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Psicologia & Sociedade; 14 (1): 69-86; jan./jun.2002 69 O BRASILEIRO, O RACISMO SILENCIOSO E A EMANCIPAÇÃO DO AFRO-DESCENDENTE Ricardo Franklin Ferreira Universidade de São Marcos RESUMO: Este ensaio descreve alguns acontecimentos que revelam for- mas pelas quais o preconceito é veiculado. Em seguida, teço comentários acerca de algumas condições históricas para o desenvolvimento do pre- conceito. Ressalto, na análise, o projeto epistemológico da modernidade que, apoiando-se num pensamento metafísico, voltou-se para a busca de certezas, desenvolvendo horror à ambivalência, determinando uma busca obsessiva pela classificação e a ordem. Considero este um terreno fértil para a constituição de subjetividades voltadas para a exclusão do diferente e, em decorrência, para o desenvolvimento de estereótipos negativos acerca da população negra, que subsistem até hoje, além de situações concretas de desqualificação social desses brasileiros. Tais processos tendem a am- pliar ainda mais os contrastes econômicos e sociais, situações incompatí- veis com o país que desejamos construir. Na seqüência ressalto um pro- cesso favorecedor do desenvolvimento de uma identidade afrocentrada, uma das condições para a reversão do preconceito. PALAVRAS-CHAVE: afro-descendente, identidade, preconceito, família, modernidade THE BRASILIAN, THE SILENT RACISM AND THE AFRO DESCENDANT EMANCIPATION ABSTRACT: This essay describes some incidents that disclose how prejudice is transmitted. After that, I argument about some historic conditions that promote the expansion of prejudice. I stand out the epistemological project of Modernity which, supported in a metaphysical thought, looked for certainties, developed horror to ambivalence and determined a obsessive search for classification and order. I consider this a fertile field to the constitution of subjectivities that exclude the different. So, this process develops stereotypes about black people, besides real situations of social disqualification of this Brazilians. These processes tend

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história da África no Brasil, educação afro-brasileira

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  • Psicologia & Sociedade; 14 (1): 69-86; jan./jun.2002

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    O BRASILEIRO, O RACISMO SILENCIOSO EA EMANCIPAO DO AFRO-DESCENDENTE

    Ricardo Franklin FerreiraUniversidade de So Marcos

    RESUMO: Este ensaio descreve alguns acontecimentos que revelam for-mas pelas quais o preconceito veiculado. Em seguida, teo comentriosacerca de algumas condies histricas para o desenvolvimento do pre-conceito. Ressalto, na anlise, o projeto epistemolgico da modernidadeque, apoiando-se num pensamento metafsico, voltou-se para a busca decertezas, desenvolvendo horror ambivalncia, determinando uma buscaobsessiva pela classificao e a ordem. Considero este um terreno frtilpara a constituio de subjetividades voltadas para a excluso do diferentee, em decorrncia, para o desenvolvimento de esteretipos negativos acercada populao negra, que subsistem at hoje, alm de situaes concretasde desqualificao social desses brasileiros. Tais processos tendem a am-pliar ainda mais os contrastes econmicos e sociais, situaes incompat-veis com o pas que desejamos construir. Na seqncia ressalto um pro-cesso favorecedor do desenvolvimento de uma identidade afrocentrada,uma das condies para a reverso do preconceito.

    PALAVRAS-CHAVE: afro-descendente, identidade, preconceito, famlia,modernidade

    THE BRASILIAN, THE SILENT RACISM AND THEAFRO DESCENDANT EMANCIPATION

    ABSTRACT: This essay describes some incidents that disclose howprejudice is transmitted. After that, I argument about some historicconditions that promote the expansion of prejudice. I stand out theepistemological project of Modernity which, supported in a metaphysicalthought, looked for certainties, developed horror to ambivalence anddetermined a obsessive search for classification and order. I consider thisa fertile field to the constitution of subjectivities that exclude the different.So, this process develops stereotypes about black people, besides realsituations of social disqualification of this Brazilians. These processes tend

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    Ferreira, R.F. O brasileiro, o racismo silencioso ea emancipao do afro-descendente

    to amplify the economics and social contrasts much more. These areincompatible occurrences in a country that we whish to construct. Finally,I emphasize a favorable process to the development of an afro-centeredidentity, one of many conditions to the prejudice reversion.

    KEY WORDS: Afro-descendant, identity, prejudice, family, Modernity

    PRECONCEITO: ATRIBUTO DO OUTRO?

