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3. Construindo Capacidades: O Brasil e os fluxos de migrações internacionais na lógica organizadora nacional e global Neste capítulo um perfil migratório brasileiro foi elaborado através de dois recortes temporais: do século XIX até a década de 1950, época em que o Estado brasileiro se pauta na imigração como meio de construir uma nação nos moldes europeus, e a década de oitenta do século XX até o início dos anos 2000, época de emigração de brasileiros, para enfatizar o caráter inédito das mudanças que ocorrem na década de oitenta no mundo e no Brasil no que concerne a globalização. Nosso principal argumento é que as mudanças na postura do Estado brasileiro em relação aos emigrantes refletem as dinâmicas desnacionalizantes da era global. Pretendemos analisar a mudança na relação do Estado brasileiro com os fluxos migratórios nesse contexto de maior bidirecionalidade de fluxos. O primeiro momento de emigração brasileira significativa ocorre na década de oitenta, quando os brasileiros começaram a emigrar em massa, formando redes diaspóricas em uma nova escala global até o presente. O Estado começa a buscar um diálogo com os emigrantes na década de noventa, promovendo encontros com organizações de emigrantes e pesquisas sobre o assunto, o que chamamos de período de construção de capacidades para uma futura interação.

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Page 1: 3. Construindo Capacidades: O Brasil e os fluxos … corrente immigratoria e a segura applicação dos subsidios destinados áquelle serviço, ao qual se acha intimamente ligado o

3.

Construindo Capacidades: O Brasil e os fluxos de

migrações internacionais na lógica organizadora nacional

e global

Neste capítulo um perfil migratório brasileiro foi elaborado através de dois

recortes temporais: do século XIX até a década de 1950, época em que o Estado

brasileiro se pauta na imigração como meio de construir uma nação nos moldes

europeus, e a década de oitenta do século XX até o início dos anos 2000, época de

emigração de brasileiros, para enfatizar o caráter inédito das mudanças que

ocorrem na década de oitenta no mundo e no Brasil no que concerne a

globalização.

Nosso principal argumento é que as mudanças na postura do Estado

brasileiro em relação aos emigrantes refletem as dinâmicas desnacionalizantes da

era global. Pretendemos analisar a mudança na relação do Estado brasileiro com

os fluxos migratórios nesse contexto de maior bidirecionalidade de fluxos. O

primeiro momento de emigração brasileira significativa ocorre na década de

oitenta, quando os brasileiros começaram a emigrar em massa, formando redes

diaspóricas em uma nova escala global até o presente. O Estado começa a buscar

um diálogo com os emigrantes na década de noventa, promovendo encontros com

organizações de emigrantes e pesquisas sobre o assunto, o que chamamos de

período de construção de capacidades para uma futura interação.

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3.1

O Brasil como destino de imigrantes numa lógica organizadora

nacional

Conforme fora adiantado no primeiro capítulo, o processo atual de

globalização é diferente da forma de mundialização que ocorre no final do século

XIX e início do século XX, época de maior fluxo de imigração para o Brasil. O

olhar para este passado é importante para mostrar que as migrações

transfronteiriças já ocorriam antes da atual fase da globalização, além de mostrar a

postura do Estado brasileiro em relação a tais fluxos migratórios nesses dois

momentos. Dessa forma, é preciso buscar entender

o conteúdo e os modos de comunicações e transações do passado podem ter diferido dos

observados atualmente, mas o fato social em si já em si estava presente no passado. De

maneira semelhante, a literatura mostra que muitos aspectos das migrações do passado,

como a migração em cadeia e a reunião familiar, ainda estão presentes hoje em dia.

(Sassen, 2006, p.113)

A política de imigração no século XIX e início de século XX era

conhecida como ‘hipernacional’, o resultado de dinâmicas de construção de

capitalismos nacionais num mundo de grandes poderes que competiam e

interagiam na economia mundial. A expansão imperial e doméstica contextualizou

os diversos esforços colonizadores que ocorreram sob a tutela de capitalismos

nacionais. É com este objetivo colonizador das fronteiras ‘internas’ que as

políticas de imigração brasileira vinculadas a um projeto de Estado-nação

brasileiro são formuladas. No século XIX, ainda na época do Império, a imigração

no Brasil é instituída como questão de Estado, por motivos além do econômico.

Nessa época de ‘protonacionalismo’, de construção da noção de Estado-nação, a

homogeneização étnica, em específico, de brancos, era imprescindível para uma

nação moderna e civilizada, seguindo o modelo europeu (HOBSBAWM, 1991).

