa crise vai inclusive propiciar o surgimento do fe-nômeno chamado dekassegui, ou seja, o estabelecimentode um fluxo migratório de descendentes de japoneses paratrabalho no Japão. Os dekasseguis, atualmente em tornode 250 mil, passaram a ser um fator importante no relacio-namento nipo-brasileiro como fonte significativa de flu-xo de capitais.

O Brasil só retoma relações diplomáticas com a Chinaem 1974, num momento em que o país, em decorrênciade seu desenvolvimento econômico e de uma conjunturainternacional favorável, está diversificando suas parceri-as internacionais e buscando uma inserção mais compe-

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titiva. Dentro de seu projeto de política externa, com for-te atuação nos fóruns multilaterais e com ênfase nas te-ses do Terceiro Mundo, a reaproximação com a Chinaera fundamental para dar credibilidade e legitimidade àação brasileira.

Assim, ainda que de início tenha implicado um aumen-to dos fluxos comerciais, as relações sino-brasileiras vãose manter mais restritas ao campo político-diplomático re-alçando as similaridades de posicionamentos comuns pe-rante o sistema internacional. Somente na década de 90,com a abertura econômica brasileira e com a maior inser-ção chinesa, processa-se uma maior aproximação comer-cial entre os dois países, ainda que prioritariamente se res-guarde a importância do relacionamento político. Por esseposicionamento e considerando-se ainda o potencial deaprofundamento das relações em longo prazo, a expres-são parceria estratégica, cunhada por Zhu Rongji em1993, passa a ser enfaticamente utilizada.

No plano político, um ponto central da agenda interna-cional dos dois países refere-se às suas pretensões em re-lação à OMC e à Organização das Nações Unidas (ONU).A China utiliza-se de seu assento permanente no Conse-lho de Segurança para se aproximar dos países em desen-volvimento e nesse sentido acena com a possibilidade deapoiar o interesse brasileiro em aceder ao Conselho deSegurança. De outro lado, o Brasil, em seu posicionamentopor regras mais justas no comércio, internacional e de-fendendo o sistema multilateral de comércio, apóia a en-trada da China na OMC.

A parceria estratégica ganha um contorno mais defini-do na área de cooperação técnica e científico-tecnológi-ca. Nessa área encontra-se o mais ambicioso projeto dasrelações entre os dois países: o trabalho conjunto para odesenvolvimento de satélites de sensoreamento remoto,tendo sido lançado em 1999, com sucesso, o primeiro sa-télite. O projeto, inclusive, foi ampliado, planejando-seproduzir mais dois satélites, além dos dois inicialmenteprevistos. Os satélites permitirão aos dois países uma in-dependência na área de imagens por satélites, possibili-tando-lhes inclusive passar de usuários a exportadoresdesse tipo de serviço.

Já as relações com a Coréia do Sul e com o SudesteAsiático adquiriram relevância somente a partir dos anos90, dentro do contexto de reestruturação do sistema inter-nacional pós-guerra fria. A crescente participação coreanano comércio brasileiro parece ter sido reforçada pelo fatode os conglomerados coreanos (chaebol) mostrarem-semais agressivos na conquista de mercados seja na Améri-

ca Latina, seja no Brasil, procurando suplantar o papeltradicional desempenhado pelo Japão. Sua ação pareceestar orientada pelo objetivo de formação de redes de dis-tribuição e de comercialização, criando possibilidades deinvestimentos diretos como base para uma integração pro-dutiva em setores de manufaturados.

O Sudeste Asiático, por seu desenvolvimento econô-mico acelerado e pelo fato de estar integrado através daAsean, passou a ser visualizado como um possível par-ceiro político e econômico, principalmente depois do es-tabelecimento do Mercosul. De qualquer forma e indepen-dentemente das respectivas crises financeiras, desenha-se aperspectiva de uma aproximação inicial mais de cunho polí-tico, para posterior crescimento do intercâmbio comercial.

Quando da visita do Secretário-Geral da Asean ao Bra-sil, em 1997, discutiram-se alternativas para uma maioraproximação entre Mercosul e Asean. Chegou-se à con-clusão que seria pertinente desenvolver mecanismos paratornar mais concreta a prioridade política e, igualmente,superar as falhas de conhecimento recíproco. Com basena percepção desse distanciamento, concordou-se tambémque, no atual momento, não é objetivo o estabelecimentode uma área de livre-comércio entre as duas regiões.

