3. mecânica estatística clássica de equilíbrio

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  • 7/29/2019 3. Mecnica Estatstica Clssica de Equilbrio

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    3. Mecanica Estatstica Classica e o Metodo de Gibbs

    A mecanica estatstica classica se preocupa com as propriedades da materia em equilbrio,definidas empiricamente atraves da termodinamica. Neste captulo, deixaremos de lado a discussao

    sobre como chegar ao equilbrio tema sempre presente nos captulos anteriores e passaremos atratar sistemas por vezes mais complexos do que gases. De fato, o objetivo agora e obter nao so leisgerais da termodinamica, mas partindo das interacoes que regem a dinamica molecular, leis maisespecficas para os sistemas tratados.

    Filosoficamente nao faremos nada muito diferente do que ja fizemos para os gases. Ali a evolucaotemporal para o equilbrio era complicada, mas a distribuicao de Maxwell-Boltzmann simples eindependente dos detalhes das interacoes moleculares. Vamos generalizar estas ideias para umsistema macroscopico qualquer, atraves do metodo de Gibbs.

    O maior problema para implementarmos este projeto e desenvolvermos uma clara ideia dosconceitos que estao por tras dos ensembles, introduzidos por Gibbs. Essencialmente ate o mo-

    mento determinamos observaveis de um corpo (como a funcao distribuicao de momentos) tirandoa media sobre os N corpos constituintes do sistema analisado. Este procedimento e simples e apelaa nossa intuicao fsica. O metodo de Gibbs nos permite estudar observaveis que envolvem cor-relacoes de muitos corpos (de fato ate de N-corpos) de um sistema. Em primeira analise isto naoe possvel, pois nao temos como tirar medias eficientemente quando queremos descrever o sistemacomo um todo. A solucao esta em imaginarmos um conjunto de replicas macroscopicas do sistemaem questao, contruidas a partir de nosso conhecimento emprico, a qual nos permite tirar medias.Em primeira analise, embora o procedimento seja de implementacao simples, certamente ele nao econceitualmente trivial.

    Neste ponto, vale simplificar o nvel de argumentacao abrindo mao de qualquer rigor matematico

    para expor o conceito de ensemble em um exemplo talvez um tanto banal. Imagine que a partir deum retrato 34 tenhamos que determinar o sexo do retratado. Nossa confianca em nosso julgamentodiz que o ndice de acerto sera de 99.99 %, confianca esta que vem de nossa experiencia diaria. Masno que baseamos nosso julgamento? A resposta imediata e intuicao, mas tambem podemos dizerque a intuicao vem do resultado de uma complicada analise matematica de correlacoes entre pelosfaciais, cabelo, tamanho do nariz, formato do rosto, etc.. Para montarmos estas correlacoes, ounossa intuicao, precisamos de fato construir cada um de nos um ensemble. Se tivermos umnumero suficiente de rostos com feicoes as mais distintas para fazermos a media e tirarmos ascorrelacoes, temos a certeza de que nosso julgamento raramente falhara. Um exemplo instrutivoe fazermos o teste em uma crianca de uns 5 anos. O ndice de acerto neste caso sera bem menor,

    pois a crianca ainda nao teve a oportunidade de construir um conjunto de medidas suficientementegrande a fim de estabelecer as correlacoes adequadas. (Por vezes elas decidem baseadas apenas nocomprimento dos cabelos, etc.) Faca a experiencia!

    O exemplo acima nao se sustenta se tentarmos matematiza-lo. Alias este singelo exemplo eum grande desafio para quem trabalha em ciencias computacionais no setor de reconhecimentode imagens. Pessoas sem conhecimento matematico algum reconhecem amigos e parentes, mascomputadores precisam ser programados de modo a estabelecerem complicadssimos esquemas decorrelacoes para julgaremem uma linha de producao se uma peca esta defeituosa ou nao.

