24 - stolcke, v. velhos valores, novas tecnologias - quem é o pai

Upload: marcony-alves

Post on 26-Feb-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    1/22

    Velhos Valores, Novas Tecnologias, Quem o Pai?

    VERENASTOLCKE

    Tradicionalmente, os antroplogos tmestudadoos outros",os primiti-vos, masaantropologiamais doque isso. Comoumprogramacientfico,ela visaa investigaras relaes sociais e suasvinculaescomasformasculturais e simblicas, conforme elas variam no tempoe no espao. Nestesentido, no homenorcabimentoemexcluirdessatarefaasociedadeoci-dentale suacultura. Pretendo, neste ensaio, analisarumdosmais recentesprodutos da cultura ocidental, a saber, as novas tecnologiasdareproduo,isto,oboomdosbebsdeprovetanosseusmltiplosefeitosesignificadossociais,polticosesimblicos.

    Osonhodohomemdecriarvidabemantigo.Atrecentemente,noeramaisdoqueumprodutodaimaginao,que,enquantoexemplotpicodasededo homem moderno em buscado conhecimentoe do controle da natureza,servia tambm para acentuar as limitaes humanas. Todavia, este sonhoest,rapidamente,tornandoserealidade.

    Em 1818,MaryShelleypublicouoinicialmenteannimoFrankenstein,ortheModemPrometheus. afbuladocientistaquecriaumhomemmonstro.

    No seu fracassado Frankenstein, eleexemplificao desejoobsessivodoho-mememdescobrirosegredodavidaparaproduziraprpriavida,bemcomoas limitaesdeumaempreitadacientficadestitudaderesponsabilidademo-ral(Shelley,1818;Winter,1982).

    Em1926,afeministaCharlotteHaldane,esposadonotvelbilogoingls,J. B.S. Haldane,escreveuMans World. umautopiapseudocientffica quedescreveosefeitosqueterianasociedadeapossibilidadedeohomempoder

    determinarantecipadamenteaqualidadeesexodosfilhos.OresultadoumaAnurioAntropolgico/86EditoraUniversidadedeBraslia/TempoBrasileiro,1988

    93

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    2/22

    VerenaStolcke

    sociedadesuperficialefuncionaldebrancosgovernadosporumaelitecientfi-canaqual asmulheres so classificadasconformesuasaptidesreproduti-vas,aomesmotempoemquealiberdadeindividualeadiversidadesotolhi-

    dasembenefciodefinscomunais.CharlotteinspirousenosprpriossonhosdeHaldane, publicadosemDaedalusem 1923,associados reproduoeugnicadecrianasporectogenesis. (C.Haldane, 1926; 1949;J. B.S.Halda-ne,1925;1927;Clark,1968).

    Quasesimultaneamente,H.J.Muller,ofamosobilogo,escreveuOutoftheNight, aBiologists ViewoftheFuture,umautopiaeugnicaquepreviaumadmirvel mundo novo povoado por uma raa supremamente inteligente ecooperativa. Inseminaoartificial,culturaeestocagemdeespermadegran-

    deshomens (seusherisforamLenin,Newton,daVinci,Pasteur,Beethoven,OmarKhayyam, Puskin, SunYatSeneMarx), recuperaodeovriosparafertilizaoextrauterina, transfernciado embrio e seleosexualparaeli-minar defeitos genticos e determinar a proporo dos sexos a serviodeuma nova cincia da eugenia, tudo isso transformaria as relaes sociaiscompetitivas, abolindoclasses pormeiododesenvolvimentodasqualidadesintelectuaisemoraishumanas(Muller, 1936)1.

    Agora, tudo issonomerodevaneio. Nosomentepode,defato,serrealiza-do,comoacreditoque,naverdade,oser.Precisamentedequemodoestasapli-caesgenticasviroaohomempodeestaremquestonomomento,masqueelasviro,certamenteviro. indispensvelqueohomem,voluntariamente,de-sista deseudomfnio potencial, justamente agora, que elealcanouumestgiotoavanado, nemtampoucoummundoesclarecidorejeitarparasemprequal-querinstrumentoefetivoquesurjaparaoseu prpriodesenvolvimento. Nosonossoavanogenticopatentementepossvel,comotambmmuitomaisga

    1. Mullrfoium pioneirodagenticamoderna; inspiradonateoriamendelianadeheredi-tariedade, eledescobriuoefeitomutagnicodosraiosX, investigoualocalizaocromossmicadainformaogenticaconvencidodequeasunidadeshereditriaseramsubstnciasqumicas. CticodaspossibilidadesdecolocaremprticanosEstadosUni-dossuadoutrinaeugnica, elefoiparaaUnioSoviticaem1933aconvitedoInstitutoGentico deMoscou. Mas, odogmatismopolitico deT.D. LysenkoeaoposioqueStalin fez ao seu programaeugnico eaperseguioacientistasdissidenteslevouologoaprocurarumamaneiradedeixaropais.SeualistamentocomomdicodasBriga-dasInternacionaisdeulheumarazopoliticamentelegtimaparapartir,almdeatenderaoseuanseiodesolidariedadecomoladorepublicanonaguerracivildaEspanha.Em1947, recebeuoPrmioNobeldeMedicina.Nosanospsguerra,denunciouosefeitos

    deletriosdaradiaonaconstituiogenticahumana,exigindoocontroleearegula-mentaodeenergianuclear.Atasuamorteem1967,trabalhounadivulgaodasuadoutrinaeugnicahumanista.VideG. E.Alien, 1970; F.HanseneR.Kollek, 1985; E.A.Carlson, 1981.

    94

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    3/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    rantidoemaisvivelquequajquerconquistarecentedotomo, doespaointer-planetrio,oudanaturezaexterioremgera l.. . E,mesmoqueanossaconquistadanaturezaexteriornologrexito, aindaassim,conquistaremosansmesmose ficaremosbemsatisfeitoscomo prospecto determospelafrentecentenasdemilhesdeanosdefelizempreendimentoqueesseplanetanosreserva(Muller,1936:154155).

    Mullercompartilhou com amaioriadeseuscontemporneosoentusias-mopelaeugeniamasnofoiumadeptodolaissez-fairenodarwinismosocial.Pelo contrrio, props a reproduoeugnicacomoumcaminhoparaome-lhoramento social. Defendeu tambma libertaodamulherdo martriodamaternidade involuntria,poissomenteocontroledanatalidadeassegurariaa

    reproduo eugnica por meio da inseminao artificial de espermade ho-mensexcepcionaisemmulherescommaridosestreis.Intelignciaecriatividade,cooperaoesadefsicaementalseriamos

    valoresescolhidos porMullernoseuprogramaeugnicodeseleovolunt-ria. Emboracondenasseo uso facista da gentica, elenuncaquestionouaspremissaselitistasdesuaprpriateoria2.TantoosdoisHaldanecomoMullerparticiparam ativamente da guerracivilespanholacomovoluntriospelo ladorepublicanos.

    2. J. B. S. Haldane colaborou em 1932 comomatemticoLancelotHogben, comJulianHuxley ecom o geneticistadeEdimburgo, F.A.E.CrewnacriaodeumaSociedadeparaBiologiaExperimental.Sintomticodapredominnciadasidiaseugnicasnaco-munidadedebilogosbritnicosofatodequeLancelotHogbenfoionicodosquatro pais fundadores doSBE queno defendia algumaformadecontroledenatalidadeparaalgumsetordaclasseoperria.Comoeleargumentou(1938:333),porqueasdi-ferenas de cociente de inteligncia no so muito afetadas pelo ambiente escolar,muitosautorestmdado, eaindado, apoionoodequediferenasdessetiposoum ndiceconfiveldeconstituio inata.Taisafirmaesnotmapoionosresultadosde pesquisassobresemelhanasdegmeos.Omitemaimportnciadomeiouterinoe

    doperododetreinamentoantesdepoderemseraplicadosostestesdeinteligncia.En-treonascimentoeaidadeemquecomeaaeducaoformalhumperodoprolonga-doetalvezaltamentesignificativo,duranteoqualasdiferenasdecomportamentosocialpodem afetar o comportamento de um indivduo. . . Vide tambm LancelotHogbenNatureandNurture. Na Inglaterra, SirCyrilBurtdeLondresforneceriaaprovaaparen-tementemaisclaradadeterminao genticade intelignciaemseusestudosdeg-meosidnticosseparados, natradioeugnicagaltoniana.Burt,quemorreuem1971,foi nomeado cavaleiro pela rainha e homenageado pela comunidade cientfica. Pormeadosdosanossetenta, entretanto, ficou estabelecido, semsombradedvida,queBurt haviaperpetradoumagrandefraudecientifica,falseandoseusdados.Tosignifi-cativoquantoaprpriafraude,otempoqueacomunidadecientficalevouparadesco

    briIa.Burtcomeouapublicarseusresultadossobrehereditariedadedaintelignciaem1909.VideS.Rose,R.C.Lewontin,L.J.Kamin,1984,cap.5.

