2005-a atividade artesanal com fibra de bananeira em comunidades quilombolas do vale do ribeira...

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  • A ATIVIDADE ARTESANAL COM FIBRA DE BANANEIRA EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA (SP).

    KATIA MARIA PACHECO SANTOS

    Dissertao apresentada Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de mestre em Ecologia de Agroecossistemas.

    P I R A C I C A B A Estado de So Paulo Brasil

    Maro - 2005

  • A ATIVIDADE ARTESANAL COM FIBRA DE BANANEIRA EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA (SP)

    KATIA MARIA PACHECO SANTOS Engenheiro Agrnomo

    Orientadora: Profa. Dra. MARIA ELISA DE PAULA EDUARDO GARAVELLO

    Dissertao apresentada Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre Ecologia de Agroecossistemas.

    P I R A C I C A B A

    Estado de So Paulo Brasil Maro - 2005

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    DIVISO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO - ESALQ/USP

    Santos, Katia Maria Pacheco dos A atividade artesanal com fibra de bananeira em comunidades quilombolas do Vale

    do Ribeira (SP) / Katia Maria Pacheco dos Santos. - - Piracicaba, 2005. 99 p. : il.

    Dissertao (mestrado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2005. Bibliografia.

    1. Artesanato 2. Fibra de bananeira 3. Quilombos Comunidades 4. Renda familiar 5. Resduos agrcolas 6. Vale do Ribeira I. Ttulo

    CDD 677.54

    Permitida a cpia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte O autor

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho a memria de minha querida me Eleusina Pacheco, pela guerreira que sempre foi

    e por ensinar-me a ter f. Me, obrigada por ser meu exemplo de Ser Humano, meu anjo da guarda de

    todos os momentos e em especial, durante esta caminhada.

  • AGRADECIMENTOS

    Durante a realizao deste trabalho fui presenteada com vrias sugestes de pessoas que

    fazem parte de alguns captulos da minha histria, em singulares momentos, e tornaram-se co-autores

    desta dissertao. Reservo somente para mim os erros deste trabalho, mas quero dividir com todos os

    amigos o mrito dele.

    s artess de Sapatu, Andr Lopes e Ivaporunduva, sem as quais esta dissertao no seria

    possvel. Meu obrigada em especial Snia, D. Esperana, D. Antnia, D. Araci, D Zilda, Vera,

    Paulo, Sr. Pedro, Olavinho e Dito. Enfim, todos os quilombolas que tive a imensa honra de

    conhecer nesse lugar to especial que o Vale...a beira do Ribeira.

    minha querida amiga Adriana Felipim, pelas incansveis contribuies, correes, palpites.

    Obrigada Dri, por tudo!

    Raquel Pasinato, pela silenciosa e enorme ajuda. Obrigada amiga!

    tia e amiga Diana Pacheco, que com sua alegria de viver e sabedoria, sempre me ajudou na

    caminhada da vida.

    querida Silvia Molina, pelos incentivos, pacincia e sobretudo, pelo exemplo de profissional

    e ser humano que . Obrigada Silvia!

    Lilian Abram, pela imprescindvel ajuda nos momentos finais dessa dissertao e pelos

    vrios momentos agradveis que passamos juntas em Macap.

    Aos amigos de Macap: Sueli, Lili, Paulo, Igor, Gisele, Claudinha, Henrique e tambm

    todos os Wajpi do Amapari, pela pacincia e fora no nosso dia-a-dia.

    Ao rio Amazonas e sua maravilhosa brisa, que foi por muitas vezes meu maior alento nos

    ltimos sete meses de dissertao.

    Ao pessoal do ITESP de Pariqera-Au e Eldorado, em especial, ao Renato "Cabelo" e a

    Gabriela.

  • Aos amigos do litoral e Vale, Mrio Nunes e a Isadora, Ritinha, Joaquim de Marco Neto,

    Alexandre Aguiar, Otto e Deidy... pelos momentos de alegria que foram fundamentais na minha vida.

    Aos amigos que tem sua cadeira cativa no meu corao, Wirifran, Cladio de Olinda, Milena,

    Mrcia, ao pessoal da vila da ps-graduao da ESALQ. E a querida Katia Nachiluk.

    Ao amigo Juan guila, pela preciosa companhia e maturidade.

    amiga Eliana Rodrigues, por me incentivar a fazer esse mestrado e pelas precisas

    contribuies durante esta caminhada.

    Ao professor Caron, pelas contribuies pertinentes, pelas conversas norteadoras e em

    especial, pelo mestre e ser humano que .

    minha orientadora Maria Elisa, pela confiana, amizade, ensinamentos e conquistas que

    tivemos juntas durante todo meu tempo de ESALQ.

    s secretrias do PPGI, Regina e Eliana, e a CAPES, pelos meses de bolsa de estudo.

    Enfim, todos os meus amigos que vejo e considero "anjos materializados" e todos os outros

    amigos que no vejo mas os sinto, e os chamo de "anjos da guarda".

    Meus agradecimentos eternos a minha me querida, Eleusina Pacheco, por toda fortaleza de

    ser humano, minha maior admiradora e torcedora, que se foi deste mundo antes mesmo de ter eu a

    certeza que concluiria este trabalho. Que pena, me, voc no poder estar aqui para l-lo. De tudo, o

    mais difcil tm sido aprender a viver sem poder ouvir a sua voz serena me impulsionar a seguir

    sempre em frente.

    E por fim, Deus, pela Dom da vida e pelas conquistas que tem me proporcionado. Obrigada

    Pai!

    v

  • Vida Na dvida, faa. O risco faz parte. A graa est em tentar, em vez de sentar e assistir; o mundo est em esticar-se todo para atingir; o mundo est no desafio da interrogao. E porque no? Entre na festa, arranque a capa, morda a ma. Desate o cinto para voar livre pelo amanh, ainda que ele seja um labirinto. deixe o ID rolar Nesta arte viva de arriscar, cnscio e devoto. Pois que viver no entrar no mar onde d p, mas mergulhar com f no maremoto (Flora Figueiredo)

  • SUMRIO

    Pgina LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................................... ix LISTA DE TABELAS....................................................................................................................... xi LISTA DE SIGLAS ......................................................................................................................... xii RESUMO...................................................................................................................................... . xiii SUMMARY..................................................................................................................................... xv 1 INTRODUO............................................................................................................................. 1 1.2 Objetivos ................................................................................................................................... 3 2 REVISO DE LITERATURA....................................................................................................... 4 2.1 O Vale do Ribeira...................................................................................................................... 4 2.1.1 O contexto agrcola: A Bananicultura .................................................................................... 6 2.1.2 O contexto social: As Comunidades Quilombolas ................................................................ 7 2.2 Os planos de desenvolvimento para o Vale do Ribeira ......................................................... 11 2.3 O conceito de desenvolvimento.............................................................................................. 18 2.3.1 O Ecodesenvolvimento........................................................................................................ 21 3 METODOLOGIA ........................................................................................................................ 27 3.1 Os caminhos da pesquisa: as tcnicas adotadas para a coleta e anlise dos dados.......... 27 3.2 Descrio das trs comunidades envolvidas na pesquisa..................................................... 30 4 RESULTADOS E DISCUSSO................................................................................................. 32 4.1 Histrico de implantao da atividade nas comunidades estudadas .................................... 32 4.1.1 A assimilao da tcnica .................................................................................................... 41 4.2 A questo ambiental e o artesanato...................................................................................... 52 4.2.1 O modo de vida das comunidades e as restries ambientais........................................... 52

  • viii

    4.2.2 A Bananicultura.................................................................................................................... 55 4.2.3Os resduos da bananicultura na atividade artesanal .......................................................... 59 4.3.A organizao dos artesos ................................................................................................... 62 4.3.1 A relao de gnero e os espaos da confeco artesanal ............................................. 68 4.4 O artesanato como atividade econmica ............................................................................... 72 4.4.1 O artesanato e o turismo na comunidade de Ivaporunduva .............................................. 81 5 CONSIDERAES FINAIS....................................................................................................... 85 ANEXOS ....................................................................................................................................... 88 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................................. 91

  • LISTA DE FIGURAS Pgina 1 Localizao do Vale do Ribeira no Estado de So Paulo........................................................ 4 2 Primeiro curso ministrado em Ivaporunduva............................................................................. 34 3 Artes de Ivaporunduva durante o primeiro curso montando o tear......................................... 35 4 Primeiro curso ministrado na comunidade de Sapatu................................................................ 36 5 Casa do arteso construda no Parque Estadual de Jacupiranga: Caverna do Diabo ............ 37 6 Construo destinada aos arteso de Andr Lopes ................................................................. 38 7 Construo destinada aos artesos de Sapatu......................................................................... 38 8 Casa do Artesanato de Ivaporunduva ....................................................................................... 38 9 Tear de pente lio de cavalete e tear de mesa no cho ........................................................... 42 10 Corte do tronco de bananeira .................................................................................................. 43 11 troncos de bananeira e bainhas sendo separadas por um arteso de Andr Lopes ............ 44 12 Corte da bainha em Tiras ......................................................................................................... 44 13 Arteso pendurando as tiras para secar ao sol....................................................................... 44 14 Armazenagem das tiras de fibras de bananeira por artes de Sapatu................................... 45 15 Artess de Sapatu com as fibras da palha de bananeira j secas e prontas para tecer ....... 45 16 Artes de Ivaporunduva com pea pronta............................................................................... 46

  • 17 Artes de Andr Lopes Tecendo ............................................................................................. 47 18 Artes de Sapatu fazendo trana com tiras de palha de bananeira ....................................... 47 19 Arteso de Ivaporunduva tecendo........................................................................................... 47 20 Peas Confeccionadas pelas artess ..................................................................................... 50 21 Bolsa de fibra de bananeira com detalhes coloridos............................................................... 50 22 Peas: jogo americano, tapete e caminho de mesa ............................................................... 51 23 Peas de fibra de bananeira e de taquara .............................................................................. 51 24 rea de bananal na beira do rio Ribeira.................................................................................. 58 25 Venda do artesanato na beira da estrada de acesso Caverna do Diabo ............................ 82

    .

