3 cançoes sobre 3 poemas de alexandre o'neill

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1 OS OLHARES E A ESCRITA “3 CANÇÕES SOBRE 3 POEMAS DE ALEXANDRE O’NEILL”Introdução OLHARES, ESCRITAS, CRIAÇÃO E SUPORTE Sabemos que a criação — de objectos, documentos, momentos, eventos, ideias — reflecte necessariamente a vivência particular e alargada dos seus produtores, as pulsões e sentimentos, a sua postura perante a sociedade e perante o próprio acto de criação. A criação reflecte necessariamente olhares sobre o mundo, sobre o próprio criador e sobre o acto de criação. A elaboração de

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OS OLHARES E A ESCRITA

“3 CANÇÕES SOBRE 3 POEMAS DE ALEXANDRE O’NEILL”

Introdução

OLHARES, ESCRITAS, CRIAÇÃO E SUPORTE

Sabemos que a criação — de objectos, documentos, momentos, eventos, ideias —

reflecte necessariamente a vivência particular e alargada dos seus produtores, as pulsões

e sentimentos, a sua postura perante a sociedade e perante o próprio acto de criação. A

criação reflecte necessariamente olhares sobre o mundo, sobre o próprio criador e sobre

o acto de criação.

A elaboração de um suporte testemunho dessa criação atende à codificação (pessoal e

colectiva) dessa mesma criação e respectivos produtos, às suas particularidades e às

necessidades expressivas do autor. Os compositores e os músicos usam os meios ao seu

alcance, resumidamente os sons e o tempo, para criar obras musicais (entidades

razoavelmente etéreas) que se nos apresentam em diferentes formas:

• Através da execução imediata dessa obra musical, como no caso da

improvisação livre, ou seja, sem suporte,

• Através da memória, como na caso da música de tradição oral, sendo então a

memória um arremedo de suporte,

• Através de um registo (p. ex. digital ou magnético) da execução,

• Através de uma escrita musical, mais ou menos clara e pormenorizada, como no

caso da música da tradição erudita ocidental.

No terceiro caso — o registo de uma execução — será porventura controverso falar-se

de escrita, existindo no entanto um suporte, passível mesmo de controle do criador, que

poderá ser recriado, estudado, mesmo manipulado. No último caso, a escrita tradicional

— possivelmente muito mais incompleta em comparação com o registo magnético ou

digital — é historicamente um factor preponderante no acesso à obra criada.

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Entendamo-nos: ao estudar obras musicais vou falar particularmente de obras que se

apresentam através de um suporte material, passível de re-execução, de estudo

diversificado: através de uma partitura.

CRIAÇÃO MUSICAL E MUNDIVIDÊNCIA

Será, talvez, redutor, muito particularmente na criação musical, falar de olhares do

mundo e da criação numa perspectiva de imitação desse mundo, ou mesmo de imitação

da natureza. Gostaria, no entanto, de citar o compositor Austríaco Arnold Schönberg,

verdadeiro campeão da modernidade no início do séc. XX, parceiro estético de

Kandinsky.

“A Arte é, no seu grau ínfimo, uma simples imitação da natureza. Mas imitação da natureza no sentido mais amplo; não mera imitação da natureza exterior, mas também da interior. Com outras palavras: não expõe simplesmente os objectos ou circunstâncias que produzem a sensação senão, sobretudo, a sensação em si mesma: eventualmente sem referência ao quê, ao quando e ao como. E a importância do objecto exterior que provoca essa sensação reduz-se a ser a causa do seu efeito imediato.”1

As referências ao mundo que a criação musical implica aparecem sobre diferentes

formas simbólicas, umas exógenas, exteriores à própria obra, outras endógenas,

remetendo para elementos no interior da obra.

SÍMBOLOS EXÓGENOS

1 SÍMBOLOS ONOMATOPAICOS

De uma maneira simples, pode-se considerar relações simbólicas exógenas entre certos

objectos musicais e coisas ou objectos, acções, até mesmo animais.

Por exemplo, podemo-nos referir ao cuco imitado por um instrumento construído para

esse propósito, como o fez Haydn, ou o canto de um pássaro imitado por uma flauta ou

outro instrumento (Messiaen), uma batalha feita pelo ritmo e os sons de um órgão (em

1 Schoenberg, Arnold (1922 – 1974) trad. de Ramon Barce de Universal Edition, Viena, Real Musical,

Madrid.