Mesmo assim, houve um crescente aumento no intercâm-bio comercial entre o Brasil e a Asean, demonstrando apotencialidade de maior estreitamento. No caso da Asean,assim como da China, chama igualmente a atenção a exis-tência de imensas possibilidades quanto à prestação de ser-viços no desenvolvimento de infra-estrutura, em especialno campo energético e de transportes. Vale lembrar querecentemente a Companhia Brasileira de Projetos e Obrasliderava o consórcio que venceu a licitação internacionalpara a construção da hidrelétrica de Bakun, na Malásia. Noentanto, essa que seria a primeira grande obra de engenha-ria do Brasil na Ásia não foi ainda iniciada em função dacrise asiática. No que se refere à construção da hidrelétricade Três Gargantas, na China, apesar do reconhecimento dacompetência brasileira, a participação foi prejudicada peladificuldade de obtenção de financiamento para a obra.

Em decorrência da retomada da atratividade do Brasil,de um lado, pela abertura do mercado e estabilidade fi-nanceira e, de outro, pela ampliação do mercado atravésdo processo integrativo regional com o Mercosul, perce-be-se claramente um crescente interesse asiático pelo Bra-sil. Esse interesse não é só econômico-comercial, masigualmente político-estratégico em função da disputa porpoder e por mercados que se processa na OMC e em ou-tros fóruns multilaterais.

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OS BLOCOS ASIÁTICOS E O RELACIONAMENTO BRASIL-ÁSIA

De outro lado, o presente relacionamento econômico-comercial apresenta uma clara tendência de crescimento,principalmente pela diversificação dos parceiros comer-ciais, o que corresponde igualmente à constatação de queo Japão não constitui mais o único mercado asiático paraos produtos brasileiros.

Em seu atual projeto de inserção internacional, o Bra-sil delega à região asiática um espaço especial. Entretan-to, em decorrência de contradições internas e de conjun-turas externas, não conseguiu ainda delinear as formas deatingir esse objetivo. O Japão continua mantendo um locusimportante no relacionamento econômico-comercial, en-quanto no político destaca-se o relacionamento com aChina. A Coréia do Sul e o Sudeste Asiático, pelos res-pectivos processos de desenvolvimento econômico ace-lerado, passaram igualmente a ser visualizados como pos-síveis parceiros políticos e econômicos.

NOVAS PERSPECTIVAS DE INTEGRAÇÃO NAÁSIA E DE RELACIONAMENTO COM O BRASIL

A crise asiática pode ser considerada como o momen-to de inflexão das políticas regionais asiáticas, a partir domomento em que passou a exigir uma maior atuação regio-nal para encaminhamento de soluções para a crise em si.Na realidade, a crise desnudou as fragilidades regionais,demonstrando que a interdependência por si só não temcapacidade de manter a região isolada de instabilidades,como também que o processo de disputa por poder eco-nômico entre Estados Unidos, União Européia e Japão nãoafeta só o Japão, mas acaba englobando toda a região,exatamente em função da forte interdependência regional.

Nesse sentido, retomam-se as expectativas de desen-volvimento de um processo de integração regional, comcaracterísticas essencialmente asiáticas, sem a participa-ção de atores externos, podendo ser canalizado para es-truturas institucionalizadas com o objetivo de encarar ques-tões transnacionais comuns. Ou, mesmo, como umaresposta necessária à tendência de aprofundamento dosregionalismos europeu e americano.

No que se refere especificamente à esfera econômica,Funabashi aponta que o Japão estava acomodado com ametáfora dos flying geese, que ressaltava sua liderança noprocesso de desenvolvimento econômico asiático, ao mes-mo tempo que o colocava como o principal interlocutorasiático com o resto do mundo. “Mas a visão do Japãosobre a Ásia e seu próprio papel nela está sendo desafia-da pelas novas realidades econômicas: o crescimento da

China e seu desafio ao Japão; o rápido avanço da infor-mação e o desenvolvimento das tecnologias de comuni-cação em outros países asiáticos, como a Índia, Cingapurae Coréia do Sul; o rebaixamento do Japão, de modelo dodesenvolvimento asiático para um exemplo de confusão eparalisia; e o impacto da globalização na tradicional abor-dagem japonesa da ajuda externa como foco de investi-mentos externos governamentais para investimentos ex-ternos diretos privados. Outros países asiáticos estão setransformando em grandes atores econômicos na região eo Japão não é mais o único” (Funabashi, 2000-01:77).

