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    DISCIPLINA:

    SOCIOLOGIA, RELAÇÕES ETNICO-CULTURAISE DIREITOS HUMANOS

    Autoria: TATYANA LÉLLIS DA MATTA E SILVA

    Vitória, 2016

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    Sociologia, Relações Étnico-culturais e Direitos Humanos

    Diretor Executivo: Tadeu Antonio de Oliveira PeninaDiretora Acadêmica: Eliene Maria Gava FerrãoDiretor Administrativo Financeiro: Fernando Bom Costalonga

    NEAD – Núcleo de Educação à Distância

    GESTÃO ACADÊMICA - Coord. Didático Pedagógico

    GESTÃO ACADÊMICA - Coord. Didático Semipresencial

    GESTÃO DE MATERIAIS PEDAGÓGICOS E METODOLOGIA

    Coord. Geral de EAD

    BIBLIOTECA MULTIVIX(Dados de publicação na fonte)

    S586s

    Silva, Tatyana Léllis da Matta.

    Sociologia, relações étnico-culturais e direitos humanos / Tatyana Léllisda Matta Silva. – Vitoria : Multivix, 2016.

    103 f. ; 30 cm

    Inclui referências.

    1. Sociologia 2. Direitos humanos 3. Relações étnico-culturais I.Faculdade Multivix. II. Título.

    CDD: 301

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    Sociologia, Relações Étnico-culturais e Direitos Humanos

    Disciplina: Sociologia, relações étnico-culturais e Direitos Humanos Autoria:Tatyana Léllis da Matta e Silva

    Primeira Edição: 2016

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    SUMÁRIO

    1º BIMESTRE ................................................................................ . 51 UNDIADE 1 - INTRODUÇÃO ......................................................... . 6

    2 UNIDADE 2 - NOÇÕES GERAIS DE SOCIOLOGIA ...................... .8 2.1 SENSO COMUM X CONHECIMENTO CIENTÍFICO ............................... . 9 2.1.1 O SENSO COMUM .......................................................................................... ..92.1.2 CONHECIMENTOCIENTÍFICO ........................................................................... ..112.2 O OLHAR SOCIOLÓGICO ............................................................................. 12

    3 UNIDADE 3 - SOCIOLOGIA CLÁSSICA................................... 143.1 O POSITIVISMO E O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA .......................... 14 3.2 ÉMILE DURKHEIM ......................................................................................... 153.3 MAX WEBER .................................................................................................. 183.4 KARL MARX .................................................................................................. 21

    4 UNIDADE 4 - SOCIOLOGIA NO SÉCULO XX ...................................... 264.1 GEORG SIMMEL E A VIDA NA CIDADE MODERNA ..................................... 264.2 A ESCOLA DE CHICAGO E A SOCIOLOGIA URBANA ................................. 294.3 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA ...................................... 32

    4.4 PIERRE

    BOURDIEU:

    PODER

    SIMBÓLICO

    E

    VIOLÊNCIA

    SIMBÓLICA ........ 36

    5 UNIDADE 5 - SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA .............................. 415.1 CRISE DOS PARADIGMAS SOCIOLOGICOS E A PÓSMODERNIDADE ..... 415.2 IDENTIDADE E CULTURA NA PÓS-MODERNIDADE ................................... 41

    2º BIMESTRE ................................................................................ 47

    6 UNIDADE 6 - RELAÇÕES ÉTNICAS E RELAÇÕES CULTURAIS 486.1 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA .................................................. 48

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    6.2 ETNOCENTRISMO ........................................................................................ 506.3 RELATIVISMO CULTURAL ............................................................................ 546.4 ETNIA X RAÇA ............................................................................................... 566.5 MULTICULTURALISMO ................................................................................. 626.6 INTERCULTURALIDADE ............................................................................... 63

    7 UNIDADE 7 - CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DIREITOSHUMANOS ........................................................................................................ 657.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS .................................................................. 667.1.1 A MAGNACARTA (1215) ............................................................................... 67

    7.1.2 A PETIÇÃO DEDIREITOS(BILL OFRIGHTS – 1628) .......................................... 67 7.1.3 A DECLARAÇÃO DEINDEPENDÊNCIA DOSESTADOS UNIDOS DAAMÉRICA(1776) 847.1.4 A DECLARAÇÃO DOSDIREITOS DOHOMEM E DOCIDADÃO(1789) .................... 697.1.5 A PRIMEIRACONVENÇÃO DEGENEBRA(1864) ................................................ 707.1.6 A ORGANIZAÇÃO DASNAÇÕES UNIDAS(ONU – 1945) ................................... 707.1.7 A DECLARAÇÃOUNIVERSAL DOSDIREITOSHUMANOS(1948) .......................... 717.2 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA ............................................................ 73

    7.2.1 A CIDADANIA SEGUNDO ATEORIACLÁSSICA DET. H. MARSHALL ..................... 747.2.2 NOVAS CONFIGURAÇÕES DOCONCEITO DECIDADANIA .................................... 78

    8 UNIDADE 8 - DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES ETNICO-CULTURAIS NA SOCIEDADE.......................................................... 828.1 A IDEIA DE MINORIA .................................................................................... 828.2 GÊNERO E SUBJETIVIDADE ....................................................................... 85

    8.3 AÇÕES AFIRMATIVAS E AÇÕES TRANSFORMATIVAS ............................. 92

    9 REFERÊNCIAS .......................................................................... 98

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    1º Bimestre

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    1 UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO

    A Sociologia tem sua origem no Século XIX. Três acontecimentos são consideradosfundamentais para a origem dessa ciência: O primeiro é de ordem econômica: arevolução industrial. O segundo é de ordem política: a revolução francesa, e oterceiro, de ordem cultural, são na verdade dois: o iluminismo e o renascimento.Esses acontecimentos mudaram o rumo da história da Humanidade, alterando seusaspectos econômicos, políticos e culturais, dando origem a estrutura do mundoatual. Essas transformações geraram inúmeras dúvidas e questionamentos sobre omotivo delas ocorrerem, as causas e consequências delas, e como agir diante detudo o que estava acontecendo. Essa necessidade de compreensão da sociedade ede saber como proceder neste grande momento de crise foi o que fomentou acriação da Sociologia.

    Concebida inicialmente na Europa, para resolver problemas de uma Modernidadeindustrial localizada, durante muito tempo, embora oficialmente a Sociologia tivessepor objeto as relações sociais em geral, desenvolveu-se ao redor dos problema das

    grandes capitais europeias, a vida na cidade e o mundo do trabalho/consumo, bemcomo as relações de poder neles desenvolvidas, deixando em segundo plano outrasquestões igualmente graves e contemporâneas daquele meio social, seja pelaretirada da mulher de casa para compor a força de trabalho, ou pela colonização edescoberta de novos continentes e culturas, retomando a perspectiva globalizantedas navegações do Século XV e consequentemente seus discursos sobre a divisãoda Humanidade não apenas em raças, bem como em estágios de evolução e de

    civilização distintos.

    A globalização e o advento das transformações sofridas no Século XX, mormentecom a Segunda Guerra Mundial, no entanto, trouxeram à tona novas questões que asociologia clássica não tinha ferramentas para avaliar. Talvez a maior, a questão daidentidade e da subjetividade dos indivíduos, que levaria a rediscussão de conceitosaté então intocados como modernidade, civilização, cultura, raça e gênero, abrindo

    novas questões principalmente nos chamados Estados Democráticos que adotam aperspectiva dos Direitos Humanos, onde o acesso aos direitos e o respeito às

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    subjetividades são condição para a cidadania e a própria condição humana.

    É assim que, sobretudo no Século XXI, somam-se às perguntas centrais dasociologia clássica temáticas sobre o lugar e os direitos que cabem àqueles que nãoeram representados pelo homem europeu da Era Industrial. Nesse contexto, estadisciplina via ampliar o escopo do estudante para uma compreensão maior e,portanto, mais próxima da realidade social das questões sociais mais relevantesacerca das relações culturais étnicas e dos Direitos Humanos no contexto de nossasociedade, a fim de permitir um olhar crítico dos mesmo sobre os atuais problemassociais.

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    2 UNIDADE 2 - NOÇÕES GERAIS DE SOCIOLOGIA

    A Sociologia surgiu como disciplina no século XVIII, como resposta acadêmica paraum desafio que estava surgindo: o início da sociedade moderna. Com a RevoluçãoIndustrial e posteriormente com a Revolução Francesa (1789), iniciou-se uma novaera no mundo, com as quedas das monarquias e a constituição dos Estadosnacionais no Ocidente. A Sociologia surge então para compreender as novas formasdas sociedades, suas estruturas e organizações.

    Atualmente, além de suas aplicações no planejamento social, na condução deprogramas de intervenção social e no planejamento de programas sociais egovernamentais, o conhecimento sociológico é também um meio possível deaperfeiçoamento do conhecimento social, na medida em que auxilia os interessadosa compreender mais claramente o comportamento dos grupos sociais, assim como asociedade com um todo. Sendo uma disciplina humanística, a Sociologia é umaforma significativa de consciência social e de formação de espírito crítico.

    Sociólogos fazem uso frequente de técnicas quantitativas de pesquisa social (comoa estatística) para descrever padrões generalizados nas relações sociais. Isto ajudaa desenvolver modelos que possam entender mudanças sociais e como osindivíduos responderão a essas mudanças. Em alguns campos de estudo daSociologia, as técnicas qualitativas — como entrevistas dirigidas, discussões emgrupo e métodos etnográficos — permitem um melhor entendimento dos processossociais de acordo com o objetivo explicativo.

