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Maria José Coelho de Azevedo A IGREJA MATRIZ DE VALONGO ARQUITECTURA (1794-1836) *«yw * ~" 1 1 1 ti ^jv.JT ÉL ï Hnl . » - - Vol. I FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO 1999

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  • Maria Jos Coelho de Azevedo

    A IGREJA MATRIZ DE VALONGO

    ARQUITECTURA (1794-1836)

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    Vol. I

    FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    1999

  • Maria Jos Coelho de Azevedo

    A IGREJA MATRIZ DE VALONGO

    ARQUITECTURA (1794-1836)

    Vol.1

    FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    1999

  • A IGREJA MATRIZ DE VALONGO

    ARQUITECTURA (1794-1836)

    Vol. I - Texto

  • Dissertao de Mestrado em Histria da Arte em

    Portugal, apresentada Faculdade de Letras da

    Universidade do Porto sob a orientao do Professor

    Doutor Joaquim Jaime B. Ferreira-Alves.

  • minha me.

  • "No pedimos para ser seres eternos. Pedimos apenas que as coisas no percam o seu significado.

    Antoine de Saint Exupry

  • AGRADECIMENTOS

    A presente dissertao de Mestrado, dedicada igreja matriz de Valongo, muito deve ao apoio e profissionalismo de vrias pessoas que se revelaram basilares para a concretizao do nosso projecto.

    Antes de mais, agradecemos ao Reverendo Padre Avelino Jos Ferreira e Abreu, proco de Valongo, e ao Sacristo, Senhor Joaquim Pimenta, pela disponibilidade e ateno com que nos receberam.

    Aos funcionrios dos Arquivos e Bibliotecas que frequentamos, nesta rdua mas apaixonante, caminhada, especialmente Senhora D. Valentina e ao Senhor Joo, do Arquivo Distrital do Porto.

    tcnica Manuela Pinto, pelo bom trabalho de processamento de texto e pela solicitude.

    Ao ncleo de professores de Histria da Arte, sob a orientao da Professora Doutora Natlia Marinho Ferreira-Alves, pelos ensinamentos prestados, contribuindo assim, para a nossa formao cientfica.

    Aos nossos colegas de Mestrado, em particular Luisa, com quem aprendemos e partilhamos angstias, um muito obrigada.

    Llia Ribeiro, pelo estmulo e apoio inquebrantveis, s possvel atravs dos laos nascidos de uma profunda amizade, e a quem devemos tambm o esforo efectuado na reviso do texto.

    Queremos tambm registar uma palavra de gratido nossa famlia pela compreenso revelada, face nossa ausncia.

    Finalmente, e de um modo muito especial, cumpre-nos agradecer ao Professor Doutor Joaquim Jaime B. Ferreira-Alves um efectivo acompanhamento do nosso trabalho, pautado pelo profissionalismo e disponibilidade, e cujas competncias cientficas, pedaggicas e interpessoais foram j marcantes no decurso da nossa formao acadmica e pessoal. Foi um autntico privilgio trabalharmos sob a orientao de to insigne Mestre.

    1

  • NDICE

    AGRADECIMENTOS 1 NDICE 2 FONTES MANUSCRITAS 4 FONTES IMPRESSAS E BIBLIOGRAFIA 10 SIGLAS E ABREVIATURAS 15 INTRODUO 17 CAPTULO I - A PRIMITIVA IGREJA MATRIZ DE VALONGO 20

    1. Localizao 20 2. As primeiras notcias 26 3. O padroado do mosteiro de S. Bento da Av-Maria 32

    3.1. A cngrua do reitor 32 3.2. Os deveres das freiras e dos moradores de Valongo 37

    4. A descrio das fbricas 39 5. A descrio da igreja em 1670 47 6. As obras de acrescento e restauro 50

    6.1. Capela-mor 52 6.2. Sacristia do lado do nascente 53 6.3. Corpo da igreja 54

    7. Os artistas 57 7.1. Antnio Garcs (1679) 58 7.2. Caetano da Silva Pinto (1724) 59 7.3. Jos Marques do Vale (1729) 62

    8. As obras posteriores a 1758 66 CAPTULO II - A NOVA IGREJA MATRIZ DE VALONGO 70

    1. A problemtica da sua construo 70 1.1. As razes 71 1.2. A subveno da obra 76 1.3. O local escolhido 79 1.4. A utilizao como igreja paroquial da capela do Senhor dos Passos 81

    2. A construo da nova matriz 85 2.1. Os projectos 89 2.2. As obras de construo 95

    2

  • 2.2.1. Corpo da igreja 96 2.2.2. Capela-mor 123 2.2.3. Adro 143 2.2.4. Sacristia 146 2.2.5. Sepulturas 151

    3. Os materiais 159 3.1. Apedra 160 3.2. A madeira 162 3.3. A telha e o tijolo 163 3.4. Outros materiais 164 3.5. Os fornecedores 164

    4. Os protagonistas 170 4.1. Os arquitectos 170

    4.1.1. Teodoro de Sousa Maldonado 170 4.1.2. Damio Pereira de Azevedo 172 4.1.3. Jos Francisco de Paiva 174 4.1.4. Joaquim da Costa Lima Sampaio 176 4.2. Os artistas 178

    5. Anlise artstica da igreja matriz de Valongo 200 5.1. Anlise formal do exterior 200

    5.1.1. Fachada 200 5.1.2. Alados laterais 202 5.1.3. Exterior da capela-mor 203 5.1.4. Exterior das sacristias 203

    5.2. Anlise formal do interior 204 5.2.1. Planta rectangular 204 5.2.2. Nave nica 205 5.2.3. Capela-mor 208 5.2.4. Sacristias 209

    CONCLUSO 210

    VOLUME II - APNDICES DOCUMENTAL E DE IMAGENS

    VOLUME III - FOLHAS DE PAGAMENTOS DOS ARTISTAS E ARTFICES

    3

  • FONTES MANUSCRITAS

    ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO

    1. Desembargo do Pao Minho e Trs-Os-Montes (Valongo)

    M. 24 - doe. 104

    M. 47 - doe. 168

    M. 173 doe. 26

    Porto (Mosteiro de S. Bento da Av-Maria):

    M. 35 doe. 189

    M. 50 doe. 156

    M. 80 doe. 16

    M. 122 doe. 45

    M. 140 - doe. 23

    M. 207 doe. 48

    M. 238 doe. 39

    M. 260 doe. 77

    2. Dicionrio Geogrfico de Portugal (Memrias

    Vol. 17 r. 426

    Vol. 38 - r. 585

    3. Ministrio do Reino

    M. 281 M. 285 M. 325 M. 326

    Cx. 376

    Cx. 435 Cxs. 436, 437 e 438

  • M. 353 M. 354 M. 355 M. 356

    4. Mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto II Bulas, Breves e Privilgios (1534-1597)

    Ms. 22 e 23

    Doaes, Privilgios e Sentenas Livrs. ns 2, 3, 10

    Padroado do Convento Liv. n16

    Receita do Convento (1648-1649) Liv. n13

    Receita e Despesa do Convento (1701-1702) Liv. n21

    Sentenas Ms. 25 e 26.

    Tombo Antigo das Terras de Valongo Liv. n12

  • ARQUIVO DISTRITAL DO PORTO

    1. Fundo Monstico Livro de Autorizao

    Liv. n4714

    Livro de Aforamentos Livs. ns 4681, 4718

    Livro do Cartrio Liv. n 4688

    Livro de Cobrana Liv. n4684

    Livros de Contas (1799-1826) Livs. ns 4720, 4721, 4723, 4724, 4725, 4726, 4727, 4728, 4729, 4730, 4731,

    4753.

    Livro da Demarcao Liv. n4673

    Livros Diversos Livs. ns 4633, 4634.

    Escrituras Cxs. 4743, 4744, 4745.

    Livro da Fundao Liv. n4674

    6

  • Livro de ndice Liv. n4735

    Livro do Mostrador Liv. n4698

    Livros de Notas Livs. ns 4694, 4696, 4697

    Livros de Prazos (1522-1827) Livs. ns 4477, 4478, 4479, 4480, 4481, 4482, 4483, 4484, 4485, 4486, 4488,

    4489, 4506, 4509, 4511, 4512, 4513, 4515, 4516, 4518, 4519, 4525, 4528, 4530, 4531, 4538, 4547, 4552, 4558, 4560, 4563, 4570, 4579, 4585, 4590, 4592, 4593, 4594, 4595, 4596, 4598, 4601, 4602, 4636, 4638, 4639.

    Livro de Prazos, Doaes e Outros Liv. n4631

    Livro de Prazos, Escrituras e Diversos Liv. n4629

    Livros de Recibo Livs. n 4682, 4683, 4684, 4685, 4686, 4687, 4752

    Livros de Sentenas Diversas Livs. ns 4626, 4627, 4628, 4636, 4746, 4747, 4748, 4749.

    7

  • Livros de Tombos Livs. ns 4640, 4641, 4642, 4643, 4644, 4645, 4646, 4647, 4648, 4649, 4650,

    4651, 4652, 4653, 4654,4655.

    Livro de Visitas

    Liv. n4750

    2. Fundo Paroquial Bobines ns. 462, 463, 464.

    3. Fundo Notarial

    PO - Ia - 3a srie Livrs. ns 38, 39, 40, 41, 42.

    PO - Ia - 4a srie Livs. ns. 400, 402, 403, 404, 405, 407, 408, 409.

    PO-4 a

    Livs. ns. 206, 207, 208, 210

    PO - 8 o

    Do Liv. nl ao n164

    Do Liv. n235 ao n400

    PO - 9o - 3a srie Livs. 20, 21, 21-F, 22, 23, 24, 25, 25-F, 26.

    PO - 11 o - Ia srie Livs. ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16.

  • 4. Provedoria da Comarca do Porto Livs. ns. 64, 71, 72, 76, 77, 78, 79, 81, 82, 85, 89, 91, 93.

    5. Real Casa Pia do Porto

    Livs. ns. 1, 2, 3.

    ARQUIVO HISTRICO MUNICIPAL DO PORTO

    1. Contribuio de Guerra (1808) Liv. n2024

    2. Ordenanas (Valongo) Livs. ns 4401, 4402, 4403, 4404.

    BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA

    - Mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto

    Livro das Contas Correntes Liv. n 8437

    Livro da Fundao

    Liv. n 8395

    Livros de Receita e Despesa Livs. ns. 8368, 8394, 8408, 8410, 8411, 8412, 8413, 8414, 8415, 8416, 8417,

    8418, 8420, 8422, 8425, 8426, 8427, 8428, 8429, 8430, 8431, 8432, 8433, 8434, 8435, 8436, 8438, 8439, 8440, 8441, 8442, 8444, 8445.

    9

  • FONTES IMPRESSAS E BIBLIOGRAFIA!

    FONTES IMPRESSAS

    COSTA, Amrico Diccionario Chrografico de Portugal Continental e Insular. Porto: Livraria Civilizao, 1949, vol. XII.

    COSTA, Antnio Carvalho da Corografia Portuguesa. Braga: Typographia de Domingos Gonalves, 2a ed., 1868, vol. II.

    PINHO LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso e Irmo, 1882, vol. 10.

    SO TOMAS, Frei Leo de, Benedictina Lusitana. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa

    da Moeda, 1974, vol.II.

    BIBLIOGRAFIA

    ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de Arquitectura Romnica de Entre-Douro-e Minho. Porto: 1978, vol. I. (Dissertao de Doutoramento). Vias Medievais Entre-Douro-e-Minho. Porto: 1968, vol. I. (Dissertao para

    Licenciatura). Os Caminhos e a Assistncia no Norte de Portugal. Separata das Actas das Primeiras Jornadas Luso-Espanholas de Histria Medieval. Lisboa: 1972.

    O Romnico. In Histria da Arte em Portugal. Lisboa: Publicaes Alfa, 1993, vol.

    3.

    ALVES, M Valongo. In Grande Enciclopdia Potuguesa-Brasileira. Lisboa - Rio de Janeiro: Editorial Enciclopdia, [s.d], vol. 34. Valongo. In Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa: Editorial Verbo, 1976,

    vol. 18.

    1 Apenas so referenciadas as obras directamente utilizadas e citadas.

    10

  • ANACLETO, Regina Panorama do incio de Oitocentos. In Histria de Portugal. Dir. de MATTOSO, Jos. Lisboa: Crculo de Leitores. 1993, vol. 5. Classicismo e Romantismo. In Histria da Arte em Portugal. Lisboa: Publicaes Alfa, 1986, vol. 10.

    ARIES, Philippe O Homem perante a Morte. Sintra: Publicaes Europa--Amrica, 1988, vol. I.

    ARAJO, Ana Cristina Bartolomeu As invases francesas e a formao das ideias liberais. In Histria de Portugal. Dir. de MATTOSO, Jos. Lisboa: Crculo de Leitores, 1993, vol. 5.