Nesse sentido, com suas implicações na reivindicação deum posicionamento mais claro e cooperativo de recupera-ção regional e manutenção da competitividade internacio-nal, a crise forçou a definição de novos papéis e o arranjo denovas alianças. Assim, no caso do Japão, pode-se perceber apressão para uma maior atuação regional no encaminhamentode soluções para a crise. E a China, ao não se engajar numadesvalorização competitiva, procurou transmitir a imagemde um poder cooperativo e pacífico.

A reunião informal da Asean, em novembro de 1999,ressuscitou a idéia defendida em 1990 pelo Primeiro-Mi-nistro da Malásia, Mahathir Mohamad, de institucionali-zação de um bloco regional, com características essencial-mente asiáticas.

No entanto, agora, a reunião da Asean demonstra queainda constitui uma força regional e que a adesão dos trêslíderes do Nordeste Asiático – Japão, China e Coréia doSul –, constituindo o processo Asean + 3, reflete a ten-dência para uma crescente cooperação, especialmente emeconomia. A ênfase no reforço da cooperação econômicaindica igualmente o cuidado em evitar eventuais discus-sões sobre questões políticas e de segurança.

Evidentemente, não é provável que um mercado comumasiático seja institucionalizado em curto prazo, levando-se em consideração a persistência de profundas divergên-cias históricas entre os principais atores. “Inimizades his-tóricas permanecem profundas na região e não vãodesaparecer da noite para o dia. Mas o principal fato éque a definição de objetivos mostra uma tendência parauma crescente integração da região, a qual se preocupacom a emergência de blocos em outras partes do globo,como o Nafta e a União Européia” (Ching, 1999:36).

Apesar dessas dificuldades, não se duvida que o pro-cesso pode contribuir para ampliação da mútua compreen-são e confiança e uma mais durável estabilidade e paz noLeste Asiático. Mas, além disso, há o interesse dos trêsatores do Nordeste Asiático em atuar em conjunto com o

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Sudeste Asiático, mesmo que em função de uma disputapara ampliação do poder individual.

No plano da cooperação econômica, a presença do Ja-pão mostra-se fundamental para transferir credibilidade aqualquer desenvolvimento do bloco, porque é um instru-mento que possibilita uma atuação japonesa sem cobran-ças de seu passado.

Retoma-se ainda a idéia de que a proposta de um mer-cado comum sem a presença dos Estados Unidos tem sig-nificativa importância enquanto se busca a definição deuma identidade regional, na qual não só se aceita mas tam-bém se requisita a presença japonesa. Sob outra perspec-tiva, enquanto Asean + 3 pode desempenhar um papelfundamental na aproximação dos atores regionais, podeigualmente ser visualizado como um entrave à liberaliza-ção do comércio internacional, num processo no qual aÁsia, com sua extrema dependência dos mercados exter-nos, apresenta-se relativamente mais fragilizada.

“Entretanto, a provável institucionalização de um blo-co econômico do Leste Asiático na próxima década en-frenta grandes obstáculos. Um contínuo constrangimentocontra um bloco comercial asiático discriminatório é adependência das economias regionais dos mercados de forada Ásia. Ainda que a participação do comércio intra-regio-nal tenha crescido rapidamente na década anterior à emer-gência da crise asiática, mais da metade de suas exporta-ções ainda é direcionada para mercados de fora da região.O receio de que a institucionalização de um bloco asiáticodiscriminatório possa provocar uma guerra comercial glo-bal, na qual as economias asiáticas poderiam ser as maio-res vítimas, ainda preocupa muitas capitais” (Ravenhill,2000:331).

Nesse sentido, o Relatório Brookings 2000-01 apontaa emergência de uma forte tendência para o multilatera-lismo na Ásia, considerando que, de um lado, propicia areinserção dos principais atores regionais, enquanto, deoutro, pode marginalizar o papel norte-americano nos cam-pos econômicos e diplomáticos.