Tais medidas foram institucionalizadas através do Decreto No. 528 de 28

de Junho, que buscava ‘regularizar’ a entrada de imigrantes (SANTOS, 1997,

2002). O decreto também explicita a intenção ao subsidiar a imigração europeia:

Considerando que da adopção de medidas adequadas e tendentes a demonstrar o empenho

e as intenções do Governo, relativamente á immigração, depende o desenvolvimento da

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corrente immigratoria e a segura applicação dos subsidios destinados áquelle serviço, ao

qual se acha intimamente ligado o progresso da Nação; (Decreto-lei 528, 1890)1.

Apesar da história do Brasil independente estar pautada na ‘imagem de um

país com imensos territórios disponíveis, recursos inesgotáveis, à espera de braços

industriosos que viessem arrancar as riquezas da terra generosa’ (Vainer, 1995),

a questão racial e a necessidade de construção de uma nação branca, nos moldes

europeus, se sobrepunha à necessidade por mão-de-obra e lucros. Através de uma

antiga crença por parte da elite brasileira na superioridade branca, reforçada por

teorias racistas europeias, a imigração europeia foi subsidiada enquanto a entrada

de asiáticos e africanos no país foi proibida, e a mão de obra de antigos escravos

brasileiros foi excluída do mercado formal de trabalho (SANTOS, 2002).

A imigração no Brasil inicia na fase da colonização, com a vinda dos

portugueses, que apropriaram da terra para fins militares e econômicos,

proporcionando a migração forçada de cerca de quatro milhões de escravos

africanos para trabalhar em lavouras de exportação. No início do século XIX,

começa a imigração livre de não portugueses, incentivados pela Coroa como

projeto de colonização agrícola baseada na pequena propriedade policultora

(BASSANEZI, 1996). ‘A política migratória do Império privilegiou a ocupação

de terras devolutas, principalmente no sul do país, produzindo um modelo de

colonização cuja unidade básica era constituída pela pequena propriedade

familiar’ (SEYFERTH, 1999, p. 200).

As teorias neoclássicas de migração, elaboradas a partir da mentalidade

liberal do século XIX, enxergam o mercado de trabalho como mecanismo

principal através do qual os fluxos internacionais de trabalhadores são induzidos.

O papel do Estado neste caso é de regular e influenciar mercados de trabalho em

países emissores e receptivos (MASSEY et al. 1993, p. 37). O Brasil procurou de

se adaptar a essa lógica através da crescente necessidade por mão-de-obra livre

para trabalhar na agricultura, principalmente após a proibição do comércio de

escravos em 1850. No entanto, acima da necessidade por mão-de-obra e até do

1 Disponível em:

http://www.google.com.br/search?sugexp=chrome,mod=9&ix=h9&sourceid=chrome&ie=UTF-

8&q=como+citar+decreto

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lucro, havia a preocupação com a composição étnica dessa mão-de-obra e seus

efeitos na composição racial da classe trabalhadora na nascente ‘nação’ brasileira.

A opção de subsidiar europeus em vez de incluir os antigos escravos neste

mercado de trabalho assalariado ou importar coolies chineses ou indianos tem sua

raiz na crença da superioridade do europeu branco e a crença no Brasil na

incapacidade e preguiça inerente dos negros e índios para o trabalho assalariado

(SANTOS, 2002).

Devido ao constante fluxo de africanos trazidos para o Brasil pelo tráfico

negreiro por durante 300 anos, a maioria da população brasileira era composta por

esses escravos negros e seus descendentes, de tal modo que no primeiro censo

nacional em 1872 revela que 38.1% da população era de brancos, enquanto 61.9%

da população era composta por negros, índios e mulatos. A política de

‘branqueamento’ teve o efeito de aumentar o número da população branca em

5.9%, para 44% da população na época do segundo censo, em 1890 (SANTOS,

1997, 2002).

A questão da racial está presente antes da independência, em 1818, D.

João VI assina o tratado de Nova Friburgo, comprando terras na fazenda do Morro

Queimado na região serrana do Rio de Janeiro para servir como destino para um

grupo de famílias suíças, com intenção de diversificar a agricultura com pequena

propriedade familiar e formar uma milícia de soldados suíços para colaborar com

regimentos portugueses de cor branca, diferente do regime escravista vigente na

época. O fracasso da colônia foi atenuado com o incentivo à vinda de imigrantes

alemães após a independência, não só para Nova Friburgo, mas para Petrópolis,

Espírito Santo, Bahia, e o sul do Brasil, que foi mais impactado por esta

imigração, formando colônias homogêneas em São Leopoldo, Rio Grande do Sul,

e no Vale do Itajaí, em Santa Catarina a partir de 1824 (SEYFERTH, 1993, 2002).