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música de Renascimento), a máquina referida por repetições mecânicas contínuas de um

motivo. Ouçamos este exemplo de Messiaen do catálogo de pássaros.

2 SÍMBOLOS ORGÂNICOS

Um outro tipo de elementos simbólicos serão os símbolos orgânicos, mais etéreos, mais

ligados à nossa vida psico-fisiológica.

" Nous dirons, alors que la musique opère au moyen de deux grilles. L’une est physiologique, donc naturelle; son existence tient au fait que la musique exploit les rythmes organiques, et qu’elle rend ainsi pertinentes des discontinuités que resteraient autrement à l’état latent, et comme noyèes dans la durèe." (Levy Strauss, 1974: 24)

Este tipo de simbolização cria uma conexão íntima entre o contínuo movimento

psico-fisiológico da vida e o movimento "musical" — o fluxo constante de som e

construções sonoras. Os símbolos orgânicos podem ser a mais imediata e a mais simples

compreensão de uma obra musical — uma compreensão física, orgânica, emotiva da

obra. Existem nas relações entre elementos musicais como o tempo, o ritmo, a

dinâmica, o contorno melódico, a textura e factores inerentes à vida como tensão,

felicidade, energia, calma, etc.

“Music also presents us with an obvious illusion, (...) the appearance of movement”. (Suzanne Langer, 1957: 36).

“Le charme de la musique, qui peut se communiquer si universellement, semble reposer sur le fait que tout expression du language possède dans un contexte un ton, qui est approprié à son sens; ce ton indique plus ou moin une affection du sujet parlant et la provoque aussi chez l’auditeur.” (Kant, 1989: §53)

3 SÍMBOLOS CULTURAIS

Mas os compositores e os músicos usam, por vezes, outros símbolos que não têm um

carácter exactamente mimético nem implicam uma atitude física do ouvinte. Quando

um compositor clássico se quer referir ao campo, ou à caça, ou até mesmo a algo

vagamente relacionado a essas coisas, o instrumento que ele poderá usar será a trompa,

ou imitará este instrumento através de formas típicas de escrita para trompas.

Este símbolos existem como uma parte de um quadro cultural determinado, entendidos

por um número limitado de pessoas. Os elementos da retórica musical estudados na

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Affectenlehre Barroca (Lacrimoso, por exemplo) 2, os leitmotive na ópera de Wagner,

são exemplos de estes símbolos culturais.

A própria citação musical é um símbolo cultural poderoso, usado em obras modernas e

contemporâneas 3. Até mesmo a imitação de um estilo 4, como em Schnitke (K)ein

Sommernachtstraum ou em outros compositores contemporâneos (os Ländler de Rihm,

os Lieder de Killmayer, etc.) apresentam em si propostas de compreensão que

definitivamente não escaparão aos ouvintes mais atentos.

SÍMBOLOS ENDÓGENOS — OBJETOS MUSICAIS E

SUBESTRUCTURAS

Mas a música é feita de construções de sons e silêncios. E estas construções usam

relações entre partes, elementos, propriedades, estruturas sonoras, sem qualquer

referência aparente com o exterior.

Eles são objectos musicais: grupos de sons, motivos, temas, organizações sonoras,

pertinentes por causa da sua relação intencional (simbólica) com outros da mesma

espécie, com alguns dos mesmos parâmetros e propriedades. Não se podem interligar de

uma forma indefinida sob pena de perderem a sua unidade, a sua existência simbólica,

como partes de um todo; a sua interligação obedece (eventualmente) a regras, a

esquemas formais, dentro de códigos definiveis — o código da construção musical, da

composição, do género, do estilo, da época, do local. 5

Três Canções de Alexandre O’Neill

O objecto de estudo que gostaria de apresentar depois desta introdução é constituído por

3 canções, 3 poemas de Alexandre O’Neill musicados por mim.

2 Mesmo os que são algum tipo de mimesis do movimento (ascensus, cruxis, etc.), pois, em muitos casos,

esta relação não é óbvia nem passível de ser ouvida.

3 É interessante a citação do acorde de Tristão como um símbolo na música do séc. XX.

4 Uma citação de um estilo.

5 Esta definição não está em contradição com a definida por Schaeffer e Maneveau, excluindo, no

entanto, toda a semiosis externa (exógena) como os símbolos orgânicos e as organizações sonoras

simbólicas.

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Será uma mistura de dois tipos de aproximação distintos mas que interligam de uma

forma quase esquizóide o criador e o intérprete.

1. criador na medida em que faz aparecer algo de novo, uma obra musical, e põe

em suporte escrito essa criação;

2. mas nessa mesma medida o criador é também intérprete porque tem como base

um olhar particular sobre os poemas de O’Neill, interpretando-os e recriando-os

sob a forma musical;

3. e agora aparece um outro eu , o de musicólogo, o teórico musical,

perspectivando uma outra interpretação, uma hermenêutica da obra poema e

música, tentando compreender a obra musical a posteriori através da sua escrita

e da sua audição;

4. e porque toquei juntamente com cantoras essa mesma obra, aparece um terceiro

eu, o de músico, misto de criador e intérprete, e de tal forma crítico que por

vezes reclama com o compositor por ter escrito tantas notas e tão complicadas ...

TRÊS POEMAS DE ALEXANDRE O’NEILL

Os três poemas de Alexandre O’Neill impressionaram-me por diversos motivos,

perspectivando a forma como iria vertê-los em música.

GATO

Um breve leitura de Gato releva desde logo algumas características: os movimentos, as

atitudes de felino, a sua independência, o misticismo, a paixão e a inquietação que

encerra na nossa cultura.

Que fazes por aqui, ó gato?

Que ambiguidade vens explorar?

Senhor de ti, avanças. cauto, meio agastado

e sempre a disfarçar

o que afinal não tens e eu te empresto,

ó gato,

pesadelo lento e lesto, fofo no pelo, frio no olhar

De que obscura força és morada?

Qual crime de que foste testemunha?

Que Deus te deu a repentina unha que rubrica esta mão, aquela cara?

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Gato, cúmplice de um medo ainda sem palavras, sem enredos,

quem somos nós, teus donos ou teus servos?

E, desde logo, a forma directa que o poeta usa de se dirigir ao bicho, entidade

inexplicável, mítica, que tenta compreender, até domar, mas que acaba por pôr em

dúvida a integridade psicológica do poeta. O gato é o destino, o ser amado e/ou odiado,

o outro inatingível, símbolo do incompreensível feito corpo, movimento, olhar,

presença.

A música procura dar esta imagem através do movimento sonoro, ritmado mas por

vezes repentino. Ou ainda a aparente descoordenação entre piano e canto, a abrupta

mudança de registo (registo rítmico, de voz falada para cantada, de registo vocal, de

registo emocional), exigindo constantes mudanças de atitude e de presença dos

intérpretes. Como por exemplo na parte intermédia fulcral na canção onde se diz:

Pesadelo lento e lesto, fofo no pelo, frio no olhar

De que obscura força és morada?

Qual crime de que foste testemunha?

Que Deus te deu a repentina unha que rubrica esta mão, aquela cara?

Gostaria de salientar o final, onde o texto diz

quem somos nós, teus donos ou teus servos?

A meu ver mais subconsciente do que conscientemente, aqui o registo é, durante breves

momentos, o de um coral, voz colectiva que sintetiza o poema, um pouco longe das

texturas usadas no resto da canção.

ELEGIA

A elegia pôs desde logo problemas bem diferentes.

Dor de ver-te

Amor morto

Dor de amar-te

Morto amor

Dor a morte

Dor o amor

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Dorme

Uma possível análise do texto poderá desde logo revelar as relações sonoras e

semiológicas entre dor, amor, morte/morto, mais longinquamente entre ver e amar, ou

entre o reflexivo –te , objecto deste pranto/elegia de O’Neill.

A música nasceu também desta relação sonora, mas vertida num esquema quase

numérico, tendo sido escolhidas notas musicais específicas para letras e sílabas:

Estas letras e sílabas tiveram um tratamento fixo, escolhidas no início do texto e

repetidas sempre que o texto o indicava. Sucedeu, assim, uma espécie de diálogo entre

as escolhas do compositor e, por necessidade de repetição, as propostas do próprio texto

em termos formais. Alguns fonemas e sílabas tiveram, por via de uma depuração

melódica, um tratamento mais livre.

Na verdade, esta relação entre notas musicais e fonemas e sílabas foi básica, propondo

desde logo que, como no canto chão Gregoriano, a cada letra D correspondesse um Ré.

Depois esta melodia foi transposta para ser mais facilmente cantada. A elegia aparece,

assim, com contornos simbólicos mais nítidos, sendo mesmo a princípio pensada para

ser cantada sem acompanhamento a cappela..

Sons Notas musicais

A Mi

M Dó

D Lá

OR Sol #

T Mi

O Ré

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E só depois é transformada adquirindo contornos rítmicos diferentes.

Depois da rapidez e da idiossincrasia felina de Gato, esta canção prima pela calma, pelo

contraste. Poderíamos até dizer que, no seguimento do fim da canção anterior, onde

aparece um arremedo de coral e se desenlaça o sentido do texto ,

quem somos nós, teus donos ou teus servos?

esta segunda canção utiliza de novo um coral e leva-o até à exaustão no

acompanhamento do piano: a síntese do texto anterior foi o mote para este novo texto,

assumidamente calmo, quase parado, convidando à reflexão, até à indolência, como

catarse da dor, do amor e da morte.

E esta calma está desde logo patente na introdução do piano.

O último verso onde apenas se encontra a palavra “dorme” não foi musicado. É, no

entanto, tratado de uma outra forma simbólica: a melodia (e o acompanhamento) são

repetidos mas sem texto, em vocalizo (em “mmm” ou “ooo”). A Elegia aparece, a meu

ver, como uma mistura sinistra de coral fúnebre e canção de embalar. Mas aqui não é

tanto o texto de O’Neill que nos suscita o embalar: o “Dorme” é, no fim do poema, a

morte, ou a passagem. Somente a canção seguinte irá conferir um sentido menos

lúgubre ao texto: propõe o sonho em vez da morte.

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É interessante que a interpretação que eu mesmo fiz ainda há pouco de que esta canção

seria um coral resultante de um outro coral no fim da anterior é errónea. Sei que é

errónea porque fui EU o outro EU compositor que fiz a música e a escolha dos

textos. Sei que tudo se passou ao contrário: primeiro foi composta a segunda peça (este

misto de coral fúnebre/canção de embalar Elegia) e só depois a que aparece no ciclo em

primeiro lugar (Gato). Na verdade existiu a pretensão de desenvolver um curtíssimo

coral no fim do Gato

quem somos nós, teus donos ou teus servos?

tendo em vista o encadeamento com a canção seguinte ... que já estava composta.

O AMOR É O AMOR

O amor é o amor e depois?!

Vamos ficar os dois

A imaginar, a imaginar?...

O meu peito contra o teu peito,

Cortando o mar, cortando o ar.

Num leito

Há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos

Sem destino, sem medo, sem pudor,

E trocamos somos um? Somos dois?

Espírito e calor!

O amor é o amor e depois?!

Esta canção foi, na verdade, a primeira de todas a ser concluída, embora apareça em

último lugar neste pequeno ciclo. A musicalidade do texto torna-se desde logo evidente

por diversos factores:

1. A repetição “O amor é o amor” logo no início, a repetição do 3º verso “A imaginar, a imaginar” etc., no 4º verso (“peito”), no 5º (“cortando o -ar” do quinto verso), o 9º (“sem”), no 10º (“-mos, somos, ...somos”), e no final, a repetição do primeiro verso. E, em termos musicais, a repetição (a similitude, a variação, a glosa) são maneiras básicas e essenciais de construção. Não existe, a meu ver, música (ou qualquer construção no tempo) sem similitude.

2. O texto é rico em sonoridades e imagens que se espraiam e suscitam uma duração mais longa como

a. um vocalizo (p. ex. em amor, cortando, amar, calor),

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b. um olhar prolongado em termos espaciais e temporais (p. ex. cortando o ar, num leito, o espaço para amar, sem destino),

c. mesmo uma atitude prolongada de reflexão (as constantes interrogações e repetições, ou ainda em a imaginar, espírito e calor, e depois?.

3. Por último, a musicalidade revela-se na estrutura retórica do drama fazendo-me lembrar desde logo os longínquos Goethe (guidinha fiando no Fausto) musicados por Schubert (Graetchen am Spinnrade): a um primeiro momento apresenta-se a questão o que é o amor depois desenvolve-se essa ideia Vamos ficar os dois A imaginar, a imaginar e chega-se a um ponto culminante, onde o poeta diz Num leito há todo o espaço para amar, Depois do arrebatamento da troca vem uma curta reflexão (espírito e calor, somos um ou dois?) e o poeta (e o compositor) resolvem a questão finalizando com

O amor é o amor e depois?!

A música desenvolve estas mesmas questões partindo sempre de um motivo base que

envolve uma melodia, um acorde e um texto fulcral O amor é o amor e depois?!.

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E é a partir deste motivo que se faz todo o trabalho de desenvolvimento musical, de uma

forma mesmo genética, explorando todas as particularidades melódicas, harmónicas,

rítmicas, tímbricas do motivo o amor, motivo director de toda a canção.

Este motivo irá gerar de uma forma explícita as diferentes subsecções, tornando mesmo

qualquer hipótese de divisão um pouco forçada: na verdade, o material musical usado ao

longo das subsecções é sempre o mesmo, sendo, no entanto, diversa a intencionalidade

expressiva, dramática, o constante desenvolvimento desse material.

Gostaria de chamar a atenção para a parte central, um possível clímax da obra.

Assim como na interpretação do texto, o clímax é na canção assumido como uma

intenção, mais explícito no acompanhamento pianístico do que na melodia. Depois de

cantar

SE

ÃO

n. de compassosSUB-SECÇÃO - Texto O Texto A Música

5 compassos A1 – IntroduçãoApresentação do Motivo (introdução)

A2 –O amor é o amor e depois?!Vamos ficar os dois

A imaginar, a imaginar?...

B –O meu peito contra o teu peito,Cortando o mar, cortando o ar.Num leitoHá todo o espaço para amar!

5 compassos A1’ – IntermezzoApresentação do Motivo alterado com desaceleramento do ritmo do clímax, preparando a re-exposição

A2’ –Na nossa carne estamosSem destino, sem medo, sem pudor,

B’ –E trocamos somos um? Somos dois?Espírito e calor!

A1’' –

EX

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E-E

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O e

CO

DA

Formulação do tema – "o que é o amor"

Re-apresentação do Motivo, com texto e desenvolvimento imediato.

Desenvolvimento dramático do tema e clímax

Desenvolvimento de elementos do motivo (acordes e intervalos) com adensamento rítmico e harmónico;

Reformulação do tema após o climax

Re-apresentação de A2 (segunda parte) com modificações

4 compassos

5+

3 compassos

Remate finalRepetição da formulação inicial (Motivo) e seu imediato desenvolvimento no piano.O amor é o amor e depois?!

Desenvolvimento de elementos do motivo (acordes e intervalos) como em B (alterada harmonicamente, encurtada)

Conclusão dramática – redefinição do tema

5 compassos

4 compassos

3 compassos

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Num leito há todo o espaço para amar

aparece uma longa passagem do piano que converge no intermezzo, na verdade uma

recordação da introdução e do tema essencial o que é o amor.

CONCLUSÃO

Os poemas encerram um mundo que os leitores vão desvendando, tornando-se, a meu

ver, em elementos determinantes para o conhecimento do nosso mundo, o mundo em

que vivemos. Postos em música, os poemas regressam a esse passado mítico em que a

história, as epopeias e os amores eram cantados e recriados publicamente.

Ao musicar estes poemas, mais não fiz do que procurar interpretações dos mundos que

encerram e tornar essas interpretações sensíveis aos ouvintes. No presente estudo das

canções pretendi compreender mais profundamente a interpretação que a música lhes

dá, tornando-a mais clara, dizível, para além do sensível. Mas ao tocá-los em público

pretendo antes de mais o sensível: a visão de um mundo que está para além das

palavras, mas que delas é por natureza devedor. É, a meu ver, essa a essência da canção.