    3. VerC. Haldane, 1949, para umadescriodeseuenvolvimentonaguerracivilespa-nhola,seuengajamentonopartidocomunistaingls,bemcomosuaposteriordesiluso.

    95

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    4/22

    VerenaStolcke

    Estaseleodetextosarbitrria.Nopreciso,obviamente,mencionarolivrodeHuxleyAdmirvelMundoNovo,poissuficientementeconhecido.To-

    davia,todoseles,dediferentesmaneiras, sopertinentesminhadiscusso,isto,osmotivos, significadoeconseqnciasdasnovastecnologiasde re-produo.Estoaabuscadoconhecimentoecontroledosprincpiosdavida,osonhoeugnicodaraaperfeitaeainstrumentalizaodamulheraserviodestessonhos.

    Napoca,oprogramaeugnicodeMullereranovidadenoqueconcerneaosseusdetalhestcnicos.Todasassociedadestmexercidoalgumtipodecontrole reprodutivo.Foiapenasamedicalizaodaprocriaoquecomeou

    nofinaldosculodezoito.Daemdianteacontracepoeainseminaoarti-ficialdesenvolveramseconjuntamente. Foitambmnessapocaque,comaascensoda burguesia, emergiu onovoconceitode infncia: acrianapas-souaserocentrodafamliaeonascimentodefilhospareceutornarseumaquesto de escolha (Lepenies, 1976:199 seg.; Gordon, 1976;Trallori, 1983).Spallanzani, um preformacionista, que considerava o vulo como elementoprimodial,mostrou, porvoltade1770,queocontatoentreofluidoseminaleovuloeraessencialparaquehouvessefertilizao.Aofinaldosanossetenta

    daquele sculo, ele inseminou com sucesso umacadela, emboraapenetra-o do espermatozide no vulo s fosse descoberta em 1879 (Coleman,1977)4. Esta foi a segunda inseminaoartificial registradaemmamferos; aprimeira ocorreu no sculo quatorze em uma gua (Rohleder, 1981, vol. I).Dadaasimplicidadedainseminaoartificial,queconsiste,simplesmente,emdepositar smen na vagina, nosurpreendequeaprimeiratentativahumanacomxitodate, aproximadamente, de duzentosanos. Hunterconseguiu,em1799na Inglaterra,aprimeiragravidezcomsmenhumano,doadodeumma-

    rido.Em 1804,Thouret repetiuofeitonaFrana.Porm,atcnicanoparecetersidodominadasenoapartirde 1870.Aprimeiracondenaooficialdestaprticaveio dotribunaldeBordeauxem 1880e,em 1897,oSantoOfciose-guiu o exemplo sob a alegao de quea procriao sem sexo, implicandomasturbao, violariaa LeiNatural.AoposiodaIgrejafrancesa,aparente-mente,bloqueouainseminaoartificial; enquantoisso,elaseespalhavape-los Estados Unidos, onde Pancoast, em 1884, fez a primeira inseminaocom smendoado, no caso de ummarido portadordeazoospermia(David,1985; Corea, 1985). A tcnicaera, geralmente, empregadaemcasosdeim-

    4. VerDictionary ofScientific Biography, vols. 1112, para uma biografia cientfica deSpallanzani.

    96

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    5/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    potentia coeundi, generandi ou doenagentica.ComadescobertamdicaoficialporOginoeKraus,em 1932,doperodofrtilnociclofeminino, ainse-minao artificial tornousemais eficiente,masoempregodo smen doadocontinuou a ser considerado uma violao da dignidade humana. Bunge eSherman lograram,em 1953,aprimeiragravidez humanacomespermacon-gelado e, com isso, estabeleceramse bancos de esperma, sobretudo nosEstadosUnidos.A partirde ento, cresceu a inseminaoartificial comes-permadoado.Aofinaldosanossessenta,estimousequeentrecincoesetemilcrianashaviamnascidoporessemtodonosEstadosUnidosecercademilnaRepblicaAlem(1 a1.5pormil,respectivamente) (Herzog,1971:56).

    Odeclniodataxadenatalidadenospasesem industrializaoaolongodo sculo passado indica, poroutrolado,queocontroledenatalidade,notadamente pelo abortoe poroutrosmeiospopulares,desenvolveuse,simulta-neamente, com ainseminaoartificial.ComoGordondemonstrounosEsta-dos Unidos, os conservadores rechaaram, inicialmente, as reivindicaesdasfeministaspelaliberdadede reproduoematernidadevoluntria,temen-doqueaquedadastaxasdenatalidadedasclassesaltasameaasselhesasupremaciaracialeprivilgiosdeclasseealiberdadequeacontracepore-presentava para as mulheres. No obstante, os conservadores, nos anos

    trinta, cederam ao controle de natalidade, sem abandonar, entretanto, seusobjetivos de classe elitista. Se a classe altaestava tendomenos filhos, erapreciso, tambm, controlara fertilidadedamassacrescentedepobres (Gor-don, 1976). Igualmentenocomeodosculo,quandooabortofoicriminaliza-do, forampromulgadasasprimeirasleissobreaesterilizaocompulsriaderetardadose doentes mentaise de deficientes fsicos nosEstados Unidos5,no quenoseconstituramemexcesso.Ocasomaisconhecido,eviden-temente,odaAlemanha, onde aesterilizaocompulsriafoiumprodutoda

    doutrina de higiene racial, masondeasesterilizaeseugnicasjeram im-plementadasdesde o fim do sculodezenove, bem anteriora 1933,quando

    5. Oestadode indianaadotou,em 1907, aprimeiraleideesterilizaonosmentalmenteincapazesenoscriminososinveterados; at1915,outrosdozeestadoshaviamseguidooexemplode Indiana(G.E.Alien, 1970347).Duranteosanos50e60,surgiunosEs-tadosUnidos umnovofluxodeesterilizaes, ondemuitasmeninasemulheresnegrasforamesterilizadassemoprvioconhecimento;asmulheresdeorigemindgenaoume-xicanaforamoutrasvtimasdessesabusos(A.Clark, 1984:188203).Ofatodequehaja

    mulheresque, voluntariamente,sesubmetemesterilizao porexemplo,naAmricaLatina nosignifica, entretanto,queseja, necessariamente, umaescolhalivrediantedaausnciadeadequadosserviosdeplanejamentofamiliaredospercaloseconmi-cospredominantes.

    97

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    6/22

    VerenaStolcke

    entrouemvigoraprimeiraleideesterilizaocompulsriaque,apartirdeen-to,foiaplicadasmulherescomdistrbiospsquicosrelacionadossexuali-

    dadeeprocriao(Bock,1986).A poltica e aprticade reproduono perodo dopsguerra refletem,cada vezmais,adesigualdadenumaescalamundial.Aumaumentodataxade natalidade nos pases industrializadosdepoisdaguerraseguiuseumde-clnio substancial acompanhadode umadisseminao particulardeanticon-cepcionais femininos, porm, nenhum progresso sefazia no sentidode de-senvolverumeficienteanticoncepcionalmasculino.Nofinaldosanossetenta,ocrescimentopopulacionalreduziuseazeroemalgunspaseseuropeus,tais

    comoaAlemanhaeaFrana,declnioessealcanadopelaEspanhanoinciodosanosoitenta. Porm,enquantocrescianaEuropaumansiaprnatalidade, o governo dos Estados Unidos, em particular, ao invs de partilharari-quezados ricoscomospovosdoTerceiroMundo,adotaumapolticaagres-sivadecontrole populacional nesses pases,a fimde lhes reduzironmero

    depobres.EssacombinaodecontrolepopulacionalparaoTerceiroMundoeuma

    poltica interna prnatalidade coincidiram, nos anos setenta, com aformula-o de um novo paradigma sociobiolgico, segundoo qual, todo comporta-mento social tem umabasegenticaeas instituiessociais tmumanicafuno, ouseja, amaximizaogentica.Quantosmulheres,elasestariamgeneticamenteprogramadasparaoacasalamentomonogmicoheterossexuale para amaternidade,aopassoqueaestratgiamasculinamaiseficientedemaximizaogentica seria fertilizar tantasmulheres quantasfossemposs-v e l . A Sociobiologia surge, assim, para reforar uma ideologiadematerni-dadenummomentoemque, nospasesindustriais,afamliatradicionalcons-titudadeumhomem,oseuganhapo,edeumaesposadevotadaaotraba-lho domsticoe s crianas, pareciaestarse desintegrando, namedidaemqueum nmero crescentedemulheres entrava no mercado de trabalho, aomesmotempoemqueafertilidadedeclinavaeomovimentofeministadesafia

    6. Seria umequvococonsideraraSociobiologiacomoumameraeinconseqentecoque-lucheacadmica.Atualmente,essasntesenova"vemgerandoumaliteraturavastaecrescenteque,almdomais,emfunodaaparentesimplicidadedomodeloproposto,encontrou considervelressonnciapopular.ObilogoE. O.Wilson, daUniversidadede Harvard, fundadordaSociobiologia, formulouaestruturageraldanovaeunificadateoriacomportamentaldarwinianaemSociobiology, theNewSynthesis(1975),seguida,em 1978, deOnHumanNature, que oprimeiro livroexplcitosobreaSociobiologiahumana. A partir da, prossegueseaindacomLumsdenGenes, MindandCulture em1981 ePrometheanFireem1983.Cf.S.J.Gould,1986.

