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23/08/17 CAPA

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23/08/17 CAPA

23/08/17RADAR

Maurício Lima

Como matar meu chefe

Antonio Palocci contou ao MPque o ex-presidente Lula recebia ummensalinho de duas empresas. Paiafecharem o acordo de delação, osprocuradores agora querem maisdetalhes sobre os pagamentos.Palocci ainda não os deu.

Fantasmas do passado

Palocci prometeu também relatarbastidores do sepultamento daOperação Castelo de Areia, que foianulada pelo STJ em 2011.

Diga que não estou

A possível delação de EduardoCunha deixou em pânico a Câmara.Deputados vem procurandoDanielle, filha do peemedebista, parasaber se serão citados. A moça temevitado todos os pedidos deencontro e ligações.

Depois das flechas

Assim que passar a caneta aRaquel Dodge, Rodrigo Janot vaidescansar por quarenta dias, comdireito a viagem ao exterior. AAlemanha está no roteiro.

Barata voa

O empresário Jacob Barata Filhodecidiu fazer sua delação premiada.O rei dos ônibus do Rio prometeentregar vários deputados federais

e, lógico, o onipresente SérgioCabral.

Ninho dividido

Depois do racha do partido navotação da denúncia contra Temer,Aécio Neves e Tasso Jereissatiestiveram com o presidente paradeixado à vontade se quisesse reaveros ministérios do PSDB. Cada umdesejava ouvir uma respostadiferente.

Juntos, finalmente

Paulinho da Força mandou umrecado a Lula: se ele for candidato apresidente, o sindicalista vai apoiá-lo. Será a primeira vez em que ambosestarão do mesmo lado numacampanha.

Um poste no caminho

Lula, por sinal, revelou todo o seutrauma em relação a Dilma Rousseff.Em conversa com Gleisi Hoffmann,depois que ela assumiu o comandodo PT, ele disse: "Ouço que vocênão é o primeiro poste que escolho.Espero não me arrepender tantoquanto do primeiro".

As aparências enganam

Geraldo Alckmin ignorou JoãoDoria por 24 horas, na véspera dagravação do vídeo em quemostravam união. Irritado, ogovernador só atendeu o prefeito

pela insistência de suas ligações.

Palavra de amigo

Aécio Neves não andarecebendo elogios nem de seu maioraliado. Antonio Anastasia tem ditoque o amigo demorou a desencarnarda presidência do PSDB e quedeveria estar submerso.

Sem futuro

Cresce a insatisfação de GilbertoKassab com Juarez Quadros. Oministro não gostou da atuação dopresidente da Anatel na votação dadenúncia contra Temer.

Atrás do nada consta

A Camargo Corrêa é aempreiteira mais adiantada parafechar um acordo de leniência noTCU.

Tratamento vip

A Rede D"Or vai construir maisdois hospitais de luxo com a bandeiraCopa Star. Um em São Paulo, aindaenrolado na prefeitura, e o outro emBrasília.

Que exagero

A prefeitura de Mangaratiba, noRio, autuou a MRS Logística porquestões ambientais. Valor da multa:3 trilhões de reais. Isso mesmo.Trilhões.

23/08/17

A lição americana

Os Estados Unidos, sendo a potência inigualável quesão, costumam ser vistos como um exemplo a seguir. Apujança econômica, o imbatível poderio militar e a notávelexperiência democrática despertam respeito e fazem dopaís talvez o mais admirado do planeta. Desde que opresidente Donald Trump chegou à Casa Branca, emjaneiro deste ano, o cenário começou a mudar. Os EUApassaram a ser vistos com desconfiança e reserva, dadoo histrionismo do eleito. Na semana passada, a situaçãoatingiu um ponto crítico, depois que Trump se mostroutolerante com a violência neonazista promovida porgrupos de supremacistas brancos no Sul do país. Ficouclaro que os Estados Unidos estão oferecendo mais umexemplo ao mundo — mas, desta vez, um exemplo a serevitado.

No pleito presidencial, Donald Trump teve menosvotos dos eleitores do que sua adversária Hillary Clinton,mas beneficiou-se das regras bizantinas do sistemaamericano e acabou sendo eleito. Üs americanos, emboranão em sua maioria, pareciam satisfeitos com o resultadodas urnas: queriam alguém de fora da política, sem os"velhos vícios de Washington", com visões inovadorasque incomodavam o centro de equilíbrio político eprenunciavam uma era de saudáveis transformações.Agora, o país está experimentando dificuldade para conter,dentro dos limites da sensatez, um presidente deinclinações radicais, posições extremistas e discursoinsidioso.

Como democracia sólida, os Estados Unidos têminstituições fortes e estáveis, a começar pelo Congresso,que sempre serviu como dique poderoso para conter osdevaneios presidenciais. Mesmo assim, Trump temconseguido infligir um estrago monumental ao país e àsua imagem. "A

América agora é uma nação perigosa", chegou aescrever, na semana passada, um articulista do FinanciaiTimes, ao lembrar a troca de provocações nucleares coma Coreia do Norte, as ameaças militares contra aVenezuela e o recente namoro infame com os neonazistasde Charlottesville.

É uma lição relevante para países como o Brasil, cujasinstituições parecem eternamente em construção e,portanto, ainda carecem da força estabilizadora capazde conter excessos de um presidente. A renovação napolítica brasileira é uma exigência dos tempos atuais.Tornou-se uma necessidade gritante depois que veio àluz toda a podridão de Brasília, que não escolhe partidosnem ideologias. Mas é fundamental compreender queas transformações urgentes não podem ser feitas à custado equilíbrio e da sensatez, atributos inviáveis sob ocomando de aventureiros, extremistas, radicais — dequalquer partido, qualquer ideologia. Hoje, essa é amelhor lição americana.

EDITORIAL

23/08/17

A reforma de fancaria

Sob o pretexto de melhorar aprática política, deputadostentam aprovar mudanças cujoobjetivo é um só: facilitar aprópria reeleição

Marcela Mattos e Robson Bonin

A promessa era de moralização.Os parlamentares aprovariam umareforma política destinada apromover uma faxina partidária,reduzir o custo das campanhas eaproximar os representantes dosrepresentados. Como de costume,a motivação propalada era nobre:acabar com as brechas quefomentam a troca de favores, ofisiologismo e a corrupção. Como

de costume, a realidade mostrou-seoutra: os parlamentares estão prestesa aprovar uma proposta que, ao fime ao cabo, atenderá a doispropósitos: facilitar-lhes a reeleiçãoe garantir-lhes os recursosnecessários para bancar as própriascampanhas — recursos que, atésegunda ordem, sairão dosesvaziados cofres públicos.

Nesta semana, a Câmara devevotar a primeira parte da reformapolítica, que trata do sistema deescolha de deputados e vereadorese do modelo de financiamento doprocesso eleitoral. A prioridade dosdeputados é definir uma nova fontede verbas. Pelas regras atuais, os

candidatos podem ser financiadospor pessoas físicas e pelo fundopartidário, de 819 milhões de reaisneste ano. Os parlamentares afirmamque apenas essas fontes sãoinsuficientes e defendem a criação deum fundo de 8,6 bilhões de reais,cujos recursos sairiam doOrçamento da União. A péssimarepercussão da proposta forçou ospresidentes da Câmara, RodrigoMaia (DEM), e do Senado, EunícioOliveira (PMDB), a tentar costuraralternativas para substituí-la.

Maia defende a volta dofinanciamento privado, como se nãofosse a fonte dos maiores escândalosnacionais. Ele quer limites bemdefinidos, supondo que isso possaevitar uma nova derrama de dinheiro(e as inevitáveis exigências decontrapartida) das empresas para ospartidos. Maia tem o apoio doministro do Supremo TribunalFederal (STF) e presidente doTribunal Superior Eleitoral (TSE),Gilmar Mendes. "Se as campanhascontinuarem caras, certamente vaientrar dinheiro de outros lugares.Para as próximas eleições, muitoprovavelmente teremos fundopúblico, doação de pessoas físicas ecaixa dois", disse Mendes a VEJA.