Os fluxos de imigração para o Brasil chegaram ao seu ápice na época da

abolição da escravatura e proclamação da República no final do século XIX. O

censo de 1890 aponta uma grande entrada de italianos, devido a uma política de

subsídios introduzida pela Província de São Paulo em 1884 para custear a vinda

de italianos geralmente do sul da Itália, para trabalhar das fazendas de café do

interior de São Paulo (LEVY, 1974; BASSANEZZI, 1996, p.4). As primeiras

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levas de imigrantes italianos haviam ido para o Rio Grande do Sul e Santa

Catarina para ocupar terras de modo semelhante aos alemães, e posteriormente

para as fazendas de café em São Paulo. Estima-se que cerca de 1.500.000 de

italianos imigraram para o Brasil, atrás somente dos portugueses (SEYFERTH,

1990, p. 11).

A maior entrada de imigrantes ocorreu entre os anos 1880 até o final da

década de 1920. Estima-se que mais de quase cinco milhões de europeus

imigraram para o Brasil em menos de um século, um número superior ao cerca de

3.6 milhões de escravos africanos traficados por mais de trezentos anos

(SANTOS, 2002). Na virada do século XX, o governo italiano proíbe a emigração

para o Brasil, fazendo este romper com a relutância em relação à imigração de

asiáticos. Também houve entrada de russos, austríacos, poloneses, em sua maior

parte para o campo e sírio-libaneses, portugueses e espanhóis, em maior parte para

as cidades (SEYFERTH, 1990). Muitos desses imigrantes se estabeleceram na

Amazônia, que desfrutava de um boom econômico, resultado do ciclo da borracha

(EMMI, 2010). Nessa era de crescente nacionalismo (HOBSBAWN, 1991),

grupos ameaçados por medidas de limpeza étnica, como os judeus e armênios

vieram sob a nacionalidade do estado opressor, como russos ou turcos, por

exemplo, fugindo dos violentos pogroms nesses países, ocorridos antes e após a I

Guerra Mundial (HOBSBAWM, 1991).

No Brasil, o fim dos subsídios em 1927, tal como as novas políticas

restritivas introduzidas pelo governo de Getúlio Vargas a partir de 1934 no Estado

Novo, é fruto deste crescente nacionalismo. Neste momento, houve maior

institucionalização da imigração. Com a criação do Departamento Nacional de

Imigração, e seguindo a lógica nacionalista e fascista, ela foi limitada para

somente portugueses, espanhóis e italianos, por serem ‘latinos’ e mais propícios à

assimilação, mais ‘adequados’ para uma política de ‘caldeamento’. Essa medida

diminuiu consideravelmente os fluxos, sendo retomado em menor proporção após

a II Guerra Mundial, com a entrada de sobreviventes da guerra. Na década de

1950 o único grupo que se manteve em fluxos regulares foram os portugueses,

cujo fluxo também diminuiu substancialmente até o final da década (SEYFERTH,

1997).

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Desde então, o Brasil deixou de ser um destino significativo para

imigrantes por mais de sessenta anos. Entre 1950 e 1980, a população brasileira

pode ser considerada uma população “fechada” demograficamente, devido ao

crescimento decorrente da diferença entre nascimentos e óbitos, tornando o

número de imigrantes que entraram no país após da II Guerra irrelevantes, assim

como a saída de brasileiros neste período (PATARRA, 2005). Esse quadro foi

revertido nos primeiros anos da década de 2010, devido ao crescimento

econômico brasileiro em meio à crise mundial, o que será abordado com mais

profundidade na conclusão deste trabalho.

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3.2

A emigração de brasileiros numa lógica organizadora global

Os deslocamentos recentes de brasileiros para o exterior podem ser vistos

como uma expressão da reestruturação da produção no sistema capitalista para

uma lógica organizadora global. No final do século XX, em meio à compressão

espaço-tempo e o novo modo de acumulação flexível, o novo modelo de divisão

de trabalho, assim como toda a sociedade pós-moderna, se organiza em redes,

utilizando a infraestrutura tecnológica do capitalismo informacional. A

emigração brasileira inicia num contexto de mudança, seguindo a tendência dos

fluxos populacionais internacionais dos países ‘periféricos’ para as nações

‘centrais’ do sistema capitalista. Desse modo, “o Brasil se tornou nos últimos 20

ou 30 anos, um país de emigrantes internacionais que buscam encontrar a

mobilidade social na mobilidade espacial para os países capitalistas centrais”

(BRITO, 1995 apud FAZITO, 2008).

