tese final mestrado roberto marin viestel

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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PROCESSO CIVILIZADOR: Reflexões Observadas na Estação Ecológica Tripuí Ouro Preto MG PIRACICABA, SP 2004

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  • UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA

    FACULDADE DE CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    EDUCAO AMBIENTAL E PROCESSO CIVILIZADOR:

    Reflexes Observadas na Estao Ecolgica Tripu Ouro Preto MG

    PIRACICABA, SP

    2004

  • EDUCAO AMBIENTAL E PROCESSO CIVILIZADOR:

    Reflexes Observadas na Estao Ecolgica Tripu Ouro Preto MG

    ROBERTO MARIN VIESTEL

    ORIENTADOR: PROF. DR. ADEMIR GEBARA

    Dissertao apresentada Banca

    Examinadora do Programa de Ps-

    Graduao em Educao da UNIMEP como

    exigncia parcial para obteno do ttulo de

    Mestre em Educao.

    PIRACICABA, SP

    2004

  • BANCA EXAMINADORA

    PROF. DR. ADEMIR GEBARA

    PROFa DR

    a MARIA GUIOMAR CARNEIRO TOMAZELLO

    PROF. DR. CARLOS EDUARDO MATHEUS

  • Aos meus Pais, tio Abel (in-memria),

    famlia, esposa, filho Rafael e Brbara.

  • AGRADECIMENTOS

    Com toda gratido aos meus pais.

    Ao meu tio Abel do Nascimento Marin (in-memria), um segundo pai. Ao seu Jos Rubens Vasconcelos Dedono, responsvel por despertar interesse pelas coisas da natureza. A todo o pessoal da famlia da minha esposa, que nos meus momentos de estudo ficaram com o Rafael

    Brando Guilherme Viestel (meu pequeno), especialmente para tia Lada (Imaculada dos Santos) e

    Glaucinha (Glucia Maria Brando Guilherme Bonamichi). Sinceros agradecimentos ao Evandro

    Carlos Guilhon de Castro (Soneca/Repblica Nau Sem Rumo), Rubens Pereira da Silva

    (Gandhi/Repblica Casablanca), Gerson Luiz Pacheco Pinto (Gersinho/eterno independente), Ed

    (grande figura), Andria Trus (Dia/ Repblica Patotinha), Rogrio Junqueira de Mello (Ndegas/Repblica Casablanca), Guaraciaba Maria Odete Brando Guilherme Viestel

    (Binha/Repblica Bico Doce; minha esposa) e Marcnio Magalhes (Ba/Repblica Aquarius)

    pelas noites de conversa na antiga Vila Rica, onde atravessamos muitas madrugadas falando de

    histria e estrias.

    A amiga Patrcia Paula Lima (Patybem/Repblica Bem-na-Boca), pela iniciativa, persistncia,

    companheirismo e carinho. Na verdade a grande responsvel por este trabalho, nunca desanimando

    em seguir em frente, mesmo nos momentos que nos sentamos perdidos. Obrigado por acreditar e disponibilizar todos os dados da pesquisa Educao Ambiental Aplicada Estao Ecolgica Tripu, demonstrando esprito de colaborao cientfico, carter e amizade. Ao amigo Paulo Roberto de Oliveira (o Paulinho), professor de veterinria da UFMG, pela fora, disposio,

    incentivo, e, acima de tudo, por encontrar um irmo. A Lirlndia Pires de Souza

    (Landinha/Repblica Bico Doce) pelas preciosas conversas de lamentao quando o isolamento do

    trabalho acadmico nos pega de jeito. Ao amigo de infncia Conrado Ramos, que me ensinou que

    estudar importante, tornando-se um irmo de caminhada. Ao amigo Edenir: persistente e

    vencedor. Ao amigo Francisco (Chiquinho). amiga Valria (B). A sucesso de professores que

    foram pais e amigos: a Professora Flora, que me ensinou as primeiras letras na Escola Estadual de

    Primeiro Grau Frontino Guimares (SP-capital); aos professores de histria Hiplito (do Teles Pires), Antnio Carlos Ramos, Ben e Osmano (in-memria); aos professores Celso Taveira (grandssimo amigo; ICHS/UFOP) e ngelo Aves Carrara (ICHS/UFOP), exemplos de dedicao e

    seriedade; ao professor de filosofia Lzaro Francisco da Silva (ICHS/UFOP; in-memria); ao

    professor de filosofia Paulo Adler (UFRJ); ao professor Antenor Rodrigues Barbosa Jnior (Escola

    de Minas/UFOP), pelas caminhadas ao longo do cerrado e o respeito por outras reas do

    conhecimento. A todos os amigos msicos de Ouro Preto.

    Ao pessoal da Estao Ecolgica do Tripu: Aristides Neto (administrador na poca) e

    Alexandre Negreiros (verdadeiro mateiro e educador ambiental). Ao pessoal da computao da

    Escola Agrotcnica Federal de Inconfidentes: Luighi Fabiano Barbato Silveira, Heleno Lupinacci

    Carneiro, Juliano Barreto Guimares, Luciana Faria, Elias Paranhos da Silva, Yara de Oliveria e

    Edelson Henrique Constantino e Alcinrio Batista dos Santos. coordenao pedaggica que

    muito ajudou nos momentos de aperto da burocracia: Rita, Mrcia, Niel e Nen. Aos amigos Dcio

    Eduardo M. de Mello e Hilrio Coutinho (Pouso Alegre).

    Ao amigo Baruch Schonhaus, graduado e PHD em sensibilidade. Aos amigos que toparam esta empreitada ao longo de um ano: Allison Marassi Pena (caro/Repblica Nau Sem Rumo),

    Melissa Vivacqua (Mel), Fernando (Tripa) e o pessoal dos cursos de Direito (grupo de estudos de

    Direito Ambiental/UFOP), Engenharia de Minas e Geologia (UFOP).

    A Neide Gomes (Proex/UFOP) pelo transporte, Flvio Andrade pelo incentivo (as saudosas

    viagens para o norte de Minas), Afonso Guerra e Ferrugem pelos lanches. A todas as repblicas de Ouro Preto, com especial carinho para: Repblica Nau-Sem-Rumo, Repblica Casablanca,

    Repblica Maracangalha, Repblica Anistia (Paulinho, Lelinho, Leitinho, Lampeo, Visconde,

  • Bururu) e Repblica Bico Doce. Um beijo para Thas, Pauline Jovanah Botelho de Crdova e

    Giovana Maria Chaves Coelho, por acreditarem.

    Ao professor Carlos Eduardo Matheus (USP So Carlos), por acreditar no trabalho, orientar e incentivar todos os passos que demos ao longo do Projeto Tripu.

    A Professora Maria Guiomar Carneiro Tomazello, por ter contribudo com o texto quando este

    estava sendo elaborado (Universidade Metodista de Piracicaba).

    A Professora Andra Zhouri (UFMG), por me ensinar que os sonhos so necessrios e

    possveis.

    Ao Professor Marcos Sorrentino e a toda a equipe do Laboratrio de Poltica e Educao

    Ambiental (querida OCA/ESALQ/USP), pela humildade e carinho com que me acolheram.

    Por fim, ao Professor Ademir Gebara, orientador, amigo e um ser humano maravilhoso, que,

    nem se quer tem idia do quanto aprendi, no s em termos acadmicos, mas em processo de vida,

    formao de carter e reviso de conceitos.

  • RESUMO

    Este trabalho resultado da prtica de Educao Ambiental (EA) realizada na

    Estao Ecolgica Tripu (EET), na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, no

    ano de 2000. O tema trabalhado tendo em conta o processo civilizador e as

    questes ambientais. Afirmamos que estamos vivendo um perodo de transformao

    de atitudes do comportamento humano em relao ao ambiente, guiado pelo

    desejo de mudana, uma vez que a imagem que o homem est construindo

    sobre o meio uma expresso emocional. De-civilizao e civilizao, no

    sentido que nos d Norbert Elias, so estgios de um mesmo processo que no

    constituem anttese de juzos de valor entre bem e mal, certo / errado.

    Entretanto, o nosso comportamento ambiental, nosso modelo de desenvolvimento

    social e nossas atitudes, podem causar embaraos para as futuras geraes.

  • SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................10

    I EXPERINCIA DE EDUCAO AMBIENTAL: EET / OP / MG ...........................15

    1. De qu histria falamos mesmo?......................................................................15

    2 O grupo de trabalho .......................................................................................28

    3 A escolha da bacia hidrogrfica .....................................................................38

    4 - Jovens de ouro: estes ilustres desconhecidos..................................................44

    5 Moradores do Tripu ......................................................................................55

    II FUNDAMENTOS TERICOS .....................................................................................67

    1. Olhar civilizador ...........................................................................................67

    2. Educao Ambiental: alguns apontamentos................................................118

    3. Educao Ambiental: vertentes...................................................................131

    CONCLUSO.......................................................................................................................143

    BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................158

    ANEXOS ............................................................................................................................. ..164

  • FOTOS

    Fotos 01 e 02 - Antiga estao de trem / vistas laterais Uma das entradas para a EET.

    Fotos 03, 04, 05 e 06 - Vista traseira da antiga plataforma de trem.

    Fotos 07 e 08 - Maria Fumaa enferrujando. Garotos brincando no ptio da estao.

    Fotos 09 e 10 - Ponte de ferro. Moradias abandonadas. Incio da subida para o Tripu.

    Foto 11 Casas abandonadas. Potencial de turismo (lojas, servios, etc).

    Fotos 12 e 13 Esgoto jogado no crrego do Tripu.

    Foto 14 Cerca colocada ao longo da linha frrea.

    Foto 15 Linha frrea.

    Foto 16 Queda dgua.

    Fotos 17 e 18 Fbrica da ALCAN.

    Foto 19 ALCAN e suinucultura.

    Foto 20 Ferro-velho (lixo?).

    Fotos 21 e 22 Tnel

  • INTRODUO

    Este trabalho resultado da prtica de Educao Ambiental (EA) realizada na Estao

    Ecolgica do Tripu (EET), na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, no ano de 2000, junto a um

    grupo de estudantes das mais diversas formaes acadmicas, envolvendo a Universidade

    Federal de Ouro Preto (Departamento de Extenso), o Centro de Recursos Hdricos e Ecologia

    Aplicada, da Escola de Engenharia de So Carlos, da Universidade de So Paulo, sob orientao

    do Professor Doutor Carlos Eduardo Matheus e - como sntese de reflexo, trs anos aps a

    Universidade Metodista de Piracicaba, So Paulo, cuja dissertao de mestrado est sob

    orientao do Professor Doutor Ademir Gebara.

    O trabalho divide-se em duas partes: uma prtica, apontando traos comportamentais

    comuns em um trabalho de campo; outra terica, apresentando um olhar sobre o movimento

    ambientalista na perspectiva da teoria do processo civilizador, de Norbert Elias.

    A parte prtica introduzida com a construo de nossa concepo sobre histria,

    revelando uma reviso de conceitos e nova postura acadmica, posteriormente relatada a

    experincia propriamente dita.