Eunício, no entanto, resiste aofinanciamento privado. Em público,alega que as campanhas podem sercusteadas com as emendasparlamentares e o fundo partidário,sem a necessidade de retirar mais 3,6

BRASIL

23/08/17

bilhões de reais dos cofres públicos.No privado, argumenta que, com aLava-Jato nas ruas, nenhuma grandeempresa vai se dispor a doar dinheiroaos políticos. A volta dofinanciamento empresarial, portanto,seria inócua.

Já a definição sobre o modelo deescolha de deputados e vereadorespreocupa bem menos osparlamentares. A substituição dosistema proporcional, hoje em vigor,pelo modelo do chamado "distritão"é uma das ideias em pauta.Deputados que defendem o modelo,muitos deles investigados na Lava-Jato, levam em conta o fato de queele facilita a reeleição de quem já temmandato.

No distritão, elegem-se osdeputados e vereadores maisvotados individualmente. Levavantagem, portanto, quem é maisconhecido. Os defensores daproposta alegam que ela evita o"efeito Tiririca", que ocorre quandoum "puxador de votos" acaba porassegurar a eleição de colegas departido com votação ínfima. Essavantagem do modelo, porém, élargamente superada por suasdesvantagens. Ao favorecer a eleiçãode nomes conhecidos, categoria queinclui de velhos políticos e políticoscom mandato a celebridadesinstantâneas, o sistema impede a

renovação do Parlamento, estimulaa perpetuação de oligarquias edificulta a representação dasminorias. Para os partidos, há umadificuldade adicional: eles terão depedir aos eleitores que nãodepositem todos os votos no nomemais aclamado da sigla, sob pena dedeixarem de fora correligionários quenão figuram entre os mais votados.

Numa conversa com RodrigoMaia, Eunício Oliveira disse que sópautará o distritão se a Câmaraaprovar outras medidas destinadasa moralizar o sistema político, comoa cláusula de barreira. Tal qual Maia,Eunício é investigado pela Lava-Jato.Mesmo assim, não quer aparecercomo padrinho do distritão, cujafunção última e principal não émeramente favorecer reeleições, masevitar a perda do foro privilegiado— ao menos no caso de políticosenroscados no petrolão.

Na sexta-feira passada, porexemplo, o juiz Sergio Morodeterminou a prisão temporária deCândido Vaccarezza, ex-líder dosgovernos Lula e Dilma na Câmara,acusado de embolsar propinadesviada da Petrobras. Descontadasraras exceções, a Lava-Jato só puniuaté agora políticos que, comoVaccarezza, ficaram sem mandato. Oque, a esta altura, parece um péssimonegócio.

23/08/17

23/08/17

Federação de casuísmos

A reforma política é mistura dealhos, bugalhos e outros galhos

Um poder legislativo que não fazo mínimo, estabelecendo regras paraorganizar a barafunda reinante noambiente partidário nacional e cujarepresentatividade é renegada por94% dos consultados em recentepesquisa de opinião, não está aptoa se propor a fazer o máximo,falando em alterar o sistema degoverno de presidencialista paraparlamentarista.

Antes de pensar emparlamentarismo, conviria ao bom-senso que suas excelências parassemde tratar um assunto sério como areforma política com a levianaconvicção de que quaisquerremendos adaptados às causaspróprias e conveniências de ocasiãoserão bem-vistos como atos dereformulação.

O repúdio, a indiferença e odistanciamento em relação a essaatividade essencial à democracia sãoprimos-irmãos da ignorância. Nessedesconhecimento reside a vantagemdos políticos de intenções ocultas.Quanto menos gente entender dosmeios e modos da política, maislivres para atuar estarão ospraticantes dos meios ilícitos e os

iniciados nos péssimos modos,seguidores de uma seita apodrecidaque sobrevive como um zumbi deresultados.

O primeiro passo na direçãocorreta seria um diagnóstico precisosobre os defeitos existentes e asnecessidades de mudanças referidosno interesse do público. O segundo,uma campanha de esclarecimento arespeito do significado de cada item.Quantas pessoas hoje saberiam dizerexatamente o que significam ossistemas presidencialista eparlamentarista, distinguindorespectivos prós e contras?

A desinformação campeia. Nosúltimos vinte anos houve umaquantidade enorme de propostas.Umas aprovadas, outras rejeitadas,algumas revogadas, várias delasrequentadas, todas pautadas pelointeresse ocasional, o que faz desseconjunto uma federação decasuísmos sem significado realmentereformista.

Nas últimas duas décadas oCongresso propôs piso mínimo devotos para o funcionamento dospartidos e seu acesso a recursospúblicos, fim da reeleição, mudançado sistema de votação paradeputados, regras para doações

eleitorais, extinção do cargo de vice-presidente, veto a coligaçõespartidárias em eleiçõesproporcionais: uma salada mista dealhos, bugalhos e outros galhosirrelevantes no tocante à necessáriarecuperação da credibilidade nosistema representativo.

Não obstante a clareza dessequadro, o Congresso se dá aodesplante de propor à sociedade acriação de um financiamento decampanhas eleitorais no valor de 3,6bilhões de reais, aos quais seriamacrescentados 820 milhões jádestinados ao fundo partidário maisos cerca de 600 milhões decorrentesdo desconto de impostos dasemissoras de rádio e TV pela cessãodo horário eleitoral. Dinheirosuperior ao orçamento da maioriadas capitais brasileiras.

Algo tão insustentável nasociedade que os deputados"aceitam" um "recuo", aprovando avolta do financiamento de campanhasmediante doações de empresas, umfoco de corrupção comprovado pelaLava-Jato. Em 2013 a reaçãopopular não foi pelos 20 centavos deaumento nas passagens dostransportes públicos, mas pela faltade respeito que suas excelênciascontinuam dedicando ao público.

DORA KRAMER

23/08/17

De cúmplices a rivais

Na corrida peia delação,Eduardo Cunha, por enquanto,está atrás do doleiro LúcioFunaro, seu antigo parceiro denegociatas

Thiago Bronzatto

O ex-presidente da CâmaraEduardo Cunha e o doleiro LúcioFunaro mantinham uma notóriarelação de simbiose. A missão deCunha, o chefe, era galgar degrausna hierarquia do poder, ganharprestígio e conquistar o direito deindicar afilhados para cargos naadministração. Funaro, seuoperador, era encarregado de azeitara engrenagem de cobrança depropina de empresários interessadosem recursos públicos. Durante quaseduas décadas, a parceria foi umsucesso. Cunha e Funaroembolsaram dinheiro sujo desviadode fontes diversas, da CaixaEconômica Federal à Petrobras. Foiassim até a Operação Lava-Jato.Presos desde o ano passado, chefee operador se distanciaram e, agora,duelam pelo direito de fechar umacordo de delação. Nasnegociações com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os doisprometem coisas parecidas, comoacusar o presidente Michel Temer decomandar a coleta de propina feita

por peemedebistas. Até por isso, osprocuradores trabalham com aperspectiva de selar acordo comapenas um deles, e não com os dois.

Nessa corrida, o doleiroencontra-se em vantagem. "Funarojá está com a cabeça de delator,enquanto Cunha apresentou temasinteressantes, mas insuficientes parao avanço das investigações", afirmaum integrante da Lava-Jato. Antes deser preso, Funaro dizia que ele eCunha eram capazes de derrubarTemer "em cinco minutos". Funarotrabalhou para a JBS, cujos donosdeclararam ter repassado milhões dereais em propina a próceres doPMDB — entre eles, pessoas daconfiança de Temer. Ele também éconsiderado peça-chave nainvestigação que tenta descobrir aidentidade dos beneficiários finais dos10 milhões de reais dados pelaOdebrecht a peemedebistas apedido do presidente da República.Na última semana, ao deixar umaaudiência, o doleiro fez pressão pelofechamento da delação ao afirmarque ainda tem o que entregar sobreTemer.