    BASTO, Artur de Magalhes Apontamentos para um dicionrio de artistas e artfices que trabalharam no Porto do sculo XV ao sculo XVIII. Porto: Arquivo Histrico - Cmara Municipal do Porto, [s.d.]. (Documentos e Memrias para a Histria da Cidade do Porto; 33).

    BESSA, Joaquim Cardoso de Moura A ltima Abadessa do Convento de S. Bento da Av-Maria. In O Tripeiro, Porto: 6a srie, Ano III, n8, 1963.

    BORGES, Nelson Correia Arte Monstica em Lorvo: Sombras e realidade. Das origens a 1737. Coimbra: 1992, vol. I. (Dissertao de Doutoramento). rgos. In Dicionrio de Arte Barroca em Portugal. Dir. de PEREIRA, Jos. Lisboa: Editorial Presena, 1989.

    BRANDO, Domingos de Pinho Obra de Talha Dourada, Emsamblagem e Pintura na cidade e na diocese do Porto. Documentao II (1700-1725). Porto: [s.ed.], 1986.

    CABRITA, Antnio Russo; SILVA, Maria Margarida CF. Monografia do Concelho de Valongo. Porto: Oficinas Grficas de O Comrcio do Porto, 1973.

    ENES, Maria Fernanda As confrarias do Santssimo e das Almas no mbito da cultura barroca. In Actas do I Congresso Internacional do Barroco. Porto: Reitoria da Universidade do Porto - Governo Civil, 1991, vol. I.

    11

  • FABIO, Carlos O Passado Proto-Histrico e Romano. In Histria de Portugal, Dir. de MATTOSO, Jos. Lisboa: Crculo de Leitores, 1993, vol. I.

    FERRO, Bernardo Jos Projecto e transformao urbana do Porto na poca dos Almadas (175811813). Porto: FAP, 3a ed., 1997.

    FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. O Porto na poca dos Almadas (Arquitectura. Obras Pblicas). Porto: Cmara Municipal do Porto, 1988, 2 vols. As duas igrejas do mosteiro de So Bento de Av-Maria do Porto. Separata do I Congreso Internacional Del Monocato Feminino em Espana, Portugal e America, 1492-1992, Lion, 1992. Pascoal Fernandes, Mestre Pedreiro de Arquitectura. Alguns elementos para o estudo da sua actividade. In IX Centenrio da edificao da S de Braga. Actas do Congresso Internacional, vol. II. Braga: 1990. Elementos para a histria das sociedades entre mestres pedreiros (sculos XVII - XVIII). Separata da Revista da Faculdade de Letras. 2a srie, vol. IX. Porto: 1992. Aspectos da actividade arquitectnica no Porto na segunda metade do sculo XVII. Separata da Revista da Faculdade de Letras do Porto. 2a srie, vol. IX. Porto: 1992.

    FERREIRA-ALVES, Natlia Marinho A arte da talha no Porto na poca barroca. (Artistas e clientela. Materiais e tcnica). Porto: Arquivo Histrico - Cmara Municipal do Porto, 1989, 2 vols. (Documentos e Memrias para a Histria do Porto; 47). De Arquitecto a Entalhador. Itenerrios de um artista nos sculos XVII e XVIII. In Actas do I Congresso Internacional do Barroco Porto: Reitoria da Universidade do Porto - Governo Civil, vol. I. Ntula da actividade do arquitecto Antnio Pereira na cidade do Porto. In Revista da Faculdade de Letras. 2a srie, vol. IX, Porto: 1992. Plpito. In Dicionrio da Arte Barroca em Portugal. Dir. de PEREIRA. Jos. Lisboa: Ed. Presena. 1989, pp.387-388.

    FRANA, Jos Augusto A Arte Portuguesa de Oitocentos. Lisboa: Biblioteca Breve. 1992.

    12

  • GADOW, Marion Reder Comportamiento social ante la muerte en el siglo XVII. In Actas do I Congresso Internacional do Barroco, Porto: Reitoria da Universidade do Porto - Governo Civil, 1991, vol. I.

    HESPANHA, Antnio Manuel A Igreja. In Histria de Portugal. Dir. de MATTOSO, Jos. Lisboa: Crculo de Leitores, 1993, vol. 4.

    KOSTOF, Spiro Histria de la Arquitectura. Madrid: Alianza Editorai, 1988, vol. II.

    LESEGRETAIN, Claire Les Grands Ordres Religieux. Paris: Librairie Arthme Fayard, 1990.

    MACEDO, Jos Borges Almocreve. In Dicionrio de Histria de Portugal. Dir. de SERRO, Joel. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1963, vol. I.

    MARTINS, Fausto Sanches A arquitectura dos primeiros Colgios Jesutas de Portugal: 1542-1759. Cronologia. Artistas. Espaos. Porto: 1994, vol. I. (Tese de Doutoramento).

    MATTOSO, Jos A Nobreza Medieval Portuguesa. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. Religio e Cultura na Idade Mdia Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2a ed., 1997. Rio Tinto (Mosteiro). In Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa: Editorial Verbo, 1974, vol. 16.

    NORBERG-SCHULZ, Christian La signification dans l'architecture occidentale. Belgique: Pierre Mardaga Editeur, 1997.

    PACHECO, Hlder O Grande Porto. Lisboa: Editorial Presena, 1986.

    PEDREIRINHO, Jos Manuel Dicionrio dos arquitectos activos em Portugal (do sc.I actualidade). Porto: Edies Afrontamento, 1994.

    PEVSNER, Nikolaus Breve histria de la arquitectura europeia. Madrid: Alianza Edtorial, 1984.

    13

  • PINTO, Maria Helena Mendes Jos Francisco de Paiva. Ensamblador e Arquitecto do Porto (1744-1824). Lisboa: Museu Nacional de Arte Antiga, 1973.

    REIS, Joaquim Alves Lopes A Villa de Vallongo. Suas Tradies e Histria, Descripo, Costumes e Monumentos. Porto: Typographia Coelho (a vapor), 1904.

    SEARA, Francisco Jos Ribeiro Bosquejo Histrico da Villa de Vallongo e suas Tradies. Santo Tirso: Typ. do Jornal de Santo Thyrso, 1896.

    SILVA, Armando Coelho da A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paos de Ferreira: Museu Arqueolgico da Citnia de Sanfins - Cmara Municipal de Paos de Ferreira, 1986.

    SILVA, Jos Sidnio M. da O Edifcio do "Hospital Novo" de Viseu -1793. In Beira-Alta. Vol. 53, fase. 1 e 2, Viseu: 1997.

    SIMES JUNIOR, Manuel Rodrigues A Primeira Abadessa do Mosteiro de S. Bento da Av-Maria. In O Tripeiro, Porto: 6a srie, Ano III, n10, 1963.

    VARRIANO, John Arquitectura Italiana dei Barroco ao Rococ. Madrid: Alianza Editorial, 1990.

    VARGUES, Isabel Nobre; TORGAL, Luis Reis Da revoluo contra-revoluo: vintismo, cartismo, absolutismo. O exlio poltico. In Histria de Portugal. Dir. de MATTOSO, Jos. Lisboa: Crculo de Leitores, 1993, vol.5.

    VASCONCELOS, Flrido de O estuque, decorao privilegiada do barroco. In Actas do I Congresso do Barroco. Porto: Reitoria da Universidade do Porto - Governo Civil, 1991, vol. II.

    14

  • SIGLAS E ABREVIATURAS

    SIGLAS

    A.D.P. - Arquivo Distrital do Porto

    A.H.M.P. - Arquivo Histrico Municipal do Porto

    A.N.T.T. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo

    B.N.L. - Biblioteca Nacional de Lisboa

    ABREVIATURAS

    Cf. - Conferir, confrontar

    Cx. - Caixa

    Dir. - Direco

    Doe. avs. - Documentos avulsos

    Ed. - Edio

    Est. - Estampa

    Fig. - Figura

    Fase. - Fascculo

    Fl. - Flio

    Fis. - Flios

    S/ fl(s). Sem flio(s)

    Liv. - Livro

    Livs. - Livros

    M. - Mao

    Mc. - Microfilme

    N. - Nmero

    Ns. - Nmeros

    Ob. cit. - Obra citada

    15

  • p. Pgina

    Pp. Pginas

    Qd. Quadro

    S. So

    [S.d.] Sem data

    [S.ed.] Sem edio

    Vo Verso

    Vol. Volume

    Vols. Volumes

    [?] Omisso de palavra ou palavras ilegveis no documento

    [...] Omisso de texto numa citao documental ou bibliogrfica

    16

  • INTRODUO

    O trabalho que aqui apresentamos foi uma das mltiplas propostas sugeridas pelo nosso Orientador, e no pode ser dissociada da obra O Porto na poca dos Almadas2, que nos abriu perspectivas de trabalho similares e extensivas a outras cidades e vilas da rea do Grande Porto.

    Entre as vrias hipteses de estudo, a nossa escolha recaiu sobre a igreja matriz de Valongo, devido no s necessidade sentida de investigar o fenmeno de importao do neopalladianismo e a sua apropriao pela arquitectura portuense, numa regio geogrfica ainda no devidamente estudada, mas tambm movidos pela beleza e grandiosidade do edifcio, procurando saber quais as razes que esto na base de tal empreendimento, os custos da construo, o nome dos arquitectos e de outros artistas que l trabalharam.

    A pesquisa que esteve na base do nosso trabalho desenvolveu-se a partir da investigao arquivstica e da consulta bibliogrfica que nos direccionou rumo aos Arquivos e Bibliotecas. Aqui, onde fomos presena quase diria, a angstia dos primeiros tempos foi-se transformando em verdadeiro fascnio medida que a investigao evolua. A paixo aliou-se ao esprito cientfico de um modo indissocivel, o que viabilizou a superao de obstculos e permitiu configurar o que o nosso trabalho final.

    Mais do que um estudo sobre uma arquitectura construda, sentimos necessidade de fazer uma anlise retrospectiva, de saber as origens do objecto do nosso estudo. Para responder a esta e a muitas outras questes que, entretanto, se nos depararam, e aps alguns planos apresentados e discutidos com o nosso Orientador, definiu-se a estrutura do trabalho agora apresentado. Assim, o nosso trabalho, em face das respostas colhidas, versou a histria da primeira e segunda igreja

    2 FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B O Porto na poca dos Almadas. (Arquitectura. Obras Pblicas). Porto: Cmara Municipal do Porto, 1988, 2 vols.

    17

  • matriz de Valongo. Metodologicamente, e para melhor expormos a pesquisa por ns realizada, dividimos a presente dissertao em dois grandes momentos ou fases.

    Na primeira fase, desenvolvemos a polmica em torno da desaparecida primitiva igreja matriz de Valongo, (1062P-1794) destruda para dar vida actual, dando a conhecer a sua contextualizao histrica, os problemas levantados com a sua administrao, as alfaias litrgicas e paramentaria. Ainda nesta primeira parte, procedemos a uma anlise planimtrica da velha matriz no sculo XVII. Do mesmo modo, mas no sculo XVIII, procedemos a uma anlise formal do seu exterior e interior, destacando a nova planimetria da capela-mor e o grande embasamento em que se apoiava. Para esta primeira fase, socorremo-nos dos fundos monstico, notarial e paroquial existentes nos arquivos do Porto e Lisboa. Lamentavelmente, os elementos conseguidos foram assaz escassos. Os dados relativos a contratos e despesas so praticamente inexistentes. Assim, para colmatar esta lacuna, tratamos tambm dos retbulos que se encontravam no interior da primitiva matriz, fazendo ainda referncia a alguns intervenientes.

    A segunda parte corresponde ao corpo essencial do nosso trabalho. Nela procuramos seguir todas as etapas de construo do edifcio religioso at sua efectiva concluso (1794-1836), desde a polmica levantada com a sua edificao, que ops as motivaes dos moradores aos interesses das padroeiras de Valongo, passando pelos materiais utilizados, colocando tambm a tnica nos arquitectos e mais artistas e artfices que viabilizaram os projectos traados para a sua execuo. Assim, houve que exumar dos arquivos os documentos originais, ou na falta destes, as cpias que chegaram at ns. Neste segundo caso, a recolha de dados foi generosa.

    Trata-se, assim, de um estudo de carcter monogrfico que tem como objectivo a anlise arquitectnica do edifcio religioso. Lamentavelmente, as caractersticas deste trabalho no nos permitiram estudar a talha, as imagens e as pinturas, que encontramos a vestir o interior da igreja matriz de Valongo. Porm, constituem a perspectiva de estudo deste trabalho no futuro.

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  • O segundo volume desta dissertao composto pelos apndices documental e de imagens. No terceiro volume esto includas as folhas de pagamentos dos artistas e artfices que trabalharam na edificao da nova igreja matriz de Valongo.