    x

  • LISTA DE TABELAS

    Pgina 1 Nmero de participantes dos cursos de capacitao nos anos de 1997 e 1998. ................... 39 2 Nmero de participantes no curso de capacitao de 2000. ................................................... 40 3 Quantidade de homens e mulheres capacitados nos cursos e a quantidade de pessoas

    que atualmente fazem o artesanato com fibra de bananeira. .................................................. 40 4 Tipos de peas artesanais produzidas com a fibra de bananeira, seus acessrios e

    corantes naturais. ...................................................................................................................... 49 5 Dados relativos ao uso da terra nas comunidades no ano de 2002. ........................................ 57 6 Os colaboradores externos envolvidos com a atividade artesanal de fibra de bananeira

    e os seus papis........................................................................................................................ 67 7 Quantidade de pessoas que declaram possuir renda e a mdia mensal destes antes e depois

    do curso de capacitao do artesanato com fibra de bananeira de 1998................................ 74 8 Preo das peas mais vendidas pelos artesos nas comunidades.......................................... 77 9 Caixa financeiro do fundo do artesanato do grupo de Ivaporunduva no ano 2003. ................. 78

  • LISTA DE SIGLAS

    (CPT); Comisso da Pastoral da Terra; (CODIVAR) Consrcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira CEDAVAL).Centro de Desenvolvimento Agrcola do Vale ( ESALQ - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz FF Fundao Florestal IF Instituto Florestal FAPESP - :: Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de SP (FAC); Fraterno Auxlio Cristo (ISA), Instituto Scioambiental ITESP - Instituto de Terras do Estado de So Paulo MOAB Movimento dos Ameaados por Barragens PLADEL),Plano de Desenvolvimento do Litoral SUTACO - Superintendncia do Trabalho Artesanal de Comunidades SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas SMA)Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo SUDELPA).Superintendncia do Desenvolvimento do Litoral Paulista UC Unidade de Conservao USP Universidade de So Paulo

  • A ATIVIDADE ARTESANAL COM FIBRA DE BANANEIRA EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA (SP).

    Autora: KATIA MARIA PACHECO DOS SANTOS

    Orientadora: Profa. Dra. MARIA ELISA DE PAULA EDUARDO GARAVELLO

    RESUMO

    O presente estudo trata da descrio e anlise da atividade artesanal com fibra de bananeira praticada pelas comunidades quilombolas de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu, municpio de Eldorado, regio do Vale do Ribeira, tendo como referencial terico o conceito de ecodesenvolvimento proposto por Sachs (1980). A atividade artesanal com fibra de bananeira foi iniciada no ano de 1997, atravs de um projeto de pesquisa executado pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ) - Universidade So Paulo (USP): "Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Banana no Vale do Ribeira, SP" cujo objetivo consistia em realizar estudos que resultassem em alternativas economicamente viveis para o aproveitamento dos resduos da bananicultura na regio. Desde de ento, a atividade artesanal com fibra de bananeira vm sendo praticada por integrantes das comunidades referidas. Para coletas de dados foram utilizadas tcnicas comumente trabalhadas pelas nas cincias sociais como: observao participante, entrevistas informais no-estruturadas e semi-estruturadas com os artesos envolvidos e com representantes de Instituies governamentais e no governamentais atuantes no processo. Verificou-se neste trabalho a contribuio da atividade artesanal na valorizao da mulher, a compatibilidade da tecnologia repassada com os contextos social e ambiental locais, o aproveitamento dos recursos locais disponveis e o papel dessa

  • atividade na economia familiar. Analisando o processo de gerao, adoo e disseminao da atividade artesanal com fibra de bananeira e seus resultados nas comunidades conclui-se que esta atividade: (1) representa hoje um significativo complemento na renda familiar dos artesos que a praticam; (2) praticada em conformidade com a organizao scio-cultural local, (3) no gera impacto ambiental negativo e (4) dispe, em quantidade significativa, da matria prima necessria para realizao da atividade. Portanto, sua prtica compatvel com os preceitos do ecodensenvolvimento.

    xiv

  • ACTIVITIES IN HANDCRAFT FROM BANANA PLANT FIBRE IN

    QUILOMBOLA COMMUNITIES IN THE RIBEIRA VALLEY (SO PAULO

    STATE).

    Author: KATIA MARIA PACHECO SANTOS Adviser: Prof. Dra. MARIA ELISA DE PAULA EDUARDO GARAVELLO

    SUMMARY This study focuses on a description and analysis of activities in handcraft from banana plant fibre in practice among Quilombola communities in Ivaporunduva, Andr Lopes, and Sapatu, municipality of Eldorado, in the region of the Ribeira Valley, with the concept of ecodevelopment proposed by Sachs (1980) as theoretical reference. Activities in handcraft from banana plant fibre began in 1997 through a research project carried out by the Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ) - USP - the University of So Paulo: "Project for Use of Agroindustrial Residue from Banana in the Ribeira Valley, SP", the objective of which consisted in carrying out studies that would result in economically viable alternatives for the use of the residues of banana crops in the region. Activities in handcraft have been in practice by members of these same communities as from then. Data were collected by means of techniques in common use in social sciences such as: participant observation, non-structured and semi-structured informal interviews with the craftsmen involved and with representatives of government and non-government institutions active in the process. The study records the contribution of handcraft activities in enhancing the role played by women, in technological compatibility conveyed within local social and environmental contexts, in the use of local resources available, and in the role of these

  • activities in terms of family economy. As a result of analyzing the process of generating, adopting, and disseminating handcraft activities from banana plant fibre and the results in the communities, it can be concluded that these same handcraft activities: (1) today, account for a significant supplement to the family income for the craftsmen who engage in handcraft; (2) are in practice in accordance with local socio-cultural organization; (3) do not generate a negative impact on the environment and (4) have resort to a significant quantity of the raw material necessary to carry out these same activities. This handcraft activity is, therefore, compatible with the precepts of ecodevelopment.

    xvi

  • 1 INTRODUO

    H muito, a regio do Vale do Ribeira conhecida por apresentar os mais baixos indicadores sociais do Estado de So Paulo.

    Do final da dcada de 50 at incio da dcada de 80, as polticas pblicas voltadas para o desenvolvimento do Vale do Ribeira raramente estavam direcionadas para as populaes de baixa renda e para as especificidades da regio, ou seja, as particularidades ambientais e sociais existentes. Os resultados das aes implantadas nesse perodo foram a intensa concentrao de renda e o agravamento dos desequilbrios ambientais e sociais regionais (Instituto da Cidadania, 1996; Resende, 2002).

    A partir de 1982 que as aes pblicas (caracterizadas como promotoras do desenvolvimento) passaram a considerar, de modo mais efetivo, as particularidades da regio. Foi tambm neste perodo que se intensificaram os movimentos ambientalistas no Brasil em prol da efetiva implantao das Unidades de Conservao, do reconhecimento do bioma Mata Atlntica, da importncia de se criar novas polticas pblicas voltadas conservao e ao uso racional dos recursos e da necessidade de pensar o desenvolvimento de forma diferenciada.

    Ainda que no Brasil, o marco para essas questes tenha sido a dcada de 80, a formulao de estratgias para construo de outro sistema de desenvolvimento j vinha sendo tratada h mais de uma dcada nos pases de primeiro mundo. No ano de 1973, durante a Conferncia de Estocolmo, sobre Meio Ambiente, uma nova proposta que se baseava na integrao dos aspectos scio-culturais, econmicos e ambientais, foi intitulado como ecodesenvolvimento (Almeida et al, 1999; Soares, 1999 e Vieira, 2001).

    O conceito de ecodesenvolvimento foi fundamentado e disseminado por Sachs (1980) como uma estratgia para se promover a autonomia das populaes e estimular novas formas de crescimento econmico que priorizem o potencial dos recursos

  • naturais e sociais de cada local. O autor defendia ser fundamental o desenvolvimento de tecnologias apropriadas que permitam absorver o melhor da especificidade e da variabilidade, tanto humana como naturais, de cada ecossistema (local ou regional) de forma particular (Sachs, 1980).

    No final da dcada de 80 e incio da dcada de 90, programas e aes propostos por instituies pblicas e privadas (que buscavam conjugar o crescimento econmico, a gerao de empregos e a proteo adequada do meio ambiente), j adotaram esses fundamentos.

    Um exemplo desta iniciativa na regio do Vale do Ribeira, Estado de So Paulo foi a implantao do "Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Banana no Vale do Ribeira, SP", com objetivo de realizar estudos que resultassem em propostas economicamente viveis e que viessem contribuir para a gerao de empregos na regio. Esse Projeto, iniciado no ano de 1991, foi desenvolvido pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ), a Universidade de So Paulo (USP), por solicitao do Consrcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (CODIVAR) e financiado pela Secretaria de Cincia, Tecnologia e Desenvolvimento Econmico do Estado de So Paulo.

    Alguns resultados prticos desse projeto podem ser vistos at os dias de hoje no Vale do Ribeira. Algumas comunidades quilombolas da regio por exemplo, esto envolvidas no aproveitamento dos resduos de bananeiras para confeco de artesanato e tm nessa atividade uma fonte de renda. Tal fato nos leva a crer que essa interveno proporcionou s pessoas envolvidas no Projeto uma alternativa econmica, mas esta pode, de fato, ser considerada vivel? Essa ao junto as comunidade quilombolas considerou as peculiaridades scio-culturais da populao, o potencial natural dos recursos existentes ou os impactos sociais, econmicos e ambientais desta atividade? no sentido de analisar essas questes que se direcionou o presente trabalho

    Conciliar a busca por alternativas econmicas viveis, com o uso racional dos recursos naturais, a reduo das desigualdades sociais, a garantia de acesso de todos nos processos de tomada de decises e a preservao da diversidade e identidade cultural, so os preceitos bsicos do ecodesenvolvimento.

    O referencial terico adotado para nortear a analise da atividade artesanal implantada pelo "Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Banana no Vale do Ribeira,

    2

  • 3

    SP", nas comunidades quilombolas de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu, situadas na cidade de Eldorado, regio do Vale, foi o do conceito de ecodesenvolvimento. 1.2 Objetivos Geral

    Descrever e analisar a atividade artesanal com fibra de bananeira, proposta pelo "Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Bananicultura no Vale do Ribeira SP", nas comunidades quilombolas de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu. Especficos 1. mapear a rede social1 envolvida com a atividade artesanal com fibra de bananeira nas comunidades foco; 2. verificar se houve mudanas com relao ao incremento de renda para artesos envolvidos com esta atividade; 3. identificar, em conjunto com os artesos das comunidades, os fatores limitantes e potenciais da atividade artesanal com fibra de bananeira 4. verificar se o artesanato com fibra de bananeira provocou mudanas ambientais dentro do espao territorial de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu.

