23-didatica sob a otica do pensamento complexo

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Didatica

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O homen um ser Uno e Mltiplo e

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Esclarecimento:

Ao leitor apressado que queira saber de imediato o que Pensamento Complexo, transcrevemos, na pgina seguinte, a explicao de Edgar Morin, do seu livro Introduo ao Pensamento Complexo (1990:20). Esta reproduo se repete ao final do livro e propomos ao leitor que a leia novamente e, ento, j com mais elementos, poder ter uma compreenso mais significativa.

Edgar Morin: Introduo ao Pensamento Complexo, 1991:17/19.

O que a complexidade?

primeira vista, a complexidade um tecido (complexus: o que tecido em conjunto) de constituintes heterogneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do mltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade efetivamente o tecido de acontecimentos, aces, interaces, retroaces, determinaes, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas ento a complexidade apresenta-se com os traos inquietantes da confuso, do inextrincvel, da desordem, da ambigidade, da incerteza... Da a necessidade, para o conhecimento, de pr ordem nos fenmenos ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto , de seleccionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambigidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar... Mas tais operaes, necessrias inteligibilidade, correm o risco de a tornar cega se eliminarem os outros caracteres do complexus; e efectivamente, como o indiquei, elas tornaram-nos cegos.

Ora a complexidade voltou, nas cincias, pela mesma via que a tinha banido. O prprio desenvolvimento da cincia fsica, que se dedicava a revelar a Ordem impecvel do mundo, o seu determinismo absoluto e perptuo, a sua obedincia a uma Lei nica e a sua constituio de uma maneira primeira simples (o tomo) desembocou finalmente na complexidade do real. Descobriu-se no universo fsico um princpio hemorrgico de desagregao e de desordem (segundo princpio da termodinmica); depois, no suposto lugar da simplicidade fsica e lgica, descobriu-se a extrema complexidade microfsica; a partcula , no uma pedra primeira, mas uma fronteira sobre uma complexidade talvez inconcebvel; o cosmos , no uma mquina perfeita, mas um processo em vias de desintegrao e de organizao simultneas.

Finalmente, daqui resulta que a vida , no uma substncia, mas um fenmeno de auto-eco-organizao extraordinariamente complexo que produz autonomia. Desde ento, evidente que os fenmenos antropossociais no poderiam obedecer a princpios de inteligibilidade menos complexos que os doravante requeridos para os fenmenos naturais. -nos preciso enfrentar a complexidade antropossocial e no dissolv-la ou ocult-la.

A dificuldade do pensamento complexo que deve enfrentar a confuso (o jogo infinito das inter-retroaces), a solidariedade dos fenmenos entre eles, a bruma, a incerteza, a contradio. Mas podemos elaborar alguns dos instrumentos conceptuais, alguns dos princpios para esta aventura, e entrever o rosto do novo paradigma de complexidade que deveria emergir.

NDICE

I. Introduo............................................................................................................05

II. A complexidade do ser, saber, aprender e educar...............................14

Razo/emoo: da dualidade articulao dos opostos........................................19

Cincia do homem: abordagem multirreferencial e multidimensional...................22

O homem um sistema auto-eco-organizador........................................................23

Subjetividade: um emaranhado de recursos interno, externos e utpicos25

Conhecimento no se transmite, se constri...........................................................29

Aprendizagem: um processo multirreferencial e autorreferencial.......................32

Participao: condio e resultado da aprendizagem............................................36

Autoridade ontolgica e no administrativa............................................................39

III. Des-construindo a didtica.........................................................................42

IV. Objetivos Educacionais...................................................................................64

Conhecimento como fator de fortalecimento da auto-estima:

relao simbitica do ser/saber.......................................................................67

O sentimento solidrio no inato, adquirido.......................................................68

Flexibilidade e Diversidade nos tempos de globalizao...................................69

Construir a unidade dos contrrios: autonomia/dependncia................................71

V. Transdisciplinaridade.....................................................................................75

VI. Concluso/Sntese...........................................................................................................................................................80

Referncias bibliogrficas..................................................................................................................................................83

I

INTRODUO

Todo o ponto de vista a vista de um ponto

(BOFF, L., A guia e a galinha, 1997)

.

Durante os ltimos sculos, os professores elaboraram o modo de educar o homem, enfocando seu aspecto racional, conseqncia da viso modernista de que o homem um ser racional (Descartes, 1973). Esse conceito tem sido a base para a formulao de metodologia de ensino, denominada Didtica Tradicional. No entanto, hoje se tem indcio suficiente para outra interpretao do homem. A pergunta colocada pelos gregos (O que o homem?), ao desligar-se das explicaes mticas, continua em aberto. Atualmente, a tendncia de no absolutizar a razo. Esta dimenso vem articulada com a emoo, resgatando processos omitidos de construo do conhecimento. Lembrando a frase de Boff (1997) de que todo o ponto de vista a vista de um ponto, estamos assistindo a migrao desse ponto para um pico mais alto e o panorama que se descortina que o homem um ser Uno e Mltiplo e... em permanente crise.

Ser Uno e Mltiplo um paradoxo. O homem um paradoxo. Priorizar a racionalidade e omitir outras dimenses do homem foi uma opo da cincia moderna cartesiana, de simplificar quando o problema complexo. Simplificar, reduzir, hierarquizar... e assim se construiu a noo do homem racional e, a partir desse constructo, definiu-se a Didtica Formal ou a Didtica Tradicional.

A dificuldade de se construir uma outra Didtica, ainda enfrenta, alm da conformao mental j consolidada, a organizao do mundo acadmico sobre o princpio da diviso das reas de conhecimento. Ora, o homem a conjugao de todas as reas de conhecimento. Para estudar o homem necessita-se de conhecimentos que esto isolados nas reas de biologia, psicologia, economia, sociologia, antropologia, neurologia, filosofia, artes, literatura, poesia... Todos os conhecimentos so vlidos para o estudo do homem. Reduzir o homem a sua racionalidade muito pouco e colocar o ensino levando em conta somente esta dimenso, a Educao corre o risco de enfadar os alunos com as aulas expositivas. claro que, apesar dessa metodologia, existem alunos que se sobressaem, mas a motivao desses alunos, na certa, vem de outras instncias, desconsideradas pelo professor. O homem no se reduz a uma s disciplina ou a uma s dimenso.

E para o colmo da dificuldade, ainda h o aspecto crsico do homem.

A crise estrutural. A crise o prenncio de uma superao, de uma nova construo. Ela di, desconfortvel, mas positiva e necessria no seu desenvolvimento intelectual/emocional.

O sujeito em si uma complexidade. Uma complexidade que se constri mobilizando as dimenses interiores e corporais atravs da comunicao com outra complexidade que o mundo exterior. A subjetividade uma configurao dependente da leitura do mundo e ao mesmo tempo referencial para responder aos desafios do meio. Nesse processo, a duplicidade, a dualidade cria uma interminvel tenso frente ao mundo institudo. O sujeito constri sua identidade fazendo concesses no cotidiano, se auto-regulando de conformidade com o meio, mas mantendo a atitude autopoitica, de auto-organizao.

O sujeito est l e c. Ora na ordem social, ora na preservao da autonomia. Ora no altrusmo, ora no egosmo e na mesquinharia; potencialmente nobre e egocntrico ao mesmo tempo. Sua manifestao depende das circunstncias e da conjuntura interior.

A nossa vivncia uma vivncia dividida. Esta caracterstica da vida se agrava mais ainda com o advento da Internet, trazendo tona o equvoco dos conceitos da educao moderna, ao acreditar que repassando informaes estar educando. As informaes ficam disponveis, incluindo os discursos dos professores, mas elas somente so teis s pessoas que conseguem dar um sentido, fazendo recortes, selecionando... Informao no sinnimo de conhecimento. Informaes, em demasia, leva ao problema da disperso. Elas s tomam sentido quando se transformam em um instrumento de interlocuo, de dilogo (interior) multifacetado e multidimensionado. No dizer de Capra (1999) seria passar por uma teia de relaes. Somente aps este processo podemos dizer que o sujeito compreendeu. Segundo Arago (1993), a avaliao dos objetivos educacionais que levam esta inteno, muito incerta, pois s podemos ter indcios daquela compreenso.

Mas a vivncia dividida a nossa condio atual de vida. O que h so momentos em que o homem UNO, momentos de realizao plena. Segundo Fontanella (1995:21), o homem indiviso acontece na dana, nas relaes sexuais e no esporte: O corpo no dana, a razo no dana. O homem dana. H um embalo to humano e racional quando o homem dana - natureza, entorno, som, convvio, alegria, ritmo, enlevo, existncia. Sendo mltiplo, o homem no se perde, no se desestrutura.

Contrariando a lgica, o homem mantm a sua autorreferencialidade atravs da multirreferencialidade. um paradoxo? Sim!

H uma convivncia do homem individual e homem social. O institudo molda o ser humano, contudo, este, ao ser instituinte, exerce a autonomia atravs do saber e da utopia. Os homens ao estruturarem teorias, estas iluminam as atividades cotidianas e organizam sua leitura do mundo, mas correm o risco de encerramento nas suas prprias teorias, quando estas no so recicladas e realimentadas na interao com o meio, provocando desajustes mentais e emocionais. Este fenmeno est chamando a ateno da medicina e acredita que se trata de um mal-estar da atualidade (Birman, 1999). A este respeito, Valla (1997) apresenta a estatstica da Argentina: de um total de vendas de remdios, 50% so psicofrmacos.

O paradigma moderno vem perdendo o status epistemolgico de leitura do mundo e enfraquecendo, no homem, a sensao de pertencimento e segurana, restando-lhe o sentimento de orfandade, desamparo e incapacidade diante de uma sociedade em ritmo acelerado de mutao.

O mercado de trabalho, por sua vez, passa a exigir um perfil de trabalhadores que saiba conviver com as flutuaes deste mercado, atrelado s rpidas evolues tecnolgicas, como tambm de inserir-se nele sem perder o esprito criativo. Todas essas transformaes vm inseridas no contexto de uma sociedade cuja legalidade frgil e desequilibrada. Esta nova condio de vida coloca Educao a necessidade de trabalhar a reestruturao do sistema mental/emocional dos jovens, integrando a incerteza como ingrediente da vida (DEMO, 2000).

Neste mundo incerto, torna-se de primordial importncia, o fortalecimento da autonomia. Autonomia atravs do saber e da utopia. Situar-se neste mundo, como dizia o saudoso Paulo Freire. A autonomia sempre foi um comportamento valorizado pela educao, transformado em objetivo educacional em termos genricos, mas na prtica, ela se diferencia, se instrumentaliza. Portanto sempre bom esclarecer de que autonomia se est falando.