    Eis pois, em traos muito gerais, o empreendimento que nos propusemos levar a bom termo e no qual se pretendeu contribuir para o estudo das origens e evoluo da construo da nova igreja matriz de Valongo e do seu enquadramento cultural e artstico. No foi uma tarefa fcil, devido complexidade da temtica. Mas foi aliciante.

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  • I. A PRIMITIVA IGREJA MATRIZ DE VALONGO

    1. Localizao

    A primitiva igreja matriz de Valongo lanou as suas razes num espao singular, marcado por especificidades geogrficas. A inegvel vivacidade paisagstica que apresenta, deriva da juno de elementos heterogneos, aparentemente irreconciliveis, onde os verdes das propriedades contrastam com o cinzento das louzas3. Lousas essas, que eram, as melhores de Portugal4.

    Valongo, termo da cidade do Porto, inscreve-se na velha rea de Entre-Douro-e--Minho, macio antigo constitudo essencialmente por rochas eruptivas e metamrficas, onde o granito com uma notvel gama de variedade campeia5, estendendo-se nas fraldas de extensas montanhas, sobre uma dilatada planicie das mais pittorescas e luxuriantes de vegetao6. um vale imenso, ameno, com a forma de um triangulo obstusango, quasi rectngulo cujos cathetos so formados pelos montes de Santa Justa e Senhora das Chos e a hypotenusa pelo monte do Sobrado7.

    3 CABRITA, Antnio Russo; SILVA, Maria Margarida CF. Monografia do Concelho de Valongo. Porto: Oficinas Grficas de O Comrcio do Porto, 1973, p.83. 4 PINHO LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa Portugal Antigo e Moderno. Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso e Irmo, 1882, vol. 10, p.179. 5 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de Arquitectura Romnica de Entre-Douro-e-Minho. Porto: 1978, vol. I, p.9. (Dissertao de Doutoramento). 6 SEARA, Francisco Jos Ribeiro Bosquejo Histrico da Villa de Vallongo e suas Tradices. Santo Tirso: Typ. do Jornal de Santo Thyrso, 1896, p. 7. 7 REIS, Joaquim Alves Lopes A Villa de Vallongo. Suas Tradices e Historia, Descripo, Costumes e Monumentos. Porto: Typographia Coelho (a vapor), 1904, pp.11-12.

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  • A primeira informao de que dispomos sobre a povoao na qual se inscreve a

    nossa igreja data dos finais do sc. IX:

    "Em 897, o prcer Gondesindo Eres, filho do conde Ero Fernandes e da condessa Adosinda, portucalenses, faz doao ao mosteiro de Sanguedo (Sanguinhedo) das Igrejas de S. Pedro de Couo, Santa Eullia de Gondomar e S. Martinho de Valongo^.

    Quanto sua veracidade, o autor acrescenta perentoriamente:

    No se duvida de que se trata de Valongo, a actual vila, embora a igreja no devesse existir forosamente no lugar da mesma vila, nem pode pensar-se na de S. Martinho do Campo, que se diz ter sido por algum tempo S. Martinho de Valongo, o que jamais sucedeu em tempos antigos [...]. Mas que se trata deste Valongo na predita doao no h dvida9.

    No sculo XIII, nas Inquiries de 1258, encontramos as designaes de Valongo de Cima ou Suso e Valongo de Baixo ou Juso10. Consideramos que esta diviso no traduz diferenas de mentalidade ou do modus viuendi da populao11, mas antes radica na origem do povoamento, mais antigo em Valongo Suso, onde encontramos vestgios de habitat castrejo12, que por excelncia situa-se em plataformas elevadas, com bom domnio da paisagem circundante13, atendendo a critrios estratgicos de defesa.

    8 ALVES, M, Valongo. In Grande Enciclopdia Portuguesa - Brasileira. Lisboa - Rio de Janeiro: Editorial Enciclopdia, [s.d.], vol. 34, p. 46. " Idem, ibidem. 1 0 REIS, Joaquim Alves Lopes Ob. cit., p.115. 1 1 Nas mesmas Inquiries podemos 1er: [...] disse que o Senhor rei tinha muitas herdades no logar chamado Vallongo de Cima e que as possuam indivduos do mesmo logar os quaes no pagam de foro por ellas, seno o que querem; e disse mais que no logar que se chama Vallongo de baixo tem tambm o rei um casal e o possuam indivduos do mesmo logar os quaes no por elle seno o que querem. REIS, Joaquim Alves Lopes Ob. cit., p.115. 1 2 SILVA, Armando Coelho da A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal. Paos de Ferreira: Museu Arqueolgico da Citnia de Sanfins - Cmara Municipal de Paos de Ferreira, 1986, p. 85. 1 3 FABIO, Carlos O Passado Proto-Histrico e Romano. In Histria do Portugal. Dir. de MATTOSO, Jos. Lisboa: Crculo de Leitores, 1993, vol. I, p.192.

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  • Outro testemunho firme, e recorrendo novamente s ditas Inquiries, a passagem por Valongo Suso da velha estrada romana, sucessivamente promovida a Via Pblica ou Estrada Real em harmonia com o andar dos sculos e com o incremento da centralizao do poder, que unia o Porto a Amarante e que, segundo Carlos Albertos Ferreira de Almeida, era o caminho mais utilizado para Roma14. Tambm nas viagens para Castela, o mais importante caminho saa do Porto indo a Valongo, Amarante, Lamas de Orelho e da a Bragana ou Torre de Moncorvo e a Freixo15.

    A persistncia do eixo Porto-Amarante, a que no era alheio o crescente culto s relquias de So Gonalo, despoleta o desenvolvimento das povoaes que percorre. Era imperioso criar infraestruturas capazes de oferecer condies de conforto a toda uma populao flutuante de caminhantes, de romeiros, de feirantes, todos necessitados de alimento, albergue e assistncia. Assim, parece-nos razovel considerar que o vale formado por Valongo, deve ter sido desde tempos remotos um dos eixos preferenciais de comunicao, uma vez que devido sua bella posio geographica estava em vantajosas condies para descano e repouso de todos os viandantes, pousada a refresco de todos os passageiros16.

    Outro factor de desenvolvimento desta antiga povoao foi, sem dvida alguma, o trabalho das suas gentes, principalmente o das mulheres. Supomos que as terras arveis de Valongo, apesar de constiturem um frtil vale irrigado pelos rios Ferreira e Lea17, e, por conseguinte, muito produtivo em todos os gneros agrcolas18,

    1 4 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de Vias Medievais Entre-Douro-e-Minho. Porto: 1968, vol. I, p.173. (Dissertao para Licenciatura). No mesmo documento podemos percorrer as vrias etapas do percurso: Saa pela Porta de Cimo da Vila [...], junto igreja de Santilafonso onde comea o caminho da Corte de Roma. Seguia o caminho pela actual rua de Santo Ildefonso onde existia o hospital da invocao do mesmo santo e uma albergaria, passava o largo do Padro onde havia um cruzeiro que lhe deixou o nome, seguia a Mijavelhas, onde estava a ponte das Patas e se estabeleceu um hospital de gafos, atravessava pelo Bonfim e ia Corujeira. Da partiam dois desvios: o mais antigo descia a Campanh, passava entre Rio Tinto e o lugar de Azevedo, ia ponte de Socorido, a Cabanas e da a Vale de Ferreiros [...]. O outro desvio ia a Vila Cova e pela Ranha passava junto do mosteiro de Rio Tinto, subia por S. Sebastio, Venda Nova e em Vale de Ferreiros juntava-se ao antecedente. Este percurso nos finais da Idade Media suplantou o anterior. Pela Portela de Valongo desciam povoao junta de Valongo, passavam o rio Ferreira na ponte do mesmo nome e mais ou menos pelo leito da actual estrada Porto-Penafiel, seguia ate S. Martinho de Muazares (Penafiel). Idem, ibidem, pp.173-174. 15 ifem _ Os Caminhos e a Assistncia no Norte de Portugal. Separata das Actas das Primeiras Jornadas Luso-Espanholas de Histria Medieval. Lisboa: 1972, p.50. 1 6 REIS, Joaquim Alves Lopes Ob. cit., p. 127. 1 7 COSTA, Amrico Diccionario Chrografico de Portugal Continental e Insular. Porto: Livraria Civilizao, 1949, vol. XII, p.219. 1 8 Idem, ibidem.

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  • cedo se mostraram insuficientes para prover o sustento de uma populao sempre crescente, da a apetncia pela almocrevaria e o fabrico do po. No obstante a importncia dos almocreves, a coluna vertebral dos transportes internos19, Valongo tornou-se conhecida pelo trabalho feminino. a terra das padeiras, das roscas e dos biscoitos, cuja comercializao, que contribui para o desenvolvimento scio--econmico de Valongo, no se confinava ao seu termo. Acarinhadas e protegidas pela abadessa e mais religiosas do mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto20, s quais pagavam avultados dzimos, as padeiras d'tempo antiqussimo vendem o po no largo do tirreiro da feira difronte do seu mosteiro21. No sculo XVII, Valongo torna-se o centro abastecedor de po cidade do Porto22.

    A este respeito, e nos incios do sculo XVIII, Antnio Carvalho da Costa faz-nos

    o seguinte retrato de Valongo:

    Vigairaria do Mosteiro das Freiras de So Bento do Porto que rende ao todo cento e vinte mil reis, e pra as religiosas com sabidos trezentos mil reis: he povo grande e arruado habitado de muitas padeiras que sustento o Porto de po que elas l levo a vender, e de muitos almocreves, que vivem de conduzir de muitas lgoas o trigo para suas mulheres cozerem: tem duzentos e noventa vesinhos, e estas ermidas, Nossa Senhora das Chans, que foi de muita romagem, Santa Justa, S. Bertholameu e Santo Anto23.

    1 9 MACEDO, Jos Borges Almocreve. In Dicionrio de Histria de Portugal. Dir. de SERRO, Joel. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1963, vol. I, p. 120. ' 2 0 Com efeito em 1803 a madre abadessa do mosteiro de So Bento da Av-Maria do Porto apresenta uns autos de requerimento na sesso da Cmara de 13 de Agosto do mesmo ano a favor das padeiras de Valongo, que foro mandadas despejar, fazendo-as ir para a Praa Nova, pedindo o seu regresso para o largo da Feira uma vez que, em seu entender, vendem gneros de primeira necessidade. Arquivo Distrital do Porto (A.D.P.), Fundo Monstico, cx. n4745, doe. avs.. 2 1 A.D.P.. Idem, ibidem. 2 2 ALVES, M Valongo. In Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa: Editorial Verbo, 1976, vol. 18, p.671. oa 23 COSTA, Antnio Carvalho da Corografia Portuguesa. Braga: Typographia de Domingos Gonalves, 2 ed., 1868, vol. II, p. 231.

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  • No segundo decnio do sculo XVIII24, aquando da sentena cvel favorvel s monjas de So Bento que recusaram colocar s suas custas um coadjutor na primitiva igreja matriz, Valongo tinha alguns longes25, e possua mil e quatrocentas pessoas, e quatrocentos e trinta fogos26. Alguns anos depois, em 1758, na descrio das Memrias Paroquiais elaborada pelo proco Joaquim de Sousa Dias27, apresenta j quinentos e oitenta e trs fogos; tem mil e seis centas e trinta e coatro pesoas de comunham, tem duzentos e trinta e sete de mor idade, como consta do rol dos comfeados28, o que demostra o seu rpido crescimento demogrfico e urbanstico.

    Este manuscrito faculta-nos ainda dados alusivos contextualizao geogrfica

    de Valongo:

    Esta Cituada parte em Valle e parte no alto ou cerra que he a estrada do Porto; dentro no lugar nam se descobre outra alguma terra; dos altos se descobre a freguezia de So Martinho do Campo, a freguezia de Fanzeres e os montes pertencentes a freguesia de Rio Tinto; que todas distam a saber a de Sam Martinho mega legoa, e as mays partem no ctio chamado a cerra; tem esta freguesia a si ad junta huma aldeya chamada Vallongo suzam [...] Tem meya legoa de comprido outra meya legoa de largo; comea vindo da cidade do Porto, no sitio chamado a serra da Senhora das Chays, ou do Porto; e acaba no stio chamado Cabalo morto29.

    Toda a bibliografia consultada unnime em ressaltar a presena paradisaca da Natureza, a amenidade do clima, a privilegiada situao geogrfica. Esta constncia em afirmar as qualidades do lugar no desprovida de sentido, j que o stio desempenha um papel fulcral na implantao da arquitectura em geral, e da arquitectura religiosa em particular, uma vez que a construo de uma igreja traduz a ideia e a vontade de

    2 4 Cf. Vol. II, documento n29, pp.71-81. 2 5 Cf. Idem, ibidem, p.78. 2 6 Cf. Idem, ibidem, fl. 76. 2 7 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (A.N.T.T.), Dicionrio Geogrfico, vol. 38, fis. 181-182, rolo 585. 2 8 A.N.T.T., Idem, ibidem. 2 9 A.N.T.T., Idem, ibidem.