    A parte terica est dividida da seguinte forma: O Olhar Civilizador, onde partimos

    da perspectiva de que a civilizao (ocidental) o resultado de comportamentos e costumes,

    construdos e compartilhados, na formao social da sociedade de corte europia, na transio

    entre mundo medieval e mundo moderno, servindo como modelo para a contemporaneidade.

    Definimos o que entendemos por habitus, natureza, natural, fundamentando conceitos.

    No captulo, Educao Ambiental: Alguns Apontamentos, falamos do arranjo

    emocional (controle das emoes) e das tenses de poder entre os indivduos e naes e da

    contextualizao dos encontros ambientais e do surgimento das associaes ambientalistas

    europias, passando rapidamente pelos encontros, rgos ambientais e leis brasileiras.

  • Em Educao Ambiental: Vertentes, trabalhamos a pluralidade de vises sobre

    Educao Ambiental. Foi escrito tendo como referncia o artigo de Philippe Pomier Layrargues,

    apresentado no Io Simpsio Sul Brasileiro de Educao Ambiental, na cidade de Erechim, no Rio

    Grande do Sul. Outros nomes foram acrescentados posteriormente.

    Por fim, Concluso: Natureza Indiferente, fazemos uma sntese de como estamos

    vendo e vivendo o que entendemos por educao ambiental, sob o olhar de Norbert Elias e a

    teoria do processo civilizador. Reconhecemos que h uma natureza nua e crua, sem

    idealizaes, e outra romntica, sentimental, que muito impulsiona o movimento ambientalista.

    Optamos por continuar estudando-a e descrevendo uma experincia de trabalho de campo em

    uma estao ecolgica.

    Como sugesto da banca examinadora para a obteno do ttulo de mestre,

    acrescentamos, nesta introduo, algumas palavras respeito de como acabamos confluindo

    nosso interesse para a rea de educao ambiental.

    Sendo nascido em So Paulo, capital, no bairro de Santana, seria difcil de imaginar que

    um paulistano, acostumado com muito asfalto e fios da rede eltrica, viesse a se interessar com

    as coisas da natureza. Geralmente, associamos natureza com verde, rios, montanhas e etc,

    aspectos que um paulistano no est nada habituado. Bem, penso que a figurao que se deu em

    minha volta foi a responsvel por sensibilizar-me, desde sedo, com as questes ambientais

    (urbano e rural). A lista de agradecimentos revela isso. Quando criana passeamos muito,

    principalmente com o Seu Rubens at a represa da Sabesp (Cia de Saneamento Bsico do

    Estado de So Paulo), onde jogvamos bola. Um espao privilegiado, no centro de So Paulo,

    com cachoeiras e muito verde (complexo da Cantareira). Lembro que no perdia uma viajem,

    sempre, entrava na gua, mesmo nos dias mais frios, era um verdadeiro prazer desfrutado.

    Ainda nesta fase, dos sete aos treze anos, viajei muito com minha famlia para o interior

    de So Paulo (So Sebastio da Grama) e Paran (Camb) onde visitvamos os parentes que

  • moravam em fazendas e stios. Eu, com meus irmos e primos, brincvamos de nadar em rios,

    apanhar frutas (guerra de casca de manga), andar cavalo e uma srie de travessuras que s as

    crianas sabem fazer. Penso que esta infncia feliz tenha trazido boas impresses sobre a

    natureza.

    Em So Paulo o dia era aproveitado com brincadeiras de rua, quadrados (papagaio,

    pipa, pandorga, e todos estes nomes...), terrenos baldios (onde jogvamos bola hoje So Paulo

    dispem cada vez menos de espaos desta natureza), etc.

    Durante a adolescncia, com mais liberdade para passear sozinho, viajei muito para o sul

    de Minas Gerais (Campestre, Poos de Caldas, etc), onde continuei tendo contato com o mundo

    rural. Trabalhava em So Paulo, na mesma poca, e era inevitvel a comparao entre o urbano e

    o rural. Sempre pensava em solues para o centro de So Paulo, como aliar qualidade de vida

    com desenvolvimento. Assisti a transformao do bairro de classe mdia que era Santana para o

    centro agitado que este virou, tornando-se um conglomerado de camels, venda de drogas,

    prostituio (travestis, principalmente), etc.

    Durante todo este perodo militei no Partido dos Trabalhadores, participando como

    tarefeiro em diversas ocasies, panfletando em estaes de trem, portas de fbrica, escolas.

    Sempre questionando o papel que tinha a desempenhar e qual a relao de ocupao de solo que

    existia nestas empreitadas polticas, ou seja, qual o espao que devemos destinar para a

    qualidade de vida. Alis, o que qualidade de vida em uma cidade como So Paulo?

    Sai de So Paulo em virtude do vestibular (1989 - tinha 20 anos), transferindo-me para a

    cidade de Ouro Preto onde residi por doze anos cursando Histria na Universidade Federal

    de Ouro Preto. Durante o curso militando junto ao Centro Acadmico e Diretrio Central dos

    Estudantes (DCE) no conseguia encontrar um tema que me chamasse ateno. Trabalhei com

    transcrio paleogrfica de documentos coloniais, sobretudo do sculo XVIII, professor de pr-

    vestibular, rede municipal, estadual e particular.

  • Durante esta experincia, troquei muitas impresses com o pessoal da geologia,

    espeleologia e minerao. Claro, j conhecia as cachoeiras e trilhas do entorno da cidade, como o

    pico do Itacolomi, a cachoeira das Andorinhas, a cachoeira do Falco, a cachoeira das

    Borboletas, entre tantas outras. Penso que este perodo foi muito importante para entender as

    condies do solo de Ouro Preto, bem como a sua ocupao histrica.

    Logo aps a formatura via meus amigos indo para o mestrado e doutorado, questionando-

    me que no bastava estudar qualquer tema, mas algo que fizesse meu corao bater mais forte.

    Iniciei algumas leituras na rea de Histria Medieval, com o Professor Celso Taveira (Instituto

    de Cincias Humanas e Sociais/UFOP). Comecei a estudar o surgimento da Ordem dos

    Dominicanos, na Idade Mdia. O que intrigava que toda leitura que fazia acabava parando na

    ocupao da terra, dos feudos medievais. Alm de ser um tema muito complexo, meu canal de

    entrada passava sempre por questes como moradia, dejetos, utilizao da gua e etc. Aps uma

    bronca severa do professor, da qual estava merecendo na poca, rompi temporariamente - com

    o tema medieval e voltei meu olhar para as questes ambientais, propriamente dita. O papel

    desempenhado pelo professor foi muito importante, pois acabou fazendo com que fosse trabalhar

    de fato com Educao Ambiental.

    Quase por essa poca, fui convidado por uma amiga, Patrcia Paula Lima, a integrar uma

    equipe de monitores em um projeto que esta estava iniciando no Centro de Recursos Hdricos e

    Ecologia Aplicada na Escola de Engenharia de So Carlos (Universidade de So Paulo). Neste

    momento, percebi que durante toda minha vida estive ligado a questes ambientais e nunca havia

    percebido. A idia de um tema gerador, graas Patrcia, essencial para impulsionar e

    despertar prticas de pesquisa. O mais importante em educao realizar uma ao prtica.

    O trabalho que desenvolvemos foi o de coleta e anlise de gua da Estao Ecolgica do

    Tripu, em Ouro Preto. Iniciei um dirio de campo fazendo observaes sobre as impresses que

    tinha no dia-a-dia. Hoje, penso que a grande responsvel por canalizar toda a fora que vinha

  • desenvolvendo ao longo destes anos pelas questes ambientais se deve Patrcia Paula Lima e,

    conseqentemente, ao Centro de Recursos Hdricos e Ecologia Aplicada (USP/So Carlos),

    particularmente, tambm, ao professor Carlos Eduardo Matheus.

    Com as caminhadas observamos o entorno das diversas condies apresentadas ao longo

    de uma bacia hidrogrfica, sendo esta reprodutora fiel das aes praticadas pelos homens. Ainda,

    percebi que o papel que o historiador produz o de questionar a condies sociais em que os

    indivduos vivem, produzindo documentos, dando voz as suas fontes e entendendo o que est se

    passando sua volta.

  • I EXPERINCIA DE EDUCAO AMBIENTAL: EET / OP / MG

    1.1 DE QU HISTRIA FALAMOS MESMO?

    Como pode a histria contribuir para um trabalho de campo em uma experincia de

    educao ambiental? Qual o papel da histria na formao social dos indivduos? Qual a

    importncia da histria na teorizao de si mesma? Histria, histria, histria! De qu histria

    estamos falando? Claro que as pessoas, ao se comunicarem, se entendem ao utilizarem o termo

    histria. Porm, ser que efetivamente sabem o que esto querendo dizer? Tem o mesmo

    entendimento, os mesmos valores e concepes tericas? Quando dizemos que a histria da

    humanidade tomou determinado rumo, nos satisfazemos com a explicao partindo do

    pressuposto que o rumo tomado foi verdadeiro e consensual na sua assertiva, porm, no nos

    questionamos quanto ao fato de que tal rumo no foi racionalmente planejado por nenhum

    indivduo e nem tampouco por uma sociedade. Tal rumo s existe porque um nmero grande de

    indivduos genericamente conhecido como sociedade isoladamente, fazem determinadas

    coisas que mudam o rumo dos acontecimentos sem que nenhum deles tenha planejado tais

    mudanas, onde as mesmas aconteceriam racionalmente e positivamente calculadas.

    Muitas pessoas acreditam que as formaes histricas foram pr-concebidas e planejadas

    com antecedncia por estados, sociedades, instituies, indivduos, etc. O nosso modelo

    conceitual, racionalmente construdo como herana do pensamento lgico, trs para o imaginrio

    coletivo uma construo cuja formao de determinadas instituies e acontecimentos, se d

    como se fossem elaboradas e aplicadas operacionalmente. A idia de finalidade, cuja criao

    parte desta herana, leva-nos a imaginar, quase que como uma natureza intrnseca dos seres

    humanos, que as instituies e acontecimentos foram elaborados e ensaiados em laboratrio,

    antes de se darem como fatos observveis, ou seja, na vida real de indivduos para indivduos.

    Por outro lado, h o pensamento de que a histria supra-natural, com um Esprito do Mundo ou

  • at um prprio Deus, onde o indivduo no ator responsvel pelos seus atos, sendo, portanto,

    um supra-indivduo sem vontade prpria. Quer dizer, os opostos acabam se dando na polaridade entre

    uma histria pr-estabelecida onde o indivduo senhor todo poderoso de vontades racionalmente desenvolvidas e

    concretizadas no coletivo e outra histria onde tal aspecto inabordvel.

    O grande desafio, nos parece, ligar aquilo que estamos pensando com o que

    vivenciamos na prtica. Como que os indivduos se comportam ao longo da histria e como

    entendem esta histria, sem ser um conglomerado de datas, lugares, causas e conseqncias

    quantificveis?

    sempre bom lembrarmos alguns apontamentos acerca desta aventura humana

    estritamente humana chamada e entendida genericamente de histria. Assim propomos: de qu

    histria falamos mesmo?