Sabendo que o sujeito se torna sujeito em razo de condicionamentos culturais e sociais e que as condies externas impem-se-lhe sem que delas ele tenha conscincia, a autonomia no existe sem as condies que subjugam o indivduo. Diferentemente da metfora da condio humana em A guia e a galinha de Leonard Boff (1997), a guia ala vo e d adeus ao galinheiro, mas o homem no pode fazer o mesmo. Para ilustrar a condio humana, ainda temos o caso extremo contado por Maturana e Varela (1995) das meninas lobo()

A herana cultural nos condiciona, no entanto, ela que nos d condies de superao. Portanto, refletir autonomamente significa capacidades de fazer opes, posicionar-se e assumir a dependncia interna e externa, retirando do meio externo, elementos para construir o mundo interno. Trata-se de uma troca, ou alimentao mtua entre o mundo interno e externo, uma construo vinculada a variveis sociais externas e a variveis pessoais internas. Um processo onde no h completude ou um saber total e condenado ao pensamento inseguro, a um pensamento crivado de buracos, um pensamento que no tem nenhum fundamento absoluto de certeza (MORIN, 1991:83).

A autonomia, portanto, relativa, incompleta e significa

escolha dentro das determinaes genticas, sociais e

culturais.

A autonomia constitui um processo em permanente construo, uma luta interior, s vezes dolorosa ao dar adeus s crenas antigas e lidar com as incertezas da vida contempornea. Por estas razes, dizemos que o homem um ser em permanente crise. Crise de renovao, da busca de explicaes mais condizentes com a atual condio de vida. Esta definio de autonomia, somada ao conceito de aprendizagem segundo Maturana e Varela, se levada a srio, revoluciona a metodologia de ensino. Aprender, no sentido trabalhado por estes bilogos, equipara-se a viver. A afirmao viver conhecer significa o mesmo que viver um permanente aprender. A sobrevivncia de um organismo est na sua capacidade de mutao decorrente de determinaes do meio em que vive. Quando se aprende h uma mudana estrutural em todo o organismo, novas redes de interconexes neuronais para conviver com as transformaes ocorridas no meio. Para provocar este encadeamento de acontecimentos cerebrais, no bastam representaes simblicas, muitas vezes estranhas, acopladas ao sistema individual, atravs de aulas expositivas e a exigncia de memorizao de conhecimentos. No dizer de Capra (1999:211), o processo de vida um processo de cognio. O exemplo das bactrias citado por esse autor esclarecedor. Diz ele que as bactrias aprendem ao perceber as caractersticas do meio ambiente: elas sentem diferenas qumicas em suas vizinhanas e, conseqentemente, nadam em direo ao acar e se afastam do cido; sentem e evitam o calor, se afastam da luz ou se aproximam dela. Assim como as bactrias h aprendizagem quando o conhecimento incorporado, transformando a prtica do viver em interao com o meio. Outra citao desse mesmo autor, de suma importncia para os nossos afazeres pedaggicos a seguinte: A cognio humana envolve linguagem e pensamento abstrato, e, portanto, smbolos e representaes mentais, mas o pensamento abstrato apenas uma pequena parcela da cognio humana, e geralmente no a base para nossas decises e nossas aes. As decises humanas nunca so completamente racionais, estando sempre coloridas por emoes e o pensamento humano est sempre encaixado nas sensaes e nos processos corporais que contribuem para o pleno espectro da cognio (p.216). Antnio Damsio, da rea de neurofisiologia, demonstra esta relao simbitica da razo/emoo no seu livro O erro de Descartes (1996). Outro autor interessante de se tomar em conta Lria (1986), que se refere a um campo semntico, uma rede de imagens evocadas e provocadas pelas palavras ouvidas. Estes autores, e ainda h outros mais nesta mesma vertente, cujas concluses, nos desafiam para a mudana na metodologia de ensino. J temos embasamento suficiente para legitimar uma reviravolta no modo de ensinar, mobilizando todas as dimenses do ser humano, facilitando a reconfigurao do conhecimento ao ser incorporado pelos alunos, descobrindo e atribuindo um sentido prprio s informaes provindas, seja, dos professores, dos textos, dos dilogos estabelecidos nas salas de aula; da se afirmar que todo o conhecimento reconstruo do conhecimento. Portanto, melhor que simples memorizao de conhecimentos, fazer com que os alunos dialoguem com os conhecimentos, criando condies e utilizando tcnicas didticas que permitam este modo de aprender.

O nosso modo de ensinar incipiente frente nova metfora em rede do conhecimento. No se aprende linearmente. A compreenso do significado de uma frase evoca instantaneamente imagens, sons, experincias vividas, intuies, sensaes, humores, dedues, comparaes, relaes lgicas, analogias, rejeies, sentimento de cooperao ou solidariedade, coerncia em relao utopia ou conhecimentos de outras reas, contexto individual, social, tico, estabelecendo assim, uma rede de articulaes invisveis para os que esto de fora.

A construo do conhecimento no se faz somente pelos canais lingsticos e ordenamento lgico-matemtico em progresso. H tambm movimentos retroativos e recursivos citados por Morin (1998). Vive-se o passado, o presente e o futuro ao mesmo tempo. As aes no presente esto determinadas pelo passado e pelo futuro. O passado determina o que o homem faz no presente e as projees que se faz para o futuro tambm e, ao encontrar impedimentos ou dificuldades, existem sempre alternativas. No h uma s forma de aprender. Para a relao pedaggica, Machado (1999:138) nos oferece uma sistematizao de grande valia para compreender e lidar com a complexidade do processo cognitivo:

Compreender apreender o significado;

Apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento v-lo em suas relaes com outros objetos ou acontecimentos;

Os significados constituem, pois, feixes de relaes;

As relaes entretecem-se, articulam-se em teias, em redes, construdas social e individualmente e em permanente estado de atualizao;

Em ambos os nveis - individual e social a idia de conhecer assemelha-se a de enredar.

Portanto, como avaliar um objetivo educacional que comea pelo verbo Compreender? A avaliao por meio de um quadro de medidas pr-concebido, vlido para todos, torna-se duvidosa. O que se pode avaliar so indcios de compreenso captados do lado de fora. E se considerar a leitura do livro de Gardner (1994), Estruturas da Mente: a teoria das inteligncias mltiplas, no qual o autor considera a inteligncia como um espectro de mltiplas competncias, praticamente

inviabiliza um quadro de critrios comuns para todos, requerendo um amplo espectro de instrumentos, alm de um quadro aberto de critrios.

Os princpios de Bloom (1972-3) e Mager (1977), ainda hoje, vigentes na prtica de alguns professores, frente s pesquisas recentes, tornam-se insuficientes por seu carter fragmentrio, linear, hierrquico, parcial e autoritrio, enquadrando a capacidade mental dentro de um esquema pr-montado, alm de no considerar o Princpio Hologrfico da compreenso. Segundo este Princpio, a parte s pode ser entendida em funo do todo (BOHM, 1992). Querer que o aluno aprenda progressivamente, de parte em parte, no lhe dar outra sada a no ser memorizar, desconhecendo o significado do conhecimento em questo. Memorizao parte da aprendizagem, mas, em si, no significa aprendizagem; assim como a construo do conhecimento passa pelas informaes, porm no se reduz a informaes. Processar informaes significa analis-las, avali-las, apontar relevncia, construir significados, organiz-las em termos de sistema, ou uma rede de articulaes, cujo foco muda de posio a cada nova interpretao.

Considerar o Princpio Hologrfico no processo ensino/aprendizagem torna o aprender uma atividade prazerosa. Faz com que cada um encontre um sentido para o conhecimento. Este o desafio na construo de uma outra Didtica. Uma Didtica que considere o ser como sinnimo do saber, o saber como uma razo de ser, uma relao simbitica e no dicotmica como no entender da Pedagogia Tradicional.

No dizer de Hugo Assmann, quando o processo cognitivo no vem acompanhado de processo vital no h favorecimento da aprendizagem. O conhecimento s emerge em sua dimenso vitalizadora quando tem algum tipo de ligao com o prazer ( ASSMANN, 1996:31).

H tambm que se atentar para o seguinte: o conhecimento antes de transformar-se em fonte de prazer constitui uma carncia. O sentimento de carncia que leva valorizao do conhecimento. Despertar a conscincia da carncia despertar a motivao para o processo de aprendizagem. Assim tambm com a participao, sendo esta, condio e resultado da aprendizagem.

H uma citao muito sugestiva de um estudioso em Administrao de Empresas que diz o seguinte: h mais horas de pedagogia comprimidas em um comercial de trinta segundos do que a maioria dos professores consegue em um ms de lecionar (DRUCKER, 1991: 213).

Os discursos professorais e explicaes exaustivas de definies, conceitos e frmulas, como hbito nos atuais professores, deveriam considerar tambm outros recursos didticos que exaltem as dimenses: potica, tica, utpica, histrica, social cultural, filosfica do conhecimento. E no somente fazer uso da linguagem voltada para a racionalidade tecno-cientfica. Trabalhar atravs de imagens que requeiram mobilizar todas as dimenses mentais, emocionais e corporais. Criar situaes de maior envolvimento dos alunos na construo de significados atravs da contextualizao, aplicando o conceito de conhecimento como uma rede de mltiplas articulaes.

O panorama que se revela desde esse outro ponto de vista, na atividade do magistrio, indica conhecer mediante diferentes ticas, entender e falar diversas linguagens e considerar vrios sistemas de referncia. Desse modo fica patente no campo da pesquisa educacional a insuficincia de um nico paradigma epistemolgico/metodolgico para penetrar o mundo constitudo pela atividade educacional, permeado pelos valores, crenas, manifestaes de inmeras culturas que interagem na construo de mundos interiores de cada um que participa dessas atividades.

II

A COMPLEXIDADE DO

SER, SABER, APRENDER E EDUCAR

A forma de ensinar conseqncia das crenas que estruturam a mente do docente, que na sua grande maioria assume a atividade do magistrio por imitao e reproduzem os conceitos que formam a base fundamental da sociedade. A mudana s se dar ao mudar a conscincia desses docentes. A sociedade que conforma a mente da populao se organiza nos Princpios Cartesianos e a transformao comea com a mudana desses Princpios, a mudana do olhar. Ao questionar os conceitos que organizam o modo de ensinar, ao passo que elabora novas respostas para as velhas interrogaes - o que o Ser, o que o Saber, o que o Aprender e o que o Educar -, ver-se- o mundo de um modo diferente. Haver, ento, mudana do olhar. Os tempos mudam e as respostas devem ser refeitas e atualizadas em funo das condies de vida. Os conceitos so instrumentos para interpretar o mundo e tomar decises para agir. Eles so mutantes porque as condies de vida so mutantes. No magistrio, os quatro conceitos fundamentais que fazem diferena no modo de ensinar so sobre o ser, o saber, o aprender e o educar. Eles esto intimamente interconectados, requerendo uma anlise implicada e no uma anlise por partes.