    Mais que sua aplicação em planejamentos, pesquisas e programas de intervenção,o conhecimento sociológico funciona também como uma disciplina humanística, nosentido de aperfeiçoamento do espírito, na medida em que compreende melhor ocomportamento dos outros, a sua própria situação e a sociedade como um todo.Sendo uma disciplina humanística, a Sociologia é uma forma significativa deconsciência social.

    Assim, a Sociologia nasce da própria sociedade, e por isso mesmo essa disciplina

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    pode refletir interesses de alguma categoria social ou ser usado como funçãoideológica, contrariando o ideal de objetividade e neutralidade da ciência. Nessesentido, se expõe o paradoxo das Ciências Sociais, que ao contrário das ciências danatureza (como a biologia, física, química etc.), as ciências da sociedade estãodentro do seu próprio objeto de estudo, pois todo conhecimento é um produto social.Se isso a priori é uma desvantagem para a Sociologia, num segundo momentopercebemos que a Sociologia é a única ciência que pode ter a si mesma comoobjeto de indagação crítica.

    2.1 SENSO COMUM X CONHECIMENTO CIENTÍFICO

    2.1.1 O SENSO COMUM

    No seu dia-a-dia, o homem adquire espontaneamente um modo de entender e atuarsobre a realidade. Algumas pessoas, por exemplo, não passam por baixo deescadas, porque acreditam que dá azar; se quebrarem um espelho, sete anos deazar. Algumas confeiteiras sabem que o forno não pode ser aberto enquanto o bolo

    está assando, senão ele "sola".

    Como aprenderam estas informações? Elas foram sendo passadas de geração ageração. Elas não só foram assimiladas, mas também transformadas, contribuindoassim para a compreensão da realidade. Assim, se o conhecimento é produto deuma prática que se faz social e historicamente, todas as explicações para a vida,para as regras de comportamento social, para o trabalho, para os fenômenos da

    natureza, etc., passam a fazer parte das explicações para tudo o que observamos eexperimentamos.

    Todos estes elementos são assimilados ou transformados de forma espontânea. Porisso, raramente há questionamentos sobre outras possibilidades de explicações paraa realidade. Acostumamo-nos a uma determinada compreensão de mundo e nãomais questionamos; tornamo-nos "conformistas de algum conformismo". Sãoinúmeros os exemplos presentes na vida social, construídos pelo "ouvi dizer", queformam uma visão de mundo fragmentada e assistemática. Mesmo assim, é uma

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    forma usada pelo homem para tentar resolver seus problemas da vida cotidiana.Isso tudo é denominado de senso comum ou conhecimento espontâneo.

    Portanto, podemos dizer que o senso comum é o conhecimento acumulado peloshomens, de forma empírica, porque se baseia apenas na experiência cotidiana, semse preocupar com o rigor que a experiência científica exige e sem questionar osproblemas colocados justamente pelo cotidiano. Contudo, o senso comum é tambémum saber ingênuo, vez que não possui uma postura crítica.

    Em geral, as pessoas percebem que existe uma diferença entre o conhecimento do

    homem do povo, às vezes até cheio de experiências, mas que não estudou, e oconhecimento daquele que estudou determinado assunto. E a diferença é que oconhecimento do homem do povo foi adquirido espontaneamente, sem muitapreocupação com método, com crítica ou com sistematização. Ao passo que oconhecimento daquele que estudou algo foi obtido com esforço, usando-se ummétodo, uma crítica mais pensada e uma organização mais elaborada dosconhecimentos. (LARA, p. 56, 1983).

    Porém, é importante destacar que o senso comum é uma forma válida deconhecimento, pois o homem precisa dele para encaminhar, resolver ou superarsuas necessidades do dia-a-dia. Os pais, por exemplo, educam seus filhos mesmonão sendo psicólogos ou pedagogos, e nem sempre os filhos de pedagogos oupsicólogos são educados melhor. O senso comum é ainda subjetivo ao permitir aexpressão de sentimentos, opiniões e de valores pessoais quando observamos as

    coisas à nossa volta.

    Por exemplo: a) se uma determinada pessoa não nos agrada, mesmo que ela tenhaum grande valor profissional, torna-se difícil reconhecer este valor. Neste caso, aantipatia por esta determinada pessoa nos impede de reconhecer a sua capacidade;b) os hindus consideram a vaca um animal sagrado, enquanto nós, ocidentais,concebemos este animal apenas como um fornecedor de carne, leite, entre outros.Por essa razão os consideramos ignorantes, pois tendemos a julgar os povos, quepossuem uma cultura diferente da nossa, a partir do nosso entendimento valorativo.

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    Levando-se em conta a reflexão feita até aqui, podemos considerar o senso comumcomo sendo uma visão de mundo precária e fragmentada. Mesmo possuindo o seuvalor enquanto processo de construção do conhecimento, ele deve ser superado porum conhecimento que o incorpore, que se estenda a uma concepção crítica ecoerente e que possibilite, até mesmo, o acesso a um saber mais elaborado, comoas ciências sociais.

    2.1.2 CONHECIMENTOCIENTÍFICO

    Os Gregos, na Antiguidade, buscavam através do uso da razão, a superação do

    mito ou do saber comum. O avanço na produção do conhecimento, conseguido poresses pensadores, foi estabelecer vínculo entre ciência e pensamento sistematizado(filosofia, sociologia...), que perdurou até o início da Idade Moderna. A partir daí, asrelações dos homens tornaram-se mais complexas bem como toda a forma deproduzir a sua sobrevivência.

    Gradativamente, houve um avanço técnico e científico, como a utilização da pólvora,

    a invenção da imprensa, a Física de Newton, a Astronomia de Galileu, etc. Foi noinício do século XVII, quando o mundo europeu passava por profundastransformações, que o homem se tornou o centro da natureza (antropocentrismo). Acompanhando o movimento histórico, ele mudou toda a estrutura do pensamentoe rompeu com as concepções de Aristóteles, ainda vigentes e defendidas pelaIgreja, segundo as quais tudo era hierarquizado e imóvel, desde as instituições e atémesmo o planeta Terra.

    O homem passou, então, a ver a natureza como objeto de sua ação e de seuconhecimento, podendo nela interferir. Portanto, podia formular hipóteses eexperimentá-las para verificar a sua veracidade, superando assim as explicaçõesmetafísicas e teológicas que até então predominavam. O mundo imóvel foisubstituído por um universo aberto e infinito, ligado a uma unidade de leis. Era onascimento da ciência enquanto um objeto específico de investigação, com ummétodo próprio para o controle da produção do conhecimento.

    Portanto, podemos afirmar que o conhecimento científico é uma conquista recente

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    da humanidade, pois tem apenas trezentos anos. Ele transformou-se numa práticaconstante, procurando afastar crenças supersticiosas e ignorância, através demétodos rigorosos, para produzir um conhecimento sistemático, preciso e objetivoque garanta prever acontecimento e agir de forma mais segura.

    Sendo assim, o que diferencia o senso comum do conhecimento científico é o rigor.Enquanto o senso comum é acrítico, fragmentado, preso a preconceitos e atradições conservadoras, a ciência preocupa-se com as pesquisas sistemáticas queproduzam teorias que revelem a verdade sobre a realidade, uma vez que a ciênciaproduz o conhecimento a partir da razão.

    Desta forma, o cientista, para realizar uma pesquisa e torná-la científica, deve seguirdeterminados passos. Em primeiro lugar, o pesquisador deve estar motivado aresolver uma determinada situação-problema que, normalmente, é seguida, poralgumas hipóteses. Usando sua criatividade, o pesquisador deve observar os fatos,coletar dados e então testar suas hipóteses, que poderão se transformar em leis e,posteriormente, ser incorporadas às teorias que possam explicar e prever os

    fenômenos.

    Porém, é fundamental registrar que a ciência não é somente acumulação deverdades prontas e acabadas. Neste caso, estaríamos refletindo sobre cientificismoe não ciência, mas tê-la como um campo sempre aberto às novas concepções econtestações sem perder de vista os dados, o rigor e a coerência e aceitando, que, oque prova que uma teoria é científica é o fato de ela ser falível e aceitar ser refutada.

    2.2 O OLHAR SOCIOLÓGICO

    O olhar sociológico é um olhar de estranhamento e de desnaturalização dasrelações sociais. Pressupõe um afastamento do objeto de estudo social para que seconsiga uma análise crítica, profunda, não-imediatista e isenta de preconceitos darealidade social observada. Problema: como estudar a nossa própria sociedadeestando inseridos nela? Nossas crenças e valores não corromperiam a nossaanálise, tirando-lhe a objetividade

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    Segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens (2005),

    um sociólogo é alguém capaz de se libertar do quadro das suas

    circunstâncias pessoais e pensar as coisas num contexto mais abrangente. A imaginação sociológica implica, acima de tudo, abstrair-mo-nos dasrotinas familiares da vida quotidiana de maneira a poder olhá-las de formadiferente.

    O olhar sociológico permite-nos tomar consciência de que o mundo não é assimporque sempre foi; que as pessoas não são como são porque assim nasceram, masporque assim se tornaram. Isso nos permite ter a chamada consciência sócio-histórica, isto é, saber que somos fortemente influenciados pelas condições sócio-

    históricas em que vivemos. É um olhar que pode nos ajudar a compreender asdiferenças culturais, a avaliar efeitos de políticas e a desenvolver uma consciênciacrítica e racional.