    Quando lutava contra os alemes durante a segunda grande guerra mundial, Marc Bloch

    escreveu Apologie pour lhistoire ou Mtier dhistorien, traduzido no Brasil como

    Introduo Histria (BLOCH, s/d). O autor inicia o seu trabalho com um questionamento

    de um garoto para com seu pai: Pai, diga-me l para que serve a histria (Bloch, s/d, p11).

    Pergunta aparentemente simples, trs tona toda uma tradio de debates acerca da utilidade e

    da validade cientfica da histria, da sua legitimidade. Para Bloch, respondendo o desafio

    proposto, a histria se justificaria apenas pelo simples fato de distrair e divertir, uma vez que

    possui prazeres estticos que lhe so prprias, diferentemente de todas as disciplinas. Ele a

    chama de o espetculo das atividades humanas, cujo objeto da natureza de seduzir a

    imaginao dos homens. Mas tal justificativa seria muito simples, assim, o autor diz que

    necessrio revestir os acontecimentos de verdade, uma vez que, com toda a transformao

    cientfica da sua poca onde o tomo j estava sendo quebrado e a conquista do espao era

    apenas uma questo de tempo seria necessrio criar um pouco de felicidade e um mundo

    melhor para se viver.

  • Tivesse a histria de ser eternamente indiferente ao Homo faber ou politicus e j lhe

    bastaria, para sua defesa, ser reconhecida como necessria plena realizao do Homo

    sapiens (Bloch, s/d, p16).

    Bloch, em seguida, continua defendendo a histria nos dizendo que se queremos agir

    necessrio compreendermos priori, assim, a histria seria o porto seguro da compreenso. Um

    porto cujo cais o receptculo do movimento, ou, se preferirmos, como o prprio diz, uma coisa

    em movimento, dependendo de grande escolha pessoal daqueles que se aventuram atravs dela.

    Ao mesmo tempo, a grandiosidade do oceano cientfico desta cincia uma tormenta de

    desconhecimento, pois seria praticamente impossvel desvendar todo o oceano, sendo, portanto,

    a histria, uma cincia na infncia, cujo objeto do esprito humano chega racionalidade dos

    campos do saber tardiamente, por volta do sculo XIX.

    A maior lio que Marc Bloch nos deixou a de que a histria , antes de qualquer coisa,

    investigao. Uma convergncia de foras em movimento ligados em rede onde a escolha de

    cada indivduo trs tona um pouco de sua condio psicolgica e sociolgica, sem podermos

    definir, racionalmente, o que viria primeiro.

    A realidade apresenta-nos uma quantidade quase infinita de linhas de fora que

    convergem todas num mesmo fenmeno. A escolha que fazemos entre elas pode muito

    bem basear-se em caracteres, na prtica muito dignos de ateno; mas sempre uma

    escolha (Bloch, s/d, p166).

    A orientao dos estudos de investigao de um historiador, ou antes, de qualquer

    indivduo que se aventure por este campo do conhecimento, , em ltima instncia, um fato

    psicolgico, que, por antecedncia, se encontram ao longo do tempo com outros fatos

    psicolgicos, entre seres vivos racionais. Os destinos humanos, como explicita Bloch, so, sem

    sombra de dvidas, destinos que se inserem em um mundo fsico. Porm, a orientao que se do

    a eles fazem parte de uma direo humana, orientada pelo esprito humano: o indivduo. Como

    avaliar para que serve a histria? Para divertir! Ou ser que a diverso no tem a sua importncia

    ao longo do movimento social da humanidade?

  • A cincia ganhou status de legitimidade quando as ligaes explicativas entre os

    fenmenos puderam ser comprovadas repetidamente. Durante muito tempo principalmente

    quando o positivismo estava em alta durante o sculo XIX a histria sofreu do mal de

    enumerar infinitamente os acontecimentos, quantificando-os em datas, nomes de generais,

    estados, etc, enfim, em fatos pr-selecionados que vangloriavam instituies e grupos humanos

    em ascenso e destaque. Infelizmente, seja pela prtica pedaggica, seja pelo esteretipo que se

    firmou no trabalho do historiador, a histria ainda vista, pelo senso comum, como uma

    enumerao de fatos. Talvez devido prtica do historiador, que tem necessidade de buscar

    condies especficas de determinados acontecimentos que no se deram em data x ou y, mas

    precisamente na data z, o que torna este ou aquele acontecimento caracterstico daquele

    momento z.

    Embora os fenmenos sociais no se repitam exatamente como se deram em determinado

    momento, isto no sinnimo de sub-cincia ou de qualquer desclassificao cientfica. Durante

    muito tempo, fruto de seu nascimento no seio das cincias exatas e biolgicas, ou seja, da prtica

    cientfica e do modo de raciocinar lgico, a histria no foi considerada uma cincia. H a

    dificuldade, inclusive, de nos libertarmos deste modo de pensamento quantificvel e

    cientfico, como se cincia no fosse, tambm, uma escolha, afinal de contas.

    O fato dos fenmenos no se repetirem nas cincias humanas e sociais, pelo menos

    enquanto fato e no farsa, como nos lembram os marxistas, no desqualifica o status de

    cientificidade, cuja investigao j se justificaria por si s. A lgica de pensamento embora

    segura na razo diferenciada em sua forma de elaborao nas diversas cincias. Vejamos

    mais uma vez Bloch, refletindo sobre a diferena entre as cincias biolgica e histrica.

    Um epidemia ... ter como causa, para o mdico, a propagao de um micrbio e, como

    condio, a falta de higiene, a sade deficiente, geradas pelo pauperismo; para o

    socilogo e para o filantropo, o pauperismo ser causa e os fatores biolgicos a

    condio (BLOCH, s/d, p166).

  • A perspectiva do ngulo de investigao determinante no campo cientfico, o que no

    deixa de ser uma escolha de investigao, cuja natureza humana tambm o fator principal. As

    formas de se investigar possuem diversos mtodos aplicveis perspectiva que se toma ao longo

    do trabalho, onde as aparncias se tornam parte do processo e fazem com que o olhar

    desconfiado do historiador seja, tambm, uma parte do seu juzo de valor, apesar dos fatos. O

    processo no esttico, mudando ao longo dos acontecimentos. O que torna esttico o tempo

    do acontecimento subtrado do tempo da investigao, cuja lgica a prpria investigao e sua

    concluso, ou seja, o tempo do investigador que se desacelera em relao ao tempo

    pesquisado, sem que, com isso, possa parar o seu tempo de pesquisa, estando em fluxo temporal

    cujas formas de interpretao levaro em conta todo o processo. Em uma palavra: o tempo

    processual e dinmico.

    Durante os ltimos cem anos, talvez, esta lgica foi quantificada em formas

    metodolgicas onde o valor material foi colocado como a nica perspectiva, posteriormente, nos

    ltimos trinta anos, concomitantemente, o aspecto psicolgico foi destacado, mas, o que mais

    importante, o fato do rompimento de processos de pensamentos pr-estabelecidos, talvez fruto,

    tambm, assim como na poca de Bloch, das transformaes da fsica quntica e desta nova fase

    da revoluo cientfica.

    O fato que tantas perspectivas de investigao quanto forem necessrias fazem parte de

    processos humanos, o que no queremos dizer com isto que sejam sempre evolutivos

    positivamente, fazendo parte do processo rupturas, conflitos e retrocessos. As escolhas de

    investigao e os novos objetos abertos pela historiografia moderna ainda esto em processo

    de formao.

    A historiografia moderna pode ser definida em dois campos de ao e interpretao

    metodolgica cerca da teoria da histria: uma iluminista (moderna), tendo como pressuposto a

    orientao lgica do positivismo desde o Renascimento at os dias atuais e outra mais

  • recente, com a quebra de paradigmas tradicionais e novas formas de representao

    historicamente construdas (ps-moderna). Para o historiador Ciro Flamarion Cardoso, na

    introduo de Domnios da histria Ensaios de Teoria e Metodologia (CARDOSO &

    VAINFAS, 1997), onde o artigo comentado posteriormente por Ronaldo Vainfas na concluso

    do mesmo trabalho, a diviso se d, grosso modo, como sugere o ltimo, no perodo 1950

    1968 para correntes que distinguiam uma narrativa histrica a fim de explicar a sociedade, cuja

    distino clara se faz entre sujeito e objeto, segundo um modelo hipottico-dedutivo. Dentro

    destas correntes esto o marxismo e o grupo dos Annales, o que encerraria a modernidade; e,

    ps-68, o grupo da Nova Histria, cuja fuso entre sujeito e objeto uma tentativa

    epistemolgica resultado da crena de que o observador e o investigador fazem parte do mesmo

    processo de que se estuda, encerrando, assim, o ps-modernismo.

    Mas antes que a histria chegasse a ter pontos de vista discordantes e definies

    complementares ou dspares, foi necessrio um tempo em que a sua definio se estabelecesse

    em formas de interpretao que dizem respeito ao perodo em que foram elaboradas. Assim,

    devemos nos lembrar a definio de Collingwood cerca da idia de histria, como o prprio

    autor diz, do historicismo do autoconhecimento e da formao do pensamento na construo da

    histria dos homens, ou, como o autor repete ao longo do seu livro A Idia de Histria

    (COLLINGWOOD, 1981) do conhecimento do esprito. Para Collingwood, a investigao

    histrica revela para o historiador as faculdades do seu esprito, uma vez que s podemos

    conhecer historicamente pensamentos que so reconstrudos, mostrando que o esprito capaz de

    pensar.

    ... os modos de pensar caractersticos de um dado perodo histrico so modos,

    segundo os quais as pessoas dessa poca tm de pensar; outros, porm, em momentos

    diferentes e com estruturas mentais diferentes, no poderiam pensar assim. Nesse caso,

    a verdade no existiria: de acordo com a inferncia feita correctamente por Herbert

    Spencer, aquilo que ns tomamos por conhecimento meramente o feitio do pensamento actual, no verdadeiro, mas, quando muito, til Ana nossa luta pela

    existncia (COLLINGWOOD, 1981, p279).

  • Nesta perspectiva a histria seria um conhecimento daquilo que o esprito realizou no

    passado, reconstitudo enquanto perpetuao de aes passadas no presente, ou seja, a ao do

    pensamento; no uma ao da histria enquanto espetculo, mas ao enquanto experincia para

    a vivncia do prprio esprito.

    Durante muito tempo a histria foi influenciada pela cincia em sua forma metodolgica

    de trabalho. Locke colocou o Homem acima dos seres vivos na verdade ele chamava-os de

    seres sensveis dando-nos a certeza do conhecimento do esprito humano. Para o grande

    pensador os fatos deveriam ser recolhidos, observados e dispostos em classificao. A histria,

    no incio da sua construo, utilizou esta metodologia, sendo importante para as suas reflexes.

    Hume tambm foi no mesmo caminho, aproximando a cincia fsica das cincias da natureza e

    justificava a sua argumentao como uma fundamentao slida de se apoiar sobre a experincia

    e a observao.

    Collingwood acreditava que a histria ou cincia da natureza humana deveria se

    afastar das cincias da natureza, por acreditar que a analogia com estas prejudicaria a explicao

    correta dos acontecimentos humanos. Para compreender o esprito seria necessrio o mtodo

    histrico, que para este consistia na interpretao crtica dos documentos escritos e no escritos,

    sendo estes ltimos apreendidos com a arqueologia e toda gama de novos objetos que surgiam

    para investigao.

    A re-interpretao de paradigmas no mundo tem levado uma srie de questionamentos

    para a histria. Afinal, de qu histria falamos mesmo? a) A histria marxista tem passado por

    uma srie de interpretaes, tendo como representante a historiografia inglesa de Edward

    Thompson e Christopher Hill, classificada, segundo o professor Vainfas, em uma vertente

    moderna da histria cultural ou um exemplo de histria social marxista, herdeira dos militantes

    do Partido Comunista ingls (Eric Hobsbawn, Perry Anderson, etc). b) A histria das

    mentalidades, internamente calcada no estruturalismo, combatida pelos marxistas, hoje

  • reconhecida como Nova Histria Cultural. Se por um lado se encontra em franca decadncia

    esta maneira de se fazer histria, por outro, no menos verdade que inaugura um campo de

    ao nunca visto. Trs luz novos objetos para investigao, como a histria das mulheres, dos

    discursos, do corpo, da natureza (movimento ecolgico), sexualidade, etc.

    Inaugura-se uma nova fase da histria que a da transio entre a macro histria e a

    micro histria, cujo dilogo se faz entre a realidade concretamente construda do mundo fsico e

    a representao que esta faz junto aos indivduos, na verdade como uma construo que no

    pode ser separada, onde a complementao o resultado da transposio da maneira de como os

    homens se vem e constroem a sua realidade, em um mundo pr-estabelecido na relao de

    indivduo para indivduo, sem que a autonomia de esprito seja desrespeitada em seu raio de ao

    delimitado, ou seja, naquilo em que possvel agir, segundo sua condio de existncia e

    formao de mundo absorvida pelos indivduos sua volta; ou mesmo naquilo em que

    impossvel agir, revelando-se em um jogo dialtico de ao, ainda assim, estando limitado sua

    interpretao dos fatos de acordo com sua capacidade de formao cultural, conhecimento

    compartilhado e cultura herdada.

    Michel de Certeau, em A Escrita da Histria (CERTEAU, 2000), refletindo, sobre a

    prtica da histria e prxis social, nos diz que o fazer histria, ou seja, aquele que faz histria

    perdeu a afirmao de sentido como objeto de trabalho, para ganhar a afirmao do prprio

    modo como sua atividade, concluindo que aquilo que desaparece do produto aparece na

    produo do mesmo. A relao com o real mudou, segundo o autor, sendo que se o sentido no

    pode ser apreendido sob a forma de conhecimento particular porque o fato histrico resulta de

    uma prxis, sendo signo do jogo do sentido. Entendemos esta prxis no na perspectiva marxista,

    mas como relacionamento de procedimentos que permitem articular o entrelaamento com o fato

    social (envolvimento) e o distanciamento do mesmo.

  • Sem dvida, o termo ideologia no mais convm para designar a forma sob a qual a

    significao ressurgiu na tica ou no olhar do historiador. O uso corrente deste termo data do momento em que a linguagem se objetivou; quando, reciprocamente, os

    problemas de sentido foram deslocados do lado da operao e colocados em termos de

    escolhas histricas investidas no processo cientfico. Revoluo fundamental, preciso

    diz-lo imediatamente, pois ela substitui o fazer historiogrfico ao dado histrico. Ela

    transforma a pesquisa de um sentido desvendado pela realidade observada, em anlise

    das opes ou das organizaes de sentido implicadas por operaes interpretativas

    (CERTEAU, 2000, p41).

    Quando o autor fala em fazer histria est implcito, para o nosso entendimento, que o

    fazer est relacionado com a ao que faz histria, como o mesmo sugere. Assim, o discurso, a

    narrativa do texto que nos propomos a tecer, est relacionado com a forma de produo e o lugar

    social que ocupamos, com todos as vantagens e problemas advindos. Quando questionamos: de

    qu histria falamos?, estamos nos perguntando, na verdade, que indcios e fatos observamos

    sendo agente provocador no trabalho cientfico e, ao mesmo tempo, receptculo de formaes

    sociais de que fazemos parte. S podemos dar uma resposta concisa e objetiva: investigao!

    Investigar, neste caso, enquanto mtodo de interpretao histrica do mundo que nos

    cerca, apropriao e produo de significados, sendo que a narrativa, a forma de descrever

    estes significados, um objeto de sentido atribudo por aquele que o escreve, no sendo isento de

    interferncias, inseguranas e palpites instintivos. O significado que ser dado ao texto , em

    ltima instncia, interpretao do leitor. Porm, tal interpretao, depender, tambm, da

    capacidade, convenes e hbitos que este tem, que foi adquirida ao longo de uma vida pelo

    mesmo, como bem nos lembra Roger Chatier (CHARTIER, 1999), ou seja, por este conjunto de

    formaes comportamentais adquiridos junto a outros indivduos, ao longo da histria.

    A investigao histrica pode ser entendida, tambm, como a pesquisa de uma sociedade

    de indivduos para indivduos, onde o distanciamento e o envolvimento das relaes o processo

    dinmico da formao dos acontecimentos, de uma espcie de genealogia dos fatos sociais.

    Como envolvimento e distanciamento entendemos os graus de uma escala de possibilidades de

    comportamentos entre indivduos, estando estes mais prximos ou mais distantes em suas

    teias de relaes sociais. Estas possibilidades de ao em mundos perfeitamente concretos de

  • formaes humanas as mais variadas, so impulsos naturais dos seres que vivem em grupos

    humanos, sejam estes grupos pequenos ou grandes.

    Impulsos esses que se controlam mutuamente. Eles podem entrar em coliso, lutar para

    atingir compromissos ou hegemonias e formar coligaes em que sejam presentes nas

    mais diversas propores e sob as mais variadas formas em todas as suas variantes, contudo, a relao que se estabelece entre ambos que determina o percurso do

    indivduo (ELIAS, 1997, p17/18).

    Cada membro de um grupo humano ir vivenciar diferentemente as coisas do mundo que

    o afetam de acordo com a sua percepo e o seu padro de saber, bem como do nvel de

    conceitos que este compartilha com a sociedade no decurso do desenvolvimento humano destes,

    da sua histria. Neste sentido, a histria a relao de acontecimentos, de fatos, de indivduos

    para indivduos.

    muito comum em nossa formao humanstica aprendermos a separar sujeito e objeto,

    certo e errado, bem e mal, e assim por diante, ou seja, a dicotomia que elimina formas de

    compreenso que no precisam ser, necessariamente, excludentes. A dualidade deste tipo de

    pensamento acompanha a humanidade por milnios, sendo difcil conseguirmos nos libertar

    desta forma de pensar as coisas. Por muito tempo estas realidades diferentes se excluram e as

    particularidades psquicas e sociais dos seres humanos passaram a ser vistas separadamente e

    independentes entre si. Muitas vezes no nos damos conta de que hbitos lingsticos existem

    priori da nossa compreenso, hbitos que podem trazer termos viciados, ou seja, j com

    entendimentos que so dados como certos. Ao utilizar os termos envolvimento e distanciamento,

    Norbert Elias tenta fazer com que, termos menos utilizados no cotidiano, possam adquirir o

    significado a que se quer dar para suas explicaes, justamente por no representarem, por no

    estarem carregados ainda de significados dados ou qualquer coisa neste sentido.

    Assim, envolvimento e distanciamento no devem ser entendidos como antagnicos e

    dspares, antes, fazem parte de um mesmo processo de criao que prev a continuidade e jogo

  • de relaes em duas mos. Para ilustrar o que estamos afirmando vejamos o exemplo que Elias

    nos d:

    Certo filsofo afirmou um dia: ... quando Paulo fala sobre Pedro, conta-nos mais sobre

    Paulo do que sobre Pedro. Poderemos comentar o contedo desta frase, em termos gerais, do seguinte modo: quando Paulo fala sobre Pedro diz sempre, simultaneamente,

    algo sobre si mesmo. O discurso de Paulo envolvido, quando nele as suas caractersticas pessoais ensombram as de Pedro ou, generalizando ainda mais, quando

    no discurso as particularidades estruturais do sujeito que percepciona dominam as do sujeito que percepcionado. Quando o discurso de Paulo passar a transmitir mais

    informaes sobre Pedro do que sobre si prprio, o anterior ponto de equilbrio entre os

    dois plos comear a registrar uma deslocao a favor do distanciamento (ELIAS,

    1997, p18).

    A investigao histrica desta genealogia dos fatos sociais que propomos,

    evidentemente se faz a partir do interesse do investigador, da escolha dele, e da teia de relaes

    que este compartilha ao investigar em uma pesquisa participante, por exemplo.

    O que durante muito tempo, dentro da historiografia foi considerado natural, no o

    necessariamente. Como os homens so educados, como se relacionam entre si? Qual o grau de

    cortesia, gentileza, urbanidade, civilidade? O modo de conduta na civilizao dos costumes

    no existiu sempre, ao longo da histria, como algo natural nos homens. At que fosse possvel

    controlar os impulsos para que as negociaes acontecessem foram necessrios sculos de

    apaziguamento e mudanas efetivas de atitudes. Por detrs da histria, se que podemos falar

    assim, a moralidade, por exemplo, foi um processo de adestramento que terminou fazendo com

    que o homem fosse um ser previdente e previsvel, sem desconsiderarmos que tal adestramento

    tem o seu custo para os acontecimentos, para os fatos sociais. A histria, portanto, deve levar em

    considerao que este processo de longa durao liberta costumes e acarreta responsabilidades.

    Costumes so aprendidos e responsabilidades ensinadas e cobradas por cada sociedade de

    indivduos.

    Nenhum ser humano chega ao mundo, segundo Elias, civilizado. Individualmente ele

    sofre influncia do processo civilizador que encontrado pronto, j determinado antes de seu

    nascimento. Isto no significa que ele no possa agir futuramente, mas, tambm, no significa

  • que agir repentinamente, significa apenas que, dentro do processo, as transformaes sero

    paulatinas e graduais.

    ... mesmo na sociedade civilizada, nenhum ser humano chega civilizado ao mundo e

    que o processo civilizador individual que ele obrigatoriamente sofre uma funo do

    processo civilizador social. Por conseguinte, a estrutura dos sentimentos e conscincia

    da criana guarda sem dvida certa semelhana com a de pessoas incivis. O mesmo se aplica ao estrato psicolgico em adultos que, com o progresso da civilizao,

    submetido com maior ou menor rigor a uma censura e, em conseqncia, encontra nos sonhos uma vlvula de escape. Mas desde que, em nossa sociedade, todo ser humano

    est exposto desde o primeiro momento de vida influncia e interveno

    modeladora de adultos civilizados, ele deve de fato passar por um processo civilizador

    para atingir o padro alcanado por sua sociedade no curso da histria, mas no atravs

    das fases histricas individuais do processo civilizador social (ELIAS, 1994, p15 nota).

    Norbert Elias inaugura uma forma de fazer e interpretar a histria que indito em sua

    percepo de constituio da compreenso da mesma. A anlise de pequenos comportamentos

    pode nos revelar formas de compreender que foi deixado de lado durante muitos anos pela

    histria oficial. No se trata de observar apenas o sujeito ou o objeto, mas de entender que

    a relao envolvimento e distanciamento se faz dentro de possibilidades socialmente construdas

    em processos psicolgicos e sociolgicos. Ao analisar a sociedade feudal em O Processo

    Civilizador (ELIAS, 1994), e a formao da organizao social do que denominamos Estado e

    a transferncia de fora da violncia dos guerreiros feudais para esta instituio humana,

    demonstra que a compreenso da tendncia para a formao de monoplios nesta poca histrica

    no diferente da compreenso que temos para entender a nossa prpria monopolizao de

    fora do nosso presente e que as interconexes sociais advindas desta forma de organizao que

    modelam a sociedade (o conjunto de indivduos) e o indivduo desempenham tipos de vivncia

    do sentimento de medo e do papel que cada indivduo ir exercer.

    Este modelo de fazer histria trs como prtica metodolgica a comparao entre

    sociedades deslocadas no tempo e com formaes diferenciadas em cada ritmo advindo de seu

    tipo de organizao, porm, com formaes semelhantes por estruturas experimentadas em

    situaes concretas, reveladas, na obra do autor, explicitamente, em estruturas de medos e

  • vergonhas, em um patamar de delicadeza que concretamente descrito em atitudes tomadas,

    como por exemplo a forma de se sentar, de comer, etc. Por fim, esta maneira de entender a

    histria rompe com teorias que forosamente impuseram a sua viso de mundo e aplicaram-na

    em situaes construdas para atender esta ou aquela ideologia.

    De que histria falamos mesmo? Falamos de uma histria onde, como

    participantes, em uma relao de ns, arranhamos observaes, as quais foram apresentadas

    como um ensaio de apontamentos e, parcialmente, uma viso de mundo.

  • 1.2 - GRUPO DE TRABALHO

    A maneira como cada um dos membros de um grupo vivencia o que quer que possa

    afetar aos seus sentidos e ao significado que atribui s suas percepes esto

    dependentes do padro de saber e, assim sendo, do nvel de conceptualizao atingido

    pela sociedade a que pertence no decurso do desenvolvimento histrico (ELIAS, 1997,

    p20).

    O presente trabalho inicia-se com a descrio de acontecimentos (a gnese do trabalho de

    campo), pois, consideramos que as pessoas representam o segmento mais importante de uma

    pesquisa e que, via de regra, acabam sendo substitudas por conceitos e teorias. Seguimos nossa

    apresentao nos seguintes temas que julgamos importantes: pessoas, interesses, encontros,

    convivncia e espao fsico.

    No incio do ano 2000, na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, fui convidado por uma

    colega de faculdade, Patrcia Paula Lima (tambm graduada em Histria/UFOP), a integrar uma

    equipe de monitoramento para desenvolver um projeto de pesquisa de monografia

    (Especializao e Meio Ambiente / Lato Sensu) que esta estava iniciando na Universidade de

    So Paulo, no Centro de Recursos Hdricos e Ecologia Aplicada da Escola de Engenharia de So

    Carlos, sob orientao do Professor Doutor Carlos Eduardo Matheus. O trabalho consistia em um

    monitoramento fsicoqumico das guas de uma alguma bacia hidrogrfica (ph, condutividade,

    temperatura, etc), em Ouro Preto, junto a um determinado pblico alvo a ser escolhido pela

    pesquisadora ou, como aconteceu, escolhido pelo grupo envolvido no projeto. Assim, partiu-se

    para a constituio de um grupo de monitores e dos possveis locais a serem estudados. Iniciei

    um dirio de campo para anotaes de impresses do grupo como um todo e do desenrolar das

    atividades, pois o interesse, naquele momento, era entender, e ainda , sobre Educao

    Ambiental e iniciar um mestrado na rea. Sendo graduado em Histria e com pouca experincia

    em trabalhos ligados biologia, fsica, qumica, iniciei o monitoramento como principiante,

    podendo contribuir com meus conhecimentos em histria e com a experincia prtica de

    professor (em 2000 completava onze anos de magistrio). A pesquisadora recebia orientao da

  • sua especializao, o que nos tornava positivamente distantes no sentido acadmico, com

    olhares diferentes sobre as questes ambientais e percepes da natureza. Ao longo da

    composio dos membros do grupo fomos percebendo que essas diferenas de olhares eram o

    elemento comum, alm de ser o mais rico.

    Na poca o grupo era formado por dois graduados em histria, dois estudantes (Fabiana:

    final de curso / UFOP; Melissa: meio de curso / UFOP e estudante do curso tcnico de meio

    ambiente da Escola Tcnica Federal de Ouro Preto), um estudante de filosofia (Alison:

    dedicando-se ao estudo de filosofia para crianas / UFOP), um estudante de biologia (Fernando:

    preocupado com insetos / UFOP) e por um pblico flutuante (s vezes presente) de estudantes

    de direito, farmcia, qumica industrial, engenheiros geolgicos, etc. Ainda, professores, mestres

    e doutores, ajudaram muito no trabalho, pois uma dica aqui e outra ali foi essencial. Alm

    destas pessoas envolvidas mais diretamente podemos considerar, fazendo parte deste grupo,

    alguns comerciantes de Ouro Preto (uma padaria e um comrcio) que acreditaram na idia de

    colaborar com um projeto de educao ambiental, e a Prefeitura Municipal de Ouro Preto, alm

    do Departamento de Extenso da Universidade Federal de Ouro Preto (Tcnicos

    Administrativos: Profa Neide Gomes e Flvio Andrade).

    O grupo base, de seis pessoas, encontrava-se, em mdia, quatro a cinco vezes por semana,

    seja para realizar tarefas prticas de campo, seja para estudar e pesquisar nas bibliotecas setoriais

    da universidade (UFOP) ou mesmo trocar idias e impresses do trabalho.

    Sabamos que monitoraramos um grupo de jovens a fim de fazer um trabalho de

    Educao Ambiental, entretanto no sabamos exatamente o que significava isso. Tnhamos

    conscincia de que o trabalho seria em campo, s margens de algum rio. Assim, a primeira

    providncia foi escolher o lugar a ser monitorado. Entretanto, quais critrios utilizar? Por que

    determinado rio e no outro? Uma srie de questes foram surgindo. Diante de cada dificuldade

    discutamos em grupo o que fazer. A sada, ento, seria realizar um levantamento de campo.

  • Decidimos escolher algumas nascentes e fomos conhec-las in loco. Percorremos algumas

    trilhas j abertas e outras em mato fechado. A preocupao era aliar segurana com rea de

    acesso, pois j tnhamos em mente que o trabalho seria realizado com crianas e jovens. Ao

    longo destas caminhadas tivemos a oportunidade de conhecer a diversidade vegetal de Ouro

    Preto, a verticalizao do solo, parecendo que as rochas brotavam do cho. Diria hoje que

    este momento de sensibilizao foi muito importante. Sentia que amos para a biblioteca do

    Departamento de Geologia (UFOP) a fim de ler artigos nos quais, na maioria das vezes,

    tnhamos muita dificuldade, pois no se tratava de nossa formao. Porm, no momento em que

    estvamos no campo conseguamos fechar algumas teorias, identificar algum mineral, e assim

    sucessivamente. Quer dizer, a sensibilizao do sentir, do vivenciar, aliado a teoria pesquisada,

    nos faz conscientes da responsabilidade do intervir, essencial para agir no meio fsico. Ao

    mesmo tempo, os comportamentos so repensados e passamos a controlar nossos impulsos a

    partir do momento que vivenciamos homem e natureza como um ser apenas, um ns. Nos

    permitimos nos deixar envolver com o trabalho de campo.

    Enquanto o local ia sendo investigado, tnhamos a necessidade de selecionar voluntrios.

    O primeiro contato foi realizado junto ao Estado de Minas Gerais, na 25a. Superintendncia

    Regional de Ensino de Ouro Preto. Aps uma conversa com a secretria de educao, uma

    funcionria foi colocada ao nosso dispor para acompanhar o projeto. Anotei no meu dirio de

    campo a expresso usada quando dissemos que era uma atividade de educao ambiental, disse a

    mesma: - Acho que recebemos um material do Estado. L de cima... Aps investigar

    quatro armrios em meio a pilhas de papis desordenadamente disponibilizados em algumas

    tortas prateleiras de ao, surge um kit de educao ambiental produzido pelo governo federal,

    devidamente empacotado e lacrado em plstico, sem nem mesmo ter sido aberto se quer por

    curiosidade (MMA: Coleo gua, Meio Ambiente e Cidadania). O material j estava

    guardado h algum tempo, pois a funcionria nos informou que havia chegado em 1999, quer

  • dizer, por pelo menos um ano. Apesar de todos os encontros ambientais realizados no Brasil e no

    mundo, vemos o descaso em que anda a educao ambiental. O nico material disponvel, neste

    caso, estava engavetado. A empolgao da funcionria, por outro lado, nos surpreendeu, uma

    vez que esta gostaria que fizssemos uma palestra sobre educao ambiental, o que rejeitamos

    imediatamente, pois no nos sentamos preparados para falar de um tema em que nem ns

    sabamos o que fazer. Isso revelou o despreparo, tambm, de pessoal qualificado para coordenar

    programas de educao ambiental formal. De uma maneira ou de outra, foi aberto o espao para

    apresentar o nosso projeto e conseguir professores e alunos voluntrios em uma escola de

    periferia (propositalmente escolhida por ns, por se tratar de uma escola com crianas de baixa

    renda). Tudo arranjado, reunies realizadas, carro disponibilizado para o transporte, lanche para

    as caminhadas (comerciantes), kit de anlise de gua (USP), UFOP contatada, etc: os

    professores da rede estadual resolvem entrar em greve por questes salariais. Quatro meses de

    projeto desarticulado.

    incrvel como o Estado, que tem poder de regulamentao e confronto de ao em

    polticas pblicas ambientais, ainda se perca em capacitao direcionada em seu corpo tcnico.

    Toda a sensibilizao de questes ambientais nesta secretaria, por exemplo, embora tenho

    certeza de que esta no uma exceo, limita-se em engavetar bons materiais produzidos e

    marcar em seu calendrio sesses cvicas, no sentido pejorativo da palavra, de homenagens ao

    dia da gua, dia do meio ambiente e etc. Pilhas de papis so gastos para cartazes que enfeitam

    paredes e acabam no lixo, perdendo todo o seu potencial de reflexo. Terrveis jograis impostos

    sob pontos positivos (notas) minguados, fazem de vtimas jovens, os quais poderiam ter uma

    relao mais prazerosa em questes ambientais. A implementao, em poltica pblica, da

    questo ambiental em secretarias de educao deveria estar sendo pensada conjuntamente com a

    universidade brasileira. No para atender um grupo de estudantes apenas, como fizeram conosco,

    mas para que o acompanhamento fosse realizado em conjunto e o estudo desenvolvido em grupo

  • de trabalho. Seria a oportunidade para que funcionrios pblicos mal preparados se

    qualificassem a fim de atender melhor a comunidade escolar dos municpios de sua

    responsabilidade. Enfim, de fazer a sua obrigao de maneira clara e objetiva. Alm disso,

    acreditamos na necessidade de ambientalizar o currculo do ensino em todos os nveis, ou seja,

    de incorporar a questo ambiental nas disciplinas, em planejamentos interdisciplinares de fato.

    Hoje percebo que esta foi a nossa primeira lio de Educao Ambiental: a formao de

    um currculo ambiental importante, porm, pessoas precisam ser, urgentemente, preparadas

    para lidar com este universo. Este um dever do Estado, que necessita corrigir, pelo menos na

    superintendncia de Ouro Preto embora no duvide que o problema seja nacional (com

    algumas excees) a formao de seus servidores (universidades, professores, etc).

    Comeam novos estudos. Inicialmente havamos escolhido um local para a coleta e

    monitoramento de gua que ficava dentro de uma companhia desativada. Apesar da legislao

    proteger reas de nascentes e margens de rios, na prtica, a situao diferente. No obtivemos

    autorizao para realizar o trabalho dentro da propriedade privada da companhia. Oficialmente

    conseguiramos uma autorizao da justia, pois a gua um bem coletivo protegido por lei,

    entretanto, a morosidade da burocracia da justia nos desanimou. Assim, definimos uma nova

    rea: a Estao Ecolgica do Tripu (E.E.T. / Instituto Estadual de Florestas), sob autorizao do

    administrador da estao na poca. Quanto aos alunos, investimos em um projeto da Prefeitura

    de Ouro Preto, conhecido como Jovens de Ouro, em parceria entre a Universidade Federal de

    Ouro Preto e a iniciativa privada (vrias empresas). O projeto tem como finalidade, entre outras,

    propiciar assistncia para jovens (crianas e adolescentes que ainda so vistos como menores,

    pela sociedade) em situao de risco social. Assim, iniciamos nosso trabalho de Educao

    Ambiental na Estao Ecolgica do Tripu. Para facilitar a fala entre todos do projeto, passamos

    a design-lo como Tripu.

  • ... de que modo um grande nmero de indivduos compe entre si algo maior e

    diferente de uma coleo de indivduos isolados: como que eles formam uma

    sociedade e como sucede a essa sociedade poder modificar-se de maneiras especficas, ter uma histria que segue um curso no pretendido ou planejado por

    qualquer dos indivduos que a compe. (ELIAS, 1994, p16)

    Na poca no tnhamos noo das palavras de Norbert Elias acima citadas, pois, quando

    se est absorvido em um trabalho de campo, difcil separar o conhecimento cientfico da nossa

    bagagem cultural que trazemos de nossos antepassados, da nossa cultura herdada. Fomos

    lentamente planejando algumas atividades que no saiam necessariamente da maneira que

    havamos imaginado, isso aprendemos a duras penas, entretanto, logo tambm aprendemos a nos

    movimentar enquanto um grupo de indivduos.

    Cada pesquisador envolvido no projeto tinha um interesse especfico. Hoje isto mais

    fcil de ser visualizado, pois o tempo demonstrou que a questo ambiental era o elemento

    comum. No pretendemos dar o paradeiro de cada um, entretanto, vale lembrar que todos esto

    trabalhando com a temtica ambiental em seus projetos acadmicos. Cada um sua maneira,

    cada um com seus sonhos de ambientalismo e ideais de natureza.

    O trabalho em grupo envolve autocontrole, participao e cooperao. Grupos humanos

    tendem a disputar poder entre si, talvez por vaidade, talvez at mesmo pela natureza humana. De

    qualquer maneira, nosso trabalho, em nenhum momento, teve discusses desta natureza. Claro,

    havia embates tericos e prticos quanto a estratgias, obteno de recursos e questes

    administrativas, mas, nunca, em nenhum momento, senti qualquer constrangimento ou clima

    pesado em disputas de poder. Conseguimos, imagino, o que poucos grupos conseguem em

    trabalhos deste gnero. Acredito que a afinidade de comportamentos tenha ajudado neste

    aspecto. Mas tinha de encontrar alguma evidncia de processos anteriores; no podia ser apenas

    uma afinidade do nada. Bem, aqui precisamos contar uma breve histria da Universidade Federal

    de Ouro Preto; em particular, da Escola de Minas, pois acredito que esta afinidade, em parte, foi

    propiciada pela figurao que a estrutura da mesma comporta, uma vez que foi pensada em ser

  • um centro de ensino que aliasse teoria e prtica, em uma convivncia de esprito cientfico entre

    os estudantes ocupando os mesmos espaos, at de moradias (as repblicas estudantis).

    A Escola de Minas de Ouro Preto foi criada em 1876, segundo Jos Murilo de Carvalho

    em A Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glria (CARVALHO, 2002) por um ato

    de vontade poltica de D. Pedro II. Foi criada no momento em que engenheiros de minas e

    gelogos no eram prioridade em uma economia cafeeira. A criao da escola ficou a cargo do

    francs Claude Henri Gorceix e deu-se dentro do contexto do esprito iluminista (reforma

    pombalina) e da nfase do deslocamento do estudo jesutico-religioso para a histria natural

    (botnica, mineralogia, qumica, fsica, matemtica). A mentalidade introduzida por Gorceix

    pode ser evidenciada em um trecho de uma carta que este manda ao imperador:

    ... sua inteno era introduzir o estudo da geologia e da mineralogia, mas tambm criar

    um estabelecimento onde estas cincias pudessem ser ensinadas com os mtodos de

    meus mestres e onde fosse possvel submeter os alunos a um trabalho com base ao

    mesmo tempo terica e prtica (CARVALHO, 2002, p92).

    Neste momento duas evidncias so essenciais para o desenvolvimento de um

    comportamento de pesquisa dos estudantes de Ouro Preto que se encontram at os dias de hoje: a

    continuidade das lies de Gorceix no que diz respeito pesquisa de campo com disposio dos

    alunos para trabalharem, inclusive, nos lugares mais distantes (tambm uma tradio da escola e

    hoje da universidade) e a convivncia nas repblicas da cidade, que aglutinam estudantes e criam

    um espao de uma prtica de troca de experincias e estudos. De alguma maneira, nosso grupo,

    em sua maioria oriunda de outros institutos da Universidade Federal de Ouro Preto, capitalizou o

    que o fundador da Escola de Minas idealizou enquanto instituio. A convivncia com outros

    cursos propiciou que levssemos a campo este tipo de trabalho, to comum para as cincias

    naturais, porm, estranho para a cincia histrica acostumada a pesquisar em arquivos, portanto,

    em espao fechado. A convivncia s possvel, tambm, porque compartilhamos a cultura das

    repblicas, espaos destinados no apenas para festas como querem alguns, mas para o debate

  • cientfico, uma vez que agrega muitos estudantes de diversas matrizes cientficas e mtodos

    dspares. Por fim, nos permitimos nos aceitar enquanto diferentes e respeitar estas diferenas,

    mostrando para a tradio ouropretana da Escola que o esprito de pesquisa do fundador vai

    muito alm do que simplesmente uma aglutinao de perpetuao de prticas muitas vezes nada

    sadia, como submisses, trotes, etc.

    Para discutirmos o trabalho em que estvamos empenhados, nos encontrvamos

    praticamente todos os dias da semana. Debatamos relatrios, questionrios de pesquisa,

    metodologias, visitas s bibliotecas setoriais, sempre sedentos por encontrar alguma bibliografia

    que nos dissesse como se faz educao ambiental (no encontramos nenhuma!), questes

    financeiras (financiamos a maior parte da pesquisa), e uma infinidade de assuntos.

    O espao fsico da repblica estudantil o grande lugar a ser utilizado quando se age com

    seriedade, sem perder o esprito jovem, pois propicia que o comportamento seja natural, entre

    iguais, como pode ser visto abaixo:

    ....s pode haver uma vida comunitria mais livre de perturbaes e tenses se todos os

    indivduos dentro dela gozarem de satisfao suficiente; e s pode haver uma

    existncia individual mais satisfatria se a estrutura social pertinente for mais livre de

    tenso, perturbao e conflito (ELIAS, 1994, p17).

    O grupo conseguiu uma vida comunitria sem a presena de presses. A satisfao de

    estar trabalhando com educao ambiental, ainda fosse inicialmente uma viso romntica da

    mesma, superou qualquer grau de presso.

    O comportar-se entre iguais, em um comportamento natural, diz respeito, por exemplo,

    em concretizaes evidenciadas no linguajar. Assim, a comunicao um dos elementos de

    identificao de atitudes concretas. Espera-se do indivduo que este saiba comportar-se perante a

    nova sociedade na qual estar participando. Como em toda instituio de ensino, alguns termos

    e vcios de linguagem so criados historicamente e de acordo com a figurao que esta ocupa.

    Em Ouro Preto, na comunidade estudantil, por exemplo: ferrar significa estudar o dia inteiro,

  • na verdade aplica-se como um verbo; terico o sujeito que se preocupa em demasia com os

    estudos, no tendo tempo nem para festas; doutor o estudante mais velho que j tem uma

    bagagem de experincia no apenas no sentido acadmico (quantificado em crditos), mas

    tambm no sentido de convivncia do dia-a-dia de uma vida republicana; cascudo o

    estudante de segundo grau que est se preparando para entrar na universidade e quebrar a casca,

    a fim de comear a estudar de verdade; bicho o primeiro anista; vento a punio aplicada

    quele que fez algo que desagrade quela figurao social, bem como expressar uma relao de

    poder, de medio de grau de fora e submisso neste jogo social; e assim por diante.

    Cada uma destas expresses revela mais do que brincadeiras estudantis. So levadas

    muito srio dentro desta hierarquia, chegando mesmo a aflorar em alguns espritos fascistas,

    com comportamentos nada sadios. Por outro lado, quando encarado com esprito de

    camaradagem revela-se em uma importante unidade de transformao e exemplo de coletividade,

    ditando formas de se comportar que modelam atitudes civilizadas, de cooperao. Ainda, a

    negao de tal estrutura tambm fator importante, pois marca formas de se comportar, que no

    legitimam, antes, questionam com comportamentos civilizados o que no fazer. De uma

    maneira ou de outra, o fato que o grupo de trabalho convivendo dentro desta estrutura

    legitimando-a ou negando-a - conseguiu importantes resultados.

    necessrio falarmos isto uma vez que, aos olhos da comunidade ouropretana e dos

    prprios voluntrios do projeto, no deixamos de ser um grupo privilegiado que se beneficia com

    alimentao muito abaixo do custo de mercado (restaurante universitrio - bandejo), moradias

    gratuitas (repblicas da universidade) e educao gratuita, por tratar-se de uma instituio

    federal. O que deveria ser direito de todos, como manda a constituio do pas, transforma-se em

    privilgio de alguns. Quer dizer, o que , internamente, uma hierarquia de convivncia revelada

    em atitudes e palavras, , externamente, nada mais do que uma estudantada burguesa

    privilegiada, ainda que muitos sejam das classes mdia e baixa. A disputa de grupos humanos

  • tnue em sua forma de se relacionar, ainda que haja interdependncia de convivncia, certo de

    que nenhum grupo vive isolado. O autocontrole uma das faces do processo civilizador que

    permite o crescimento do esprito humano, do agir em sociedade.