    98

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    7/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    vaasupremaciamasculina.Comefeito,talcomoopolticofrancsMichelDebrindicaraem 1979,oproblemadafertilidade,acimadetudo,denatureza

    poltica. Seasmulheres francesasnoadmitissemafunopatriticadege-rarmais filhos, isto levaria aumasituaodeprodutoressemummercado,pensesqueoEstadonosuportariamaispagar,umalegislaosocialtotal-mente em perigo, um isolamentoperigosode umaEuropaenvelhecidanummundo superpovoado, ondeoTerceiroMundofazojogodafertilidade. Por-tanto, como proclamava um anncio recente, a Frana precisa de crian-as!...Hmaisqueosexonavida!(IInyapasquelesexedanslavie).

    A fertilizao in vitro comeouaserdesenvolvidanosanos cinqenta,

    sendoaplicadaa seres humanos, pela primeira vez, em 1969. Em 1978,oscientistasbritnicosSteptoeeEdwardsconceberamoprimeirobebgerado invitro comatransfernciadoembrio.Emmeadosde1985,haviamnascidonomundomaisde mil bebsdeproveta.Aspanhaeandiatambm integramhojeoclubedosbebsdeproveta,eomaisrecenteavanoatriunfantefer-tilizaodevuloscongelados(Bopp,1987).

    NMERODEBEBSDEPROVETA,DECENTROSDEFERTILIZAOINVITROEDATADOSPRIMEIROSNASCIMENTOSPORPAS

    Pas Bebsde Centrosde Anodoprimeiroproveta fertilizao nascimento

    Grbretanha sup.a200 8 1978Frana 100200 sup.a60 1978Austrlia sup.a2000 10 1978EstadosUnidos aprox.180 aprox.108 1980

    AlemanhaOcidental 130 19 1982Brasil 23 6 1982Japo 2030 sup.a10 1982Dinamarca 1 23 1982Sua 2 7 1982/3Sucia 8 4 1982/3Noruega 20 8 1983Israel 68 46 1983

    Fonte:J.SEAGEReA.OLSON,ATLASASMULHERESDOMUNDO,NovaIorque, 1986.

    7. Umaentrevista comMichelDebrrealizadaporNouvelObservateurem30deabrilde1979.

    99

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    8/22

    VerenaStolcke

    Podeparecer, primeiravista,queafertilizaoinvitronomaisqueum passoadiante noesforo cientfico sexualmente neutrode conquistaros

    princpios da vida. Noentanto, ela representamaisdoqueapenas umsaltoqualitativo no controle daprocriao pela tcnicamdica, pois hoje, soasmulheres os principais objetosdesta formade tecnologia, oqueindito.Ainseminaoartificialcaberia tratardecasosdeesterilidademasculinaeres-ponderaosanseiosdomaridooudocasaldeterumfilhodoprprio sanguedopai.Emboraastecnologiasreprodutivasatendamaodesejodeseterfilhosprpriose sealeguequeoseuobjetivoprincipalacuradaesterilidadefe-minina, elas tambmseaplicamaos casosdeesterilidademasculina. Essas

    tecnologiasoferecem solues tecnolgicasparaproblemas cujas causasnosoexaminadascomoaprpriaesterilidadeouodesejodematernidade.Almdisso, sempreenvolvemamulheremextensivasintervenesmdicobiotcnicas, taiscomointernamentohospitalar, intensotratamentohormonaleanestesiageralnarecuperaodevulosetransfernciadoembrio.8

    At agora contei uma estria simplese direta da trajetria trilhadapelotratamentomdiconaprocriaohumananosltimosdois sculos.Contudo,a biologiamodernae amedicinaesto, inevitavelmente, atadas aos valores

    sociaisepoltica(Webster,1981:1).Acinciaeatecnologiasoinfluencia-daspelomeiosciopolticonoqualsedesenvolveme,porsuavez, reforamos valoreseas relaessciopolticasqueasengendram.Bilogos,geneticistasemdicosargumentamqueestoapenasrespondendosexignciasenecessidadesdapopulao,equeprocuramsomenteajudaroscasaisest-reis a ter seus prprios" filhos. Porm, nuncapramparapensarsobreasrazesdessaobsessodeseterfilhosdoprpriosanguenummundoonde alis isto dito nascem crianas demais,muitas dasquaismorrem de

    desnutrio efome.Quedesejosento,asnovastecnologiasde reproduosatisfazem,eaquem,defato,servem?Noestou sugerindoqueastecnologiasreprodutivassejamumasoluo

    tecnocrticaconcebidaparainterromperodeclniodafertilidadeesuasalega-das conseqnciaseconmicasnos pases do PrimeiroMundo, o queseriaextremamentesimplista9, pois afertilizaoartificialfoiprimeiramentedesen-

    8. R. Duelli Klein(1985:65)sugerequeastecnologiasreprodutivasreforamadesvalori-

    zaoeaopressodasmulheres.9. Embora,selevarmosasrioalgumadaliteraturasobreodeclniodataxadenatalidade,teremosaimpressodequealgunspolticostmtaisesperanasnastecnologiasrepro-dutivas.O Subsecretrio espanhol doMinistrio deSade eConsumo, porexemplo,anunciouhpouco,sobreesseassunto: Eles(oscentrosdeplanejamentofamiliar)no

    100

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    9/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    volvidanareproduodegadoeplantasparaoaumentodaprodutividadedasvariedadesjexistentes.Aperguntaqueseimpesaberporqueelatemsi-

    do igualmenteaplicadaasereshumanos?Oumelhor, porqueestaobsessoemseterumfilhodoprprio sangue?Semessedesejo,afertilizaoartifi-cial no teria omenorsentido. nosculodezenovequedevemosprocuraras razes de nossato individualizada noobiolgicadepaternidadeema-ternidade.

    O estudo de sistemas de parentesco tem sido um passatempo favoritodosantroplogos,oquetemcontribudoparademonstrarqueessessistemaseasteoriasdeconceposomaisconstruesculturaisdoquefatosnatu-rais. Neste sentido, segundoa teoria de concepodos Trobiandeses,umasociedadematrilineardaOceania,amequedesempenhaopapelessencialnaformaodofeto, enquantoogenitornoparticipadoprocesso,poisopa-pelsocialdopaiassumidopeloirmodamegenetriz.Sintomticadospre-conceitosnaturalsticosdaEuropa,estaformadeentenderaconcepolevouos antroplogos aquarenta anosdecontrovrsia sobreaalegadaignorantispaternitatis, isto , a estupidez dos primitivos sobreos fatosda vida (Mali-nowski, 1927; Leach, 1969; Delaney,1986).Aocontrrio, ateoriadeconcep-orefletidanamitologiagrega(porexemplo,emOrestia)percebeagenetriz

    comoum meroveculoda essncia", emqueofetoderivasomentedopaigenitor, como com PalasAtenas,que nasceu da cabeade Zeus (Vickers,1973; Lloyd, 1983). Naculturaocidental,ofetoconcebidocomoumprodutocombinado de ingredientes genticos deambosos genitores, de formaqueessa concepo cultural est refletida nas nossas leis de filiao que socognatasoubilaterais10.