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  • uma poca e de uma determinada comunidade, traduzidas num programa e num

    espao30.

    Sobre a particularidade destas relaes escreveu Norberg-Schulz:

    L'architecture est un phnomne concret. Elle comprend des paysages et des implantations, des btiments et une articulation caractrisante. Elle est donc une ralit vivante. Depuis des temps reculs, l'architecture a aid l'homme rendre son existance signifiante [...]. Les significations existentielles procdent de phnomnes naturels, humains et spirituels. L'architecture les traduit en formes spatiales. [...] Dans l'architecture, la forme spatiale signifie lieu, parcours et domaine, c'est--dire la structure concrte de l'environnement humain^.

    A primitiva matriz de Valongo teve o seu assento no alto, situando-se em plano semelhante aquele que actualmente ocupa a nova igreja, na junco das duas ruas Nova e Velha32, bem no meio do lugar, mas na parte mais alta33, dominando pela sua posio sobranceira e volumtrica as restantes construes, numa intima relao com a paisagem. Rodeada de uma paisagem agreste, percorrida pelo Ribeiro chamado da Igreja34 e por outros cursos de gua, que assumem um sentido purificador, a velha igreja matriz encontrava-se enraizada num cenrio verdadeiramente sedutor, j que este constitua um local ideal por excelncia para a sua construo.

    3 0 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira Arquitectura Romnica..., p. 3. 3 1 NORBERG-SCHULZ, Christian La signification dans l'architecture occidentale. Belgique: Pierre Mardaga Editeur, 1997, p. 5. 3 2 REIS, Joaquim Alves Lopes Ob. cit., p.236. 3 3 Idem, ibidem. 3 4 Cf. Vol. IL documento n41, p.106.

  • 2. As primeiras notcias

    A notcia mais antiga que encontramos da primitiva matriz de Valongo remonta ao ano de 1062 aquando da fundao do mosteiro de Rio Tinto por D. Diogo Trutesendo35 e seus filhos, que tero dotado a novel instituio com grossas rendas, padroados de igrejas, porque in solidum ou meyas ou teros ero ao todo doze36. Desta doao fazia parte a primeira igreja matriz de Valongo37.

    D. Diogo Trutesendo pertence nobreza condal38, tendo exercido importantes cargos polticos e administrativos. Magnate, possua inmeras propriedades que lhe outorgavam um poder quase ilimitado. Ao fundar o mosteiro de Rio Tinto, reservou-o expressamente vocao da sua famlia39, tornando-o, assim, numa comunidade familiar e, posteriormente, dplice40. Os bens e o prestgio da congregao sempre foram grandes, apesar da enorme quantidade de membros da famlia patronal, de que dependia41.

    As inmeras benesses feitas por D. Diogo Trutesendo, fidalgo muito principal, e como tal asignou na escritura de Doao que El-Rey D. Fernando de Leo fez ao mosteiro de Lorvo42, e pelos seus filhos, Trutesendo Dias43, Gonalo Dias44 e Unisca Dias45, ilustram o imaginrio da poca que se traduz, nomeadamente, na necessidade de assegurar a salvao das suas almas e outras contrapartidas menos desinteressadas.

    3 5 A.D.P., Mosteiro de S. Bento da Av-Maria, livro n4674, fl.9v.. 3 6 COSTA, Antnio Carvalho da Ob. cit., p.231. 3 7 REIS, Joaquim Alves Lopes Ob. cit., p. 108. 38 MATTOSO, Jos A Nobreza Medieval Portuguesa. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 226. 39 idem Religio e Cultura na Idade Mdia Portuguesa. 2a ed. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997 p. 22. 4 0 Idem Rio Tinto (Mosteiro). In Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura. Lisboa: Editorial Verbo, 1974, vol. 16, p. 649. 4 1 Idem, ibidem. 4 2 A.D.P., Fundo Monstico, livro n4674, fl. 9v. 4 3 A.D.P., Idem, ibidem. 4 4 A.D.P., Idem, ibidem. 4 5 A.D.P., Idem, ibidem.

  • A este respeito escreveu Joaquim Alves Lopes Reis:

    Seria a vz da conscincia que clamava justia, quem fez com que este D. Diogo Trutizendes, para reparar males que tinha feito, institusse o convento de Rio Tinto e o dotasse com parte de seus bens, talvez bem pouco escrupulosamente ajuntados, e com o padroado das egrejas que teria fundado ou dotado para mais dominar ou augmentar suas riquezas^.

    Em 1173, D. Afonso Henriques (1109-1185), possivelmente para travar os constantes abusos dos nobres e a fuga aos pesados tributos por parte das populaes, couta o mosteiro de Rio Tinto na pessoa de sua abadessa, D. Ermesenda Guterres47, senhora de extraco nobre, filha de Guterre Mendes48. Esta senhora e seu mosteiro, iro proteger os eremitas, cuja exarcebao da vida religiosa, pautada pela pobreza total49, e absoluta entrega orao e contemplao da Natureza, conhece uma grande vitalidade neste perodo50, como o confirma a doao da Vila do Bispo, feita conjuntamente com o seu irmo, a Paio Soares51 e seus confrades

    No manuscrito, o rei refere outras razes subjacentes da sua carta de coutar:

    "[...] fao couto/ muy fyrme aaquelle Moesteiro de Sam Crisptovo de Ryo Tinto por remdio de my alma e de meu Padre/ e Madre II E pello Amor de Deus e pello dia do Juizo que he mais temedourol e porque me fazedes quinhoeiro nas vosas oraes e de todalas I outras vosas bemfytorias que cada dia fizerdes e porque recebi Eu de vos quinhentos moravydes dourol^.

    4 6 REIS, Joaquim Alves Lopes Ob. cit., p. 110. 4 7 A.N.T.T., Mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto II, livro n 3, fis. 2v.-3f. 4 8 MATTOSO, Jos Religio e Cultura..., p. 229. 4 9 LESEGRETAIN, Claire Les Grands Ordres Religieux. Paris: Librairie Arthme Fayard, 1990, p.37. 5 0 Idem, ibidem. 5 1 MATTOSO, Jos Religio e Cultura..., p. 110. 5 2 A.N.T.T. Mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto II, livro n" 3, fis. 2v.-3L

  • O documento refere ainda claramente a confrontao do couto do mosteiro de S. Cristvo de Rio Tinto53, que vindo a beneficiar de sucessivas confirmaes reais e de benesses dos seus protectores, reais ou no, viu aumentar o seu patrimnio fundirio (Fig. 1), o prestgio e o poder. Do protectorado real, destacamos a aco do monarca D. Afonso IV (1291-1357), que concedeu abadessa a jurisdio do couto54.

    Em 1518, D. Manuel I (1469-1521) manda edificar o mosteiro de S. Bento de Av-Maria do Porto, com o objectivo de incorporar perpetuamente os quatro antiqussimos mosteiros de religiosas benedictinas55: S. Cristvo de Rio Tinto, S. Salvador de Tuias, S. Salvador de Vila Cova de Sandim e Santa Maria Maior de Tarouquela. Concludas as obras em 152756, somente no ano de 153557 se procedeu transferncia das monjas dos quatro mosteiros para a nova Instituio, tendo o rei D. Joo III (1502-1557) designado como primeira abadessa perptua, D. Maria de Melo58, pessoa to cheia de Virtudes, e de merecimentoz, como era preciso para governar quatro Rebanhos de Epozas de Christo que de quatro Montanhas se vinham ajuntar neste novo Parayzo59.

    5 3 Com efeito no mesmo manuscrito pode ler-se: Num accedamus agora nos achegemos aos termos do couto pra o couto sr declarado per hua parte primeiramente se comea aquele couto per aquella mamoa que he sobre Crestove Annes/ como vay aaquel outeiro/ de (3v.) Porrinhos Mos e deshy ao outro outeiro da Sabugossa e vay per aquella fomte de curralhos/ e vay per termo como parte gomtomyr e villa cova ataa o pego negro// h deshy vay pella carreira antiga que he acerqua da igreja de So Migel e vai aquella serra que parte antre /Soutello e Manariz E deshy vay per aquel lugar que he termo antigo antre Cabanas e Rios Tintos ata o Rio de Pomte has e vay per esse rio aquella arca a (?). E deshy a igreja de So Mamede e vay aaquel porto de recemir ata a aquel logo homde primeiramente compeamos/ convm saber a mamoa de Crestove Annes de corrente o Rio de Doiro terretorio do Porto. A.N.T.T., Mosteiro de S. Bento da Av Maria do Porto II, livro n3, fl.3f.,v.. 5 4 SO TOMS, Frei Leo de Benedictina Lusitana. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1974, vol. II, p. 256. 5 5 A.D.P., Mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto, livro n4674, fl. 5f. 5 6 A.D.P., Idem, ibidem, fl. 5v. 5 7 A.D.P., Idem, ibidem, fl. 6f. 5 8 A escolha desta senhora para to importante cargo, no foi arbitrria. Denota at, um certo nepotismo, nrotagonizado por D. Melcia de Melo, penltima abadessa do mosteiro de Arouca e senhora de reconhecidas virtudes como o confirma a sua transferncia em 1537 para o mosteiro de Lorvo a fim de ocupar o cargo de abadessa deixado em aberto pela expulso de D. Filipa de Ea, decretada por D. Joo III. Por sua vez D Mana de Melo tambm j havia dado provas da sua competncia e eficcia no mosteiro de Tarouquela onde tinha sido enviada por sua tia como regedora, a pedido do rei D. Manuel I, descontente com o governo da abadessa do mesmo Sobre este assunto consultar: BORGES, Nelson Correia - Arte Monstica em Lorvo, Sombras e realidade Das origens a 1737. Coimbra: 1992, vol. I, pp.256-265. (Dissertao de Doutoramento). E SIMES IUNIOR, Manuel Rodrigues A Primeira Abadessa do Mosteiro de S. Bento da Av-Maria. In O Tripeiro, Porto: 6* srie, Ano III, n"10, 1963, p.289. 5 9 A.D.P., Fundo Monstico, livro n4674, fl. 5v..

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    29

  • A unio in perpetuum do mosteiro de S. Cristvo de Rio Tinto ao mosteiro de S. Bento de Av-Maria do Porto, e consequente anexao de todas as propriedades, igrejas, dzimos e rendas que lhe pertenciam, no foi isenta de quezlia. Com efeito, a ltima abadessa do mosteiro de Rio Tinto, D. Ins Borges, apelou para Roma, vindo a apresentar demamdas na rota do samto padre60, entregues a marqo amtonyo maestro auditor61 da corte de Roma, com o intuito de receber as devidas contrapartidas, no s pela extino do mosteiro que tutelava, como do seu prprio cargo, factos que se traduziam em grandes perdas e danos ao seu prestgio, poder e segurana.

    As negociaes entre as partes foram longas e intensas. O rei D. Joo III intervm efectivamente na contenda visando um acordo entre as partes, com o intento de evitar qustas e despisas que sobre iso se poderiom fazer62. Nesse sentido, nomeia dois homens da sua inteira confiana para proceder s negociaes: Joo Pinto, fidallguo e capelo do serinisimo rey63, como procurador de D. Maria de Melo, e Bento Pereira, cryado do dito rey64, como procurador de D. Ins Borges. Estes veneraviles e discretos varens65 no pouparam esforos para que se extimguise ha demamda que traziom66 as duas senhoras religiosas. D. Ins Borges acabaria por ceder os seus direitos - que se revelaram legtimos - em permuta de uma penso anual, para que por respeito desta cesam no padecese damparo67, de cem ducados em moedas de ouro larguos parte sobre os fruytos do dito mosteyro de rio timto e parte sobre os dizimos da igreja parrochial de vallomguo (...) e parte os cazaes de sam guimil.68.

    A renda da primitiva matriz de Valongo, avaliada em 20$000 ris69, foi calculada tendo por base apenas os ltimos quatro anos de arrendamento. Nos primeiros trs

    6 0 Cf. Vol. II, documento nl, p.l. 6 1 Cf. Idem, ibidem. 6 2 Cf. Idem, ibidem. 6 3 Cf. Idem, ibidem. 6 4 Cf. Idem, ibidem. 65 Cf. Idem, ibidem. 6 6 Cf. Idem, ibidem. 6 7 Cf. Idem, ibidem, p.2. 6 8 Cf. Idem, ibidem. 6 9 C.Idem, documento n4, p.6.

    30

  • anos esteve arrendada ao alfaite Joo Pires70 muito barato por que ele he de casa e aguasalha todollos ospedes que vom ao mosteiro e bestas de fora71. O ltimo ano, em 1540, a Nicolau da Maia72 por ser, como he, e vosas mercs sabem de casa73, sendo alguns pagamentos feitos em careguos velhos74. A 26 de Fevereiro de 154075, D. Ins Borges toma posse da renda da velha igreja matriz de Valongo per pedra e terra e caldeira e pichos76.