O Ministério de Relações Exteriores (MRE) em 2008 e o Perfil migratório

do Brasil 2009, publicado pela Organização Internacional para as Migrações

(OIM) em 2010, mostram que a partir da década de 1980, constata-se a emigração

em massa de brasileiros para os principais destinos: Estados Unidos, Japão,

Europa (principalmente Portugal e Itália) e Paraguai. No início, houve maior

número de homens jovens e solteiros emigrando, porém ultimamente nota-se um

aumento na migração feminina. O relatório da OIM sobre o perfil migratório

brasileiro destaca que na década de 1980, os homens correspondiam 1.050.000

para 750.000 mulheres, enquanto na década de 90 houve um equilíbrio com 294

mil homens e 256 mil mulheres. As regiões de origem dos emigrantes também se

diversificaram. Enquanto na década de 80 aproximadamente 91% dos emigrantes

partiam do Sul e Sudeste do Brasil, na década de 90 este número diminuiu para

aproximadamente 79%, com o aumento de emigrantes de Goiás e estados do

Nordeste. Houve também aumento da migração entre o Brasil e Paraguai, com

altas taxas de retorno, assim como a mobilidade espacial na fronteira do Norte

com as regiões da Guiana Francesa, Venezuela, Peru e Bolívia. Outra mudança

ressaltada é o aumento nos fluxos de emigração para o Japão, sobretudo na

segunda metade dos anos 90 (OIM, 2009).

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O relatório também mostra uma discrepância entre os números de

brasileiros no exterior, mostrando que de acordo com a contagem da ONU, o

Japão aparece como destino preferencial dos brasileiros, com 298.100, enquanto

nos Estados Unidos consta que há somente 250.008, seguido do Paraguai,

Espanha e Portugal (OIM, 2009, p. 37). Essa discrepância evidencia a grande

quantidade de imigrantes brasileiros vivendo em situação irregular nesses países.

Figura 1: Tabela de estimativas dos 20 Maiores Estoques de Residentes

Brasileiros no Mundo, 2006 – a partir de dados oficiais do Departamento de

população das Nações Unidas (OIM, 2009, p.37).

Fonte: Ratha & Shaw, 2007, citado em Perfil Migratório do Brasil, 2009.

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O MRE também tem feito esforços para monitorar o processo emigratório

internacional dos brasileiros. Em 2008, estimou que houvesse aproximadamente

3.045.000 de emigrantes brasileiros. Na figura 2, há estimativas dos 23 países de

destino preferidos por 97% dos emigrantes.

Figura 2: Tabela de estimativas dos 23 Maiores Estoques de Residentes

Brasileiros no Mundo, 2008 – a partir de dados oficiais do Ministério das

Relações Exteriores do Brasil.

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Fonte: Ratha & Shaw, 2007, em Perfil Migratório, 2009.

Segundo esses dados consulares, os Estados Unidos apresenta o destino

preferencial, com cerca de 40% dos emigrantes brasileiros (1.240.000), em

situação regular e irregular. Segundo o Itamaraty, a América do Norte concentra

42% dos emigrantes, seguido pela Europa com 25%, América do Sul (20%), Ásia

(10,5%), Oriente Médio (1%), Oceania (0,7%), África (0,5%) e América Central

(0,3%).

De acordo com pesquisadores do assunto, o processo de emigração

internacional de brasileiros se inicia timidamente no final da década de 70, têm

seu ápice na década de 80, estabiliza nos anos 90 e tende a diminuir a partir dos

anos 2000. Os Estados Unidos aparece como o destino preferencial, com cerca de

1.240.000 brasileiros residentes, o Paraguai em segundo lugar, com 487.517

brasileiros, e o Japão em terceiro, com 310.000 brasileiros residentes. A

discrepância é explicada devido ao caráter largamente irregular da emigração de

brasileiros para os Estados Unidos e o Paraguai, dificultando a tarefa de contagem

exata. É importante destacar a dificuldade em fazer esta contagem, e os maiores

números nos dados do censo brasileiro, pois os emigrantes que se encontram

irregulares ficam mais à vontade para respondê-lo, diferente do censo do país de

residência. No Japão é possível fazer estimativas mais aproximadas, dado que este

compõe um fluxo em sua maioria regularizado (SALES, 1999; OLIVEIRA,

2008).