Em entrevista a VEJA, em marçode 2017, Funaro declarou ter sereunido pessoalmente com opresidente, que nega conhecê-lo.Com a delação, essa história poderá

ser esclarecida. Funaro demonstradisposição para fulminar aindafigurões do PMDB como o ex-ministro Geddel Vieira Lima e oministro Moreira Franco. Na semanapassada, Geddel, que chefiava aSecretaria de Governo de Temer, foidenunciado pela PGR por tentarimpedir a delação do doleiro. Diantedo avanço das tratativas com Funaro,investigadores resolveramemparedar Cunha, declarandosuspensa a negociação de seuacordo. Para recuperar terreno, eleapresentou novos capítulos sobreesquemas de corrupção e ofereceu-se para se reunir com osprocuradores e relatar de viva vozas revelações que pretende fazer. Oque o prejudica é sua fama dementiroso contumaz.

Nos últimos anos, Cunha atuoucomo arrecadador informal doPMDB. Disse ter obtido doações daOdebrecht para a campanha deGabriel Chalita à prefeitura de SãoPaulo e a de Henrique Alves, hojepreso, ao governo do Rio Grande doNorte. Ambas tinham como padrinhoo presidente Temer. Cunha e Funarocorrem contra o tempo. RodrigoJanot não quer encerrar seu mandatona PGR, em setembro, sem antesdenunciar Temer por obstrução deJustiça e organização criminosa.

BRASIL

23/08/17

23/08/17

O que ninguém fez

Programa tucano fazautocrítica inédita sobre vícios desistema político - e amplia o rachainterno

Ana Clara Costa

"O PSDB ERROU." "Aceitamoscomo natural o fisiologismo.""Erramos ao ceder ao jogo da velhapolítica." Com frases assim, o PSDBlevou ao ar na noite de quinta-feiraum programa inédito na políticabrasileira. Idealizado pelo senadorTasso Jereissati — que ocupa o lugarde Aécio Neves na presidênciadesde que o mineiro foi flagradoachacando o empresário JoesleyBatista —, o mea-culpa tucanosurpreendeu. E não só pelacontundência, mas por ter sido aprimeira iniciativa do gênero num país

BRASIL

em que o que não faltou na históriarecente foi demanda por autocríticapartidária. O PT passou ao largo delano mensalão, no petrolão e atédepois que o governo Dilma atirou oBrasil na maior recessão já vista. Daex-presidente, o máximo que seouviu foi um vago "posso ter errado".Já cardeais do PMDB de MichelTemer, sempre que podem, usaminserções na TV para dizer que todoserraram — petistas, procuradores,delatores —, menos eles.

Muitos tucanos detestaram ovídeo e reclamaram que Jereissatinão consultou o partido antes de dizerque todos erraram. De fato, osenador limitou-se a ouvir tucanosgraúdos antes de apertar o play.Fernando Henrique Cardoso sugeriu

mudanças aqui e ali. Aécio Neves viue não gostou, pois vestiu a carapuça.Mas veio de três ministros tucanosde Temer — Aloysio Nunes, AntonioImbassahy e Bruno Araújo — acrítica mais pesada contra o senador.O chanceler disse que o vídeo eraum "tiro no pé". O secretário deGoverno afirmou que ele "ofendefortemente o partido", e o ministrodas Cidades considerou-o "injusto"com a história da sigla. Jereissati temlevado os disparos sozinho, mas diza aliados que não vai recuar. O ninhotucano está balançando, mas osenador acha que não será averdade que o fará ir ao chão.Infelizmente, para o PSDB, muitosoutros ventos o ameaçam. Mas, atéaqui, fica pelo menos um exemplo aser imitado: a autocrítica faz bem.

23/08/17

Entrevista / João Doria"Não vou dizer que não"

João Doria afirma não quererbrigar com Alckmin por uma vagana disputa eleitoral de 2018, masadmite assumir a candidatura se essafor a decisão do partido

Ana Clara Costa

O prefeito de São Paulo, JoãoDoria, declara que não deixará oPSDB e não disputará prévias paraa candidatura presidencial contra seupadrinho político, o governadorGeraldo Alckmin. Mas também dizque não se fará de rogado se opartido o escolher para concorrerãoPalácio do Planalto. Em relação àdefinição do mês de dezembro comoprazo para a escolha do candidatotucano à Presidência, um pleito deAlckmin que, sabidamente,desfavoreceu o prefeito, Doriaesquiva-se de tomar posição. E bom

para o PSDB ter um candidatoescolhido já no inicio do próximoano", diz. Em entrevista a VEJA, oprefeito afirmou que suas incessantesviagens país afora decorrem de suafunção de vice-presidente da FrenteNacional de Prefeitos — e não desua condição de virtual candidato.Sobre inspirações na política, dissemirar os presidentes EmmanuelMacron, na França, e MauridoMacri, na Argentina, "agentestransformadores" com "ideias novas,sentimento patriótico, força edeterminação para cumprir seusobjetivos". A seguir, os principaistrechos da entrevista.

O senhor vai deixar o PSDB?Sou filiado ao PSDB desde 2001

e seguirei no PSDB. Minha filiaçãonão teve nenhum objetivo eleitoral.Em 2001 eu era um empresário, e

só em 2016 disputei prévias. Poresse histórico, não vejo razão parasair. Houve convites do PMDB e doDEM, e de outros partidos também.Prefiro não mencionar quais. Masisso só me honra. Ninguém convidaalguém para o seu partido se nãoencontra valor e conteúdo nessapessoa.

Por que todos creem que osenhor quer ser candidato àPresidência em 2018?

No fim do primeiro mês degoverno, começaram a surgir essesrumores. Logo na sequência, aspesquisas iniciais que foram feitaspelo Datafolha, Ibope e institutoParaná já incluíam meu nome. Nãotenho controle sobre os institutos depesquisa nem sobre o que fazem commeu nome. Nós não temos estruturade campanha, não compro pesquisa,não faço nenhum esforço adicionalpara me colocar. Então, consideroque isso seja pela inovação na nossagestão. Há uma ânsia na opiniãopública por transformação.

O senhor tem ambição de serpresidente?

Qualquer pessoa se sentiriahonrada com essa perspectiva. Nãovou dizer que não me sentiriatambém. Mas não transformo issonuma meta nem em obsessão.Entendo que temos um longo tempopela frente e que aqueles que hojeocupam função no Executivo, como

BRASIL

23/08/17

é o meu caso, precisam cuidar doExecutivo. O que mais pode mepromover, endossar e referendar éuma boa gestão na prefeitura. Semisso, não haverá pesquisa nempúblico nem ninguém que possasequer considerar essapossibilidade. Não existe nenhumailegitimidade nisso. Mas tudo a seutempo.

Se o governador GeraldoAlckmin for atingido de formadefinitiva pela Lava-Jato, osenhor vai se colocar comocandidato?

Não tenho curso de leitura demãos. Não posso fazer uma análisesobre essa condição. O que sei hojeé que Geraldo é um homem decente,honesto. Sobre uma eventualidadeque possa ocorrer, fruto de Lava-Jato e de investigações, prefiro nãofazer previsões.

O senhor considera arealização das prévias do PSDBem dezembro uma boa ideia?

Entendo que o PSDB deva ter jáno início do próximo ano a suacandidatura definida. Será umacampanha dura. E, sendo nacional,vai exigir viagens, entendimentos, enada substitui a presença física docandidato. Mesmo no mundo dainternet e das redes. Então, é bompara o PSDB que já no começo dopróximo ano o candidato estejaescolhido e possa iniciar acampanha.

O senhor disputará préviascom o governador Alckmin?

Não disputarei prévias comGeraldo Alckmin. Não há a mais

remota hipótese de isso acontecer.Que fique bem claro e selado essecompromisso. Seguiremos juntos,cada um dentro do seu campo. Ogovernador tem toda a legitimidadepara continuar fazendo a boa gestãoque faz à frente do governo econduzir sua pré-candidatura àPresidência.

Quais presidentes no exteriorfazem uma gestão parecida coma que o senhor acha necessáriapara o Brasil?

Emmanuel Macron, na França, eMauricio Macri, na Argentina. Sãodois exemplos de agentestransformadores na política, comideias novas, sentimento patriótico,força e determinação para cumprirseus objetivos. Ambos vieram dosetor privado, assim como Trump.Mas, sobre Trump, não tenho amesma impressão nem a mesmaavaliação, embora o respeite. Afinal,ele foi eleito nos Estados Unidos. Noplano municipalista, a minhareferencia é Michael Bloomberg.Mantenho uma boa relação com cieque vem de antes de eu ser eleitoprefeito de São Paulo, e hoje aprópria prefeitura mantém acordoscom a Fundação Bloomberg.