    1 Definimos aqui como rede social os envolvidos com o artesanato de fibra de bananeira, sejam eles os prprios artesos como outros indivduos das comunidades foco (colaboradores primrios), pessoas da ESALQ envolvidas com ao processo (colaboradores internos) e os indivduos de instituies governamentais e no governamentais e sociedade civil que de algum modo fazem parte desta rede (os colaboradores externos).

  • 2 REVISO DE LITERATURA 2.1 O Vale do Ribeira

    Situada no sul do estado de So Paulo, a regio do Vale do Ribeira composta por 23 municpios que cobrem uma rea de 15.480 quilmetros quadrados e por uma populao com cerca de 411.500 habitantes (Born & Talocchi, 2002). Alguns municpios do Paran, vizinhos a So Paulo tambm fazem parte dessa regio. Mais da metade desta populao habita a zona rural e se distribui em cerca de 400 comunidades rurais (Instituto Socioambiental (ISA) , 1998; Born & Talocchi, 2002). Uma das principais vias de acesso regio a Rodovia Rgis Bittencourt (BR -116).

    O clima regional caracterizado como subtropical mido, com temperatura mdia anual

    de 18C e precipitao anual podendo atingir at 4.000mm. O relevo fortemente ondulado,

    Figura 1. Localizao do Vale do Ribeira no Estado de So Paulo. Fonte: Adaptado do Mapa de Vegetao do Inst. Florestal, 2002.

  • altitude variando entre 100 a 1000 metros o que caracteriza reas de difcil acesso, e solos predominantemente podzlicos e latossolos vermelho amarelos, e tambm solos hidromrficos de vrzeas.

    O Vale do Ribeira destaca-se por concentrar a maior rea contnua de Mata Atlntica do pas. So mais de 2.1 milhes de hectares de florestas, equivalente a aproximadamente 21% dos remanescentes de Mata Atlntica do pas, 150 mil hectares de restingas e 17 mil hectares de manguezais conservados2. Alm de abrigar um dos mais importantes patrimnios espeleolgicos do Brasil e de ser recentemente declarada Patrimnio Natural da Humanidade pela Unesco, mais de 50% da rea total da regio est sob regime de proteo ambiental atravs das Unidades de Conservao de uso direto e indireto que foram criadas ao longo do sculo XX (ISA, 1998; Born & Talocchi, 2002).

    "Ao lado dos significativos recursos naturais, a regio possui grande importncia em termos de diversidade cultural, por seu valor histrico, por conter a maior quantidade de stios tombados do Estado de So Paulo e inmeros registros arqueolgicos, ainda pouco estudados. Em contraposio aos ricos patrimnios ambiental e cultural, o Vale do Ribeira apresenta os mais baixos indicadores sociais dos Estados de So Paulo, incluindo os mais altos ndices de mortalidade infantil e analfabetismo" (ISA, 1998).

    Segundo Petrone (1966), um dos principais problemas da regio do Vale do Ribeira est centrado na regularizao fundiria das terras ocupadas e no ocupadas, fato que j vinha sendo apontado desde 1960 nas caracterizaes realizadas sobre a regio. Quase a totalidade das populaes rurais que historicamente habitam a regio, detm somente a posse da terra (em muitos casos, posse em carter comunal e sem documentaes que comprovem seus direitos possessrios). Nesse sentido, a maior parte das reas ocupadas e manejadas por estas populaes, ou so de domnio do poder pblico, ou de particulares (pessoas fsicas e jurdicas) que no residem na regio (Adams, 2000). dentro desse contexto fundirio que se inserem os caiaras, ndios, ribeirinhos e quilombolas3 populaes consideradas "tradicionais", pois

    2 Atlas da Evoluo dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados do Domnio da Mata Atlntica no Perodo 1990-95, Fundao SOS Mata Atlntica, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE e Instituto Socioambiental - ISA, 1998. 3 Termo aplicvel a toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistncia e onde as manifestaes culturais tm forte vnculo com o passado.

    5

  • 6

    mantm muitos aspectos culturais seculares e praticam, sobretudo, uma agricultura voltada sua subsistncia.

    2.1.1 O contexto agrcola: A Bananicultura

    A agricultura, ainda hoje, a principal atividade econmica no Vale do Ribeira, seja na

    forma da agricultura familiar como patronal (Resende, 2002). A bananicultura4 se destaca na economia agrcola regional, vindo a seguir, a produo de

    feijo, arroz e milho e a criao de gado (Instituto de Terras do Estado de So Paulo (ITESP), 2000).

    Nas primeiras dcadas do sculo XX houve o crescimento das lavouras de ch e banana na regio do Vale do Ribeira, quando ento a banana passou a ser o principal produto econmico do Vale do Ribeira, representando 60% do valor da produo agrcola regional. Em 1991, chegou a representar 96% da produo de banana do Estado. Porm, a regio gradativamente est perdendo mercado para outros Estados brasileiros, dentre eles Santa Catarina e Minas Gerais, devido ao fato dos produtores do Vale terem, na mdia, baixo grau de organizao (Resende, 2002). Outro fator que vem sendo apontado como a causa do Vale do Ribeira perder sua posio de lder no mercado para outras regies do pas seria os diferentes sistemas de produo agrcola voltados bananicultura ainda praticados na regio. Autores como Resende (2002) e Born & Talocchi (2002) retratam existir no Vale do Ribeira produtores agrcolas que detm melhores tecnologias e utilizam insumos modernos e produtores agrcolas totalmente descapitalizados, que contam apenas com a mo de obra familiar. Os grandes produtores ocupam reas mais planas e sem problemas fundirios, contam com acesso energia eltrica e conseqentemente tendem a ocupar uma melhor situao frente ao mercado competitivo. J os agricultores familiares tendem a se concentrar em reas mais acidentadas, que possuem coberturas vegetais nativas, e em geral, no tm titularidade definitiva. Essas caractersticas somadas falta de infra-estrutura refletem um menor poder de barganha no mercado (Resende, 4 O Brasil se destaca como o segundo produtor mundial de banana com 5.5 ton. (FAO, 2001). A bananicultura considerada uma atividade importantssima na gerao de renda e fixao da mo-de-obra rural brasileira. Atualmente esta cultura agrcola cultivada em todos os estados brasileiros, desde a faixa litornea at os planaltos do interior, embora o seu plantio sofra restries, em virtude de fatores climticos, como temperatura e precipitao.

  • 7

    2002). Este o caso da grande maioria das comunidades rurais autctones do Vale do Ribeira dentre essas, as comunidades quilombolas.

    At os dias atuais, a bananicultura se faz presente vivamente junto paisagem do Vale. Para a maioria das comunidades rurais, essa cultura, mesmo com baixos ndices de capitalizao e tecnologia, a atividade agrcola predominante. Todavia, esta prtica agrcola no exclui o exerccio de outras atividades que complementam a economia de subsistncia das famlias, como a pesca, o artesanato, o cultivo de plantas medicinais, ornamentais e aromticas e ainda a extrao ilegal do palmito em localidades da regio (Born & Talocchi, 2002).

    No caso das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, a bananicultura juntamente com a extrao do juara (palmito) passaram a ser as principais atividades econmicas desde meados do sculo XX (Sodrzeieski, 1998).

    Por incentivo dos grandes bananicultores da regio, as comunidades quilombolas de Sapatu e Ivaporunduva foram, nos anos de 1980, as primeiras comunidades a ingressarem na bananicultura (Carril, 1995).

    Nessa mesma dcada, com a chegada de fazendeiros e grileiros na regio, houve um xodo bastante grande da zona rural para a cidade e, neste perodo, tambm aumentou a abertura de reas para pastagem (Mirales, 1998). Essas mudanas causaram danos para as comunidades quilombolas do Vale, sendo que, muitos indivduos foram para outras cidades e tambm para capital de So Paulo e Curitiba em busca de trabalho, abandonando suas roas; alguns at venderam suas posses para terceiros. 2.1.2 O contexto social: As Comunidades Quilombolas

    A regio do Vale do Ribeira, em meados do sculo XVI, encontrava-se povoada por colonos europeus (Queiroz, 1997). Nessa poca, estes mantinham a economia extrativista e agrcola do Brasil colnia atravs de seus escravos ndios e/ou negros, recm trazidos das regies africanas tambm conquistadas. "Por muito tempo, a economia do Brasil colnia esteve totalmente apoiada na mo-de-obra escrava, sobretudo negra. No Vale do Ribeira, esta se destacou, principalmente, durante a minerao do ouro - primeiro ciclo econmico da regio. No sculo XVII, em funo do ouro encontrado s margens do rio Ribeira de Iguape, deu-se origem

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    primeira cidade do interior do Vale, Xiririca, atualmente conhecida como Eldorado5" (ITESP, 2000, p.21).

    "Muitos ex-escravos que permaneceram na regio aps o trmino do ciclo do ouro no Vale, ocuparam as terras e desenvolveram uma agricultura tambm voltada ao mercado. Este mercado era de produo de alimentos tanto para consumo regional, como para o comrcio, em outras regies do pas. Assim foi o caso do ciclo do arroz, que teve incio no final do sculo XVII na regio do Vale do Ribeira e que foi intensamente comercializado para o mercado externo at meados do sculo XIX" (ITESP, 2000, p.25; Simo, 2003 e Sanches,1997).

    No estado de So Paulo, at o momento, foram identificadas pelo ITESP 37 comunidades quilombolas, nas regies Sul (Vale do Ribeira), Sudoeste e Sudeste (Litoral Norte) (ITESP, 2004).

    O Vale do Ribeira a regio que concentra o maior nmero de comunidades remanescentes de quilombos do estado de So Paulo que, segundo Carril (1995), formaram-se com a libertao, fuga e/ou abandono dos escravos, aps a decadncia do ciclo econmico da minerao na regio. Das 25 comunidades quilombolas que se sabe da existncia na regio, doze so hoje reconhecidas pelo Estado e onze delas esto localizadas nos municpios de Iporanga e Eldorado (ITESP, 2004).

    As comunidades de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu esto localizadas no municpio de Eldorado, situado a 242 Km de distncia da capital do estado de So Paulo. Este possui uma populao de 14.465 habitantes e uma rea total de 1.712 Km2 (Fundao SEADE, 2004). Sapatu e Andr Lopes tm parte de suas terras sobrepostas pelo Parque Estadual de Jacupiranga e a comunidade de Ivaporunduva tem o Parque Estadual de Intervales como vizinho e localizadas na beira da Rodovia SP 165 (ITESP, 1998a). As trs comunidades tm suas terras banhadas pelo rio Ribeira de Iguape, conforme pode ser observado no mapa I (em anexo).