    De maneira geral a comunidade ouropretana depende em boa medida da universidade

    federal, ao mesmo tempo em que a universidade tenta, atravs de muitos projetos, levar a

    melhoria da qualidade de vida para estas pessoas e solicitar muitos de seus servios estruturais,

    selando um lao de interdependncia. Diramos que uma relao de amor e dio, onde somente

    a convivncia pode ser o fator aglutinador de atitudes de compreenso e, por que no, de

    ascenso social.

  • 1.3 A ESCOLHA DA BACIA HIDROGRFICA

    ... bastante caracterstico das sociedades modernas o fato de a dimenso de suas

    hipteses de controle sobre as relaes naturais ser superior e crescer com maior

    rapidez do que a dimenso relativa s hipteses de controle das relaes sociais

    (GEBARA, 1998, p144).

    Escolher uma bacia hidrogrfica para estudar parece algo fcil. Delimita-se um local e

    passa-se, logo em seguida, a realizar visitas monitoradas. No bem assim! Tivemos de aprender

    na prtica com os erros cometidos e os carrapatos capturados ao longo da jornada (interao

    nada agradvel com o meio fsico).

    Inicialmente, como j dissemos na introduo, a idia era aliar segurana, fcil acesso e

    beleza cnica (nos preocupvamos que o lugar fosse bonito, a fim de sensibilizar as pessoas

    envolvidas), afinal somos humanos e gostaramos que a atividade pedaggica fosse prazerosa

    para todos (idealizao da idia de natureza; atividade rural dentro do espao urbano, para que

    pudssemos eliminar alguns custos). Passamos a visitar nascentes em Ouro Preto (permetro

    urbano). Descobrimos um timo lugar, porm, dentro de uma empresa desativada, o que

    acarretaria autorizao judicial, cuja morosidade no poderamos esperar para obter resultados

    mais imediatos, at porque j havamos perdido tempo, ironicamente, com a superintendncia de

    ensino. Percebemos que as questes ligadas gua so de grande conflito, pois envolvem

    tenses de poder entre diversos agentes sociais, onde, via de regra, o lucro um direito privado

    de quem a explora, porm, o prejuzo, socializado por toda a sociedade.

    Durante as caminhadas conhecemos vrias pessoas que moram no entorno do permetro

    urbano e mantm uma vida rural muito simples, selando cavalos, criando mulas e,

    eventualmente, possuindo luz, sistema de esgoto, etc, enfim, infra-estrutura. O modo de

    caminhar, de andar, destas pessoas, era diferente do nosso. Elas andam lentamente, talvez devido

    ao terreno (a topografia), ou mesmo devido ao modo de vida (estilo), em que os horrios so

    diferenciados, cuja finalidade no atende a uma demanda das necessidades da vida da cidade, do

  • suprfluo e do consumo de maneira geral. Em muitos momentos vinha-me a idia de que o

    tropeiro, o criador de mula do sculo XVIII, estava bem ali na minha frente. Levando os seus

    animais para pastar, carregando lenha, comprando o bsico para se alimentar (farinha de milho,

    feijo, etc), quer dizer, uma imagem congelada do ciclo da minerao que convive com a

    modernidade da cidade, do turista japons, europeu, do dia-a-dia da universidade. Que mundo

    to distante e ao mesmo tempo to prximo geograficamente!

    Partimos para outra rea de pesquisa do terreno: a E.E.T. Esta surgiu da idia de Rogrio

    Junqueira de Mello, estudante de geologia (UFOP), uma vez que o mesmo j havia realizado um

    estudo sobre sedimentos. Era importante conhecer um pouco da rea e a composio do solo. Na

    poca o administrador da estao era o engenheiro agrnomo Aristides Salgado Guimares Neto

    (o Neto, como conhecido) e o tcnico agropecurio Alexandre Negreiros (um conhecedor do

    mato, um verdadeiro mateiro, aquela pessoa que nasceu e viveu na roa por toda a vida).

    Ambos foram muito solcitos e colocaram disposio toda a estrutura da estao ecolgica

    (laboratrio, salo para palestras, etc).

    A categoria geral de estao ecolgica foi criada por uma resoluo do Conselho

    Nacional de Meio Ambiente:

    ... Art. 1 - Declarar como Unidades de Conservao as seguintes categorias de Stios

    Ecolgicos de Relevncia Cultural, criadas por atos do poder pblico: a) Estaes

    Ecolgicas; b) Reservas Ecolgicas; c) reas de Proteo Ambiental, especialmente

    suas zonas de vida silvestre e os Corredores Ecolgicos; d) Parques Nacionais,

    Estaduais e Municipais; e) Reservas Biolgicas; f) Florestas Nacionais, Estaduais e

    Municipais; g) Monumentos Naturais; h) Jardins Botnicos; 1) Jardins Zoolgicos; e j) Hortos Florestais (CONAMA Dirio Oficial da Unio de 18/03/88, seo I, pgina 4.563).

    Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica), as estaes ecolgicas

    representam 0.44% do territrio nacional (dados de 1996). As estaes seriam reas

    representativas de nosso ecossistema, destinadas pesquisa de proteo ambiental e ao

    desenvolvimento da educao conservacionista. So espaos pblicos, com limitao do espao

  • geogrfico, pr-definido, bem como denominao e administrao. Possuem uma finalidade que

    no pode ser mudada.

    A rea da E.E.T. envolve parcialmente a microbacia do crrego Tripu que, em conjunto

    com a microbacia dos crregos Margazo e Botafogo, integram uma unidade sistmica maior, a

    bacia de drenagem. Utilizamos a poro inferior da sub-bacia do crrego Botafogo, por

    entendermos que uma bacia hidrogrfica um demonstrativo fiel e indicador receptivo das

    atuaes humanas, portanto, dos impactos ambientais. A Estao Ecolgica do Tripu (E.E.T.)

    tornou-se um espao privilegiado para a sensibilizao dos problemas ambientais junto

    comunidade, sendo um espao destinado pesquisa de campo, graas ao variado grau de

    situaes ecolgicas ocorrentes. A E. E. T. constitui-se em uma rea de aproximadamente 337,0

    hectares, caracterizando-se em uma rea de transio entre os domnios da floresta atlntica e os

    cerrados.

    A E.E.T. recebeu da UNESCO a titulao de Reserva da Biosfera da Mata Atlntica

    (FEAM, 1995). A rea subdividida em 6 pores, entre pomares, apirio, etc. Limitam-se ao

    norte e ao nordeste por rochas xistosas da formao Sabar, ao sul e ao sudeste por filitos

    grafitosos da formao barreiro e alguns afloramentos de quartzito. Seu relevo ondulado e

    montanhoso. No solo h presena de minerais primrios facilmente intemperizados, a fertilidade

    natural muito baixa, devido aos reduzidos teores de Ca, Mg, K e P e a acidez elevada,

    contendo excesso de Al (Fundao Centro Tecnolgico de Minas Gerais, CETEC 1996).

    Ocorrem as fisionomias tpicas dos dois domnios, ou seja, possui florestas de

    mesfilas, campo limpo e campo sujo de cerrado, brejos permanentes, reas de transio entre os

    tipos citados, reas com sucesses secundrias (natural e antrpica), capoeiras e reas cultivadas.

    Esta vasta vegetao abriga vrias espcies de animais, uns dos quais, ameaados de extino.

    So elas: aves tesourinha, ave pavozinho-do-mato, o lobo-guar, macaco-sau, e,

    finalmente, uma espcie ameaada, o Peripatus acacioi (PORTARIA 1522 - IBAMA), ator

  • principal da estao ecolgica, por isso a rea foi criada, datando o ano de sua descoberta em

    1978. Este local, antes era destinado a fruticultura, mas caminhava para a total destruio de seu

    meio, por idia de transform-la em zona industrial de Ouro Preto.

    ... O gnero Peripatus faz parte do grupo dos Onychophora, que hoje em dia possui

    mais ou menos 70 espcies distribudas em regies tropicais (ndias, Himalaia, Congo

    e Amrica do Sul) e temperadas do hemisfrio sul (Austrlia, Nova Zelndia, frica do

    Sul e Andes), sendo nenhuma espcie encontrada ao norte do Trpico de Cncer. Alguns autores acham que estas espcies podem ser os ancestrais mais provveis dos

    Artrpodes Unirremes como o piolho-de-cobra, centopias e insetos. Os onicforos

    tm sido descritos como o Elo Perdido entre os aneldeos e os artrpodos devido a muitas semelhanas com ambos os grupos (Barnes, 1990). (LIMA, 2000)

    A espcie Peripatus acacioi habita as cavidades do solo em aproximadamente 40 cm de

    profundidade, prximos s cabeceiras e ao longo dos cursos dgua, sob uma cobertura vegetal

    que propicia um sombreamento adequado com uma umidade saturao e claridade muito fraca

    ou nula e uma temperatura constante inferior 20oC. Durante a estao seca, procuram a parte

    mais mida e profunda do solo se agrupando em galerias. Com o retorno das chuvas, voltam para

    prximo superfcie do solo e se dispersam. Eles so extremamente dependentes de seu habitat

    no sendo capaz de migrarem.

    O corpo do Peripatus acacioi alongado com o comprimento variado entre 20 e 56 mm.

    Sua colorao prpura-escura (dorsalmente), sendo a parte ventral mais clara, lils-

  • avermelhada. As caractersticas evolutivas tpicas do grupo so: presena de antenas, unhas nas

    terminaes dos ps (lobados) e dentes nas mandbulas. O corpo formado por anis, o que do

    tipo aneldeos. Seu hbito alimentar carnvoro, com uma interessante estratgia alimentar e de

    defesa que consiste na imobilizao da presa atravs de um jato de muco produzido por um par

    de glndulas adesivas e lanado por duas papilas orais localizadas ao redor da boca. A secreo

    endurece quase que imediatamente, envolvendo a presa em uma rede de filamentos adesivos. A

    determinao do sexo pode ser feita atravs da contagem dos lobpodos, pois os machos

    possuem de 24 a 26 pares e as fmeas de 27 a 29 pares de lobpodos

    A espcie foi objeto de inmeros trabalhos cientficos, principalmente ao que se refere

    morfologia (histologia), entretanto, pouco se estudou sobre sua ecologia, no

    existindo informaes sobre sua distribuio e status populacional na E.E.T., sendo um

    dos projetos prioritrios. (Aristides Salgado G. Neto, Administrador da E.E.T., em

    2000)

    Acredita-se que a cola produzida pelos lobpodos do Peripatus acacioi tem o

    potencial de utilizao medicinal, ou seja, poderia ser utilizado no lugar de pontos tradicionais

    em cirurgias.