Na educao, o padro de ensino tem sido o de no questionar, acatar passivamente a autoridade, acreditando na certeza da verdade professada. Exige-se a memorizao e a repetio. a pedagogia dos resultados e do contedo. Punem-se as tentativas de liberdade e expresso. Fragmenta-se o conhecimento em disciplinas cada vez mais especializadas. Contedo e produto so mais importantes que o prprio processo de construo de conhecimento. As aulas so expositivas, os alunos fazem exerccios de fixao traduzidos em leituras e cpias. A submisso e obedincia so virtudes reconhecidas como bom comportamento. O conhecimento transmitido e o sujeito do conhecimento tem simplesmente papel reprodutivo, ignorando-se a funo formativa do conhecimento. Este reduzido a contedo e em matria de avaliao, valoriza-se a sua reproduo, o que redunda na crena de que aprender estudar para tirar boas notas. No h preocupao com a busca do conhecimento, o conhecimento como uma forma de ser. O processo ensino-aprendizagem centra-se no ensino. Os fatores subjetivos da aprendizagem so subestimados. As tcnicas didticas e os planos de aula formalizam a atividade docente, burocratizando a prtica do dia a dia, abstraindo seus fundamentos. Os questionamentos disponibilizados pelas disciplinas tericas, dadas no incio do curso, no so retomados para exercer a sua funo crtica no final, nas disciplinas de prticas de ensino, legitimando a dicotomia teoria/prtica.

A predominncia da forma que caracteriza o processo ensino-aprendizagem tem como fundamento a neutralidade do professor, conseqncia do dualismo sujeito/objeto, prprio da Cincia Moderna. A difuso dessa dicotomia gerou o culto da objetivao, criando constrangimento manifestao do aspecto subjetivo nas atividades de ensino/aprendizagem, sempre visto sob a suspeio de conduta negativa. Por conta dessa concepo, a subjetividade ficou relegada, sem receber a devida ateno enquanto fator inerente ao processo de ensino/aprendizagem.

Concebida pedagogicamente, a subjetividade, pelo contrrio, constitui elemento dinamizador. As emoes acompanham o processo de ensino/aprendizagem e so a mola propulsora em prol de um ensino criativo e renovador dos conhecimentos. A subjetividade um fator permanente das partes envolvidas. O pensar, o sentir e o mover-se so uma unidade integrada, um leva ao outro, no h como separar, h uma interferncia mtua. Este mundo interior resultado de um passado e uma expectativa e perspectiva futura.

Estar na sala de aula significa uma contnua superao atravs da problematizao e da apropriao do conhecimento. Ao estabelecer relaes com os seus alunos, o professor ativa todo o seu conceitual intelectual e emocional, trazendo tona suas capacidades, qualidades, limitaes e contradies. Portanto, esta a categoria na didtica que reflete com maior transparncia o preparo do professor. Alm de no permitir ocultamentos, tem a vantagem da abertura para o permanente construir e reconstruir, a cada nova aquisio no instrumental terico que o professor conquista na sua vida de magistrio. As atitudes acompanham as mudanas de conscincia, num permanente equilbrio/desequilbrio/equilbrio... No deve conceb-las como um produto acabado, seno que em processo.

Ao definir o relacionamento, o professor tambm repensa a forma de tratamento do saber, ou seja, do contedo, por sua vez j definido nas ementas de cada disciplina como resultado de planejamento do curso. Este saber necessrio para a futura atuao profissional no mercado de trabalho estabelecido pelo sistema.

A opo do docente que acredita no conhecimento como um meio atravs do qual o educando se situa no mundo e faz sua leitura da realidade, revela-se na abordagem desse contedo, atravs da sua contextualizao. O referencial terico revela-se na postura e no modo de tratamento daquele contedo.

A prtica tradicional trata-o como um pacote a ser absorvido sem nem saber para qu (LIBNEO, 1991). Neste caso, atravs do senso comum, o professor estar aceitando o referencial terico embutido na forma de organizao.

O conhecimento um instrumento tanto de crescimento pessoal como de competncia profissional. algo que se assume na construo e reconstruo da percepo do mundo. a essncia do sujeito e provisrio e dinmico.

A Educao Moderna coisifica o conhecimento em objeto descartvel, mercantilizvel, separado do sujeito, fora do sujeito, que o apropria com o intuito de aprovar a disciplina para depois esquecer. No estabelece relaes com o crescimento pessoal e percepo do mundo. O conhecimento na Educao Moderna objetivado, universalizado, coisificado, reduzido e descontextualizado. Esta a tica da Didtica Formal. Espera-se que o aluno acumule conhecimentos ao invs de dialogar com os conhecimentos. Analisando essas duas perspectivas, h um livro de Morin cujo ttulo A cabea bem feita... contrapondo cabea bem cheia (MORIN, 2000).

As tcnicas didticas, concebidas como neutras (na pedagogia tecnicista), so elaboradas de modo formal, com a pretenso de tornar objetivo um relacionamento, que, por natureza, subjetivo. como descrever um dia de vida de

um ser humano atravs de atos objetivos: levantar, escovar os dentes, vestir-se, sair para o trabalho, almoar, trabalhar e voltar para casa. Todos praticam tais atos, mas, onde est a diferena individual, a qualidade de vida e as emoes que acompanham cada ato? Essa mesma indagao se coloca quando ensinamos aos futuros professores as tcnicas didticas desde a perspectiva formalista e prescritiva. As tcnicas so como as palavras no dicionrio. S tomam sentido quando algum as usa.

O critrio supostamente objetivo da avaliao constitui o elo mais decisivo para assegurar a funo social que o capitalismo confere escola. Atravs dela, controla-se o contedo repassado e, desse modo, prioriza-se a transmisso de conhecimentos, deslegitimando qualquer outra proposta pedaggica alternativa. Este estratagema fica bem claro quando analisamos o ensino nos cursinhos pr-vestibular. Por seu intermdio legitima-se a subjetividade conformada ao modelo produtivo da atual sociedade.

Como diz Freitas Os objetivos reais da escola esto impressos na organizao do trabalho pedaggico global da escola e nas suas prticas avaliativas, as quais, reciprocamente, sustentam a prpria organizao da escola (FREITAS, 1995:255). O mesmo podemos dizer em relao a quaisquer outras categorias da Didtica, com a particularidade de que a relao aluno-professor traz, internalizado nos atores, o limite impresso pelo meio social.

4

pergunta o que o homem? a resposta automatizada a de que ele um ser racional. Ainda predominante essa viso cartesiana, que atribui o conhecimento do mundo razo humana, cria uma concepo objetivista do saber. Na busca de noes claras e distintas, Descartes (1596-1650) separa corpo e alma. Os fenmenos fsicos se explicariam pelo funcionamento eficiente de mecanismos. Os animais, comparados a um relgio composto de rodas e molas, seriam desprovidos de alma e de pensamento. O homem, sim, seria um ser dotado de alma e razo. O uso da linguagem passaria a ser critrio de pensamento e razo. Da o famoso aforismo Penso, logo existo (FLICKINGER, 1994).

Descartes Damsio Lentin

Superando a viso dual e reducionista, os tericos da auto-organizao defendem que o agente e o conhecimento, o agir e o conhecer, o agir e compreender, se interligam num crculo inseparvel. Essa teoria concebe a realidade como resultado de uma atividade de construo do mundo e de ns, juntamente com o nosso prprio ambiente; construo mediante a percepo, experincia, agir, vivncia e comunicao, o que implica superar a separao sujeito conhecedor e objeto do conhecimento por uma estrutura de autorreferencialidade.

Segundo Morin, o sujeito construdo na interao com o universo objetivo. Assim o mundo est no interior do nosso esprito e este no interior do mundo. Maturana e Varela (1995:70), por sua vez, definem o processo cognitivo como construo ativa da relao sujeito-mundo. Segundo esses autores, no haveria separao entre o biolgico e o social. Estas dimenses esto to prximas que se tornam difcil diferenci-las: todo ato de conhecer produz um mundo; todo fazer conhecer e todo conhecer fazer; tudo o que dito dito por algum.

No se v nestes autores a idia de descontinuidade. O perceber/conhecer constitui um nico ato biolgico em cada ser humano. A produo contnua de si mesmo prpria do ser humano, denominada por Maturana e Varela de organizao autopoitica (autofazer-se). O ser humano se acopla s estruturas sociais sem perder a integridade que lhe prpria. No entanto, tal integridade nem sempre significa um todo coerente e harmonioso.

As contradies do meio ambiente so absorvidas, constituindo as contradies internas do homem, numa permanente processualidade, da porque o homem se definiria como um ser contraditrio. Contraditrio sem perder a integridade.

No mundo atual, onde predomina uma avalanche de informaes, o perigo da desintegrao do indivduo torna-se muito maior. A coerncia de uma estrutura cognitiva passa a ser privilgio de pessoas dedicadas reflexo. A maioria dos indivduos abriga, em seu ntimo, percepes contrapostas, justapostas de conhecimentos e vrios critrios para situaes diferentes em funo da prpria sobrevivncia.

Perante esse fenmeno, a tarefa que se imporia para a educao como conseqncia da condio atual de vida seria o resgate de um sistema cognitivo mais integrado. Ou seja, os objetivos educacionais, como autonomia, reflexividade e viso de mundo, tornaram-se mais imprescindveis com a fragmentao do homem.

Alm disso, pensadores de distrbios neurolgicos como Damsio (1996) e o prprio Goleman (1996), mostram como a razo e a emoo se entrelaam. Fazendo uma analogia com a frase de Descartes, Damsio chega a dizer Sinto, logo penso, rejeitando a dualidade razo/emoo, razo/sentimento. O ato de pensar seria ento inseparvel da atividade corporal. Na viso deste autor, sentimentos e emoes formam uma percepo direta de nossos estados corporais e constituem um elo essencial entre corpo e conscincia. O segredo da boa atuao do homem est na articulao razo/emoo, nem s a razo, nem s a emoo.

Tomar decises sem uma base emocional constituiria erro, e pior ainda seria tomar decises sem a racionalidade. A ausncia de emoes e sentimentos pode destruir a motivao da racionalidade. A atuao humana uma articulao das duas dimenses.

