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 Revista Latino-Americana de História Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial © by PPGH-UNISINOS     P     á    g    i    n    a     4     0     3  Breve história da África e dos africanos e o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas: da historiografia africana à aplicação da Lei 10.639/ 03. Daffine Natalina Reck *  Resumo: O presente artigo, de natureza sócio-histórica, visa fazer uma retomada de algumas leituras do passado dos africanos e de seus descendentes, ou seja, de alguns eixos historiográficos produzidos até o presente momento. Ao buscar fazer uma ligação da historiografia africana com o ensino de história, questões acerca da implantação da Lei 10.639/ 03, que confere à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira maior especificidade no tocante ao ensino de História e Cultura da África e dos afro- descendentes, serão discutidas. Para tanto uma pesquisa documental e bibliográfica foi realizada. Com este trabalho, pretende-se, além de fazer uma relação entre a escrita da história dos afro-descendentes com a lei e o cotidiano escolar das questões que tangem ao ensino da história negra, valorizar a diversidade cultural presente na formação da sociedade brasileira, no intuito de resgatar a cidadania e identidade da população negra do Brasil. Palavras-chave: Historiografia. Lei 10.639/03. Educação. História e Cultura Afro- Brasileira. Abstract:  The present article, socio-historical, aims to make a return of some past readings of Africans and their descendants, ie, some historiographical axes produced to date. In seeking to make a connection with African historiography history education, questions about the implementation of Law 10,639 / 03, which gives the Law of Guidelines and Bases of Brazilian Education greater specificity regarding the teaching of History and Culture of African and african descent, will be discussed. For both a documentary and bibliographic research was conducted. With this work, we intend, in addition to a relationship between the writing of the history of african descent with the law and the school routine issues that concern the teaching of black history, valuing *  História Licenciatura e Bacharelado - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista do Programa de Educação Tutorial Ciências Sociais Aplicadas ( PET CiSA).

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  • Revista Latino-Americana de Histria Vol. 2, n. 6 Agosto de 2013 Edio Especial by PPGH-UNISINOS

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    Breve histria da frica e dos africanos e o ensino de histria e

    cultura afro-brasileira nas escolas: da historiografia africana

    aplicao da Lei 10.639/ 03.

    Daffine Natalina Reck*

    Resumo: O presente artigo, de natureza scio-histrica, visa fazer uma retomada de

    algumas leituras do passado dos africanos e de seus descendentes, ou seja, de alguns

    eixos historiogrficos produzidos at o presente momento. Ao buscar fazer uma ligao

    da historiografia africana com o ensino de histria, questes acerca da implantao da

    Lei 10.639/ 03, que confere Lei de Diretrizes e Bases da Educao Brasileira maior

    especificidade no tocante ao ensino de Histria e Cultura da frica e dos afro-

    descendentes, sero discutidas. Para tanto uma pesquisa documental e bibliogrfica foi

    realizada. Com este trabalho, pretende-se, alm de fazer uma relao entre a escrita da

    histria dos afro-descendentes com a lei e o cotidiano escolar das questes que tangem

    ao ensino da histria negra, valorizar a diversidade cultural presente na formao da

    sociedade brasileira, no intuito de resgatar a cidadania e identidade da populao negra

    do Brasil.

    Palavras-chave: Historiografia. Lei 10.639/03. Educao. Histria e Cultura Afro-

    Brasileira.

    Abstract: The present article, socio-historical, aims to make a return of some past

    readings of Africans and their descendants, ie, some historiographical axes produced to

    date. In seeking to make a connection with African historiography history education,

    questions about the implementation of Law 10,639 / 03, which gives the Law of

    Guidelines and Bases of Brazilian Education greater specificity regarding the teaching

    of History and Culture of African and african descent, will be discussed. For both a

    documentary and bibliographic research was conducted. With this work, we intend, in

    addition to a relationship between the writing of the history of african descent with the

    law and the school routine issues that concern the teaching of black history, valuing

    * Histria Licenciatura e Bacharelado - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista do Programa de Educao Tutorial Cincias Sociais Aplicadas (PET CiSA).

  • Revista Latino-Americana de Histria Vol. 2, n. 6 Agosto de 2013 Edio Especial by PPGH-UNISINOS

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    cultural diversity present in the formation of Brazilian society, in order to recover the

    citizenship and identity of the black population of Brazil.

    Keywords: Historiography. Law 10.639/03. Education. History and Afro-Brazilian.

    Consideraes iniciais

    de imperativa importncia conhecer as principais linhas de pesquisa do passado

    africano, sob pena de continuar a no querer ver o que salta aos olhos. Os pilares de

    sustentao da sociedade brasileira assentam na experincia africana e conhecer o

    passado da frica condio imprescindvel para pensar a identidade do povo e da

    nao. Nisto se faz necessrio a conscincia histrica do lugar dos sujeitos na

    enunciao dos discursos histricos, pois se tem claro que enquanto os lees no

    tiveram seu historiador, as narrativas da caada glorificaro apenas o caador. Por isso

    o artigo contemplar a anlise de alguns textos de natureza historiogrfica, buscando o

    acesso ao conhecimento da Histria e Cultura Afro-brasileira.

    Ter acesso s posies historiogrficas a respeito da temtica do negro no

    suficiente, porm. De nada adianta os esclarecimentos contidos em matrizes da escrita

    da Histria, se esta no for aplicada realidade e ao cotidiano escolar. basilar ao

    ensino que permeia na sociedade abarcar questes que tangem ao universo da frica e

    dos afro-descendentes, a fim de que haja o empoderamento dos educandos negros e o

    reconhecimento dos demais a respeito do seu importantssimo papel no passado e

    presente da sociedade. Com isso, preconceitos podem ser rompidos e a formao da

    cidadania e autoestima colocada em prtica.