    At o inicio de 1970, as terras ocupadas e manejadas pelas comunidades quilombolas eram comunais, isto , de uso coletivo. Havia apenas os limites entre uma comunidade-bairro e a outra situao que todos aqueles pertencentes s comunidades conheciam e respeitavam. Aps esse perodo, houve uma tentativa de regularizao fundiria das posses rurais no Vale do 5 Esta mudana do nome Xiririca para Eldorado foi realizada em 1948, com a aprovao da Assemblia Legislativa do Estado de So Paulo, em homenagem s riquezas aurferas existentes na regio no passado (Carril, 1995, p.80).

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    Ribeira, em que as comunidades quilombolas foram inseridas. Atravs de um convnio entre a Superintendncia para o Desenvolvimento do Litoral Paulista - SUDELPA e a Procuradoria do Patrimnio Imobilirio - PPI (que foi mantido de 1970 a 1976), foi iniciada a demarcao de terras e a distribuio de ttulos de propriedade a pequenos posseiros. Todavia, essa demarcao desconsiderava a existncia das terras comunais, tratando de lote-las. Com isso, algumas pessoas venderam seus lotes a pessoas de fora, gerando conflitos internos e, de fato, poucas famlias receberam seus ttulos (Carril, 1995). As famlias continuaram sem posse do registro legal de propriedade privada individual da terra e mantiveram suas normas internas, como forma de se manterem frente nova realidade territorial imposta.

    As comunidades quilombolas sempre mantiveram certa relao de dependncia com os pequenos ncleos urbanos regionais, com os grandes proprietrios rurais e as autoridades locais. Ou seja, os quilombolas quando obtinham trabalho fora de suas comunidades era na qualidade de meeiro, de pequeno produtor e de empregado (Diegues, 2000).

    Mesmo encontrando-se isoladas geograficamente, nunca viveram descontextualizadas da produo agrcola regional. Ao contrrio, mantiveram intensa relao econmica atuando como fornecedoras de gneros alimentcios para o mercado local, regional e mesmo mundial no caso a produo de arroz de excelente qualidade (ITESP, 2000).

    Segundo Born & Talocchi (2002), em funo das restries de uso e ocupao do solo, principalmente a partir das dcadas de 50-60 at o incio da dcada de 90, perodo em que se estabeleceu a maioria das Unidades de Conservao (UC)6 no Vale do Ribeira, as comunidades quilombolas foram foradas a incorporarem outras formas de acesso aos recursos ambientais locais e subsistncia.

    Ainda podem ser observadas reas de capuavas7 usadas para produo agrcola, mas esse sistema praticado em menores extenses de terra, ou seja, as reas hoje cultivadas so bem menores se comparadas com o tamanho dessas no passado. Pois com a criao das leis ambientais, comearam as restries de determinadas atividades que implicavam em supresso 6 So espaos territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudo pelo Poder Pblico, com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo. As UCs se constituem um dos mais importantes mecanismos para preservao da biodiversidade in situ. Mais detalhes ver na Lei n 9.985/ 2000 que estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC). 7 Este sistema de produo consiste em cultivar em locais distantes, devido maior disponibilidade de rea e por tambm servirem de moradia (Simo, 2001).

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    da vegetao e extrao de recursos. Surgem novos padres de aes de sobrevivncia para essas comunidades, alterando prticas centenrias como a extrao de produtos na mata e o sistema tradicional de agricultura de corte e queima.

    Os artigos 68, 215 e 216 da Constituio Federal de 1988, que estabelecem a regulamentao das terras de quilombos, afirmam positivamente a sua identidade quilombola, incentivando-os a rever sua histria, memria, famlia e a demarcarem as terras coletivas. De um outro lado esto as leis ambientais que restringem as prticas de agricultura itinerante e o extrativismo (Mirales, 1998).

    As comunidades quilombolas do Vale, assim como outras comunidades tradicionais, ainda hoje vm sendo freqentemente atingidas ou ameaadas pela grilagem de terras e por projetos de construo de barragens hidreltricas8 (Andrade,1997).

    A organizao poltico-social das comunidades rurais negras do Vale foi iniciada em meados dos anos oitenta, a partir do trabalho de base realizado pela Comisso da Pastoral da Terra (CPT), cujo tema central foi a organizao das comunidades locais para enfrentar os projetos de barragens (Hidreltrica de Tijuco Alto, Funil, Batatal e Itaca). Esse movimento faz parte do cenrio poltico-social do Estado contra a implementao das barragens na regio do Vale do Ribeira (ISA, 2002).

    Vale ressaltar que as comunidades estudadas esto organizadas formalmente por associaes comunitrias. Essas comunidades reivindicam o direito de terem a titulao de suas terras e, principalmente, se posicionam contra a construo de barragens no rio Ribeira, proposta pela Companhia Energtica de So Paulo at os dias de hoje.

    As negociaes entre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo (SMA) e as comunidades quilombolas localizadas no entorno das Unidades de Conservao criadas no Vale, at os dias atuais giram em torno de reivindicaes quanto ao direito de terem as terras que 8 Estas barragens, se construdas, inundaro permanentemente uma rea de aproximadamente 11 mil hectares, incluindo reas dos Parques Estaduais Intervales, Jacupiranga e Alto Ribeira, reas urbanas, como o centro histrico da cidade de Iporanga, alm de reas de comunidades rurais que vivem s margens do rio Ribeira, incluindo vrias comunidades de quilombolos, dentre elas Sapatu, Ivaporunduva e Andr Lopes (ISA, 2002). Pela ameaa de construo das barragens, essas comunidades quilombolas se uniram como objetivo de acionar o governo do Estado buscando regularizar a situao fundiria de suas terras, cumprindo o disposto que reza o Art.68, da Constituio Federal de 1988: aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os ttulos respectivos. fato conhecido a influncia direta e ativa da Igreja Catlica atravs dos trabalhos desenvolvidos pelas irms da Congregao de Jesus Bom Pastor, com relao ao fomento da organizao social de base junto s comunidades quilombolas, como o caso do Movimento dos Ameaados por Barragens - MOAB, que tem uma sede na cidade de Eldorado e liderado por membros das comunidades quilombolas da regio.

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    ocupam regularizadas, ou seja, reconhecidas pelo Estado como sendo territrio quilombola, com exceo de Ivaporunudva, que possui o ttulo de domnio da terra expedido em nome da associao dessa comunidade. 2.2 Os planos de desenvolvimento para o Vale do Ribeira.

    De acordo com Resende (2002), no Vale do Ribeira, desde 1959, vm sendo

    implantados diversos programas e projetos visando promoo e ao desenvolvimento da regio. O que se observa comumente nos projetos de cunho social implantados no Vale o carter assistencialista de todos. O autor afirma que at os dias de hoje possvel ver, em muitos desses projetos, a ausncia do envolvimento da sociedade local no planejamento e na execuo dos mesmos.

    Segundo Todeschini (2002), entre os anos de 1950 e 1979 foram implementados vrios planos para o pas, como por exemplo, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que tinha como objetivo explcito promover o desenvolvimento regional e desconcentrado, baseado em investimentos macios do Estado e de grandes grupos econmicos privados. Esses planos foram elaborados e implementados sem uma articulao com a realidade do lugar onde seriam inseridos, refletindo a ao do Estado centralizador, cujo objetivo era o desenvolvimento de setores da economia nacional e no dos locais onde eram implantados.

    Resende (2002), referindo-se s aes e polticas pblicas j implantadas no Vale do Ribeira, cita que a primeira experincia do governo do Estado de So Paulo voltada problemtica da propriedade da terra, regularizao fundiria e ao desenvolvimento de programas de crdito rural para a regio, ocorreu no governo no incio dos anos 1960, denominado "Plano de Ao". Esse foi o passo inicial para a criao da Superintendncia do Desenvolvimento do Litoral Paulista (SUDELPA). No governo seguinte foi criado o "Plano Global para o Desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Sul de So Paulo", dando prosseguimento s iniciativas de planejamento para o desenvolvimento de tais regies.

    No ano de 1969, a SUDELPA foi criada dando incio ao Plano de Desenvolvimento do Litoral (PLADEL), de atuao no Vale e em todo o litoral de So Paulo. Tinha como objetivo a implantao de grandes obras hidreltricas no Vale, como foi o caso da criao da barragem do

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    Vale Grande e o plder9 Registro I (Resende, 2002). Segundo a anlise de Resende, a respeito dos planos polticos para o desenvolvimento do Vale, o PLADEL, assim como outros planos executados nesse perodo, raramente eram voltados s populaes da regio, mas sim voltados a atender os interesses polticos locais (Resende, 2002).

    Ainda nesse perodo foi lanado o Plano Diretor de Desenvolvimento do Vale e Litoral Sul e a criao do Centro de Desenvolvimento Agrcola do Vale (CEDAVAL). A criao do CEDAVAL se deu por interesse do Governo japons em fomentar o desenvolvimento da agricultura altamente capitalizada e tecnicamente sofisticada no Vale do Ribeira. Mais uma vez se implantava um plano de governo que no levava em considerao as condies ambientais, scio-econmicas e fundirias, peculiares desta regio do Estado de So Paulo (Instituto da Cidadania,1996).

    No final da dcada de 1970, os resultados dos planos implantados no Vale eram visveis, com destaque para o abrupto crescimento econmico que ocorreu nesse perodo. Porm, esse crescimento foi acompanhado por uma intensa concentrao de renda e agravamento dos desequilbrios regionais (Todeschini, 2002).

    Nos anos 80, o Vale foi alvo de ateno do Governo Estadual, pelo fato que de a regio encontrava-se em subdesenvolvimento econmico, em relao s demais regies de So Paulo. Vrias foram as explicaes apontadas para tal fato, dentre elas a irregularidade fundiria e tambm por no ser uma regio propcia expanso de uma agricultura atrativa agroindstria (Carril, 1995).

    Conforme Martinez (1995), entre os anos de 1979 a 1982, a ao governamental para integrao da regio do Vale ao resto do Estado foi atravs da melhoria da infra-estrutura das estradas que do acesso regio e, conseqentemente, aumentou a especulao imobiliria. Essas mudanas resultaram na valorizao das terras, despertando interesses de latifundirios e de empresrios de outras regies, gerando assim diversos conflitos fundirios em diversos locais do Vale.