    No caamos pretos, no meio da rua, a pauladas, comonos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja pior. Avida do preto brasileiro toda tecida de humilhaes. Nstratamos com uma cordialidade que o disfarce pusilni-me de um desprezo que fermenta em ns, dia e noite

    Nelson Rodrigues

    Nelson Rodrigues, especialista em denunciar aquilo que geral-mente se esconde por detrs das aparncias, aponta uma farsa da qual, mui-tas vezes, o brasileiro se orgulha - a crena de que, no Brasil, vive-se umademocracia racial. O preconceito contra a populao negra, em funode um mito que o nega, torna-se difcil de ser compreendido e combatido.H mecanismos subliminares de encobertamento permeados por um apa-rente tratamento cordial, desenvolvendo a crena de que a discriminaoetnoracial no existe, como j discuti em trabalhos anteriores (Ferreira,1999a, 2000).

    Assim, no temos de compreender o que no existe.Sabe-se da discriminao, mas no se quer falar a respeito. Diversas pes-quisas, como as apontadas pela Revista Veja (10.01.1996) e pela Datafolha(Rodrigues, 1995), foram unnimes em ressaltar que o preconceito sis-tematicamente considerado como atributo do outro. Os resultados dapesquisa Datafolha apontam que 89% dos brasileiros afirmam saber exis-tir preconceito contra os brasileiros negros, mas somente 10% o admitemcomo seu. Schwarcz (1996) chegou a resultados mais extremos - 97% daspessoas afirmaram no ter preconceito e 98% dos entrevistados diziamconhecer, sim, amigos e parentes prximos que tm preconceito racial.

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    Portanto, tm-se conscincia do racismo1, porm, considera-se como umproblema do outro.

    Assim, no Brasil, o preconceito no abertamente afirmado, difi-cultando a elaborao de leis que favoream sua reverso. A ideologia deque vivemos num pas em que as diferenas so aceitas e valorizadas, umverdadeiro exemplo para as outras naes, encobre o problema. Em fun-o disso, a populao negra encontra-se submetida a um processo em queas condies de existncia e o exerccio de cidadania tornam-se muitomais precrios com relao populao considerada branca. Em decor-rncia, a construo de uma identidade positivamente afirmada, requisitonecessrio para as pessoas se engajarem em polticas efetivas voltadas paraa melhoria de suas condies sociais, torna-se um processo dificultado.

    Tendo em vista tais referncias, busquei, neste ensaio, ampliar acompreenso sobre alguns processos envolvidos na construo da identi-dade do brasileiro afro-descendente. Para isso, parti de algumas experin-cias vividas por trs mulheres de uma famlia negra (Ferreira, 2002).

    O PRECONCEITO SILENCIADO

    A famlia composta pelo casal Neusa e Joo, as filhas Sandra, 21anos, Rosa, 19 anos, e Jos, o filho de 16 anos, apresenta uma configura-o muito comum, no caso brasileiro, no que se refere categoria raa2,pois as pessoas se posicionam em lugares diversos dentro de um gradi-ente tnico de cor. Conforme as percepes dessas pessoas, o pai e o ir-mo sempre foram considerados negros; Neusa, era considerada branca ehoje, negra; Rosa, via-se como morena e a irm Sandra, como mulata, ehoje ambas definem-se como negras. Pode-se observar que, alm da diver-sidade de atribuies em relao cor, h tambm mudanas nas auto-atribuies em funo de experincias vividas. A partir de episdios dediscriminao racial sofridos, de participaes em grupos de militncia emovimentos culturais, como o rap, por exemplo, todos passaram a consi-derar-se negros, independente da tonalidade de pele ser mais clara ou maisescura. Esse processo ser melhor compreendido a partir do item 4.

    Na famlia em questo, quando os filhos eram crianas, no sefalava sobre questes raciais e experincias de preconceito e, quando eramdiscutidas, isto se dava de maneira jocosa. Consideravam tais questes comoinsignificantes.

    Tais depoimentos revelam o que foi bem analisado por Cavalleiro(1998): de que nos lares de famlias negras e na escola, a maneira mais

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    Ferreira, R.F. O brasileiro, o racismo silencioso ea emancipao do afro-descendente

    comum de se lidar com o preconceito o silncio. Nessa famlia, o termomoreno era usado para se auto-referirem a caractersticas etnoraciais,eufemismo comum e que nega as caractersticas fenotpicas.

    Parece ser politicamente correto tratar o afro-descendente comomoreno, palavra fortemente enraizada na cultura brasileira. um exem-plo de uma situao que revela uma estratgia simblica de fuga de umarealidade em que a discriminao impera. Dessa forma, as pessoas procu-ram elementos de identificao em smbolos do grupo considerado sociale economicamente dominante, no caso o brasileiro branco-europeu.