Essas concluses pem em xeque as pedagogias privilegiadoras da razo e que acreditam unicamente em QI como responsvel pelo xito ou fracasso na vida. No entanto, privilegiar somente a viso neurofisiolgica em educao tambm pode levar unilateralidade, uma vez que outros fatores devem ser considerados para se chegar a uma viso mais completa do homem, como condicionamentos histrico-scio-culturais, alm da capacidade de direcionamento das utopias construdas, das crenas que regulam o homem coletivo. Hoje, com a Cultura Digital, se discute a obliterao da fronteira entre o virtual e o real (IX Conferncia Internacional: A Subjetividade na Cultura Digital, o eu em rede, Rio de Janeiro-RJ, 20,21 e 22/05/2003).

Cincia do homem:

abordagem multirreferencial

e multidimensional

Todo o conhecimento acumulado sobre o homem tem fundamentado o esforo educativo de adapt-lo aos modos de vida de cada poca. Na tradio da cincia moderna, coube psicologia tratar o tema da subjetividade humana, mas deparou-se com a caracterstica disciplinar dessa tradio para captar a sua totalidade. A explicao sobre o ser humano extrapola as fronteiras de uma disciplina. Requer uma abordagem multirreferencial, como tambm reconhecer a sua multidimensionalidade.

Neste mbito, o paradigma da era moderna vem-se revelando insuficiente e presenciamos a tentativa de construo de uma conceituao multidimensional do homem: O homem um ser evidentemente biolgico. ao mesmo tempo um ser evidentemente cultural, meta-biolgico e que vive num universo de linguagem, de idias e de conscincia. Ora estas duas realidades, a realidade biolgica e a realidade cultural, o paradigma da simplificao obriga-nos quer a separ-los quer a reduzir a mais complexa menos complexa. Vai portanto estudar-se o homem biolgico no departamento de biologia, como um ser anatmico, fisiolgico, etc. e vai estudar-se o homem nos departamentos das cincias humanas e sociais. Vai estudar-se o crebro como rgo biolgico e vai estudar-se o esprito, the mind, como funo ou realidade psicolgica. Esquece-se que um no existe sem o outro; ou melhor, que um simultaneamente o outro, embora sejam tratados por termos e conceitos diferentes (MORIN: 1991: 71; 72).

Devido a sua compartimentalizao, o paradigma da simplicidade, ou a inteligncia cega no dizer de Morin, no enfrenta o desafio do paradoxo do Uno e do Mltiplo que o homem. Problema que, desde diversas disciplinas, os estudiosos tm enfrentado, deparando-se sempre com a irredutibilidade do tema a uma s disciplina, ou a uma s dimenso da realidade.

O homem um sistema auto-eco-organizador

Hoje cada vez mais consensual entender que o homem constitui um ser uno com multirreferencialidade (cerebral, cultural, social, histrica). Uma cincia linear e segmentada no poderia explicar o que complexo. Ainda mais, as incertezas, contradies, ambigidades e desordens passam a ser considerados fenmenos inerentes ao homem. O homem, como questo educacional, revela-se como uma rede de articulao do diverso, interconectado. Cada elemento se articula com outros. Quando se modifica a parte modifica-se o todo, segundo o princpio hologrfico.

A fragmentao como princpio de organizao do conhecimento em disciplinas estanques, ou em especializaes e hiperespecializaes, sem conexes um com o outro e com o todo, redundou, tambm, na viso de um mundo igualmente segmentado e estanque. Essa viso agravada medida que a mdia substitui o ser por parecer, repassando a idia de que o parecer mais importante que o ser, provocando a corrida s academias para trabalhar o visual. Agravada tambm com o avano da tecnologia de comunicaes, possibilitando uma enxurrada de informaes que o sujeito humano no consegue mais fazer suas opes.

Essa difcil busca da compreenso do ser humano, do seu mundo interior e exterior, que tem levado diversas reas de saber (filosofia, epistemologia, antropologia, sociologia, cincia cognitiva, psicanlise) a interessar-se pelo processo cognitivo e revela a sua complexidade na medida em que se percebe que o mundo exterior no se separa da sua dimenso interior. E, ento, conclumos que a realidade uma construo do sujeito.

A estrutura disciplinar do conhecimento, a heterogeneidade de conceitos e processos cognitivos, uns isolados dos outros; a separao dos contedos das disciplinas com a vida real; a multiplicidade de linguagem, normas institudas, e objetivos ocultos, tornam a educao do homem uma tarefa verdadeiramente complexa: Analisar a complexidade, (...) requer o olhar por diferentes ticas, a leitura atravs de diferentes linguagens, enfim, a compreenso por diferentes sistemas de referncia (BURNHAM, 1993:7)

A condio atual de vida indica a urgncia de reforar a integridade do homem, revertendo rapidamente os instrumentos conceituais para fortalecer o ser humano. Sabe-se que o efeito da socializao no unilateral, pois entra em jogo interesses, utopias, condies e necessidades prprias de cada um, fazendo com que o homem se adapte ao meio ambiente sem perder a integridade. Na socializao, as informaes recebidas pelos indivduos permanecem justapostas e, s vezes, contraditrias at o momento da reflexividade e da sua assimilao pelo mundo interior.

A mudana de atitude atravs do conhecimento se d no momento em que o homem avalia as implicaes da mudana em sua estrutura total.

Entre a informao e a sistematizao transcorre um tempo necessrio digesto cognitiva de cada indivduo. At ento, as informaes permanecem contrapostas, servindo para o uso dirio segundo as exigncias da vida. Por isso a tarefa do professor lanar sementes, mostrando coerncia e conseqncia das teorias espera de que as circunstncias de cada aluno as faam germinar.

No ambiente profissional, onde os funcionrios tm que cair nas graas do chefe para manter-se no emprego; onde o aluno tem que cair nas graas do professor para aprovar a disciplina; nas entidades e esferas estatais, onde atuam grupos corporativistas, etc., o sujeito cria manhas (ou podemos chamar de flexibilidade?) para sobreviver, com freqncia, adotando comportamentos e discursos que no fazem parte da sua estrutura de crenas. Entrar em conflito num ambiente autoritrio pode significar perseguio, segregao, reprovao, demisso ou impossibilidade de sobrevida. Esta negociao que o sujeito faz com o ambiente poderia ter vrios nomes e vis analtico: autonomia, auto-regulao, autopoise, mscaras. Por isso, Morin (1991) define o homem como um sistema auto-eco-organizador.

Subjetividade:

um emaranhado de recursos internos, externos e utpicos

Como objeto de pesquisa, a subjetividade no foi ainda encarada devidamente e permanece envolta em ambigidades, restrita, geralmente, ao campo de psicanlise. A subjetividade pode ser conceituada de forma variada, desde a idia de felicidade efmera at como construo (processo) de relao harmoniosa entre o mundo interno e externo. Na viso de Santos (1987) a felicidade do homem a meta da cincia, constituindo-se em um paradigma de vida decente, ajudando o homem a encontrar uma maneira de estar no mundo, enriquecendo a nossa relao com o mundo, traduzindo-se em sabedoria de vida.

O termo felicidade engloba muitas modalidades de emoo que no so claras. Ela tanto pode constituir um fenmeno qumico cerebral quanto fenmeno social, ou ambos. A psiquiatria j lanou no mercado plulas da felicidade e o submundo mercantil comercializam plulas da ecstase. Em todo caso, omitindo manifestaes extremas, a subjetividade tem como um dos seus parmetros definidores a intuio da felicidade expressa sob as mais diversas formas.

A ideologia neoliberal, por exemplo, associa a felicidade ao consumo compulsivo e a limita instncia individual do sujeito. O enfoque marxista a associa cidadania. Ao comentar a obra de Morin, Petraglia diz: a felicidade efetivamente no est nas coisas que podemos ter, mas nas que fazemos e vivemos a partir do que somos e conseguimos nos tornar, a cada dia quando nos colocamos solidariamente ao lado de algum ou a favor de uma causa interior (...) De nada adianta um carro se no temos para onde ir. (1995:64).

A felicidade no depende de objetos nem de saber, se esse objeto ou esse saber no se tornou uma necessidade para o sujeito, certamente ele no despertar emoes, portanto, a necessidade (carncia), quer seja real ou aparente o motivo da felicidade. Esta tem como premissa a carncia.

A subjetividade alimenta-se de processos sociais. Porm, a subjetivao um processo extremamente ambivalente, exposto manipulao de cdigos externos invisveis. Neste processo de adaptao ao sistema, a coero externa, quando potencialmente eficiente na disciplinarizao da subjetividade, transforma-se em autocoero. Mesmo assim, o sujeito sempre manter a sua subjetividade autnoma, porque ela a razo e causa de manter-se vivo, como tambm, do sentimento de felicidade/infelicidade.

Pode-se, ento, dizer que a felicidade/infelicidade o resultado do encontro das circunstncias da vida e das carncias sentidas. Carncia que provm da contraposio do sistema de idias, princpios e valores (utopia) assumidos pelo sujeito e a sua condio de vida.

A subjetividade como um fenmeno do sistema auto-eco-organizador aparece como processos interiores nos embates da vida. O senso comum absorvido nas interaes sociais, luz do conhecimento, transforma-se em bom senso. A educao intervm nessa transformao, provocando mudanas nas carncias e necessidades.

Burnham (1998: 50) enfrenta o desafio de descrever o fenmeno da subjetividade: O sujeito permanece numa duplicidade que cria/mantm no sujeito uma interminvel tenso, tanto de oposio interna (em si) como de oposio entre si e o mundo institudo; um sujeito que, apesar de permanecer construindo uma identidade, mantm-se duvidando de si mesmo; que age deliberadamente, mas tambm segue a lgica de um desejo inconsciente; que faz concesso a valores, padres que lhe so estranhos, apesar de no aceit-los; enfim, que se integra ao j institudo, sem nunca deixar de querer ser instituinte.

Ao querer ser instituinte, ele reconstri a sociedade em que vive. Nessa reconstruo manifesta-se o seu aspecto utpico. Essa a caracterstica diferencial do ser humano em relao aos outros seres viventes.

O homem constri teorias para explicar o seu espao e dar sentido a sua existncia nesse universo. As teorias refletem o grau de conhecimento acumulado pela humanidade, pois elas nascem da sociedade e estruturam princpios que, muitas vezes, se transformam em dogmas, logo, transformados em prticas generalizadas. Porm, essas mesmas teorias, que permitem fazer uma leitura do mundo, dar um sentido vida e que organizam a sociedade e conformam a mente humana, tm tambm a sua face negativa que o doutrinamento e o dogmatismo. Segundo Morin (1991:20) trata-se de uma doena da teoria (que) fecha a teoria sobre ela prpria e a petrifica. Quando chega neste estgio a teoria perde a capacidade de status epistemolgico de leitura do mundo e do ser humano, desatualizando-se historicamente (KUHN: 1991).