    Recentemente, dois antroplogos, Rivire na Inglaterra e Hritier naFrana, tentaram minimizar as dificuldades legais e conceituais levantadas

    socentrosdeplanejamentofamiliar,masdeorientaofamiliar,quedaroassistncias pessoasquedesejaremtlosporlivreeespontneavontade,comoespaamentoquequiseremeque lutarocontraaesterilidadequeafeta300.000casaisespanhis.Tenhocertezaque,nessecampoecomaajudadetodososmeiosdisponveispodere-mosconseguirmuitosfilhosnovosparaaquelesqueosqueremequeaindanoconse-guiramtlos.

    10. Poderseia argumentarque, pelo menos naqueles pasesonde a leisobre afamliapossuirazesnocdigonapolenico,taiscomoaFranaeaEspanha,deacordocomaqualo paiomaridodame,apaternidadeconcebidamuitomaiscomoumaligao

    socialdoquecomoumaligaobiolgica.Apesardisso,amesmaleiconcediaaomari-dooacessoexclusivosexualidadedesuamulher, expressonesses instrumentos le-gais,comoapenalidadereservadaaoadultrio.Almdomais,nessespases,apater-nidadetemsidosemprepopularmenteentendidacomoumlaode"sangue.

    101

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    10/22

    VerenaStolcke

    pelastecnologiasreprodutivasque,nocasodedoaodoespermaouvulos,parecesubverterasnoesbiolgicasestabelecidasdepaternidade(HritierAug, 1985a; 1985b; Rivire, 1985).Comefeito,dopontodevistaantropolgi-

    co, osproblemas suscitadospelas tecnologias reprodutivasnosotosur-preendentescomoparecem,umavezquenoesalternativasdepaternidadepodem serencontradas emmuitasculturasdiferentes.Talposio relativistano fornece, entretanto, qualquer explicao paraessasdiferenasculturaise, no casoocidental,pornojustificarasnoesfortementenaturalistasquetemosdoparantesco,tambmnopodeexplicarasrazespelasquaisaferti-lizaoartificial comeoua serdesenvolvida.Tampouconosdiznadasobreasreaesprovocadasporessastcnicasemdiferentessetoressociais.Pa-

    ra isso,precisamosanalisarocontextoscioestruturalnoqual sedesenvol-veramessastecnologias.

    osurgimento do naturalismocientfico noOcidente querdizer,asteo-riasbiolgicasqueserviamparalegitimarasdesigualdadessociaisnosculodezenoveumfatorcrucialqueauxiliaacompreenderasnoesbiolgicasindividualizadas de paternidade dominantes. O que sedestacanodebatedosculo passado sobre o lugardo homem nanaturezaatensoprofundaepersistenteentreabuscadaconquistaedocontroledanaturezae,aomesmo

    tempo, a naturalizao" do homem social. Enquantoodesenvolvimentodesociedadesde classegerou crescentesdesigualdades sociais,talprocessofoiacompanhadoporumethosdeoportunidadesiguaisparatodososhomensnascidossemelhantese livres.Essailusoserviu,deumlado,paraobscure-ceras desigualdades sociais, mas, deoutro, reforou a naturalizaodasrelaes sociais. Se o indivduo autodeterminado se mostrasse incapaz deaproveitaraomximoasoportunidadesqueasociedadelhepareciaoferecer,ento isto se deviaa algum defeitoessenciale inerente.Mas,observebem,

    noestouargumentandoquetalnaturalizaotenhasidoumainvenoin-dita poca. Pelo contrrio, aquesto crucial saberporqueanaturaliza-o, tal comodifundida pelodarwinismo, pelo spencerismo e pelo lamarquismosociaiscontinuouadesempenharesse papel ideolgicocentralnumasociedadedehomensautodeterminados(Young,1973;Leeds,1972;Horstacker, 1944).Atesequeproponhodequeaburguesianopoderiamaisjustifi-carasdesigualdades sociaispuramenteemtermosdeumaticadeabstinn-ciaedeesforo,ouseja,derealizaopessoal,principalmente,porqueestes

    atributos no pareciammaisexplicaro sucessoda prpria burguesia. Ore-sultado foi um elitismo sciopoltico baseado nas teorias da superioridadebiolgicade classe (Hobsbawm,1985).Emdecorrnciadesuabasebiolgi-

    102

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    11/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    ca,essadoutrinareforava,tambm,anoodepaternidadebiolgicaindivi-dualizadae,comela,anecessidaddecontrolarasexualidadedamulher,jquesomenteelapoderiatrazerparaafamliafilhosdamesociaisebiolgi-cos (Stolcke, 1981).Assim,podesemostrarqueanooaparentementeuni-versalistadoindivduoautodeterminadoexcluiaasmulheresquepareciamnofazerpartedeladevidosuanaturezafeminina.

    Observe,porexemplo,osignificadoambguodotermoherdar,prevalecente ainda hoje, que significa, nosomente receber propriedade, posiosociale ttulo pordescendnciaousucessolegal,mas,tambm,descen-der(qualidade,carter)doprogenitor. Umavezqueasregrasdehereditarie-dade, isto, atendnciade igualgerarigual, sonaturaise imutveis, elas

    justificam,demaneiramais persuasiva, asdesigualdades sociais.Amesmaambivalnciaest, tambm, refletida nodesconfortoatual sobreaadoo,oquepoderia,defato,serumapossvelsoluoparaaesterilidade.

    Vamosagoraretornarspolticasde controlepopulacionalvoltadasparaoTerceiroMundo, campanhaprnatalidadenoPrimeiroMundoestecno-logiasreprodutivas.Astrscompartilhamumamesmaideologianaturalsticaegenticadeprocriao,comconotaesderacismoeugnicoesexual,etmem comum umaviso dehumanidadedivididaemelesens,emajusta-

    dosedesajustados.O relatrio Warnock, preparado pela comisso parlamentar britnica

    constituda paraoestudodas implicaes legaiseticasdas tecnologias re-produtivas,lcidosobreosvaloressociaissubjacentesaodesejo"deumapaternidadebiolgicapormeiodeumamaternidadetecnolgica:

    Afaltadefilhospodeserumafontedetensomesmoparaaquelesquedelibera-damenteaescolheram.Afreqenteexpectativadafamliaedosamigos,expressatantoexplcitaquanto implicitamente, queocasalconstituafamlia.Afamliauma instituiovaliosadentro denossasociedadeatual; nela, acrianarecebealimentaoeproteoduranteumperodoprolongadodedependncia.,tam-bm,olugarondeocomportamentosocialaprendidoeondeacrianadesen-volvesuaprpria identidadeesentimentodeautovalor.Damesmaforma,ospaissentemquesuas identidadesnasociedadeso intensificadaseconfirmadasporseuspapisnaunidadefamiliar.Somadapressosocialdeterfilhos,existe,paramuitos, umafortenecessidadedeperpetuarseusgenespormeiodeumanovagerao.Essedesejonopodesersaciadopelaadoo.(HMSO,1984:89)

    Devese levar a srio a verdadeira dorque a esterilidadepode causar

    nasmulheres,bemcomonoshomens, numasociedadeondeaidentidadefe-mininaresidetointensamentenamaternidadebiolgicaeaesterilidademas-culinatendeaconfundirsecomaausnciadevirilidade.Noobstante,deve

    103

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    12/22

    VerenaStolcke

    sedistinguiroquedesejoexpressolivrementeeoquenecessidadeindu-zida socialmente. Conhecesepoucosobreosmotivos demulheresquesesubmetem fertilizaoinvitro.Porm, comoCristineCrowedemonstrounoestudo de um grupode taismulheres no Royal ShoreHospital em Sydney,Austrlia, eram os maridos que se inclinavam a concebera paternidadeemtermos puramente biolgicos, ao passoqueelas prpriasdesejavam,acimade tudo, viveraexperincia social damaternidade. Asmulheres quenuncaconsultaram agncias deadoo noo fizeram porque seusmaridos prefe-riam noterfilhos a recorrer adoo do filhode um outro homem.Assim,soasmulheresquesentemamaiorpressosocialparagerarumfilho,histo-ricamente, tm sidoacusadasdeesterilidade,eagora, sotambmelasquedevem submeterse aos dolorosos procedimentos fsicos e psicolgicos dafertilizaoin vitro paradaremaosmaridos umfilhodeseuprpriosangue,alm de tudo, correndo um alto risco de insucesso. Osmdicosenvolvidoscom a fertilizao in vitro alegam quea taxa positiva de20a30%,seme-lhante quelado processonaturaldeconcepoemsereshumanosque,deacordocomumespecialista,soaespciedoreinoanimalcomamenortaxade eficincia reprodutiva^ . Exemplosingularde racionalidadeandrocntricaprodutivista, ignora,totalmente,oprazerenvolvidono processonaturalque,de maneira nenhuma, visa, necessariamente,concepo.Essastaxaspo-sitivas tm sido, entretanto, desafiadas, j que, dentre todas as mulheressubmetidas afertilizao in vitro, somenteseteporcentoconseguiramterfi-lhos vivos12. Paraagrandemaioriadas mulheres que fracassaram, muitas

    11. Pareceserumacomparaomuitocomumnasinstituiesmdicas.Ouvi,noanopas-sado, odoutorEdwardsusla numaconfernciasobreafertilizaoinvitroemBarce-lona.

