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22 a 24 de março de 2017 – CECULT/UFRB Santo Amaro, BA Curadoria colaborativa e participativa no Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia em 2016 1 La curaduría colaborativa y participativa en el Festival Internacional de Artes Cênicas de Bahía en 2016 Marcelo Felipe Moreira de Assis 2 (Universidade Federal da Bahia) Resumo Frente à evolução dos formatos cênicos das últimas décadas, a curadoria em artes cênicas tem investido em um processo de contextualização das obras para o público, aqui compreendido como curadoria mediadora. Trazemos para este debate aspectos das práticas artísticas, notadamente a colaboração, no qual participantes se engajam no desenvolvimento de uma proposta comum. Neste sentido, a curadoria em artes cênicas mediadora e colaborativa trabalha com diversos agentes sociais de maneira à construir conjuntamente os modos de apresentação das obras ou projetos em uma relação de corresponsabilidade. Sob a luz do conceito de emancipação do espectador de Jacques Rancière, o objetivo deste trabalho é discutir como uma prática curatorial mediadora e colaborativa em artes cênicas contribuiu para a nona edição do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia. Palavras-chave: curadoria; artes cênicas; colaboração; mediação. Palabras claves: curadoria; artes escénicas; colaboración; mediación. Introdução Desde 2008, o Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC Bahia), tem se constituído em um ambiente dinâmico, no qual a prática curatorial, do mesmo modo que, as práticas artísticas tem se transformado. Neste artigo, discutimos como a prática de curadoria mediadora e colaborativa buscou articular noções de pertencimento e corresponsabilidade dos 1 Trabalho apresentado no GT 3 - Diálogos interdisciplinares: práticas artísticas expandidas. 2 Conhecido por seu nome artístico, Felipe de Assis atua como diretor teatral, produtor cultural e curador em artes cênicas. Mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC-UFBA e graduado em Direção Teatral pela Escola de Teatro da UFBA, atualmente vinculado ao projeto de pesquisa Práticas Colaborativas em contextos artísticos e educativos em Dança da Profa. Dra. Rita Aquino (PPGDança/UFBA). Desde 2008 é um dos curadores e coordenadores gerais do FIAC Bahia - Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia.

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Curadoria colaborativa e participativa no Festival Internacional de Artes

Cênicas da Bahia em 20161

La curaduría colaborativa y participativa en el Festival Internacional de

Artes Cênicas de Bahía en 2016

Marcelo Felipe Moreira de Assis2

(Universidade Federal da Bahia)

Resumo

Frente à evolução dos formatos cênicos das últimas décadas, a curadoria em artes cênicas tem

investido em um processo de contextualização das obras para o público, aqui compreendido

como curadoria mediadora. Trazemos para este debate aspectos das práticas artísticas,

notadamente a colaboração, no qual participantes se engajam no desenvolvimento de uma

proposta comum. Neste sentido, a curadoria em artes cênicas mediadora e colaborativa

trabalha com diversos agentes sociais de maneira à construir conjuntamente os modos de

apresentação das obras ou projetos em uma relação de corresponsabilidade. Sob a luz do

conceito de emancipação do espectador de Jacques Rancière, o objetivo deste trabalho é

discutir como uma prática curatorial mediadora e colaborativa em artes cênicas contribuiu

para a nona edição do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia.

Palavras-chave: curadoria; artes cênicas; colaboração; mediação.

Palabras claves: curadoria; artes escénicas; colaboración; mediación.

Introdução

Desde 2008, o Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC Bahia), tem se

constituído em um ambiente dinâmico, no qual a prática curatorial, do mesmo modo que, as

práticas artísticas tem se transformado. Neste artigo, discutimos como a prática de curadoria

mediadora e colaborativa buscou articular noções de pertencimento e corresponsabilidade dos

1 Trabalho apresentado no GT 3 - Diálogos interdisciplinares: práticas artísticas expandidas.

2 Conhecido por seu nome artístico, Felipe de Assis atua como diretor teatral, produtor cultural e curador em

artes cênicas. Mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC-UFBA e graduado em Direção Teatral pela Escola de

Teatro da UFBA, atualmente vinculado ao projeto de pesquisa Práticas Colaborativas em contextos artísticos e

educativos em Dança da Profa. Dra. Rita Aquino (PPGDança/UFBA). Desde 2008 é um dos curadores e

coordenadores gerais do FIAC Bahia - Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia.