    Estamos acostumados a encarar tudo como natural, inclusive as relações sociais;como se o mundo, as sociedades e as culturas fossem "naturais". Tendemos aimaginar que sempre foram da forma como são e, portanto, sempre serão dessa

    forma. Para desenvolver um olhar sociológico é preciso quebrar tal forma de encarara realidade e admitir a racionalidade e o relativismo nas questões sociais. Através doolhar sociológico podemos perceber a verdadeira intenção ou a essências dasrelações sociais que se mostram apenas na aparência .

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    3 UNIDADE 3 - SOCIOLOGIA CLÁSSICA

    3.1 O POSITIVISMO E A ORIGEM DA SOCIOLOGIA

    A primeira corrente de pensamento sociológico propriamente dita foi o Positivismo,que inicialmente organizou em termos de teoria alguns princípios a respeito dohomem e da sociedade tentando explicá-los de maneira científica. Coube a eladefinir de forma clara e precisa o objeto dessa nova ciência social que surgia,estabelecendo conceitos e uma metodologia de investigação própria e capaz deexplicar a especificidade do estudo científico da sociedade. Seu primeirorepresentante e principal sistematizador foi o pensador francês Auguste Comte 1.

    O nome positivismo tem origem no adjetivo “positivo”, que significa certo, seguro,definitivo. Como escola f ilosófica, derivou do “cientificismo”, isto é, da crença nopoder dominante e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-lasob forma de leis, que seriam a base regulamentação da vida do homem, danatureza e do próprio universo.

    O positivismo reconhecia que os princípios reguladores do mundo físico e do mundosocial diferiam quanto à sua essência: os primeiros diziam respeito aacontecimentos e aos homens; os outros, à questões humanas. Entretanto, a crençana origem natural de ambos teve o poder de aproximá-los. Além disso, a rápidaevolução dos conhecimentos das ciências naturais – física, química, biologia - e osucesso de suas descobertas atraíram os primeiros cientistas sociais para seu

    método de investigação. O próprio Comte, antes de criar o termo “Sociologia”,chamou de “Física Social”.

    A filosofia social positivista se inspirava no método de investigação das ciências

    1 Nasceu em Montpellier, França, de uma família católica e monarquista. Viveu a infância na Françanapoleônica. Estudou na Escola Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint Simon, de quem sofreu enormeinfluência. Devotou seus estudos à filosofia positivista, considerada por ele como uma religião da qual erapregador. Segundo sua filosofia política, existiam na história três estados: um teológico, outro metafísico e

    finalmente o positivo. Este último representava o coroamento do progresso da humanidade. Sobre as ciências,distinguia as abstratas das concretas, sendo que a ciência mais complexa e profunda seria a Sociologia.Publicou Curso de filosofia positiva, Discurso sobre o espírito positivo, Discurso sobre o conjunto do positivismo,Sistema de política positivista, Sistema de política positivista e Síntese subjetiva.

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    natureza, assim como procurava identificar na vida social as mesmas relações eprocurava identificar na vida social as mesmas relações e princípios com as quais oscientistas explicavam a vida natural. A própria sociedade foi concebida como umorganismo constituído de partes integradas e coesas, que funcionavamharmonicamente segundo um modelo físico ou mecânico.

    Nas palavras do autor

    O positivismo se compõe essencialmente de uma filosofia e de uma política,necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta deum mesmo sistema universal, onde a inteligência e a sociabilidade se

    encontram intimamente combinados. De uma parte, a ciência social não ésomente a mais importante de todas, mas fornece, sobretudo, o único elo,ao mesmo tempo lógico e cientifico, que de agora em diante comporta oconjunto de nossas contemplações [...] (COMTE, 2000, p.71)

    Ao propor uma reforma intelectual da sociedade, Comte sustenta que odesenvolvimento do conhecimento humano se desenrolou num movimento históricodividido em três etapas. No primeiro estágio, o teológico, conhecimento ancorava-senas crenças e superstições. No segundo, denominado metafísico, baseava-se na

    lógica filosófica, já no terceiro, o positivo, ao qual vivia, o conhecimento seriabaseado na ciência.

    A maioria dos primeiros pensadores sociais positivistas permaneceu presa a umareflexão de natureza filosófica sobre a história e a ação humanas. Procedimentos denatureza científica, análises sociológicas baseadas em fatos observados, com maiorsistematização teórica e metodologia de pesquisa, só seriam introduzidos por Émile

    Durkheim, que estudaremos a seguir.

    3.2 ÉMILE DURKHEIM

    Émile Durkheim2 foi um dos pensadores que mais contribuiu para a consolidação daSociologia como ciência empírica e para sua instauração no meio acadêmico,

    2 Nasceu em Épinal, na França, descendente de uma família de rabinos. Iniciou seus estudos filósofos na EscolaNormal Superior de Paris, indo depois para a Alemanha. Lecionou Sociologia em Bordéus, primeira cátedradessa ciência criada na França. Transferiu-se em 1902 para Sorbonne, reunindo-se num grupo que ficouconhecido como escola sociológica francesa. Suas principais obras foram: Da divisão do trabalho social, As

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    tornando-se primeiro professor universitário da disciplina. O Sociólogo francês viveunuma Europa conturbada por guerras e em vias de modernização, e sua produçãoreflete a tensão entre valores e instituições que estavam sendo corroídos e formasemergente cujo perfil ainda não se encontrava totalmente configurado. Por isso, aretomada do estudo científico da sociedade foi favorecida por este momentohistórico pelo qual atravessava a Europa e principalmente a França.

    Motivado por essas mudanças Durkheim dedicou-se a um vasto repertório de temasque vão da emergência do indivíduo à origem da ordem social, da moral ao estudoda religião, da vida econômica à análise divisão social do trabalho, chegando à

    educação. Herdeiro também do positivismo, dedicou-se a constituir o objeto dasociologia e as regras para desvendá-lo. A obra mais importante nesse sentido foi“As regras do método sociológico”, na qual o autor procurou instituir a fronteira entrea sociologia e as demais ciências, dando-lhe autonomia e objetividade. No referidotrabalho, definiu o que entendi por fatos sociais, que de acordo com o autorconstituiriam o objeto da sociologia.

    A Sociologia pode ser definida, segundo Durkheim, como a ciência “das instituições,da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de “toda crença, todocomportamento instituído pela coletividade” Na fase positivista que marca o início desua produção, considera que, para tornar-se uma ciência autônoma, essa esfera doconhecimento precisava delimitar seu objeto próprio: os fatos sociais .

    Conservador, seguidor do positivismo de Augusto Comte, tinha como teoria

    sociológica a Sociologia funcionalista, criada por ele mesmo. Durkheim parte daideia de que a sociedade (objeto) é superior ao indivíduo (sujeito), pois as estruturassociais são criadas pelos homens, mas passam a funcionar independentementedeles, controlando suas ações.

    Seu método funcionalista tem como primeira regra fundamental considerar os fatossociais como coisas, que parte do princípio de que a realidade social é idêntica a

    regras do método sociológico, Formas elementares da vida religiosa, educação e sociologia, Sociologia e filosofia de Lições de sociologia.

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    realidade da natureza, pois as “coisas” da natureza funcionam de modoindependente das ações humanas (assim como a sociedade).

    Os fatos sociais são o seu objeto de estudo. Eles são de caráter exterior (provém dasociedade e não do indivíduo), objetivo (Existe independentemente do indivíduo) ecoercitivo (são impostos pela sociedade ao indivíduo). Sendo assim, eles sãoprodutos da sociedade. Esses fatos sociais existem porque cumprem uma função,explicá-los seria demonstrar a função que eles exercem. Durkheim comparava asociedade como um corpo vivo, no qual cada órgão cumpre uma função. Essesórgãos podem ser: o governo, a escola, a religião, a família, o exército, as leis,

    empresas, lazer, etc.

    Além da criação do método funcionalista, Durkheim trabalhou como teoria damodernidade, a análise da função que a divisão social do trabalho (1893) exercianas sociedades modernas. Neste período, a sociedade passava por um processo deevolução caracterizado pela diferenciação social. Esse processo se inicia nasolidariedade mecânica e termina na solidariedade orgânica. Durkheim constrói sua

    teoria interpretando esses dois tipos de sociedade a partir de três componentesbásicos: Os laços de solidariedade existentes na comunidade, a sua organização eas suas leis. Assim temos referente a solidariedade mecânica e a solidariedadeorgânica:

    A consciência coletiva X divisão social do trabalho; Sociedades segmentadas Xsociedades diferenciadas; o Direito repressivo X Direito restitutivo. São três os

    fatores que Durkheim utiliza para analisar e explicar o processo de evolução dasociedade: o volume, a densidade material e a densidade moral. Com a análise,Émile chega a conclusão de que a sociedade orgânica dá lugar a mecânica quandohá um crescimento populacional (volume), fazendo com que aja uma maiorocupação do espaço demográfico (densidade material). Ocorre então umanecessidade de distribuição e especialização de funções. Esse processo é chamadopor Durkheim de divisão social do trabalho. Nessa sociedade orgânica que surge,devido a especialização de funções, os indivíduos passam a depender mais uns dosoutros, fazendo com que aja a coletividade. Durkheim afirma que a função primordialda divisão social do trabalho é uma função moral, que está acima da intenção do

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    aumento de produção da indústria. Essa função é a de criar um sentimento desolidariedade entre as pessoas.

    Além da divisão social do trabalho, Durkheim fez outros estudos importantes damodernidade, como o suicídio e as formas elementares da vida religiosa. A partirdesses estudos, Durkheim pôde ressaltar elementos importantes do mundo modernocomo o crescimento do individualismo no ocidente e a complexidade da sociedade.E são essas as suas principais contribuições para o pensamento sociológico.

    O projeto político de Durkheim é conservador/positivista e a favor da sociedade

    moderna (capitalista). A sua função era apontar os problemas passageiros enormalizar a situação. O lema dos teóricos do positivismo, era “ordem e progresso” eseu objetivo, como diz Sell (2001): era “a integração da sociedade em um todoordenado e coerente, fundado em valores sólidos e eternos” . Sua política colocatoda ênfase no equilíbrio (das partes do corpo) e na integração social, e todas asformas de conflito ou de contestação são vistos como desvios e anomalias queprecisam ser eliminados.

    3.3 MAX WEBER

    As ciências sociais ganham um novo rumo com o advento da proposta da SociologiaCompreensiva de Max Weber 3, sobretudo na releitura da relação indivíduo -sociedade. Nesse capítulo, conheceremos os principais aspectos de sal teoria s, usaproposta metodológica para a Sociologia e sua crítica à produção do conhecimento

    sobre a sociedade no modelo positivista, enfatizando a importância de secompreender as transformações da racionalidade do capitalismo moderno. Acompreensão das formas de dominação que permeiam as relações sociais éfundamental para a compreensão do modelo educacional que Weber apresenta,

    3 Nasceu na cidade de Erfurt (Alemanha), numa família de burgueses liberais. Desenvolveu seus estudos dedireito, filosofia, história e sociologia, constantemente interrompidos por uma doença que o acompanhou portoda a vida. Iniciou a carreira de professor em Berlim e em 1895, foi catedrático da Universidade de Heidelberg.Na política, defendeu com afinco seus pontos de vista liberais e parlamentaristas. Sua maior influência nosramos especializados da sociologia foi o estudo das religiões, estabelecendo relações entre formações políticas ecrenças religiosas. Suas principais obras foram: Artigos reunidos de teoria da ciência: Economia e Sociedade(obra póstuma) e A ética protestante e o espírito do capitalismo.

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    Portanto, o sociólogo também não pode tratar os seus conceitos como se fossemuma captação da realidade, pois o tipo ideal não se encontra de forma “pura” narealidade. É apenas uma construção teórica elaborada pelo sociólogo para umaaproximação mais objetiva da realidade e que está presente na sociedade de acordocom seu contexto (social, político, religioso, etc.). Não encontramos, por exemplo,uma sociedade que tenha apenas o tipo de ação social tradicional ou o tipo de açãoreferente a fins. Todos esses tipos de ações estabelecidas por Weber, na verdade,aparecem todas juntas no grupo social. O objetivo dos conceitos, como esclareceSell (2001): é “[...] permitir às suas pesquisas clareza conceitual quanto aos objetos

    estudados, bem como um entendimento dos traços típicos que permitem entendê-los.”

    O conceito de modernidade em Weber parte da ideia de que a modernidade se dápelo processo de racionalização do ser humano. Por isso ele vai estudar a religiãopara entender a modernização. Para Weber, a razão trouxe vantagens edesvantagens para a sociedade. Se por um lado ela trouxe a ciência e a técnica, do

    outro ela trouxe a perda de sentido e a perda de liberdade. De acordo com ele, aciência não pode substituir a religião.

    Weber então vai analisar a influência que a religião exerce na economia.Primeiramente ele estuda o protestantismo X capitalismo, depois ele vai estudar asdiversas outras religiões de diferentes países, chegando a conclusão de que aracionalidade está presente em todas elas, mas não houve um progresso dela como

    no ocidente. Então surge a questão que passa a orientar a sua pesquisa: Qual é omotivo específico da evolução da racionalização no ocidente?

    O sociólogo alemão então vai chegar a conclusão de que o protestantismo, não é aúnica, mas a principal causa, a “mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida” que é o capitalismo. A primeira contribuição para esse processoparte da igreja Luterana com a sua concepção de “vocação”. Para Lutero, a vocaçãoé o chamado de Deus para determinadas práticas profissionais, por isso elas devemser cumpridas com determinação e disciplina para que possa alcançar a salvação.

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    Além dessa concepção luterana, algumas seitas como o calvinismo, pietismo,metodismo e seitas batistas, que foram estudadas por Weber, também contribuírampara o avanço do capitalismo devido a doutrina de predestinação, a qual os homenssão predestinados por Deus para a salvação ou condenação, e a maneira de obterindícios sobre a sua predestinação é obtendo sucesso no trabalho.

    Mais do que a origem do capitalismo, Weber notou também que o protestantismofavoreceu a racionalização da vida, pois, Sell explica: “A partir deste processo, avida das pessoas passou a ser movida pelo sistema econômico [...]”.

    Uma vida metódica, dedicada ao trabalho, de forma disciplinada eordenada: é neste sentido que o comportamento do protestante representauma forma extremamente racionalizada de vida. Quando a motivaçãoreligiosa do trabalho em busca da riqueza desaparece, mas esta formaordenada de vida se perpetua por força própria, a sociedade atingiu seunível máximo de racionalização. A origem do capitalismo, portanto, faz partede um processo mais amplo, chamado por Weber de” desencantamento domundo”. A racionalização da vida, representada pela influência doprotestantismo e pela origem do capitalismo, é uma de suas etapas finais.(SELL, 2001)

    Além do ocidente, Weber também estudou sobre quais os motivos do oriente não teratingido a racionalização como nós, do ocidente. A posição política de Max Weber éneutra. Para ele, o sociólogo não deve apontar um projeto político como sendomelhor ou pior. A sua função é indicar as consequências da adoção de determinadosistema.

    3.4 KARL MARX

    Mesmo sem a pretensão de ser sociólogo, Karl Marx4 empreendeu uma das maisrelevantes análises sobre a sociedade industrial moderna, cujo reflexo se vê nasobras de pensadores das mais diversas áreas até hoje. Nessa unidade,

    4 Nascido na Alemanha, em 1836, matriculou-se na Universidade de Berlim, doutorando-se em filosofia, emIena. Foi redator de uma gazeta liberal em Colônia. Mudou-se em 1842 para Paris, onde conheceu FriedrichEngels, seu companheiro de ideias e publicações por toda a vida. Expulso da França em 1845, foi para Bruxelas,onde participou da recém-fundada Liga dos Comunistas. Com o Malogro das revoluções sócias de 1848, Marxmudou-se para Londres, onde se dedicou a um grandioso estudo crítico da economia política. Foi um dosfundadores da Associação Internacional dos Operários ou Primeira Internacional. Morreu em 1883, apósintensa vida política e intelectual. Suas principais obras foram: A ideologia Alemã, Miséria da filosofia , Omanifesto Comunista , Para a crítica da economia política e a luta de classe em O capital.

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    conheceremos o método utilizado pelo autor para desenvolver uma análise socialbaseada na existência e luta de classes, baseada nas relações materiais deprodução personificadas no seu conceito de trabalho.

    Para Marx, o homem, principal elemento das forças produtivas é o responsável porfazer a ligação entre a natureza e a técnica e os instrumentos. O desenvolvimentoda produção vai determinar a combinação e o uso desses diversos elementos:recursos naturais, mão de obra disponível, instrumentos e técnicas produtivas. Acada forma de organização das forças produtivas corresponde uma determinadaforma de relação de produção.

    As relações de produções são as formas pelas quais os homens se organizam paraexecutar a atividade produtiva. Elas se referem às diversas maneiras pelas quaissão apropriados e distribuídos os elementos envolvidos no processo de trabalho:matérias-primas, os instrumentos e a técnica, os próprios trabalhadores e o produtofinal. Assim, as relações de produção podem ser num determinado momento,cooperativistas (como um mutirão), escravistas (como na Antiguidade), servis (como

    na Europa feudal) ou capitalistas (como na indústria moderna).

    Forças produtivas e relações de produção são frutos das condições naturais ehistóricas de toda atividade produtiva que ocorre em sociedade. A forma pela qualambas existem e são produzidas numa determinada sociedade constitui o que Marxdenominou “modo de produção”.

    Influenciado pelo idealismo dialético de Hegel, Marx cria o materialismo dialético,que é fielmente igual ao método do primeiro, porém o seu conteúdo é, na realidade,contrário ao Hegelianismo. Enquanto para Hegel a Tese (afirmação) era opensamento e a Antítese (negação) era a matéria, para Marx, a Tese era a matéria ea Antítese era o pensamento. O elemento central para entender o desenvolvimentoda sociedade, no materialismo dialético, é o trabalho (a ação do homem sobre amatéria).

    “[...] De acordo com o esquema dialético de Marx, é pelo trabalho que ohomem supera sua condição de ser apenas natural e cria uma novarealidade: a sociedade. Assim, se a matéria (mundo natural) representa a

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    tese, temos que o trabalho representa a antítese da matéria, que uma vezmodificada pelo homem gera a sociedade, que é a síntese. A sociedade é justamente a síntese do eterno processo dialético pelo qual o homem atuasobre a natureza e a transforma.” (Sell, 2001)

    O trabalho é o conceito fundamental de toda a teoria marxista, porque sem ele nãoexistiria vida social, não existiria nem ser humano.

    O método dialético também permitiu a Marx repensar a relação entre indivíduo esociedade, como aponta Sell: “Na teoria marxista, a relação do homem com asociedade não é reduzida a um ou outro dos pólos, como faziam as teoriasanteriores. Ou seja, o homem não é fruto exclusivo da sociedade, nem esta resultaapenas da ação humana. Na perspectiva dialética, existe uma eterna relação entreindivíduo e sociedade, que faz com que tanto a sociedade quanto o homem semodifiquem, desencadeando o processo histórico- social.”

    No materialismo dialético a história é fruto do trabalho humano (enquanto doidealismo dialético é o espírito), pois é o trabalho, que como meio de sobrevivência esatisfação de desejos e necessidades, estimula o processo histórico.

    A infraestrutura (economia) condiciona a superestrutura (política e cultura). Então,para explicar a sociedade, Marx vai analisar a economia, que é a base material, parasaber como ela estipula a vida política e ideológica da sociedade. Os doiselementos da infraestrutura são as forças produtivas e as relações de produção, eos dois elementos da superestrutura são o Estado e a ideologia. Para Marx, ainfraestrutura e a superestrutura compõem o modo de produção. É quando se altera

    esse modo de produção, que a sociedade se transforma.

    Mas o seu maior interesse era estudar os modos de produção capitalista paraentender o seu surgimento e criar um novo modo de produção que o supere. Abaixoveremos os principais conceitos formulados por Marx.

    Mercadoria e dinheiro : A mercadoria tem seu valor de uso (conteúdo da

    mercadoria) e seu valor de troca (capacidade de troca por outra mercadoria).Mas o que determina o valor de cada mercadoria? Marx diz que esse valor é

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    o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir o valor de uso, e odinheiro é o que intermedia a troca das mercadorias.

    No entanto, enfatiza Marx, o segredo de sua teoria está no fato de que elademonstra que dinheiro é mercadoria, logo mercadoria é trabalho. Quandoo dinheiro perde sua relação com o trabalho e parece ganhar vida própria,Marx chama este fenômeno de “fetichismo de mercadoria”. O capitaldesvinculado do trabalho aliena o ser humano da produção de suaexistência social. A alienação inverte o sentido das relações sociais: ohomem (sujeito) se torna objeto, enquanto o objeto (mercadoria) se tornasujeito. (SELL, 2001)

    A exploração e a mais valia : Uma característica do capitalismo é o lucro.Para Marx, a troca de mercadorias não tem mais como objetivo o valor de usoda mercadoria. O seu objetivo é o lucro que será gerado com a troca dasmercadorias. Mas de onde vem o lucro? Marx diz que a origem do lucroocorre no processo de produção e não no processo de circulação (troca) dasmercadorias. O lucro vem do tempo de trabalho não pago ao trabalhador, issoé chamado por Marx de Mais Valia. Sendo assim, o lucro se origina daexploração do trabalhador. É por isso que Marx dedica a sua vida a denunciaro sistema capitalista, um sistema que favorece a burguesia e explora ostrabalhadores.

    A sociedade sempre esteve segmentada em classes sociais, e de acordo com Marx,a sociedade vai se dividindo cada vez mais em dois campos inimigos: Burguesia eProletariado. Ele diz que a burguesia foi importante para dissolver o feudalismo, masagora, é a vez do proletariado destruir o capitalismo.

    Para superar o capitalismo, Karl Marx cria um projeto político revolucionário: OComunismo. Marx Indica as fases do desenvolvimento comunista: "No iníciocombate as próprias máquinas; Depois passa a defender seus direitos(sindicalismo); Após, se organiza enquanto classe social (partido político);Finalmente, desencadeia uma luta que termina com a revolução contra a burguesia.”

    A abolição das classes sociais e a abolição do Estado são características

    fundamentais do comunismo. Mas antes de derrubar o Estado, é preciso derrubar aburguesia, então Marx diz que é necessário um momento de transição do

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    capitalismo para o comunismo, e este momento é chamado de socialismo, no qual oproletariado irá utilizar do Estado para derrubar a burguesia.

    Depois que Karl Marx morreu, o movimento socialista se dividiu. Surgiram então osSocialistas Revolucionários (O socialismo deveria ser implantado por meio de umarevolução) e os Socialistas Reformistas (O socialismo deve ser alcançadoinicialmente pela eleição, seguido gradualmente de diversos conjuntos de reformas).

    Os Socialistas Revolucionários criaram a Revolução Russa. Já os SocialistasReformistas ainda não conseguiram implantar definitivamente o Socialismo, mas

    conseguiram realizar profundas mudanças (na Europa, por exemplo) melhorando avida dos trabalhadores.

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    4 UNIDADE 4 - SOCIOLOGIA NO SÉCULO XX

    4.1 GEORG SIMMEL E A VIDA NA CIDADE MODERNA

    Na virada do Século XX, o modo de vida da Europa Ocidental industrializada ecientificista já tinha se tornado a referência não só de modernidade, mas decontemporaneidade, tornando-se o paradigma dos estudos sociológicos.

    Em 1902, quando escreve , “A metrópole e a vida mental”, Georg Simmel5 afirma queos problemas mais graves da vida moderna nascem na tentativa do indivíduo depreservar sua autonomia e individualidade em face das esmagadoras forças sociais.Esta seria a mais recente transformação da luta do homem com a natureza para suaexistência física.

    Segundo o autor, o século XVIII exigiu a especialização do homem e de seutrabalho, e conclamou que se libertasse de suas dependências históricas quanto aoEstado e à religião, à moral e a economia. Dentre todas essas posições, o homem

    resistiria a ser nivelado e uniformizado por mecanismos sócio-tecnológicos. O autorpergunta então, como a personalidade se acomoda no ajustamento às forçasexternas.

    Segundo Simmel, há um profundo contraste entre a vida na cidade e a vida nocampo. O autor afirma que a metrópole extrai do homem uma quantidade diferentede consciência, sendo que a vida da pequena cidade descansa mais sobre

    relacionamentos profundamente sentidos e emocionais, ou seja, o homemmetropolitano reagiria com a cabeça em lugar do coração:

    5 Nasceu em Berlim, Alemanha, no dia 1º de março de 1858. Filho de próspero comerciante judeu que adotou ocatolicismo, e de mãe luterana, de origem judaica. Foi batizado como luterano, mas retirou-se da igreja, apesarde manter interesse filosófico na religião. Estudou História e Filosofia na Universidade de Berlim, concluindo odoutorado em 1881, com a tese intitulada “A Natureza da Matéria Segundo a Nomadologia Física de Kant.”Fundador da Sociologia das Formas Sociais, mostrando a relativa independência de forma e conteúdo social. Aolado de Durkheim, com quem colaborou para a revista L’Anné Sociologique, é considerado o fundador daSociologia como ciência autônoma das formas de associação. A investigação em torno da correspondência

    funcional na sociedade constituiu o tema central de seu trabalho, e por meio dela procurou desenvolver umasistemática incondicionada do social, ou seja, atemporalmente válida e independente dos fatores históricos.Entre suas obras destacam- se: “Philosophie des Geldes”, (1900), “Soziologie”, (1908), “Der Konflikt derModernem Kultur” (1918), “Zur Philosophie der Kunst” (1922) e “Fragment und Aufsätze”, (1923).

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    “A reação aos fenômenos metropolitanos é transferida àquele órgão que émenos sensível e bastante afastado da zona mais profunda dapersonalidade. A intelectualidade, assim se destina a preservar a vida

    subjetiva contra o poder avassalador da vida metropolitana”. (SIMMEL,1984)

    Entende-se, dessa forma, que a pessoa intelectualmente sofisticada é indiferente atoda a individualidade genuína que resulta em relacionamentos e reações que nãopodem ser exauridos com operações lógicas. Essa razão que dá lugar às emoções éexpressa no exercício de transformação de indivíduos em números, reduzindo assimtoda qualidade e individualidade à questão: quanto?

    Este aspecto contrasta profundamente com a natureza da pequena cidade, em queo inevitável conhecimento da individualidade produz diferentes tons decomportamento que vão além do mero balanceamento objetivo de serviços eretribuição. A metrópole, em contraste, é provida quase que inteiramente pelaprodução para o mercado, ou seja, para compradores desconhecidos que nuncaentram pessoalmente em contato com o produtor.

    Simmel ainda afirma que “através dessa anonimidade, os interesses de cada parteadquirem um caráter impiedosamente prosaico; e os egoísmos econômicosintelectualmente calculistas de ambas as partes não precisam temer qualquer falhadevida aos imponderáveis das relações pessoais”. Esse caráter assumido pelasrelações metropolitanas estaria intrinsecamente ligado à economia do dinheiro.Como exemplo dessa conjuntura Simmel cita um historiador inglês: “ao longo detodo o curso da história inglesa, Londres nunca funcionou como o coração daInglaterra, mas frequentemente como seu intelecto e sempre como sua bolsa dedinheiro!”.

    “A mente do homem moderno se tornou mais e mais calculista”, afirma o autor. Aeconomia do dinheiro criou uma exatidão na vida prática – através damatematização da natureza – que nunca tanto se pesou, calculou, ou se reduziutanto os valores qualitativos a valores quantitativos. Através da difusão dos relógiosde bolso, desenvolveu-se um tamanho controle do tempo sobre os indivíduos, queseria impossível realizar os afazeres típicos dos homens metropolitanos sem essa

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    mais est reita pontualidade. “Assim, a técnica da vida metropolitana é inimaginávelsem a mais pontual integração de todas as atividades e relações mútuas em umcalendário estável e impessoal”.

    Todo esse controle, expresso pela pontualidade, calculabilidade e exatidão sãointroduzidos à força na vida pela complexidade e extensão da existênciametropolitana. São instrumentos que favorecem a exclusão de traços e impulsosirracionais e instintivos que visam determinar o modo de vida de dentro, em lugar dereceber a forma de vida geral vinda de fora. Dessa forma, Simmel torna possívelentender o ódio de homens como Ruskin e Nietzsche pela metrópole, pois

    descobriram o valor da vida fora de esquemas, passando então, a odiar também aeconomia do dinheiro e o intelectualismo da existência moderna.

    Dessa forma entende-se a atitude blasé de determinados indivíduos e em especialdas crianças metropolitanas – quando apresentam comportamento indiferente emrelação às novidades do mundo sempre que comparadas às crianças de meios maistranquilos. Essa atitude, segundo Simmel, é um dos dois extremos do

    comportamento humano influenciado pela vida moderna, no qual a pessoa, em meioà economia do dinheiro e controle rígido do tempo, mergulha em sua própriasubjetividade sem se envolver com o ambiente externo.

    Além disso, há que se ressaltar o distanciamento cada vez maior dos concidadãos,muitas vezes através de uma espécie de desconfiança excessiva e de uma atitudede reserva em face às superficialidades da vida metropolitana. Essa reserva seria o

    fator que, aos olhos de pessoas de cidades pequenas, nos faz parecer frios e atémesmo um pouco antipáticos.

    Simmel ainda apresenta a ideia de metrópole como ilustração do princípio da uniãoem grupos sociais (partidos políticos, governos etc.). Esses grupos, inicialmentepequenos e coesos, por natureza, necessitam de regras para se manterem,diminuindo assim as liberdades individuais. Com o crescimento do grupo, atendência observada em todos os casos é das regras ficarem menos rígidas, dandouma maior liberdade aos indivíduos que compõem o grupo.

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    A antiga polis é um exemplo que parece ter o próprio caráter de uma cidadepequena. Eram constantes as ameaças externas, fazendo com que sedesenvolvesse uma estrita coerência quanto aos aspectos políticos e militares, umasupervisão de cidadão pelo cidadão, um ciúme do todo contra o individual, tendo,por fim, a vida individual suprimida. Segundo o autor “isto produziu uma atmosferatensa, em que os indivíduos mais fracos eram suprimidos e aqueles de naturezasmais fortes eram incitados a pôr-se à prova de maneira mais apaixonada”.

    Simmel ainda faz uma comparação interessante entre cultura objetiva, que seria acultura ligada a objetos, coisas, conhecimento, instituições; e a cultura subjetiva, que

    estaria ligada ao indivíduo. Para o autor há uma diferença grande no ritmo decrescimento das duas culturas. Enquanto a objetiva cresceu grandemente, motivadapela divisão do trabalho e sua crescente especialização – como em “O trabalhoalienado” de Karl Marx – a cultura subjetiva cresceu lentamente ou pode até mesmoter regredido em certos pontos como ética, idealismo, etc. “Não é preciso mais doque apontar que a metrópole é o genuíno cenário dessa cultura que extravasa detoda vida pessoal”, afirma.

    4.2 A ESCOLA DE CHICAGO E A SOCIOLOGIA URBANA

    A Escola Sociológica de Chicago, ou Escola de Chicago, surgiu nos Estados Unidos,na década de 1910, por iniciativa de sociólogos americanos que integravam o corpodocente do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, fundado pelohistoriador e sociólogo Albion W. Small.

    Tanto o Departamento de Sociologia como a Universidade de Chicago receberaminestimável ajuda financeira do empresário norte-americano John DavisonRockefeller. Entre 1915 e 1940, a Escola de Chicago produziu um vasto e variadoconjunto de pesquisas sociais, direcionado à investigação dos fenômenos sociaisque ocorriam especificamente no meio urbano da grande metrópole norte-americana.

    Com a formação da Escola de Chicago inaugura-se um novo campo de pesquisasociológica, centrado exclusivamente nos fenômenos urbanos, que levará à

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    constituição da chamada Sociologia Urbana como ramo de estudos especializados 6.O surgimento da Escola de Chicago está diretamente ligado ao processo deexpansão urbana e crescimento demográfico da cidade de Chicago no início doséculo 20, resultado do acelerado desenvolvimento industrial das metrópoles doMeio-Oeste norte-americano. Como decorrência desse processo, Chicagopresenciou o aparecimento de fenômenos sociais urbanos que foram concebidoscomo problemas sociais: o crescimento da criminalidade, da delinquência juvenil, oaparecimento de gangues de marginais, os bolsões de pobreza e desemprego, aimigração e, com ela, a formação de várias comunidades segregadas (os guetos).

    Todos esses problemas sociais (na época se utilizava o termo "patologia social") seconverteram nos principais objetos de pesquisa para os sociólogos da Escola deChicago. O mais importante a destacar é que os estudos dos problemas sociaisestimularam a elaboração de novas teorias e conceitos sociológicos, além de novosprocedimentos metodológicos.

    Robert Ezra Park7, considerado o grande ícone e precursor dos estudos urbanos,

    Ernest Watson Burgess e Roderick Duncan McKenzie elaboraram o conceito de"ecologia humana ", a fim de sustentar teoricamente os estudos de sociologiaurbana.

    O conceito de ecologia humana serviu de base para o estudo do comportamentohumano, tendo como referência a posição dos indivíduos no meio social urbano.

    A abordagem ecológica questiona se o habitat social (ou seja, o espaço físico e as6 A primeira geração de sociólogos da Escola de Chicago foi composta por Albion W. Small; Robert Ezra Park(1864-1944); Ernest Watson Burgess (1886-1966); Roderick Duncan McKenzie (1885-1940) e William Thomas(1863-1947). Foram eles que elaboraram o primeiro programa de estudos de sociologia urbana. Nas décadasseguintes, outros colaboradores se destacaram: Frederic Thrasher (1892-1970), Louis Wirth (1897-1952) eEverett Hughes (1897-1983).7 Robert Ezra Park (Harveyville, Kansas, 14 de fevereiro de 1864 — Nashville, Tennessee, 7 de fevereiro de1944) foi um sociólogo norte-americano e um dos mais eminentes pensadores da Escola de Chicago. Destaca-se por seus estudos em relações de raça, migração, assimilação, movimentos sociais e desorganização socialno espaço urbano, dedicando seus trabalhos à tentativa de fornecer um modelo para compreensão dosprocessos de interação entre indivíduos e comunidades e seu ambiente urbano. Sua produção acadêmica émarcada por seu método de pesquisa empírica, influenciado em grande parte por sua experiência enquanto

    jornalista: Park sempre defendeu a necessidade de observar concretamente o comportamento humano e asrelações entre indivíduos no contexto urbano, incentivando seus alunos a ir às ruas para ter contato direto comas comunidades marginalizadas da cidade. Grande parte de sua experiência empírica ocorreu em Chicago, quecomo muitas grandes cidades, é uma civilização comprimida em um pequeno espaço geográfico, apresentandouma dinâmica social marcada pela diversidade de grupos.

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    relações sociais) determina ou influencia o modo e o estilo de vida dos indivíduos.Em outras palavras, a questão central é saber até que ponto os comportamentosdesviantes (por exemplo, as várias formas de criminalidade) são produtos do meiosocial em que o indivíduo está inserido.

    O conceito de ecologia humana e a concepção ecológica da sociedade foram muitoinfluenciados pelas abordagens teóricas do "evolucionismo social" - marcante nasociologia em seu estágio inicial de desenvolvimento -, ao sustentarem umaanalogia entre os mundos vegetal e animal, de um lado, e o meio social integradopelos seres humanos (neste caso, a cidade), de outro.

    Considerando, então, a cidade como um amplo e complexo "laboratório social", aspesquisas sociológicas foram marcadas pelo uso sistemático dos métodos empíricos(para coleta de dados e informações sobre as condições e os modos de vidaurbanos).

    A teoria de Robert Park sobre a ecologia humana e as áreas naturais pressupõe

    uma analogia entre o mundo vegetal e animal, de um lado, e o mundo dos homens,de outro. Utiliza os conceitos de competição, processo de dominação e processo desucessão, para explicar tal similaridade. A cidade é apreendida por meio de umreferencial de análise analógico que tem por base a ecologia animal, daí identificar aEscola de Chicago como Escola Ecológica.

    Louis Wirth8, outro autor de destaque da Escola, afirma que a cidade produz uma

    cultura urbana que transcende os limites espaciais da cidade, afirmação totalmenteinovadora. A cidade atua e se desdobra para além de seus limites físicos, através dapropagação do estilo de vida urbano, e torna-se o locus do surgimento do urbanismocomo modo de vida.

    8 Louis Wirth (Gemünden, 28 de agosto de 1897 — Buffalo, 3 de maio de 1952) foi um sociólogo alemão, Wirthestudou nos Estados Unidos e se tornou uma figura de liderança na Escola de Chicago. Seus interesses incluíam

    a vida da cidade, grupo minoritário comportamento e meios de comunicação e ele é reconhecido como um dosprincipais sociólogos urbanos. A maior contribuição de Wirth para a teoria social do espaço urbano era umUrbanismo ensaio clássico como um modo de vida, publicado no American Journal of Sociology, em 1938.

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    administrado”. Essa ordem vigora aos moldes de um aparato tecnológico que, decerta forma, incide na sociedade o seu condicionamento padronizado, homogêneo e,sobretudo, sem a perspectiva de empreender a vida de cada indivíduo de formaautônoma.

    Com isso, cada pensador dessa linha contribuiu para o fomento da Teoria Crítica.Das obras marcantes restritas a cada autor tem-se: Max Horkheimer concentrou seupensamento em “Eclipse da Razão”, onde uma coletânea de textos perpetua assaza sua bagagem teórica, embora o filósofo sempre se encontrou produzindo artigos eoutros textos que o identificou como um árduo intelectual engajado em âmbito

    acadêmico.

    Teodor W. Adorno, que embora tenha se inserido na Teoria Crítica após o seu exílio,comprometeu-se em expor seu pensamento crítico na mesma perspectiva que osdemais, porém devem ser pontuadas, em sua reflexão, algumas divergências oudistonâncias. Em sua obra “Dialética Negativa”, Adorno enfrenta toda uma tradiçãohistórico-filosófica, incidindo nela a desconstrução da concepção de “dialética”.

    Em um texto clássico escrito em 1947, "Dialética do Iluminismo", Adorno eHorkheimer definiram indústria cultural como um sistema político e econômico quetem por finalidade produzir bens de cultura - filmes, livros, música popular,programas de TV etc. - como mercadorias e como estratégia de controle social.

    A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais e

    portais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesseem obter lucros e manter o sistema econômico vigente que as permitem continuaremlucrando. Portanto, vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas enovelas não como bens artísticos ou culturais, mas como produtos de consumo que,neste aspecto, em nada se diferenciariam de sapatos ou sabão em pó. Com isso, aoinvés de contribuírem para formar cidadãos críticos, manteriam as pessoas"alienadas" da realidade.

    Como afirmam no texto: "Filmes e rádio não têm mais necessidade de seremempacotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de

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    ideologia. Esta deverá legitimar os refugos que de propósito produzem. Filme e rádiose autodefinem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seusdiretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos."

    Para Adorno, os receptores das mensagens dos meios de comunicação seriamvítimas dessa indústria. Eles teriam o gosto padronizado e seriam induzidos aconsumir produtos de baixa qualidade. Por essa razão, indústria cultural substitui otermo cultura de massa, pois não se trata de uma cultura popular representada emnovelas da Rede Globo, por exemplo, mas de uma ideologia imposta às pessoas.

    E como a indústria cultural torna-se mecanismo de dominação política? Adorno eHorkheimer vislumbraram os meios de comunicação de massa como uma perversãodos ideais iluministas do século 18. Para o Iluminismo, o progresso da razão e datecnologia iria libertar o homem das crenças mitológicas e superstições, resultandonuma sociedade mais livre e democrática.

    Mas os pensadores da Escola de Frankfurt, que eram judeus, se viram alvos da

    campanha nazista com a chegada de Hitler ao poder nos anos 30, na Alemanha.Com apoio de uma máquina de propaganda que pela primeira vez usou em largaescala os meios de comunicação como instrumentos ideológicos, o nazismo erauma prova de como a racionalidade técnica, que no Iluminismo serviria para libertaro homem, estava escravizando o indivíduo na sociedade moderna.

    Nas mãos de um poder econômico e político, a tecnologia e a ciência seriam

    empregadas para impedir que as pessoas tomassem consciência de suas condiçõesde desigualdade. Um trabalhador que em seu horário de lazer deveria ler bonslivros, ir ao teatro ou a concertos musicais, tornando-se uma pessoa mais culta,questionadora e engajada politicamente, chega em casa e senta-se à frente da TVpara esquecer seus problemas, absorvendo a mesmos valores que predominam emsua rotina de trabalho. É desta forma que a indústria cultural exerceria controlesobre a massa. Como resultado, ao invés de cidadãos conscientes, teríamos apenasconsumidores passivos.

    Herbert Marcuse, assim como Adorno, passou a contribuir com a Teoria Crítica após

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    seu exílio nos Estados Unidos. Sua fundamentação crítica preserva a base danegação dialética, porém distancia-se de Adorno naquilo que julga, pela filosofia,uma forma ideal de sociabilidade, uma vez que para Adorno, a barbárie já estáposta, pois não há como fugir do sistema da ordem estabelecida.

    Nesse sentido, Marcuse é mais ameno, confiando à tecnicidade de um progressohumanitário, ressaltando a necessidade de conscientizar a massa trabalhadora etorná-la omissa à ordem vigente. Para ele, a emancipação já está dada, contudo nãoocorre em razão d o aprisionamento da condição humana no “reino da necessidade”.Este reino, segundo o autor, abarca a situação social de um progresso técnico

    equivalente ao suprimento das necessidades vitais do homem. Portanto, não caberiaao aparato do mundo administrado condicionar a sociedade a dar um passo à frentee inserir-se no “reino da liberdade”. Isso não ocorre, devidamente por não condizercom a lógica do aparato da sociedade industrial.

    Marcuse escreveu, além de artigos, sua obra de referência “Razão e Revolução”, emque condensa grande parte de seu pensamento crítico. Editou também “Eros e

    Civilização”, uma interpretação filosófica de Freud, cujo teor conceitual ilustra anoção de progresso, apontando o seu caráter retificador ou emancipatório dadominação social e, por outro lado, a sua perpetuação.

    Walter Benjamim, também exilado nos Estados Unidos, contribuiu fielmente para apropagação da TC. Benjamim escreveu inúmeros artigos que refletem a condiçãotemporal humanitária, partindo de sua reflexão acerca da arte e da sociedade. No

    que concerne a sua crítica da arte, ele analisa o drama do século XVII, buscandonele uma concepção de História. Diante da crítica social, buscou na arte asitucionalidade histórica para proferi-la, uma vez que sua ênfase à concepção dearte lhe permite elaborar tal analogia. Seus ensaios estão sempre sintonizados aeste viés, ou seja, através da arte de poder discursar sobre o conceito de História.

    Posteriormente, entre os anos 70 e 80, os frankfurtianos foram muito criticados poruma visão reducionista dos receptores, graças a pesquisas que demonstraram queas pessoas não são tão manipuláveis quanto Adorno pensava na época, sob oargumento de que nem toda produção cultural se resume à indústria.

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    Apesar disso, Adorno e Horkheimer tiveram o mérito de serem os precursores dadenúncia de um "totalitarismo eletrônico", em que diversão e assuntos importantessão "mixados" num só produto; em que representantes políticos são escolhidoscomo se fossem sabonetes. Neste sentido, a crítica permanece atual.

    4.4 PIERRE BOURDIEU: PODER SIMBÓLICO E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

    Considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas,Pierre Bourdieu10 é um dos mais importantes pensadores do século 20. Sua

    produção intelectual, desde a década de 1960, estende-se por uma extensavariedade de objetos e temas de estudo. Embora contemporâneo, é tão respeitadoquanto um clássico. Crítico mordaz dos mecanismos de reprodução dasdesigualdades sociais, construiu um importante referencial no campo das ciênciashumanas.

    No entanto, mesmo sendo reconhecida pela originalidade, a obra de Bourdieu é

    objeto de grande controvérsia. A maior parte de seus críticos, numa leitura parcial deseus trabalhos, classifica-o como um teórico da reprodução das desigualdadessociais. Não obstante, a reflexão de Bourdieu se destaca por uma singularidade.Para ele, os condicionamentos materiais e simbólicos agem sobre nós (sociedade eindivíduos) numa complexa relação de interdependência. Ou seja, a posição socialou o poder que detemos na sociedade não dependem apenas do volume de dinheiroque acumulamos ou de uma situação de prestígio que desfrutamos por possuir

    escolaridade ou qualquer outra particularidade de destaque, mas está na articulaçãode sentidos que esses aspectos podem assumir em cada momento histórico.

    Para o autor, a sociologia deve aproveitar sua vasta herança acadêmica, apoiar-se

    10 Nascido na cidade de Denguin, França. Formou-se em Filosofia em 1954 e iniciou sua vida profissional comoprofessor em Moulins. Sua carreira sofreu uma interrupção em função do serviço militar obrigatório que oenviou para a Argélia. Aproveitando-se do deslocamento, assumiu o cargo de professor na Faculdade de Letrasda capital do país, Argel. Seu retorno à França marca também o início de sua volumosa produção científica. Suapublicação entre as décadas de 1960 e 1980 o caracteriza como importante sociólogo do século XX. Destacou-

    se por propor uma crítica sobre a formação do sociólogo, buscando o que ficou identificado como “Sociologiada Sociologia”. Tornou -se referência na Antropologia e na Sociologia publicando trabalhos sobre educação,cultura, literatura, arte, mídia, linguística e política. Suas reflexões dialogavam tanto com as esferas de MaxWeber, como com as classes de Karl Marx.

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    nas teorias sociais desenvolvidas pelos grandes pensadores das ciências humanas,fazer uso de técnicas estatísticas e etnográficas e utilizar procedimentosmetodológicos sérios e vigilantes para se fortalecer como ciência. Bourdieu fez desua vida acadêmica e intelectual uma arma política e de sua sociologia umasociologia engajada, profundamente comprometida com a denúncia dosmecanismos de dominação em uma sociedade injusta. De acordo com suaperspectiva, a sociedade ocidental capitalista é uma sociedade hierarquizada,organizada segundo uma divisão de poderes extremamente desigual.

    Embora a reflexão sobre o sistema de ensino ocupe uma posição destacada no

    conjunto dos trabalhos deste sociólogo, principalmente em sua fase inicial, a suaintenção não é de construir uma sociologia do sistema escolar. Seu projeto científicofoca-se mais para a elucidação dos mecanismos de funcionamento dos diferentesespaços sociais, tais como o Estado, a Igreja, o esporte, a moda, a linguagem, aliteratura, o sistema de ensino, etc. Entendemos assim que sua principalpreocupação está em analisar a relação indivíduo –sociedade de forma maisconcreta nos diferentes espaços sociais.

    Ao analisar a mediação entre estrutura e ator social, o autor introduz a noção dehabitus, que se origina na filosofia escolástica, como um sistema de disposiçõesduráveis, trata, portanto do resultado de um processo de aprendizagem social,produzido pelo contato dos agentes em diversas estruturas sociais. As condiçõesmateriais características de uma determinada classe social e a incidência destascondições de existência no contexto familiar constituem, uma mediação fundamental

    na produção do habitus.

    De acordo com Bourdieu (1980) o habitus pode ser entendido como um

    sistema de disposições duráveis e transferíveis, estruturas estruturadasdispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípiosgeradores e organizadores de práticas de representações que podem serobjetivamente adaptados a seu fim sem supor a intenção consciente dosfins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-lo,objetivamente reguladas e reguladoras, sem ser o produto da obediência de

    regras, sendo coletivamente orquestradas, sem ser o produto da açãoorganizadora de um regente (p. 88-89)

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    De forma prática podemos entender que esse modelo pode induzir aesquematizações simplistas. Frequentar, por exemplo, um determinadoestabelecimento, degustar um prato, beber de um vinho raro, possuir um carro fora-de-série ou praticar uma modalidade de esporte não significa uma distinçãoautomática. Por exemplo, a virada de costume de um "novo-rico" pode ser vista maiscomo ostentação do que um sinal de distinção.

    O campo esportivo é rico em exemplos de distinção. Um mesmo esporte pode serpraticado e assistido de modos diferentes. No riquíssimo circo da "Fórmula l" oingresso mais barato custa próximo de um salário-mínimo, enquadrando-se, talvez,

    dentro do padrão de consumo de funcionários públicos, pequenos comerciantes etrabalhadores qualificados. A entrada mais cara atinge cifras superiores a três mildólares. Com este ticket pode-se frequentar locais com serviços de buffet, transporteaéreo (helicópteros), serviço de atendimento médico com urgência e,importantíssimo, livre acesso aos carros e pilotos oficiais. O paddock é o espaço dosprofissionais liberais bem-sucedidos, das manequins internacionais, dos altospolíticos, dos grandes industriais e dos comandantes das finanças. Isso mostra, de

    pronto, que o mesmo esporte destina lugares na plateia totalmente distintos. Asfronteiras, não seria necessário dizer, são guardadas por rígidos esquemas desegurança.

    Deste modo, o habitus então funcionaria como um esquema de ação, de percepçãoe de reflexão, que está presente no corpo e na mente – como em posturas e gestos(hexis), maneiras de ver e classificar da coletividade de um determinado campo,

    operando distinções. As disposições presentes no habitus são plásticas e flexíveis,podendo ser fortes ou fracas e são adquiridas pela interiorização das estruturassociais.

    Se o habitus orienta a prática dos agentes, esta somente se realiza na medida emque as disposições duráveis dos atores entram em contato com a situação. Destaforma, a prática é entendida por Bourdieu como uma relação dialética entre situaçãoe habitus. Em seus trabalhos mais recentes, o que ele dedignava como situação,passou a designar como campo. Tal noção consiste no espaço em que ocorrem asrelações entre os indivíduos, grupos e estruturas sociais, espaço este sempre

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    dinâmico e com uma dinâmica que obedece a leis próprias, animada semprepelas disputas ocorridas em seu interior, e cujo móvel é invariavelmente ointeresse em ser bem-sucedido nas relações estabelecidas entre os seuscomponentes (seja no nível dos agentes, seja no nível das estruturas).

    Tomemos como exemplo o campo do esporte, no qual as lutas travadas pelosatletas para se afirmarem não é o mesmo tipo de luta que o professor deve realizarpara se afirmar no Campo Acadêmico. Tais lutas seguem regras diferentes devidoao fato de serem campos diferentes.

    Bourdieu postula ainda, a existência de diferentes tipos de capital, tal conceitodiscute a quantidade de acúmulo de forças dos agentes em suas posições nocampo. Os capitais possuem volume (quantidade) e estrutura (tipo de capital) sedividindo em quatro tipos principais:

    a) Econômico : ligado aos meios de produção e renda.b) Cultural : se subdivide em 3 tipos – a saber: institucionalizado (diplomas e títulos),

    incorporado (expressão oral) e objetivo (posse de quadros ou obras de arte).c) Social : é o conjunto das relações sociais de que dispõe um indivíduo, sendo que,é necessária a manutenção das relações sociais, das redes (convites recíprocos).d) Simbólico : está ligado à honra, ao reconhecimento e corresponde ao conjunto derituais (etiquetas, protocolo)

    Outro conceito de vital importância dentro da vasta obra de Bourdieu, trata da

    Violência Simbólica, que descreve o processo pelo qual a classe que dominaeconomicamente impõe sua cultura aos dominados. Juntamente com o sociólogoJean-Claude Passeron, partem do princípio de que a cultura, ou o sistema simbólico,é arbitrária, uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural. Osistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social e suamanutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada sociedade,através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma.

    Assim, a violência simbólica expressa-se na imposição "legítima" e dissimulada, coma interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do

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    trabalho. O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe comovítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural einevitável.

    A violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade: oEstado, a mídia, a escola, etc. O Estado age desta maneira, por exemplo, ao proporleis que naturalizam a disparidade educacional entre brancos e negros, como a Leide Cotas para Negros nas Universidades Públicas. A mídia, ao impor a indústriacultural como cultura, massificando a cultura popular por um lado e restringindo cadavez mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, "elitizada".

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    5 UNIDADE 5 - SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

    5.1 A CRISE DOS PARADIGMAS SOCIOLOGICOS E A PÓS-MODERNIDADE

    As múltiplas maneiras das quais o termo pós-modernidade tem sido usado tornamimpossível a tarefa de destacar alguns poucos ensaios, ou um livro específico, comoexemplos inquestionáveis do pós-modernidade na sociologia. Reconhecendo que avariedade de significados associados aos termos pós-modernidade e pós-modernotem suas raízes na polissemia do conceito de Modernidade, é mais frutífero destacaruma série de questões colocadas pelos autores eventualmente classificados comopós-modernos à teoria e à pesquisa social.

    Embora os pós-modernos insistam numa proposta de desconstrução da Sociologia,na verdade, existem pontos que aproximam os diversos elementos da análise pós-moderna dos principais constituintes da tradição sociológica. Em muitas de suasmanifestações, aquela se direciona ao mesmo tipo de questões que inquietaram aimaginação sociológica, desde o surgimento da disciplina no século XIX. Essasquestões incluem as referentes à natureza e extensão das transformações em largaescala nas sociedades ocidentais, aos seus efeitos correspondentes sobre anatureza da interação e a construção das identidades, e à necessidade de novasestratégias metodológicas.

    Assim, é possível destacar como algumas das principais mudanças estruturaisenfatizadas nas abordagens pós-modernas as seguintes: o declínio da eficácia

    política dos Estados-Nação que apareceram na modernidade (tanto internamentequanto externamente), as transformações econômicas nos processos de produção ena organização das relações de produção, e, no campo da cultura, o progressivoestabelecimento do consumismo, provavelmente a principal atividade social esimbólica das sociedades contemporâneas, mediada pelos meios de comunicaçãode massa. Tudo isso provocando algumas alterações na natureza das categoriassociológicas convencionais, como as de classe, status , gênero e partidos políticos.

    5.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS MODERNIDADE

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    Dentro da linha dos Estudos Culturais, Stuart Hall11, analisa a crise na pós-modernidade, tomando como centrais as mudanças estruturais que fragmentam edesconstrói as identidades culturais de classe, etnia, raça, nacionalidade e gênero.

    Se até no século XX tínhamos uma sociedade moderna sólida por conta daspaisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade,traçados por esta mesma sociedade, fornecendo-nos igualmente sólidaslocalizações como indivíduo social. No final daquele tempo as paisagens culturaiscomeçaram a se fragmentar e modificar, transformando também nossas identidades

    pessoais, abalando a ideia que temos de nós mesmos como sujeitos integrados. Aessa perda de um “sentido de si mesmo” estável, o a utor denomina deslocamentoou descentração do sujeito.

    A descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quantode si mesmo, constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. Esses processosde mudança tomados em conjunto, representam um processo de transformação e

    nos leva a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada.Distinguem-se três concepções de identidades:

    a) Sujeito do Iluminismo - baseado numa concepção de pessoa humana como umindivíduo totalmente centrado, unificado, e de ação cujo centro consistia num núcleointerior, que emergia deste o nascimento e ao longo de toda sua vida,permanecendo totalmente o mesmo.

    b) Sujeito Sociológico - reflete a complexidade do mundo moderno e a consciênciade que este núcleo moderno não era autônomo e autossuficiente, mas isto eraformado na relação com outras pessoas importantes para ele.

    11 Stuart Hall nasceu em 3 de fevereiro de 1932 em Kingston, Jamaica. É um teó-rico cultural que trabalhou noReino Unido. Ele contribuiu com obras chave para os estudos da cultura e dos meios de comunicação, assimcomo para o debate político. Trabalhou na Universidade de Birm