    12. DuranteumavisitaaBarcelona,odoutorEdwardsafirmouquehouveraconseguidoumataxapositivade30%naimplantaodetrsembries(definidoscomoembriestrans-formadosemcrianasnascidas)emmescom idadeabaixode40anos.ElPas,26deoutubrode 1985. BarrideBarcelonainformouComissoEspanholadeEstudosEspe-ciais sobrea InseminaoArtificialsobre umataxageral positivade20%degravideznastransfernciasdeumatrsembriesporciclonaclnicaDexeus.Mas,gravideznonascimento.ComoCoreae Incemostraramnumestudosobreastaxaspositivasobti-daspelasclnicasdefertilizaoinvitro nosEstadosUnidos,ascifrasso,comumente,infladaspelaadiodetransfernciasdeembriesegravidez,aoinvsdenascimentosocorridos. (CoreaeInce, 1985). F. Labourie(1980)que, naprimeiraaudinciapblicadaComissodeJustiaeDireitosHumanosdoParlamentoEuropeu,atestousobre OsAspectos Jurdicoseticos daEngenhariaGentica"emBruxelas,questionou, igual-mente, astaxaspositivasalegadaspelacomunidademdica.Nocasoda Franaondeexistiam, no final de 1984, aproximadamente,60centrosdefertilizaoinvitro, ataxapositivaporciclonoexcedeua7%nasmelhoresclnicas,seseconsideraosfracassos

    104

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    13/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    vezes,apsteremsesubmetidoavriastentativas,afertilizao in vitroser-veapenasparaexacerbaradordaesterilidade.

    Novamente, um recente editorial emNaturejustificavaamaternidadedealuguel,proibidaatualmentenaInglaterra,nosseguinestermos:

    Os instintosdaprocriaotm um significadoadaptativoatodasasespciese,emborapossam tornarse um incmodo em sociedadesconsolidadas,elesnopodem ser reprimidos pela legislao. naturalcasaispeferiremcrianasquelhessogeneticamenterelacionadassno-reiacionadas : oconceitodeDawkinacerca do gene egosta, parano mencionarmuito daSociobiologia, refereseaisso.(Nature, 1986).

    Todavia, as ltimas realizaes das tecnologias reprodutivas fertiliza-ocomsmen, vuloseembriesdoados pareceriamdesafiarosconcei-tos biolgicos convencionais da paternidade. Com a contracepo, o sexodeixou de tera procriao comoseu fim nicoe necessrio.Almdomais,afertilizaoartificial permite,agora,aseparaodapaternidadebiolgicadapaternidade social. Por essarazo, emalgunssetores,afertilizaoartificialjproduziu umavastaliteraturafocalizandoalegitimidadedacriana,ostatuslegal do doador e as responsabilidadesdomdico (Herzog, 1971; Starck e

    CoesterWaltjen, 1986)13. Essas reaes so, na maioria, centradas nacriana ou no pai14. Os interesses das mulheres, ainda mais diretamenteafetadas pelas tecnologias reprodutivas, so, entretanto, raramentetomados

    emvriasetapasdoprocessodefertilizao.Cf.tambmN.Athea(1986:48),quecon-cluiuqueaverdadeirataxadegravidezvivelalcanada somenteaquelasquecondu-ziramaonascimento eracercade10a15%noscentrosmaisexperientes.

    13. Para umaextensabibliografiasobreotpico, vide, tambm,StarckeCoesterWaltjen,1986.

    14. OComit BritnicoWarnockera compostodequatorzemembrosedoisobsevadores,dentreelesapenasduasmulheres: apresidente,aDamaMaryWarnock,filsofa, duasassistentessociaiseapresidentedoGwyneddHealthAuthority.ForamapresentadasprovasaoComitporumavastarededeorganizaes,dentreelasunspoucosgruposdemulheres, comoWomenforLifeeWomenforLifeonEarth,masnenhumdestesgru-posfoiescolhidoparamanifestarsecomo,porexemplo,osmdicosEdwardseSteptoeoforam. O relatriodo Comitfoi debatidonasduascasasdoParlamentonofinalde1984.Apreocupaopredominanteemambasascasaseracomaexperimentaoeostatusdosembries, a noode iniciodavida, os direitose proteo dacrianaemgestao, o status dacriananascidapela inseminaoartificialeaproteofamiliar.Apenaspoucasvezesdenunciaram, naCasadosComuns,ofatodequeosgruposdemulheres nemestavam representados, nemeramouvidospeloComit; esomenteummembro,AnnWinterton(porCongleton)denunciouoenfoquetecnocrticodadoeste-rilidade no relatrio, que sefurtou aqualquerrecomendaoconsiderandoascausasbsicasdaesterilidade,asquaisparaelasoatribudas,acimadetudo,sdoenasse-

    105

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    14/22

    VerenaStolcke

    em considerao. Porexemplo,numencontrodeadvogadosespanhis, reu-nidosparaavaliarosproblemaslegaisdafertilizaoartificial,expressousea

    opiniodeque:

    . . . dopontodevistadosprincpiosprimeiros, ainseminaoheterloganoca-samentotemaspectospreocupantes. . . essaoperaoperturbarseriamenteavida conjugal, comconseqentesrepercussesnaprpriacriana.Adeficinciana virilidade domaridocomrespeito fertilidade superadaporumestranho.Soasclulassexuaisdesseoutrohomemqueprovocamametamorfoseprodu-zidapelagravideznamulher.Ociclovital,avidabiolgicaeemocionaldamulhersofrerumamudanaprofunda,ocasionada,nopelopodersexualdeseumari-do,maspelodoestranho.Nagestao, nonascimento, nalactncia, nacrianarecmnascidae na suacapacidade gentica, ooutroestar semprepresente.

    Viveresses procedimentos no podedeixarde produzirsriasperturbaesnavida ntimadocasal, comconseqentes repercussespara acriana, j queoqueelanecessitaparaodesenvolvimentonormaldesuapersonalidadeumlarcomummnimodeprofundaunidadeemocionalentreospais.(MinistriodeJus-

    ticia,1986:11)15.

    Porsuavez,aIgrejaCatlica rejeitaafertilizaopordoaoporconsti-tuir adultrio!, emborahajapesquisadoresemdicoscatlicosquenopare-cem seguir, necessariamente, a doutrina da Igreja'6. Mas, nem aEspanha

    xualmentetransmissveis, emfunodarudimentareducaosexualedapromscuavi-da sexual.HouseofLordsWeeklyHansard, vol. 456, ne 1265 eHouseofCommonsWeeklyHansard,vol.68,n91326.

    15. AadvogadaCarmenFriasGarciafoi, entretanto, totalmentecontrriaaessainterpreta-o. Parece que, em algunscentros espanhisdefertilizao in vitro, recomendaseaoscasaisintensificarasrelaessexuaisapsumafertilizaoartificialpordoao,nosentidodeauxiliaromaridoasuperarseusentimentodeexcluso.

    16. Porexemplo,BalcellsGorina, professordeDireitoemembrodoOpusDei,jargumen-tava em 1980: Os bancosdeespermasignificamumaverdadeiradesumanizaoda

    paternidade". Dessaperspectiva, humanooquenatural ,onaturaldeorigemdi-vinae nododomniodo Homem interferir nesseassunto. Em 16dedezembrode1986,LeMonde informaonascimentodedoisbebsdeproveta"catlicos naFrana.Atualmente,aproibiooficialdafertilizaoinvitropeloVaticanopublicamentenot-vel,embora, noanopassado,eleparecesseterisentadooprocedimentodeextraodoembrioconcebidopeloprocesso naturaldeumtero,pormeiodewashing,easub-seqentetransfernciadele paraagestaoem umaoutramulher.Nocasoingls,oBispodeNorwichdeclarou,duranteosdebatesdorelatrioWarnocknaCasadosLor-des: . . . em 1948, oArcebispoeratoextremamentecriticodainseminaoartificialpordoaoquerecomendousertratadacomoofensacriminal. . .Acredito,eumesmo,queeste desenvolvimento da inseminao artificial suscitagrandesproblemasmorais

    porqueaqui umterceiroentepenetraorelacionamentonucleardomaridoedamu-lher.Aquisurgemproblemasdeordemmoral (poderseia dizer), comooadultrio,deordemlegal, comoa heranadapessoaemquestoe,deordemsocial(porquesabe-mosmuito mais hoje sobreos relacionamentosfamiliares), como oproblema dame

    106

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    15/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    todiferente, nemaIgrejaCatlicatoexcepcionalnasuadefesadapater-nidadeverdadeira".ComoojuristaalemoBalzargumentourecentemente,

    Adecisodeseteraprpriaprolesurgedeumdesejonaturaleoriginaldamaio-ria daspessoas . . . Embora . . . a inseminao heterloga, diferentemente doadultrio, no implique, normalmente, umrompimentoda unioconjugal. . . eladissolvemesmoo laoque,deacordocomosGG,existeentreauniosexual,adescendnciabiolgicaeaatribuiosocial.discutvelseexisteproteocons-titucionaldodesejodeseterumfilhoseelenoocorrerdentrodocasamentoedafamlia(1980:2122).