O perfil do brasileiro no exterior desafia noções pré-concebidas sobre as

migrações internacionais. A maior parte da migração de brasileiros para os

Estados Unidos ocorreu desta forma irregular, e tais fluxos se formaram a partir

das regiões do Sul e Sudeste do Brasil. Os emigrantes brasileiros nos EUA se

concentram geralmente nas regiões nordeste (Nova Jersey e Massachussetts), sul

(Flórida) e oeste (Texas, Califórnia, Arizona) dos Estados Unidos. Durante os

anos 80, muitos entravam nos Estados Unidos com vistos de turista e se

estabeleciam em situação irregular como trabalhadores informais. Nos anos 90

houve uma redução momentânea de emigração brasileira devido às restrições por

parte dos Estados Unidos. No entanto, através do aumento das redes de migração

consolidadas, os fluxos de entrada para os Estados Unidos atingiram seu auge no

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ano 2000, quando o Department of Homeland Security (NHS) dos Estados Unidos

registraram 54.000 brasileiros na travessia ilegal da fronteira. Com a reforma da

política imigratória em 2005 nos Estados Unidos, houve uma redução abrupta no

número de brasileiros detidos, com 31.000 em 2005 e apenas 977 em 2008

(SALES, 1999).

Atualmente, há uma heterogeneidade no perfil da população brasileira nos

EUA, pois representam fluxos diferentes em relação ao lugar de origem. No

início, porém, a maioria dos emigrantes eram homens jovens e solteiros, de classe

média, com um nível educativo maior do que a média brasileira (e norte-

americana) oriundos da região sudeste, principalmente do município de

Governador Valadares, em Minas Gerais.

“Entre 100 entrevistados, 46% frequentaram a universidade e 31% tinham o curso

universitário completo - se comparado com o da população americana, onde apenas 24%

têm grau universitário, e mais ainda com o da população brasileira, onde apenas 28% têm

o segundo grau completo e 12% conseguem entrar na universidade” (MARGOLIS,

1994;147-148 apud SALES, 1999, p. 214).

Outras fontes confirmam que os brasileiros vivendo no exterior possuem

uma instrução média a elevada, de 11 a 16 anos de estudo. A população é em sua

maioria composta por homens, embora com o aumento da migração feminina

demonstre uma tendência ao equilíbrio. Há uma tendência de reunificação familiar

no território dos EUA, mesmo sob irregularidades migratórias (OIM, 2009, p. 41).

“As migrações de brasileiros para os EUA configuram um sistema de

migração internacional”. Os estudos da literatura especializada sobre as

emigrações de brasileiros para os EUA nos últimos 20 anos mostram que há

“singularidades na distribuição, organização e composição desses fluxos”

(FAZITO, 2008). A partir do início da década de 90, as políticas de imigração

norte-americanas tornaram-se mais rigorosas e a entrada para brasileiros pelos

EUA for restringida. A estratégia até então utilizada pela maior parte dos

emigrantes, a obtenção de vistos de turista nos consulados americanos teve que

mudar radicalmente. Em seu estudo sobre as redes de imigração de Governador

Valadares, Fazito observa que “as redes sociais no processo migratório funcionam

como mecanismos poderosos de sustentação e consolidação dos fluxos”

(FAZITO, 2008, pp. 7-11). Nessa visão, as agências de viagem “(...) ocuparam

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posições estruturais exclusivas no sistema da emigração internacional brasileira;

pode-se dizer, uma ocupação necessária e inexorável”. Desse modo, as agências

de turismo exercem uma posição intermediária dominante reforçada pela estrutura

geral mais fraca de outras posições relativas do sistema. A força das agências,

com a debilidade dos outros intermediários e atores do sistema, torna o

constrangimento formal associado a uma posição ocupada concretamente mais

efetivamente. Tal visão é vista como “necessária à melhor compreensão dos

fluxos de emigrantes para os EUA” (FAZITO, 2008, p. 15).

Segundo o MRE, o Japão é o segundo país preferencial para emigrantes

brasileiros. Os brasileiros no Japão são descendentes de imigrantes japoneses que

vieram ao Brasil no início do século XX. Esses emigrantes, em sua maior parte,

são oriundos das mesmas regiões onde seus antepassados se estabeleceram no

Brasil, como São Paulo e do Paraná, e começaram a ir para o Japão na década de

1990. Para suprir uma demanda de mão de obra flexível, o governo japonês

revisou sua política de imigração em 1990, autorizando a entrada de Nikkeijin,

descendentes de emigrantes japoneses em um programa de guest-worker

temporário (ZELL & SKOP, 2010). Os emigrantes são conhecidos como

dekasseguis2 e formam uma grande comunidade transnacional. Como os

emigrantes brasileiros nos EUA, no início havia grande fluxo de homens jovens,

chefes de família casados em busca de um trabalho temporário, porém ao longo

do tempo, observa-se uma emergência de mulheres e filhos de imigrantes

brasileiros que se estabeleceram definitivamente no Japão.