Os parmetros ordenadores, oferecidos pela teoria, servem como uma lente atravs da qual se interpreta e organiza o mundo, constituindo-se em paradigma para ordenar e sistematizar o real, portanto paradigma uma construo humana. Ela no perene e est adscrito a um perodo histrico. Sobre paradigmas, muito interessante o enfoque de Assmann: Todo paradigma contm princpios e critrios de incluso e excluso (...) Os paradigmas no existem apenas para explicar o mundo, mas para organiz-lo mediante o uso do poder (...) Alm de humanamente necessrios, historicamente relativos e naturalmente seletivos, os paradigmas tendem - talvez por isso mesmo - a territorializar-se (1996: 92; 93).

Os paradigmas facilitam a leitura do mundo, dando aos homens a sensao de segurana, mas ao mesmo tempo os encerram em seus princpios, tornando-os incapazes de lidar com a totalidade do fluir dinmico da vida.

O paradigma moderno tem mostrado algumas facetas do homem, excluindo a dimenso muito mais rica, porm mais complexa, que a subjetividade, principalmente sua caracterstica auto-organizativa que mantm a autonomia, apesar dele se fazer um ser humano atravs de ambientes recortados por princpios reguladores.

O homem absorveu o modo de pensar dualista e reducionista da Cincia Moderna e faz a leitura do mundo e organiza-o nesses moldes. O Princpio de Complementaridade referido por Bohr (1961) sugere um novo olhar. Um olhar que supera o dualismo e articula os opostos: razo/emoo, indivduo/sociedade, subjetividade/objetividade sapiens/demens, bem/mal, clausura/abertura das crenas ou das teorias. O dualismo e a exaltao de somente uma das caractersticas do homem a racionalidade -, no permitiu a compreenso adequada do fenmeno como o de 11 de setembro em Nova York, comentado por Leonardo Boff (2001) no Jornal do Brasil, sob o ttulo No somos todos dementes? A premissa de que o homem um ser racional cai por terra frente a fenmenos daquela magnitude. O homem sapiens e demens ao mesmo tempo, depende das circunstncias. O bem e o mal, o positivo e o negativo esto entrelaados. o princpio do yin/yan. Mas toda a conformao mental do homem moderno se faz na separao dos opostos, eu sou do bem e o mal est fora, no outro.

Esse dualismo reforado, ao longo da vida, desde o apelo das mes ao Papai Noel que s traz brinquedos para as crianas bem comportadas, literaturas infantis, contos de fadas, onde o bem est personificado num personagem e o mal no outro, filmes e novelas da TV Globo que sempre acabam em casamento e a frase clssica fica subentendida foram felizes para sempre e, at mesmo, nos noticirios da guerra de Bush x Saddam Hussein. O mal estava no Iraque, mas ele, Bush, era do bem.

Esse emaranhado de recursos internos e externos que a subjetividade humana no ir se revelar atravs dos princpios racionalistas, dualistas, reducionistas e compartimentados da Cincia Moderna. Para se estudar o homem preciso uma rede de articulao dos saberes acumulados em diversas instncias e buscar um outro ponto de vista, um ponto que permita um panorama mais abrangente e tomar a racionalidade humana como um dos aspectos dentre outros e integrar categorias de anlises desconsideradas pela Cincia Moderna como a emoo, desordem, ambigidade, recursividade, retroatividade.

Conhecimento no se transmite, se constri!

No dia a dia do magistrio, os professores intuem essas caractersticas do ser humano, no entanto, as regras que delimitam o ensino seguem as orientaes objetivistas, racionalistas, uniformizantes, burocratizantes, economicistas, excludentes. Oficialmente, o que prevalece a Pedagogia Tradicional.

Embora a relao professor/alunos envolva a totalidade da natureza humana, ao estabelecerem relaes na sala de aula, os professores ignoram o processo de construo do conhecimento, abstraem a subjetividade, despersonalizam os alunos e lhes atribuem apenas a funo de assimilar o saber que lhes transmitido atravs da memorizao e reproduo.

Paulo Freire (1997), num texto indito publicado no jornal O Globo, aps a sua morte, insistia no equvoco dessa postura: H 30 anos defendo a posio, radical, sem dvida, de que o conhecimento no se transfere, conhecimento se constri. Como a inteligncia. Voc constri, produz a inteligncia, no a recebe de graa.

(ilustrao: Instituto Paulo Freire)

Assumir a postura de Paulo Freire implica, por sua vez, na mudana metodolgica. Fazer com que o aluno produza o seu prprio conhecimento. Implica, tambm, em como o professor estabelece relaes pedaggicas e em como ele concebe o conhecimento.

As relaes pedaggicas que tm como objetivo fazer com que os alunos produzam seus prprios conhecimentos, a funo do docente passa a ser a de um facilitador de dilogos com os saberes, respeitando a diversidade e peculiaridade de cada um. Cada aluno um ser indiviso com muitos estilos de aprendizagem e diferentes formas de resolver problemas. Os indivduos so o que so dentro de determinado contexto. Sempre haver dependncia do indivduo em relao ao seu ambiente. Reconhecer tal dependncia implica em que a educao aceite diferenas entre os seres, diferenas culturais e processos de desenvolvimento peculiares.

O conhecimento resulta da dinmica dos aspectos do fsico, do biolgico e do social, inseparveis e simultneos. Tudo que existe no ambiente influencia o organismo que o capta, integrando o processo de absoro, transformando o seu pensamento. O conhecimento no somente a absoro atravs dos rgos sensoriais. O conhecimento resultado da atividade auto-organizativa do homem. Como diz Assmann o conhecimento emerge, como uma propriedade auto-organizativa, do sistema nervoso precisamente enquanto acoplado a seu meio-ambiente (ASSMANN, 1997:75). Portanto, o conhecimento resultado da construo do organismo na sua relao com o meio ambiente. O acoplamento do ser ao meio ambiente lhe produz diferenas devido a diversidade do meio, das relaes humanas e da carga gentica de cada um. O indivduo aprende no apenas usando a razo e o intelecto, mas tambm mobilizando sensaes, emoes, sentimentos e a intuio.

Sendo um ser contextualizado, o indivduo uma organizao viva, um sistema aberto, possuindo uma estrutura inerente de auto-regulao, dispondo de um modo particular de construo, sempre inserido no meio ecolgico dentro do qual vive e com o qual interage. Reconhecer tal particularidade no processo de conhecimento torna-se essencial para a interveno educativa, requerendo essa nova viso, mudanas conceituais..

A construo do conhecimento se faz a partir do autoconhecimento, do crescimento interno para chegar a uma conscincia da realidade que o rodeia. O conhecimento se constri por fora da ao do sujeito sobre o objeto e pela repercusso deste ltimo sobre aquele.

Aprendizagem:

um processo multirreferencial e autorreferencial

O processo ensino/aprendizagem, sob a tica da Pedagogia Tradicional, tem privilegiado o ensino em detrimento da aprendizagem. Ao assumir o processo de construo da aprendizagem, o educador otimiza as condies de aprendizagem, reconhecendo que a aprendizagem um processo interno de interao de cada organismo, atravs de seus rgos sensoriais, com o seu entorno.

A percepo em si no suficiente para gerar conhecimento, este resultado do dilogo que cada um estabelece, seja com os textos escolares, com a construo do professor, com as opinies dos colegas.

Dessa forma, o conhecimento no pode ser considerado algo que apenas se transmite, que basta a percepo atravs da exposio do professor. Desta argumentao decorreria a premncia de se reforar Didtica centrada nas operaes desenvolvidas pelo aluno para assimilar o novo conhecimento e adapt-lo estrutura de crenas, processando continuamente reequilbrios em seu instrumental cognitivo em interao com o mundo. Paulo Freire tambm j dizia: O homem deve ser o sujeito de sua prpria educao. No pode ser objeto dela (...) uma busca permanente de si mesmo (...) Esta busca deve ser feita com outros seres que tambm procuram ser mais e em comunho com outras conscincias, caso contrrio se faria de umas conscincias, objeto de outras. Seria coisificar as conscincias (...) A educao deve ser desinibidora e no restritiva. necessrio darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos, caso contrrio domesticamos, o que significa a negao da educao (1983: 28;29;30;32).

A pedagogia do dilogo de Paulo Freire (1983/1987) constitua um rompimento com a idia da verticalidade que predomina na relao pedaggica e j anunciava o reconhecimento da importncia da subjetividade no processo de conhecimento, significando mudana no conceito de aprendizagem e de conhecimento.

Paulo Freire destacando o carter de processualidade do conhecimento dizia ainda: Existem graus de educao, mas estes no so absolutos. O homem, por ser inacabado, incompleto, no sabe de maneira absoluta. (Idem: 1983:28).

Por sua vez, Piaget (1974/75) tambm chamara a ateno para necessidade de se reconhecer o conhecimento como processo quando mostrava o desenvolvimento cognitivo da criana como decorrncia da atividade por ela desenvolvida e ao se referir aos chamados estgios de desenvolvimento da inteligncia.

Em contato com o meio, o indivduo, dotado de bagagem hereditria, perturba-se, desequilibra-se e, para superar o desequilbrio, constri novos esquemas, ou organizaes mentais. Na verdade, o seu desenvolvimento uma sucesso de estruturas de conhecimento, estruturas de crenas que, ao se desequilibrarem, provoca a necessidade de uma sntese superior, incorporando a estrutura anterior. atravs de um processo de adaptao a novas situaes que as estruturas da inteligncia mudam como uma espcie de equilbrios sucessivos cada vez mais abrangentes.

Na teoria das inteligncias mltiplas, Gardner (1994) tambm manifesta a idia de que o desenvolvimento da inteligncia depende da confluncia de dimenses biolgicas, pessoais e histrico-culturais, ou seja, de elementos como hereditariedade, fatores genticos, histria de vida, convivncia e experincias familiares, professores e amigos, e todo o background cultural e histrico. essa ampliao da noo de inteligncia de Gardner, no poderia deixar de acrescentar o conceito de inteligncia emocional de Goleman (1995) e as pesquisas de Damsio (1995), tambm demonstrando as limitaes da inteligncia se esta no se guiada pela emoo e o sentimento. Muitos outros fatores ainda podem ser considerados se conseguirmos construir instrumentos para detect-los como, por exemplo, a opacidade de itinerncias existenciais repletas de significaes e sensaes que, no momento, intumos atravs de abordagem sensitiva.

O processo ensino-aprendizagem irredutvel a uma metodologia racionalizante construda priori. s construes polifnicas do conhecimento, hoje, acrescentam-se s noes de multirrefencialidade e autorreferencialidade do processo ensino-aprendizagem, apontando para a necessidade de redimensionar o conceito de aprendizagem no sentido de uma mudana interna, denominada por Maturana e Varela (1995) de autopoise dos seres vivos.

A diversidade de valores, crenas, ideais e situaes escamoteiam o controle priori, pensado em base a postulados cientficos, unidimensionais. Fundamentos compartimentados, separadamente, no conseguem explicar e dar um tratamento adequado ao fenmeno educativo. Por mais que o enriquea com diferentes perspectivas, se no se superar a abordagem disciplinar nunca se alcanar um saber significativo, isto , se a abordagem multirreferencial no for adequadamente articulada no resultar em mudanas de nveis de conhecimento (multidimensionalidade).

Nesse processo, o reducionismo um risco permanente, subestimar as partes em funo do todo, ou desarticular a coerncia e a unidade das partes que o compem, sem, no entanto, construir uma outra unidade superior. Este um processo em aberto. Ainda temos muito que aprender da fsica quntica, de como articular as oposies e chegar ao nvel onde as contradies desaparecem e formam uma unidade. Por enquanto ficaremos com Edgar Morin na sua assertiva de que as oposies so complementares e com o conceito de bricolagem de G. Lapassade: (...) o conhecimento construdo sob a perspectiva da anlise multirreferencial o resultado sempre inacabado de uma conjugao de disciplinas, ele realizado como uma atividade artesanal, como uma bricolagem. Ele tecido de tal forma que as disciplinas no se reduzam umas s outras (MARTINS, 1998:30).

O olhar multirreferencial ao renunciar a um s paradigma epistemolgico enfrenta a dificuldade de conjugao da diversidade sem cair na disperso do relativismo. Nesse sentido, a experincia do grupo GEEMPA (GROSSI, 1995) do Rio Grande do Sul merece ser acompanhada com bastante ateno. De como a autorreferencialidade vai construindo-se atravs da multirreferencialidade.

As informaes esto em diversas instncias da vida, professores, textos, amigos, comunidade em geral, Internet, televiso. diferena da Pedagogia Tradicional, no se considera informao como sinnimo de aprendizagem, de conhecimento adquirido. Aprendizagem passa pelas informaes, mas estas se transformam em conhecimento somente aps serem questionadas e integradas na estrutura mental de cada sujeito na sua interao com o mundo. a autorreferencialidade.

A autorreferencialidade uma estrutura de sobrevivncia, de uma vida personalizada de compromisso indivduo-sociedade; portanto, as informaes ou aulas de professores s se tornam significativas quando afetam a estrutura conceitual elaborada para interpretar e reagir diariamente frente aos fenmenos e circunstncias da vida. Do contrrio, as informaes ficam justapostas na rea cerebral pertinente memria, sendo lembradas esporadicamente segundo as circunstncias.

A unidade, a integridade, a autonomia, a coerncia de pensamentos so referidas autorreferencialidade. Perante tantas informaes a que estamos sujeitos, muitas vezes contraditrias, apesar da organizao disciplinar do conhecimento, o homem no perde a sua unidade, no se desestrutura devido caracterstica coesa da autorreferencialidade. O homem vive a vida complementando os paradoxos: multirreferencialidade/autorreferencialidade; uno/mltiplo; indivduo/sociedade; razo/emoo; subjetivo/objetivo; certeza/incerteza; simples/complexo; especfico/contexto; local/global; parte/todo; dogmatismo/relativismo.

pergunta o que o aprender?, ainda no se tem uma resposta completa. Por certo, hoje, sabe-se muito mais do que o conceito trabalhado pela Pedagogia Tradicional que acredita que aprender memorizar.

Devido organizao moderna do conhecimento, h que se procurar avanos nas pesquisas isoladas em diversas reas e construir respostas, ainda que provisrias, atravs da transdisciplinaridade. Ultimamente, em funo do interesse despertado pela robtica, a Inteligncia Artificial, vem investindo no estudo do crebro humano e, por certo, as contribuies sero valiosas para o campo da Educao.

Participao:

condio e resultado da aprendizagem

A importncia de se levantar a questo da participao deriva-se do novo conceitual acerca do homem. Do homem como um sistema auto-eco-organizador, ou, um sistema autopoitico. Essa mudana conceitual implica, imediatamente, tambm, na mudana no agir pedaggico: idia que se tem dos alunos; conceito que se tem do conhecimento e do aprender; metodologia de ensino; objetivos educacionais; relao que se estabelece com os alunos; instrumentos e critrios de avaliao.

Numa sala de aula convivem diferenas, tanto aquelas derivadas das condies vitais, como aquelas relativas s ideologias individuais. Ela delimita um espao onde as mais diversas teorias comparecem e coexistem segundo o principio da pluralidade e onde procedimentos democrticos deveriam assegurar a todos a condio de sentirem-se parte do mesmo processo de ensino-aprendizagem.

Trata-se da vida em discusso dentro da sala de aula. Embates produtivos e criativos, onde cada um dos participantes ouve, avalia e se reestrutura. A premissa deste processo a de que a conformao/transformao da conscincia ocorre num contexto de embates dirios, ativados em sala de aula, e nos quais ocorre a reeducao (melhora na capacidade de anlise e reestrutuao mental) das pessoas, justamente ao participarem da dinmica de discusso dos conceitos, normas, valores e hierarquia, prprios de uma sociedade estruturada em classes sociais com orientaes neoliberais, imbudas nos princpios cartesianos.

Ao aceitar participar desse tipo de dinmica de confronto, o educando se coloca diante de desafios, aprofundando o esprito de autonomia, processando novas reflexes, organizando sentimentos, idias, opinies e conceitos, em suma, experimentando novos equilbrios em suas estruturas mentais e emocionais. Por isso que, na relao pedaggica, cabe principalmente ao professor, fomentar as possibilidades cognitivas do aluno atravs de procedimentos terico-metodolgicos e do incentivo a sua participao e ao confronto com concepes, normas e valores; ampliando-lhe o conhecimento e readequando a subjetividade. A superao das necessidades aparentes (estimuladas e determinadas pelo consumismo), s se pode dar mediante transformao individual e medida que aumenta a capacidade reflexiva sobre as causas dos problemas e o contexto situacional dos indivduos.

A participao na sala de aula apesar de valorizada, delimitada pelos prprios professores, isto , o conceito de participao varia segundo o referencial filosfico de cada docente e nem sempre explicitado ao incio de cada perodo letivo. Os educandos se adaptam a cada modalidade para enganar o autoritarismo que a instituio educacional confere figura do docente e permeia as normas burocrticas. Esse autoritarismo, somado viso positivista da educao, no estimula a participao como necessidade, ou carncia - condio a priori do desenvolvimento subjetivo.

A transmisso de conhecimento cerceada de cuidados estabelecidos em normas e estruturas burocrticas, que conferem ao professor uma autoridade que, de conformidade com a sua viso, premia, rejeita e pune a liberdade de expresso e conforma a subjetividade atravs de conhecimentos permitidos.

A burocratizao escolar trata o conhecimento como algo petrificado que o professor tem a obrigao de repassar aos alunos. Assim, o conhecimento deixa de ser meio e transforma-se em objetivo educacional. O conhecimento (ou o contedo), como diz Libneo (1991), o meio atravs do qual se alcanam objetivos educacionais. No entanto, na prtica, as teorias pedaggicas alternativas se tornam incuas ante a

presso da ideologia hegemnica que, transformada em normas de comportamento, faz com que as pessoas reproduzam o sistema social, derivando objetivos educacionais a partir dos contedos, legitimando a educao voltada para a necessidade do sistema. Nessa luta por uma educao emancipadora, os objetivos educacionais no se fazem acompanhar de uma slida fundamentao terica por parte do professor; eles se diluem sob a presso do meio externo predominando os objetivos instrucionais. A razo instrumental muito forte na conformao de subjetividades, validada pela vivncia escolar nos marcos de um sistema de valores, normas, crenas e prticas autoritrias que permeiam tambm a relao professor-alunos.

A perspectiva habermasiana de Boufleuer, colocando aquelas questes a partir da relao dialtica entre o institudo e o instituinte, indica a forma de superao: O institudo so os meios materiais, as formas institucionalizadas, mais ou menos, estveis e especficas, o sistema de valores e normas, os padres culturais, etc. O instituinte so as pessoas envolvidas na vida da instituio (...) e o prprio processo de interao no meio em que ela atua (1994:23).

O institudo depende do instituinte para manter ou no os acordos. As pessoas compem a parte viva e atravs de seus atos validam ou reconstroem o institudo, instaurando um novo consenso, redimensionando o institudo. O papel do institudo justamente o de estabilizar a instituio, viabilizando o seu funcionamento, uma estabilidade dependente da dinmica de atuao do instituinte.

O entendimento intersubjetivo entre os instituintes a expresso da vitalidade de uma instituio, produzindo, muitas vezes, aes coletivas renovadas.

primeira vista, tem-se a impresso de que o institudo se sobrepe ao instituinte, num permanente reproduzir de normas estabelecidas, porm a subjetividade humana tende sempre a extrapolar os limites do institudo. prprio dela o espao do sonho e da utopia.

Assim, dentro de uma estrutura burocrtica autoritria, convivemos com reivindicaes por maior participao democrtica em prol de uma normalidade democrtica. A histria da instituio escolar se faz e se refaz no seu cotidiano mediante uma dialtica entre o institudo e o instituinte. Tal dialtica pressupe uma intensa participao do instituinte no entendimento intersubjetivo de que fala Habermas (1988), no qual o consenso e a verdade so pertinentes ao grupo que os gere, tornando a participao condio e resultado da aprendizagem.

Ao incentivar a participao na dinmica da sala de aula, estabelecendo dilogo com conhecimentos, sua fundamentao se articula com diversos outros conceitos ressignificados como o do homem, da aprendizagem, da autonomia, da democracia e do conhecimento. Este, no mais como uma verdade universal, objetiva e esttica e sim como uma construo dinmica e provisria. O conceito de conhecimento, ao ser relativizado, migra de uma viso objetiva para subjetiva e invalida a exigncia de simples memorizao.

Autoridade ontolgica e no administrativa

A maneira de exercer a autoridade na sala de aula est relacionada com a forma e limites da participao dos alunos. A autoridade do professor reconhecida pela instituio, cujos objetivos disciplinares se refletem e se distribuem em sua organizao e normas de funcionamento (FOUCAULT: 1975). Assim, a subjetividade dos alunos e dos professores se adapta ao comportamento institudo.

O poder entendido como capacidade de um agente produzir determinados efeitos a partir de uma relao social entre indivduos, grupos ou organizaes em que uma das partes exerce controle sobre a outra (LEBRUN: 1984). Nesta relao de poder preciso observar que o grau de obedincia nunca completo, por mais autoritrios que sejam os recursos utilizados. Da que a relao de poder sempre uma probabilidade, uma potncia que dispe de recursos para exercer sua fora a qualquer momento, uma influncia que transforma no ato de adeso com ou sem consentimento.