    Os negros chegaram ao Brasil predestinados a servir, sem ter em troca qualquer

    lucro, afastados da famlia, do seu pas, da cultura, crenas e valores que os moldava.

    Mesmo diante de tantas fragilidades, no se entregaram passivamente forma de

    dominao a que foram submetidos, lutando de diferentes modos para conseguir livrar-

    se da dominao escravocrata e da aculturao. A resistncia do negro fez com que, aos

    poucos, a cultura europeia, difundida no Brasil, fosse influenciada pela cultura africana.

    Atravs da sua luta em defesa de sua cultura, o negro foi colaborando de maneira

    significativa para construo da pluralidade cultural existente no Brasil. No entanto, por

    dcadas, a sua condio de negro o deixou margem da sociedade, sem perspectiva de

    vida.

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    Sendo os estabelecimentos de ensino multiculturais e raciais, acredita-se que

    diante de currculos e propostas pedaggicas que valorizem a aprendizagem da histria

    de povos de todo o mundo e da cultura que cerca a sociedade, ter-se- uma sociedade

    mais justa, igualitria e comprometida com a disseminao das suas razes culturais.

    Diante da importncia da presena afro-brasileira no cenrio nacional e de se ter

    estudos que atinjam a Lei 10.639/03, este trabalho busca mostrar a importncia da

    insero da Histria e Cultura Afro-Brasileira no contexto escolar, considerando o que

    estabelece a Lei 10.639/03, que tornou obrigatrio o ensino da Histria e Cultura Afro-

    Brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Mdio, da rede pblica e

    particular. Refletindo assim, a importncia da aplicabilidade da referida Lei em

    comunidades de forte influncia afro-brasileira, contribuindo, desta forma, para alertar

    sobre sua aplicao no processo ensino-aprendizagem.

    Historiografia dos Africanos e dos Afro-descendentes em perspectiva

    De acordo com Jos Rivair Macedo foi ao princpio do sculo XX que os estudos

    africanos surgiram. As jovens naes ps-coloniais, tais como o Brasil, enfrentam

    limitaes similares s que se enfrentam para a construo dos campos de conhecimento

    cientfico.

    Em a "Escravido Negra em debate, a historiadora Suely Robles Reis de Queirs

    faz uma discusso sobre a polmica na historiografia sobre a caracterstica do sistema

    escravista brasileiro e o ponto de vista condicionado a influncias ideolgicas dos vrios

    autores. Esta tese que se apresenta pela autora atravs da grande obra de Gilberto Freire

    "Casa Grande e Senzala" aborda a doura nas relaes de senhores com escravos

    domsticos no Brasil comparando assim com a de outros pases escravocratas. A

    discusso toma um sentido bastante importante sobre a escravido nos pases onde foi

    implantada levantando os seus costumes, as vantagens e desvantagens econmicas e os

    seus problemas sociais nas sociedades escravocratas da poca, compreendida atravs de

    um resultado material e intelectual com problemas econmicos, sociais, polticos e

    ideolgicos.

    A particularidade do sistema escravista era visto como violento e cruel por alguns

    e por outros como brando e benevolente. Gilberto Freire dissemina sua idia ignorando

    os permetros do Brasil como Oliveira Viana e Nina Rodrigues que viam no negro

    inferioridade e contribuio negativa para a formao do povo brasileiro. Atravs da

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    miscigenao ocorrida no pas, Freire apresenta uma sociedade paternalista onde a

    famlia patriarcal teria sido base para este sistema escravista atravs da introduo das

    famlias portuguesas no Brasil predominando a empatia entre as raas e a amenidade

    na relao senhor escravo.

    De acordo com Gilberto Freire, a escravido brasileira teria sido moderada e os

    cativos eram os mais felizes do Brasil patriarcal do que na frica Negra. preciso

    considerar que no Brasil, a escravido teve incio com a produo de acar na primeira

    metade do sculo XVI. Os portugueses traziam os negros africanos de suas colnias na

    frica para utilizar como mo-de-obra escrava nos engenhos de acar do Nordeste. Os

    comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se fossem

    mercadorias aqui no Brasil. Os mais saudveis chegavam a valer o dobro daqueles mais

    fracos ou velhos.

    O transporte era feito da frica para o Brasil nos pores dos navios negreiros.

    Aglomerados, em condies desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil,

    sendo que os corpos eram lanados ao mar. Nas fazendas de acar ou nas minas de

    ouro (a partir do sculo XVIII), os escravos eram tratados da pior forma possvel.

    Trabalhavam muito, recebendo apenas trapos de roupa e uma alimentao de pssima

    qualidade. Atravessavam as noites nas senzalas (galpes escuros, midos e com pouca

    higiene) acorrentados para evitar fugas. Eram constantemente castigados fisicamente,

    sendo que o aoite era a punio mais comum no Brasil Colnia.

    Eram proibidos de praticar sua religio de origem africana ou de realizar suas

    festas e rituais africanos. Tinham que seguir a religio catlica, imposta pelos senhores

    de engenho, adotar a lngua portuguesa na comunicao. Mesmo com todas as

    imposies e restries, no deixaram a cultura africana se apagar. Escondidos,

    realizavam seus rituais, praticavam suas festas, mantiveram suas representaes

    artsticas e at desenvolveram uma forma de luta: a capoeira. As mulheres negras

    tambm sofreram muito com a escravido, embora os senhores de engenho utilizassem

    esta mo-de-obra, principalmente, para trabalhos domsticos. Cozinheiras, arrumadeiras

    e at mesmo amas de leite foram comuns naqueles tempos da colnia.