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participantes e compreender os dispositivos desenvolvidos para convocação ao engajamento

direto em detrimento de esquemas de representação na programação artística, atividades

formativas e nos pontos de encontro diurno e noturno da nona edição do Festival

Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC Bahia).

Deste modo, compreendemos que a variedade de profissionais que se dedicam a

curadoria – como artistas, produtores, programadores e diretores -, evidencia a diversidade e o

crescimento do campo de atuação, e “dá testemunho de uma prática cujas metodologias e

abordagens são tão diversas quanto as obras de arte que elas apresentam” (FERDMAN, 2014,

p. 17).

A evolução dos formatos cênicos estimula a preocupação com “novas formas de

apresentar, interpretar, programar, produzir, financiar e experienciar o trabalho [artístico]”

(FERDMAN, 2014, p. 07). Conforme a pesquisadora Silvia Fernandes afirma,

é visível que as práticas cênicas tornaram-se difusas e difíceis de conter em

categorias específicas e códigos estáveis, com uma nítida desfronteirização

de atividades artísticas e campos culturais que, muitas vezes, gera uma

sensação de perda de território fixo e desorientação na análise. A verdade é

que as invenções de artistas [...] contemporâneos ampliam a visão do que o

teatro pode ser (2012, p. 353).

Nesta direção, o teatro performativo (ARAÚJO, 2008; FERNANDES, 2012; FÉRAL

2015;) parece indicar a necessidade de conexões, enquadramentos e formatos, isto é, de um

processo de contextualização das obras para o público, aqui compreendidas como a função de

mediação exercida pela curadoria. O curador mediador deve acompanhar, compreender e

dialogar com o artista; posicionar a obra em relação a linguagem e a outras obras e comunicá-

la; criar contextos para aproximar obra, artista e público e expandir experiências estéticas.

Esta concepção é reforçada pelo curador Florian Malzacher (2010), ao afirmar que as novas

formas de teatro e a cena internacionalizada acentuam a necessidade de profissionais capazes

de criar contextos que geralmente escapam às estruturas convencionais, pois possuem uma

“caligrafia artística” que exige abordagens distintas. Observa também que a comunicação

dessas estéticas se torna uma questão premente.

Beatrice von Bismarck (2010) reconhece ainda que as competências sociais e

organizacionais também são consideradas pré-requisitos básicos da função do curador. A

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autora sugere que a curadoria se define fortemente por sua capacidade de simbolização e

produção de contextos.

A curadoria é vista como possibilidade de articular simultaneamente diferentes

aspectos do sistema da arte – discursos críticos relacionados à política cultural, engajamento

social, história da arte e dramaturgia. Portanto, o curador tem sido compreendido como um

elemento de conexão, um “negociador de categorias” em um momento no qual as instituições

estão revendo seus limites, artistas ultrapassam fronteiras e os discursos se constituem cada

vez mais interdisciplinares (SELLAR, 2014).

Para esta reinvenção, os festivais se tornam assim uma plataforma de encontros e

experiências, pois possibilitam ao curador se colocar como principal agente de transformação,

operacionalizando uma “negociação ágil entre a arte, o público, e o festival como instituição”

(SELLAR, 2014, p. 29).

O curador colombiano José Roca aponta para uma curadoria cuja ênfase recaia sobre a

construção de relações, percebendo-a como uma forma de criação de uma comunidade

temporária, na qual “artistas e curadores entram em um diálogo que acontece por um convívio

prolongado e uma meta mais ou menos comum a todos” (ROCA, 2011, p. 21). Nesta

perspectiva, o curador mediador assimila a própria característica de participação dos projetos

com os quais ele se envolve - em outras palavras, o curador mediador é um colaborador na

cena atual (ASSIS, 2015).

Após esta breve contextualização inicial, nos debruçamos sobre a noção de

colaboração, buscando avançar no debate teórico. No âmbito colaborativo, os participantes se

engajam no desenvolvimento de uma proposta comum, definindo conjuntamente temas e

métodos para uma determinada ação e a construção de seus formatos. Neste sentido, um

curador mediador colaborador trabalharia com outros agentes sociais de maneira a construir

conjuntamente e em uma relação de corresponsabilidade os modos de apresentação das obras

ou projetos em artes cênicas.