Van Krieken (1996) cita como uma das caractersticas principais do perodo moderno a transio de um poder institudo que opera negativamente para um poder disciplinar descentralizado que penetra nosso corpo e mente, causando efeitos positivos e transformando gradualmente a estrutura da personalidade, evoluindo de uma dinmica de coero para uma de autocoero.

O pr-requisito para sobreviver na sociedade moderna seria o cidado autodisciplinado, racional poltica e socialmente, com habilidade para se adaptar facilmente sociedade capitalista. Os indivduos se adaptam a contextos organizacionais mediante rotinas cada vez mais complexas. O ideal da modernidade a subjetividade racionalizada e burocratizada, a autocoero ou um superego cada vez mais fortalecido: Ser moderno significa ser disciplinado pelo estado, pelos outros e por ns mesmos (...) A personalidade se acomoda s exigncias de um meio ambiente urbano capitalista, enfatizando que a pontualidade, o clculo e a exatido se tornaram parte das personalidades modernas, de modo a excluir aquelas caractersticas soberanas, irracionais e instintivas, e aqueles impulsos que buscam determinar o modo de vida a partir de dentro (VAN KRIEKEN: 1996: 153; 154).

Esse autor cita ainda como elemento decisivo da produo da subjetividade, o fato de que o autocontrole gera vantagem social e ganhos estratgicos para uma sobrevivncia delimitada por uma sociedade permeada de redes de interdependncia social onde os indivduos atuam de modo automtico sem requerer um pensar. Por isso, alguns dizem, que ser consciente, ser autnomo, traz sofrimento. Isto quer dizer que o poder poltico se burocratiza e se tecniciza, moldando tambm a subjetividade. Lebrun (1984) compara o poder poltico ao fenmeno atmosfrico e diz que o dever de obedincia enraizou-se na sociedade por si prprio e da sua equao: ser cidado = ser obediente. Em troca de segurana o cidado consente na sua obedincia e tambm graas a ela ter condies de portar-se como seres racionais e assim abandonam o estado de natureza para tornarem-se cidados.

Foucault, por sua vez, j dizia que: o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito simplesmente porque ele no pesa como uma fora que diz no, mas que de fato permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discursos. Deve-se consider-lo como uma rede produtiva que atravessa todo corpo social muito mais do que uma instncia negativa que tem por funo reprimir. (FOUCAULT: 1979:8).

Assim, na organizao moderna, a relao de poder ao mesmo tempo condio para o funcionamento de uma sociedade e condio para o desenvolvimento da subjetividade. H uma coero cultural e jurdica que visam fins coletivos e delimitam objetivos individuais. O poder um conjunto de relaes que atravessa o corpo social mediante mil pequenos poderes que nos prendem sem os sentirmos, contribuindo para estabelecer a ordem social. O poder algo que se exerce, que se efetua. No somente atravs da fora que o poder se mantm. Mantm-se com o consentimento dos outros que ao limitarem-se, usufruem em contrapartida oportunidades para satisfazer a sua prpria subjetividade.

Em suma, as relaes de poder na educao no fogem aos processos acima descritos. A autoridade docente uma posio hierrquica amparada em normas burocrticas, no entanto, ela pode ser encarada de outro ngulo: ao invs de refugiar-se atrs de normas, o professor poder ser promotor de atitudes de participao democrtica, estimulando a construo de subjetividades autnomas.

A autoridade professoral passaria a ser ento no mais um vnculo institucional, mas produto da relao professor-alunos.

Quer dizer, exercer uma autoridade ontolgica e no administrativa. Isto, por sua vez, depende da mudana conceitual quanto aprendizagem, o que, por sua vez, dever refletir na mudana enquanto a forma do professor se relacionar com seus alunos.

III

DES-CONSTRUINDO A DIDTICA

A Didtica como disciplina obrigatria para as Licenciaturas, trata de quatro temas fundamentais: objetivos educacionais, conhecimentos (contedo), metodologia de ensino e avaliao que, devido influncia da racionalidade moderna, tem sido tratados dentro da lgica de simplificao, de dividir e descontextualizar. A forma tem prevalecido sobre o sentido norteador, o que, diga-se de passagem, tem facilitado a vida dos professores, mas esse privilegiamento da forma, a generalizao e abstrao dos conceitos em Didtica, tm revertido o sentido educativo em domesticao e autoritarismo. Este o resultado da concepo da Didtica Tradicional, ainda hegemnica, que implica um ensino isolado e que esgota em si as possibilidades de explicao e soluo. Esta Didtica valoriza sobremaneira a operacionalizao e instrumentalizao do ensino. Uma Didtica acfala, desconectada de sua origem histrico-social.

A lgica de simplificao ainda se aplica diviso de objetivos educacionais em domnio cognitivo, afetivo e psicomotor, consagrados por Bloom (1972/3). Essa abordagem tem transformado a Didtica em algo sem vida, retirando-lhe a rede de articulaes que d sentido filosfico educao.

O pensar complexo sugere a superao desta mentalidade ao lanar os seus princpios de: resgatar a interconexo das partes; assumir um modo de pensar que distingue, mas no disjunta, articular simultaneamente todos os referenciais; trabalhar com um cenrio epistemolgico; complementar as oposies; integrar ambigidades e incertezas; trabalhar com o todo e com as partes sem os separar.

Tomando-se por base esses parmetros, a fragmentao temtica da Didtica se dissolve, devolvendo ao sistema didtico a viso de um conjunto que se articula, onde as partes e o todo esto mutuamente implicados.

Mudanas metodolgicas no ensino podero ser significativas a partir de uma prvia reformulao dos conceitos, em decorrncia da qual redimensiona-se a atitude do docente, sua viso de aluno e seu relacionamento com este, assim como o enfoque dos contedos, criando tambm novos e outros critrios de avaliao. Portanto, imprescindvel a sistematizao de uma teoria pedaggica.

Um sistema conceitual de interpretao da realidade cria um campo magntico que articula as aes isoladas, conferindo-lhes coerncia e sentido norteador.

Ao dividir o sistema didtico em partes, o sentido norteador desaparece e preenchido com o senso comum; as relaes so omitidas, reduzindo o ato educativo em formas, tcnicas e receitas. Assim, chega-se ao entendimento de que em Didtica se aprende as tcnicas de dar aulas e os professores se empenham em elaborar tcnicas que transformam a aprendizagem em algo agradvel, ou ento em descobrir tcnicas que melhor se adeqem especificidade dos contedos a serem transmitidos, como se eles existissem independentes da sociedade que os gera e os aplica. A dicotomia conhecimento/sociedade consuma a crena da neutralidade e objetividade do saber e da cincia.

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Esse reducionismo da Didtica legitimado pela fragmentao da organizao curricular nos moldes disciplinares, agravada com a diferenciao entre disciplinas tericas e disciplinas prticas. Por sua vez, o questionamento dos fundamentos de educao feito com base na viso histrica, sociolgica, psicolgica, biolgica, separadamente. Por mais que os fundamentos sejam postos em dvida, os alcances do questionamento so neutralizados pela separao entre teoria e prtica.

Os licenciandos ou futuros professores ao chegarem nas disciplinas prticas (ao final do curso) j encontram definidos os objetivos educacionais referentes aos contedos da especializao, sem que tenham sido orientados para relaes com as disciplinas de fundamentos. Os objetivos so geralmente redigidos de forma genrica, ora considerados indiscutveis porque so orientaes oficiais que constam nos Parmetros Curriculares do MEC, ora sendo atribudas as discusses s disciplinas tericas. Assim, a reflexo no faz parte dessa Didtica, limitando-se manipulao das tcnicas.

O processo de reconstruo da Didtica exige des-constru-la desde a teoria que a fundamenta. Como j dissemos anteriormente, os elementos constitutivos da didtica esto intimamente inter-relacionados; falar de um deles falar de todos.

A des-construo aqui colocada toma a avaliao como eixo fundamental, uma vez que a avaliao tem se constitudo no n grdio do sistema educativo e do sistema didtico.

Transformar a prtica avaliativa significa questionar a educao desde suas concepes, seus fundamentos, sua organizao, suas normas burocrticas.

As avaliaes realizadas nas escolas decorrem de concepes diversas e nem sempre se tem clareza dos seus fundamentos: Na prtica, confrontam-se lgicas heterogneas e, por vezes, antagnicas: reconhece-se a necessidade de uma maior individualizao dos procedimentos de ensino e de formao, ao mesmo tempo em que se defende uma entrada mais massificada no secundrio e na universidade, isto , ainda ao nvel das mesoestruturas que assumem assim responsabilidades acrescidas. (FIGARI, 1996:31).

Nesta anlise, consideram-se apenas duas lgicas: a formativa e a classificatria, que, ao no discrimin-las, as prticas de uma e de outra tm como conseqncia a ambigidade, revertendo em injustias para com os alunos. O sistema educacional, ou o dispositivo, como se refere Figari, confunde-se com o contexto socio-cultural-poltico e apia-se na avaliao classificatria (hegemnica) com a pretenso de verificar a competncia e a eficcia numa lgica de tecnicidade, de quantificao, de comparao, de hierarquizao. Supe-se que ao aplicar a avaliao classificatria, estaria praticando a justia social e definindo o patamar de excelncia de acordo com o conhecimento necessrio ao sistema econmico.

J lugar comum dizer que o resultado da avaliao depende da lente do avaliador. Apesar das dvidas continuamos avaliando, burocratizando o ensino, abstraindo e igualando indevidamente os educandos, ignorando as importantes diferenas individuais. Com essas atitudes fugimos responsabilidade de educar o ser humano; de utilizar a avaliao para ensejar aprendizagem, propiciando feedback para o professor e para o aluno.

Na modernidade, a palavra educar tem manifestado um equvoco proveniente da dicotomizao do ser/saber. E a lgica classificatria tem sido de grande utilidade na conformao dos sujeitos, legitimada e impressa na organizao da sociedade. Mas, se entendemos que educar no domesticar e sim desenvolver o ser humano em funo dele mesmo, das suas potencialidades e de uma sociedade mais justa, desejvel construir novos conceitos de avaliao. Para tanto, implicam-se mudanas conceituais, redefinir contedos, funo do docente, tcnicas metodolgicas e certamente critrios de avaliao.

A avaliao classificatria congruente com a estratgia memorstica de um conhecimento estratificado. Se abraarmos a

concepo da dinamicidade e provisoriedade (ARAGO, 1998) do conhecimento a avaliao classificatria perde sentido.