    9 Extenso de terras baixas recuperadas, por uma obra de terra para conter as guas de um rio num determinado trecho ou para evitar as inundaes decorrentes de ondas de cheia ou de mars. Fonte: http://www5.prossiga.br/recursoshidricos/glossario (03 de maro de 2005).

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    Resende (2002) relata que o perodo de 1982 a 1986 foi aquele em que mais se priorizou as questes sociais e ambientais no Estado de So Paulo. Resende cita como exemplos de ao do governo durante esses quatro anos, o Convnio So Paulo/Paran, para gesto integrada do Complexo Lagunas de Iguape - Canania - Paranagu; o Plano Bsico de Desenvolvimento Sustentado para regio Lagunar de Iguape e Canania; o MASTERPLAN (projeto que envolveu vrios rgos governamentais do Estado), cuja proposta foi diagnosticar os fatores limitantes do desenvolvimento da agricultura no Vale. Para este fim, foi criado um grupo de Resoluo de Conflitos de Terras e um de Regularizao Fundiria de Parques e Reservas Florestais. Esse mesmo projeto tambm se props gerar pacotes tecnolgicos adequados regio e proteo dos recursos naturais.

    O Estado, a partir de 1982, se apoiou nas organizaes sociais existentes na regio do Vale, para desenvolver suas polticas de desenvolvimento rural e incentivou a organizao rural na forma de associaes (Resende, 2002). Ainda nesse perodo, setores da Igreja Catlica fomentaram a organizao das populaes rurais para permanncia nas terras que j ocupavam h vrias dcadas. No caso das comunidades quilombolas, este processo se deu mais precisamente atravs da motivao dos membros dessas comunidades a se organizarem formalmente como associaes comunitrias e assim atenderem s exigncias governamentais para entrarem no processo de reivindicao da titulao das suas terras junto ao Estado.

    Em 1991 a SUDELPA foi extinta. Afirma Resende (2002) que tal instituio teve papel importante no contexto das polticas pblicas que visavam promoo do desenvolvimento do Vale.

    Nos anos de 1990, inicia-se a implementao de programas de inspirao neoliberal pelo Governo Federal, como a abertura econmica abrupta e a estabilizao monetria atingida atravs de elevados juros e alteram significativamente o quadro econmico no pas. Cadeias produtivas foram desintegradas e o nvel de emprego formal na economia diminuiu sensivelmente, resultando no agravamento das frgeis condies sociais do pas, incluindo o aumento da excluso social e da concentrao de renda (Tedesco, 2001).

    Segundo Born & Talocchi (2002), em virtude da redemocratizao do pas, pelo trabalho das lideranas locais e de instituies do Estado, especialmente da capital de So Paulo, visando ampliar a cobertura de reas protegidas, o Vale do Ribeira tornou-se alvo de ateno por parte

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    de organizaes do governo. Dentre elas a Fundao Florestal (FF), rgo vinculado Secretaria de Meio Ambiente do Estado de So Paulo (SMA), que tem por objetivo contribuir para conservao, manejo e ampliao das florestas de proteo e produo do Estado, alm de apoiar, promover e executar aes integradas tambm voltadas para o desenvolvimento sustentvel (FUNDAO FLORESTAL, 2005). Este foi o caso do projeto de repovoamento do palmiteiro juara cujo objetivo foi a regularizao da explorao desse recurso florestal na regio do Vale do Ribeira, principalmente no entorno dos Parques Estaduais. Esse projeto foi iniciado em 1999 pela FF com as comunidades quilombolas localizadas no entorno do Parque Estadual Intervales.(FUNDAO FLORESTAL, 2005). No caso do Instituto de Terras do Estado de So Paulo (ITESP) - rgo responsvel pelas polticas agrria e fundiria do Governo do Estado de So Paulo e pela identificao das comunidades quilombolas - alm dessas funes que lhe de responsabilidade, ele tambm colabora na prestao de assistncia tcnica aos produtores rurais sem terra, assentados e quilombos (ITESP, 2005). Assim como a Fundao Florestal, o ITESP uma instituio governamental estatal presente no cenrio scio-ambiental do Vale do Ribeira desde a dcada de 90.

    No caso das comunidades quilombolas, o ITESP, aps a identificao das mesmas e havendo interesse de seus moradores, inicia um estudo antropolgico para reconhec-las. Sendo reconhecidos, os quilombos que ocupam reas pblicas estaduais recebem do Estado o ttulo de domnio das terras, emitido em nome da associao. Vale mencionar que a titulao um direito garantido pela Constituio de 1988. J os quilombolas que vivem em reas consideradas particulares ou da Unio ficam na dependncia do Incra, rgo federal responsvel pela execuo da reforma agrria e responsvel por realizar desapropriaes de terras improdutivas para esta finalidade.

    Alm da ateno por parte de rgos governamentais, o Vale do Ribeira se tornou alvo de projetos e aes de entidades no governamentais como a Mitra Diocesana de Registro (uma organizao da Igreja Catlica diretamente ligada ao Vaticano); a Comisso da Pastoral da Terra10; (CPT); o Fraterno Auxlio Cristo (FAC); o Instituto Scioambiental (ISA), que vem desde

    10 Um dos principais objetivos da Pastoral da Terra fomentar aes que levam as comunidades a se organizarem socialmente, como por exemplo, incentivo formao de lideranas capazes de provocar mudanas e de reivindicar o direito ao reconhecimento das terras que essas comunidades ocupam. H tambm pessoas voluntrias nas comunidades, as quais desenvolvem na sua prpria comunidade aes voltadas assistncia nutricional das crianas, no caso a Pastoral da Criana.

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    1997 trabalhando com a associao local de Ivaporunduva e no ano de 2000 deu incio ao projeto de certificao orgnica da banana que produzida nessa comunidade. O objetivo deste projeto gerar renda para a comunidade, de forma compatvel com as condies sociais, econmicas e ambientais locais (ISA, 2004); a SOS Mata Atlntica e o Vitae Civilis, organizaes que tm trabalhos no Vale voltados conservao ambiental concomitantemente s populaes locais.

    Carril (1995), que abordou em seus trabalhos os projetos implantados no Vale, especialmente em comunidades quilombolas desta regio, discorre que as vrias alternativas que visavam ao desenvolvimento do Vale do Ribeira partiram do princpio de que faltava modernizao das estruturas econmicas regionais, tais como estradas e uma produo agrcola tecnificada. Ento buscou-se setores econmicos que investissem no Vale e foram atradas empresas de reflorestamento, empresas de minerao, agroindstrias, assim como incentivos para o desenvolvimento do turismo, projetos hidreltricos e a criao de Unidades de Conservao.

    Esses setores foram vistos como a nica possibilidade de interveno frente ao atraso econmico da regio. Entretanto, no levaram em considerao as comunidades ali existentes e suas variveis culturais (Carril, 1995), variveis estas que, ao longo de sculos, mantiveram essas comunidades na regio, sem a necessidade de uma estreita relao com o grande capital.

    Resende (2002) faz referncia a Braga (1998) e Muller (1980), os quais fazem uma avaliao a respeito da interveno do Governo Estadual no Vale at os anos 80 e concluem que a falta de democracia do planejamento das aes por parte do Estado, assim como a ausncia da participao dos grupos sociais locais resultaram em experincias de pouco xito com relao ao aspecto do desenvolvimento scio-econmico para as populaes da regio.

    Na dcada de 90, foram lanados na regio do Vale projetos de apoio agricultura familiar, tais como: o Projeto Emergencial de Apoio Pequena Agricultura (PEAPA); o Programa de Ao Comunitria Integrada do Vale (PACI - VR) e o Projeto de Monitoramento Agrcola do CEDAVAL (Instituto da Cidadania, 1996).

    O Vale do Ribeira a maior regio produtora de banana do Estado de So Paulo e a segunda maior do pas. Entre os produtores rurais do Vale que esto ligados bananicultura, h o procedimento comum para descarte dos resduos, ou seja, dos pseudocaules (troncos), aps

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    a colheita do cacho da bananeira cortar o tronco e deixa-lo nos bananais para que naturalmente sejam incorporados ao solo, como adubao. Essa tcnica gera alguns problemas fitossanitrios como,por exemplo, a broca da bananeira e a proliferao de fungos que causam doenas nos bananais.

    Visando uma possvel utilizao destes resduos e a soluo desses problemas, em 1991, o Consrcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira11 (CODIVAR) solicitou Secretaria de Cincia, Tecnologia e Desenvolvimento Econmico do Estado de So Paulo, um estudo que resultasse em uma alternativa econmica de utilizao desses resduos. Para tanto, a Secretaria financiou um projeto de pesquisa executado pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (ESALQ), da Universidade So Paulo (USP), denominado "Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Banana no Vale do Ribeira, SP". Esse tinha como objetivo realizar estudos que resultassem em propostas alternativas e economicamente viveis para o aproveitamento de tais resduos e que viessem a contribuir para a gerao de empregos na regio. Assim sob a coordenao geral das prof. Dr. Silvia Maria Guerra Molina e Adriana Nolasco foi elaborado e desenvolvido o referido projeto. Nesse foram pesquisadas formas de utilizao dos resduos da bananicultura na alimentao animal e humana, como substrato para o cultivo de cogumelo comestvel, para fins txteis e na produo artesanal. Dentre estas alternativas a que se mostrou de menor custo e de maior viabilidade para implementao foi a do artesanato desenvolvido a partir da fibra e palha obtidas do pseudocaule, resduo disponvel nos bananais, aps o corte e extrao do cacho de banana.

    A rea de Antropologia, Extrao e Processamento Artesanal - responsvel pela pesquisa de uso da fibra de bananeira na produo artesanal - do Projeto coordena pela prof Dr. Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello. Esta rea, na 1 fase (em 1994), recebeu da Secretaria de Cincia, Tecnologia e Desenvolvimento Econmico do Estado de So Paulo o montante financeiro de aproximadamente US$100.000,00 e na 2 fase (1994) aps a renovao US$120.000,00, com durao de 3 anos cada fase (Garavello, 2001).

    O uso da fibra de bananeira na produo artesanal se deu inicialmente atravs de testes experimentais com as folhas e com o tronco de bananeira - o pseudocaule, at chegar seleo

    11 CODIVAR foi criado na dcada de 90, com a finalidade de promover a articulao entre todas as prefeituras do Vale, e consequentemente, captar recursos do Governo Federal visando o desenvolvimento econmico da regio.