    Almdomais,comoeleexps,podenoserrecomendvelincrementar

    umatecnologianaformade inseminaoheterlogaquedotaasmulheresdeum instrumento socialmente adequado para desalojar o marido (Balz,1980:2122). Observese que,nabiologia, fertilizao"heterloga"significaoenvolvimentodeespciesdiferentesnoatodefertilizao!.

    Certamente, nem todos os advogados endossam esta combinao deproibiessexuaisepaternidadegenticaprescritiva.Todavia, aoestudaremo regulamento legal das tecnologias reprodutivas, geralmente,ascomissesparlamentares europias tm propostoprocedimentos paraaseleodees-permaevulos,novisando somenteprevenodatransmissodedoen-as genticas, mas, tambm, assegurando a semelhana fenotpica dosdoadorescomocasal.

    O relatrio Warnock props queocasal recebasuficientes informaesrelevantessobreodoadorparasuaprpriapazdeesprito:Deveriamserin-cludosalgunsfatosbsicossobreodoador,taiscomoseugrupotnicoesuasadegentica. Noelucidaoqueseentendeporgrupotnico,seocritrioseriareligioso,cultural,racial...17.

    quesabequeestrecebendovidadeumoutrohomem,annimo, assim,tornandolhepossvelgerarumacriana,edorelacionamentocomomarido,quesabedesuainca-pacidadedeajudaramulhernestaatividadecomumdapaternidade,edacriana,cres-cendonosanosvindouros,semtertotalmentecertezadeserpossuda,amadaeapoiada pelospaisnaturais. umasituaocompletamentediferente daquelacriadapelaadoo.HouseofLordsWeeklyHansard,vol.456,n91265,cols.5523.Observeque,atomomento,crianasnascidasporinseminaoartificialsoconsideradasilegtimastantonaInglaterraquantonaEspanha.Noobstante,osmembrosdoComitWarnock,unanimemente,concordaramemrecomendarqueumacrianaoriundadeinseminao

    artificialsejatratadaemleicomofilholegitimodameedeseumarido,desdequeam-bosconsintamnotratamento.

    17. RobertMaclennan,membrodaCasadosComunsporCaithnesseSutherland,pronun-ciou umapelosimilaremproldaseleodedoador Oprimeiroprincpioqueantecipo

    107

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    16/22

    VerenaStolcke

    O relatrioalemoBendamaisprecavidonesteponto.Embora"ainse-minaoheterlogafossepreferveladooquandoocasaltivesseumaati-

    tude apropriada, uma vez que a criana concebida pela esposa herdaria ametadedesuascaractersticaseomaridoreconheceriaumapartedesuaes-posanacriana,orelatrioa rejeitouembenefciodobemestarpsquicodacriana. Ademais,aseleododoadorpelomdicoenvolveriao riscode in-troduzircritrioseugnicos.Apesardisso,quasecomoumareflexotardia,orelatrioacrescentou: A sadefsicaepsquicadodoadordeveriadeterminara seleo (Repblica Federal daAlemanha, 1985:2123).,nomnimo,dis-cutvel se asadepsquicatem,necessariamente,umabasegentica. E,no

    caso da Espanha, umbilogo,aoponderarsobreafertilidadeartificialnaco-misso parlamentar, sugeriu asseguintes normasdecontroledequalidade

    paraaseleododoador:

    Queramosdarcomogarantiao fatode, talcomonocasodamaioriadosbancosdematerialreprodutivo,podermosassegurarqueumcasalportador, porexemplo,deumtipoespecficodecabelosloiros,lisosedeolhosazuisnovenhaaterumacrianade peleescuracomcabelospretosecrespos,quando, fenotipicamente,Issopareceriaimpossvel .1

    Se se considera que cabelos loiros eolhosazuisnopredominamexa-tamentenofentipo ibrico, talsugestosoaumtantoinquietante.Eoprpriorelatriosustentaqueasreceptorasdegametasouembrieseseuscompa-nheirosmasculinos... tmodireito de saber as caractersticasdodoadoroudoadores, tais como o fentipo, ogrupo tnico, o grupo sangneo,asade

    queambososparceirosdocasamentodevemterumarelaogenticaomaisseme-

    lhantepossvelcomaproledocasamento.Sehumdesequilbriogenticocomaprole,humperigopotencialnosomenteparaorelacionamentodomaridocomaesposaeviceversa, mastambmdaprolecomospaisdestecasamento .HouseofCommonsWeeklyHansard,vol.68,n91326,col.564.

    18. DiariodeSesiones, 1985p.10217;ou,comoogeneticistaLacadenasugeriaaoreferir-seconveninciademanteremsegredoaorigemdosmenoudovuloeaseleododoador: Nosepodeusarosmendeumnegroquandosetratardeumcasaldebran-cos, porque,ento,setomariaumaincongrunciaentreoprodutobiolgico,onovosere aorigemdeseus pais .DiariodeSesiones, 1985, n346, pp. 1064546.Deveseperguntarporquehtanta insistncia, nestecaso, demanteraorigemsecreta.Sea

    questoimpedirqueacriananascidapelafertilizaopordoadorfaareivindicaeslegaisaomesmo,entoserfcilevitar, legalmente, taisresponsabilidades.NaRep-blica Federal daAlemanha, aposio inversa,querdizer, oanonimatododoadorrejeitadoemdecorrnciadodireitodacrianadesabersuaorigem.Seriarelevantein-quirirsobreaorigemdestedireito.

    108

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    17/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    gentica, etc., mas no a identidade deles (Congresso de Deputados,1986:164)19.

    Com a fertilizao pordoao, apaternidade, amaternidade,ouambasnoestobaseadasemvnculogentico.Todavia, porintermdiodaseleode doadormediante critrios fenotpicos, o idealeugnicogarantido, isto,obterumfilhoigualaeles.Mdicosetcnicospodemnocompartilhar,ne-cessariamente, esses ideaiseugnicos,mas respondemaosdesejos raciaisdeclientesqueestomotivadosporpreconceitosraciaislatentesassociadosaos valores sexuais predominantes. Uma criana fenotipicamente diferentepoderiaexporaesterilidadedomarido, receioqueseoriginadanoobiolgi-

    cadaprocriao,somadanormadefidelidadeconjugal.20Alguns representantes da comunidade cientfica envolvidos, eles mes-

    mos, no desenvolvimento das tecnologias reprodutivas, reconhecem suaspotencialidades eugnicas. Assim, por exemplo, Peter Singer, professordoCentrodeBioticadaUniversidadedeMonashemVitria,Austrlia,ponderounoanopassado:

    Sefssemoscapazesdealterarainteligncia,serianossafunoapenaselimi-naroscasosdedeficinciamental,outentarlevantaronvelmdiodeintelign-

    cia?Sefssemoscapazesdeeliminarpersonalidadesparticularmentedepressi-vasseria,ento, injustotentartrazeraomundopessoasumpoucomaisfelizesdoqueamaioriadensgeralmente?Sefssemoscapazesdeeliminaraviolnciacriminosa, noseriapossveldesenvolveralgumasqualidadesamveisnoesp-rito humano?Certamente, podemosdizerque,emboraos riscosdetaliniciativasejamgrandes,tambmoseroosbenefciospotenciais.(Singer, 1986:1415)

    Exatamentedevidoaesse realssimopotencialeugnico,surge naFran-a (o pas relativamentecomomaiornmerode clnicasde fertilizaoin vitro) umaoposio,emboraisolada,contraapesquisaeamanipulaodeem-

    bries.JacquesTestart, opaidoprimeirobebdeprovetafrancs,vemcla-mandoporumainterruponaspesquisasdevulosquevisamaodesenvol-vimentodeprocedimentosparadeterminarosexodacriana.Hoje, 40%doscasaisqueprocuramafertilizao invitronoseucentrodepesquisasacabam

    19. NoglossrioanexadoaoInformedoCongressodeDeputadosdaEspanha(1986:181)"fentipo" definidocomo as caractersticasexternasoumorfolgicasmanifestadasporumindivduo,porexemplo,olhosazuis,formadecrnio".Contudo,oqueseenten-

    deporgrupotnico"nodito.20. Assim, ojornalYa,em22denovembrode1985,escreviasobreummaridoestrildeumcasalprocuradainseminaoartificialequepediraaomdico: Doutor,acheme,porfavor,umdoadorquesejabranco,porqueseeuapareceremGuadalajaracomumfilhomulato,agargalhadaserecoadaatZaragoza .