Destacamos as contribuições Mörsch (2014) e Lázár (2011), que chama atenção para

considerações éticas. De acordo com Lázár, coletividade “não é apenas um método para

trabalhar em conjunto [...], é também uma estratégia alternativa pertinente para um ponto de

vista crítico sobre as instituições de arte, que é, neste caso, uma crítica do artista único e

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genial” (LÁZÁR, 2011). Neste sentido, é possível afirmar a própria coletividade como uma

posição política. Do mesmo modo em que a colaboração na prática artística desestabiliza

politicamente uma posição de poder exercida pelo artista, o mesmo pode ocorrer na prática

curatorial caso haja um investimento nesta direção em proposições curatoriais que se alinham

com a dimensão política da arte contemporânea e das práticas ativistas, em que

frequentemente operam noções como auto-organização e colaboração (LÁZÁR, 2011).

É necessário, portanto, observar não somente as inclinações políticas declaradas pelo

artista, mas “a posição que o trabalho ocupa nas relações de produção de seu tempo”

(BENJAMIN apud BISHOP, 2006, p. 11).

Nesta perspectiva, questionamos como a nona edição do Festival Internacional de

Artes Cênicas da Bahia se aproximou da noção de participação em 2016, visando

compreender os dispositivos desenvolvidos para convocação ao engajamento direto em

detrimento de esquemas de representação. Para tanto, descrevemos alguns aspectos desta

edição, dentre os quais destacamos o desenvolvimento do próprio processo curatorial do

festival e a realização da 3a edição do Seminário Internacional de Curadoria e Mediação em

Artes Cênicas.

A discussão sobre as relações estabelecidas entre estes agentes foi tecida a partir do

trabalho de Rancière relacionado a emancipação do espectador (2012). Seu deslocamento da

discussão para o campo da curadoria implica em assumir a condição de igualdade entre

curadores e demais agentes envolvidos em um processo curatorial. Trata-se de assumir o

pressuposto de que a curadoria não é um saber dado pelo curador aos demais, mas sim a

proposição de um elemento que, com sua própria autonomia, produzirá estranhamentos a

todos os que com ele se relacionarem. Deste modo, se desmontam as discussões baseadas nas

posições de poder (dominação e sujeição), desestabilizando possíveis hierarquias para

enfatizar a dimensão da experiência que uma prática curatorial pode provocar.

O processo curatorial do FIAC 2016 foi realizado por um grupo gestor/curador

ampliado, composto por oito pessoas que constituem a identidade do festival ao longo dos

anos: coordenações gerais, administrativa, técnica, logística e de atividades formativas, além

da assessoria jurídica e de comunicação. Deste modo, através de encontros regulares durante

os meses precedentes da realização do festival, o grupo se reuniu para discutir questões

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orçamentárias e operacionais do festival, assim como, refletir sobre o contexto político do

momento e eixos conceituais que conduziriam as ações daquela edição, conforme foi expressa

no texto de apresentação do festival:

Reconhecendo o festival como ambiente de formação, criação, produção,

difusão e, sobretudo, como oportunidade para promover experiências e

múltiplas traduções, a 9ª edição do FIAC Bahia se aproxima da noção de

participação como uma convocação ao engajamento direto em detrimento de

esquemas de representação. Nesta perspectiva, assumimos nosso

inacabamento e a necessidade de fazer juntos, compreendendo que

empoderamento, agenciamento coletivo, relações de coautoria e

fortalecimento de vínculos comunitários são tentativas de resposta a uma

sociedade que se vê cindida. (FIAC BAHIA, 2016).

Em relação ao Seminário Internacional de Curadoria e Mediação em Artes Cênicas,

foram desenvolvidas ainda de maneira embrionária ações que colocam em questão as

posições de curadoria e prática artística em artes cênicas. O evento ganhou um formato

expandido, interessado em um diálogo direto com a comunidade local. Além da ampliação do

número de envolvidos, espalhou seus eixos ao longo do tempo e dos espaços do festival,

promovendo ações distintas: diálogos – terreiro FIAC; invenções – inventar-se, de novo:

retomar utopias em tempos de crise e partilhas – edições instantâneas: partilhando saberes.