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    deste como matria prima para obteno de fibras. Foram tambm estudadas tcnicas para coletar desse material nos bananais, o processo de extrao e de tratamento, at a obteno da fibra de bananeira vivel de ser utilizada na tecelagem e em outras produes artesanais. Tambm foram pesquisadas tcnicas de polpao do pseudocaule (tcnica de obteno da celulose) para confeco de papel artesanal.

    Esse projeto teve um segundo momento de trajetria, a partir de 1997, justamente quando foi dado incio aos cursos de capacitao no Vale, ou seja, o repasse da tcnica para utilizao dos resduos da bananicultura na produo artesanal, desenvolvida durante os anos de pesquisa mencionados.

    Foram ministrados em 97 esses primeiros cursos de capacitao em algumas comunidades e/ou municpios do Vale do Ribeira, como Iguape, Miracatu, Juqui, Itariri e em algumas comunidades quilombolas do municpio de Eldorado, Andr Lopes e Ivaporunduva.

    Nos anos de 1998 e de 2000 os cursos foram difundidos para as comunidades quilombolas vizinhas, Sapatu e Nhunguara. At o ano de 2000, foram realizados 29 cursos de capacitao do artesanato com fibra de bananeira na regio do Vale do Ribeira (Garavello, 2002).

    Aps a finalizao do "Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Banana no Vale do Ribeira, em 1997, a equipe de trabalho da rea artesanal do projeto buscou parceiros pontuais junto a instituies governamentais, no governamentais e do terceiro setor, para viabilizar a continuidade da execuo do trabalho de extenso e pesquisa voltada ao uso de resduos da bananeira na produo artesanal junto a algumas comunidades do Vale, entre elas as quilombolas de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu (Garavello, 2001).

    Atualmente a ESALQ est envolvida com a atividade artesanal com fibra de bananeira nas comunidades quilombolas de Ivaporunduva, Andr Lopes, Sapatu e Nhunguara. Tal envolvimento tem se dado atravs de aes de pesquisa e de extenso rural executadas por docentes, pesquisadores, universitrios e tcnicos, com o financiamento de alguns projetos em 2004 pelo CNPq, Fapesp e a Pr Reitoria de Extenso da USP. Deste modo esto sendo realizadas aes pontuais junto s comunidades quilombolas mencionadas, para fortalecer a atividade artesanal com fibra de bananeira praticada.Uma vez que, esta hoje, considerada por

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    algumas pessoas dessas comunidades uma alternativa econmica vivel e compatvel com a realidade scio-ambiental em que essas se encontram.

    Santos (2002) defende que necessrio ocorrer uma transformao efetiva da sociedade para um modelo de desenvolvimento vivel em nveis regionais e locais, de forma que sejam defendidas estratgias de modus operandis alternativos, contra hegemnicos.

    2.3 O conceito de desenvolvimento.

    A primeira definio de desenvolvimento surgiu no sculo XVIII, por concepo de C.F. Wolff, que o definiu como a realizao de potencialidades scio-culturais e econmicas de uma sociedade em perfeita sintonia com o seu entorno ambiental (Sevilla Guzmn et al., 1999 e Esteva, 1996). A partir da construo do pensamento liberal, o significado de desenvolvimento passou a ter uma outra conotao, a de crescimento econmico centrado nos padres de vida e consumo das naes j industrializadas. Por essa tica se construiu um modelo de sociedade ocidental, capitalista e industrializada, ou seja, um modelo de organizao social considerado desenvolvido por adoo de tecnologias estratgicas geradoras de crescimento econmico (Esteva, 1996 e Boff, 1996).

    Ocorre entretanto, que o padro de consumo gerado por essa tica de desenvolvimento um dos fatores preponderantes da degradao ambiental e da exauribilidade do estoque de capital natural, que compreende todos os conhecidos recursos usados pela humanidade, desde a gua, os solos, os minerais, os vegetais e animais, abrangendo tambm os seres vivos, incluindo todos os ecossistemas (Albuquerque & Arajo, 1995 e Hawken et al., 1999). Nesse sentido, contrape-se idia original de Wolff.

    Segundo Albuquerque & Arajo (1995), mesmo lentamente, tem havido uma tendncia dos setores econmicos em considerarem que o meio ambiente o elemento condicionante da atividade econmica e a escassez de recursos naturais pode provocar um colapso no sistema econmico.

    Boff (1996) afirma que o desenvolvimento econmico global atual no produz simultaneamente o desenvolvimento social universal. E assim vem contribuindo para agravar os problemas scio-ambientais.

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    A viso dos pases do norte a respeito da problemtica ambiental global no suficiente para compreender e resolver os problemas dos pases do sul. Isto, porque a diversidade cultural dos pases ditos subdesenvolvidos abre perspectivas mais complexas de anlises das relaes e processos ecolgicos, tecnolgicos e culturais que determinam uma forma integrada e sustentvel a respeito do uso de seus recursos (Leff, 2002).

    Na prtica, a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos hbitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o cuidado com o equilbrio ecolgico (Boff, 2002). A crise ambiental o reflexo do modo como a questo ecolgica foi suplantada pelos padres dominantes de consumo em funo do crescimento econmico (Leff, 2001).

    Com a comprovao de que o modelo de crescimento, com base no imperativo econmico no alcanou os objetivos que pretendia, nascem as correntes de sustentabilidade como uma resposta a estes resultados negativos (Escobar, 1995).

    Boff (1996) aponta que necessrio se chegar a uma economia do suficiente, isto , a uma economia que no seja aquela orientada pela acumulao de capital e centrada no crescimento ilimitado. A prtica do aproveitamento dos resduos da bananicultura para produo artesanal, dialoga com a questo levantada por Boff, uma vez que a atividade artesanal com fibra de bananeira no uma atividade que prope ser exercida visando o acmulo de capital, mas sim, ser exercida de forma complementar a outras atividades j executadas dentro das comunidades baseada na economia do suficiente.

    O autor defende ainda, que as polticas de desenvolvimento devem ser adequadas realidade do ecossistema local e regional, mas o que ainda se observa um quadro de poltica pblica baseada na ideologia da maximizao de benefcios, mesmo que o preo seja o da agresso ambiental (Boff, 1996).

    Ainda nesse contexto de mudana de paradigma de desenvolvimento, segundo Morin (2000, p.14) "a ferramenta do conhecimento no pode ser usada sem que sua natureza seja examinada" e que " problemtica a questo da necessidade de promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais". Considera o autor que h necessidade dos seres humanos tomarem ao mesmo tempo conhecimento e conscincia de sua identidade complexa e comum com relao a todos e a tudo.

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    Em vrios pases do primeiro mundo, a incorporao do tema ambiental nas polticas de desenvolvimento surge a partir de 1960, entre outros motivos como resposta a problemas decorrentes das externalidades negativas dos processos de produo industrial, especialmente no que tange a seus impactos sobre a qualidade de vida das populaes (Moraes, 1998).

    Na dcada de 70, os resultados do sistema de desenvolvimento adotado pelos pases industrializados, comearam a se mostrar insuficientes para dar conta das crescentes condies de desigualdade e de excluso social. Surgem ento novas orientaes tericas, tais como o desenvolvimento sustentvel e o ecodesenvolvimento (Caporal & Costabeber, 2004). E a questo ambiental, em 1970, passa a fazer parte da pauta de discusso a respeito do desenvolvimento econmico global, de pases do norte e do sul, bem como passou a ser encarada como relevante, dentro do panorama dos problemas de conseqncias mundiais a serem solucionados (Ribeiro, 2001).

    J na dcada de 80, o conceito de desenvolvimento tornou-se multidimensional englobando as melhorias difundidas no campo social, como o bem estar de toda a sociedade. Adicionou-se ento a este conceito a idia de que no existe um simples modelo para atingir o desenvolvimento. E acima de tudo, que o desenvolvimento precisava ser sustentvel, no devendo somente tratar das atividades sociais ou econmicas, mas tambm ser relacionado populao, ao uso dos recursos naturais e aos resultados dos impactos no meio ambiente (Elliot, 1999). necessrio ressaltar que a corrente liberal, tambm denominada ecotecnocrtica nasce no corao da modernidade ocidental (Escobar, 1995), a qual se tornou mais conhecida atravs do Relatrio Brundtland, divulgado a partir de 1987 sob o nome de Nosso Futuro Comum. O Relatrio sustenta a idia de um novo critrio de racionalidade amparada por duas dimenses de solidariedade: o respeito para com as geraes futuras, sem esquecer a solidariedade entre as geraes do presente (CNUMAD, 1992).

    Nos anos seguintes entre Relatrio Brundtland, o debate ambientalista, especialmente entre agncias internacionais e entre ongs, passou a enfatizar o tema do envolvimento da mulher com o Desenvolvimento Sustentado (Charkiewicz-Pluta et al., 1991).

    Moreira (2000) faz aluso a Brseke (1996), que ressalta que a origem da noo de sustentabilidade ainda anterior ao texto Limites do Crescimento, elaborado pelo Clube de

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    Roma, em 1972 e publicao da Conferncia de Estocolmo sobre Human Environment, tambm nesse mesmo ano.

    A Conferncia Rio-92 contribuiu para fomentar globalmente a reflexo sobre meio ambiente e desenvolvimento, lanada pelas reunies preparatrias Conferncia de Estocolmo.

    Atualmente, o discurso sobre o desenvolvimento econmico incorporou definitivamente a problemtica scio-ambiental, promovendo a busca de respostas referentes a problemas dessa ordem (Escobar, 1995).

    2.3.1 O Ecodesenvolvimento

    O que diferencia o conceito de desenvolvimento sustentvel12 do de ecodesenvolvimento

    a relevncia dada por este segundo integrao da Ecologia com outros campos da cincia, como a Geografia, a Biologia e a Sociologia, ressaltando a importncia da articulao interdisciplinar das dimenses humana, scio-poltica e cultural (Moreira, 2000 e Vieira, 2001). Apesar desta distino, Sachs, segundo Chaves (2003), no vislumbra diferena entre desenvolvimento sustentvel e ecodesenvolvimento.

    O conceito de ecodesenvolvimento teve sua concepo baseada, a princpio, na problemtica de desenvolvimento adaptado s reas rurais do Terceiro Mundo e a uma utilizao criteriosa dos seus recursos, tendo como meta o no comprometimento da natureza (Layrargues, 1997).

    Sabe-se que o modelo globalizado de desenvolvimento em vigor tem provocado srios impactos tanto nos aspectos sociais, culturais e econmicos como tambm ambientais, impactos estes que podem ser at irreversveis, comprometendo a qualidade de vida local e das geraes seguintes.