    Tais questes sugerem a dificuldade de se lidar, no Brasil, com opreconceito racial. Este revela-se no dia-a-dia, nas situaes mais sim-ples. Numa sociedade em que, apesar da crena consolidada de ser o pasda democracia racial, as pessoas desenvolvem um mundo simblico, cujascaractersticas fenotpicas acabam operando como referncias para o pre-conceito. No caso do afro-descendente, este processo torna-se dramti-co, pois veiculado e, muitas vezes, encoberto por frases educadas, ali-mentando o mito brasileiro de estarmos vivendo num paraso de coexis-tncia e de aceitao das singularidades. Tal viso conserva o problema,pois este deixa de ser enfrentado em funo da idia de ele no existir.

    Se assumirmos que as interaes sociais so processosconstitutivos das identidades pessoais, situaes como a da famlia quesilencia acerca de suas caractersticas etnoraciais podem favorecer aintrojeo de valores negativos de uma forma tcita, no s por parte dapessoa que se coloca no outro grupo mas, o que mais dramtico, peloprprio afro-descendente em relao a si mesmo. Identidades assim cons-titudas conservam a incapacidade de desenvolver atitudes afirmativas quantos especificidades raciais.

    Gostaria de enfatizar aspectos que considero importantes acercade algumas condies histricas que favoreceram a instalao do precon-ceito.

    O PRECONCEITO RACIAL E A HERANA MODERNA

    Em torno do sculo XIV, o homem ocidental lanou-se no mun-do, transpondo fronteiras e limites que at ento lhe davam segurana. Foio perodo das grandes navegaes - novos lugares, novos idiomas, novoscostumes, enfim, novas concepes de realidade. Deparou-se com um uni-verso de extrema diversidade. Momento de espanto, a partir do qual astradies j no se mostravam suficientes para que o homem se organizas-

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    se de maneira segura em sua realidade, levando-o tarefa de reconstruode novas crenas e regras de ao seguras e confiveis. Atravs do uso daconscincia reflexiva, desenvolveu ao mximo os procedimentos de con-trole sobre os acontecimentos. Para Bauman (1999), uma estratgia tipi-camente moderna, pois o pensamento moderno no suporta a ambivalnciae as coisas fora de ordem. Ordem e caos so gmeos modernos. Foramconcebidos em meio ruptura e colapso do mundo ordenado de mododivino, que no conhecia a necessidade nem o acaso, um mundo que apenasera, sem pensar jamais em como ser (p. 12).

    E a busca da ordem constituiu-se, no como mero processo derepresentao do real, mas como dispositivo de instalao do humano, atra-vs de uma estratgia preferencial - a de classificar. Tal processo, analisa-do com muita pertinncia por Bauman (1999), nos direciona a uma daschaves de compreenso da construo da subjetividade do homem moder-no. O processo de classificar, obsesso da civilizao ocidental, consti-tuiu-se nos atos de incluir o semelhante num padro considerado desejvele correto, excluindo o diferente. Cada ato de classificao compreende adiviso do mundo em dois: entidades que respondem a um conceito e todoo resto que se diferencia dele. Mais que isso, ...tal operao de incluso/excluso um ato de violncia perpetrado contra o mundo e requer o su-porte de uma certa dose de coero (p. 11). Assim, as figuras do outroda ordem so: a indefinibilidade, a incoerncia, a incongruncia, a incom-patibilidade, a ambigidade, a confuso, a incapacidade de decidir, aambivalncia - ... pura negatividade (p. 14-15). O outro passa a constituir-se na fonte e arqutipo de todo o medo.

    Como resultante, a intolerncia passa a constituir-se como atitu-de bsica, decorrente das prticas desenvolvidas na modernidade - terrenofrtil para a construo de subjetividades prontas para a desligitimao dooutro, daquele considerado divergente dos padres assumidos como ver-dadeiros e bons.

    Acreditava-se que tais processos permitiriam o alcance da ordeme esta, por sua vez, a previso e controle de fenmenos da natureza, proce-dimentos voltados para o desenvolvimento de uma civilizao melhor, atra-vs do progresso.

    Ordem e progresso, lema conhecido nosso.Ordem e progresso, condies legitimadoras da transformao

    do outro no mesmo. Para o africano escravizado, convert-lo ao cristia-nismo, apagar sua histria ou, o que conhecemos muito bem, atravs de umprocesso de branqueamento e aculturao, torn-los brancos, como no

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    Ferreira, R.F. O brasileiro, o racismo silencioso ea emancipao do afro-descendente

    caso de Sandra, a mulher negra que se considerava branca. Numa outra al-ternativa, se houver resistncia, a excluso, a expulso para fora.

    Como analisa Bauman (1999), libertando das restries moraisa ao com um propsito, a modernidade tornou o genocdio possvel (p.58). Sem consider-lo como uma causa suficiente, ele atribui modernidadea condio necessria para a sua ocorrncia. Compreende as concepesdesenvolvidas na modernidade como condies determinantes para a ocor-rncia do holocausto judaico, um genocdio de extrema visibilidade.