    D. Maria de Melo imprimiu a sua personalidade austera ao mosteiro de S. Bento de Av-Maria do Porto, hum dos mais magnficos deste Reino de Portugal, tanto pelo sitio em que se acha fundado, que he o melhor, e maiz aprazvel da Cidade, como pelos Privilgios e Regalias, de que goza; Padroados de Igrejas, que apresenta; e Rendas que tem77. Apesar de receber principalmente senhoras de origem nobre, de usufruir da proteco real de que sempre foi alvo e do prprio patrimnio, a vida destas freiras pautou-se por valores austeros, raiando o limiar da pobreza, e por clausura rigorosa, cujas grades s se permitiro limitadas vezes aos Payes e Mys das Religiosas78.

    Este projecto de vida encontrou continuidade ao longo da existncia da instituio monstica, compreendida entre 1535-1892, ano da morte da sua ltima abadessa, D. Maria da Glria Dias Guimares79. A partir de 1834, aquando da extino das ordens religiosas por Joaquim Antnio de Aguiar e consequente nacionalizao dos seus bens, este desvelo da vivncia religiosa tornar-se-ia mesmo uma exigncia despoletada por motivos de natureza poltica e pelo apagamento, lento mas inexorvel, do fervor religioso das populaes.

    7 0 Cf. Idem, documento n3, p.5. 7 1 Cf. Idem, ibidem. 7 2 Cf. Idem, ibidem. 7 3 Cf. Idem, ibidem. 7 4 Cf. Idem, ibidem. 75 cf. Idem, documento n5, pp.7-8. 7 6 Cf. Idem, ibidem, p.7. 7 7 A.D.P., Fundo Monstico, livro n4674, fl. 3v.. 7 8 A.D.P., Idem, ibidem, fl. 4f.,v. 7 9 BESSA, Joaquim Cardoso de Moura A ltima Abadessa do Convento de S. Bento de Av-Maria. In O Tripeiro, Porto: 6a Srie, Ano III, n8, 1963, pp.241-242.

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  • 3. O padroado do mosteiro de S. Bento de Av-Maria

    O padroado proporcionava direitos e privilgios e tambm alguns deveres s monjas beneditinas. Assistia-lhes o direito de apersemtar cura e capeiam quando quer que acomtea vaguar per quall quer modo que seja80. Os seus apresentados eram confirmados e colocados nas igrejas da sua responsabilidade sem consenso, reserva, nem alternativa alguma81. Depois de confirmado, restava ao proco provar, com o auxlio de testemunhas escolhidas por si e dignas de f e credito82, como era christo velho, limpo, e sem raa algua de mouro, nem judeo83, e aos moradores, concomitantemente, aceit-lo por seu verdadeiro vigairo e Reitor84, obedecendo-lhe assi no espiritual como no temporal85 e concorrer para o seu sustento e bem-estar, sob pena de excomunho86.

    3.1. A cngrua do reitor

    Em Fevereiro de 156187, ainda sob o abadessado de D. Maria de Melo, Gonalo Dias88, confirmado cura perptuo da igreja matriz de Valongo pelo Bispo do Porto D. Rodrigo Pinheiro89, per morte naturall90 de Henrique Borges91, ultimo cura e

    8 0 Cf. Vol. II, documento n6, p.9. 8 1 A.D.P., Fundo Monstico, livro n 4638, fl. 277 f.,v. 8 2 Cf. Vol. II, documento n15, p.34. 8 3 Cf. Idem, ibidem. 8 4 Cf. Idem, ibidem. 8 5 Cf. Idem, ibidem. 8 6 Cf. Idem, ibidem. 8 7 Ci.Idem, documento n6, pp.9-10. 8 8 Cf. Idem, ibidem, p.9. 8 9 Cf. Idem, ibidem. 9 0 Cf. Idem, ibidem. 9 1 C.Idem, ibidem.

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  • posoidor que da dita igreja foy92, fruia de cngrua o mesmo que o seu antecessor: quatro mill reis em dinheiro e os pasais da dita igreja e todo o pee do altar dela e de sus hermidas93. Estas ermidas, que se encontravam sob alada do proco da primitiva igreja matriz de Valongo, eram: a de Nossa Senhora da Luz, situada easy no cabo do luguar, pra a parte do nacemte no campo94, a de S. Bartolomeu, que estaa no monte devoto aliem dagua95, a de Santo Anto, fundada no cabo do luguar na parte do norte96 e, finalmente, a ermida de Santa Justa, eregida no cume da serra da parte do vemdaval97, sendo esta ltima a que mais dividendos aportava ao reitor da velha matriz, j que era uma capela de grande romaria.

    No dia 1 de Junho de 159398, tendo como segunda abadessa perptua das monjas beneditinas a D. Guiomar de Ataide", feito um auto de reconhecimento da igreja de Valongo, sendo agora proco Cristvo Dias100, que fora colocado na velha matriz em 16 de Outubro de 1561101, devido morte prematura de Gonalo Dias102. Este auto conta ainda com a presena de Cristvo da Costa de S103, juiz com allada per provizo dei Rey noso senhor do tombo dos bens propredades que pertemeem ao mosteiro de so bemto da dita cidade e de todas as igrejas e mosteiros suas anexas104, e de Gonalo de Arajo105, procurador da senhora abadessa e comvemto106. Neste documento, lavrado por Loureno da Mota Rebelo107, o reverendo reconhecente confirma a cngrua anterior, e refere que, por se ter queixado aos bispos

    9 2 Cf. Idem, ibidem. 9 3 Cf. Idem, ibidem, p.10. 9 4 Cf. Idem, documento n9, p.20. 9 5 Cf. Idem, ibidem. 9 6 Cf. Idem, ibidem. 9 7 Cf. Idem, ibidem. 9 8 C.Idem, documento n8, p.18. 9 9 Biblioteca Nacional de Lisboa (B.N.L.), Reservados, COD. 8395, fl.l7f... 1 0 0 Cf. Vol. II, documento n9, pp.19-21. 1 0 1 C.Idem, documento nll , pp.25-26. 1 0 2 Cf. Idem, ibidem, p.25. 1 0 3 C.Idem, documento n8, p.18. 1 0 4 Cf. Idem, ibidem. 1 0 5 Cf. Idem, ibidem. 1 0 6 Cf. Idem, ibidem. 1 0 7 Cf. Idem, ibidem.

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  • passados108 da parca quantia recebida, auferia agora, por visitaes, outros dez cruzados mais e trimta allqueires de po meado109, dando-lhe igualmente abadessa a quantia de quinhemtos reis em dinheiro pra ostias e pra sera pra as missas dos dominguos e festas e pra o vinho das ditas misas110. A cngrua contemplava ainda o usufruto das casas de residncia e passais111, e de uma casa terreira e telhada112, situada na Rua Direita de Valongo113, para recebimento dos dzimos concernentes s terras arrendadas pelas padroeiras, a qual servia tambm de celeiro, possuindo demtro em sy pra iso duas tulhas de taboado114.

    De acordo com o exposto, supomos que as cngruas seriam escassas, contrariamente ao nmero de pedidos para o seu aumento, tanto em gneros como em dinheiro. Esta situao gerava, frequentemente, tenses e conflitos entre as partes. Data de 1609115 a primeira sentena cvel de que temos conhecimento e que opunha D. Guiomar de Atade116 e mais religiosas do mosteiro de So Bento da cidade do Porto ao ento reitor da primitiva igreja matriz de Valongo, por este almejar por captulos de visita lhe desse este mosteiro cada anno dous alqueires de trigo para

    1 0 8 Cf. Idem, documento n10, p.22. 109 Cf. Idem, ibidem. 1 1 0 Cf. Idem, ibidem. 111 No mesmo documento, podemos 1er: As casas em que vive de hum sobrado telhadas com seus repartimemtos pelo meo de taipa que os dvide em cimquo casas a saber huma sala e trs camars e hua cozinha com suas logeas por bayxo que so trs huma serve de adegua e as outras de estrebarias, e no cabo das casas tem hua varamda velha pra a parte da igreja, e esto estas casas tapadas ao redor de parede fechadas com huma porta fronha por homde se servem, e partem do nacemte, poemte e vemdaval com os pasais da dita igreia. E do norte com o adro delia/ Tem diamte das ditas casas hum terreiro que se fecha com as mesmas casas que tem em sy duas laramjeiras e des carvalhos e duas ramadas piquenas e hum castinheiro e hum pesegueiro e uma ameixieira -Jumto deste tereiro tem huma orta tapada ao redor da parede com alguas fruiteiras ao redor, e jumto delia tem outro serrado de parede que serve de orta que ambas partes de todas as partes com os pasais e adro da dita igreia// De fora destas ortas tem hum serrado que.so os prprios pasais da igreia todos tapados ao redor da perede [...] Tem estes pasais toda a agoa do ribeiro da igreia, que he livremente todo o ano e no imverno e vero, e tem ao redor allguns carvalhos, os quaes pasais tem suas sahidas pra o monte e tem o dereito diguo o dereito de rosar e pastar nele com os moradores e vesinhos do luguar de vallomguo, Idem, ibidem, pp.22-23. 112 Cf. Idem, ibidem, p.23. 1 1 3 Cf. Idem, ibidem. 114 Cf. Idem, ibidem. 1 1 5 A.N.T.T., Mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto II, mao 25, s/fls. 1 1 6 A.N.T.T., Idem, ibidem.

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  • hstias e dous mil reis para lavage da roupa da Igreja117. A partir desta data, assiste-se a um desenrolar de contendas entre os sucessivos reitores da velha matriz - a que se associavam frequentemente os padres visitadores - e as monjas beneditinas.

    Os prprios procos engrossavam, muitas vezes, a categoria dos dependentes, j que pagavam pesados tributos tanto aos bispos como aos padroeiros das igrejas que oficiavam. Recuando at ao ano de 1593, o proco Cristvo Dias pagava ao bispo e cabido da S do Porto dos proventos da igreja de Valongo, trimta alqueires de po meado, e trs allqueires e trs quartos de triguo, e cemto e dezoito reis em dinheiro, e de dereito de visitao cemto e trimta reis118.

    Em 22 de Agosto de 1670119, sendo segundo ves Abadea a muito illustre senhora Dona Maria de Castilho120, lavra-se novo auto de reconhecimento da primitiva igreja matriz de Valongo, passais e fbrica, na presena de Joo Marques121, reitor da igreja em virtude da renumcia que nelle fes, o reverendo vigairo diogo ribeiro, seu anteseor122, de Cristvo Alo de Morais123, juiz do Tombo, e de Domingos Pereira Valverde124, procurador das monjas beneditinas. O proco aufere agora de cngrua anual treze mil reis em dinheiro, e hum carro de senteio, e outro de milho125, mantendo os usufrutos j anteriormente mencionados.

    Datado da segunda metade do sculo XVIII encontramos o ltimo auto de reconhecimento do padroado da primitiva matriz de Valongo de que temos conhecimento. Iniciado a 5 de Maio de 1758126, prolongou-se pelo prazo de trs

    1 1 7 A.N.T.T., Idem, ibidem. 1 1 8 Cf. Vol. II, documento n10, p.22. 1 1 9 Cf. Idem, documento n23, p.60. 1 2 0 A.D.P., Fundo Monstico, livro n4655, s/ fl. 1 2 1 Cf. Vol. II, documento n23, p.60. 1 2 2 Cf. Idem, ibidem. 1 2 3 Cf. Idem, ibidem. 1 2 4 Cf. Idem, ibidem. 1 2 5 Cf. Idem, ibidem. 1 2 6 Ci. Idem, documento n39, p.98.

  • dias127, tendo como intervenientes o reverendo licenciado Joaquim de Sousa Dias128, vigrio collado da dita Igreja em que sucedeo por titullo de renuncia por coadjutoria com justa sucesso129, o desembargador da Relao e Casa do Porto, Francisco de S Barreto130, e o procurador das monjas beneditinas, padre Carlos Manuel Coutinho131. Neste auto, elaborado durante o primeiro trinio do abadessado de D. Joana Ins Ozrio de Alarco132, encontramos descriminados os proventos do reitor de Valongo. Alm de receber de cngrua anual 13$000 ris e 80 alqueires de po de segunda133, tezssado posto, e pago tudo na sua rezidencia pello Rendeiro da dita freguezia134, e, segundo ordens dellaz ditaz Relligiozaz135, possua tambm todos os direytos parochiais benezes e offertas tocantes ao p do altar da sobredita Igreja, e cappellaz suz filiais e pupolares136.