    No Sculo do Ouro (XVIII) alguns escravos conseguiam comprar sua liberdade

    aps adquirirem a carta de alforria. Juntando alguns "trocados" durante toda a vida,

    conseguiam tornarem-se livres. Entretanto, as poucas oportunidades e o preconceito da

    sociedade acabavam fechando as portas para estas pessoas. O negro tambm reagiu

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    escravido, buscando uma vida digna. Foram triviais as revoltas nas fazendas em que

    grupos de escravos fugiam, formando nas florestas os famosos quilombos.

    As ideias de Freire, num primeiro momento, no foram contestadas e reforaram

    assim os mitos de brandura do senhor, mas a partir dos anos 50 uma nova concepo

    dos estudos se ops s ideias de Freire mudando a historiografia da: Florestan

    Fernandes, Otvio Lanni, Emlia Viotti da Costa, Fernando Henrique Cardoso. Para

    estes autores a escravido era uma pedra fundamental no processo de acumulao do

    capital instruda para sustentar cones do capitalismo. Muitos destes pontos de vistas

    eram reforados por Jacob Gorender em sua obra "O escravismo Colonial" onde

    centralizava a sua explicativa na atividade exportadora propondo um novo modelo de

    produo escravista colonial para explicar o escravismo no brasil.

    A partir dos anos 1980, uma nova corrente historiogrfica surge onde aproximava

    as idias de Gilberto Freire com as idias de Jacob Gorender o que se chamara de

    neopatriarcalismo. A escravido assim teria um carter consensual que negava a

    coisificao e seria assim aceita pela grande maioria dos cativos.

    A concluso a que se chega, segundo a prpria autora, que a inteno no era

    romantizar a escravido, mas demonstrar que a escravido no destrua os laos de

    solidariedade entre os escravos, e que existia ainda um espao de resistncia por parte

    dos escravos e contradies dentro do sistema, j que a famlia tambm era um

    instrumento de controle social. Cada vez mais, percebe-se com maior sensibilidade e

    ateno que as mudanas na poltica, na sociedade e na educao esto intimamente

    relacionadas. Assim como os projetos de escrita da histria se alteram para compreender

    mais adequadamente as transformaes da sociedade, o ensino de histria tambm teria

    uma predisposio a mudar quando ocorrem novas tomadas de posio nas polticas

    pblicas do pas. Essa hiptese indica que ao se acompanhar a organizao da "cultura

    histrica" e da "cultura poltica 1 de uma sociedade, pode-se visualizar mais

    precisamente os contornos que ganham simultaneamente a "cultura historiogrfica" e o

    "ensino de histria". Diante do exposto, oportuno o questionamento sobre quais

    leituras a respeito do passado estariam sendo produzidas, em funo das atuais revises 1 Para uma discusso sobre o conceito de "cultura poltica", ver SIRINELLI, Jean-Franois; RIOUX, Jean-Pierre (Orgs.). Para uma histria cultural. Trad. Ana Moura. Lisboa: Estampa, 1998. Para uma discusso do conceito de "cultura histrica", ver: LE GOFF, Jacques.Memria e histria. Trad. Bernardo Leitoet al. 4. ed. Campinas/So Paulo: Ed. UNICAMP, 1996. Para uma discusso do conceito de "cultura historiogrfica", ver DIEHL, Astor Antnio.Cultura historiogrfica. Memria, identidade e representao. Bauru: EDUSC, 2002.

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    dos ltimos governos, quanto necessidade de agrupar aos currculos escolares de

    ensino fundamental e mdio do pas, o ensino da histria e da cultura africana e afro-

    brasileira e o ensino da histria indgena. Cabe destacar, desde j, que isso se deve,

    fundamentalmente, ao impacto e relevncia que alcanaram os movimentos sociais, os

    quais, desde a dcada de 1980, se tm organizado com o intuito de destacar as

    desigualdades histricas que foram sendo produzidas no pas ao longo do tempo. O que

    quer dizer que, na medida em que as sociedades e os indivduos se interrogam sobre sua

    condio, se abre a possibilidade para uma significativa alterao, quanto ao modo de

    apreender e de interpretar o presente e, por extenso, tambm o passado.

    Outro texto de extrema importncia Antigas Civilizaes Africanas

    Historiografia e Evidncias Documentais de Jos Rivair de Macedo, onde o autor

    coloca a origem dos estudos africanos e realiza um debate sobre a periodizao da

    Histria da frica, na opinio dele injusta: pr-colonial (at o sculo XIX), colonial (at

    meados do sculo XX) e independente (at o presente). Macedo acredita que preciso

    olhar para a frica com o olhar dos africanos, sem complementos ou adjetivos.

    Questionar a periodizao tripartida de extrema necessidade, porm preciso ter

    cuidado com os conceitos. O autor discorre acerca de trs correntes historiogrficas de

    Histria africana: a corrente da inferioridade africana, a corrente da superioridade

    africana e o pluralismo da realidade africana. Esta ltima, de acordo com Macedo, a

    mais adequada, pois d conta de vrias fricas, alm de ter tcnicas e mtodos de

    pesquisa mais condizentes com a realidade estudada.

    Hebe Mattos coloca em seu artigo O heri negro no ensino de histria do Brasil:

    representaes e usos das figuras de Zumbi e Henrique Dias nos compndios didticos

    brasileiros a necessidade de pensar historicamente os significados pedaggicos

    atribudos identidade negra ao longo do tempo. Os manuais didticos, para a autora, se

    apresentam como locais privilegiados para pensar as interseces entre histria e

    memria. Neste sentido joga com os personagens de Zumbi e Henrique Dias,

    apresentando-os como agentes histricos de seu tempo.

