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Belém - PA, 21 a 24 de julho de 2013 SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural [Trabalho 1699 ] APRESENTAÇÃO ORAL JOEL ORLANDO BEVILAQUA MARIN;EZEQUIEL REDIN;FELIPE FERRARI DA COSTA. UFSM, SANTA MARIA - RS - BRASIL; Juventude rural e cultivo do tabaco no Rio Grande do Sul, Brasil Grupo de Pesquisa: Agricultura Familiar e Ruralidade Resumo O artigo analisa as percepções de jovens rurais sobre as restrições legais ao trabalho infantil no cultivo do tabaco, desencadeadas pelas Convenções 182 da OIT e da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da OMS. Para tanto, foi realizado um estudo de caso no município de Arroio do Tigre, Rio Grande do Sul. Os dados da pesquisa foram obtidos por entrevistas semi-estruturadas, dirigidas para 15 jovens rurais, filhos de agricultores familiares que cultivam o tabaco. Os jovens acreditam que o trabalho na agricultura tem importância na socialização, preparação dos herdeiros, valorização do trabalho da agricultura e reprodução de modos de vida dos agricultores. Percebem, portanto, que os dispositivos legais que proíbem o trabalho aos menores de 18 anos no cultivo do tabaco interferem na organização do trabalho familiar e tendem a dificultar a permanência dos jovens no meio rural. Palavras-chave: Juventude rural, trabalho infantil, trabalho, agricultura familiar, tabaco. Abstract The article examines the perceptions of rural youth about legal restrictions on child labor in tobacco growing, triggered by OIT Convention 182 and the Framework Convention on Tobacco Control OMS. To this end, we conducted a case study in the municipality of Arroio do Tigre, Rio Grande do Sul. Survey data were obtained by semi-structured interviews, addressed to 15 young rural children of farmers who grow tobacco. Young people believe that working in agriculture is important in socialization, preparation of heirs, enhancement of agricultural work and play lifestyles of farmers. You see, therefore, that the legal provisions that prohibit minors from working 18 years in the tobacco growing interfere in the organization of work and family tend to hinder the retention of young people in rural areas. Key words: Rural youth, child labor, work, family agriculture, tobacco. 1. INTRODUÇÃO Na Região Sul do Brasil, o cultivo do tabaco é desenvolvido, predominantemente, por agricultores familiares. Por ser uma atividade intensiva em mão de obra, todos os integrantes da família, sejam homens ou mulheres, adultos, velhos, jovens ou crianças, ficam

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O artigo analisa as percepções de jovens rurais sobre as restrições legais ao trabalho infantil no cultivo do tabaco, desencadeadas pelas Convenções 182 da OIT e da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da OMS. Para tanto, foi realizado um estudo de caso no município de Arroio do Tigre, Rio Grande do Sul. Os dados da pesquisa foram obtidos por entrevistas semi-estruturadas, dirigidas para 15 jovens rurais, filhos de agricultores familiares que cultivam o tabaco. Os jovens acreditam que o trabalho na agricultura tem importância na socialização, preparação dos herdeiros, valorização do trabalho da agricultura e reprodução de modos de vida dos agricultores. Percebem, portanto, que os dispositivos legais que proíbem o trabalho aos menores de 18 anos no cultivo do tabaco interferem na organização do trabalho familiar e tendem a dificultar a permanência dos jovens no meio rural. Palavras-chave: Juventude rural, trabalho infantil, trabalho, agricultura familiar, tabaco.

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SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

[Trabalho 1699 ]

APRESENTAÇÃO ORAL

JOEL ORLANDO BEVILAQUA MARIN;EZEQUIEL REDIN;FELIPE FERRARI DA COSTA.

UFSM, SANTA MARIA - RS - BRASIL;

Juventude rural e cultivo do tabaco no Rio Grande do Sul, Brasil

Grupo de Pesquisa: Agricultura Familiar e Ruralidade

Resumo O artigo analisa as percepções de jovens rurais sobre as restrições legais ao trabalho infantil no cultivo do tabaco, desencadeadas pelas Convenções 182 da OIT e da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da OMS. Para tanto, foi realizado um estudo de caso no município de Arroio do Tigre, Rio Grande do Sul. Os dados da pesquisa foram obtidos por entrevistas semi-estruturadas, dirigidas para 15 jovens rurais, filhos de agricultores familiares que cultivam o tabaco. Os jovens acreditam que o trabalho na agricultura tem importância na socialização, preparação dos herdeiros, valorização do trabalho da agricultura e reprodução de modos de vida dos agricultores. Percebem, portanto, que os dispositivos legais que proíbem o trabalho aos menores de 18 anos no cultivo do tabaco interferem na organização do trabalho familiar e tendem a dificultar a permanência dos jovens no meio rural. Palavras-chave: Juventude rural, trabalho infantil, trabalho, agricultura familiar, tabaco. Abstract The article examines the perceptions of rural youth about legal restrictions on child labor in

tobacco growing, triggered by OIT Convention 182 and the Framework Convention on

Tobacco Control OMS. To this end, we conducted a case study in the municipality of Arroio

do Tigre, Rio Grande do Sul. Survey data were obtained by semi-structured interviews,

addressed to 15 young rural children of farmers who grow tobacco. Young people believe

that working in agriculture is important in socialization, preparation of heirs, enhancement of

agricultural work and play lifestyles of farmers. You see, therefore, that the legal provisions

that prohibit minors from working 18 years in the tobacco growing interfere in the

organization of work and family tend to hinder the retention of young people in rural areas.

Key words: Rural youth, child labor, work, family agriculture, tobacco.

1. INTRODUÇÃO

Na Região Sul do Brasil, o cultivo do tabaco é desenvolvido, predominantemente, por agricultores familiares. Por ser uma atividade intensiva em mão de obra, todos os integrantes da família, sejam homens ou mulheres, adultos, velhos, jovens ou crianças, ficam

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ocupados nas atividades de plantio, tratos culturais, colheita, secagem e classificação das folhas do tabaco. Em nível internacional, surgiram instrumentos de intervenção que visam normatizar e controlar a produção, a circulação e o consumo de produtos derivados do tabaco, canalizando esforços no sentido de evitar um risco potencial para a saúde das pessoas, com ênfase na proteção das novas gerações. De um lado, a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (Convenção Quadro), da Organização Mundial da Saúde (OMS), tem como propósito proteger todas as pessoas dos impactos sanitários, sociais, ambientais e econômicos causados pelo consumo, exposição à fumaça, propaganda e comércio de produtos do tabaco. Ademais, propõe a necessidade de construir alternativas para reduzir a produção do tabaco. Por outro lado, a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) procura proibir as piores formas de trabalho infantil, especificando, na alínea “d”, os trabalhos prejudiciais à saúde das crianças.1 O Brasil ratificou a Convenção 182 da OIT com a promulgação do Decreto n. 6.481, de 12 de julho de 2008, que apresenta a lista das piores formas de trabalho infantil, dentre as quais figura o trabalho no tabaco, por seus riscos sobre a saúde das crianças e jovens.

As inter-relações das questões Convenção Quadro da OMS, Convenção 182/1999 da OIT e proibição do trabalho dos jovens rurais no cultivo do tabaco criaram um problema social na Região Sul do Brasil, o qual se constituiu o objeto deste estudo. Vale ressaltar que, a partir da ratificação pelo governo brasileiro de tais documentos internacionais, as crianças e os jovens, com menos de 18 anos de idade, foram proibidos de trabalhar na cultura do tabaco. Esse problema social tornou-se mais evidente diante da intervenção do Estado sobre as formas de gestão das famílias agricultoras, a partir de institucionalização de políticas para reduzir as áreas de cultivo de tabaco e controlar o trabalho infantil nas unidades produtivas.

O objetivo da pesquisa é analisar, a partir do ponto de vista de jovens rurais, as mudanças desencadeadas pelas Convenções da OMS e da OIT nas formas de socialização e organização do trabalho das famílias dos agricultores que cultivam tabaco. Para compreender esses fenômenos sociais, procuramos combinar pesquisa bibliográfica, levantamento documental e um estudo de caso. Inicialmente, realizamos uma pesquisa documental sobre a Convenção Quadro e a legislação brasileira sobre o trabalho infantil, combinada com uma interlocução entre pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo sobre o trabalho rural. O estudo de caso foi realizado no município de Arroio do Tigre, no estado do Rio Grande do Sul. A técnica utilizada no levantamento de dados de campo foi a entrevista semi-estruturada, dirigida a quinze jovens rurais, filhos de agricultores familiares que cultivam tabaco no sistema de integração agroindustrial2. Em Arroio do Tigre, as famílias agricultoras, em grande parte, são descendentes de colonos alemães e italianos. Nesta pesquisa, a amostra predominou pela constituição de jovens rurais alemães, cristãos, com ênfase para evangélicos luteranos e, principalmente, católicos. Embora, o tamanho das propriedades familiares oscila, a maioria delas transita entre dez a trinta hectares e, em todos os casos, estes jovens residem com seus pais e ainda não tem filhos.

A produção do tabaco se expandiu na região por volta de 1920, calcada no trabalho dos colonos europeus, e se tornou o principal produto mercantil, servindo também como mercadoria de troca para produtos como o café, açúcar e arroz, os quais não eram produzidos no local. Atualmente, após transformações na configuração familiar e nas relações com as agroindústrias, o tabaco continua como principal produto mercantil, embora desenvolvam outras atividades produtivas como a soja, o feijão, o milho e o leite.

1 A Convenção n. 182 considera criança “toda pessoa menor de 18 anos de idade”. 2 Com a finalidade de preservar o anonimato dos jovens rurais entrevistados, os nomes utilizados na pesquisa são fictícios.

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Num primeiro momento, explanamos o cenário internacional e brasileiro sobre o problema da produção e do trabalho infantil no cultivo do tabaco, com base no estudo da Convenção Quadro e da legislação brasileira de proteção à infância e adolescência. Na sequência, analisamos o trabalho e as concepções do trabalho, a partir da visão dos jovens rurais de Arroio do Tigre. Por fim, enfocamos as interpretações dos jovens sobre as leis que interditam o trabalho no cultivo de tabaco aos menores de 18 anos, determinadas por normativas de organismos internacionais que são referendadas pelos dispositivos legais do país.

2. ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A LUTA CONTRA O TRABALHO INFANTIL NO TABACO

Dados fornecidos pela FAO indicam que o Brasil hoje é o segundo maior produtor

mundial de tabaco e líder na exportação, sendo que essa cadeia produtiva registrou uma expansão nas últimas décadas (FAO, 2012). Segundo o Censo Agropecuário de 2006, o Brasil possui 156.935 estabelecimentos rurais que produzem fumo em folha, atingindo 567.974 hectares colhidos e gerando 1.109.036 toneladas de tabaco. A Região Sul do país, constituída pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, é a principal produtora brasileira de tabaco. Nessa região somam-se 134.257 estabelecimentos produtores de tabaco, 516.727 hectares colhidos, com uma produção de 1.049.724 toneladas. Em 2010, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), a produção de tabaco na Região Sul do Brasil responde por 98% do total nacional e abrange aproximadamente 700 municípios. A área colhida atingiu a escala de 449.629 hectares, produzindo 787.617 toneladas de fumo em folha, com um valor da produção estimado em R$ 4.508.061,00 no país.

A Convenção Quadro foi elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 1999 e 2003, após audiências públicas e seis reuniões de negociações, que envolveram os seus 192 países membros. Esse documento configura-se como acordo internacional de saúde pública, que intervêm de forma normativa sobre os problemas de saúde relativos ao consumo de tabaco, com proposições no sentido da redução, controle ou regulamentação da fabricação de cigarro e outros produtos derivados do tabaco. A Convenção Quadro foi aprovada por unanimidade na 56ª Assembleia Mundial da Saúde, no mês de maio de 2003, e cada país-membro assinou compromissos de ratificar sua adesão. Segundo dados da Aliança de Controle do Tabagismo, atualmente a Convenção Quadro têm 168 assinaturas e 173 ratificações em nível internacional. Organizada em 38 artigos, a Convenção Quadro faz menção a sete grandes temas: comércio ilícito, organização regional de integração econômica, publicidade e promoção do tabaco, controle do tabaco, indústria do tabaco, produtos de tabaco e patrocínio do tabaco.

A Convenção Quadro tornou-se uma ferramenta legal, na qual os Estados signatários concordam em empreender esforços para restringir a “epidemia” acarretada pelo tabaco reconhecida como um problema global, com consequências graves para a saúde pública e o meio ambiente (BRASIL, 2004). No Brasil, foi criado a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), com atribuições de assessorar o governo brasileiro na formulação de políticas nacionais que coadunam com os propósitos de enfrentamentos dos problemas causados pelo tabaco. Contudo, o documento da ONU não objetiva o fim da produção do tabaco, uma vez que não existem cláusulas que fazem referências específicas à erradicação do cultivo (BONATO, 2007).

No entanto, nos últimos anos, uma série de ações estatais deu propulsão para o artigo 17 da Convenção Quadro, no sentido de "apoiar as atividades alternativas economicamente

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viáveis" à cultura do tabaco, bem como para o artigo 18 que se refere à "proteção do meio ambiente e saúde das pessoas". Isso culminou com a estruturação da rede temática de diversificação em áreas cultivadas com tabaco, a qual está vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que organiza e comanda o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco. A partir desse Programa, diversos agentes sociais vinculados às instituições públicas e às organizações não governamentais desencadearam uma série de ações calcadas na diversificação da renda e das atividades produtivas das famílias agricultoras, através de projetos de desenvolvimento rural direcionados aos agricultores fumicultores, com o propósito de diversificar seus sistemas produtivos.

O Brasil, apesar de ser considerado um dos primeiros a apoiar as diretrizes da Convenção Quadro, na prática as suas ações ainda esbarram em campos de interesses conflitantes e contraditórios. De um lado, o poder público municipal, os representantes parlamentares, os meios de comunicação, a agroindústria fumageira e, em certa medida, os fumicultores defendem a manutenção da atividade produtiva do tabaco, ressaltam a importância para o desenvolvimento econômico regional e, por vezes, valem-se de estratégias discursivas de vitimização. Do outro lado, as lideranças do Programa de Diversificação construíram discursos que apontavam para a “erradicação” da cultura do fumo, que acabou gerando certa repulsa até mesmo pelos agricultores familiares. Após, esses agentes adotaram uma postura mais branda, com a elaboração de discursos e encaminhamentos de ações que ressaltavam as virtudes da diversificação das atividades produtivas e da diminuição da dependência dos agricultores ao sistema de integração do fumo.

Os embates contra o cultivo do tabaco aumentaram após a promulgação de dispositivos legais que tipificam como “trabalho infantil” todo o trabalho realizado por crianças e jovens (com menos de 18 anos) no tabaco, mesmo no âmbito da família dos agricultores fumicultores (MARIN, VENDRUSCOLO, 2010). Os investimentos no combate ao uso da força de trabalho de crianças e adolescentes se intensificaram depois que o Brasil ratificou a Convenção 182, promulgada pela OIT em 1999. Essa convenção trata de abolir as piores formas de trabalho infantil, especialmente: 1) as formas de escravidão ou suas formas análogas; 2) a utilização de crianças para a prostituição ou pornografia; 3) a incorporação de crianças para atividades ilícitas, particularmente no tráfico de drogas e; 4) os trabalhos que prejudiquem a saúde, a segurança e a moral das crianças.

A legislação brasileira defende que o trabalho no cultivo do fumo deve ser realizado apenas por pessoas adultas, maiores de dezoito anos. Essa noção visa, sobretudo, garantir os direitos à saúde, qualidade de vida, desenvolvimento psíquica e intelectual da criança, bem como os direitos à aprendizagem escolar e às brincadeiras. Por tais razões, as crianças devem ser poupadas de todos os trabalhos demandados na cultura do tabaco. Segundo informações da OIT no Brasil, o trabalho infantil é considerado um risco para os países que compõem o Mercosul. Para tanto, os agentes vinculados à OIT defendem a institucionalização de ações normativas e políticas públicas, orientadas ao enfrentamento do problema do trabalho infantil, que atinge níveis elevados em diversos países da América Latina. Esses agentes sociais reconhecem as dificuldades desse trabalho, mas alertam insistentemente para necessidade de garantir a presença das crianças na escola, como meio capaz de afastar o risco eminente do trabalho infantil. Para tanto, diversas reuniões foram realizadas com a finalidade de discutir e debater sobre as estratégias de combate do trabalho infantil, com vistas ao estabelecimento de metas globais para eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016, no âmbito dos países que integram o Mercosul (OIT, 2012). Assim, os documentos institucionais publicados pela OIT ressaltam os termos “combate” e “risco” para evitar as consequências negativas do

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problema social do trabalho infantil, dando alusão a uma guerra que precisa ser vencida, cujo principal instrumento de enfrentamento é a escola.

O Decreto n. 6.481, de 12 de julho de 2008 – que regulamenta a Convenção 182 da OIT – inseriu o trabalho no fumo na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, por suas possíveis repercussões sobre a saúde. Segundo o Decreto, as tarefas no cultivo e no beneficiamento do tabaco representam riscos para as crianças e adolescentes decorrentes do esforço físico e posturas viciosas, exposição às poeiras orgânicas e seus contaminantes, como fungos e agrotóxicos, contato com substâncias tóxicas da própria planta, acidentes com animais peçonhentos, exposição sem proteção adequada à radiação solar, umidade, chuva, frio e acidentes com instrumentos perfuro-cortantes (BRASIL, 2008). Pelo Decreto 6.481/2008, os trabalhos no tabaco, tanto na produção quanto no processamento de suas folhas, representam riscos à saúde que comprometem o pleno desenvolvimento das crianças. Neste sentido, os agricultores produtores de tabaco ficaram sob a mira de diferentes documentos internacionais, ratificados pelo governo brasileiro, no sentido de reduzir o cultivo, garantir a saúde dos trabalhadores e interditar o trabalho das crianças. Por consequência, houve maior fiscalização de pais e mães no sentido de não empregar os filhos no cultivo e beneficiamento do tabaco e de encaminhá-los para a escola e uma pressão das agroindústrias fumageiras por intermédio de contratos de compra e venda do tabaco em folha (MARIN et al, 2012).

O contrato firmado entre agricultor e indústria fumageira consta uma cláusula apontando que o “produtor” tem conhecimento, compromisso e comprometimento com o acordo firmado pelas compradoras com o ministério público do trabalho do Rio Grande do Sul, com vistas a cumprir o Artigo XXXIII da Constituição Federal, e na Lei n.º 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) de privar-se de utilizar, em todas as fases do cultivo do tabaco, mão de obra de menores de dezoito anos de idade, ainda que em regime de economia familiar. Para garantir tais preceitos legais, os agricultores assinam um termo de identificação e declaração das crianças e adolescentes que vivem na propriedade onde será cultivado o tabaco. Em anexo, fixa-se um atestado de matrícula escolar (maiores de seis e menores de dezoito anos), exigindo frequência escolar. O contrato ainda prevê uma série de restrições às crianças e adolescentes em relação ao contato com os agrotóxicos. Em linhas gerais, o termo atribui à família rural fumicultora toda uma responsabilidade, sob pena de descumprimento e rescisão de contrato, não adquirindo a sua produção, bem como inserindo a questão a entidades relacionadas com a proteção da criança e do adolescente.

Vale ressaltar que as agroindústrias fumageiras incluíram, nas suas pautas de discussão e nos contratos firmados com os agricultores familiares, a questão do trabalho infantil. Mas, na realidade, as agroindústrias de tabaco tratam de se eximir do problema do trabalho infantil e transferir responsabilidades para as famílias agricultoras de não utilizarem a mão de obra dos filhos menores na atividade fumageira. Por meio dos assistentes técnicos, alertam, insistentemente, sobre os problemas judiciais que os pais podem enfrentar, caso sejam autuados pelos fiscais do trabalho e agentes de defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Em certa medida, as agroindústrias tentam prezar a sua imagem, tendo em vista que isso pode acarretar prejuízos econômicos, devido a marca de seus produtos estar ligada a um problema social condenável, como a exploração do trabalho infantil, além do que a industrialização de produtos derivados do tabaco já se constitui tema internacionalmente polêmico, principalmente pela área da saúde.

Ademais, existem algumas ações desenvolvidas pelas próprias agroindústrias fumageiras, com propósitos de minimizar os impactos do trabalho infantil. Por exemplo, a Souza Cruz criou o Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejor), localizado no Território do Vale do Rio Pardo (RS), que trabalha com a metodologia de alternância para contribuir na formação profissional da juventude rural. Em 2012, a Winrock Internacional

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(WI), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), instituiu o Programa Arise (Alcançando a Redução do Trabalho Infantil pelo Suporte à Educação). Esse programa confluiu na criação de um centro de formação de jovens rurais no município de Arroio do Tigre/RS, com o objetivo de ministrar cursos no horário inverso à escola para jovens com idade entre 14 e 17 anos, que estejam cursando a oitava série ou ensino médio. Em 2013, formou-se a primeira turma do projeto.

No caso do cultivo do tabaco, os jovens rurais com menos de 18 anos de idade estão proibidos de trabalhar, uma vez que dispositivos legais vigentes no Brasil consideram um trabalho insalubre. Os trabalhos no tabaco, especialmente pelo uso intensivo de agrotóxicos usados nas plantações, absorção de nicotina pela derme e inalação de poeiras, são considerados como trabalhos que representam riscos à saúde das crianças e jovens. Portanto, os agricultores produtores de tabaco ficaram sob a mira de diferentes documentos internacionais, ratificados pelo governo brasileiro, no sentido de reduzir o cultivo, garantir a saúde dos trabalhadores e interditar o trabalho das crianças. Por consequência, os pais de família tornaram-se alvos das investidas de agentes oficiais de defesa dos direitos das crianças, a fim de evitar o uso do trabalho dos filhos no cultivo e beneficiamento do tabaco e de encaminhá-los para a escola.

3. JOVENS RURAIS: TRABALHO E PERCEPÇÕES DO TRABALHO

Nessa pesquisa, adotamos duas definições de trabalho na atividade fumageira: a)

trabalho laboral: aquele envolve a disposição física do indivíduo para realização de uma determinada tarefa. Nesse caso, abrangem afazeres ligados diretamente com atividades agrícolas em geral por intermédios de recursos humanos, naturais, equipamentos e instalações, sejam eles realizados de forma artesanal ou com tecnologia altamente sofisticada, podendo envolver também atividades nos arredores da casa e galpões; b) representação de

trabalho: são valores e representações coletivas socialmente construídas e reproduzidas enunciando simbologias e um repertório de interpretações sobre ocupação do sujeito no rural – estes significados e percepções conduzem, em certa medida, o comportamento da sociedade rural.

As representações de trabalho pelos agricultores familiares (produtores de tabaco) e seus filhos (jovens rurais) é, em certa medida, díspares dos imperativos legais. Existe, portanto, um consenso na família rural sobre a definição de trabalho leve (geralmente, com condições de serem realizados pelas crianças e jovens) e trabalho pesado ou de risco (atividades que devem ser realizadas apenas por adultos). As concepções de trabalho “leve” e “pesado”, segundo Paulilo (1987), são variáveis nos diferentes espaços geográficos e entre os grupos sociais. Devido a colonização alemã estar presente em Arroio do Tigre, o trabalho de Marin et al., (2011) que estudaram os agricultores de fumo de Agudo/RS, mostra que a concepção de trabalho leve, encontradas nas entrevistas, são similares as nossas evidências. Os autores identificaram que trabalhos leves são as tarefas em volta da casa ou arredores, trato de pequenos animais, capina da horta, busca de lenha para a cozinha, trabalho nas roças de autoconsumo, entre outros. Em Arroio do Tigre, os significados atribuídos para trabalhos leves são “ajuda” e “auxílio”, tendo um leque razoavelmente amplo, ou seja, os jovens costumam exercer diversas atividades dentro da propriedade rural. Assim, configura-se como uma atividade não remunerada, sendo as crianças e os jovens trabalhadores ainda em processo de formação pela família. Isso implica, um saber fazer que precisa ser apropriado no cotidiano do trabalho familiar, como forma de auxílio à família de pertença e estratégia de formação dos futuros trabalhadores ou herdeiros.

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As atividades na unidade de produção dividem-se em dois grandes grupos: a) afazeres

infantis: envolvem tarefas leves que são realizadas pelas crianças (de oito a doze anos aproximadamente) como cuidar dos animais domésticos (trato e dar água), recolher ovos, coletar gravetos e lenha para o fogo, varrer pátio, cortar grama, limpeza dos estábulos, conduzir vacas leiteiras ao pasto e buscá-las, segurar sacas da trilhadeira (seja na quebra do milho ou feijão), etc.; na atividade fumicultora são responsáveis pelo recolhimento das folhas de tabaco que desprendem-se durante o pendure pelos adultos no galpão (tipo Burley ou Comum) ou aquelas que caíram da carroça durante o processo de costura (tipo Virginia), no carregamento na lavoura, ou no processo de atar fumo (manocas). Nesse grupo poderíamos subcategorizar o trabalho por gênero, ou seja, trabalho dos meninos e meninas. No entanto, grosso modo, nesse caso os trabalhos leves são indivisíveis, ou talvez, somente, aqueles relativos ao lar que são mais direcionados ao sexo feminino. Os trabalhos domésticos podem-se citar limpeza da casa (passar pano, passar cera, varrer e lustrar o chão) ou as atividades relativas às refeições familiares como auxílio na elaboração do almoço ou na limpeza da louça. Um segundo grupo, pode-se denominar de (b) afazeres juvenis: abrangem tarefas mais difíceis e pesadas, que exigem maior esforço físico, tais como arrancar feijão, capinar na horta, cortar pasto, tirar leite, quebrar milho, arrancar mandioca, entre outras. Na atividade fumageira, os trabalhos dos jovens são cortar fumo e carregar o tabaco nos momentos quentes do dia. Geralmente, esse trabalho é destinado aos filhos após os dezesseis anos ou ainda pelo porte físico do jovem. São atividades predominantemente dos rapazes, mas as moças podem, eventualmente, realizá-las, dependendo da condição e estrutura familiar.

A percepção sobre o trabalho leve ou pesado, no ponto de vista dos jovens entrevistados, é relativo ao sexo, idade e porte físico. Cristiano (jovem rural, 18 anos), expõe sua opinião sobre trabalho leve ou pesado: “No próprio sentido da palavra, mas toda atividade sendo bem manejada, bem controlada se torna leve, então não existe muito trabalho pesado”. A explicação reporta a forma de gestão do trabalho no meio rural e, implicitamente, está relacionado ao uso de tecnologias que se expandiu, em certa medida, no período da modernização agrícola. A adoção do trator, dos implementos agrícolas e técnicas de aumento de produtividade são alguns exemplos que, em certa medida, facilitaram a realização de atividades agrícolas.

As crianças e jovens não têm locais ou atividades tão específicas de trabalho nas unidades de produção familiares. Assim, eles realizam diversas funções e tarefas durante o dia, no turno contrário ao horário escolar, embora sejam observadas certas diferenciações de gênero na distribuição dos trabalhos familiares. O argumento central dos jovens é que independente disso, o trabalho não atrapalha de maneira alguma seus estudos escolares. Nessa perspectiva, Milena (12 anos), da localidade de linha Paleta, distante quinze quilômetros da cidade, sustenta que o trabalho que ela realiza pode ser considerado leve, pois: “(...) acho fácil, é uma coisa que eu gosto muito de fazer, porque os meus pais não obrigam, eu faço por minha vontade (...) e não prejudica de forma alguma na escola”. Os jovens rurais mostram-se solidários e “ajudam” os pais nos trabalhos com o tabaco, mas valorizam os estudos escolares para se qualificar para os trabalhos urbanos. O trabalho realizado desde criança, na concepção dos jovens, incentiva-os a ficar na propriedade, além de aprender desde cedo as técnicas agrícolas e incorporar os saberes da vida na agricultura. É consensual que os jovens tenham trabalhos considerados leves, sem que haja interferências nos estudos escolares. O trabalho é considerado positivo, educativo e disciplinador, na medida em que evita que os jovens fiquem ociosos.

O ócio é mal visto pelas famílias e sociedade local em geral, porque facilita a incorporação de vícios e a iniciação sexual prematura. Portanto, o trabalho e o estudo são dois elementos visualizados pela família rural como primordial para aprendizagem, disciplina,

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crescimento e desenvolvimento individual dos filhos. Estas estratégias e conteúdos de socialização das gerações juvenis, de alguma forma, instituem regras morais na sociedade local. O argumento de uma jovem é enfático:

Esse trabalho me ensinou a ser uma pessoa melhor, porque aqui um depende do outro pra fazer as coisas. Então eu acho que ensina as pessoas a serem mais humildes, porque eu preciso de alguém pra me ajudar, sozinha eu não vou conseguir. Então me ensina a ser mais humilde, pedir pros outros ajuda e ajudar os outros também. (Carla, 16 anos).

O depoimento demonstra atributos de personalidade das famílias rurais e a transmissão

de valores que são internalizados pelos jovens, ressaltado pelas noções de “humildade”, “definição do caráter”, “formação interior”, “ajuda” e “trabalho coletivo”, contribuindo com sociabilidade na família, na comunidade e na sociedade como um todo.

Não obstante, alguns jovens entrevistados percebem o trabalho na cultura do tabaco como algo difícil, árduo e penoso. Em seus depoimentos destacam o trabalho intensivo requerido na cultura, que provoca um grande desgaste físico e diminui os tempos de descanso e lazer. Por vezes, o trabalho no tabaco está associado aos riscos à saúde, em decorrência do uso intensivo de agrotóxicos aplicados como tratamento do cultivo. Por tais motivos, os jovens associam a atividade laboral no tabaco à perda ou diminuição na qualidade de vida das famílias inseridas nesta cadeia. Diante de tais condições, os jovens acabam concordando que as atividades no tabaco podem causar prejuízos ao pleno desenvolvimento das crianças e jovens.

É ruim o trabalho muito pesado, tem uma carga horária maior do que pode aguentar ou ter um trabalho mais pesado do que o corpo pode aguentar. E eu acho que o veneno, essas coisas, os jovens não deveriam ir, nem as outras pessoas não é aconselhado. Ainda mais os jovens que estão num processo de formação do corpo e daí pegar todos esses agrotóxicos. O agrotóxico é um dos principais problemas. Ainda mais os jovens, as crianças, porque elas estão em processo de formação, então daqui uns 10, 15 ou 20 anos com certeza pode ter alguma doença referente a isso. (Carla, 16 anos).

No entanto, apesar de todas as dificuldades e desvantagens do trabalho no tabaco, os

jovens acreditam que o trabalho desenvolvido junto com a família desempenha papel importante no que tange a formação enquanto indivíduos. Na visão dos jovens, as virtudes do trabalho situam-se na possibilidade de formação dos futuros trabalhadores, no aprendizado concreto de um ofício e na necessidade de ganhar dinheiro para si próprio e para a família, conforme depoimentos dos jovens rurais:

Pra você aprender alguma coisa pra sua vida, tirar proveito disso... Mesmo não gostando a gente ia, pra aprender, saber (...). No futuro não se sabe, você pode acabar precisando ir pra lavoura, sem ter escolha, opção, e eu acho que é bom você aprender porque no caso, se no futuro você precisar você sabe pelo menos, você não vai se apertar, você vai saber o que você tem pra fazer. (Jéssica, 15 anos).

O trabalho no rural é visto como elemento indispensável no processo de formação dos adolescentes, mas não é reconhecido, nem legitimado, devido às pressões externas exercidas às famílias agricultoras. Existe, portanto, uma desvalorização do trabalho do jovem pelos condicionantes externos, tratando-os como tarefas que dificultam o pleno desenvolvimento físico das crianças e jovens. A figura adiante demonstra, em síntese, as concepções de trabalho da família (jovens e pais), da comunidade e o que a legislação propugna. O resultado

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final é uma confrontação de percepções sobre a definição de trabalho e os significados do trabalho no meio rural.

Fig. 01 – Esquema sobre a percepção de trabalho entre famílias rurais, comunidade e legislação. Fonte: Pesquisa de campo, 2012

Os estudos escolares são a forma visualizada pelos jovens, valor transmitido aos

filhos, como forma para arquitetar a vida em caminhos direcionados aos trabalhos urbanos, no sentido de diminuir a labuta do trabalho no meio rural. Na concepção dos jovens, os estudos escolares são considerados um capital social que se adquire e não se perde, diferente dos bens econômicos que podem dissipar-se com o passar do tempo. Concomitantemente, a continuidade dos estudos escolares é uma das estratégias que os jovens rurais estabelecem para deixar o rural, na perspectiva de alcançar bons ofícios nos centros urbanos. A escola se materializa como agente de sociabilização dos jovens rurais, porém, as diretrizes curriculares de caráter universal, demonstram pouca conexão com a realidade local. Temas como o desenvolvimento da agricultura familiar, as estratégias produtivas e a própria reprodução econômica e social no meio rural estão, em geral, distantes do foco central da educação desenvolvida nestas instituições escolares, inclusive, as que estão inseridas no meio rural.

Portanto, os jovens notam que há certa desconexão entre o ensino escolar de nível fundamental e médio com suas atividades rurais. Eles percebem o ensino que lhes é transmitido pela escola como algo genérico e dissociado das suas atividades cotidianas. Não obstante, sempre ressaltam a importância do estudo para construir um futuro melhor, não raramente associado com os trabalhos no meio urbano. Logo, os jovens percebem que a escola não teria ligação com a realidade rural e estaria os preparando para os desafios da vida profissional, num contexto urbano. Neste sentido, a jovem Carla de 16 anos, que mora a 2 km do perímetro urbano do município, é enfática ao afirmar: “Eu acho que o principal objetivo da escola é guiar o estudante para um curso profissionalizante, para uma faculdade, pós-graduação. Eles nunca vão guiar a pessoa a ficar na agricultura”.

Sobre a saída do jovem do rural para grandes centros, Redin e Silveira (2012, p. 197) fazem breve consideração, usando o caso dos jovens rurais de Arroio do Tigre: “Torna-se um problema social a saída do jovem na busca de qualificação e oportunidades fora do rural, no

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entanto, poucas ainda são as ações locais que possibilitam qualificação e oportunidades na região”. Os depoimentos orais confirmam a necessidade que os jovens rurais sentem de maiores oportunidades de ensino técnico e profissionalizante nos locais onde vivem:

Deveria ter uns cursos profissionalizantes, eles ensinam as meninas a bordar, os meninos a mexer as coisas... Ter curso de computação, curso de maquiagem, vários cursos. Eu acho que cada vez mais trazer isso para as comunidades, porque daí você está ensinando o jovem a ter uma outra profissão, está ajudando a se virar sozinho. Porque, se o jovem quiser sair pra fazer uma faculdade ele vai ter que pagar, se ele não conseguir um vestibular ou alguma coisa. Então, ele tendo um curso eu acho que ajuda bastante, porque dão diploma também. Eu acho que eles deveriam trazer cada vez mais esses cursos pras comunidades, principalmente no interior, porque na cidade tem mais diversificação, principalmente no interior, daí as crianças deixariam de ir na roça pra aprender outra coisa. (Carla, 16 anos).

Vale notar que, de maneira geral, as moças demonstram maior interesse pela continuidade dos estudos no ensino superior do que rapazes. O fato pode ser explicado, em parte, pela penosidade do trabalho no cultivo do fumo. As jovens demonstram maior rejeição ao trabalho pesado, maçante, repetitivo, exposto às intempéries climáticas, que resultam em desgaste físico e pouco retorno financeiro. Embora essas percepções acerca do trabalho no fumo sejam similares em ambos os sexos, as moças costumam dar maior ênfase e associar os estudos como possibilidade de qualificarem-se para outros trabalhos mais limpos, leves e melhor remunerados.

A semelhança e o padrão de compreensão da família rural sobre o trabalho é conduzida por fortes questões culturais. Costumes, normas, crenças instituídas e certo grau de certeza são elementos que orientam as ações do grupo familiar, ou seja, seguindo determinadas condutas eles acreditam ter êxito na “educação”, socialização, preparação dos herdeiros, valorização do trabalho da agricultura e reprodução de seus modos de vida. Existe uma dualidade presente na relação entre pais e filhos no rural. É notável que os filhos não gostem de atividades pesadas, sujas, repetitivas e, em alguns casos, desgastantes. Por outro lado, existe um prestígio sobre os afazeres da família e também pautado pelas noções de solidariedade e cooperação do grupo, aspectos estes que tendem a contribuir para a reprodução social do grupo familiar.

Todavia, existem diferentes entendimentos em relação ao valor do trabalho (representação de trabalho). No seio da família, os jovens rurais valorizam o trabalho como elemento de formação pessoal e de preparação da vida futura, seja na agricultura seja nas cidades. No entanto, diante de agentes externos, as famílias tendem a desvalorizar o trabalho agrícola (penosidade e privação de oportunidades), incentivando os jovens a saírem do rural, em busca de outros meios de reprodução social. Existe, portanto, um consenso de que o trabalho é importante, mas não necessariamente o trabalho rural.

A intensidade do trabalho, gerido pela família rural, é constituinte das estratégias de reprodução dos agricultores familiares. Institui-se um fator de diferenciação social, conduzindo a racionalidade, a lógica das escolhas e as formas de organização da propriedade e das estratégias produtivas (atividade agrícola, o ciclo de produção, tamanho da área, produto, etc.). Os imperativos legais influenciam ou pelo menos inquietam a gestão da unidade de produção, porém os agricultores familiares contam com a ajuda dos filhos nos momentos em que a atividade é intensiva, penosa ou que exige força humana, mas não levam em consideração o critério mão de obra dos filhos para o planejamento das atividades. De outro modo, jovens em torno de dezesseis anos já possuem uma estrutura corporal que, muitas vezes, é similar aos adultos. Porém, sempre fazem a ressalva de que os jovens não devem

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manejar agrotóxicos, pela periculosidade que representa para as pessoas em fase de desenvolvimento:

Até certa idade, mais ou menos uns 11, 12 ou 13 anos eu acho que não é aconselhado levar e fazer trabalhar. Mas depois eu acho que sim, porque você tem que ensinar o seu filho, a sua filha a se virar sozinho. Tem que ensinar a trabalhar porque se não vai ficar até os 18 anos, vai ser o que da vida? Não vai aprender a se virar sozinho nunca. E outra coisa, a gente com 16 ou 17 anos já é grande e o governo não paga um salário pra gente ficar em casa. Então, a gente tem que trabalhar, não tem escolha. (Carla, 16 anos).

Ressaltando as divergências entre a legislação e os adolescentes rurais sobre a

interdição do trabalho infantil, Cristiano (18 anos) traz um relato que consolida o ponto força

corporal, quando contra-argumenta sua posição sobre o tema: É óbvio que a questão de aplicação de agrotóxico eu sou totalmente a favor que seja proibido. É uma questão de saúde, é mais do que óbvio isso. Mas em questão das outras atividades de plantio, colheita eu não vejo muito isso. Quinze, dezesseis ou dezessete anos já não faz muita diferença para os de 18 anos, porque o que a gente tem, o porte físico, estatura física de uma pessoa não muda muito de 16 aos 18 anos. Então, é uma idade boa de se trabalhar, não é aquela coisa que eles estão vendo da questão da proibição do trabalho do menor de 18 anos.

Esse depoimento expressa duas posições. A primeira concorda e reafirma a necessidade de restringir compulsoriamente o envolvimento de jovens em atividades de aplicação agrotóxicos na lavoura de tabaco, mas a segunda diverge sobre a atuação deles em outras tarefas agrícolas, usando como argumento a pouca diferenciação da condição corporal nas idades entre 16 e 18 anos. Alguns deles afirmam, com convicção, que essa restrição afasta o jovem do rural, sob a crença de que a infância é uma fase da vida de aprendizagem e incorporação do amor aos modos de vida e às atividades na propriedade, tendo em vista que mais tarde fica muito difícil criar vínculos com o trabalho e identidade com os modos de vida dos agricultores. Portanto, os jovens acreditam que as leis que proíbem o trabalho aos menores de 18 anos no cultivo do tabaco dificultam a formação e a permanência da juventude no meio rural.

Os depoimentos dos jovens rurais entrevistados colocam em evidência algumas questões que merecem ser pontuadas. Se, por um lado, a lei institui que menores de idade não devem envolver-se em atividades no tabaco porque se configura como trabalho infantil, por outro, os jovens ressaltam a necessidade de ajudar os pais a somar as forças individuais no coletivo do trabalho familiar. Ademais, os jovens entrevistados reconhecem, como critério fundamental, a capacidade mental e força corporal, independente da idade, para incorporarem-se no trabalho na condição de “gente grande”, a partir dos 14 anos. Ou seja, a lei percebe o jovem, com menos 18 anos, como menor de idade que precisa ser protegido dos trabalhos insalubres, tal como o do tabaco, mas os jovens percebem-se como adultos, uma vez que possuem conhecimentos e força física para atuarem nas atividades requeridas no cultivo do tabaco.

4. O CONFRONTO DE CONCEPÇÕES SOBRE O TRABALHO DOS JOVENS RURAIS

Os jovens rurais entrevistados em Arroio do Tigre estão cientes sobre as normativas que regem o seu trabalho no cultivo do tabaco, mas expressam discordâncias com relação a certas determinações legais. Na fala de Hernani (14 anos), que tem três irmãos, propriedade

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familiar com sete hectares, afirma: “No fumo é muito trabalho, mas é muito pouco que a gente ajuda, porque as leis já não permitem. Então, a gente, às vezes, vai junto, dá uma olhada, vê como é que é, o que estão fazendo, mas ajudar já é mais difícil”. Os jovens já internalizaram os discursos para agentes externos, devido o receio de prejudicar a si mesmo e ao seu grupo familiar. Assim, entre os jovens rurais entrevistados são comuns as afirmações de que não trabalham no cultivo do tabaco. Porém, ressaltamos, negacear o fato de que executam algum tipo trabalho constitui-se uma estratégia de defesa do próprio jovem e de sua família, diante das possíveis denúncias e investidas de fiscalização pelas instituições de defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Os jovens sabem que estão proibidos de trabalhar e, no plano do discurso, reafirmam que a família e eles próprios são cumpridores dos preceitos estabelecidos em lei.

No entanto, outros jovens rurais destacam que não concordam com as leis que proíbem o trabalho dos menores de 18 anos nas atividades agrícolas, em especial do tabaco. Os jovens compartilham da visão de que o trabalho desempenha um papel fundamental no processo de socialização e preparação para enfrentar os desafios do mundo moderno.

Trabalhando a gente aprende toda hora, cedo a gente define o nosso caráter, o nosso ponto de vista, a gente tem a visão mais bem formada do que é o trabalho, do que a gente quer e do que a gente vai querer, nós não ficamos a toa, a gente está trabalhando, tem uma coisa pra fazer. No caso da cidade, ou o cara joga bola ou o cara não faz nada, muitos dos que estão na cidade não tem emprego, então é difícil isso. Eu acho que o trabalho é a nossa formação no interior. (Cristiano, 18 anos).

Na visão dos jovens rurais, a proibição do trabalho facilitaria a ociosidade e incorporação de vícios, como o consumo de álcool e drogas ilícitas. Portanto, a interdição do trabalho para a juventude rural colocaria em risco a integridade futura dos indivíduos e a desvalorização do trabalho, como princípio ordenador da moral das pessoas e meio para ganhar a vida com honestidade:

Com essa proibição da lei, os jovens vão fazer o que? Não podem ajudar, e daí vão ficar por aí na cidade vagando? E qual vai ser o futuro deles? No mundo de hoje tem drogas, tem bebidas, e outras coisas. E se não vão poder ajudar não vão aprender o que é trabalhar mesmo, vão chegar ali e vão achar que é fácil, vão acabar se envolvendo com isso. Eu acho que vai acabar estragando bastante a vida dos jovens. (Jéssica, 15 anos).

Observa-se que o depoimento toca em pontos cruciais da probabilidade da desorganização social, salientando o consumo de produtos ilícitos que, a priori, são compreendidos como desestruturadores da convivência social e familiar. Vale ressaltar que o consumo de drogas ilícitas e do álcool não são realidades muito distantes dos jovens rurais por nós entrevistados. A presença e acesso de drogas, como a maconha e crack,3 no meio rural estão relacionados às facilidades logísticas e existência de intermediários que as distribuem no local estudado.

Os jovens rurais também argumentam que a proibição do trabalho na agricultura vai gerar desapego ao trabalho e à vida no meio rural. Portanto, eles compartilham a visão de que o trabalho facilita as interações e convivências familiares e comunitárias. Se afastados da 3 A Operação Moinho, realizada em dezembro de 2012, mobilizou 96 policiais de 13 cidades do Estado, incluindo Vale do Taquari e Região Metropolitana, e 28 viaturas. Segundo informações da delegada local, foram cumpridos oito mandados de prisão e 15 mandados de busca e apreensão em estabelecimentos comerciais e residências de Arroio do Tigre e Sobradinho, tanto na cidade quanto no interior. Encontraram catorze quilos e meio de maconha e um quilo de crack. A droga estava enterrada num matagal numa propriedade rural do interior do município de Arroio do Tigre.

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produção e do trabalho agrícola, não conseguiriam conviver tão próximos de seus pais e familiares, apreender os saberes necessários à vida rural nem incorporar os modos de vida compartilhados na comunidade em que vivem. Deste modo, os jovens acreditam que o distanciamento da vida familiar e comunitária contribui para o êxodo rural das novas gerações.

Os jovens não concordam com a necessidade de interferências jurídicas por parte do Estado sobre o trabalho no âmbito das famílias de agricultores. Eles dizem que os trabalhos a eles destinados pelos pais são cabíveis dentro das capacidades mentais e físicas individuais e não se constituem um fardo difícil de ser suportado. Na opinião dos jovens, os pais têm capacidade suficiente para conduzir o processo de trabalho e a intensidade do trabalho, de maneira a não prejudicar a escolarização ou explorar a mão de obra dos filhos nem submetê-los a riscos de saúde.

Eu sou contra essa lei, porque os pais não vão colocar o adolescente trabalhar com o veneno. Vai trabalhar no fumo, mas não com o veneno. E tem alguns que moram no interior, não trabalham, não sabem fazer nada e só estão em casa. Nós ajudamos, nós sabemos fazer alguma coisa, nós prestamos pra fazer alguma coisa, se não fica só em casa, não faz nada (Bianca, 15 anos).

Na visão destes jovens, os pais estariam habilitados para conduzir um planejamento das estratégias familiares, de forma a coadunar o trabalho familiar e as atividades escolares dos filhos. Não se pode ignorar que a ajuda das crianças e dos jovens constitui uma estratégia das famílias garantirem seus processos de reprodução social, em curto, médio e longos prazos. O trabalho entra na ordem natural do aprendizado das novas gerações e da compreensão da realidade onde estão inseridos, conforme depoimento: “A gente aprende a trabalhar quando é novo, já vem desde pequeno e quando nós não trabalhamos até os 18 anos vai ficar mais difícil pra muitas pessoas, isso acaba levando mais pra cidade.” (Cristiano, 18 anos).

Assim, o trabalho desempenha papel fundamental neste processo de socialização, auxiliando crianças e jovens a adentrarem nas outras fases da vida com elementos de formação técnica, pessoal e moral, necessários para enfrentarem os desafios que estão colocados no mundo moderno. Diante disso, a questão da proibição do trabalho no fumo às crianças e aos jovens com menos de 18 anos, acaba sendo contestada pelos jovens de Arroio do Tigre, pois acreditam que a proibição pode causar prejuízos aos processos de socialização, de aprendizado e de inserção na vida econômica que o trabalho familiar proporciona. Na leitura destes agentes, a proibição jurídica desta modalidade de trabalho infantil, representa um afastamento considerável da realidade em que as crianças e jovens vivem. Eles ressaltam que a legislação em questão acaba por desconsiderar a realidade da agricultura familiar fumageira, bem como o caráter pedagógico que o trabalho das novas gerações representa no meio rural. O depoimento de uma jovem rural é enfático:

Não acho certa essa lei, porque os jovens vão estar em casa fazendo o que se não puderem ajudar? E tem gente que gosta de ajudar, está certo que tem gente que não gosta, mas é um meio deles aprender. Que tudo não vem assim, que dinheiro não aparece do nada. Eu acho certo que os jovens tenham que saber da onde vem o dinheiro, como vem. Eu acho que essa lei não é muito certa. (Jéssica, 15 anos).

Ademais, a interdição do trabalho na cultura do fumo dificultaria compreender a lógica de funcionamento das unidades produtivas familiares, seja no âmbito técnico, econômico ou ambiental, dificultando a formação das novas gerações dentro da lógica da família rural. Os jovens rurais enfatizam a necessidade de auxiliar no coletivo do trabalho familiar, no sentido de somar os esforços de cada integrante, seja homem ou mulher, seja

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velho, adulto, jovem ou criança. A solidariedade entre os membros da família integra as lógicas de reprodução social dos agricultores, em que a contribuição individual no trabalho coletivo constitui o alicerce de sua sustentação e reprodução econômica. No impedimento jurídico ao trabalho dos jovens, a família sofreria grande prejuízo, pois teria uma importante estratégia de reprodução social comprometida. Assim, um jovem rural destaca:

Eu sou contra, até uma idade não deve trabalhar, mas com 15 anos, por exemplo, não poder trabalhar é um absurdo, um marmanjo de 16 ou 17 anos correndo rua, deixando o pai e a mãe no sol quente trabalhando, se vendo as voltas e não podendo ajudar. (Sidnei, 18 anos).

Diante de tal panorama, os agricultores familiares produtores de tabaco teriam que incorporar tecnologias que possibilitassem compensar as perdas da ajuda das crianças e jovens na propriedade. Outra possibilidade seria a intensificação do ritmo e do peso do trabalho entre os membros adultos, com idade legal para o desempenho de atividades no tabaco. Ou ainda a contratação de trabalhadores rurais assalariados, o que implicaria na elevação dos custos de produção e até mesmo no comprometimento da sustentabilidade econômica das unidades produtivas que cultivam tabaco em Arroio do Tigre.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Juventude rural, intervenção institucional, cultivo do tabaco e trabalho rural refletem a

essência da problemática do artigo. Partindo de uma concepção universalista, as normativas atinentes ao trabalho infantil no meio rural, estabelecem associações diretas entre trabalho infantil e risco social, privação dos direitos aos estudos escolares, às brincadeiras e ao desenvolvimento integral das crianças e jovens. Partem, portanto, da premissa que o trabalho infantil é desumano e degradante ao físico, à moral e ao psíquico de um indivíduo em fase de desenvolvimento, daí que representa sérios riscos sobre a vida do futuro adulto. Sob a perspectiva dos jovens rurais entrevistados, o trabalho não é tão prejudicial à saúde e tem significados importantes na socialização dos filhos dos agricultores e na preparação dos futuros herdeiros da propriedade rural ou dos trabalhadores no meio urbano.

Os depoimentos dos jovens rurais e legislação provocam duas situações distintas e contraditórias. Enquanto, os jovens buscam, através de uma concepção singular e particular, compreender o trabalho rural como estratégia de formação de valores morais e cidadã (educação como disciplina, bom comportamento, regramento pelas normas sociais e éticas) e profissionais (aprendizagem, habilidades, competências, valorização do modo de vida, etc.); a legislação prevê, através de uma visão universalista, formas punitivas para qualquer ato que envolva o trabalho de crianças e jovens no fumo. Portanto, esse confronto de concepções resulta num distanciamento interpretativo que afasta e polariza os debates em duas posições – prós e contras.

Os jovens rurais entrevistados compartilham da visão de que o trabalho das crianças e jovens, quando usado com fins de formação para a vida, envolve uma transmissão de saberes e ensinamentos herdados de gerações pela família, elementos simbólicos que são extremamente valorizados na vida rural. É uma transmissão estimulada pela família agricultora, mas não é impositiva, obrigatória e que desrespeita os direitos da criança e dos jovens. É solidária, negociada e consensual na relação entre pais e filhos sobre o ato de ajudar. Portanto, na visão dos jovens não se configura um abuso da mão de obra infantil, pois geralmente os filhos fazem por vontade própria ou como uma forma de auxiliar os pais na lida diária ou no máximo por pedidos de ajuda momentâneos da família. Sob essa perspectiva, é preciso repensar a concepção de trabalho infantil no rural brasileiro, portanto, uma

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reconceituação é uma condição sine qua non para a interpretação e intervenção efetiva na realidade rural.

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