    Tripu, na lngua Tupi, significa gua de fundo sujo, devido as suas guas rolarem

    sobre leito de pedras e areias negras. Os primeiros achados de ouro, pelos bandeirantes, datam de

    1695 / 1696, durando at o final do sculo XVIII. No Tripu extraiu-se ouro.

    Em 01/05/1891 foi instalado o ramal ferrovirio ligando a capital da provncia. A linha

    frrea corta todo o vale do Tripu no sentido norte-sul e em um ponto do crrego Tripu, atravs

    de um pontilho com cerca de 10 metros, na poro leste da Estao, prximo atual vila dos

    moradores. H informaes de ter sido inaugurado, em 1891, no vale do Tripu, ao longo da

    Estrada de Ferro Central, o Prado Ouropretano, com uma pista de aproximadamente 1000

    metros para corrida de cavalos. Esta era uma rea de lazer para as famlias ricas da regio e os

    scios do Prado. At 1972 o nosso Peripatus acacioi esteve ameaado, uma vez que fazia parte

  • dos planos da cidade abrir a rea para a expanso industrial. . Em 24/04/1978, foi oficializada a

    criao da Estao Biolgica do Tripu, em uma rea de 392,0 ha, juntamente foram declarados

    de utilidade pblica para fins de desapropriao os terrenos necessrios implantao da

    unidade, estes abrangiam os terrenos pertencentes antiga subestao experimental de

    fruticultura, a propriedades particulares como o SESC (Servio Social do Comrcio) e a ALCAN

    (Alumnios Canadenses), entre outras.

    Em 1984 tanto as propriedades da ALCAN como o da Siderrgica Nacional (atual

    SESC), foram contatadas para a doao dos terrenos abrangidos pela estao. Em 28/12/89, foi

    transferida Fundao Estadual do Meio Ambiente (FEAM) a responsabilidade pela

    administrao da E.E.T. Em 29/07/96, ela novamente transferida para o Instituto Estadual de

    Florestas IEF, onde se encontra at a presente data.

    Com todas estas transferncias e transformaes burocrticas, entretanto, a rea foi tida

    como de lazer dentro do permetro urbano. Apesar de receber o ttulo de Estao Ecolgica, ou

    seja, uma rea para estudo, os moradores do entorno utilizam-na para jogar bola, nadar, pescar,

    caar (clandestinamente), apesar do trabalho educativo dos administradores da E.E.T. O caminho

    aberto pela estrada de ferro, no sculo XIX, serve hoje de trecho para caminhadas e vrias outras

    atividades.

  • 1.4 JOVENS DE OURO: ESTES ILUSTRES DESCONHECIDOS

    No dia 21 de junho de 2000, realizamos uma oficina de sensibilizao ambiental (ver

    ANEXO I), a fim de falar sobre a Estao Ecolgica do Tripu, passar alguns dados tcnicos e

    reunir os voluntrios. Para nossa surpresa e ingenuidade, ao mesmo tempo, muitos conheciam a

    rea, pois a utilizavam para nadar, jogar bola e brincar de passar na ponte e no tnel do trilho do

    trem (reas com grau de dificuldade, alm de pontes com elevado risco de queda de mais de 10

    metros). Se, por um lado, conheciam a regio como rea de lazer, por outro, no sabiam que era

    uma estao ecolgica, ou seja, que tem um fim destinado para a pesquisa. O administrador da

    E.E.T. abria a mesma para visitao, com carter cientfico, para escolas de Belo Horizonte,

    queixando-se que escolas de Ouro Preto nunca a haviam visitado.

    A oficina educativa de sensibilizao ambiental que aplicamos envolveu dinmicas com

    msicas e jogos. O rap foi o mtodo utilizado para falar a lngua dos jovens. De uma oficina

    de 30 voluntrios, inicialmente, conseguimos sensibilizar dez jovens. Posteriormente

    conhecemos o local onde funcionava o projeto: Jovens de Ouro, antiga FEBEM de Ouro Preto

    (na poca ficava ao lado de um quartel da Polcia Militar). Consistia num casaro muito antigo e

    mal conservado. Ali entendemos que o trabalho seria mais difcil, tal o descaso das pessoas

    responsveis por aqueles jovens. incrvel como no Brasil o adolescente ainda tratado como

    menor, tratado como um risco e um perigo para a sociedade. Tivemos dificuldade, de um falso

    zelo, em retir-los daquele ambiente agradvel para garantir um perigoso passeio na mata,

    apesar de no serem internos. De qualquer forma, conseguimos um novo encontro, desta vez em

    uma reunio geral do projeto, no cine Vila Rica de Ouro Preto, com 250 jovens. Desses,

    sensibilizamos 50 garotos, dos quais, efetivamente, terminamos o projeto do Tripu, com 20

    jovens, sendo que estes tiveram, aproximadamente, 90% de freqncia. Calculamos um pblico

    flutuante, ou seja, daqueles que aparecem e depois somem, de 30 garotos ao longo do

  • trabalho. Um dos jovens que esteve presente em todas as reunies revelou uma fala muito

    interessante: dizia que este tipo de trabalho muito bom, pois a escola no nos leva para

    conhecer a prpria regio. Esta uma das dificuldades mais comuns nos trabalhos em

    educao ambiental, seja no ensino formal, seja no informal, a necessidade de pensar os

    problemas ambientais globalmente e de agir localmente. Geralmente pensa-se na floresta

    amaznica, entretanto, se esquece de pensar na rea de lazer ao lado de nossa casa, um

    importante indicador de qualidade de vida ambiental.

    Os jovens compareceram ao projeto com grande expectativa e pacincia; muitas vezes

    comevamos a caminhar s 9 horas da manh e terminvamos 5 horas da tarde, com pequenos

    intervalos para lanche e atividades ldicas. Aps a coleta dos dados, ainda fazamos a anlise e

    discutamos os aspectos sociais e comportamentais diante da interao entre todos. Essas

    reunies eram enriquecedoras, pois permitiam tirar diretrizes para os prximos passos a serem

    dados. No havia uma orientao planejada do incio ao fim. A nica coisa certa era a coleta

    dgua, os outros passos eram dados aps reunies de avaliao.

    O caminho percorrido para os pontos de coleta de gua era de, aproximadamente, cinco

    quilmetros. Escolhemos quatro pontos de coleta. O primeiro nas proximidades da nascente do

    crrego do Tripu, no Apirio. Em sua montante est o crrego do Botafogo, o hotel Estalagem

    das Minas (SESC) e a casa de um morador. O segundo ponto localiza-se embaixo de uma ponte,

    por onde passa a linha frrea. A montante est a 500 metros (administrao da E.E.T. e pequena

    vila de moradores). O terceiro ponto localiza-se a aproximadamente 1 Km do segundo ponto e

    est a 100 metros antes da ALCAN (Alumnios Canadenses). Em sua montante se encontram os

    limites da E.E.T, o crrego do Marzago, com os rejeitos da empresa, moradias precrias,

    criao de porcos, depsitos de lixo e um desordenado ferro velho. O quarto ponto localiza-se j

    dentro da cidade de Ouro Preto, no Bairro da Estao, embaixo de uma ponte que passa a linha

    frrea, a 1 Km do terceiro ponto. Em sua montante est a indstria de minrio Alcan (possui

  • tratamento de gua), o bairro de Saramenha, uma parte do Bairro Bauxita, o Campus-UFOP

    (esgoto domstico), o Ribeiro do Funil (antigo local onde era depositado os rejeitos da ALCAN,

    agora reservatrio desativado), o crrego do Azedo (que passa por um lixo antes de cair no

    Tripu, sendo um perigo o xorume depositado) e algumas casas ao longo dos trilhos. Depois que

    o Tripu recebe as guas do Ribeiro do Funil passa a se chamar Ribeiro do Carmo (seguindo

    seu curso para a cidade histrica de Mariana). bom frisarmos que em todos estes bairros no

    existe tratamento de esgoto.

    A caminhada exigia um condicionamento fsico razovel, com um pouco de controle para

    passar dentro de um tnel de 100 metros da linha frrea (desativado, sem iluminao e com

    muitos vazamentos), atravessar pontes com 20 metros de altura e sem outra opo de travessia,

    enfrentar algumas cobras e escorpies (a regio muito propcia para os escorpies), alm dos

    carrapatos. Segue-se a linha frrea at uma das entradas da E.E.T. (entrada opcional, pois a

    entrada oficial pela rodovia), passando, literalmente, entre tanques com produtos qumicos da

    ALCAN (causam muita irritao nos olhos). Apesar destes contra tempos, um caminho

    utilizado pelos moradores de Ouro Preto, como lazer, pois a rea muito bonita, com uma flora e

    fauna invejvel. A nascente do Tripu, como comprovado pelas coletas, de uma gua purssima

    (primeiro ponto de coleta). O terceiro ponto foi o que causou maior impacto aos adolescentes,

    que se admiraram ao ver a precipitao de soda custica, aflorando em cima das pedras que se

    encontravam as margens do crrego. O quarto ponto tambm foi de impacto, pois absorve o

    esgoto de uma parte da cidade.

    Antes de fazermos a primeira caminhada de pesquisa, elaboramos sete frases para que os

    jovens completassem a idia inicial. Retiramos, por amostragem, algumas respostas.

  • Vamos v-las (com a grafia dos alunos):

    1 Leia as palavras abaixo e complete o que vier na sua cabea: a) Hoje eu vou para..................

    Dois jovens responderam: Tripu. Dois: Estao Ecolgica do Tripu. Um: Um Passeio Ecolgico. Um: O Tripu aprender Ecologia.

    Ir ao Tripu talvez tenha o sentido de querer dizer: o que o Tripu? Vamos l para ver o

    que ! Para a resposta, Um Passeio Ecolgico, talvez possamos interpretar como vou me

    divertir, passar algumas horas do dia e entender o que ecologia. E, por fim a frase: O Tripu

    aprender Ecologia, pode revelar-nos a idia de aprendizado associada a uma estao, ou seja, a

    lugar especfico para aprender ecologia, como se em outros espaos no fosse possvel aprender,

    como a casa, a rua, o nosso entorno mais imediato.

    Espero achar l...

    macaco, pssaros e outros animais muitas coisa boa vrios tipos de animais pssaros, peixes, cobras,... pssaros, plantas, gua, flores,etc... peripatos

    A Estao Ecolgica foi associada a pssaros, peixes, plantas, etc... Isto nos revela a idia

    de que, quando se fala ou pensa-se em ecologia (no sentido de meio ambiente ou educao

    ambiental), o que vem logo cabea so plantas e animais. Dos animais, o homem retirado da

    natureza, como se ele nunca houvesse feito parte dela, como se fosse qualquer coisa, menos

    membro de uma cadeia.

    ... aquilo que os homens das sociedades mais desenvolvidas sentem e experimentam

    nesta mesma Terra enquanto natureza, nada tem a ver com a natureza indmita e nunca

    desbravada pelo homem; trata-se, exclusivamente, da natureza j domesticada pelos

    homens, transformadas por eles para alcanar fins humanos. (ELIAS, 199