    Essa breve histria da frica e dos africanos no Brasil de extrema relevncia

    para que se possa conhecer as representaes e interpretaes do passado e suas

    implicaes no presente do negro no pas e dialogar com o ensino da Histria e Cultura

    Afro-brasileira, desde a Lei 10.639 at a sua real implantao no cotidiano escolar.

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    Ensino da Histria e Cultura Afro-brasileira: Da Lei 10. 639/ 03 implantao no

    cotidiano escolar

    A perspectiva referente efetivao da Lei 10.639 no cotidiano escolar arquiteta a

    educao formal enquanto um meio de ruptura das desigualdades raciais no Brasil.

    Indica, pois que, o trabalho educativo baseado em um currculo que observe a

    diversidade, dotado de conscincia poltica, preso ao de educadores capacitados

    para a articulao didtica na expectativa das aes afirmativas s tem a colaborar para

    o fim dos conflitos raciais e com preeminncia dos contedos eurocntricos, por muito

    desconjuntados com a realidade em sala de aula.

    Em diferentes estudos realizados no pas, descobriu-se que boa parte dos alunos

    negros possui dificuldade, ou mesmo total bloqueio em afirmar sua origem tnica. Uma

    das causas para este mal a carncia de referncias positivas na narrativa historiogrfica

    dos negros tanto no Brasil, quanto de sua histria mesmo em continente africano. Por

    isso, configura-se uma lacuna no autoconceito do negro em nosso pas.

    Com o desgnio de sanar, suavizar esta situao de ausncia da historicidade da

    cultura negra, encontram-se nichos para construir, na dimenso do senso comum: um

    particular mtico, dotado de vises preconceituosas, piadas depreciativas e elucidaes

    sem nenhuma base cientfica as quais provocam nos indivduos da etnia negra um

    sentimento de impotncia, inferioridade, submisso e baixa autoestima. Uma herana

    que desconhece a si e sua prpria histria, que se sintetiza, nestes termos, escravido,

    passividade, pobreza, ignorncia, vcios, e que, de modo especial, minimaliza sua

    cultura ao samba ou manifestaes religiosas como o Candombl, erroneamente

    denominado Macumba. Reducionistas, estas prticas apenas bloqueiam a

    materializao de uma identidade pautada em saberes concretos e confiveis. A carncia

    de dados histricos e culturais edificou uma nao sem referncias acerca do negro

    propriamente dito, assim como do continente africano.

    O que se tem um recorte arrolado em esteretipos, os quais vo menosprezando

    sua imagem e sua autoestima. A luta ento se fortaleceu no resgate dessa identidade

    fragilizada, sob a gide do Movimento Negro Unificado que, atravs da fomentao de

    Lei 10.639 no Senado Federal, consentiu a obrigatoriedade do ensino de histria e

    cultura africana e dos afro-brasileiros. Chega neste momento, ao cotidiano escolar, a

    oportunidade de desvendar o outro lado da histria, seus motivos, costumes, tradies,

    to silenciados ao longo de sculos de eurocentrismo na educao brasileira.

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    Munanga (1986 p. 13-14) revela que as primeiras aluses de um povo negro de

    perfil desfavorvel foram cunhadas pela imaginao frtil do grande historiador grego

    Herdoto. J, por volta do sculo XV, em meio s grandes viagens martimas em busca

    de novos territrios, se mitificava uma imagem negativa dos povos da costa africana,

    com bases nos relatos do historiador que, entre outras descries, garantia a existncia

    de seres brbaros semi-homens, semi-animais. Por meio da justificativa de que os

    povos, a partir da racionalidade, seriam capazes de transformar o estado natural,

    estudiosos como Buffon, Voltaire, Diderot, Gobineau e outros iluministas foram

    unssonos ao alastrarem o discurso da superioridade branca em face dos negros e

    amarelos durante o sculo XVIII. O determinismo biolgico, que veio a fundamentar o

    que ficou conhecido como raciologia, era carregado de argumentos ardis, os quais

    presentemente avaliados pseudocientficos, ainda pesam sobre aqueles que, outrora,

    foram qualificados como inferiores.

    Tais argumentos tornaram-se, nesta conjuntura iluminista, a justificativa ideal

    para oficializar a desigualdade, bem como o trabalho servil. J, tambm se transformaria

    em pretexto para a formao de novas colnias no continente africano durante o sculo

    XIX. A fisiologia confirmava a questo da inferioridade ao mensurar a capacidade

    intelectual dos indivduos pelas extenses de seus crnios. Comportamentos,

    personalidade e faculdades mentais teriam interferncia do osso sobrejacente do crnio.

    Assim surge a frenologia, cincia encabeada por Franz Gall, mdico alemo que se

    debruou em estudos acerca de temticas dessa natureza.

    Com isso, a abordagem cientfica ideologia racial foi essencial para que se

    tornassem aceitveis os mitos de anormalidade e monstruosidade no continente

    africano. Com a inferioridade a seu favor, o branco (regra) criou situaes e deliberou

    leis, as quais somente desqualificava o negro (exceo). Por muito, os afro-brasileiros se

    viram lutando contra um mal que nada poderia extenuar, de certo, um conflito

    considerado pelas autoridades como onrico, utpico e geralmente tinha suas causas

    conferidas a recente experincia da escravido. No bastando ser a cincia provedora de

    empecilhos ao bem estar dos negros, havia outra vertente, ainda mais incisiva em seus

    posicionamentos. A religio traz em sua simbologia, bem como em sua liturgia,

    admissveis explicaes para a superioridade da cor branca e a preta como referncia

    para a degenerao.