    109

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    18/22

    VerenaStolcke

    sabendoque so frteis.O comitfrancsdetnicanacional,emdezembrode 1986, exigiu umamoratriade trsanos napesquisacomembries,por-

    queelacorreo riscododesenvolvimentodeprticaseugnlcas,que, sesetornaremlugarcomum, podemgerarodesejodebanalizarareproduohumana.Atenta-odeescolherofilhoanascerdeacordocomsuasqualidadespodesercontr-riadignidadehumana, porquepeemdvidaorespeitopeladiferena,singu-laridadeeliberdadedacriana.(Testart, 1986:12; 1987).

    Noseuatualnveltecnolgico,afertilizaoin vitro, devidamenteregula-mentadapeloEstado, pode,entretanto,prosseguirsemquesejamconsidera-

    dasasexperinciasespecficasemmulheres...Aerosodasnoesbiolgicasconvencionaisdepaternidadepelastec-nologias reprodutivas noafetaapenasaquelesdiretamenteenvolvidos.Noobstanteopropsitoinicialdedarfilhosprpriosacasaisestreis,astecnolo-gias reprodutivas, precisamentepor tambm desafiaremabasejurdicacon-vencional do casamento,da famlia, da filiao e, portanto, daprpriaordemsocial,necessitamderegulamentaodoEstado.

    A maternidade de aluguel tem sido, nos ltimos anos, o casoquemaistem chamadoaateno pblica. Aqui, h trspossibilidadestcnicobiolgi-cas:ou umamulhercontratadadesenvolveoembrio,geradocomosvuloseoespermade um casal, que lhe implantado no tero, ficandoentendidoqueacrianapertenceaocasal;ouelainseminadaartificialmentecomoes-permadomarido;ouosvulosdaesposasofertilizadosinvitrocomoesper-madeoutrohomemeoembrioimplantadonum teroalugado.Nostrsca-sos, existe um conflito potencial entre os direitos contratuais e os critriosbiolgicos de paternidade. Tal conflito tornase abertoquando amedealu-guel recusase a entregar a criana, como, de fato,ocorreu, recentemente,

    com duasmulheres que brigaram pela criana, conformeouvi recentementede um escritor. Obviamente, umaquestodeperspectiva,poisalgumpo-deria, tambm, Interpretartaiscasos comoexemplosdeumhomemqueusa,sucessivamente,duasmulheresparagerarseufilho.Atendncia,defato,pa-receindicarqueodireitocontratualqueprevalecesobreodireitodamedealuguel,aqualsetornaumnovoinstrumentodepaternidade21.

    21. CasotocontroversoaqueledoBebMnosEstadosUnidos.TheNewYorkTimes,18dejaneirode 1987.Significativamente, numcasodramatizadodetribunal levadoaoarpelatelevisodeCatalonoanopassado,noqualaumjri compostodemembrosdopblicofoisolicitadojulgartalcaso,sentenciousequeodesejodamedealugueldemanteracrianaerainjustificado.

    110

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    19/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    Poderseia, contudo,presumirqueastecnologias reprodutivas,gradual-mente, iriamcorroerseetransformarosconceitostradicionaisdecasamento,

    de famlia, de filiaoede herana, mas, este noparece serocaso. Pelocontrrio,atendnciadeseregulamentarseusefeitosemtermosdeinstitui-esenormasestabelecidas,centradasnopas.Umarazobviaque,em-boraespetaculares, os casos reais de fertilizaoartificial sorelativamentepoucos, no desafiando, na verdade, os valores dominantes, ainda que amaioriadas reaesque provocamsirvampara realaros conceitosbiolgi-cos convencionaisdepaternidade. Defato,apressopolticae socialbas-tanteconsidervel.Porsuavez, as inovaes legaisquesorecomendadas

    revelamquaisosinteressesqueestoemjogo.A inseminaoartificial, atravs do usode bancosdeesperma,poderiaoferecer s mulheres a possibilidadede gerar um filho sem marido. Mas, atendncia exigiro controleexercidoporespecialistasdamedicinaatnes-ses casos simpleserestringirseuusoaoscasaiscommatrimnioestvele,idealmente, heterossexual. Atmesmo acomissoparlamentardaEspanha,quepassaporsermais liberalnesteassuntodoquemuitasoutras,porumla-do, permiteainseminaoartificialemmulheressolteiras,masporoutro,ava-

    liaastecnologias reprodutivas,essencialmente,emtermosdosinteressesdefamlia.Numatentativadeconciliarodireitodamulhersolteiradeterfilhoscomaproteoconstitucionaldafamlia,acomissoargumentouqueoambientenecessrio para a inseminao artificialdeveriaser"o casalheterossexualmenteestvel ou, alternativamente, quegarantias razoveisfossemdadasparaque amepudessecriarofilho,mantloeassegurarlhefamliaainte-grao social (Congresso deDeputadosdeEspaa, 1986129)22.Resta sa-ber porquem e emquetermosas qualificaesmaternasdamulherseroavaliadas.

    Aquestocrucialapaternidade!Comodizovelhoditado,matersempercertaest.Comafertilizaoinvitro,ovulofertilizadopodesertransferidopa-ra a gestao no terode outramulher, oquepode tornarse uma fontede

    22. A recomendao que permite a fertilizao artificial em mulheressolteiras reside naconstituioquepermiteaadoopormulheressolteirasetornailegaladiscriminaodemulheresnocasadas.OComitWarnockopese, entretanto,aessapossibilida-de, emfunodeque, "Comoregra,melhorparaascrianasnasceremnumafamliacompostadeambosospais, paieme,emborareconheamosqueimpossvelpredi-zercomalgumacertezaquantotempotalrelacionamentodurar".

    TraduodeJooBatistadeMirandaTorresRevisodeAlcidaRitaRamos

    111

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    20/22

    VerenaStolcke

    conflito. Porm,ambasasmulheresmantmaindaevidentessinaisdepartici-pao.Nocasodehomens,aocontrrio,oseupapeltornasepotencialmenteilusrio. As recomendaes feitas, porexemplo,pelorelatriodoParlamentoespanhol com respeitopaternidadeconstituem,defato,nasnovascircuns-tncias das tecnologias reprodutivas,a reconsagraodeumavelharealida-de,asaber, apaternidade.Deumlado,aregraqueosmembrosdeumca-sal consensualmente estvel, em cujaparceira feminina praticadaumain-seminaoartificialoufertilizaoin vitrocomsmen,vulosouembriodoa-dos. . . consentidaporambososparceiros, seroospais legaisdequalquercrianaou crianasquepossamviranascer.Mas,deoutrolado,oparceiromasculino estvel de um casalnoqualamulhertenhasesubmetidofertili-zaopordoaosemoseuconsentimentopoderiarecusarseareconheceracriana,quedeveriaserregistradacomoilegtima(CongressodeDeputadosde Espaa, 1986:164). RecomendaosemelhantefoifeitanaRepblicaFe-deral da Alemanha. O que estsendopropostoaqui um tipo deadultriotecnolgico . E, com estanota, concluirei. Como Haldane escreveu profeti-camenteem1923:

    Devemosolharacincia,pois,sobtrspontosdevista.Primeiro,alivreativida-dedasdivinasfaculdadeshumanasdarazoedaimaginao.Segundo, ares-postadepoucossexignciasdemuitosporsade,confortoevitria,pela"vidasaudveleeterna, ddivasqueelaconcedersomenteemtrocadepaz,segu-ranaeestagnao. Finalmente, aconquistagradualdohomem, primeirodoespaoedotempo, depoisdamatria,comotal,emseguida,deseuprpriocor-poedaquelesdeoutrosseresvivose,porfim,dasubjugaodoselementosobs-curosemalignodasuaprpriaalma(Haldane, 1925:8182).