Os dekasseguis se concentram em sua maioria em cidades que contêm as

fábricas de automóveis, para onde a maioria foi recrutada para trabalhar como

mão-de-obra não-qualificada. A crise de 2008 estimulou o retorno de muitos

emigrantes brasileiros do Japão. O Ministério da Justiça do Japão constata que de

2 “Originalmente, a palavra japonesa dekassegui significava “trabalhar fora de casa”. No Japão

referia-se aos trabalhadores que saíam temporariamente de suas regiões de origem e iam a outras

mais desenvolvidas, sobretudo aqueles provenientes do norte e nordeste do Japão, durante o

rigoroso inverno que interrompia suas produções agrícolas no campo. Este mesmo termo foi

aplicado aos descendentes de japoneses que vão trabalhar no Japão, em busca de melhores ganhos

salariais, empregando-se em ocupações de baixa qualificação, caracterizados pelos japoneses

como “3K” – Kitanai (sujo), Kiken (perigoso) e Kitsui (penoso) - que eram recusados por eles.

Nesse sentido, o termo “dekassegui” remete à idéia de um período temporário, isto é, um período

definido para trabalhar num lugar, para em seguida retornar à sua cidade de origem. Além disso,

tem-se embutido uma ideia pejorativa dos que cabem nessa categoria, de que se sujeitam a

trabalhos recusados por muitos” (Sassaki, 1998, p.9).

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2008 até dezembro de 2010, a população dos brasileiros no Japão diminuiu em

14.4%, baixando de 312.582 para 267.456. (KANASHIRO, 2010) 3

.

A migração brasileira na América Latina inverteu a tendência migratória

passada. O Brasil se tornou um destino migratório para pessoas desses países a

partir dos anos 70, enquanto o Chile e Bolívia apresentaram mais imigrantes no

Brasil do que emigrantes brasileiros em seus territórios. Há um fortalecimento do

processo emigratório para o Paraguai, com 19 mil brasileiros em 1991, e embora

em menor quantidade, os imigrantes paraguaios ocupam em terceiro lugar (com o

Chile) no número de imigrantes latino-americanos no Brasil. A Venezuela ainda

apresenta mais emigrantes brasileiros do que venezuelanos no Brasil. 56% do

volume dos emigrantes brasileiros no Mercosul se concentram no Paraguai e se

expandem de forma decrescente para a Argentina, Bolívia, Uruguai e Chile (OIM,

2009).

A migração de brasileiros para o Paraguai ocorre a partir dos anos 1980,

intensificado entre 1986-1996 (IMILA-CELADE, 2006 apud BAENINGER,

2008, p. 69). Estima-se que haja entre 100.000 a 500.000 brasileiros (chamados de

brasiguaios pela mídia) no Paraguai. Para o IMILA, há 107.000 brasileiros no

país, enquanto o MRE calcula cerca de 487.000. Os migrantes geralmente

emigram em família, compostas por homens e mulheres jovens em idade

reprodutiva, com baixa renda familiar e escolaridade (uma média de menos de seis

anos de estudo) com crianças em idade escolar. Eles tendem a manter vínculos

familiares nos lugares de origem e circulam frequentemente entre as fronteiras

(IMILA-CELADE, 2006).

Além dos lugares supramencionados, nos últimos vinte anos houve grande

intensificação de emigração brasileira para a Europa. O primeiro fluxo foi para

Portugal no início da década de 1990, mantendo-se estável até o ano 2000. Em

2006, de acordo com o Serviço de Estrangeiro e Fronteiras de Portugal (SEF), 65

mil brasileiros tinham permissão para permanecer no país. A Espanha também é

importante destino de brasileiros, somando a 110.000 no país, segundo o MRE.

Este é um fluxo recente, com cerca de 10 anos, e muitos chegam lá através da

reemigração, vindo de Portugal e da Itália para entrar na Espanha. É importante

3 “Diminui Número de Brasileiros no Japão” de Alexandre Kanashiro, para o jornal da

comunidade brasileira no Japão, Nippo Brasil em 21/07/2010) Disponível em:

http://www.nippobrasil.com.br/dekassegui/561.shtml

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notar que a Espanha, tal como Portugal e Itália, é um país cuja história migratória

tomou o caminho inverso a do Brasil - são países tradicionalmente de emigração

que se tornaram destino de emigrantes a partir da década de 19804 (RIPOLL,

2006). No Reino Unido e na Irlanda, países que recentemente começaram a

receber emigrantes brasileiros, somam-se aproximadamente 165.000 brasileiros.