    Os sistemas que vamos estudar sao caracterizados por equacoes matematicas simples, no caso

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    suas equacoes de movimento, passveis de uma analise rigorosa. Com os elementos introduzidosaqui, estaremos preparados para entender quase toda mecanica estatstica classica. A apresentacaoe tambem dirigida para que a mecanica estatstica quantica seja facilmente assimilada, bastandoextender a quantizacao canonica. boa parte da quantica. O captulo inicia-se com uma definicaoformal do ensemble de Gibbs e a derivacao do teorema de Liouville. Segue a definicao de media

    sobre ensembles com um importante exemplo. Finalmente introduzimos o ensemble microcanonico.A partir deste podemos derivar o teorema da equiparticao, o resultado pratico mais importante docaptulo.

    mais discussao sobre a fsica relevante

    3.1. Metodo dos Ensembles de Gibbs

    Os sistemas a serem tratados neste curso possuem um numero grande de moleculas ocupandoum volume grande (onde grandesera especificado muito em breve). Tipicamente

    N 1023 moleculasV 10

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    volumes moleculares .Trataremos do caso N e V , mas com volume especfico, ou volume molecular

    V/N = v finito. Modelaremos nosso sistema como isolado, ou seja, com energia constante. Istocertamente e uma idealizacao, mas bastante boa se o acoplamento for fraco com o resto do mundo.(Podemos fazer experiencias para medirmos um sistemas estritamente isolado?)

    Nestas condicoes um sistemas esta completamente e unicamente descrito por 3N coordenadascanonicas q1, q2, , q3N e 3N momentos canonicos p1, p2, , p3N. Por conveniencia abreviaremosestas 6N coordenadas por (pN, qN) 1. A hamiltoniana e H(pN, qN) e as equacoes de movimentosao obtidas atraves

    H(pN, qN)

    pi= qi e

    H(pN, qN)

    qi=

    pi . (1)

    O espaco 6N dimensional (pN, qN) e chamado de espaco de fase . Os pontos de satisfazendoH(pN, qN) = E definem a superfcie de energia E. O sistema evolve de acordo com as equacoes demovimento especificadas pela Eq. (1) e traca um caminho em , este caminho se atem a superfciede energia E para um sistema isolado.

    Obter uma descricao exata sobre todos os pontos do espaco de fase nao e uma tarefa facil e nemdesejavel excesso de informacao as vezes e nocivo, pois perdemos tempo demais em processa-la.Por exemplo, poderamos dizer que se soubermos descrever uma caixa de 1 m3 de ar de sala deaula, qualquer outra caixa de 1 m3 de ar sera bastante parecida. Esta e a ideia de ensemble,toma-se a media de varios membros representativos e obtem-se uma distribuicao para um sistema

    de um numero arbitrario de graus de liberdade.Gibbs propos um ensembleespecial, uma colecao de sistemas identicos em composicao e

    condicoes macroscopicas, mas em diferentes pontos representativos , ou seja, em diferentes es-tados microscopicos. A media deste conjunto nos da uma funcao densidade (pN, qN, t) de pontosrepresentativos .

    A funcao densidade e definida como

    (pN, qN, t) dNp dNq , (2)

    1Devemos fazer aqui uma ressalva sobre a notacao: por vezes com o proposito de simplifica-la alternaremos(pN,qN) com a forma (p, q), onde tal notacao nao implique em ambiguidade.

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    sendo o numero de pontos representativos no instante t, contidos em dNp dNq de centrado em(pN, qN). Um ensemble e completamente especificado por (pN, qN, t). Se voce passou por aquipela primeira vez, sugiro que voce releia esta pagina e a anterior. Os conceitos apresentados parecemsimples, mas nao sao nada triviais! Tente ler sobre isto em distintos livros de mecanica estatstica(veja referencias no final do captulo), so pode ajudar.

    3.2. Teorema de Liouville

    Introducao : antecipar qual a utilidade do teorema.

    Este teorema nos diz que

    t+

    3Ni=1

    pipi +

    qiqi

    = 0 . (3)

    Para demonstra-lo, vamos primeiro lembrar da condicao de continuidade de : O numero de pontosrepresentativos deixando qualquer volume do espaco por unidade de tempo e igual ao decrescimopor intervalo de tempo do numero de pontos representativos em . Definindo o vetor x (pN, qN)e consequentemente

    x = ( p1, p2, , p3N; q1, q2, , q3N) , (4)denotando por S a superfcie do volume arbitrario , e por n o vetor localmente normal a superfcieS, a condicao de continuidade e dada por

    ddt

    d =S

    dSn x . (5)

    Usando o teorema do divergente em 6N-dimensoes 2 , chegamos a

    d

    t

    +

    (x) = 0 , (6)

    onde o divergente age sobre 6N-dimensoes ( 6Ni=1 xi/xi). Note que a derivada total em tagindo sobre a integral do lado esquerdo da Eq. (5) passa a ser uma derivada parcial agindo nointegrando da Eq. (6). (Voce entende por que? Pense a respeito.) Como o volume e arbitrario,o integrando (6) precisa ser identicamente nulo. Entao:

    t

    = (v) =3Ni=1

    pi( pi) +

    qi(qi)