    Estes novos direitos eram exercidos agora sobre sete ermidas137: a capela de Nossa Senhora das Neves, a qual he popular, tem a sua galile e fica no meyo do lugar138; a capela de So Bruno, da qual he direyto e senhorio o capitam Joze Pereyra139; a capela de Nossa Senhora das Chns, que fica no alto da cerra a qual mandou fazer Manoel Antonio da freguezia de Champanham vindo no mar vendoce em prigo140; a capela de Nossa Senhora da Serra, que he popular e fica tambm dentro do lugar141; a capela de S. Bartolomeu, que se encontra no extremo deste lugar a parte do norte junto ao destrito de Alfena he popular142; a capela de Santa

    1 2 7 Cf. Idem, documentos ns40, 41 e 42, pp.101-110. 1 2 8 Cf. Idem, documento n39, p.98. 1 2 9 Cf. Idem, ibidem. 1 3 0 Cf. Idem, ibidem. 1 3 1 Cf. Idem, ibidem. 1 3 2 A.D.P., Fundo Monstico, caixa n4748, s/fls. 1 3 3 Cf. Vol. II, documento n40, p.101. 1 3 4 Cf. Idem, ibidem. 1 3 5 Cf. Idem, ibidem. 1 3 6 Cf. Idem, ibidem. 1 3 7 A.N.T.T., Dicionrio Geogrfico, ibidem, fl.182 (.. 1 3 8 A.N.T.T., Idem, ibidem. 1 3 9 A.N.T.T., Idem, ibidem. 1 4 0 A.N.T.T., Idem, ibidem. 1 4 1 A.N.T.T., Idem, ibidem. 1 4 2 A.N.T.T., Idem, ibidem.

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  • Justa, tambm popular143; e, finalmente, a capela do Senhor dos Passos, que fica junto ao adro144 da igreja, sendo esta ltima de grande romagem j que he irmandade de muitos irmos145.

    3.2. Os deveres das freiras e dos moradores de Valongo

    Data de 1670 a primeira referncia conhecida dos deveres de padroado das freiras beneditinas no que concerne igreja e populao de Valongo:

    [...] davo as ditas religiozas, a sera nesearia pra as missas dos freigezes, e duas tochas, e duas vellas para acompanhar os sacramentos, da eocarestia e da uno coando se dam aos infermos, e outro si so as ditas religiozas obrigadas a dar de comer aos vezitadores [...] tinho obrigao de fabricar a capella mor da dita igreija, eiceso o sacrrio que he dos freigezes, [...] a comsertar a samcrestia e pia de Bautizar, e cazas da rezidemcia de tudo o neseario'-^.

    Afigura-se-nos particularmente relevante nesta informao, a obrigao que as monjas beneditinas tm de restaurar ou construir de raiz a capela-mor da igreja de que so padroeiras, e que de uma maneira mais abrangente se estende sacristia do lado do nascente e s casas de sobrado para residncia do proco.

    Em 1758, no inventrio que se fez da igreja matriz, a que j aludimos, alm de constar as obrigaes das freiras, com os naturais acertos que o tempo acarreta, encontramos descriminadas tambm as obrigaes dos moradores de Valongo. Assim, as padroeiras eram obrigadas a todos os reparoz da Cappella, e Altar mr com seu

    1 4 3 A.N.T.T., Idem, ibidem, fl.l82v.. 1 4 4 A.N.T.T., Idem, ibidem. 1 4 5 A.N.T.T., Idem, ibidem. 1 4 6 Cf. Vol. II, documento n23, pp.60-61.

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  • Retabollo, Arco cruzeiro e Sanchriztia147. E caso a cabeceira da igreja no fosse devidamente acarinhada, eram obrigadas a fazer tudo de novo a ruinandoce148. Tambm tinham a seu cargo a conservao ou execuo da pia baptismal, do sino, dos paramentos e alfaias necessrios para magnificar a capela-mor, uma vez que tudo he

    seu149.

    Concomitantemente, os fregueseses, alm de pagarem as dizimarias e raes habituais, eram responsveis pelo estado de conservao do corpo da igreja, do adro, das cordas do sino e do sacrrio, fornecendo tambm o azeite para a lmpada do Santssimo Sacramento150. Era igualmente da sua competncia, o restauro da tribuna do altar-mor, ou, na impossibilidade de tal, custear a execuo de um novo151.

    Apesar das responsabilidades estarem delimitadas, e cada uma das partes ter o seu campo de aco especfico, a coexistncia nem sempre foi consensual entre as padroeiras e os moradores de Valongo. Houve sempre grandes dissenses. Em 1770, os fregueses da velha matriz recusam mandar dourar a Tribuna, obra que se tinha mandado fazer por cappitulos de vezita152, pois consideram no ser da sua obrigao, mas sim das monjas beneditinas, e s por sentena cvel lavrada a 30 de Maro do mesmo ano153, o fazem.

    1 4 7 C.Idem, documento n40, p.101. 1 4 8 Cf. Idem, ibidem. 1 4 9 Cf. Idem, ibidem. 1 5 0 C.Idem, ibidem, pp.101-102. 1 5 1 Cf. Idem, ibidem. 1 5 2 A.D.P., Fundo Monstico, livro n4735, fl.82v. Supomos que os moradores de Valongo j almejavam construir uma nova igreja matriz, mais ampla e magestosa, em suma, que materializasse condignamente o desenvolvimento econmico e a f dos seus moradores. 1 5 3 A.D.P., Idem, ibidem.

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  • 4. A descrio das fbricas

    A mais antiga informao dos haveres da primeira matriz de Valongo encontra--se tambm no manuscrito datado de finais do sculo XVI, de acordo com o requerimento feito a Cristvo da Costa de S154, para que vise os ornamemtos e mais cousas que pertemcem ha dita senhora abadessa e comvemto.155.

    Neste auto, lavrado a 1 de Junho de 1593156, deparamos com a descrio da fbrica da responsabilidade das padroeiras157. Consideramos que este inventrio das peas e paramentos da primitiva matriz bastante modesto, porquanto na capela--mor no avia nenhum fromtal nem toalhas do alltar158. Esta parcimnia de paramentos e alfaias religiosas sentida na primitiva matriz de Valongo, surge num tempo em que a importncia e o prestgio de qualquer igreja se media, em grande parte, pela beleza e opulncia das suas alfaias litrgicas.

    Este documento fornece-nos, ainda, uma descrio do retbulo da capela-mor, principalmente da sua imaginria:

    hum retabolo na capella moor que tem seis painis com as figuras de so mamede e so joo bautista e so pedro e so bemto e nosa senhora e so miguei, o anjo o qual retabolo estaa pimtado de novo e tem seus ballaustres pelo meo dourados e pelos nascedouros diamte os painis tem trs serafims dourados^.

    Julgamos que o retbulo apresentava uma estrutura em andares, com fiadas verticais de pintura separadas por colunas, exprimindo com propriedade a gramtica

    1 5 4 Cf. Vol. II, documento n8, p.18. 1 5 5 Cf. Idem, ibidem. 1 5 6 Cf. Idem, ibidem. 1 5 7 C.Idem, documento n9, pp.19-21. 1 5 8 C.Idem, ibidem, p.19. 159 Cf. Idem, ibidem.

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  • maneirista, constituindo a nica provvel obra de talha da primitiva matriz, ainda com uma funo meramente enquadrante.

    Cinco anos depois, em 1598, executa-se novo inventrio da primeira igreja matriz160. Verificamos que as padroeiras tinham procedido ao aumento do esplio da mesma no que concerne aos paramentos, nomeadamente huas toalhas novas que servem no altar mr161. As peas em prata comeam igualmente a merecer a ateno das padroeiras. Remonta a esta poca a aquisio de um clice deste nobre material, todo branco que pode pesar trs mil onas pouco mais ou menos162. No obstante o empenho, o campo de interveno das monjas beneditinas na primitiva igreja matriz mantinha-se diminuto, contrapondo-se, assim, portentosa aco da confraria do Santssimo Sacramento, uma vez que, anotou o inventariante de servio, todo o mais que esta no dito altar mr he de sancta confraria163.

    Neste inventrio, executado a 1 de Maio do referido ano164, deparamos tambm com a descrio das fbricas das confrarias165 coexistentes na primitiva igreja matriz: a do Santssimo Sacramento, a de Nossa Senhora do Rosrio e a do Senhor Jesus. A confraria do Santssimo Sacramento salienta-se pelo esplio variado e riqussimo que apresenta166, o que traduz, no s o seu poder e prestgio, como tambm a ainda incipiente afirmao do exerccio de padroado das monjas do mosteiro de So Bento da Av-Maria do Porto.

    A mais antiga informao de que dispomos sobre a existncia de um rgo167 na primitiva matriz de Valongo surge neste inventrio, o que nos leva a supor que este teria sido adquirido no tempo que medeia entre 1593 e 1598. Aliando-se ao rgo da primitiva matriz, instrumento indispensvel grandiosidade e pompa do

    6 0 Cf. Idem, documento n12, p.28. 6 1 Cf. Idem, ibidem. 6 2 Cf. Idem, ibidem. 6 3 Cf. Idem, ibidem. 6 4 Cf. Idem, ibidem. 6 5 Cf. Idem, documentos nsl3 e 14, pp.30-32. 6 6 C.Idem, documento n14, pp.31-32.

    S1 Cf. Idem, ibidem, p.31.

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  • barroco168, encontramos no mesmo manuscrito a referncia ao plpito169, elemento essencial das igrejas contra-reformistas na organizao do espao interior170. Por falta de documentao, desconhece-se o autor do risco e o entalhador que o executou. Adossado parede, do lado do Evangelho - cujo acesso se realizava atravs de uma escada de granito - estrategicamente colocado, possibilitava ao orador de servio sermes plenos de dramatismo, que aliados linguagem gestual, se transformavam em quadros cenogrficos, to caros liturgia que ento se vivia. Avaliando bem a importncia e o peso da comunicao oral na cultura de seiscentos e setecentos, a Igreja utilizou o plpito como o meio excelente para a educao macia e para a difuso das ideias verdadeiras171.

    Sabemos que o interior da primitiva igreja matriz albergava, alm do altar-mor, mais quatro altares: o altar do Santssimo Sacramento que se encontrava disposto na capela-mor172, os altares da Nossa Senhora do Rosrio e do Senhor Jesus173 - que dividia o seu espao com a Senhora da Purificao - nas ilhargas da primitiva matriz, e, finalmente, o Altar das Almas174 colocado no corpo do edifcio, do lado da Epstola. No quadro seguinte, encontramos alguns elementos relacionados com os altares das confrarias de Nossa Senhora do Rosrio e do Senhor Jesus.

    1 6 8 BORGES, Nelson Correia rgos. In Dicionrio da Arte Barroca em Portugal. Dir. de PEREIRA, Jos. Lisboa: Editorial Presena, 1989, p.332. 1 6 9 Cf. Vol. II, documento n14, p.31. 1 7 0 FERREIRA-ALVES, Natlia Marinho Plpito. In Dicionrio da Arte Barroca em Portugal. Dir. de PEREIRA, Jos. Lisboa: Editorial Presena, 1989, pp.386-387. 171 HESPANHA, Antnio Manuel A Igreja. In Histria de Portugal. Dir. de MATTOSO, Jos. Lisboa: Crculo de Leitores, 1993, vol. 4, p.224. 1 7 2 A.N.T.T., Dicionrio Geogrfico, ibidem, fl.l83f.. 1 7 3 Cf. Vol. II, documento n13, p.30. 1 7 4 Cf. Idem, ibidem.

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  • QUADRO I

    ALTARES ENCOSTADOS AO ARCO CRUZEIRO DA PRIMITIVA IGREJA MATRIZ Lado do Evangelho. Lado da Epstola.

    Senhor Jesus e Senhora da Purificao Nossa Senhora do Rosrio

    - retbulo repintado em 1597 - retbulo repintado em 1597 - frontal de chamalote verde franjado " frontal de tafet branco, franjado com - lampadairo guarnio de tafet amarelo - toalhas - toalhas - castiais de lato - castiais de estanho

    - coroa de prata - vestimenta de tafet branco, toda

    perfeita - um clice de prata - um pleo e guio de damasco amarelo,

    com capa igual e sebasto de tafet azul - lampadairo

    A.D.P. Fundo Paroquial, Valongo, bobine 642, fl.227 f, v.

    A 14 de Maio de 1617175 executado novo inventrio das alfaias de culto existentes na primitiva igreja. Tambm nova paramentaria se adquiriu nesse perodo, assim como peas novas em prata, mormente hua naveta de prata nova com sua caixa, e que se guarda176 e um vazo de prata dourada que custou 120 reis pra dar o Sacramento177. Posteriormente, seriam ainda adquiridos um lampadairo de prata no valor de 47$300 ris178 e um abanador de pao do brazil com sua argola de prata e com seu tafet vermelho que custou 320179. Estas peas encontram-se includas no vasto inventrio da confraria do Santssimo Sacramento180, onde deparamos tambm com a informao de Huns rgos consertados181. Supomos que seriam rgos pequenos, de armrio. A confraria de Nossa Senhora do Rosrio tambm se preocupou em adquirir peas novas, como hum cales de prata com sua patena. E manga dourada182

    1 7 5 Cf. Idem, documento ns 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, pp.33-47. 1 7 6 Cf. Idem, documento n16, p.36. 1 7 7 Cf. Idem, ibidem. 1 7 8 Cf. Idem, ibidem, p.37. 1 7 9 Cf. Idem, ibidem. 1 8 0 Cf. Idem, ibidem, pp.35-37. 1 8 1 Cf. Idem, ibidem, p.35. 1 8 2 Cf. Idem, documento n17, p.38.

    42

  • e uma coroa de prata183. Igualmente neste inventrio encontramos a referncia aquisio de uma imagem da Nossa Senhora do Rosrio, piquena pra a procisso com seu resplamdor184. Os mordomos da confraria de Jesus procuram tambm enobrecer a Imagem da sua devoo, comprando para o efeito huma coroa de prata de Jesus185 e hum guio de damasco verde com sua crus de prata que chegou a custar quatorze mil reis. So a crus186. Pouco tempo depois, em 1618187, os moradores de Valongo mandam colocar Hum painel para o cruzeiro novo188, enriquecendo, assim, o interior da velha igreja matriz. A partir do sculo XVII, a devoo do Santssimo Sacramento atinge a grande maioria da populao, que se sente fascinada com a paramentaria de luxo, o ouro e a prata, a solenidade das procisses e outras festividades religiosas, frutos da doutrina tridentina. A venerao profundamente solenizada e o milagre implica a presena de velas e de uma atmosfera de profundo misticismo189.

    Apesar da fbrica das padroeiras comear a adquirir importncia, e do investimento pessoal feito por algumas abadessas, que envidaram esforos no sentido de obstar carncia de paramentos, nomeadamente D. Ana de Atade190, que em 1633 ofertou velha matriz duas vestimentas novas191, uma de damasco branco, e outra roxa de ligatura192, e D. Branca da Silva193, que em 1635 mandou colocar na capela-mor hum sobreceo de linho no seu altar194, as monjas beneditinas foram, a maioria das vezes, impelidas fbrica dos paramentos e alfaias de culto por mandatos dos padres visitadores, que, aquando das suas visitas regulares velha matriz de Valongo, auscultavam no s a opinio do proco como a dos prprios moradores. Nas visitaes

    1 8 3 Cf. idem, ibidem. 1 8 4 Cf. Idem, ibidem, p.39. 1 8 5 Cf. Idem, documento n20, p.46. 1 8 6 Cf. Idem, ibidem. 187 Cf. Idem, documento n19, p.44. 1 8 8 Cf. Idem, ibidem. 189 ENES, Maria Fernanda As confrarias do Santssimo e das Almas no mbito da cultura barroca. In Actas do I Congresso Internacional do Barroco. Porto: Reitoria da Universidade do Porto - Governo Civil, 1991, vol. I, p.282. 190 Cf. Vol. II, documento n"18, p.43. 191 Cf. Idem, ibidem. 192 Cf. Idem, ibidem. 193 Cf. Idem, ibidem. 194 Cf. Vol. II, documento n"18, p.43.

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  • ocorridas no ano de 1650195, a madre abadessa do Mosteiro de S. Bento, D. Isabel Pereira196, foi pressionada concluso das obras velhas197 at ao dia de Natal198, sob pena de pagar uma multa de 500 ris199. Por obras velhas, entenda-se tudo o que foi determinado em visitaes anteriores e que ficou por realizar, como nos mostra o mesmo documento:

    A madre abbadessa no cumprio com a sentena para a administrao dos sacramentos, nem de huas toalhas de doze varas, pra dar a comunho, e de hua esteira e de hua toalha pra o altar mr, e de hua sacra, he de hua crus de pau preto pra o altar mr, he de trez cordois, e de duas mesas de corporaes, nem de concertar o lavatrio, e de duas toalhas pra elle, nem de duas alvas, nem com os dous veos dos calices, nem dos sanguinhos em que emcorreo nas penas da visitao passada^.

    No ano de 1670, ao examinarmos o novo inventrio das peas e paramentos da fbrica pertencente s padroeiras201, constatamos o aumento significativo do volume das alfaias sagradas, que se traduziu numa renovao aprecivel tanto a nvel da paramentaria como das peas necessrias ao bom funcionamento do culto divino202. Ainda neste documento deparamos com a meno a hum sino com seu campanrio203, o que nos leva a supor que a antiga matriz foi objecto de obras no perodo que medeia entre 1617 e 1670, uma vez que no consta nenhum registo do campanrio nos inventrios anteriores, assaz minuciosos. Neste documento deparamos igualmente com a referncia a hum sacrrio dourado, em que esta o

    1 9 5 Cf. Idem, documento n21, p.50. 1 9 6 Cf. Idem, ibidem, p.49. 1 9 7 Cf. Idem, ibidem. 1 9 8 Cf. Idem, ibidem, p.50. 1 9 9 Cf. Idem, ibidem. A multa revertia, em partes iguais, a favor do meirinho de Valongo e do cabido da S do Porto. 2 0 0 Cf. Idem, ibidem. 2 0 1 Cf. Idem, ibidem. 2 0 2 Cf. Vol. II, documento n24, pp.62-63. 2 0 3 Cf. Idem, ibidem, p.63.

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  • santisimo, que pertence aos freigezes204. Supomos tratar-se do mesmo sacrrio dourado, com seu cofre forrado de veludo carmesim205, que pertencia confraria do Santssimo Sacramento, conforme o inventrio datado de 1 de Maio de 1598, a que j aludimos.

    Decorridos longos anos, em 1758, ao analisarmos o ltimo inventrio da fbrica das padroeiras de que temos conhecimento206, constatamos que o interior da primitiva matriz enriqueceu-se com a nova paramentaria adquirida neste perodo, mas dela quase no h notcia nos livros de despesa. Sabemos apenas que algumas das obras de beneficiao foram realizadas sob a tutelaria da abadessa D. Teresa Isabel de Sousa Lobo207, que despendeu 9$630 ris208 na aquisio e manuteno das alfaias religiosas, mormente por mandar dourar hum calis hum coarto de ouro209

    Os cuidados com a aquisio e restauro das alfaias religiosas da primitiva matriz de Valongo por parte das padroeiras, foram uma constante no decurso dos diferentes abadessados. No trinio do governo de D. Teresa Maria da Silva210 (1760-1763), adquirem-se algumas peas destinadas a abrilhantar as cerimnias religiosas, nomeadamente, huas galhetas novas211 que custaram 600 reis212. No livro de despesas do abadessado de D. Joana Clara213, (1772 a 1775), foram comprados, alm de um par de novas galhetas214, trs vos de Clices215, no valor de 770 ris216. No trinio seguinte, a abadessa D. Anglica Maria217 procede compra de ha Estolla de

    2 0 4 Cf. Idem, ibidem. 2 0 5 Cf. Idem, documento n14, p.31. 2 0 6 Ci. Idem, documento n42, pp.109-110. 2 0 7 A.D.P., Fundo Monstico, livro n 4729, s/fls. 2 0 8 -Cf. Vol. II, documento n 38, p. 96. 2 0 9 Cf. Idem, ibidem. 2 1 0 B.N.L., Reservados, COD. 8394, s/ fis. 2 1 1 Cf. Vol. II, documento n43, p.111. 2 1 2 Cf. Idem, ibidem. 2 1 3 B.N.L., Reservados, COD. 8433, s/fls. 2 1 4 Cf. Vol. II, documento n44, p.112. 2 1 5 Cf. Idem, ibidem. 2 1 6 Cf. Idem, ibidem. 2 1 7 B.N.L., Reservados, COD. 8431, fl.lf..

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  • damasco branco, e roixo218, no valor de 3$600 ris219, e de huns casties de bronze, novos220, entre outras peas, no valor 1$050 ris221.

    As folha de despesas concernentes ao trinio de D. Josefa Clara Camelo222 (1778-1781), registam a aquisio de ha Imagem de Santo Christo223 para o altar-mor no valor de 1$200 ris224, e tambm a de um sino novo, que custou 42$490 ris225. A paramentaria mereceu igual ateno neste perodo, sendo despendidos 52$805 ris226

    na sua aquisio, tendo as padroeiras oferecido ainda duas Alvaz, duas Sobrepelizes, trs Amitos, quatro Marusterges, e quatro Sanguinuos227.

    No livro de despesa respeitante ao governo de D. Sofia Brando228 (1781--1784), encontramos mencionada a verba de 9$700 ris229 despendida com a aquisio de quatro castiez para a Banqueta do Altar Mr230. Encontramos igualmente registada a compra de duas tocheiras grandez de ps, prateadas231, no valor de 7$200 ris232. Neste trinio procedeu-se ainda ao restauro do Santo Christo, do Altar Mr233, tendo a abadessa despendido 560 ris234.

    2 1 8 Cf. Vol. II, documento n45, p.113. 2 1 9 Cf. Idem, ibidem. 2 2 0 Cf. Idem, ibidem. 2 2 1 Ci. Idem, ibidem. 2 2 2 B.N.L., Reservados, COD. 8432, fl. If.. 2 2 3 Cf. Vol. II, documento n46, p.114. 2 2 4 Cf. Idem, ibidem. 2 2 5 Cf. Idem, ibidem. 2 2 6 Cf. Idem, ibidem. 2 2 7 Cf. Idem, ibidem. 2 2 8 B.N.L., Reservados, COD. 8413, s/fls. 2 2 9 B.N.L., Idem, ibidem. 2 3 0 B.N.L., Idem, ibidem. 2 3 1 B.N.L., Idem, ibidem. 2 3 2 B.N.L., Idem, ibidem. 2 3 3 B.N.L., Idem, ibidem. 2 3 4 B.N.L., Idem, ibidem.

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  • 5. A descrio da igreja em 1670

    Remonta a 1670 a primeira informao de que dispomos sobre as dimenses da primeira igreja matriz de Valongo, da In vocaso de Sam Mamede, que he parroquia de toda a fregezia235:

    [...] tem a capella Maior de comprido sinco varas e de largo

    coatro, medida por dentro. Item o corpo da igreija de comprido dezanove, e de largo oito

    varas; toda esta cercada de adro da dita igreija. A samcrestia pra a parte do norte, tem de comprido coatro varas, e de largo trs e meia. O adro da dita igreija tem de comprido trinta e seis varas, e de largo vinte e duas varas, com suas arvores de carvalhos, e sereijeiras, parte do norte e nasente com o caminho e ruas publicas e das mais partes com terras dos Pasais236.

    Orientada do nascente para o poente, como todas as igrejas romnicas em geral, apresenta uma capela-mor quase quadrilonga de 5,5 por 4,4 m, adossada a um corpo de 20,9 por 8,8 m. Sob a mesma gua do telhado, a norte, uma sacristia de 4,4 m por 3,85 m.

    Apesar da inexistncia de vestgios materiais e da escassez das fontes escritas, e que, quando existem, so avaras em informaes, supomos que se trata de uma estrutura macia de origem basilical, certamente de acanhadas propores, com poucas aberturas, como convinha espiritualidade da poca em que, provavelmente, foi edificada, e ladeada por hum syno com seu campanrio237.

    2 3 5 Cf. Vol. II, documento n25, p.64. 2 3 6 Cf. Idem, ibidem. 2 3 7 Cf. Idem, documento n24, p.63.

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  • Julgamos que os materiais empregues na primitiva matriz foram o granito e a lousa, as rochas mais utilizadas na Idade Mdia238. O granito, como material por excelncia para a sua construo. A lousa, to abundante nesta regio239, concomitantemente em revestimentos nas paredes para evitar a infiltrao de gua240

    e em associao com a telha, fazendo os beirais dos telhados. Sabemos que a casa do relgio da torre velha da primitiva matriz, era revestida, no seu interior, com pedra de lousa241.

    Supomos que at 1670 a primitiva matriz de Valongo sofreu sucessivas intervenes pontuais a nvel da sua arquitectura e, sobretudo, da sua imaginria. Neste sentido, destacamos a aco das confrarias, principalmente a da confraria do Santssimo Sacramento, que a partir do sculo XVII se afirma com vigor em toda a Europa, para fazer face ao avano do Protestantismo242.

    A este respeito, e em 1598, certifica-nos Gonalo Andr243, ento padre coadjutor da igreja de Valongo:

    o coro e rgos que esto nelle que todo foi feito as custas da Confraria do Sanctissimo Sacramento e assi o pulpetol. E a Abadessa nem freiguezes no dero nada pra a ajuda de tudo isto:/2^

    Tambm na primitiva matriz, e coro e o rgo associam-se, tornando-se indispensveis ao explendor das cerimnias litrgicas e a toda a teatralidade que a envolvia e que apangio do barroco.

    2 3 8 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Arquitectura Romnica..., p.ll. 2 3 9 Idem, ibidem. 24^ Idem, ibidem. 2 4 1 A.D.P., Provedoria da Comarca do Porto, livro n.89, fl.30. 2 4 2 FERREIRA-ALVES, Natalia Marinho A arte da talha na poca barroca. (Artistas e clientela. Materiais e tcnica). Porto: Arquivo Histrico - Cmara Municipal do Porto, 1989, vol. I, p.53. (Documentos e Memrias para a Histria do Porto; 47). 2 4 3 Cf. Vol. II, documento n14, p.31. 2 4 4 Cf. Idem, ibidem.

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  • A partir de 1670, assiste-se a um vasto programa de obras de pedraria e de carpintaria no edifcio, que contemplam a capela-mor, a sacristia do lado do nascente, e o interior da igreja. Este surto construtivo, que grassa por todo o pas, reflecte no s a nossa recuperao econmica como tambm a da nossa identidade, com evidentes reflexos no campo cultural e artstico:

    Aps os anos de penria, que marcaram a arquitectura portuense e portuguesa, durante grande parte do sculo XVII, a que o domnio espanhol (1580-1640) e a guerra da Restaurao (1640-1668) no foram estranhos, vamos assit ir na cidade a partir de 1670-1675 a um recrudescimento gradual da actividade econmica at finais da centria e princpios do sculo XVIII245.

    Esta revitalizao da vida portuguesa, introduz um discurso mais inovador, no s a nvel da arquitectura e urbanismo, atravs de obras de beneficiao e de ampliao, como tambm da arte da talha, que enchia de ouro e luz o interior da igreja. Os fieis, sentindo-se impressionados e extasiados com tamanha opulncia e luxo, aderiam fervorosamente ao espectculo religioso, reafirmando, assim, a sua f.

    2 4 5 FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B Pascoal Fernandes, Mestre Pedreiro de Arquitectura. Alguns elementos para o estudo da sua actividade. In IX Centenrio da Dedicao da S de Braga. Actas do Congresso Internacional, vol. II. Braga: 1990, p.397.

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  • 6. As obras de acrescento e restauro

    Como mencionamos anteriormente, entre 1670 e 1758, ltimo ano de inventariao e descrio da igreja de Valongo de que temos conhecimento, assiste-se a um surto de reformas que envolveram trabalhos de pedraria e carpintaria e que contemplam sobretudo a capela-mor, o interior da igreja, a sacristia, o espao circunjacente e as casas da residncia do proco.

    No trinio de D. Maria da Conceio e Azevedo246 (1701-1704), encontramos o registo de 7$500 ris247 que se gastaro nas obras que se mandaro fazer na Igreja248. No sabemos se estas obras contemplaram a capela-mor ou a sacristia, ou ambas. Ainda durante o seu governo, e no ano de 1704249 decorreram, igualmente, obras nas casas de residncia do proco de Valongo, cujo custo total foi pago em duas prestaes. O primeiro pagamento foi efectuado a 24 de Junho do mesmo ano250, tendo recebido Alam Duro Reitor de Val-longo do rendeiro Antonio Alvez desta mesma freguezia251 a quantia de 10$003 ris252. A ltima prestao, no valor de 54$000 ris253, foi liquidada em 20 de Outubro de 1704254.

    Sob a tutelaria de D. Teresa Isabel de Sousa Lobo255, decorreram novamente obras de beneficiao nas casas de residncia do proco de Valongo, tendo sido gastos 44$450 ris256, distribudos por madeiras, pregos, ferrage, e da impreita pra solhar duas salas, duas portas, duas janellas e reparo do aydo doz gadoz e mes concertez257.

    2 4 6 A.D.P., Fundo Monstico, livro n4743, s/fls. 2 4 7 A.N.T.T., Mosteiro de S. Bento da Av-Maria do Porto II, livro n21, fl. 77L 2 4 8 A.N.T.T., Idem, ibidem. 2 4 9 Cf. Vol. II, documentos ns 27 e 28, pp.69-70. 25^ Cf. Idem, documento n27, p.60. 251 Cf. Idem, ibidem. 2 5 2 Cf. Idem, ibidem. 2 5 3 Cf. Idem, documento n28, p.70. 2 5 4 Cf. Idem, ibidem. 2 5 5 A.D.P., Fundo Monstico, livro n"4729, s/fls. 2 5 6 Cf. Vol. II, documento n38, p.97. 2 5 7 Cf. Idem, ibidem.

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  • As obras do governo de D. Teresa Isabel de Sousa Lobo estenderam-se sacristia e casa da tulha. Com a renovao do telhado da sacristia foram despendidos 2$540 ris258, montante que inclu o material e as jornas pagas aos trabalhadores259. As obras da casa que, concomitantemente, servia de tulha e celeiro, de raiz, oraram 162$285 ris260, repartidos por madeiras, cal, telha, jornaes, impreita e pella mico da parede que se pagou ao vezinho da tulha que se fez de novo afundamentez261, em conformidade com o contrato lavrado a 31 de Janeiro de 1756262, com Vicente de Sousa263 e sua mulher. Este casal recebeu das monjas beneditinas 6$000 ris264, como recompensa dos prejuzos decorrentes de no poderem abrir cantareira [...] nem fazer forno, nem calidade alga de fogo265 na parede da sua casa, que fazia fronteira com a parede da casa da tulha.

    As informaes contidas no auto de reconhecimento do Padroado da Parochial Igreja266 de So Mamede de Valongo, executado entre 5 e 8 de Maio de 1758267, so da maior importncia, j que nos possibilitam no s precisar as suas novas propores, como recriar o interior da prpria igreja. Estes documentos servem para introduzir os aspectos essenciais das obras da velha matriz em vrias frentes, como passamos a descrever:

    - obras de acrescentamento da capela-mor e sacristia do lado do nascente - obras de beneficiao do adro - renovao esttica do interior do edifcio religoso

    2 5 8 Cf. Idem, ibidem. 2 5 9 Cf. Idem, ibidem. 2 6 0 Cf. Idem, ibidem. 2 6 1 Cf. Idem, ibidem. 2 6 2 A.D.P., Fundo Monstico, livro n"4636, fis. 140f.-145L 2 6 3 A.D.P., Idem, ibidem, fl.MOv.. 2 6 4 A.D.P., Idem. ibidem, fl.l42v.. 2 6 5 A.D.P., Idem, ibidem. 2 6 6 Cf. Vol. II, documento n39, p.98. 2 6 7 Cf. Idem, documentos ns 39, 40, 41, e 42, pp.98-110.

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  • 6.1. Capela-mor

    A capela-mor foi alvo de uma reconstruo completa. Para impedir a infiltrao da gua que surgia na poca do inverno por baixo do subpedaneo do Altar Mor268 e que, consequentemente, inundava a maior parte do corpo da igreja, impedindo assim, sepultar cadveres269, houve necessidade de edificar a nova capela-mor sobre um grande basamento de pedra, apresentando-se, assim, cerca de 1,54 m mais alta relativamente ao corpo da igreja270. De modestas propores em 1670, apresenta, agora, uma profundidade de nove varaz e meyo palmo271 (10,01 m), e de largura, seis varaz e douz palmoz272 (7,04m).

    Na parede da capela-mor, sem cruzeiro273, rasga-se uma nica abertura, huma fresta grande pella parte do sul274, e que traduz a necessidade vital da luz, mais de acordo com as novas exigncias do culto divino. A capela-mor, comunica com a sacristia, por uma porta a norte.

    O interior da capela-mor sofreu tambm um processo de actualizao. A capela--mor, forrada e apainellada de madeira de castanho em preto275, agora um espao rectangular relativamente profundo e iluminado, concebido para receber o altar, com frontal, de madeira de talha dourada276, o retbulo, que as padroeiras sua custa mandaro emendar e comcertar277, com a respectiva tribuna, mandada executar, sy volluntariamente278 pelos moradores de Valongo, e, colocado lateralmente, o altar da confraria do Santssimo Sacramento279.

    2 6 8 CL Idem, documento n64, p.140. 2 6 9 Cf. Idem, ibidem. 2 7 0 C.Idem, documento n68, p.145. 2 7 1 C.Idem, documento n41, p.104. 2 7 2 Cf. Idem, ibidem. 2 7 3 C.Idem, documento n64, p.140. 2 7 4 C.Idem, documento n41, p.104. 2 7 5 Cf. Idem, ibidem. 2 7 6 Cf. Idem, ibidem. 2 7 7 C.Idem, documento n40 p.101. 2 7 8 Cf. Idem, ibidem. 2 7 9 A.N.T.T., Dicionrio Geogrfico, ibidem, fl.182.

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  • 6.2. Sacristia ao lado do nascente

    A igreja estava ladeada por duas sacristias, dispostas paralelamente e, supomos, de igual planimetria. A do lado poente pertencia aos mordomos da confraria das Almas280, e a do nascente era pertena das monjas beneditinas - destinada ao reitor da primitiva matriz - e tambm para guarda dos paramentos e alfaias religiosas. desta que tratamos no mbito da temtica do nosso trabalho.

    A sacristia do lado do nascente estava bem fornecida de tudo que necessrio para o culto divino, dispondo, assim, de hum caixo de castanho com trez andares de gabetoins de almofadaz281, para guarda dos paramentos da igreja, e de hum almarinho continuado nelle de goarda doz calicez282, alm de um lavabo emvotido na parede283. Foi tambm alvo de uma reconstruo completa. A sacristia tem agora de comprimento, seiz varas e meya menoz hua mo travea284 (7,04m), e de largura, quatro varas e meya menoz meyo palmo285 (4,73). No que concerne a vos, apresenta huma piquena frezte pella parte do Norte286, e uma porta pelo poente que faz a comunicao com o adro287. Todo o interior da sacristia encontrava-se forrada de castanho em preto288.

    2 8 0 Cf. Vol. II, documento n41, p.105. 2 8 1 Ci.Idem, documento n42, p.109. 2 8 2 Cf. Idem, ibidem. 2 8 3 Cf. Idem, documento n41, p.104. 2 8 4 Cf. Idem, ibidem. 2 8 5 Cf. Idem, ibidem. 2 8 6 Cf. Idem, ibidem. 2 8 7 Cf. Idem, ibidem. 2 8 8 Cf. Idem, ibidem.

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  • 6.3. Corpo da igreja

    O corpo da igreja no sofreu grandes obras de interveno a nvel de pedraria (Qd. II), uma vez que recuzaro os Freguezes readificar tambm o corpo da Igreja289. Apenas acertos. No obstante, o seu interior sofreu um revestimento a nvel da talha, semelhana do que aconteceu em outras zonas do pas e com mais profuso na cidade do Porto. Assim, o corpo do edifcio religioso, tem, de comprimento dezanove varaz e meya290 (21,45m) e de largura outo varaz [...] menoz dous palmos291 (8,36m).

    No que concerne aos vos, nos muros laterais observamos huma freste pello mesmo Norte, e duaz pello Sul, e seu coro292. Ainda na parede exterior do lado norte, deparamos com duas travessaz293, uma das quais dava para a sacristia da confraria das Almas294. O portal axial da velha matriz ficava a nascente295.

    O corpo da igreja, forrado de castanho, e emgessado296, possuia quatro altares: Encostados ao arco cruzeiro, encontramos dois altares: o do Senhor Jesus Crucificado297, da parte do Evangelho, e o de Nossa Senhora do Rosrio298, da parte da Epstola, ambos com retabollos dceis, e banquetaz de talha, dourada e frontaiz de madeira pintados299. Lateralmente dispostos, vamos encontrar mais dois altares: do lado da Epstola, o altar das Almas, que apresenta hum quadro das Almas do Purgatrio de vulto elevantado em madeyra300, e do lado do Evangelho, o altar de Santo Antnio com retabollo banqueta e frontal de talha dourada301. tambm do

    2 8 9 C.Idem, documento n61, p.134. 2 9 0 C.Idem, documento n41, p.105. 2 9 1 Cf. Idem, ibidem. 2 9 2 C.Idem, ibidem, p.104. 2 9 3 Cf. Idem, ibidem. 2 9 4 Cf. Idem, ibidem. 2 9 5 Cf. Idem, ibidem. 2 9 6 Cf. Idem, ibidem. 2 9 ' Cf. Idem, ibidem. 2 9 8 Cf. Idem, ibidem. 2 9 9 Cf. Idem, ibidem. 3 0 0 Cf. Idem, ibidem. 3 0 1 C.Idem, ibidem, p.105.

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  • lado do Evangelho que se encontra o plpito302, cujo acesso se fazia por escadas de pedra, possuindo um gradeamento de madeira. Do mesmo lado, e junto porta principal, encontrava-se a pia baptismal303, fechada, com grades tambm de madeira.

    Paralelamente s obras da igreja, procedeu-se reforma do adro304, que envolve no s a matriz como outras construes, e, apesar do seu cariz religioso, s indirectamente lhe so ligadas, obrigando a uma coexistncia, que supomos ter sido consensual.

    Com uma cab