“Apesar dessas persistentes realidades, os Estados Uni-dos não deveriam rejeitar as tendências e os benefícios domultilateralismo na região. A maior utilidade dessas orga-nizações pode ser aproximar os principais atores da região– particularmente China e Estados Unidos – de uma formaque possa regularizar os contatos e afastar desavenças, des-confianças e conflitos. Além disso, o impulso para encon-trar soluções multilaterais ressoa de forma muito mais in-tensa do que anteriormente. Há tanto benefícios quantoperigos para os Estados Unidos nessa tendência. Nos pró-

ximos anos, o desafio para os Estados Unidos será manterseu papel como responsável pela segurança regional, aomesmo tempo que deve evitar ser marginalizado dos pla-nos econômicos e diplomáticos” (Brookings, 2000-01:7-8).

Em conjunto com a atual disposição de estabelecimen-to de um mecanismo regional que possa propiciar melho-res condições de desenvolvimento regional, assim comode inserção internacional, detectam-se dois instrumentoscomplementares que buscam exatamente manter e/ou am-pliar os relacionamentos asiáticos com duas outras regiões:a União Européia e a América Latina.

O projeto Asem (Asia-Europe Meeting), uma iniciati-va do Primeiro-Ministro de Cingapura, Goh Chok Tong,tem como objetivo estreitar os laços políticos, econômi-cos e culturais entre os dois continentes. Para a UE, a ins-titucionalização do Asem, estrategicamente, tem o papelde ser um instrumento de aproximação política com a Ásia,com o objetivo precípuo de evitar que Estados Unidospossam se manter isolados na região. Em outros termos, aUE espera, com o Asem, ser um ator político regional,além de econômico, de forma que possa relativizar a im-portância que os Estados Unidos detêm na região.

O Asem, cuja primeira reunião foi em 1995, antes en-tão da concordância no desenvolvimento do Asean + 3,tem como participantes asiáticos os membros da Asean,mais Japão, China e Coréia do Sul. Para o Japão, aindaque as diferentes questões a serem discutidas já estives-sem embutidas no seu relacionamento bilateral com a UE,a importância do Asem está no fato de representar um diá-logo inter-regional sem a presença dos Estados Unidos.Nesse sentido, note-se que Japão reagiu lentamente à pro-posta até ter ciência de que os Estados Unidos não se opu-nham ao encontro.

“Em adição aos óbvios benefícios econômicos, o de-senvolvimento de futuras relações com a Europa ao nívelde região para região era visualizado no Japão como ofe-recendo um contrapeso ao crescente papel ambivalente jo-gado pelos Estados Unidos na região. Essa linha particularde raciocínio está alicerçada na contabilidade contempo-rânea de estruturas econômicas tripolares baseadas noJapão (Ásia), UE (Europa) e Estados Unidos (Nafta). Aco-moda os próprios interesses do Japão de desempenhar ummaior papel internacional dentro de uma estrutura multi-lateral” (Gilson, 1999:737).

Mas, mais do que isso, começou-se a ter ciência de queo Asem poderia ser um instrumento de reaproximação coma Ásia e de uma forma em que não estivessem presentesos constrangimentos históricos, possibilitando um conta-

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OS BLOCOS ASIÁTICOS E O RELACIONAMENTO BRASIL-ÁSIA

to mais íntimo entre os diferentes Estados em torno de umobjetivo comum. Nesse sentido, o processo em si colabo-ra para construção e reforço de uma identidade asiática,ou, em outros termos, de um posicionamento asiático pe-rante os outros agrupamentos políticos e econômicos.

“A originalidade do processo Asem reside em sua pro-posta fundamental de uma região contra a outra (ao con-trário da Apec, ARF e a Conferência Pós-Ministerial daAsean). Posiciona, assim, dois corpos coerentes e exter-namente diferenciados cuja composição permanece alta-mente inquestionável dentro do Asem. Esta nova institui-ção promove um mecanismo inter-regional regular ecoordenado que aproxima esta ‘Ásia’ e esta ‘Europa’. Pa-radoxalmente, este diálogo inter-regional pode servir maisefetivamente para aumentar a cooperação intra-regional,porque pode mais claramente articular explicitamente apresença de uma Ásia vis-à-vis uma precisa e visível Eu-ropa. Como resultado, este mecanismo pode até mesmoinduzir à criação de uma identidade regional asiática...”(Gilson, 1999:749).

Este crescente regionalismo pode ser canalizado paraestruturas institucionalizadas com o objetivo de encararquestões transnacionais comuns. Ou, mesmo, visualizadocomo uma resposta necessária à tendência de aprofunda-mento dos regionalismos europeu e americano.