    =3N

    i=1

    pi

    pi +

    qi

    qi+3N

    i=1

    pi

    pi

    +qi

    qi . (7)

    Das equacoes de movimento canonicas, obtidas a partir de (1), temos

    pipi

    +qiqi

    = 0 (i = 1, 2, , 3N)

    e por isto:

    t

    =3Ni=1

    pipi +

    qiqi

    {, H} , (8)

    2Teorema do divergente: V dv A = Sdsn A, onde n e a normal a superfcie.32

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    onde {} e o parentesis de Poisson de com H.Conclumos que podemos escrever

    d

    dt=

    t+ {, H} = 0 . (9)

    A interpretacao geometrica desta equacao e a seguinte: se seguirmos um ponto representativo doespaco de fase , a medida em que este evolui temporalmente, a densidade de pontos representativosem sua vizinhanca e constante. Segue que a distribuicao de pontos representativos se move em como um fluido incompressvel.

    Como neste captulo estamos interessados em situacoes de equilbrio, vamos nos limitar a den-sidades de probabiliade que nao dependem de t explicitamente, mas apenas atraves de (pN, qN)

    t= 0 (pN, qN) . (10)

    3.3. Media sobre o ensemble

    Vamos supor que O(pN, qN) seja uma quantidade mensuravel do sistema de N partculas emconsideracao. O observavel pode ser, por exemplo, a energia ou o momento do sistema. Se quisermossaber o valor mais provavel de O(pN, qN) no equilbrio, conhecendo-se (pN, qN) esta e uma tarefaconceitualmente simples, pois nos basta calcular

    O =

    dNpdNq O(pN, qN)(pN, qN)dNpdNq (pN, qN)

    . (11)

    O valor medio sobre o ensemble e o valor mais provavel de O(pN, qN) serao muito proximos se odesvio quadratico medio for pequena, ou seja

    OO =

    O2O2O 1 . (12)

    Mais que isto, se (12) nao for satisfeita nao ha um procedimento padrao para calcularmos o valorobservado de O. Devemos entao questionar a validade da mecanica estatstica. No entanto, sabemosque para a maioria dos casos o desvio quadratico medio e da ordem de 1/

    N, o que no limite

    termodinamico em que N garante que a media sobre o ensemble e um metodo eficaz paracalcularmos valores mais provaveis.

    Ate o momento nao especificamos qual e o observavel O. Muitas vezes estaremos interessadosem saber a energia interna de um sistema, o que implica que O = H, mas tambem poderamosestar interessados em outras quantidades menos simples. Este e um bom ponto para relacionarmosa densidade de probabilidade de um corpo f, vista anteriormente, com . Isto e feito atraves darelacao obvia

    f(p, q, t) =

    Ni=1

    3(p pi)3(q qi)

    , (13)

    pois f pode ser interpretada como a media sobre o ensemble de encontrarmos uma molecula commomento p e posicao q) no instante t. Assim a media sobre o ensemble nos da o f mais provavelpara N

    f(p, q, t) =N

    dp2 dq2 dpN dqN (pN, qN, t)

    dNp dNq (pN, qN, t)(14)

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    onde o fator N vem do fato de que todos termos do somatorio do lado esquerdo da Eq. (13) tem omesmo valor, pois e simetrica em (z1, zN), onde zi = (pi, qi).

    Resumo do captulo e sugestoes bibliograficas

    Este captulo contem os princpios basicos da mecanica estatstica classica. O material cobertonas ultimas paginas, e portanto, a base de qualquer curso de graduacao em fsica estatstica e podeser encontrado em um grande numero de livros textos de excelente qualidade. A opcao por adiara introducao da mecanica quantica e consciente, e visa tornar o texto mais legvel para quem sedefronta com esta materia pela primeira vez. Cabe ressaltar que a maioria dos bons textos daliteratura nao usam esta estrategia.

    O ponto fundamental, o qual deve ficar claro depois do estudo deste captulo, e que o metodode Gibbs permite obtermos a termodinamica a partir do conhecimento da interacao microscopicadas partculas constituintes de um sistema. O preco pago, e que abrimos mao do conhecimentodetalhado de nosso sistema (posicao e momento de cada partcula), para conhece-lo bem apenas

    em media (qualquer observavel).

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