    A idia de um mundo rural sustentvel e adequado crtica das sociedades e das tecnologias industriais aparece associada a uma mudana do acesso aos recursos produtivos, e da distribuio da propriedade rural, sugerindo que polticas significativas de reforma agrria

    12 O termo desenvolvimento sustentvel traz em si divergncias conceituais a partir do termo "desenvolvimento". Pois para algumas pessoas este est vinculado melhoria da qualidade de vida em sua concepo abrangente. E para outros a qualidade de vida est exclusivamente condicionada ao progresso e vinculado necessidade de crescimento econmico (Chaves,2003).

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    seriam necessrias para se alcanar o desenvolvimento sustentvel autnomo dos pases perifricos. Significando tanto uma no dependncia desses em relao aos pases industrializados, quanto a valorizao de processos polticos participativos em nvel local (Moreira, 2000).

    Nesse sentido, a construo de um paradigma ambiental requer um complexo processo de reelaboraes tericas e o desenvolvimento de conhecimentos cientficos e tecnolgicos que dem suporte a uma racionalidade social alternativa (Leff, 2002).

    Tambm Moretto (2001), aponta como necessidade para a melhoria da qualidade da vida humana, a construo de um novo modo de desenvolvimento que esteja ligado a um pensamento sistmico, multidimensional, dinmico, que possa abranger um novo espao econmico, social e cultural.

    Em busca dessa integrao, h estudiosos contemporneos que defendem a sustentabilidade ambiental dentro de uma dimenso mais complexa (Leff, 2001; Viola & Leis, 2001), como paradigma de um novo modo de desenvolvimento. Tais autores reagem ao reducionismo econmico e tecnolgico que caracteriza o discurso oficial e consideram que no h sustentabilidade possvel sem se considerar as desigualdades sociais e polticas, bem como os valores ticos de respeito vida e s diferenas culturais.

    Ainda nesse pensamento, Boff (1996) afirma que no se pode renunciar ao sistema vigente de desenvolvimento, mas deve-se procurar encontrar nas polticas de desenvolvimento um equilbrio entre as vantagens desse paradigma e os custos ecolgicos. Desse modo, antes de projetar e implementar um desenvolvimento ecologicamente sustentado necessrio que este seja adequado ao local. Pode-se dizer que o ecodesenvolvimento prope solues especficas para problemas particulares, levando em conta os dados ecolgicos de cada local, as diversidades culturais e as potencialidades natas dos seres humanos e do meio ambiente onde se quer intervir.

    Em contraposio ao modelo de sociedade atualmente dominante, o qual produziu a ruptura nas relaes sociais e nas relaes dos seres humanos com o meio ambiente, o novo modelo de desenvolvimento deve refazer o tecido social a partir das mltiplas potencialidades do ser humano e da prpria sociedade. A implantao desse estilo de desenvolvimento, que respeita as geraes futuras e os recursos naturais, uma necessidade global. Como alternativa, Sachs

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    (1982), aponta para a estratgia do ecodesenvolvimento. Pois este visa a harmonizao entre objetivos econmicos, sociais e ecolgicos (Almeida et al, 1999).

    Becker (1994) entende por ecodesenvolvimento a ecologizao do "sistema social", isto , a busca do desenvolvimento interativo entre homem e natureza, atravs de processos produtivos adaptados aos ecossistemas locais.

    Para a implantao de uma proposta de ecodesenvolvimento, Vieira (2001, p.47.) recomenda que "o espao recortado para fins de planejamento deve ser, em princpio, suficientemente amplo e homogneo do ponto de vista ecolgico, de forma a assegurar uma gesto a mais integrada possvel da potencialidade de recursos existentes. Por sua vez, a presena de uma certa identidade sociocultural pode permitir a visualizao de padres regulares nas interaes entre comunidades e seu meio ambiente, ou seja, de formas especficas pelas quais essas interaes marcaram a paisagem e as atividades tradicionais na eco-regio considerada".

    Vale ressaltar que o termo ecodesenvolvimento foi adotado pela primeira vez em 1973 por Maurice Strong, Secretrio Geral da Conferncia de Estocolmo sobre Meio Ambiente (Almeida et al, 1999; Soares, 1999 e Vieira, 2001). A concepo dessa conferncia foi essencialmente antitecnocrtica e recomendou uma gesto mais racional dos ecossistemas, a qual deveria incluir a valorizao do conhecimento emprico e da criatividade existente no interior das comunidades. Dessa maneira, nessa conferncia foi defendido que o crescimento econmico e a preservao, bem como o uso sustentado dos recursos naturais, representavam dimenses necessariamente passveis de integrao (Vieira, 2001).

    O conceito de ecodesenvolvimento, tratado por Strong, preconizava uma gesto mais racional dos ecossistemas locais inicialmente s regies rurais da frica, sia e Amrica Latina, ganhando dimenses de crtica s relaes globais entre pases subdesenvolvidos e superdesenvolvidos, bem como de crtica modernizao industrial como mtodo de desenvolvimento das regies perifricas. Tal conceito vinha propor para estas regies um desenvolvimento autnomo, independente daquele dos pases desenvolvidos e preocupados com os aspectos scio-poltico e ambiental do desenvolvimento (Moreira, 2000).

    Em 1974, a verso inicial de ecodesenvolvimento foi reelaborada por Ignacy Sachs, que num primeiro momento o traduziu como sendo um "estilo", palavra esta adotada por Sachs

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    (1980), de desenvolvimento aplicvel s reas urbanas e rurais, orientado para a satisfao das necessidades bsicas e para a promoo da autonomia das populaes envolvidas no processo. E num segundo momento, Ignay Sachs aponta o ecodesenvolvimento como um conceito terico estratgico de desenvolvimento, que visa harmonizar o atendimento prioritrio das necessidades bsicas de uma comunidade com os limites ecolgicos locais e remotos, de maneira a atender as demandas comunitrias quanto a alimentao, moradia, sade, educao e outros recursos imprescindveis ao seu desenvolvimento social e econmico, respeitando-se os critrios de sustentabilidade (Brseke, 1996 e Vieira, 2001).

    A fundamentao e a disseminao do ecodesenvolvimento como um conceito, em vrios pases, dentre eles no Brasil, fruto do trabalho do autor Ignacy Sachs desde a dcada de 70 (Vieira, 2001), o qual ganhou uma interpretao mais ampla na Declarao de Cocoyoc13, em 1974 (Almeida et al.,1999).

    Vale ressaltar que este conceito foi o marco da associao entre mulher e meio ambiente. Tal abordagem trouxe tona dois colaboradores decisivos para que a mulher tambm fosse percebida como portadora de mais afinidade com a natureza do que o homem. O primeiro deles seria a visibilidade da mulher nas zonas rurais do Terceiro Mundo face migrao do homem para os grandes centros urbanos em busca de emprego. A mulher rural passou a ser vista como um ser indispensvel realizao de planos e projetos ambientalistas, j que tinha se tornado uma figura muita expressiva no contexto rural. O segundo fator decisivo foi de carter cultural: a representao social da terra e a relao da mulher com ela, ambas capazes de gerar vida nova e de mant-las (Fiza, 1997). A percepo da mulher como agente ambientalista tornou-se internacionalmente mais visvel aps a conferncia sobre o Meio Ambiente Humano.

    Foi tambm nesta conferncia que, pela primeira vez, colocou-se como necessria a discusso sobre o problema da degradao ambiental nos pases considerados como desenvolvidos, ou seja, tratar a questo da sustentabilidade ambiental global de forma integrada com as questes de desenvolvimento dos pases.

    13 Em 1974, em Cocoyoc no Mxico, aconteceu a Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento, que produziu um documento, a Declarao de Cocoyoc, considerado por diversos autores como fundamental para a construo da nova percepo da relao entre sociedade e natureza, incorporando discusso a idia de que existem limites ambientais e sociais para o desenvolvimento que devem ser respeitados (Ojma, 2003).

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    Para Sachs, o ecodesenvolvimento busca estabelecer uma relao de harmonia entre o homem e a natureza, baseada nas necessidades do conjunto de uma populao, e na conscientizao dessas com respeito dimenso ecolgica (Vieira, 2001). tambm um instrumento heurstico que permite aos planejadores e aos decisores polticos abordarem, por uma perspectiva mais ampla, o sistema de desenvolvimento vigente, para se sanar os problemas ecolgicos e scio-culturais causados por ele (Moreira, 2000).

    O conceito de ecodesenvolvimento incorporou o argumento ecolgico em sua concepo de desenvolvimento, pois considera que a natureza entra na composio do capital e no apenas nos meios de produo e de trabalho (Boff, 1996). Nesse sentido, o ecodesenvolvimento pode ser definido como uma estratgia para se promover a autonomia das populaes, estimular a reflexo e a experimentao participativa de formas de crescimento econmico que priorizem o potencial dos recursos naturais e sociais de cada locus, mesmo que este se faa de modo mais lento (Sachs, 1980).

    Segundo Almeida et al (1999), para se alcanar o objetivo do ecodesenvolvimento necessrio fundamentar o planejamento nas seguintes dimenses: social, econmica, ecolgica, espacial e cultural. Destarte, preciso introduzir processos que levem elaborao de alternativas ao modelo de desenvolvimento vigente, sendo a organizao das comunidades, dos grupos sociais e a reflexo a respeito das aes, algumas das alternativas possveis de serem realizadas em curto prazo (Boff, 1996).

    Sachs (1986) aponta o ecodesenvolvimento como estratgia para superar as barreiras impostas pela economia de mercado dominante. E defende que para o seu sucesso torna-se fundamental o desenvolvimento de tecnologias apropriadas a absorverem o melhor da especificidade e da variabilidade tanto humana como naturais de cada ecossistema (local ou regional) de forma particular (Sachs, 1993).

    Esta seria, portanto, a proposta do aproveitamento do resduo da bananicultura para a produo artesanal, cuja tcnica foi cunhada em laboratrio de uma instituio de ensino e pesquisa e disseminada para a sociedade atravs dos cursos de capacitao ministrados in loco, isto , nas regies onde esta matria prima est disponvel e faz parte do universo agrcola da populao local.