Por que o senhor está viajandotanto?

Sou vice-presidente da FrenteNacional de Prefeitos. Nósrepresentamos a totalidade dosmunicípios brasileiros e temos defazer defesas adequadas para osfundamentos das cidades. O convite(de ser vice da entidade) foi feito emfevereiro quando nem sequer haviamsaído pesquisas em que meu nomepudesse ter sido colocado.

O senhor é apontado comointolerante à crítica. O senhorsabe ouvir?

Ouço o suficiente paracompreender. Longos debates econversas tangenciais que não sejamfocadas e produtivas não vão me tercomo interlocutor atento. Comigotem de ser objetivo. Coloque comclareza o que precisa, o campo deatuação, a forma de agir, o prazo eas metas a ser cumpridas.

O senhor participou demovimentos anticorrupção, masdeu apoio a um governo que éalvo de denúncias graves. Não écontraditório?

Eu pertenço ao PSDB, soufiliado, e o partido apoia essegoverno e tem quatro ministros nele.Não posso fazer oposição a umgoverno em que temos quatroministros. Mas defendoinvestigações. Nunca defendi o fimde nenhuma investigação. Nemmesmo daquelas que atingemintegrantes do PSDB.

Por que o senhor subiu o tomdos ataques a Lula?

Em relação à sua manifestaintenção de voltar a fazer dano aonosso país, só com veemência econtundência reproduzimosantagonismo a essa vontade. Porqueo Lula é intenso. Ele não é suave.Não que eu queira ser essa pessoa,mas, se a opinião pública não tivercapacidade de responder, Lulacrescerá perante o eleitorado e,tendo condições de disputar comocandidato, poderá vencer.

23/08/17

As tábuas de Crivella

Sim, ele é o prefeito de todosos cariocas. Mas até agora temobedecido, com ações, palavras eobras, a ditames que revelam umaligação indisfarçável com osevangélicos

Thiago Prado

Na campanha, o prefeito do Riode Janeiro, Marcelo Crivella (PRO),bispo licenciado da Igreja Universale sobrinho do líder da agremiaçãoreligiosa, Edir Macedo, garantiu que,se eleito, faria rigorosa separação

entre igreja e governo. Qualquerprefeito pode ter a fé que quiser, mas,seja qual for, ela precisa ficar na portada prefeitura. No caso de Crivella,as coisas estão se misturando. Elevem seguindo uma tábua demandamentos sob medida paraagradar ao rebanho evangélico,sobretudo aquelas ovelhas que estãocom um pé dentro da política. Aseguir, o decálogo do bispo-prefeito.

I. NOMEARÁS IRMÃOS

Crivella pôs em diversos postos

municipais pessoas ligadas à igrejaou à Rede Record, a TV do tioMacedo. Em compromissospúblicos, sempre tem ao lado opastor Marcos Luciano, que oacompanhou no passado em missõesna África e agora responde comoassessor especial. Um segundoassessor é ex-executivo da Record.A Secretaria de Conservação estánas mãos de Rubens Teixeira, pastorda Assembleia de Deus que fazoração em eventos públicos e pregacontra o uso de piercings e tatuagens.Pelo menos três superintendênciasacomodam evangélicos aliados deoutras denominações. Um bispo daUniversal comanda o Proconcarioca, órgão vinculado ao gabinetedo prefeito. Não há nada de ilegalnisso, mas é inadequado tornar a féreligiosa um critério para opreenchimento de cargos públicos.Só há, talvez, uma irregularidade: nachefia da Casa Civil, Crivella instalouo filho Marcelinho, mas o cheiro denepotismo levou o caso ao SupremoTribunal Federal, onde aguardadecisão, prevista para este mês.Enquanto isso, o herdeiro age comose secretário fosse e prepara acandidatura a deputado federal em201S, pelo PRB do pai.

II. SEPARARÁS O JOIO DOTRIGO

A prefeitura realiza um censoreligioso na Guarda Municipal pormeio de um formulário com três

BRASIL

23/08/17

perguntas: 1) A pessoa tem religião?;2) Qual (católica, evangélica, espíritaou outra)?; e 3) É praticante? Aparticipação é opcional. E, sim, acomandante da Guarda e autora daideia, Tatiana Mendes, é evangélica.Ninguém entendeu por que é precisoapurar a religião de cada guardamunicipal.

III. REDUZIRÁS FESTASPAGÃS

Em nome da austeridade, oprefeito cortou a verba dos desfilesde escolas de samba do Carnaval2018. Pode ser só austeridademesmo, mas Crivella tem alergia afolguedos momescos, a maioratração turística do Rio. Negou-sea participar da tradicional entregadas chaves da cidade ao Rei Momo,em fevereiro, e foi o primeiro prefeitodesde 1984, ano da abertura doSambódromo, a não pisar no palcoda folia.

IV. APOIARÁS ARTEEVANGÉLICA

A Cidade das Artes foi cedida,de graça, a um festival de cinemaevangélico marcado para novembro.A título de comparação: por um fimde semana de festa rave, neste mês,foram cobrados 25 000 reais.

V. PROTEGERÁS OUVIDOSDA FÉ

A prefeitura desapropriou umclube de bailes funk na favela daRocinha com o argumento de queali construiria casas populares. O

clube fica ao lado de um templo daUniversal, e os fiéis reclamavam dobarulho.

VI. IRRIGARÁS A MÍDIAPASTORA

O aliado (evangélico) AnthonyGarotinho obteve cerca de 300 000reais mensais em publicidadeinstitucional para a Rádio Tupi, naqual tem um programa diário. A RedeRecord, que o antecessor EduardoPaes tirara da lista de publicidade porse julgar prejudicado na coberturajornalística, voltou a ser agraciadacom verbas, que a prefeitura está aum passo de aumentar.

VII. VIAJARÁS EMPREGAÇÃO

Em viagem a Moscou, em maio,Crivella deu um jeitinho de visitar umtemplo da Universal. Um mês depois,participou em Brasília da homenagemprestada pelo Congresso aosquarenta anos de sua igreja. Diantedo plenário lotado, tomou omicrofone e soltou a voz em PerfumeUniversal, música de sua autoria quevirou hino da igreja.

VIII. INFLARÁS O PARTIDODA FÉ

Nos primeiros dias de gestão,Crivella quis mudar a logomarca daprefeitura para introduzir na palavraRio um sutil número 10, do PRB,partido controlado pela Universal. Oprojeto foi parar na Justiça e acaboubarrado.

IX. MINIMIZARÁSDIFERENÇAS

Crivella nomeou o presbiterianoNelio Giorgini para a coordenadoria das políticas relativas à diversidadesexual. A pasta teve cargos eorçamento cortados. A prefeituratambém vetou patrocínio à ParadaGay.

X. HOMENAGEARÁSLÍDERES

Uma rua do Centro foi batizadacom o nome de David Miranda, líderda igreja Deus E Amor. O autor doprojeto foi o vereador e bispo JoãoMendes de Jesus. De onde? DoPRB, claro.

Consultada por VEJA, aassessoria do prefeito rebateu um aum os dez mandamentos da gestãode Crivella, alegando a herançamaldita de um cofre vazio, o currículoimpecável dos funcionáriosevangélicos e a preservação da vidaprivada. Ninguém exige que umprefeito administre contra a suareligião — seja cia evangélica,católica ou umbandista —, mas aconfusão fere o caráter laico doEstado brasileiro. Enquanto governacom esse descuido, Crivella patinana impopularidade. Segundopesquisa inédita do instituto GPP, eleconta com só 18% de bom e ótimo,menos da metade do que detinhaPaes no mesmo período e do queexibe João Doria, prefeito de SãoPaulo.

23/08/17

No fundo do buraco

O ajuste, com aumento dodéficit e arrocho nofuncionalismo, é a prova de que oEstado está gordo demais - e sóreformas vão tirar as contaspúblicas do atoleiro

Bianca Alvarenga

A metáfora do Estado como umchefe de família que durante anosbancou todas as despesas da casamas agora está sem dinheiro ajuda ailustrar a situação do Brasil atual. Ocaixa da União ainda não entrou emcolapso, mas caminhaperigosamente nessa direção: oBrasil não consegue mais pagartodas as contas penduradas nele,que, independentemente do queacontece com as receitas, sóaumentam. Os benefícios daPrevidência (no setor público e noprivado), os salários e privilégios dosfuncionários públicos, os gastosobrigatórios em áreas fundamentaiscomo saúde e educação, osprogramas assistência is necessáriospara a população de baixa renda, osinvestimentos para fazer o paíscrescer, tudo isso somado vai alémda capacidade do governo. É umaconta que está no vermelho desde2014 e que, na melhor das hipóteses,só voltará ao azul em 2021. Ao longodesses sete anos o país vai gastar818 bilhões de reais a mais do quetudo que terá obtido em impostos.Anunciada pelo ministro da Fazenda,Henrique Meirelles, a revisão nameta do governo para as suas contas

neste ano e em 2018, que subiu paraum déficit fenomenal de 159 bilhõesde reais, é sintoma de um mal maisprofundo: o Estado brasileiro está àbeira da falência — e, a continuarassim, levará junto o resto daeconomia. Isso porque, para pagartantas contas, salários e benefícios,o governo apela quase sempre àsaída cômoda do aumento deimpostos sobre o resto dosbrasileiros, as empresas e as famílias.A arrecadação de tributos equivalehoje a quase 40% do F1B, um nívelpróximo ao praticado em paísesricos, mas a qualidade do serviço écompatível com a de uma economiaem desenvolvimento.

O Brasil construiu um Estadopaternalista que trata seus filhos deforma absolutamente desigual. Coma população em geral, é sovina. Os

hospitais federais, por exemplo,reduziram recentemente osatendimentos em razão da queda derepasses do Sistema Único de Saúde(SUS). A situação de penúria de umlado contrasta com os privilégiosconcedidos a uma parcela dos 2,2milhões de funcionários públicos quevivem à custa da União, em especialos que estão no Legislativo e noJudiciário. Cada um dos 513deputados federais ganha um saláriode 33763 reais por mês. Com asverbas de auxílio-moradia etransporte, entre outras, o valor sobepara 83 628 reais. Suas excelênciaspodem gastar ainda outros 97 000reais para contratar até 25assessores. Luxo ainda maior seencontra em setores do Judiciário.Mesmo com o teto constitucional,juízes e desembargadores podemreceber mais de 100 000 reais por

ECONOMIA

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mês. Basta olhar as folhas salariaisnos sites dos tribunais estaduais. EmMato Grosso, descobriu-se um juizde comarca que ganhou meio milhãode reais em julho — e ele achounormal porque substituiu uma colegade outra instância e, diante daindignação geral, mandou um recadoobjetivo: "Não estou nem aí". A faltade bom-senso atinge o MinistérioPúblico, instituição que temcontribuído de forma importante parao país. Procuradores da República,que ganham salário entre 29 000 e33 700 reais, querem seautoconceder reajuste de 16% emmeio à maior crise fiscal da históriarecente do país. Não são casosisolados. O Brasil mantém quase 100000 cargos comissionados e deconfiança, que dispensam concurso.No imaginário popular, incluindo aío que pensam alguns governantes,

congressistas, magistrados eprocuradores, o bolso do governo éilimitado — pode tudo. O resultadoé uma distribuição absurda debenesses e uma sucessão de brechaspara a corrupção.

O que aconteceria se a Petrobrastivesse sido privatizada quinze anosatrás? Haveria Lava-Jato? Se ogoverno fosse menor, haveria esseleilão político de cargos e verbas? Epreciso encarar de vez a discussãosobre os infinitos órgãos quecompõem a malha do poder públicoe os privilégios concedidos a umaparcela ínfima da população. Nesteano, por exemplo, o país vai abrirmão de 2SÜ bilhões de reais comrenuncias fiscais. A tentativa dogoverno de normalizar a cobrança deimpostos de algumas empresasencontrou forte resistência do setor

privado. "A indústria não querpagar mais impostos, não abre

mão dos créditos fiscais nem dosfinanciamentos com subsídio" dizMarcos Lisboa, presidente doInsper. "É como se essesempresários entendessem que todoo sacrifício tem de ser dos outros."Nas aulas de história, fala-se que adiferença entre Brasil e EstadosUnidos está no fato de que fomoscolônia de expio ração, e osamericanos, colônia de povoamento.Mas há outra grande explicação paraa visão de Estado que se tem poraqui em contraste com a dos EUA.Lá, a sociedade veio primeiro.Depois, ela se organizou e foi, aospoucos, construindo um Estado.Benjamin Franklin, um dos "paisfundadores" ajudou a organizar asprimeiras bibliotecas públicas, aspolícias e o Corpo de Bombeiros.No Brasil, o Estado chegouprimeiro, através da coroaportuguesa — e a sociedade veiodepois. A situação do Estadopaternalista se agravou ainda maissob Getúlio Vargas e foi intensificadano período da ditadura militar,quando quase cinquenta estataisforam criadas. Para completar oquadro atual, a Constituição de 1988instituiu muitos dos benefíciosvigentes sem a correspondentereceita.

Ao fechar no vermelho ano apósano, o governo fez a dívida públicacrescer 50% em quatro anos, o queampliou o risco de descontrole fiscal.Uma consequência foi o aumento dastaxas de juros (o governo paga umretorno maior para atrairinvestidores), o que onera empresas

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e consumidores e impacta a própriadivida. De 2012 até o fim deste ano,as despesas do governo terão subido20%, enquanto a economia encolheu1,7%. Para equilibrar o caixaminimamente será imprescindívelmudar as regras da Previdência, aprincipal fonte de despesas doEstado. Os gastos com o pagamentode aposentadorias e benefíciosdobraram desde 2009, de modo queconsomem mais de 40% doOrçamento federal. É uma conta quejá está no vermelho e vai se agravarcom o envelhecimento da população."O governo tem de mostrar ásociedade quais as consequências demanter as coisas como estão", dizLisboa, do Insper. Ele faz alusão â

situação de calamidade do Rio deJaneiro, onde os salários dofuncionalismo e o pagamento deaposentadorias estão com atraso demeses por falta de recursos.

A experiência internacionalmostra que é possível reduzir otamanho do governo, apesar dasresistências. Na Europa, queconsagrou o Estado de bem-estarsocial, aquele que provê saúde eeducação como serviços universais,o modelo passou por mudanças nosúltimos anos por causa do fortedesequilíbrio fiscal e da consequentecrise econômica. Em Portugal, ogoverno cortou 30 000 cargos nofuncionalismo público, aumentou a

jornada dos servidores e reformou aPrevidência, elevando a idademínima de aposentadoria. Feriadosnacionais foram anulados. Não é fácilcortar benefícios estabelecidos hádécadas, mas essa é uma tendênciaque veio para ficar. O novopresidente da França, EmmanuelMacron, formalizou proposta parareduzir de 577 para 385 o númerode deputados, e de 348 para 232 ode senadores. O objetivo é não sóreduzir gastos, mas tambémracionalizar e agilizara discussão deprojetos.

No Brasil, o governo propôsmedidas para enfrentar o problema,como a reforma trabalhista, jáaprovada, e a da Previdência, aindaem discussão. Mas também fezescolhas que vão na contramãodesse pensamento. Uma delas foi terautorizado um reajuste salarial para29 000 servidores e 38 000aposentados e pensionistas do setorpúblico até 2019 — e agora devearrochar o funcionalismo, adiando umaumento salarial e elevando aalíquota da contribuiçãoprevidenciária de 11% para 14%.Está na hora de trilhar um só caminho— e parece que, ao menos nodiscurso, este governo agora estádisposto a fazê-lo.

Com reportagem de GiovanniMagliano

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Violência:A dor de uma marca trágica

No clima de violência quesufoca o Rio de Janeiro, os PMsmorrem fe matam também} emuma escalada que não encontraparalelo no Brasil nem no mundo,Ser policial no estado virou umadas profissões mais perigosas doplaneta

Luisa Bustamante e Thiago Prado

O fascínio pelos númerosredondos alçou ao centro dasatenções um drama que se desenrolasem muito destaque no tabuleiro daviolência que engole o Rio deJaneiro. A marca de policiais militaresmortos neste ano no estado estáperto, muito perto de chegar a 100.Até o fechamento desta edição,eram precisamente 97—cada umidentificado por nome e idade nas97 fotos que estampam as duaspáginas anteriores. Começa comAndré William de Oliveira,assassinado em 10 de janeiro, e vaiaté Vaine Luiz dos Santos, enterradoem 13 de agosto. Nesse mesmoperíodo, como comparação, a tropade São Paulo registrou 22 baixas.Nos Estados Unidos, no país todo,foram 80. Em Nova York, oito. Acada dois dias, um PM é abatido noRio. A seguir a mesma e sinistratoada, o número de mortos dacorporação subirá para 158 até ofim de 2017. Se essa assombrosataxa de homicídios fosse aplicada aoconjunto da população brasileira, opaís teria 720000 mortes violentasem um único ano — quase o dobro

do total de ocorrências no mundointeiro. Pai a esses soldados, achance de ter a vida ceifada é dozevezes maior do que para qualqueroutro cidadão. Não há dúvida: serPM no Rio tornou-se uma dasprofissões mais perigosas e letais doplaneta.

Desde 1994, durante o segundogoverno Leonel Brizola (PDT),quando o estado criou um indicadorpara a matança, o dado anual sempreesteve acima da casa dos três dígitos,impulsionado por uma cultura deconfronto profundamente entranhadana corporação. Segundo um estudoda própria PM fluminense, de 1994para cá houve 3234 mortes depoliciais. O Rio nunca sofreu

atentados como o de Barcelona, quevitimou catorze pessoas na quinta-feira 17. Mas é inaceitável que, numaúnica semana, de D a 7 de janeiro,sete PMs tenham perdido a vida nacidade. Depois, de 5 a 11 defevereiro, foram mais sete. Catorzeem apenas duas semanas, estatísticavergonhosamente igual à do abjetoataque do Estado Islâmico naCatalunha.

Em 1994, como resultado dadesastrosa acomodação promovidapor Brizola com os chefões do crime,as quadrilhas, à vontade para agir,atiraram como nunca. Resultado: 227PMs mortos, recorde histórico. Osgovernantes que se seguiram nuncarecuaram no incentivo do uso da

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força. Em 1995, Marcello Alencar(PSDB) criou um prêmio emdinheiro por "atos de bravura", queconsistiam, basicamente, em eliminarbandidos, comando a fama dacorporação que mais mata (veroquadro Ao irem à caça, os policiaistambém viraram presas.

A primeira iniciativa de fato parareverter o mata-mata foi o projetode implantação das Unidades dePolícia Pacificadora (UPPs), em2008, na gestão Sérgio Cabral(PMDB). Ele trazia embutida a boaideia de povoar as favelas com umapolícia jovem e treinada, imune aosvelhos vícios e bem recebida pelosmoradores. Em um primeiromomento, deu certo: o crime recuoue as mortes diminuíram, tanto debandidos quanto de policiais. Mas oprojeto ruiu, a bandidagem voltou, ocotidiano de confrontos reinstalou-se, a matança foi restabelecida e oRio de Janeiro retrocedeu aopassado.

No rol dos PMs abatidos neste2017, a maioria tinha entre 35 e 45anos e patente de soldado, cabo ousargento. Entre os 97 mortos, háduas mulheres, o que reflete a porçãominoritária delas na tropa. Umquarto do grupo perdeu a vida emserviço. Os demais foram atingidos,em proporções quase iguais, porbalas em confrontos, execuções eassaltos, uma praga que assola o Rio.Por portarem arma e carteira dacorporação, os policiais são alvo fácilda bandidagem mesmo quando estãosem farda. "O PM que presencia umassalto em geral tenta intervir. Aqueleque é alvo também acaba reagindo,pai a evitar ser identificado comopolicial, o que significa morte certa",

explica o sociólogo Ignácio Cano. Arecente escalada de PMs mortoslevou à criação, pela Polícia Civil, deum núcleo específico de investigaçãode homicídio de policiais."Conseguimos um índice deesclarecimento de casos de 47%",diz o delegado Rivaldo Barbosa, elaDivisão de Homicídios da capital. Ataxa de resolução para o resto dapopulação é de 20%.

Em países que respeitam ospoliciais, o bandido pensa duas vezesantes de atirar contra um, pois sabeque o crime atrai os holofotes e arevanche implacável da corporação.No Brasil, especialmente no Rio,joga-se na conta da violênciageneralizada — e ponto. A regra é aapatia no melhor dos casos, e ainação no pior deles, por parte dequem tem a caneta na mão. Osoldado Cléber Xavier Júnior já iapara casa, depois de passar a noiteem uma operação contra roubo decarga, uma epidemia no Rio.Subitamente, dois assaltantescruzaram o seu caminho. Ele reagiu,matou um, foi ferido e socorrido, masnão resistiu. Xavier estava noivo efoi enterrado no dia em quecompletaria 29 anos. Comoção nacidade, tropa mobilizada,autoridades indignadas? Nada disso.Naquela mesma sexta-feira, 14 dejunho, em que de se tomou o 86º PMmorto no Rio, o governador LuizFernando Pezão anunciava umperíodo de licença que o levaria adesfrutar um spa no interior doestado. Nenhuma palavra foi ditasobre a morte de Xavier. Nada.

A derrocada da segurança do Rioaprofunda em várias frentes avulnerabilidade da tropa. Faltam

planejamento, inteligência nas açõese recursos para as necessidades maisbásicas em um estado paralisadopelo caixa vazio. Sem dinheiro, a PMparou de pagar bonificações queampliavam sua presença nas ruas edeixou sucatear equipamentosessenciais como coletes á prova debalas e viaturas. A pindaíba financeiraé tanta que jã houve até policialenterrado sem a tradicional salva detiros. Falta munição. Osinvestimentos na área de inteligência,sem a qual não se previnem ataquesnem confrontos, foram de poucomais de 20000 reais (ou seja, quasenulos) em 2015, queda de mais de45% em relação aos já parcosrecursos do ano anterior. Enquantoisso, as quadrilhas organizaram-se e,principalmente, armaram-se. Estima-se que os bandidos tenham em seupoder mais fuzis, uma arma exclusivadas forças de segurança, do que aprópria polícia. Ã vontade em seuterritório, na semana passadapenduraram um fuzil na estátua deMichael Jackson no Morro DonaMarta, na Zona Sul carioca,lembrança da ida do cantor ao local,em 1996. A imagem de MichaelJackson armado soou comobandeira da vitória da bandidagem.A resposta? Resignação, espantosaresignação, a cada novo caso.

Eli Barbosa dos Santos, de 32anos, entrou no rol de 2017 como omorto número 39. Em 19 de março,ele chegava à casa de sua cunhada,em uma favela de Japeri, na BaixadaFluminense, uma das 843 áreasdominadas pelo crime organizado,segundo a Secretaria de Segurança.Santos ia buscar a mulher e os doisfilhos quando foi abordado porbandidos munidos de fuzis. Em plena

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luz do dia, reconhecido peloscriminosos, cie acabou executadocom cinco tiros, três na cabeça. Osassassinos foram identificados, masestão foragidos. Naquele 19 demarço, o presidente Michel Temerlevava representantes de 27 paísespara um jantar na churrascaria SteakBull, em Brasília. O assunto foi aOperação Carne Fraca. Sobre amorte de policiais, nenhuma palavra.Nada.

Milton Carlos de Oliveira, 55anos, o morto número 79 da lista,reagiu a um assalto em um bar deBrás de Pina, na Zona Norte. Levoudoze tiros na frente da mulher,enquanto o prefeito Marcelo Crivellafazia uma visita oficial à Holanda eapareceu nas redes sociais em fotoao lado de um neto, autor da legenda"Aprendendo sobre história commeu avô". Sobre a trágica história deOliveira, nenhuma palavra. Nada.

Com o balanço quasearredondando em 100, o PalácioGuanabara começa enfim a discutirprovidências para reverter a matançade PMs e conter a violência. Umadas ideias é transferir os policiais quetrabalham em UPPs, à mercê dosbandidos — o que poderia acabarpor enfraquecer um projeto que,embora moribundo, foi o único a tirarbandidos das favelas. Em conversacom VEJA, o próprio governadorPezão admitiu a hipótese deredistribuir a tropa como uma dasmedidas que pretende implantar apartir da próxima quarta-feira paraamenizar a crise na segurança. Seu

vice, Francisco Dornelles, é maisincisivo: "A política de segurança estáerrada". Neste momento, milhares desoldados do Exército reforçam asoperações de patrulha e de combateao tráfico de armas no estado, atéagora com resultados pífios.Dornelles recomenda: "A fiscalizaçãopara coibir a chegada das armas àsmãos dos bandidos deveriaacontecer nos portos, aeroportos erodovias, além do acesso às favelas.Não chove fuzil no morro. Eles estãovindo de algum lugar".

Paralelamente, os especialistasressaltam a cada vez mais prementenecessidade de reforçar o setor deinteligência — mas com 20 000 reaisnão dá nem para começar — einsistem na devolução às ruas demilhares de PMs lotados emgabinetes em funções burocráticas.Tomara que iniciativas eficientessejam postas em prática já, antes quese crave na estatística de mortes depoliciais o vergonhoso número 100.Se nada for feito, continuaremos acontabilizar tragédias e a assistirimpotentes ao luto de tantas famílias,como as das páginas que se seguem.

Morrem, mas matam

A polícia do Rio de Janeirocravou outro recorde indesejávelneste ano: além de ser a que maismorre, é também a que mais matano Brasil. O Instituto de SegurançaPública registrou, até junho, 581mortes em situações que o jargãopolicial define como "autos deresistência" - quando um bandido é

alvejado no confronto. São Paulo, osegundo estado da lista, teve 459dessas ocorrências. A liderança dapolícia fluminense nessacontabilidade tem uma de suas raízesfincadas no esfacelamento dasUnidades de Polícia Pacificadora(UPPs), o programa-vitrine dogoverno Cabral que decaiu com afalência do caixa do estado. A ideiada UPP, de instalar basespermanentes dentro das favelas, eradar uma nova feição à polícia,trocando confronto e violência porinteligência e convívio com apopulação, Durante a experiência,houve, de fato, menos choque entrePMs e bandos armados e menosmatança. Mas foi um breve períodoe logo o velho voltou a imperar, "Alógica da guerra prevalece hádécadas", diz Ibis Silva Pereira, ex-comandante da corporação. Nosanos 1990, no governo MarcelloAlencar, criou-se inclusive umsistema de bônus para "atos debravura""., ou morte de bandidos, oque só serviu para aumentar o rio desangue. Não á à toa que a Iniciativado então governador foi batizada de"gratificação faroeste". Os governossubsequentes continuaram avalorizara força bruta e se revelaramincapazes de aferir os excessos porparte de PMs, Em 2015, uma CPIconcluiu que 99% dos casos dehomicídios que envolviam policiaisforam arquivados, Ou seja, além dematar muito, a Polícia Militar do Riomata com completa impunidade. Oresultado é isso aí: tragédia para todolado.

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Violência:Viúvas e órfãos da matança cotidiana

Por trás do número alarmante depoliciais mortos no Rio, estãofamílias esfaceladas pela perda súbitae indignadas com tanto sanguederramado

Cássio bruno

Sair da frieza das estatísticassobre a morte de policiais militaresno Rio de Janeiro para o drama dasfamílias enlutadas é mergulhar em umpoço de tristeza e desesperança,agitado de vez em quando por umvento de indignação — os trêssentimentos que predominam nocotidiano das mães e pais, mulherese maridos, irmãs e irmãos, filhas efilhos dos policiais que morrem emdecorrência da violência dosbandidos. Uma estatística é a maisdolorosa: há 71 órfãos dessatragédia carioca de 2017. Quandoo pequeno Téo, um bebê forte esorridente de 4 meses, crescer umpouco, a perda será ainda maislancinante. Ele jamais conhecerá opai. Téo nasceu exatos 46 diasdepois de o cabo Thiago de OliveiraLance, de 31 anos, ter sidoexecutado por dois criminosos naporta de sua casa, em Cordovil, naZona Norte do Rio, em uma tentativade assalto. "Ele estava tão feliz como filho que ia chegar... Sempre quesaía de casa, beijava minha barriga.Nunca pensei que teria de criar oTéo sozinha", lamenta Lucília, viúvaaos 29 anos.

Desde aquele triste 23 de

fevereiro, véspera do Carnaval,Lucília incorporou à sua rotina umnovo gesto: todo domingo, depois damissa, vai ao cemitério de Sulacap,na Zona Oeste, depositar flores notúmulo do marido. "É uma forma decontinuar conversando com ele", diz.Acabou ficando amiga de outraviúva, Bianca, que mora a quase 20quilômetros de distância e a quemprovavelmente jamais conheceria emoutras circunstâncias.

A aproximação ocorreu por umanecessidade inesperada. O maridode Bianca, o sargento MárcioLeandro Marins, foi carbonizadodentro do carro nove dias antes deo cabo Lance morrer. Dada aproximidade das datas de morte, os

dois policiais dividem no cemitériouma placa de mármore deidentificação, a de número 2631, esão vizinhos de cova. Uma ala queocupa cerca de um terço da áreatotal do cemitério, à direita do portãode entrada, está reservada a efetivosda PM. Lucília quis pôr uma foto domarido na placa de identificação efoi informada de que, para isso, teriade pedir autorização à mulher dosargento Marins, enterrado ao lado.Procurou Bianca para discutir oassunto e selaram a amizade dianteda dor. "Sofremos juntas", dizLucília. Bianca gostou da ideia dafoto, e as duas combinaram dividir opagamento dos 1000 reais que ocemitério cobra pela nova placa.Pequenos gestos como estes, o

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compartilhamento das letras coladaslado a lado e a escolha dos retratos,amenizam as agulhadas do tempo.Lucília vai seguindo adiante comopode. Diz da: "Ainda estou sem chãopara planejar meu futuro. Enfrentoum dia de cada vez". Sua sogra,Lana, arrasada pela morte do filho,considera que nem tem mais futuro:"Eu me enterrei com ele, naquele diade fevereiro. Vivo no sofrimento".

Os registros da Secretaria deSegurança mostram que, durante oano passado, a Polícia Militar do Rioconcedeu 1398 licenças psiquiátricasa PMs, a maioria por stress edepressão. Nenhuma repartiçãopública, porém, oferece apoio àfamília dos mortos. E isso faz muitafalta. "Além de perderem uma pessoaquerida de forma inesperada, osparentes desses policiais sofrem otrauma das mortes violentas, algumascom traços de crueldade", explicaValéria Tinoco, doutora empsicologia clínica pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo."Junto com a tristeza, eles sentemmedo e vulnerabilidade." Ossintomas vão desde remoerconstantemente na memória as cenasdo crime até episódios de ansiedade,insônia e dificuldade deconcentração. O suporte psicológicoà família, principalmente os filhos, éfundamental. "Primeiro temos decuidar da superação do trauma. Emseguida, tratamos do luto", diz apsicóloga.

O que fazer? "Agora, é criar asmeninas e tentar viver", resigna-seNataline, de 36 anos. Ela tem trêsfilhas, de 5, 15 e 17 anos. O marido,o soldado Fabiano de Brito, morreu

aos 35 anos fulminado por tiros pertoda casa do casal, em Nova Iguaçu,na Baixada Fluminense. Brito saiupara o trabalho às 5h30, fardado, e,ao entrar no carro, foi abordado pordois assaltantes de moto. Em minutosestava crivado de balas. O roteiro érecorrente: os policiais e sua famíliavivem ali ao lado de onde o crimeimpera.