    Quero, aqui, sugerir que tais concepes, enraizadas na busca daordem e na eliminao da ambivalncia, serviram, da mesma maneira, deterreno para a realizao de um genocdio mais silencioso, mais gradual,mais lento - aquele que se deu contra a populao africana escravizada. Aexperincia da escravido no Brasil transformou o africano em escravo, oescravo em negro, e o negro numa pessoa destinada a desaparecer, emnome da constituio de um povo cordial e moreno.

    Nessa direo, a idia do branqueamento foi defendida, no inciodo sculo XX, por vrios cientistas e representantes da intelectualidadebrasileira, sem esquecer que na modernidade os representantes da cinciapassaram a ser os legitimadores das verdades estabelecidas.

    Os trabalhos de Schwarcz (1998) e Consorte (1999) analisam commuita propriedade esse perodo. Havia justificativas, consideradas cient-ficas, que legitimavam o eurocentrismo3, favorecendo polticas de bran-queamento que, para Larkin Nascimento (2000), apoiavam-se em duas con-dies bsicas: a imigrao europia em massa, subsidiada pelo Estado,sob legislao que exclua raas no desejveis; e o cultivo do ideal doembranquecimento (p. 117).

    Vejamos alguns exemplos. Em 1911, no I Congresso Internacio-nal das Raas, Joo Batista Lacerda apresentou uma tese que previa aextino dos mestios e pessoas de raa negra, na entrada do novo sculo(Schwarcz, 1998). Nessa mesma direo, o antroplogo Roquete Pinto,em 1927, no Congresso Brasileiro de Eugenia, fazia sua previso de queem 2012, a populao brasileira seria constituda por 80% de brancos e20% de mestios, nenhum negro e nenhum ndio. O psiquiatra NinaRodrigues, pioneiro nos estudos cientficos da populao afro-descendentebrasileira, estudou a origem, a cultura, a religio e a influncia dos africa-nos e seus descendentes na Bahia, embora defendesse teses racistas. Adeptodo darwinismo racial, no comeo do sculo, talvez tenha sido quem pro-clamou com maior nfase a inferioridade do negro e a degenerescncia domestio - a raa negra no Brasil h de se constituir sempre um dos fatores

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    da nossa inferioridade como povo (Nina Rodrigues, 1977, p. 28).Estou querendo apontar trs condies favorveis ao desenvolvi-

    mento do preconceito e sua forma de expresso no Brasil: (a) uma con-cepo constitutiva das subjetividades ocidentais, desenvolvida namodernidade, que busca ordem, desvalorizando ou eliminando o diferen-te; (b) um processo histrico, legitimado por tal concepo, que levou escravido do africano e reduo de sua condio a mero objeto de uso;(c) posteriormente, j aps a Abolio, o desenvolvimento de concepes,apoiadas pela cincia, acerca da inferioridade racial do negro, a ponto dese prever sua extino na constituio do povo brasileiro.

    Num contra-movimento, nos anos 30, o mestio passa a ser lou-vado como smbolo de nossa identidade. Primeiro a desvalorizao, de-pois a exaltao. Assim, foi sendo gestado um mito que passou a constituiro pensamento brasileiro - o mito da democracia racial, formulado demaneira exemplar por Gilberto Freyre.

    Temos aqui o frtil terreno para a constituio do racismo silen-cioso, o peculiar racismo brasileira - uma viso negativa do afro-descen-dente e um discurso contrrio que tenta neg-la. Assim, est constitudo oespinhoso terreno no qual gestada a identidade do brasileiro afro-des-cendente.

    UMA IDENTIDADE REFERENCIADA NO MUNDO BRANCO

    Em funo do processo de desvalorizao da pessoa negra, os afro-descendentes tendem a introjetar a viso dominante de mundo branco, vis-to como superior. Em decorrncia, tendem a desvalorizar o mundo negroou assumirem como insignificante para suas vidas o fato de serem afro-descendentes, como na famlia que mencionei.

    H uma srie de situaes favorveis sustentao das distoresa respeito das matrizes negras, dentre elas, a educao formal. Para Perei-ra (1987), a escola um lugar onde a criana alimenta subliminarmente afigura do negro caricatural. No plano do relacionamentos, a instituioescolar reproduz naquele microcosmo a mesma estrutura de relao quese d na sociedade brasileira como um todo (Miranda, 1989). Assim, aescola, em vez de ser um lugar de reverso do problema, estimula os este-retipos sociais relativos a essa populao e a submisso do afro-descen-dente aos valores brancos, o que foi bem analisado por Cavalleiro (1998) eCamargo (2001). Apoiando-se numa viso de mundo histrico-culturaleurocntrica, cria um processo pedaggico tal que leva o afro-descenden-

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    te a inibir sua capacidade de advogar seus interesses culturais, polticos eeconmicos aos quais tem direito como cidado. Sua histria interpreta-da de maneira distorcida. muito comum os problemas etnoraciais seremconsiderados sob o prisma da culpabilidade da vtima, isto , que as con-dies sociais e econmicas precrias so fruto da inpcia e falta de capa-cidade pessoal dos indivduos afro-descendentes.

    As noes de beleza so derivadas de uma esttica branca, usadacomo referncia correta, positiva, racional e bem desenvolvida, levando,em decorrncia, a uma desvalorizao da esttica negra, encarada comoextica, emocional e primitiva, qualidades consideradas menores. Comoexemplo, aponto duas experincias relatadas por Rosa, em relao cor depele, e de Sandra, em relao ao seu cabelo:

    Na poca em que eu comecei a tomar banho sozinha... eu meesfregava muito porque eu achava que era sujeira... que euno podia ser assim, uma das mais escurinhas da minha sala...que era sujeira mesmo... (Rosa)

    Eu comecei a lembrar... (chorando) de uma poca em queeu estava na escola... em que eu comecei a viver muito forteo preconceito... Eu lembro que era por causa do meu cabe-lo... foi uma poca em que uma amiga alisou o meu cabeloe... nossa... fui ridicularizada (chorando)... meus amigos...meu namoradinho da poca... a minha melhor amiga...(Sandra)

    Assim, Rosa e Sandra buscavam se aproximar ao mximo das ca-ractersticas das pessoas consideradas brancas.

    Evidncias empricas, como as de Parham & Helms (1985), su-gerem que as pessoas submetidas discriminao tendem a apresentar auto-conceito pobre, baixa auto-estima, auto-realizao pobre, ansiedade e de-presso. O indivduo, tem a sensao de no se encaixar realmente emnenhum grupo, pois internaliza os valores brancos e desqualificado porser negro, de tal forma que passa a desvalorizar-se como pessoa. Para Sou-za (1983), o negro vive uma dramtica insatisfao, independente de seusxitos, pois nunca alcanar o ideal de ego branco.

    Entretanto, se ele gradualmente tomar conscincia da desvalori-zao qual est submetido, pode iniciar um movimento na direo de umatransformao, vindo a valorizar-se por suas caractersticas etnoraciais.

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    TORNAR-SE NEGRO

    Experincias desconfirmatrias, gradualmente, podem provocartransformaes. So processos conflitivos, pois questionam a maneira deser e de ver o mundo e tornam impossvel ao negro negar a rejeio quesofre socialmente. So experincias que destroem a funcionalidade da vi-so de mundo presente e, ao mesmo tempo, sugerem nova direo no sen-tido de uma transformao ou ressocializao.

    Numa sociedade onde h discriminao, como a brasileira, cla-ro ter a pessoa afro-descendente j se deparado, por diversas vezes, comsituaes de afronta e indignidade em funo de suas caractersticasetnoraciais, sob a forma de agresses fsicas ou verbais abertas, ou atravsde formas mais sutis, como recusas com relao a empregos sob diferen-tes justificativas. comum o negro ser pessoalmente agredido na escolaou na situao de trabalho, ser rejeitado para uma festa ou ser testemunhada agresso sofrida por um amigo.

    Neste sentido, o depoimento de Sandra esclarecedor:

    Um dia, teve uma festa de aniversrio... Quando ns chega-mos na festa, ficamos do lado de fora esperando ele apare-cer (o anfitrio)... Ele veio, cumprimentou a Rosa... e... nadade vir falar com a gente... o pai dele na porta da garagem...olhando muito feio pra todo mundo... olhando muito feiopra mim, pro meu irmo, pro pessoal que estava com a gen-te... at que a Rosa veio e comentou... ela estava quase cho-rando... estava muito mal... falou que o pai dele tinha recla-mado desses amigos estranhos que estavam l. Ento... es-ses amigos estranhos... foi mais ou menos como dizer es-ses seus amigos negros... eles vo roubar, eles vo fazer al-guma coisa... E a, ns viemos embora da festa (Sandra).

    Como este fato, a sucesso de pequenos episdios vividos pelapessoa cria um efeito cumulativo, levando-a cada vez mais a tomar consci-ncia de que sistematicamente rejeitada e vista com menos valia. Depa-rando-se com tal realidade, passa a focalizar-se em aspectos de sua identi-dade que a inclui no grupo discriminado, o dos afro-descendentes.

    Alm das situaes de rejeio, mudanas podem ocorrer a partirda exposio a eventos que envolvem informaes relevantes acerca deaspectos culturais e histricos da experincia negra. medida que assimi-

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    Ferreira, R.F. O brasileiro, o racismo silencioso ea emancipao do afro-descendente

    la essas novas informaes e passa a us-las como referncias pessoais, osujeito desafiado a repensar de maneira radical suas concepes sobre asquestes negras. Este momento contm uma faceta dolorosa, pois inevi-tvel ao indivduo sofrer a desarticulao de seu mundo simblico.

    uma experincia aflitiva, pois a pessoa descobre que seus valo-res e sua viso de mundo no permitem mais um posicionar-se seguro narealidade. Entretanto, como nos aponta Cross (1991), so reaes tempo-rrias pois ela, gradual e cuidadosamente, vai aprendendo a testar a valida-de de suas novas percepes. A grande gama de emoes com a qual v-seenvolvida poder, entretanto, transformar-se em fatores favorveis, porgerarem grande energia para a ao. Ela tende a dirigir sua revolta ao queatribui como a causa dos problemas sofridos anteriormente, ou seja, aspessoas brancas. um momento delicado, no qual o afro-descendente po-der praticar o preconceito em via inversa.

    Aps o perodo de conflito, no qual o afro-descendente sente de-sorganizar sua estrutura de subjetividade referenciada em valores bran-cos, antes provedora de sustentao e segurana, inicia-se um processode intensa metamorfose pessoal em que ele, gradualmente, vai demolindovelhas perspectivas e, ao mesmo tempo, passa a desenvolver uma nova es-trutura pessoal referenciada em valores etnoraciais de matrizes africanas.

    Em seu trabalho, Helms (1993) pontua ter estado a pessoa, atesse momento, submetida a uma viso do negro determinada pela culturabranca e sua maneira de agir ainda estereotipada, sendo a referncia dapessoa negra uma referncia de grupo definida externamente, levando-a apensar, sentir e comportar-se de acordo com padres idealizados de comoa pessoa negra deve agir.

    provvel que tal situao explique porque comum o afro-des-cendente apegar-se de forma obsessiva a smbolos da nova identidade emprocesso de construo, a jarges verbais, a algumas ideologias rgidas e aavaliaes dicotmicas de mundo, semelhantes ao que discuti acerca deuma subjetividade desenvolvida na modernidade (tem 3). H a tendnciade considerar todos os brancos como maus e desumanos e os negroscomo superiores, mesmo no sentido biogentico, passando a presena demelanina na pele a ser vista como um sinal de superioridade racial.

    A pessoa mergulha no mundo negro. Passa a participar de gruposonde seus valores so intensamente afirmados. O grupo apia o novo con-vertido, valorizando novos cdigos, roupas, comportamentos, alm de fa-vorecer um padro de conformidade por parte do novo militante. H umenvolvimento em organizaes voltadas para a busca de estratgias de com-

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    bate discriminao racial e movimentos de valorizao da cultura negra.Quaisquer contedos africanos tornam-se valorizados e os interesses sointensamente voltados a eles. freqente, nessa experincia de mergulho,a pessoa vivenciar um desenraizamento, acompanhado de sentimentos deraiva contra a cultura e pessoas brancas, ocorrendo uma situao parado-xal: para fugir ao conformismo a uma cultura que valoriza a pessoa brancae inferioriza o negro, o indivduo pode cair num outro tipo de conformis-mo - o do novo grupo etnoracial de referncia. Nessa situao, os indiv-duos apresentam uma subjetividade construda em torno, principalmente,da averso e negao dos valores brancos, portanto ainda no numa pers-pectiva de afirmao positiva de suas referncias negras.

    importante uma anlise mais aprofundada dos grupos demilitncia negra, no sentido de criar mecanismos que evitem o problemaapontado por Figueiredo (1995), num ensaio onde so analisados aspectosda identidade das pessoas que participam da militncia como um modo devida. Ele ressalta que o militante tende a desenvolver uma identidade apoi-ada em procedimentos de excluso e vedamento que resultam na repeti-o estril do prprio terreno que pretendia transformar (p.114), inde-pendentemente do contexto - poltico, religioso, cientfico, - e da direo- revolucionria, conservadora ou alternativa - em que a militncia es-teja sendo exercida. Tratando-se do desenvolvimento de uma identidadearticulada em torno de caractersticas etnoraciais, o fechamento em tornode suas novas referncias pode alimentar uma atitude preconceituosa, ago-ra contra o euro-descendente, preservando exatamente o mesmo padro desubjetividade que o militante visa transformar.

    Creio que, apesar dos problemas apontados acima, considero serimportante a participao do afro-descendente em grupos de movimentonegro, pois o militante tem a chance de recuperar os valores da cultura e dahistria africana. Atravs de um processo de reconstruo, pode revisar osvalores introjetados e os esteretipos negativos assimilados durante o pro-cesso de socializao, o que vem favorecer, assim, uma auto-estima maispositiva e relacionamentos harmoniosos no mbito scio-cultural maisamplo. Estes aspectos so concordantes com os resultados de uma pesqui-sa realizada no Brasil por Souza (1991).