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    Sem fundamentos sucintos, amparados apenas em dogmas, utilizou-se da

    passagem bblica, na qual, Deus amaldioou Caim enegrecendo sua face, por matar seu

    irmo Abel. Deste ponto de vista, a cor preta representa uma mancha moral exprimida

    fisicamente, o pecado, a morte. A branca, pureza e redeno, vida. Nestes termos, ser

    negro sinnimo de mazela, perverso e de um atraso moral para a sociedade brasileira

    ps-abolio e republicana. Neste caso, no existia outra forma de manter o negro fora

    das relaes sociais e de seus direitos de posse das terras, bem como de seu direito de

    lutar por elas, que no fosse reduzindo seu direito de participao no papel de cidado.

    Ao julgarem a situao por este prisma desconsideram os incansveis anos de

    pesquisa, nos quais os negros sofreram por serem o objeto; sculos de explorao de

    suas riquezas naturais e culturais (no continente africano), bem como os sculos de

    explorao de seu prprio povo. A leitura da realidade atenuada do negro brasileiro no

    deixa deslembrar o triste episdio de uma abolio desestruturada, pautada apenas nos

    interesses do senhor de engenho, bem com das potncias internacionais.

    A seguir, o que se viu, com a abolio da escravatura, foi uma visita ao perodo

    iluminista, mais precisamente as suas teorias, as quais delimitariam e classificariam os

    capazes e os incapazes, de acordo com as caractersticas fsicas. De fato uma estratgia

    para constituio e sustentao de uma hierarquia calcada na inferiorizao e

    marginalizao do outro.

    Ainda que com um antecedente histrico de sofrimento e rebaixamentos a

    trajetria do negro em terras brasileiras tambm foi marcada por uma srie de lutas e

    batalhas s formas de opresso as quais eram reprimidos os seus. Fosse pela diplomacia,

    como na ocasio do comando de Ganga Zumba em Palmares, ou das sangrentas batalhas

    pela liberdade, deflagradas por seu sobrinho e sucessor Zumbi. Um fator respeitvel da

    luta desses povos estava em preservar sua cultura. Vivendo em senzalas, eram proibidos

    de se falarem. A cultura e as histrias que se perpetuavam pela tradio oral foram se

    perdendo pelo tempo. Mant-los em silncio seria uma forma de evitar que os cativos se

    sublevassem quanto a continuar naquelas condies ou mesmo que armassem planos de

    fuga para os quilombos, esconderijos afastados da casa grande, onde se refugiavam. A

    educao no ensino formal foi a fundamental vertente da luta pela igualdade de direitos

    e justia social dos negros na sociedade brasileira.

    Desde ento, passou a ser indispensvel o fato de compreender os fatores

    ideolgicos que conduziram o referido grupo a subgrupo social, inferiorizou sua

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    imagem e importncia, bem como construiu conceitos que, por muito, legitimam tal

    conjuntura. Assim a abolio que excluiu, j que apenas buscou atingir desgnios

    polticos, esquecendo-se dos aspectos humanos e sociais, deixou de ser vista como

    doao e adquiriu aspecto motivador com vistas ao refinamento e formao dos negros,

    at ento afastados dos estabelecimentos de ensino.

    No se tem data precisa de quando o povo negro pode se assentar nos bancos

    escolares de nosso pas, em carter oficial, j que isto, mesmo antes da abolio, era

    prtica no regulamentada de alguns senhores de engenho, que permitiam o estudo das

    crianas negras nas escolas de suas propriedades. No nada fcil para uma criana

    negra ver sua identidade se esvair diante das terrveis afirmaes que surgem nas aulas

    de histria com relao chegada de seu povo. O trabalho dos negros no Brasil no

    visto como um ato de terror, no qual, seres humanos so conduzidos criminosamente ao

    trabalho escravo. Esta obstinao dos negros, pouco citada nos portadores de textos

    didticos existiu, ainda existe. Tamanha discriminao cultural viera a apoiar os

    caminhos do fracasso escolar dos afro-brasileiros, de modo que uma teoria introduzida

    pelos Estados Unidos foi norteadora de n propostas curriculares e polticas pblicas para

    a Educao.

    O currculo, grande norteador das aes pedaggicas, nas prticas educativas

    estritas, caminha por sries metodolgicas e contedos que, muitas vezes, no observam

    a demanda escolar e sua heterogeneidade. A demasia na estima de elementos

    pertencentes cultura europeia no currculo, fruto da educao jesutica, no perodo

    colonial brasileiro, faz com que as adequaes no quadro de contedos sejam de carter

    interdisciplinar e aceita que conservadores fiquem no status quo, criando ao educando

    barreiras quanto ao direito de conhecer sua prpria histria. Diante do exposto, pode-se

    coligir que distintas barreiras permeiam os caminhos de aprendizagem do negro,

    enquanto parte do sistema educacional. Apesar disso, uma teoria deixaria o nus da

    dificuldade diagnosticada nas crianas afrodescendentes por sua prpria condio de ser

    negra e, em grande maioria, oriunda das camadas populares. Com tanta presso no

    difcil compreender quo sobrecarregado o contexto dirio de um aluno negro,

    procedente das camadas menos beneficiadas economicamente, que ainda se situa nas

    instituies com as piores condies de ensino-aprendizagem.