Formado em 2014 por viúvas dePMs, o Movimento Esposas eFamiliares: Somos Todos SangueAzul está pedindo ao MinistérioPúblico a garantia de atendimentopsicológico aos parentes dos mortos,especialmente as crianças e osadolescentes. "Hoje, as famílias e ospróprios policiais estão sozinhos.Não há estrutura. O Rio de Janeirosangra", reclama Rogéria Quaresma,uma das fundadoras do movimento.A indignação de Rogéria toca em umponto que aprofunda ainda mais acicatriz: a sensação de que osacrifício da vida de um PM não levaa reação alguma, não recebe odevido reconhecimento dapopulação nem das autoridades —nos Estados Unidos, por exemplo, amorte de um policial é chorada emcomunidade. "Meu marido saiu decasa para proteger o cidadão de beme não voltou. O governo precisaquerer mudar essa situação", diz aviúva Cláudia, de 34 anos, sobre amorte do soldado Luis Otávio daSilva Júnior, de 32 anos, em abril.Silva Júnior morreu em plenocumprimento da função e em localonde a segurança deveria serinviolável. Foi atingido por um tirode fuzil na base da PM em que davaplantão, em Nova Iguaçu. Pior:esperava por isso.

Segundo Cláudia, o policial, paide uma menina de 4 anos do primeirocasamento, sempre reclamava dasmás condições de trabalho. Oconserto de viaturas quebradasdependia da contribuição decomerciantes das cercanias. Oscoletes à prova de bala, além devencidos, eram insuficientes e usadosem sistema de rodízio na base. Namadrugada em que levou o tiro fatal,Silva Júnior foi trabalhar sabendo queo local estava para ser atacado portraficantes — seria o quartoconfronto em quinze dias. "Antes dedormir, liguei e perguntei qual era asituação. Ele disse que aguardava oataque a qualquer momento", lembraCláudia. Na investida de dezbandidos fortemente armados, o PMfoi alvejado por um tiro de fuzil naperna direita. Passou nove horas namesa de cirurgia, teve a pernaamputada e acabou morrendo deinfecção generalizada.

Ao longo de 2017, o governofluminense, em tamanho estado depenúria que não paga contas e atrasao salário de todos os servidores,inclusive policiais, já gastou 4,9milhões de reais em pensões aparentes de PMs mortos e 194 000reais em enterros — dinheiro cujodestino bem que poderia ser aprevenção da violência que dilacerafamílias. A do sargento Artur RibeiroMoura, de 47 anos, PM veteranoque entrou na corporação em 2000,rompeu-se em janeiro, quando elelevou um tiro em um assalto na saídade um banco na movimentadaAvenida Nossa Senhora deCopacabana, na Zona Sul carioca.Moura estava de folga ecomemorava o recente ingresso do

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filho de 16 anos no ensino médio doprestigiado Colégio Pedro II. Oadolescente, abalado, não tevecoragem de ir ao enterro. "Ospoliciais hoje em dia têm trêsinimigos: os bandidos; o governo emcrise, que não oferece condições detrabalho; e a sociedade, que nãovaloriza seu trabalho", desabafa aviúva, Wania, de 53 anos, vestidacom uma camiseta com a foto deMoura e a frase "O eterno herói demilhões de corações órfãos"associada a uma data, 27/1/2017.São sete meses de uma contagemperversa, que não para de aumentar.São 97 homens e mulheres que,enfileirados num macabro mural,viraram estatística de um tempocruel. Um olhar mais cuidadoso, maispróximo, demonstra que, por trás dafrieza dos números, daqueles rostosvalentes, há histórias de vida e lutoque o Brasil precisa conhecer.

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Era do escárnio

CONSEGUIU! O governo Temeré pior que o governo Dilma. E tãoincompetente quanto na gestão, maispronto à rendição diante dos abutresdo Congresso e mais deslavado ecínico no abraço amigo à corrupção.Na semana passada a equipeeconômica, coitada, deu o pontapéinicial a mais uma dessas novelas deque se conhecem o desenrolar e odesfecho, ao apresentar seu enésimoplano de ajuste fiscal. O script doprimeiro capítulo, já em curso, prevêque as principais lideranças noCongresso anunciem quão difícil seráaprovar o pacote. Seguem-se mesesem que se encolhe uma medida aqui,substitui-se outra ali, aleija-se umaterceira acolá. No fim, aprova-se umtexto esburacado como sesobrevivente de uma batalha e a umcusto, em prendas aos parlamentares,que devora boa parte da pretendidaeconomia.

Na boa feição mafiosa, o governoTemer é amigo dos amigos. Na últimaterça-feira João Salame Neto foinomeado diretor do Departamento deAtenção Básica do Ministério daSaúde. O paraense Salame, ex-prefeito de Marabá, jã carimbadocom uma citação na delação daOdebrecht, foi indicado pela bancadado PP, o inefável PP, que se fezmerecedor do mimo ao apoiar Temerna votação sobre a denúncia decorrupção. E inútil procurar ascredenciais do novo diretor paracuidar da saúde dos brasileiros. Masserá muito útil — atenção, repórteres— acompanhar sua atuação à frentedo órgão. O país anseia pordesvendar o que tanto quer o PP como Departamento de Atenção Básica.

Desconfia-se que proporcionar umsalto de qualidade à saúde do nossopovo não é.

Os Estados Unidos tambémassistem a uma proeza. O governoTrump consegue ser mais nocivo doque o de George W. Bush, que jogouo país nos atoleiros do Afeganistão edo Iraque. Trump é pior não pelo quefaz — mesmo porque, do desmanchedo Obamacare à proibição dosmuçulmanos no país, não temconseguido fazer nada —, mas peloque fala. Um seu antecessor de maisde 100 anos atrás, TheodoreRoosevelt, cunhou a expressão bullypulpit (púlpito esmagador) paraqualificar o terrível poder daPresidência como plataforma paradivulgar ideias e defender causas.Pelo moderno púlpito do Twitter oupelo púlpito propriamente dito da salade imprensa da Casa Branca, Trumpconsagrou-se como difusor das ideiasmais desconexas e defensor dascausas mais sombrias, e chegou aoauge, nos últimos dias, ao recusar-sea condenar os neonazistas que, comtochas nas mãos, como os aliados daKu Klux Klan, desfilaram pelas ruasde Charlottesville, Virgínia, gritandocontra os judeus e alardeando asuperioridade da raca branca.

A indignação contra Trump, deparlamentares do próprio PartidoRepublicano a empresários quedebandaram de conselhosgovernamentais, tem base numimperativo moral inegociável.Nazismo e Ku Klux Klan não podemmerecer condescendência de quemestá de posse do bully pulpit. NoBrasil, imperativos morais não

costumam ter o mesmo peso. Por issomesmo, por nadarmos no charco dafrouxidão das consciências e dos votoscomprados, um imperativo moral foiferido quando se impediu ainvestigação sobre um presidente cujohomem de confiança foi flagrado comuma mala de dinheiro. Asconsequências do voto na Câmara sefazem sentir agora. Se pode umpresidente assim, tudo pode; oescárnio e o escracho estão no ar. Osdeputados avançam na proposta deum bilionário fundo para ascampanhas eleitorais enquanto um juizde Mato Grosso, ao admitir terrecebido 503 000 reais de salário emjulho, reage às críticas dizendo: "Nãoestou nem aí".

Ao escárnio e ao escracho soma-se a desmoralização do governo.Deitada no chão da cozinha, com osouvidos tapados para não ouvir ostiros, uma menina de 10 anos gravoumensagem de voz à mãe, que haviasaído: "Mãe, não aguento mais moraraqui em Manguinhos. Todo dia essaguerra, todo dia gente morrendo". Oflagrante foi registrado pelo repórterRafael Soares, do jornal O Globo.Manguinhos é vizinho do Jacarezinho,o bairro do Rio de Janeiro em que, aovoltarem do trabalho, as pessoasaguardam horas antes de ganhar suacasa, tal o tiroteio. Poucas semanasatrás o ministro da Defesa, RaulJungmann, desencadeou a operaçãoque iria "golpear" o tráfico. A respostado tráfico era na semana passada ametralhadora pendurada na estátua deMichael Jackson no Morro DonaMarta.

ROBERTOPOMPEU DE TOLEDO