A aprendizagem indica interaes do organismo com o meio ambiente. So interaes cognitivas, incorporadas na criao de um mundo interior (autocriando-se), entendendo-se a prpria vida como um processo de cognio, de aprendizagem na sua sobrevivncia e humanizao. Os homens realizam o seu acoplamento estrutural mtuo atravs da linguagem (trofolaxe) e co-evoluem, co-operam, co-ordenam seus comportamentos, igualando referncias, mas cada qual conservando a sua autonomia e diversidade.

Ou seja, o eu no tem existncia independente; o eu resultado do acoplamento estrutural. Da porque a identidade, a individualidade e a autonomia so relativas e inseparveis do meio histrico-cultural.

O que se quer realar que esta compreenso torna-se o ponto de partida na reconceitualizao da subjetividade: mentalidade fragmentria do modernismo, opor a conexo, a articulao, a interao com toda a teia da vida (CAPRA, 1999). Assim, a avaliao para a educao do ser humano adquire sentido em funo do seu desenvolvimento, atrelado s suas aprendizagens, considerando as mltiplas interferncias que levam o sujeito a agir de determinada forma. A avaliao instrumental que se generalizou no fazer docente, diz respeito, pelo carter de mensurao, de medida, to-somente a conhecimentos e habilidades restritos.

O quadro estatstico da curva normal que se costuma elaborar no expressa o processo de aprendizagem. Ela simplesmente uma caricatura momentnea da performance esttica e uma interpretao artificiosamente objetiva de um determinado desempenho. A atribuio de notas depende do confronto do resultado do teste com a verdade professada pelo juiz. Se o que se deseja enfatizar a aprendizagem e levar em conta as diferenas individuais, deve-se supor que haver um inevitvel conflito com as autoridades constitudas (PERRENOUD, 1999) e as normas burocrticas e organizacionais da pedagogia tradicional, ainda

hegemnica. Na verdade, trata-se de duas linhas pedaggicas: ou se confere importncia aprendizagem (Pedagogia da Incluso), ou se aceita a burocratizao do ensino, neste caso favorecendo o status qo (Pedagogia da excluso). No entanto, na prtica, como temos ps de galinha apesar do corao de guia, ficamos l e c, conciliando...

Na falta de uma estrutura organizacional que sustente uma pedagogia da aprendizagem propriamente dita, no impede de todo aos professores de estabelecer um relacionamento e metodologia que atendam s diferenas de aprendizagem, diversidade, ambivalncia, complexidade do conhecimento e dos aprendizes, levando-os ao domnio do conhecimento em questo, equacionado, sob um modo de pensar transdisciplinar.

A avaliao sempre conservar em si uma margem de injustia, j que, em vez de considerar as diferenas individuais de aprendizagem, considera simplesmente a diferena de resultados em relao ao conhecimento supostamente ensinado em dado momento.

Por este aspecto, a avaliao classificatria no pode ser o nico mecanismo; ela precisa ser contrabalanada com o processo vivido pelo estudante, bem mais til para estimular o progresso e a aptido para dar continuidade sua prpria aprendizagem, alm dos muros da escola.

A avaliao classificatria fixada pelo calendrio escolar (ao final de cada semestre/ano) segue o mesmo fundamento das avaliaes seletivas para preencher cargos no mercado de trabalho, uma justificando a outra e, ambas, justificadas pelo ideal de excelncia, hierarquia e eqidade de oportunidades, no suposto do vence o melhor da justia social. Porm, entre um concurso e uma avaliao reguladora de aprendizagem, a inteno varia: substancialmente, o primeiro tem como objetivo a seleo e a classificao, enquanto a segunda, tem como fim, a otimizao da aprendizagem, sem propsito classificatrio, ao precisar levar em conta as diferenas individuais, ensejando mudanas conceituais. O que, por sua vez, exige uma metodologia que crie situaes favorveis manifestao de habilidades e dificuldades a fim de se conseguir o mais importante na aprendizagem: superar a dicotomia ser/saber. Isto , encarar o conhecimento no como algo fora do sujeito e sim subjetivado e no objetivado. Para tanto, o planejamento-receiturio lgico-linear deve dar lugar a um planejamento-guia aberto aos imprevistos provenientes da diversidade de fatores que intervm nas reaes dos alunos. Isto significa superar a idia de que os alunos so todos iguais e, por conseqncia, relativizar a avaliao classificatria.

Como toda aprendizagem auto-aprendizagem, assimilar um conhecimento desdobrar-se na interpretao e confront-lo com o sistema de crenas, assumindo o conhecimento tambm em sua dimenso emocional.

Ademais, a avaliao classificatria pressupe que as pessoas aprendem nos mesmos momentos e em iguais condies; que elas aprendem as mesmas coisas com uma mesma metodologia. Ela opera num ensino sincronizado com os cortes de nmeros de horas e de semestres. A avaliao padronizada e fechada, retratando competncias isolveis (PERRENOUD, 1999).

Vivemos ainda sob o domnio da Didtica Formal que transforma o agir pedaggico em frmulas e receitas, abstraindo e uniformizando os aprendentes. Ou seja, h uma reduo da dimenso interpretativa em funo de requerimentos macroestruturais segundo uma viso economicista.

A avaliao formativa, ao contrrio, parte da negao de tais premissas: nem todo mundo aprende o mesmo contedo no mesmo momento e os educandos so afetados por diferentes estmulos e tem interesses e referenciais diversos. Os estudantes possuem em larga medida tipos de mente diferentes e que, por isso, aprendem, lembram, executam e compreendem as coisas de maneiras diferentes (Gardner, Educare al comprendere, apud Assmann, 1996-2:43).

Na avaliao formativa, a idia do todo, decorrente da ajuda pedaggica, pela interao, referente s diferenas individuais; na classificatria, o todo dado pela mdia das notas. E a mdia uma abstrao que no se refere a nenhum dos estudantes em particular. Uma nota atribuda ao aluno uma nota comparativa dentro da turma, definida em funo de uma competncia estipulada (subjetivamente) pelo professor.

Toda nota uma apreciao a partir do referencial do docente. Por mais que se processe objetivamente, a avaliao sempre conter ingredientes subjetivos, uma vez que sempre realizada por algum. Para que uma nota no seja motivo de baixa auto-estima, conviria compreend-la como um aspecto isolado e parcial da totalidade do ser, no tendo valor absoluto. Pelo contrrio, podendo ser negociada em funo de outras dimenses ou qualidades observadas na experincia de ensino-aprendizagem.

Uma avaliao formativa no se preocupa em classificar, nem selecionar. Ela pode ser intuitiva ou instrumentada, deliberada ou acidental, superficial, pontual ou sistemtica - nenhuma modalidade de percepo descartada. Suas referncias so os processos de aprendizagem, aspectos cognitivos, afetivos e relacionais, com vistas regulao da auto-estima. A avaliao formativa pertence ao mbito da Didtica e muitas so as formas de ajudar o aluno, dependendo do problema e da percepo que o docente tenha da sua funo. Na atividade diria, a nova atitude se traduz em: explicar novamente; trocar atividade por outra mais proporcional aos interesses dos alunos; aliviar sua angstia; devolver confiana; propor razes de agir e aprender, etc.

Quanto comunicao na sala de aula, a Didtica Formal entende que clareza e objetividade se devem pautar pelo critrio lgico-linear do discurso, abstraindo a diversidade de fatores implicados. Por mais que se trabalhe com clareza e objetividade, a comunicao nunca alcanar a todos com a mesma eficcia. Numa sala de aula, cada estudante estar com a cabea repleta de outros tempos e outros espaos. A proximidade fsica e o propsito comum no fazem deles um bloco de disposies pronto para assimilar o discurso do professor. O entendimento proveitoso entre professor e seus alunos no se estabelecem porque aquela a hora daquela disciplina.

O critrio de clareza e objetividade est em funo da compreenso dos alunos, integrando a complexidade da interao produtiva. A comunicao presencial tem nuanas hipercomplexas e a eficcia nem sempre est na objetividade, ou melhor, no basta a objetividade no agir pedaggico.

Para tanto, a dialgica de Morin nos parece mais adequada que a absolutizao da lgica formal: (a) dialgica da vida no obedece a nenhum princpio lgico superior, mas complexidade da realidade viva. O paradigma dialgico orienta o pensamento, o qual ento utiliza a lgica sem se deixar subjugar por ela (1998:246).

As recomendaes, contidas na Didtica Formal, de manter equilbrio emocional na sala de aula, gostar de todos os alunos igualmente, dar tratamento igual para todos, disponibilidade para todos e outras nesse estilo, so formalizaes fora do contexto circunstancial, servindo para aumentar a angstia do professor. Melhor seria mudar o olhar, enfocando a partir de um outro ponto de vista:

o professor um ser humano dotado de algumas habilidades e sujeito falhas. No existe docente perfeito, assim como no h ser humano perfeito. Cada qual nasce com um quadro diferenciado de habilidades. Certos defeitos so perfeitamente compensados com outras virtudes. O desempenho de um ser humano imprevisvel e muitas vezes surpreendente. Ele no reage sempre de maneira igual a um dado estmulo.

Constatar essa diversidade de respostas a um dado estmulo pode invalidar e transformar em injustia o critrio de uniformizao dos alunos, atravs de uma suposta objetividade, quando as carncias de cada um so diferenciadas. Ao analisar a relao pedaggica sob o ponto de vista do Construtivismo v-se melhor a

necessidade de o professor desenvolver tambm a capacidade Interpessoal relatado por Howard Gardner (1994).

A Pedagogia Construtivista tem procurado compreender a natureza do erro e o identifica como um processo natural da descoberta. No o v como algo negativo, e sim como parte do processo.

Dvidas, incertezas e caos fazem parte de momentos criativos. O erro sinaliza o processo de auto-regulao, permitindo ao professor detectar a dificuldade do aluno em estabelecer novos equilbrios em seu processo de crescimento. Ele demonstra a existncia de desajustes, conflitos, perturbaes, necessitando aes e estmulos pedaggicos especficos. Erros e acertos fazem parte da vida e da aprendizagem. Cada um possui seu modo sui generis de chegar ao xito com base em suas caractersticas prprias. Vida contnuo desafio de enfrentar e aprender a cada nova circunstncia. Viver aprender. Enquanto houver interao haver vida (MATURANA e VARELA, 1995).

Quando se coloca a problemtica do erro no contexto da histria do conhecimento humano, verifica-se tambm que o erro um processo integrado aos avanos tericos. Se determinados algoritmos so erros ou acertos depende do referencial e do rumo tomado pela sociedade. Mesmo na cincia, por sua estreiteza de concepes, muitos erros foram cometidos. Fenmenos que a princpio se consideravam erros, depois, foram integrados explicao da natureza e do cosmos, tais como a desordem e o acaso, como sendo parte do dinamismo do universo. Este mesmo universo no mais conce