    Gradualmente, o afro-descendente tende a abandonar as ideologi-as simplificadoras, freqentemente reconhecendo suas primeiras impres-ses sobre a negritude, como romnticas e idealizadas. H certa decepocom relao aos grupos radicais, passando a participar de grupos mais se-riamente voltados para uma reverso da discriminao e valorizao das

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    Ferreira, R.F. O brasileiro, o racismo silencioso ea emancipao do afro-descendente

    matrizes africanasAos poucos, a pessoa pode passar a ter atitudes mais abertas e

    menos defensivas, voltadas para a valorizao das matrizes africanas. Ogrupo negro torna-se o principal grupo de referncia, sendo seu vnculodeterminado por qualidades do prprio grupo e, no mais, exclusivamente,por fatores externos a ele (Helms, 1993). Para Cross (1991), a nova iden-tidade construda tem trs funes dinmicas: defender e proteger a pes-soa de agresses psicolgicas; prover um sentido de pertena e ancora-douro social e prover uma fundao, ou ponto de partida, para transaescom pessoas de culturas diferentes daquelas referenciadas em matrizesafricanas. O indivduo, alm de manter relaes com pares negros, estabe-lece relacionamentos significativos com no negros no seu convvio, res-peitando suas auto-definies. Dever estar pronto, tambm, para realizarcoalizes com membros de outros grupos organizados em torno de proje-tos ou valores distintos, deixando de referenciar-se no preconceito comoum universo por si s. A referncia raa e a cultura africana, antes vistascomo de pouca importncia, tornam-se fundamentais para a vida diria. Oafro-descendente passa a sentir-se aceito, com propsito de vida, sentin-do-se profundamente enraizado na cultura negra, sem deixar de perceberas condies s quais est submetido num mundo que o v com preconcei-to. As matrizes africanas passam a ser efetivamente afirmadas. Torna-senegro. Como disse Sandra: hoje eu tenho certeza que sou negra..., notinha mais como lutar contra isso e achar que no ramos negras... euacho que no nasci negra. Eu me tornei negra.

    NO SOMOS MORENOS, SOMOS CRILOUROS

    Creio que j podemos refletir acerca de algumas questes que aexperincia das trs mulheres da famlia entrevistada sugeriram, luz domodelo que apresentei.

    Houve, no Brasil, um processo histrico, articulado no projeto damodernidade, apoiado cientificamente, que, em busca da ordem e do pro-gresso, criou mecanismos de deslegitimao do africano escravizado. Talterreno criou condies favorveis ao preconceito racial contra os afro-descendentes. Simultaneamente, a crena na democracia racial aponta umdiscurso que nega esse fato. Porm, nos gestos, ele veiculado de umamaneira sutil. Como nos alerta Lvinas (1997), no h gesto neutro. Todogesto deixa vestgios e estes marcam o mundo, mesmo que deles no te-nhamos conscincia. Um dos vestgios constituiu-se em condies con-

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    cretas de menos valia para um grupo que perfaz quase metade da popula-o.

    Assim, estamos submetidos a dois discursos ambivalentes - umque expressa o preconceito e outro que o nega. Uma maneira de lidar comtal ambivalncia parece ser o uso de uma estratgia simblica de fuga pon-tuada por Rodrigues (1995) e Schwarcs (1996) - considerar o preconceitocomo atributo do outro, ou como aquela apontada por Sandra - conside-rar-se morena. Apesar de tais mecanismos, o preconceito efetivamenteafirmado. Estas so condies favorveis para o desenvolvimento de iden-tidades articuladas em valores do mundo branco, considerados como su-periores, tanto pela populao negra como por parte da populao branca.

    Os fatos relatados tambm sugerem a possibilidade de uma rever-so desse processo - o afro-descendente pode desenvolver uma subjetivi-dade em que as caractersticas fenotpicas e os valores de razes africanaspossam ser vistos como positivos, alm de apresentar atitudes mais afir-mativas frente a situaes de discriminao. como diz Sandra: no senasce negro, torna-se negro.

    Como a discriminao tende a ser um processo camuflado, nose tem abertura para que tais questes sejam discutidas, dificultando o pro-cesso de reverso do preconceito.

    Entretanto, creio que j temos caminhado, atualmente, numa dire-o mais favorvel a uma diminuio de atitudes preconceituosas, apesarde tratar-se de um processo lento.

    O projeto da modernidade j vem sendo questionado e tm sidoapontados novos paradigmas epistemolgicos constituintes das subjetivi-dades contemporneas (Santos, 1996; Bauman, 1999; Morin, 1995).

    Cabe aqui a proposta de um amplo debate, em termos educacio-nais, sobre o preconceito, as prticas discriminatrias e maneiras de super-los, pois a escola um ncleo estruturante formador de futuros adultos.Alm disso, creio ser uma importante contribuio a educao formalenfatizar as nossas razes nos currculos e reconstruir a histria do pro-cesso de formao do povo brasileiro, no mais sob a tica branca oficial,mas com uma viso mais abrangente.