O perfil dos brasileiros que emigram para a Europa, com exceção de Portugal, é

composto em sua maioria por jovens adultos entre 20 e 40 anos, dos dois sexos,

com escolaridade elevada (mais de 50% com mais de 13 anos de estudo, em

média), e participam na força de trabalho regional. A maioria destes migrantes

não emigra em família (exceto por Portugal), e apresentam alto índice em situação

irregular (MRE, 2008).

A emigração brasileira como objeto de pesquisa acadêmica surge a partir

dos anos 1990 com pesquisas antropológicas sobre comunidades brasileiras nos

Estados Unidos. São pesquisas multidisciplinares, com contribuições de

sociólogos, antropólogos, geógrafos, economistas, etc. Maxine Margolis,

antropóloga americana, é considerada pioneira nos estudos acadêmicos sobre a

imigração de brasileiros para os Estados Unidos, ao lançar em 1994 o primeiro

livro sobre o tema Little Brazil – An Ethnography of Brazilian Immigrants in New

York. Nessa obra e outras pesquisas subsequentes, Margolis destaca a condição de

invisibilidade desses imigrantes, o que ela atribui ao caráter ambíguo da

identidade brasileira no contexto da imigração (MARGOLIS, 1994 apud SALES,

1999).

Conforme mencionamos, Margolis confirma o fato de que a emigração de

brasileiros desafia a noção pré-concebida de que quem emigra de um país são

geralmente os mais pobres em busca de melhores condições de vida. Devido ao

alto investimento inicial requerido para emigrar, a maioria dos imigrantes

brasileiros (dos primeiros fluxos) pertenciam à classe média no Brasil, com altos

níveis de educação, que emigraram em busca de manter seu padrão de vida que

havia despencado na década de 1980. No entanto, apesar de conseguirem uma

‘ascensão material’, Margolis observa que tais emigrantes desempenhavam

funções pelas quais são superqualificados, como serviços braçais, devido à falta

4 Como veremos adiante, esta tendência já se reverteu.

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do conhecimento sobre a língua inglesa ou o status irregular, além da alta

compensação financeira em comparação ao Brasil (MARGOLIS, 2008, p. 295).

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3.3

O Estado e os emigrantes brasileiros na era global: período de

construção de capacidades

Iniciada num contexto de crise da dívida nos países da America Latina e

outros do terceiro mundo, a imigração brasileira foi vista como símbolo do

fracasso social e econômico do Brasil. De acordo com alguns estudiosos, essa

mudança abalou na autoimagem cultivada até então como ‘país de imigrantes’, e

foi retratada pela mídia como mais um sinal do fracasso do país diante das

grandes expectativas para o desenvolvimento econômico e social (REIS, 2011).

No entanto, tanto a imprensa quanto a academia anteciparam o poder público no

reconhecimento da emigração brasileira. A socióloga Teresa Sales pesquisou

sobre comunidades brasileiras na região metropolitana de Boston entre os anos de

1991-1997, e o primeiro livro sobre o tema publicado no Brasil em 1999,

Brasileiros Longe de Casa, é uma obra paradigmática do tema. Ela defende que a

imprensa foi a primeira a mostrar a situação dos brasileiros no exterior,

explorando as causas e aspectos do novo fenômeno antes da academia e o poder

público (SALES, 1999, p. 14).

A imprensa brasileira tem sido criticada por retratar somente o aspecto

negativo sobre os emigrantes, como as dificuldades enfrentadas, a discriminação e

crimes cometidos por ou contra brasileiros. Ao contrário, a imprensa americana

retratava os imigrantes brasileiros de forma positiva, ressaltando seu

empreendedorismo (SALES, 1999; BORGES et. al 2008). Segundo essa visão, os

correspondentes de grandes mídias brasileiras em Miami, Nova York ou

Washington não demonstravam interesse em retratar histórias positivas, como

conquistas dos emigrantes, mas, por ordens das redações do Brasil, preferiam

“noticiar os escândalos, desajustes e situações que pudessem colocar o brasileiro

emigrante como aquilo de pior que o país tinha para exportar” (BORGES et al,

2008, p. 210). No entanto, entre os anos 2001-2005 houve um aumento da

cobertura midiática a respeito da emigração brasileira, o que assinala um processo

de adaptação do Brasil para sua condição recente de país de emigração, assim se

inserindo na dinâmica das migrações internacionais atuais (POVOA NETO, 2006,

pp. 35-36).