Da mesma forma que o Asem, o recente processo deaproximação entre Ásia e América Latina vai ter comoponto inicial uma proposta de Cingapura e vai englobaros países-membros da Asean mais o Japão, China e Coréiado Sul. Como proposta básica, trata-se de uma iniciativacom vistas a institucionalizar uma aproximação políticade alto nível e implementar programas e planos que am-pliem os laços econômicos, políticos e culturais entre asduas regiões.

Seus objetivos oficiais podem ser definidos em termosde gerar condições favoráveis para ampliação e aprofun-damento das relações inter-regionais em cooperação eco-nômica e social e a troca de visões sobre desenvolvimen-to, estratégias de mercado, educação, formação de capitalhumano, criação de emprego e desenvolvimento social.Assim, na Primeira Reunião de Chanceleres, em marçode 2001, definiu-se que o Fórum de Cooperação Améri-ca Latina – Ásia do Leste (Focalal)2 insere-se no contex-to do adensamento das relações entre as diferentes regiõesdo mundo e tem por objetivo preencher lacunas no relacio-namento entre as duas regiões.

Dessa forma, o Focalal apresenta forte conteúdo sim-bólico ao procurar ampliar e aprofundar relações com

a região da América Latina, sem a presença dos Esta-dos Unidos. Demonstra não só um crescente interesseasiático pelo espaço latino-americano, mas também adisposição de diferentes Estados, como Japão, China eCoréia do Sul, em participar desse processo. Conside-ra-se que um dos incentivos para a iniciativa Focalal éa percepção asiática de que Alca tende a se efetivar noprazo estabelecido e que, conseqüentemente, pode afe-tar ou diminuir as possibilidades de inserção da Ásiano espaço latino-americano.

Note-se que essa iniciativa asiática corresponde, de umlado, às demandas latino-americanas de ampliação doscontatos políticos e econômicos com a Ásia e, de outro,soma-se à tentativa regional de desenvolvimento de umbloco asiático, com identidade asiática, através da assimdenominada Asean + 3 (Japão, China e Coréia do Sul),sem a presença de países ocidentais. Focalal nada mais édo que a réplica do processo de aproximação, já em de-senvolvimento, entre a Ásia e a Europa, o Asem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em decorrência da retomada da atratividade do Brasilpela abertura do mercado e estabilidade financeira e, pa-ralelamente, pela ampliação do mercado através do pro-cesso integrativo regional, o Mercosul, percebe-se clara-mente um crescente interesse asiático pelo Brasil. Esseinteresse não é só econômico-comercial, mas igualmentepolítico-estratégico em função da disputa por poder e pormercados que se processa na OMC e em outros fórunsmultilaterais. Dessa forma, considera-se que a iniciativade aproximação entre as duas regiões, através do Focalal,deve gerar a ampliação das potencialidades brasileiras.

Isto é, o presente interesse mútuo, além da busca dascomplementaridades óbvias em termos de comércio ealianças políticas tanto nos planos bilaterais quanto nosmultilaterais, demonstra a vontade política de estreitamen-to de relações em função da necessidade de estabeleci-mento de parcerias, de um lado, no processo de distribui-ção de poder internacional e, de outro, na disputa pelagarantia de acesso a mercados.

NOTAS

1. Em 1991 foram aceitas as participações das três Chinas, sendo asde Taiwan e Hong Kong, como economias não como países. Em 1993,ocorreu a aceitação do México e de Papua-Nova Guiné e, em 1994, doChile. Rússia, Peru e Vietnã tornaram-se membros plenos em novem-bro de 1998.

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2. O Fórum de Cooperação América Latina-Ásia do Leste (Focalal)teve sua reunião inaugural em setembro de 1999, em Cingapura (Reu-nião de Altos Funcionários). Em agosto de 2000, houve a segunda reu-nião de Altos Funcionários em Santiago do Chile, seguida em outubrode 2000, pelo primeiro encontro acadêmico. Em março de 2001 reali-zou-se a primeira reunião de ministros de Relações Exteriores. E, emjunho de 2001, dentro desse espírito de aproximação com a Ásia, aDivisão de Ásia e Oceania do Ministério das Relações Exteriores doBrasil realizou o Seminário O Brasil e a Ásia no século XXI: ao en-contro de novos horizontes.

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HENRIQUE ALTEMANI DE OLIVEIRA: Professor do Departamento dePolítica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, CoordenadorAdjunto do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universi-dade de São Paulo.