    Diante disso, torna-se complicador o fato de ser negro no Brasil. Afirma-se a

    neutralidade, mas o que se v uma srie de pretextos e prerrogativas acerca da

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    aceitao do negro e de seus valores. Acabam se reduzindo a um ato folclrico as

    lembranas das tradies africanas, principalmente aquelas voltadas s msicas, s

    danas e religiosidade. Tem-se, com isso, uma viso unilateral de um imenso

    continente, e o que vemos em nossas escolas um conceito estereotipado de uma frica

    Pas; e assim a carga negativa que esse pas possui no imaginrio social brasileiro

    subsidia e fundamenta os esteretipos racistas diariamente veiculados sobre afro-

    descendentes no Brasil. (NASCIMENTO, 2001, p.120)

    Se no incio do sculo XX os negros brasileiros no se viam discordando de

    qualquer tese cientfica de inferioridade do negro, com o passar dos anos, a estvel

    conquista de conhecimento por meio da educao formal foi a grande arma para

    constantes lutas em busca da construo de uma identidade afro, baseada no mais em

    conceitos eurocntricos, mas em pesquisas desenvolvidas por estudiosos empenhados,

    muitos deles negros. Para alguns estudiosos acerca dos movimentos de resistncia do

    afro-descendente brasileiro, o movimento negro existe desde o perodo escravista.

    Contudo, neste perodo possua carter clandestino e conflituoso. Na poca, a

    quilombagem, movimento pela emancipao, de carter mais radical, sem nenhum

    intermdio entre a sua dinmica e os interesses da classe aristocrata, era vista como

    nica forma de resistir ao aparelho de represso senhorial.

    Com a Constituio Federal, em 1988, houve o amparo que confere s minorias

    direito diversidade. Constitui um de seus objetivos fundamentais, promover o bem de

    todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de

    discriminao. (BRASIL, 1988, p. 3). Em segmento a essa determinao, ano de 1996

    foi um marco para a educao brasileira. Seria neste ano compilada a Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Brasileira (LDB), n 9.394/ 96. Consonante Constituio, a LDB

    ratifica a importncia das aes interdisciplinares, no tocante ao resgate da cultura

    popular e valorizao da pluralidade cultural.

    Para desfazer paradigmas preconceituosos, baseados no senso comum, mltiplos

    setores da sociedade apresentaram ao Congresso Nacional o pedido de lei, ento

    aprovado e sancionado, para incluir no currculo oficial da Rede de Ensino a

    obrigatoriedade da Temtica Histria e Cultura Afro-brasileira. Passa a existir ento,

    a Lei N 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que designa s instituies educacionais uma

    adequao no rol dos contedos programticos das para a insero do estudo da frica e

    dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na

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    formao da sociedade nacional, de modo a resgatar sua contribuio na rea social,

    econmica e poltica, pertinentes Histria do Brasil.

    Emana da sano dessa lei, a importncia de uma ao pedaggica na insero dos

    valores referentes Histria da frica, da cultura afro-brasileira tanto na dimenso

    ontolgica quanto epistemolgica da formao do educando, pois com a aprovao da

    Lei 10.639, obrigatrio o ensino de histria da frica e da cultura afro-brasileira em

    todas as escolas de Ensino Fundamental e Mdio. (BENCINI, 2004, p. 48).

    Desde a fomentao da lei 10.639/03, constatou-se uma intensificao na

    reivindicao de direitos que se perderam diacronicamente, bem como de capacitao

    de profissionais do magistrio para desfazer a por meio da educao formal. No fcil

    para nenhum educador colocar em prtica tantas mudanas acerca do currculo escolar.

    Neste prisma, torna-se imperativo ao professor seguir uma deciso. Ser apoltico nestas

    circunstncias alude em pactuar com a injustia e a desigualdade em sala de aula.

    Muitos ainda abraam a postura reacionria.

    O cotidiano de uma escola pode ser o meio de dissipao ou disperso de atitudes

    preconceituosas. Assumir a situao, concebendo que a desigualdade existe

    fundamental para uma modificao, na medida em que se compreende a escola como

    aparelho ideolgico. O processo de transmisso de ideologia na escola no ocorre sem

    conflito. Aos valores da classe dominante que os professores conservadores impem na

    sala de aula, os alunos reagem de modo dinmico. (MEKSENAS, 2003, p.81)

    Torna-se fundamental, para o incio dos processos de ensino-aprendizagem acerca

    dos contedos de Histria e Cultura Afro-brasileira e Africana, o conhecimento dos

    alunos sobre si, um resgate da autoestima do aluno negro, em uma tomada de

    conscincia, no sentido de edificar, com a classe, um ambiente humanizado, pautado no

    respeito e na tolerncia ao outro.

    O negro no Brasil teve sua representao, bem como sua aceitao marcada por

    uma forte ideologia inferiorizante, a qual, baseada em estudos falaciosos, desenvolvidos

    no chamado Sculo das Luzes, legitimaria ainda mais a questo da discriminao

    racial no pas. Estes estudos seriam a justificativa ideal para a explorao do trabalho

    escravo que, tinha por funo, segundo estudos da poca, humanizar o africano. A

    religio tambm teve seu papel nesta circunstncia, ao afirmar por meio de sua liturgia a

    virtude do branco, do claro, do alvo em prejuzo dos vcios ditados pelo preto e suas

    desinncias. O que era uma simbologia transps-se em realidade, considerando o negro

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    como degenerao da espcie humana. Destacam-se ento, os elementos fenotpicos

    desse grupo, como forma de segregao ampliando entre os afrodescendentes, a

    desigualdade social.

    Neste sentido, torna-se fundamental, por parte dos profissionais dos

    estabelecimentos de ensino de todo pas uma mudana de postura, tanto no trato

    pedaggico, quanto na extenso das relaes humanas, pois o afeto, bem como a

    importncia que se d a uma denncia de racismo feita por um aluno, pode cooperar

    para que este atravesse as barreiras ideolgicas que venham a lhe envolver. Nesta

    configurao, as prticas educativas, conscientes de sua funo social, precisam visar

    um ensino voltado para a diversidade e sua aceitao, de modo que a tolerncia

    alteridade no desigualdade prevalea.

    Quando aplicadas em classe, as atividades didticas voltadas para o tema

    favorecem a busca por um novo paradigma, focado no estabelecimento de formas mais

    crticas de lidar com a questo da diversidade. Isto sem deixar de lado o aspecto do

    respeito que o assunto preconiza, bem como a promoo de um ambiente reflexivo, na

    acepo de ampliar o repertrio cultural do aluno a partir da experincia com o outro.

    O ambiente escolar um espao de inflexo de costumes e vises, como tambm

    de ratificao de preconceitos, ocasio cujas razes esto ligadas a uma cultura de

    ignorncia. Carecem populao, dentro e fora do sistema escolar, conhecimento,

    memria e referncia. Ainda est presente no imaginrio da populao a figura do

    homem negro como sendo mais forte, sendo esta causa da sua escravido, ao mesmo

    tempo como sendo um ser indolente, tendo sua imagem associada criminalidade,

    sendo em situaes duvidosas o suspeito em potencial. As mulheres negras, por sua vez,

    so vistas como timas para o servio domstico e fora do padro de beleza, pois esto

    fora da esttica do eurocentrismo.

    A Cultura Afro-Brasileira tem formas muito valiosas e no se trata de achar que

    um contexto perfeito, mas que trabalhar com tal cultura dialogando com a educao

    uma das melhores formas de combater o racismo e a violncia e de apresentar a Histria

    Afro-Brasileira em sua forma mais acessvel a comunidade escolar. Para tanto se faz

    necessrio realizao de um trabalho que promova um contato mais realista com a

    diversidade cultural afrodescendente por parte das novas geraes em contato tambm

    com geraes anteriores, rompendo com esteretipos propagados pelo sistema

    educacional h dcadas.

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    A presena africana e sua influncia na cultura so caractersticas determinantes

    na formao da sociedade brasileira. A partir da promulgao da referida Lei tornou-se

    obrigatrio o ensino da Histria e Cultura Africana e Afrodescendente em todos os

    nveis da educao bsica, integrando diferentes disciplinas no currculo escolar. Souza,

    Souza e Loyola (2007, p.61) dizem que aprender a histria e a cultura brasileira se

    apropriar tambm da cultura de vrios povos que ajudaram na construo deste pas

    com a juno de memria e bagagens trazidas de diversas partes do mundo. Para Lopes

    (2003 apud

    FELIP e TERUYA 2007, p.504) a Lei 10.639/03 do CNE vem reconhecer a

    existncia do afro-brasileiro e seus ancestrais, sua trajetria na vida brasileira e na

    condio de sujeitos que contriburam para a construo da (nossa) sociedade.

    A consolidao, de certa forma, do estudo do continente africano para o ensino

    mais relacionado com questes brasileiras e afro-brasileiras, busca sensibilizar os

    profissionais da rea da educao da necessidade de polticas afirmativas que valorizem

    a cultura negra em geral. No entanto, o estudo sobre a frica no sistema escolar busca

    revalorizar a histria e culturas africanas e afro-brasileiras como forma de construo

    de uma identidade positiva (NUNES PEREIRA, 2008, p.254) do aluno negro,

    elevando sua autoestima. Para tanto os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN)

    orientam para que a escola seja uma instncia necessria para realizao de uma

    cidadania democrtica tolerante e inclusiva (BRASIL, 2000).

    H necessidade de introduzir a temtica sobre Historia e Cultura Afro-Brasileira e

    Africana no currculo escolar a partir da interdisciplinaridade trabalhando-a de tal modo

    que haja envolvimento da escola como um todo, envolvendo tambm a comunidade

    extraescolar.

    de extrema importncia que em situaes de ensino sejam consideradas as

    contribuies significativas de culturas que no tiveram hegemonia poltica e, tambm,

    que seja realizado um trabalho que busca explicar, entender e conviver com

    procedimentos, tcnicas e habilidades matemticas desenvolvidas no entorno

    sociocultural prprio a certos grupos sociais.

    A Lei 10.639/03 ao abordar sobre a obrigatoriedade do ensino de Histria e

    Cultura Afro-Brasileira e Africana abre espao para que as diversidades culturais

    oriundas da comunidade negra do Brasil sejam includas nas propostas curriculares das

    instituies de ensino das redes pblica e privadas.

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    Com a Lei 10.639/03, o artigo 26-A da LDB passa a estabelecer [...]

    particularmente no ensino de Histria do Brasil - o respeito aos valores culturais na

    educao e o repdio ao racismo, na medida em que determina o estudo das

    contribuies das diferentes culturas e etnias para a formao do povo Brasileiro.

    (SILVA, 2007, p.41). Incluir no currculo escolar o estudo da Histria e Cultura Afro-

    Brasileira contribuir para uma educao multicultural, dotando o brasileiro, desde o

    Ensino Fundamental, os conhecimentos e a valorizao de suas razes.

    A sano da Lei 10.639/03 constitui um fato importante na histria da legislao

    educacional brasileira, visto que a populao de origem africana no Brasil no se

    constitui em uma minoria, sendo este um dos maiores segmentos populacional do

    Brasil. Entretanto, a mera sano da referida Lei no assegura que os contedos

    referentes Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana sero tratados de forma

    significativa junto aos discentes.