    Euqualificareiessadefiniodecinciasomentenosentidodeque,parausaramesma linguagemmarcialquetopopularentreoscientistas,ocam-podebatalhaondefoiefetuadaaconquistadosprincpiosdavidaforam,prin-cipalmente,asprpriasmulheres,objetose instrumentosdetodasessastec-nologias. Istosedporqueacincia,elamesma,umaatividadesocialme-diadapelasestruturase valoresqueprevalecemnumadadasociedade.Mas,deixemedaraltimapalavrasobre issoaumamulher, asaber,VirginiaWo-olf,quejescrevia em 1938: Science, itwouldseem,isnotsexless,sheisaman,afatherandinfectedtoo(Woolf,1938).

    BIBLIOGRAFIA

    ALLEN,G. E. 1970,ScienceandSocietyintheEugenicThoughtofH.J.Muller.BioScience,vol.20. n86.

    112

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    21/22

    VelhosValores,NovasTecnologias:QuemoPai?

    ATHEA, N. 1985.LaFcondationin-vitro;De1'AnarchieuneRglementation?MmoriedeIaSantPublique.Rennes:ESNP.

    BALZ,M.1980.HeterologueKnstlicheSamenbertragungbeimMenschen.Tubigen.BOCK, Gisela. 1986. ZwangsterilisationimNationalsozialismusStudienzurRassenpolitik

    undFrauempolitik.Vprlag,AlemanhaOcidental.BOPP,A.1987.MitFrostchutzundHormonenisLeben.DieZeit,27defevereiro.CARLSON, E. A. 1981.Genes, RadiationandSociety, TheLifeandWorkofH.J.Muller.

    Ithaca:CornellUniversityPress.CLARK,R.1968.J.B.S.,theLifeandWorkofJ.B.S.Haldane.Londres.CLARKE,A. 1984. "SubtleFormsofSterilizationAbuse: aReproductiveRightsAnalysis In

    Test-TubeWomen(R.Arditti,R.DuelliKleineS.Midlen,orgs.).Londres.COLEMAN, W. 1977.Biologyin theNineteenthCentury, ProblemsofForm, Functionand

    Transformation.Cambridge:CambridgeUniversityPress.CONGRESSODE DEPUTADOSDE ESPAA. 1986. Informede laComisinEspecialde

    EstudiodelaFecundacinInVitro"ylaInseminacinArtificialHumanas.Janeiro.COREA, Gena. 1985.TheMotherMachine, ReproductiveTechnologiesfromArtificialInseminationtoArtificialWombs.Novalorque.

    COREA,G.eS, INCE, 1985.SurveyofIVFClinics intheUS,relatrioapresentadoemWomens EmergencyConferenceon theNewReproductive Technologies. Vaellingeon,Sucia.

    DAVID,G.1985.DonetUtilisationduSerme.Gntique,ProcrationetDroit.ActesSud.DELANEY,C. 1986.TheMeaningofPaternityandtheVirginBirthDebate,Man,vol.21,n93.GORDON,L.1976.WomansBody,WomansRight.Londres:PenguinBooks.GORINA,A. Balcells. 1980. La InseminacinArtificial,Zootechniaen elHombre.LaVan

    guardia,3demaio.

    GOULD,S.J. 1986.CardboardDarwinism.NewYorkReviewofBooks,20desetembro.HALDANE,C. 1926.MansWorld.Londres.------------------ 1949.TruthW illOut.Londres.HALDANE,J.B.S. 1925.DaedalusorScienceandtheFuture.Londres.- 1927.PossibleWorlds.Londres.HANSEN,F.eR.KOLLEK.1985.Gen-Technologie-DieNeueSozialeWaffe.Hamburgo.HERITIERAUGE, F. 1985a. LaCuissedeJupiter RflexionssurlesNouveauxModesde

    Procration.L'homme,n994.------------------ 1985b.Llndividu,laBiologyetleSocial.LeDbat.HERZOG,J.1971.DieHeterologueInseminationinVerfassungsrechtlicherSicht. Wuszburg.HMSO. 1984.Reporto ftheCommitteeofInquiryintoHumanFertilisationandEmbryology.

    Londres.HOBSBAWM,E.1985.TheAgeo fCapitalism.Londres:Abacus.HOFSTADTER,R.1944.SocialDarwinisminAmericanThought.Boston.HOGBEN,Lancelot.1983.PoliticalArithmetic.ASymposiumofPopulationStudies.Londres.KLEIN, R.Duelli. 1985. WhafsNewAbouttheNewReproductiveTechnologies? InMan-

    MadeWoman.(G.,Coreaetal.orgs.),Londres.LABOURIE, F. 1986. RelatrioapresentadoemWomen'sHearingonGeneticEngineering

    andReproductiveTechnologies. ParlamentoEuropeu,67demaro.LEACH,E. 1969.GenesisasMythandOtherEssays.Londres.LEEDS, A. 1972. "Darwinianand 'Darwinian'Evolutionism intheStudyofSocietyandCul-

    tureInTheComparativeReceptionoDarwinism(F.F.Click,org.).Austin:UniversityofTexasPress.

    LEPENIES,W.1976.DasEndederNaturgeschischte.Munique.LLOYD, G. E. R. 1983.Science,FolkloreandIdeology,StudiesintheLifeSciencesinAn

    cientGreece.Cambridge:CambridgeUniversityPress.

    113

  • 7/25/2019 24 - STOLCKE, V. Velhos Valores, Novas Tecnologias - Quem o Pai

    22/22

    VerenaStolcke

    MALINOWSKI,B.1927.TheFatherinPrimitivePsychology.Londres.MINISTERIODE JUSTICIA. 1986. ProblemasCivilesquePlantealaInseminacinArtificial

    ylaFecundacinInVitro.Suplementon83doBoletndeinformacindelMinisteriode

    Justicia, 15dejaneiro.MULLER,H.J. 1936.OutoftheNight.ABiologist'sViewoftheFuture.Londres.NATURE. 1986.ToughTalkonSurrogateBrith.Editorialde13demaro.REPBLICAFEDERALDAALEMANHA. 1985.BerichtderArbeitsgruppe In-VitroFertilisa

    tion, Genomanalyse undGentherapie. BendaKommission des Bundestages, 25 denovembro.Bonn.

    RIVIRE, P. 1985. Unscrambling Parenthood: TheWarnockReport.Anthropology Today,vol. 1, ne4.

    ROHLEDER,H. 1981.Normales,PathoiogischeundKiinstiicheZeugungbeim.ROSE, S., R.C. LEWONTINeL.J.KAMIN. 1984.NotinOurGenes,Biology, Ideologyand

    HumanNature. Londres:Penguin.

    SHELLEY,MaryW.1818.Frankenstein,ortheModemPrometheus. Londres.SINGER,Paul. 1986.LaRevolucinReproductiva.ElPas,junho.STARCK, C. e D. COESTERWALTJEN. 1986.DieKnstlicheBefrunchtungbeimMens-

    chen-ZulssigkeitundZivilrechtlicheFolgen.Gutachetenfiirden56.Munique.STOLCKE, Verena. 1981. WomensLabours: "The Naturalisation ofSocial Inequalityand

    WomensSubordination. InOfMarriageandtheMarket,Women'sSubordinationInternationallyanditsLessons (K.Young,C.WolkowitzeR.McCullagh,orgs.).Londres.

    TEICH, M. 1973. TheHistoriographicand IdeologicalContextsoftheNineteenthCenturyDebateonMansPlace inNature . InChangingPerspectivesintheHistoryofScience(M.TecheR.Young,orgs).Londres.

    TESTART, Jacques. 1986. Lavis du Comit NationeldEtique sur lesManipulationsde I

    EmbryonHumain.LeMonde, 16dedezembro. 1987.inBiologeSagtHalt!Tageszeitung, 27dejaneiro.TRALLORI, L.N. 1983.VomLiebenundvom Tten.ZurGeschichtePatriarchalerFortpflan-

    zungskontrolle. Viena.VICKERS,B.1973.TowardsGreekTragedy,Drama,Myth,Society. Londres.WEBSTER, C. (org.). 1981.Biology, MedicineandSociety 1840-1940. Cambridge: Cam

    bridgeUniversityPress.WILSON, E.O. 1975. Sociobiology, theNewSynthesis. Cambridge,MA: HarvardUniversity

    Press.------------------ 1978.OnHumanNature.Cambridge,MA:HarvardUniversityPress.

    WINTER, M. (org.). 1982. DonGuijoteundFrankenstein"Utopienforschung, vol.3,Stutt-gartWOOLF,V.1938.ThreeGuineas.Londres.

    114