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Desse modo, o aumento dos fluxos de remessas, que se tornaram

expressivas ao longo do tempo, proporcionou uma maior visibilidade aos

emigrantes por parte da imprensa e do Estado. Em 2008, as remessas somaram a

2.9 bilhões de dólares, o que corresponde a aproximadamente um por cento do

PIB. Em 2009, as remessas representaram 0.3% do PIB, vindos da Ásia (31,9%,),

Europa (27,3%) e os Estados Unidos (29,1%). Já existem índices de migração de

retorno, acentuados pela crise financeira internacional e políticas restritivas de

países recebedores. É estimado que 20% dos imigrantes brasileiros no Japão, o

que corresponde a 50.000 pessoas, já retornaram ou planejam o seu retorno ao

Brasil (POVOA NETO, 2006).

As remessas internacionais dos emigrantes indicam o caráter bidirecional

dos fluxos de formação de redes no capitalismo informacional. De acordo com

dados oficiais, houve um aumento significativo nas remessas internacionais para o

Brasil ao longo dos últimos 20 anos. Em 2004, cerca de 5,6 bilhões de dólares

oriundos dos EUA, Japão e da Europa, valor que representava menos de 1% do

PIB brasileiro, entrou no país. Esse número, divulgado pelo Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID) chamou atenção do governo brasileiro, porque

somente metade deste valor (cerca de 2.459 milhões de dólares) foi registrada pelo

Banco Central naquele ano, significando que grande parte das remessas é enviada

através de meios informais. Essa situação se deve às altas taxas cobradas pelo

Banco Central, de 8,9% a até 20% das remessas e a falta de acesso a agências

bancárias brasileiras, com exceção do Japão e as grandes metrópoles (OIM, 2009).

Outros fatores que têm impacto nas remessas são a taxa de câmbio,

principalmente do dólar e da ‘bancarização’ de todas as remessas (não só do

Brasil) em meados dos anos 2000. Por causa do resultado do BID, bancos

públicos e privados procuravam captar tais recursos advindos da emigração

brasileira. O impacto das remessas no Brasil é visto principalmente na classe

média baixa, não entre os mais pobres, e no orçamento familiar, embora o

objetivo dos que emigram não seja necessariamente com o propósito de enviar

remessas. Outro fator seria que as remessas não são geralmente usadas para fins

produtivos. Para as agências multilaterais, as remessas contribuem para

estabilidade econômica interna. No entanto, o caso da cidade de Governador

Valadares mostra que remessas podem causar instabilidade, como a inflação local

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e dependência do dólar, principalmente nos setores imobiliário e de construção

civil. Uma questão levantada é se estas remessas, que trazem benefícios

individuais, podem gerar benefícios públicos ou coletivos (OIM, 2009).

De acordo com este gráfico feito pelo Banco Central, é possível observar

que houve uma queda do volume das remessas em 1995, recuperando somente em

2008. Os motivos por isto não são claros, pois a emigração vem crescendo nos

últimos 30 anos. Entretanto, esta situação pode ser explicada de forma parcial

através de modificação na política cambial do Brasil em 1994 e na desvalorização

do real em 1999, no fim da paridade com o dólar e introdução das taxas flutuantes.

Figura 3: Ingressos anuais no Brasil em milhões de dólares de 1995 a 2009 e por pais de origem

Fonte: Banco Central do Brasil, 2009 em Perfil migratório do Brasil 2009.

Figura 4: Volume de Remessas Recebidas no Brasil, em dólares

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Fonte: FUMIN/BID, 2008, citado em Schweizer, 2009 e Perfil migratório do Brasil 2009.

Através dos dados acima, conclui-se que, embora esses números tenham

impacto bem menor do que em países menos numerosos, onde as remessas são

mais significativas em relação ao PIB, é um valor que representou, em 2004,

175% da receita total recebido pelo turismo e 68% das importações de soja,

produto agrícola mais valioso para exportação (OIM, 2009, p.51). No próximo

capítulo, abordamos a literatura sobre política externa brasileira para detectar

paralelos com as mudanças praticadas pelo Estado brasileiro na era FHC e Lula

em relação ao tratamento da questão da emigração brasileira, e fazer reflexões das

dinâmicas da globalização observadas no caso estudado.

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