O “Terreiro Fiac”, do eixo diálogos, reuniu seis convidados, representantes do sistema

da arte das artes cênicas de Salvador, que juntos reuniam diversas as atividades - ator, diretor,

curador, pesquisador, crítico, produtor cultural, gestor público, cenógrafo, figurinista e

professor – a fim de compartilhar estratégias, modos de produção e ideias de sobrevivência no

campo da cultura. Inspirado nas ações Blackmarket for useful knowledge and non-knowledge

de Hannah Hurtzig e Basement de Marcela Donato, Sandro Amaral e Thiago Granato, o

Terreiro FIAC promoveu seis rodadas de conversas simultâneas com duração de 15 minutos,

entre convidados e público. A curta duração, a disposição do espaço (conjunto de 6 cadeiras

iluminados cenicamente) e a horizontalidade da ação, contribuíam para o caráter performativo

da ação, colocando em destaque a urgência do momento político e a igualdade de relações

entre participantes (Figuras 01 e 02).

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Figura 1 – Convidados do Terreiro Fiac aguardam o público durante o intervalo entre as rodadas de

conversa.

Fonte – Acervo virtual do Fiac. Fotógrafo: Leonardo Pastor. Disponível em:

https://www.flickr.com/photos/fiacbahia. Acesso em 05 de abril, 2017.

Figura 2 – Convidados e público no Terreiro Fiac durante uma rodada de conversa.

Fonte – Acervo virtual do FIAC. Fotógrafo: Leonardo Pastor. Disponível em:

https://www.flickr.com/photos/fiacbahia. Acesso em 05 de abril, 2017.

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No eixo invenções a ação “Inventar-se, de novo: retomar utopias em tempos de crise”,

que contou com a participação da curadora residente no Instituto Goethe a alemã Sigrid

Gareis, buscou extrapolar o campo das artes cênicas e discutir problemas sistêmicos da cidade

com o público através “de visões artísticas e culturais, tendo em vista uma coabitação social

mais humana, justa e democrática para a cidade de Salvador” (FIAC BAHIA, 2016). Em

“Inventar-se...” convidados e público se alternaram ocupando os espaços interno e externo do

Instituto Goethe, seu teatro e a Praça do Cacau – uma área aberta que conecta o instituto à rua.

Esta ação aconteceu ao longo do dia 25 de outubro de 2016, abertura do festival. Cada

convidado - ativistas, gestores culturais, performers, poeta, curador em artes visuais e

professores universitários – durante uma hora, propuseram ações em formatos discursivos e

performativos, constituindo comentários críticos e históricos da cultura e da sociedade.

Nestas ações, ao invés de “explicar” algo desconhecido para a maioria da comunidade,

investiu-se em ambientes de diálogo, potencializando as cadeias de tradução de todos, as

quais podem ou não convergir entre si.

Figura 2 – Inventar-se, de novo: retomar utopias em tempos de crise no Praça do Cacau, área externa

do Instituto Goethe.

Fonte – Acervo virtual do Fiac. Fotógrafo: Leonardo Pastor. Disponível em:

https://www.flickr.com/photos/fiacbahia. Acesso em 05 de abril, 2017.

Completando o conjunto de atividades do Seminário Internacional de Curadoria e

Mediação em Artes Cênicas, o eixo “partilha” reuniu parte do conhecimento produzido

durante o festival através da publicação artesanal orientada pelos integrantes da Sociedade

DA Prensa, ação denominada “Edições instantâneas: partilhando saberes”. Ao longo dos 6

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dias de festival, conviveram sete representantes de blogs e revistas eletrônicas dedicadas à

crítica em artes cênicas da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do

Sul e São Paulo. Para a confecção da publicação foram oferecidas no Pátio do Instituto

Goethe oficinas e ponto de encontro diurno do festival, oficinas de artes gráficas (estêncil,

carimbo e serigrafia), promovendo um ambiente de formação e convívio entre os participantes

do festival. Além da publicação as atividades tinham como suporte as peças gráficas de

divulgação do festival, portanto, as oficinas provocavam a modificação e personalização dos

materiais, promovendo outras formas de participação e colaboração, processos de troca e

compartilhamento de traduções, ou seja, a partilha de experiências da programação artística e

demais atividades do festival entre público e participantes.

Figura 2 – Oficinas de artes gráficas orientadas pela Sociedade DA Prensa durante Fiac Bahia 2016.

Fonte – Acervo virtual do FIAC. Fotógrafo: Leonardo Pastor. Disponível em:

https://www.flickr.com/photos/fiacbahia. Acesso em 05 de abril, 2017.

O pesquisador francês Bernard Darras nos fornece uma perspectiva interessante para

compreender como estas ações se, distinguem de uma abordagem diretiva de mediação que

fornece apenas um sistema interpretativo para compreender um fenômeno cultural, daquela

que “produz sistemas interpretativos que tentam se articular, ou não, e trabalhar

conjuntamente” (DARRAS, 2009, p. 37-38). Nesta perspectiva, as ações do FIAC 2016 se

alinham ao entendimento de mediação que implica a multiplicidade da estratificação de

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sentidos. Ou seja, caberia ao curador, sobretudo sustentar uma indagação a ser compartilhada

e não oferecer molduras, enquadres ou narrativas totalizantes. Isto implica a

operacionalização do deslocamento de papéis, permitindo a abertura de outros tantos pontos

de vista.

Outro exemplo de como a nona edição FIAC Bahia também buscou construir um

ambiente dialógico, horizontal e em contato com seu contexto foi a programação do “Festa

em Casa”, como foram chamados pontos de encontro noturnos do festival. Os locais

escolhidos foram espaços culturais independentes da cidade - Bar Oliveiras, Ocupação Coaty,

Casarão Barabadá e Casa Preta -, organizados e gerenciados por artistas que, durante todo o

ano, se constituem em uma rede que acolhe a criação, formação e difusão nas artes cênicas. A

organização das atividades se deu em parceria com os espaços, respeitando as singularidades

e possiblidades de cada um. Deste modo, o festival pode contribuir com os locais e grupos

mantenedores ao levar os participantes do FIAC ampliando sua visibilidade e estimulando

novos contatos e desdobramentos. Portanto, reforçando e privilegiando a participação em

detrimento da representação.

Figura 4 – Festa em Casa na área externa da Ocupação Coaty, ponto de encontro noturno Fiac Bahia

2016.

Fonte – Acervo virtual do Fiac. Fotógrafo: Leonardo Pastor. Disponível em:

https://www.flickr.com/photos/fiacbahia. Acesso em 05 de abril, 2017.

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Os conceitos de medição e participação, além da horizontalidade de relações, foram

incorporados em alguns elementos da comunicação do festival. O catálogo e sítio virtual do

festival as diferentes atividades da programação foi organizada de maneira “indisciplinar”, ou

seja, as atividades apareceram sem distinção de categoria ou atividade ordenadas

alfabeticamente.

Por fim, a programação artística foi composta por 15 trabalhos que seja pela temática,

modo de produção, origem encarnavam o conjunto de inquietações proposto pela organização

e curadoria do festival, conforme editorial do FIAC:

Os espetáculos que compõem a programação reúnem diferentes vozes,

agrupadas pelo desejo de debater e de se posicionar de maneira crítica frente

às questões da contemporaneidade. Implicações éticas e estéticas emergem

no discurso de artistas que declaram engajamento social, reinvindicações

identitárias, propõe deslocamentos de centros de poder e dos discursos

especializados, abordam transições de regimes políticos e aspectos da

história recente da América Latina. Também são enfatizadas iniciativas

relacionadas aos modos de produção, como o enfrentamento a crises internas

e questões de sustentabilidade. Experiências de linguagem com ênfase na

performatividade, questionamentos sobre o fazer artístico e reinvenções de

processos de criação.

Uma edição que assume a política no seu sentido mais bonito e humano, a

micropolítica de todo dia comprometida com o coletivo, com aquilo que nos

é comum. (FIAC BAHIA, 2016).

Nesta perspectiva, a nona edição do FIAC Bahia se constituiu em ambientes de

diálogo colocando em processo a construção de uma prática curatorial mediadora e

colaborativa através do exercício de alteridades, deslocamentos constantes entre as posições

usualmente estabelecidas entre os envolvidos, para a produção de um contexto que

efetivamente seja tão performativo quanto as práticas artísticas com o qual ele dialoga.

Referências

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cênicas. 114f., Salvador, 2015.

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