    De forma que os jovens possam admirar e reconhecer as suas origens e possam ter

    uma autoimagem positiva, deixando de ter os temas relacionados histria afro-

    descendente trabalhadas em datas comemorativa como o 13 de maio e o 20 de

    novembro. A Lei brasileira que obriga o ensino da Histria e Cultura Afro-Brasileira

    um avano, porm insuficiente, pois no oferece o preparo necessrio aos docentes.

    As dificuldades terico-metodolgicas, o preconceito, a falta de incentivo e o no

    interesse de muitos docentes e de editoras tornam a tarefa de ensinar Histria e Cultura

    Afro-Brasileira algo exclusivamente para poucos interessados, fazendo com que a

    realidade encontrada hoje nas escolas seja distante da ideal. Nessa configurao, os

    profissionais da educao, conscientes de sua funo social, precisam visar um ensino

    voltado para a diversidade e sua aceitao.

    Consideraes finais

    Diante da aplicao da Lei 10.639/03 e da sua posterior reformulao com a Lei

    11.645/08 que prev a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura Afro-Brasileira e

    Indgena nas escolas, se faz necessrio a reflexo constante sobre seus propsitos,

    alcances e limites, especialmente levando-se em conta a forma como as temticas

    abrangidas pela Lei so contempladas nos currculos dos cursos que formam os

    professores incumbidos de aplic-la.

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    Dessa forma, este artigo buscou analisar historicamente o sentido da incluso

    dessa temtica nas salas de aula, em uma sociedade na qual os segmentos

    economicamente dominantes naturalizam as diferenas entre as classes sociais. Sendo a

    educao escolar um reflexo, em ltima veemncia, das correlaes de foras existentes

    em uma dada sociedade, ela prpria reflete os valores dominantes, bem como as suas

    contradies. Da porque, pode servir tanto para a legitimidade das diferenas quanto

    para o alargamento de propostas com vistas superao dos mecanismos opressores que

    geram as desigualdades.

    No obstante a preocupao de diferentes educadores comprometidos com o

    reconhecimento da multiplicidade de manifestaes e identidades presentes no interior

    da escola, e do desvelamento das condies histricas em que se constituram as

    diferenas entre classes e os preconceitos tnico-raciais, as prticas pedaggicas

    desenvolvidas no contexto escolar ainda permanecem aliceradas em prticas que

    ocultam ou desvalorizam as manifestaes culturais dos segmentos marginalizados ou

    minoritrios. Esta verificao decorre de uma viso pouco otimista a respeito do papel

    preenchido pela educao escolar em uma sociedade dividida em classes sociais. No h

    dvidas de que se pode pensar na escola como uma instituio que pode contribuir para

    a transformao social. No entanto, tambm no podemos acreditar pura e simplesmente

    que a escola pode tudo transformar. Se quisermos uma escola que seja uma trincheira

    dos trabalhadores na luta contra o capital, necessitamos fomentar transformaes no

    interior da escola que temos. nesse sentido que precisamos modificar a escola que

    nega aos trabalhadores, no contedo e na forma, os conhecimentos historicamente

    construdos, e ao mesmo tempo, naturaliza as desigualdades econmicas e raciais. E

    nisto est a importncia da Lei e do Ensino de Histria e Cultura Afro-brasileira no

    cotidiano escolar. O professor surge como mediador do conhecimento e deve ser um

    sujeito integrado, pesquisador e educador, por isso a importncia de se conhecer alm

    da Lei e do contedo a ser trabalhado em Histria e Cultura Afro-brasileira, a

    historiografia Africana e dos seus descendentes no Brasil.

    Nenhuma poltica pblica de amparo ao trabalhador explorado foi desenvolvida,

    de modo que o pas consolidou um modelo, principalmente no que se referia ao

    mercado de trabalho acessvel para uma mo de obra que, como afirma Silva (1996,

    p.127) atenderia a necessidade de preservar e desenvolver, na composio tnica da

    populao, as caractersticas mais convenientes de sua ascendncia europia

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    O mito da democracia racial arraigou-se cultura brasileira em razo da intensa

    relao inter-racial existente no pas. A miscigenao pesou enquanto fator

    homogeneizador da sociedade ps-abolio, no incio do sculo XX. O mulato e a

    mulata passam a ser smbolos de uma convivncia com bases na tolerncia, uma poltica

    pblica que deu certo, a ponto de negar quaisquer tipos de injustia e/ ou discriminao

    no Brasil por questes de cor. No obstante, as questes que envolviam o que ficou

    conhecido como darwinismo social e racismo cientifico se despontaram e deram origem

    concepo eugenista da sociedade brasileira, qual foi estimulada a miscigenao

    para fins de branqueamento de sua populao. Tal conceito possua objetivos de

    melhorar as raas humanas.

    Analisar a historiografia africana refletir acerca do passado e presente dos

    negros no Brasil, desvendar os lados obscuros da Histria, desmitificar e

    desnaturalizar velhas doutrinas de superioridade branca. Repensar o processo de retirada

    dos africanos de seu pas, a escravido, as lutas de libertao, os movimentos culturais

    prprios, as contribuies sociedade tarefa do historiador e educador preocupado

    com leituras do passado democrticas. Mediar um conhecimento baseado em uma

    realidade bem diferente das teorias formuladas por grande parte dos pensadores

    europeus, com o abandono da viso preconceituosa e de vises maniquestas de

    civilizado e brbaro contribuir para a efetivao da aplicao da Lei 10.639/ 03.

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    Recebido em Julho de 2013 Aprovado em Agosto de 2013

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