    A participao em grupos de militncia, sejam eles voltados paravalores religiosos, como o Candombl, com objetivos polticos ou cultu-rais, pode favorecer um processo de reconstruo pessoal junto ainterlocutores que vivem a mesma problemtica, atravs do exerccio dereviso dos padres negativos introjetados e da possibilidade de contatocom dados da histria omitida. A militncia um espao onde a vergonha

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    de ser negro pode transformar-se em orgulho de ser negro, onde o indiv-duo passa a ter nova histria, alm de intensificar a luta, que j vinha desen-volvendo desde o incio da escravido, por sua afirmao, agora com com-panheiros articulados em mbito mundial, na rea governamental, na no-governamental e na academia. Com a recuperao da histria da dispora edas matrizes culturais africanas, tambm parte do cadinho cultural brasi-leiro, e com as reivindicaes polticas e sociais, o afro-descendente podedar visibilidade a qualidades que o branco no tinha se dado conta, favore-cendo uma mudana de percepo em que forado a olhar o outro e, aomesmo tempo, a aspectos culturais que tambm o constituem.

    Na academia, o debate sobre tais questes deve ser ampliado. Apsicologia brasileira pode e deve ter um papel fundamental. Como sugeriem alguns momentos do trabalho, torna-se imprescindvel o conhecimen-to de como os processos psicolgicos se do para a compreenso maisampliada da problemtica do afro-descendente, principalmente frente sarmadilhas que um discurso social e poltico, como no caso de umamilitncia como modo de vida, pode provocar. Para isso devem ser desen-volvidos estudos que, se no diretamente voltados s questes do afro-descendente, pelo menos assumam como relevantes e incluam em seu bojoas variveis etnoraciais, sem o risco de legitimar a discriminao.

    Concluindo, creio ser importante que a pessoa branca deixe denegar suas razes culturais africanas e indgenas, assim como o negro bra-sileiro, sua razes culturais europias e tambm indgenas. Portanto, esta uma luta do brasileiro, seja ele negro ou branco, uma luta do brasileiroque , culturalmente, negro e branco e ndio, ou mais que isso, como dizArnaldo Antunes em uma de suas canes4:

    aqui somos mestios mulatoscafuzos pardos mamelucos sararscrilouros guaranisseis e judrabes.

    Como sugeri num ensaio anterior (Ferreira, 1999b), vivemos nummundo que s pode existir se o criarmos com o outro. Estamos aderidosuns aos outros. Nossos pontos de vista so sempre resultantes de vriosenfoques que nos foram transmitidos por vrios outros. Assim, adesafirmao da outra pessoa nos impede a convivncia e, em decorrncia,emperra-se o processo de desenvolvimento de um mundo mais humano, aconstruo de nossa prpria morada - uma grande construo coletiva,em que todos dependem uns dos outros. Assim, a aceitao da alteridade

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    no uma escolha, mas uma condio ontolgica para podermos existircomo humanos e condio fundamental para que a reverso do preconcei-to possa se dar.

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    Ferreira, R.F. O brasileiro, o racismo silencioso ea emancipao do afro-descendente

    NOTAS

    1 Assumo, neste ensaio, racismo como uma categoria que se refere a uma prtica discriminatria

    institucionalizada, e alinhado com a posio de dAdesky (1996), como uma prtica de desva-lorizao da identidade, opondo-se ao direito de cada indivduo a viver segundo um enraizamentocomunitrio (p. 91) e cuja conseqncia principal, no campo poltico, a fragilizao dasentidades comunitrias, cultural e etnicamente diferentes.2 Alinhado com DAdesky (2001), considero que, do ponto de vista da gentica, o conceito de

    raa desprovido de valor cientfico e pouco operacional. Assim, neste ensaio, o termo raaest sendo considerado como uma categoria construda socialmente e que utilizada comoreferncia para tipificar e classificar os indivduos em funo de suas caractersticas percept-veis. Assim, tal categoria de muita importncia, pois torna-se referncia para processos dediscriminao e excluso social em funo de caractersticas fenotpicas visveis.3 Cf. Larkin Nascimento (2000), o termo eurocentrismo refere-se a essa imposio sobre os

    povos dominados de um universalismo hegemnico que define o mundo do ponto de vistado dominador (p. 54).4 Trata-se da msica Inclassificveis.

    Ricardo Franklin Ferreira Porofessor do Ps-Graduao emPsicologia da UNIMARCO. O endereo eletrnico do autor :

    [email protected]

    Ricardo Franklim FerreiraO brasileiro, o racismo silencioso e a identidade afro-descendente.Recebido: 7/6/20021 reviso: 30/7/2002Aceite final: 7/8/2002