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    Ao defender a idia de uma nova racionalidade com solidariedade, a qual pressupe o pluralismo tecnolgico e o respeito s condies do ecossistema local, s necessidades e decises dos colaboradores sociais envolvidos (Leff, 2001; Sachs, 2000, 1994, 1988, 1986 e Vieira, 2001), o conceito de ecodesenvolvimento passou a ser adotado no s no Projeto considerado, como em vrios programas e aes propostos por instituies pblicas e privadas que buscavam conjugar o crescimento econmico, a gerao de empregos e a proteo adequada do meio ambiente.

    No Brasil, o Programa Nacional de Apoio Agricultura Familiar - PRONAF, pode ser considerado como exemplo de estratgia com vista ao ecodesenvolvimento. considerado um passo em direo ao desenvolvimento das zonas rurais, atravs da valorizao econmica da agricultura familiar (Cavalcanti, 1998). Outros exemplos promissores em direo prtica do ecodesenvolvimento so os movimentos e organizaes alternativas como a "Aliana dos Povos da Floresta", as cooperativas agroextrativistas, os movimentos dos Trabalhadores Atingidos por Barragens e outros segmentos marginais da sociedade brasileira (Cavalcanti, 1998).

    Encontramos na literatura um esforo de muitos autores em estabelecer um conceito de desenvolvimento sustentvel e outros tantos se esforam para mostrar as insuficincias dos conceitos existentes. De acordo Caporal & Costabeber (2004) pela tica da cincia convencional, para agir no sentido da sustentabilidade, necessrio que este conceito seja claro e operacionalizvel. Entretanto, muitos grupos sociais que alcanaram importantes ganhos no caminho da sustentabilidade, desconheciam a lgica ocidental do referido conceito. Ainda Caporal & Costabeber (2004) relatam o avano do conhecimento cientfico na construo de um novo paradigma; e afirmam que no por falta de um consenso a respeito do conceito de sustentabilidade que devamos ficar imobilizados frente aos problemas ambientais globais.

    sob a perspectiva do ecodesenvolvimento propomos a descrever e analisar a atividade do artesanato com fibra de bananeira nas comunidades quilombolas j mencionadas. Acredita-se que o ecodesenvolveimtno no s um referencial terico intelectual, mas, tambm uma estratgia norteadora para impulsionar aes locais, rumo construo da sustentabilidade socioambiental, econmica e cultural. Portanto, este marco terico tem por objetivo prtico fomentar padres scio-culturais e ambientais j existentes nas comunidades, ou seja, valorizar a dinmica social de cada locus.

  • 3 METODOLOGIA 3.1 Os caminhos da pesquisa: as tcnicas adotadas para a coleta e anlise dos dados

    Esta uma pesquisa de natureza qualitativa. Tem a preocupao com o contexto e o

    ponto de vista dos participantes, suas idias e sua forma de perceber a realidade sobre o fenmeno pesquisado (Godoy, 1995; Minayo, 1994; Taylor & Bogdon,1987).

    Para o levantamento dos dados foram utilizadas tcnicas comumente trabalhadas nas Cincias Sociais como: observao participante, entrevistas informais no-estruturadas e semi-estruturadas.

    O primeiro passo para selecionar os entrevistados, ou seja, os colaboradores, foi localizar pessoas das comunidades quilombolas de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu que tinham participado dos cursos de capacitao do artesanato com fibra de bananeira. Para tanto, foi utilizada a lista com os nomes das pessoas dessas comunidades que participaram dos cursos de capacitao ministrados pela ESALQ. O segundo passo foi a realizao de uma visita informal da autora desta pesquisa casa de algumas pessoas, para estabelecer o primeiro contato na comunidade.

    A partir das pessoas contatadas durante essa primeira visita, foram mapeados os artesos que trabalham com fibra de bananeira nas referidas comunidades e as instituies que estavam envolvidas ou que j haviam tido algum tipo de envolvimento com tal atividade artesanal nas comunidades.

    Nesta pesquisa os colaboradores se configuram e so classificados como: primrios, secundrios e externos.

    Foram caracterizados como colaboradores primrios: indivduos das comunidades quilombolas de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu que participaram dos cursos de capacitao

  • para o uso do resduo da bananicultura como matria-prima para a produo artesanal, lideranas locais, pessoas dessas comunidades que tm alguma ligao com esta atividade artesanal. Como colaboradores secundrios foram caracterizados os indivduos no pertencentes ou no residentes nas comunidades quilombolas foco da pesquisa: artesos de outras comunidades quilombolas. Como colaboradores internos foram considerados os indivduos da equipe da ESALQ envolvidos no processo. Como colaboradores externos foram caracterizados: tcnicos, pessoas de instituies governamentais e no governamentais, que de algum modo, tiveram ou at o momento tm envolvimento com a atividade artesanal de fibra de bananeira.

    A partir desses procedimentos metodolgicos foi possvel a reconstituio do processo de introduo dessa atividade nas referidas comunidades, as estratgias utilizadas e implicaes ocorridas. Tal conhecimento derivou de uma anlise com base nos preceitos do ecodesenvolvimento, abordando os aspectos: ambiental, social, econmico e cultural do artesanato com fibra de bananeira junto aos colaboradores envolvidos.

    Ao todo foram entrevistados 32 colaboradores. Desse total, 15 eram artesos das trs comunidades pesquisadas, constituindo o grupo de colaboradores primrios: 10 pessoas da comunidade de Ivaporunduva, 1 de Andr Lopes, 4 de Sapatu. O grupo de colaboradores secundrios foi constitudo por 7 artesos de outras comunidades (Nhunguara e Morro Seco) que foram capacitados pelos "artesos-multiplicadores"14. E 1 colaborador interno, o tecelo.15 da equipe da ESALQ, que ministrou os cursos de capacitao de artesanato com a fibra de bananeira nas comunidades pesquisadas.

    A idade dos colaboradores primrios e secundrios era entre 18 a 60 anos, com escolaridade entre 3 srie do ensino fundamental e o ensino mdio; em geral os mais jovens tinham completado o segundo grau completo.

    Foram entrevistados 9 colaboradores externos, desses 6 foram profissionais de instituies governamentais: dois profissionais do ITESP do escritrio de Eldorado; trs profissionais da Fundao Florestal; uma religiosa (freira) da Parquia de Eldorado; um profissional do ISA; o engenheiro agrnomo que no ano de 2000 trabalhou no ITESP com a

    14 Denominao adotada para se referir aos artesos das comunidades estudas que repassaram as tcnicas desse artesanato para outras comunidades. 15 O arteso, o senhor Alziro Corazza, contratado pelo "Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Banana no Vale do Ribeira -SP", como profissional autnomo.

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    organizao da atividade artesanal nos quilombos de Eldorado e uma profissional do SEBRAE da Regional da cidade Registro.

    As entrevistas com os colaboradores primrios e secundrios foram realizadas durante visitas desta pesquisadora a suas casas. A primeira visita s comunidades pesquisadas, em maio de 2003, foi realizada juntamente com a coordenadora da equipe de trabalho que desenvolveu a pesquisa e as capacitaes quanto ao uso da fibra de bananeira na produo artesanal16 e o arteso Alziro, com o objetivo de estabelecer o contato pessoal inicial com os artesos e explicar a eles o objetivo da pesquisa. As coletas de dados nas comunidades de Ivaporunduva, Andr Lopes e Sapatu foram realizadas nos perodos de: maio, julho, agosto, setembro de 2003 e janeiro, fevereiro, maro17, julho e agosto de 2004.

    As entrevistas com os colaboradores externos foram realizadas no ambiente de trabalho dos envolvidos. Em alguns momentos, as entrevistas foram realizadas com o auxlio do roteiro. Alm disso, materiais em forma de artigos de jornais e revistas e documentaes internas do Projeto de Aproveitamento de Resduos da Agroindstria da Banana no Vale do Ribeira SP serviram de dados secundrios, ajudando a compor as descries e anlises subseqentes.

    Para as entrevistas semi-estruturadas foi elaborado um roteiro de questes abordando aspectos relativos ao incio da atividade do artesanato com fibra de bananeira nas comunidades foco, seus desdobramentos e a situao atual da atividade.

    O roteiro de perguntas foi formulado de forma que os dados obtidos permitissem a reconstruo dos fatos e dos desdobramentos das aes e a reflexo sobre as mudanas positivas ou negativas ocorridas na vida dos colaboradores.

    Para o tratamento desses dados foi adotado o mtodo da categorizao (Minayo, 1994), sendo definidas trs categorias: (a) ambiental; (b) social e (c) econmica.

    16 A prof Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello. 17 Em 30 e 31 de maro de 2004 foi realizado na ESALQ, sob a coordenao da Professora Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello, um curso de qualidade da fibra de bananeira para os artesos que vem trabalhando com o artesanato de bananeira, como o caso do Grupo Banarte em Miracatu, da Oficina Monhangaba em Itariri, um grupo de mulheres de Pedro de Toledo, alm dos artesos das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira. Nesta ocasio, tambm foram realizadas entrevistas com as artess das comunidades quilombolas que participaram deste curso. Foram abordadas questes relativas produo do artesanato, comercializao e s tcnicas apreendidas nos cursos e suas adaptaes. Participaram deste curso 8 artess das comunidades quilombolas, sendo uma artes da comunidade de Nhunguara, uma artes da comunidade de Andr Lopes, duas artess da comunidade de Ivaporunduva e quatro artess da comunidade de Sapatu.

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    3.2 Descrio das trs comunidades envolvidas na pesquisa

    A comunidade de Ivaporunduva est situada cerca de 55 Km do centro urbano da cidade de Eldorado (SP). Recentemente, a comunidade conquistou o ttulo de reconhecimento de domnio de seu territrio, conforme despacho da Presidncia da Fundao Cultural Palmares, em cumprimento ao Art. 68 da Constituio Federal de 1988. Deste modo, Ivaporunduva tornou-se a primeira comunidade quilombola do Estado de So Paulo a conseguir a propriedade definitiva de suas terras, aps uma luta de doze anos iniciada com a promulgao da Constituio Federal de 1988 (ITESP, 1998b). Esta comunidade foi a primeira no Estado a ser reconhecida como comunidade quilombola, sendo considerada a mais antiga do Vale do Ribeira e a que deu origem formao de outras, como So Pedro, Piles, Maria Rosa e Nhunguara (ITESP, 1998c).

    Segundo levantamento planimtrico realizado pelo Instituto de Terras do Estado de So Paulo (ITESP), regional sul do Vale do Ribeira no ano de 1998, a comunidade de Ivaporunduva abrange uma rea total de 2.754,3619 ha, fazendo limite com as reas pertencentes a outras duas comunidades quilombolas: