2.° caderno rmc em debate - alexsandro teixeira ribeiro

40
RMC em debate. Segundo caderno 2 Apresentação Valter Fanini , presidente do Senge-PR A armadilha das instituições precárias Você tem em mãos o segundo caderno editado pelo projeto Região Metropolitana de Curitiba em Debate, uma iniciativa do Senge-PR. A montagem deste caderno contou com o apoio de entidades como Crea- PR, Sindicato dos Arquitetos do Paraná (Sindarq), Ambiens Brasil e Sociedad Peatonal. Nele, abordamos a Mobilidade Urbana Regional, com ênfase nos sistemas de transporte público de passageiros e na logística regional. Nos últimos 25 anos, assistimos em todas as regiões metropolitanas a um grande descompasso entre a demanda por infraestrutura urbana, derivada do rápido crescimento populacional, e a capacidade financeira do poder público em implementá-la. Isso deu origem a uma realidade perversa, que pode ser observada sob duas óticas principais. A primeira delas é o enorme déficit de infraestrutura dessas áreas urbanas, em especial as relacionadas ao movimento de carga e passageiros. A segunda, o desmantelamento das instituições de planejamento e projeto responsáveis pela montagem das políticas públicas para o setor. O déficit na infraestrutura de transporte e movimentação de cargas pode ser percebida pelo cidadão comum quando se depara diariamente com o caos reinante no trânsito das cidades, decorrente de um sistema viário que não se expandiu de forma estruturada e de um transporte público sustentado em modalidades de baixa capacidade, como o ônibus. No entanto, a segunda Este caderno é uma publicação do projeto Região Metropolitana de Curitiba em Debate Organização e coordenação Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) Assessoria Técnica Ambiens Sociedade Cooperativa Apoio Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR), Sindicato dos Arquitetos do Paraná (Sindarq), Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), FAE Centro Universitário, Sociedad Peatonal, Movimento Passe Livre Edição Rafael Martins (Reg. Prof. 3.849 PR) Reportagem Camila Castro Fotografia e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro Fale conosco [email protected] Artigos assinados são de responsabilidade dos autores. O Senge-PR permite a reprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada. Fotolitos/impressão Reproset Tiragem 4 mil exemplares consequência — o desmantelamento do aparelhamento técnico do Estado para planejar e projetar as soluções que as cidades estão exigindo com urgência — não é percebida tão facilmente. Nesse caso, cabe às entidades representativas da engenharia e do urbanismo fazer o alerta, exigir dos poderes executivos que a capacidade técnica do setor público seja restaurada, sob pena de termos recursos financeiros disponíveis, mas não projetos para a sua aplicação. Isso já vem acontecendo com os recursos do Programa de aceleração do crescimento (PAC) do governo federal, situação mencionada em várias ocasiões pelo próprio ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. A Região Metropolitana de Curitiba não é exceção neste contexto. Prova disto é o inicio tardio dos projetos do metrô curitibano, que só parece se efetivar quando se vislumbrou a existência de recursos financeiros com o anúncio da vinda da Copa do Mundo para Curitiba. O órgão estadual responsável pelo planejamento metropolitano, a Comec, há muito deixou de elaborar qualquer plano setorial ligado às funções públicas de interesse comum dos municípios metropolitanos, caso do planejamento dos transportes públicos e do sistema viário metropolitanos. Isso é fruto da redução drástica de seus quadros técnicos, e da inadequada modelagem institucional sobre qual opera. Quando fazemos uma análise do quadro institucional da gestão dos transportes metropolitanos de passageiros, mostramos a precariedade e — até mesmo — as ilegalidades em vigor. Mais importante — fazemos o alerta de que não haverá possibilidade de um salto de qualidades na rede de transportes metropolitana que atenda às necessidades de deslocamentos de carga e de passageiros se não reconstruirmos as entidades responsáveis pela formulação de seu planejamento, execução de projetos e implantação de infraestrutura. Quando falamos de precariedade institucional, queremos ir além da falta de quadros técnicos ou recursos financeiros. Falamos principalmente da indefinição das funções das diversas entidades que devem atuar no sistema, a falta de mecanismos de articulação entre elas e a ausência de canais de participação da sociedade. São questões que somente serão resolvidas a partir da redefinição de uma nova entidade metropolitana, tema recorrente em praticamente todos os artigos e matérias produzidos para os cadernos deste projeto. “Desmantelou-se o aparelhamento técnico do Estado para planejar e projetar soluções para as cidades. Cabe a nós fazer o alerta, exigir dos poderes executivos que a capacidade técnica do setor público seja restaurada, sob pena de termos recursos financeiros disponíveis, mas não projetos para a sua aplicação”

Upload: alexsandro-teixeira-ribeiro

Post on 15-Jan-2015

1.500 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 2

Apresentação4 Valter Fanini , presidente do Senge-PR

A armadilha das instituições precáriasn

Você tem em mãos o segundocaderno editado pelo projeto RegiãoMetropolitana de Curitiba emDebate, uma iniciativa do Senge-PR.A montagem deste caderno contoucom o apoio de entidades como Crea-PR, Sindicato dos Arquitetos doParaná (Sindarq), Ambiens Brasil eSociedad Peatonal. Nele, abordamosa Mobilidade Urbana Regional, comênfase nos sistemas de transportepúblico de passageiros e na logísticaregional.

Nos últimos 25 anos, assistimos emtodas as regiões metropolitanas a umgrande descompasso entre ademanda por infraestrutura urbana,derivada do rápido crescimentopopulacional, e a capacidadefinanceira do poder público emimplementá-la. Isso deu origem a umarealidade perversa, que pode serobservada sob duas óticasprincipais.

A primeira delas é o enormedéficit de infraestrutura dessas áreasurbanas, em especial as relacionadasao movimento de carga epassageiros. A segunda, odesmantelamento das instituições deplanejamento e projeto responsáveispela montagem das políticas públicaspara o setor.

O déficit na infraestrutura detransporte e movimentação de cargaspode ser percebida pelo cidadãocomum quando se deparadiariamente com o caos reinante notrânsito das cidades, decorrente deum sistema viário que não seexpandiu de forma estruturada e deum transporte público sustentado emmodalidades de baixa capacidade,como o ônibus.

No entanto, a segunda

Este caderno é uma publicação do projeto Região Metropolitana de Curitiba em Debate

Organização e coordenação Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR)

Assessoria Técnica Ambiens Sociedade Cooperativa

Apoio Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR), Sindicato dos Arquitetos do Paraná (Sindarq),Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), FAE Centro Universitário, Sociedad Peatonal, Movimento Passe Livre

Edição Rafael Martins (Reg. Prof. 3.849 PR) Reportagem Camila Castro

Fotografia e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro Fale conosco [email protected]

Artigos assinados são de responsabilidade dos autores.

O Senge-PR permite a reprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada. Fotolitos/impressão Reproset Tiragem 4 mil exemplares

consequência — o desmantelamentodo aparelhamento técnico do Estadopara planejar e projetar as soluçõesque as cidades estão exigindo comurgência — não é percebida tãofacilmente.

Nesse caso, cabe às entidadesrepresentativas da engenharia e dourbanismo fazer o alerta, exigir dospoderes executivos que a capacidadetécnica do setor público sejarestaurada, sob pena de termosrecursos financeiros disponíveis, masnão projetos para a sua aplicação.

Isso já vem acontecendo com osrecursos do Programa de aceleraçãodo crescimento (PAC) do governofederal, situação mencionada emvárias ocasiões pelo próprio ministrodo Planejamento, Paulo Bernardo.

A Região Metropolitana deCuritiba não é exceção nestecontexto. Prova disto é o inicio tardiodos projetos do metrô curitibano, quesó parece se efetivar quando sevislumbrou a existência de recursosfinanceiros com o anúncio da vindada Copa do Mundo para Curitiba.

O órgão estadual responsável peloplanejamento metropolitano, aComec, há muito deixou de elaborarqualquer plano setorial ligado àsfunções públicas de interesse comumdos municípios metropolitanos, casodo planejamento dos transportespúblicos e do sistema viáriometropolitanos. Isso é fruto daredução drástica de seus quadrostécnicos, e da inadequadamodelagem institucional sobre qualopera.

Quando fazemos uma análise doquadro institucional da gestão dostransportes metropolitanos depassageiros, mostramos aprecariedade e — até mesmo — asilegalidades em vigor. Maisimportante — fazemos o alerta de quenão haverá possibilidade de um saltode qualidades na rede de transportesmetropolitana que atenda àsnecessidades de deslocamentos decarga e de passageiros se nãoreconstruirmos as entidadesresponsáveis pela formulação de seuplanejamento, execução de projetos eimplantação de infraestrutura.

Quando falamos de precariedadeinstitucional, queremos ir além dafalta de quadros técnicos ou recursosfinanceiros. Falamos principalmenteda indefinição das funções dasdiversas entidades que devem atuarno sistema, a falta de mecanismos dearticulação entre elas e a ausênciade canais de participação dasociedade. São questões que somenteserão resolvidas a partir daredefinição de uma nova entidademetropolitana, tema recorrente empraticamente todos os artigos ematérias produzidos para oscadernos deste projeto.

“Desmantelou-se oaparelhamento técnico do

Estado para planejar eprojetar soluções para as

cidades. Cabe a nós fazer oalerta, exigir dos poderes

executivos que a capacidadetécnica do setor público seja

restaurada, sob pena determos recursos financeiros

disponíveis, mas não projetospara a sua aplicação”

Page 2: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

3 Novembro de 2009 3

Institucionalização dostransportes da RMC: históricoe novas perspectivas

Artigo

O presidente do Senge-PR, Valter Fanini , explica porque o atual modelo deadministração do transporte coletivo de Curitiba e região é excludente, e diz que agestão deveria ser feita com a participação dos 26 municípios da RMC, e não por umúnico órgão, a Urbs. “Tamanha diversidade institucional para administrar um mesmosistema somente terá possibilidade de funcionar sob um regime organizacionalintegrador que contemple a multiplicidade de atores políticos e sociais”, afirma. Paraele, precisamos de uma nova instituição para gerenciar o transporte, reunindogoverno do estado, prefeitos e sociedade civil organizada

4

>>

O processo de ocupação urbanaperiférica à Curitiba sobre território demunicípios vizinhos, que se consolidoucom maior intensidade a partir da décadade 70, e a necessidade de deslocamentoda população dessas áreas, espe-cialmente em direção à capital, deuorigem a uma demanda por transportepúblico urbano de passageiros que foirapidamente atendida por linhas de ônibusofertadas por empresas que operavamlinhas rodoviárias nas imediações dessasnovas fronteiras de ocupação.

O Governo do Estado, desde estaépoca, passou a licenciar a operaçãodessas novas linhas de transporte públicobaseado numa interpretação dominial deterritório das empresas operadoras, ouseja, concedia licença de operação denovas linhas urbanas a quem estivesseoperando linhas intermunicipais nasproximidades dessas novas áreasurbanas. Apesar desse procedimentonunca ter sido explicitado porinstrumentos formais, como planos,normas, portarias, editais de licitaçãodecretos, leis, etc., esta prática constituiu-se em um acordo tácito de bom convívioentre agentes dos governos e empresáriospara a expansão do que veio a ser a primeirarede de transporte público metropolitano.

Assim, pode-se dizer que o início dosistema de transporte de passageiros daRMC teve caráter “pouco formal”,sustentado exclusivamente por instrumentosde permissão de operação emitidos peloentão Departamento de Serviços deTransporte Coletivo – DSTC, ligado aoDER-PR, obedecendo a uma lógica históricade domínio de território por parte dasempresas de transporte.

Ao longo dos mais de 30 anos decorridosdesde o início desse processo, o poderpúblico buscou em diversos momentosformas de se assenhorear desse sistema,intervindo ora no campo das infraestruturasde transporte ora no campo normativo dasconcessões dos serviços e no modelo degestão do sistema, sem, no entanto, ter obtidoêxito na construção de um modelo gerencialestruturado e perene.

Em 1990 a competência de gerir as linhasintermunicipais no espaço metropolitano foitransferida do Departamento de Estradasde Rodagem para a Coordenação da RegiãoMetropolitana de Curitiba (Comec), atravésde decreto governamental, consolidando-seo que de fato já vinha ocorrendo desde 1982por meio de convênios entre as partes.

No ano de 1992, uma tentativa dogoverno do estado de licitar as linhas detransporte intermunicipais da RMC atravésValter Fanini é engenheiro civil e servidor público estadual

Page 3: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 44

da Comec resultou em uma batalha judicialda qual não se conhece os resultados finaisaté hoje. O que efetivamente se sabe é quetudo permaneceu exatamente como antesda tentativa de licitação.

Em 1996 foi assinado convênio entre ogoverno do Paraná e a prefeitura de Curitibaconferindo ou transferindo à Urbs o controleoperacional do transporte intermunicipal naRMC, com o objetivo de facilitar o processode integração do sistema de transportemetropolitano ao sistema de transportecuritibano.

No campo das infraestruturas, a partir do finalda década de 1970, o governo do estado, viaComec, manteve qua-se de forma per-manente programasvoltados a atender asnecessidades de im-plantação de infraes-trutura de transportederivadas da expansãocontínua dessa rede detransporte.

Nesse sentido,ainda na década de70 deu-se início àpavimentação dasvias que abrigavamlinhas urbanas deônibus, utilizando oschamados pavimen-tos de baixo custo efoi, ao longo dosanos, projetando e implantando intervençõesde maior porte, de modo a constituir umarede formada atualmente por mais de oitocorredores metropolitanos de transporte,parcial ou totalmente integrados a rede detransporte de Curitiba, operados através decerca de 20 terminais de passageiros.

O fulcro das discussões atuais do sistemade transporte metropolitano, incluindo o deCuritiba, recai sobre o modelo institucionala ser adotado para contornar definitivamenteas questões de gestão, ligadas a necessidadede definição do seu centro decisório, suaadministração técnica, o controle social e alinha e responsabilidades sobre o pla-nejamento e investimentos.

Sabe-se que constitucionalmente osserviços de transporte urbano intra-municipalsão de responsabilidade dos municípios,enquanto o intermunicipal constituemresponsabilidade dos Estados. Assim, deacordo com essa linha de responsabilizações,temos na Região Metropolitana de Curitiba27 entidades gestoras do transportemetropolitano, sendo 26 prefeituras muni-

cipais e o Governo do Estado do Paraná.Tamanha diversidade institucional para

administrar um mesmo sistema somente terápossibilidade de funcionar sob um regimeorganizacional integrador que contemple amul-tiplicidade de atores políticos e sociais.

Na contramão da necessidade de ummodelo integrador de gestão, adotou-se na RMCum modelo excludente, dando-se a um órgãoda administração indireta da prefeitura municipalde Curitiba, a Urbs, poderes para atuar de formaabsolutista sobre os interesses dos demaismunicípios e do próprio Governo do Estado.

Tal condição nos remete de imediato àsperguntas: de que forma isto aconteceu?

Seria o convênioentre a Comec e aUrbs o responsávelpor manter tal situ-ação? Obviamentenão. Quem se de-bruçar sobre talinstrumento veráque se trata de do-cumento frágil, ge-nérico e precário, quevem sendo renovadoano a ano entre asinstituições e quepode ser revogado aqualquer momento.

Onde estará en-tão a força man-tenedora de tal si-tuação, que hoje ex-

clui 25 municípios e o Governo do Estado doParaná de suas responsabilidades de repre-sentação técnica e política sobre os transportesmetropolitanos e não confere à sociedade civila menor chance de participação? E comoreverter essa situação? O ordenamento cons-titucional dado para o trato de todas a funçõespúblicas de interesse metropolitano e que apontapara a necessidade de se constituir órgãosmetropolitanos para o exercício das funçõespúblicas de interesse comum de seus municípiosconstitui o primeiro passo para se tentarresponder estes questionamento.

Sabe-se que a Comec deveria ter sidoreformulada institucionalmente a partir donovo ordenamento dado pela Constituiçãode 1988, que estabeleceu nova distribuiçãode competências entre União, estados emunicípios na gestão de regiões , e colocoua necessária participação da sociedade civilnesse processo. No entanto, desde então,andou-se em sentido contrário. Além de nãoreformular seus estatutos, a Comec foi sendofragilizada como instituição ano a ano coma redução sistemática de seu quadro de

Adotou-se na RMC ummodelo excludente, em

que um órgão da prefeiturade Curitiba tem poderes

para atuar de formaabsolutista sobre os

interesses dos demaismunicípios e do estado

À população, coube assistirestarrecida os demais

prefeitos dos municípios daRMC sendo chamados àssuas responsabilidades

sobre o sistema por seuseleitores e obrigados a dara incompreensível respostade que a questão tinha queser tratada com o prefeitoda cidade vizinha e queeles estavam ausentes

deste processo

>>

Page 4: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

5 Novembro de 2009 5

funcionários, culminando com o cenário atual,no qual o órgão beira a auto-extinção.

A resposta ao questionamento sobre asrazões da permanência de uma situação nomínimo estranha, em que um órgão daadministração indireta da prefeituramunicipal permanece com poderesabsolutistas sobre a competência queconstitucionalmente são de outros 25municípios e do governo do Estado está,portanto, no fato de não existir outrainstituição organizada para substituiradequadamente a Urbs no papel que vemdesempenhando desde 1996.

A configuração atual da gestão dostransportes na RMC foi implantada no anode 1996 quando um mesmo grupo políticoadministrava o município de Curitiba e oGoverno do Estado através do que sepoderia chamar de cooperação entre amigospara a gestão dos transportes, no lugar deum modelo de gestão perene e formalmenteconstituído através de leis e contratos. Aintegração dos terminais metropolitanos àRede Integrada de Transportes de Curitiba,através do sistema de linhas diretas(ligeirinhos), obrigou a transferência depoderes de gestão da Comec para a Urbscomo condição para a inclusão das linhasmetropolitanas no sistema de receitaspúblicas e de tarifa integrada operadas emCuritiba.

Este processo de transferência depoderes e de criação de novas linhas de

transporte coletivo urbano deu-se sem asformalidades legais e contratuais que ogênero da coisa pública exige, o que seentendia na ocasião como algo provisório,que seria logo adiante reformulado.

Fosse este modelo estável do ponto de vistapolítico poderíamos todos fechar os olhos paraas desconformidades legais e deixar que osistema de transporte de passageiros continuassesendo gerido como nos últimos 13 anos.

No entanto, a ausência de canais formaisde articulação entre os atores políticos einstitucionais que são corresponsáveis pelaadministração dos transportes públicos na

Um novo modelo de gestãodeve prever a base deoperação do sistemaassentada sobre uma

estrutura técnico-funcionalcom capacidade de elaboraro planejamento estratégicode longo prazo de todas as

funções públicas deinteresse comum da RMC,aí incluído o transporte

público

RMC vem provocando, e provocará cada vezmais, tensões que tendem a se agravar, comovisto recentemente em relação a implantaçãopelo governo do Estado dos terminaismetropolitanos de ônibus Guaraituba e RoçaGrande e a recusa da Urbs em iniciar aoperação dos mesmos, situação que acabousendo arbitrada pelo Ministério Público.

À população coube assistir estarrecidaos demais prefeitos dos municípios da RMCsendo chamados às suas responsabilidadessobre o sistema por seus eleitores eobrigados a dar a incompreensível respostade que a questão tinha que ser tratada como prefeito da cidade vizinha e que elesestavam ausentes deste processo.

Deixando os fatos e caminhando para ocampo das proposições de solução para oaparente dilema existente no sistema degestão dos transportes metropolitanos, pode-se dizer que o encaminhamento para umnovo modelo de administração dostransportes metropolitanos faz parte do novomodelo de gestão proposto para as funçõespúblicas de interesse comum no Plano deDesenvolvimento Integrado da RMC 2006,que teve encaminhamento legislativo atravésdo projeto de Lei nº. 212/88, em tramitaçãona Assembleia Legislativa do Estado.

A proposta em tramitação devolve aoórgão metropolitano o poder de gestãoatualmente transferido a Urbs e propõecomo instância máxima deliberativa um co-legiado formado por prefeitos metropolitanos>>

Acordo para integração dos terminais metropolitanos à rede de transportes de Curitiba acabou por transferir sua gestão da Comec para a Urbs, empresa da prefeitura

Page 5: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 6

e pelo governador do Estado. O novo modelode gestão prevê ainda a base de operaçãodo sistema assentada sobre uma estruturatécnico-funcional, com capacidade deelaborar o planejamento estratégico de longoprazo de todas as funções públicas deinteresse comum da RMC, aí incluído otransporte público de passageiros.

A partir de uma nova instituição que (i)coloque as decisões política dos transportessob o comando dos que possuem legitimidadepara isto, ou seja, o governador do Estado eos prefeitos dos municípios metropolitanos,(ii) seja dotada de capacidade técnica paraformular planos estratégicos de longo prazoe assessorar os seus conselhos, será possívelelaborar contratos específicos, even-tualmente com a própria Urbs, transferindoresponsabilidades pela execução de serviçosoperativos, mas nunca o poder político datomada de decisões estratégicas sobre umsistema que abrange e, portanto, afeta apopulação de um conjunto de municípios.

O novo modelo vem sanar também umafalha grave da atual maneira de administraro transporte de passageiros na RMC, que é aausência de canais de participação direta dasociedade, uma vez que abre a possibilidadede participação da sociedade civil organizadaatravés de um conselho consultivo.

O que impede então que este novomodelo seja implementado? Pode-se dizerque um dos principais motivos é odesconhecimento por parte dos atorespolíticos e da sociedade de modo geral sobrea possibilidade de se criar mecanismos degestão que compartilhe o poder e queestabeleça corresponsabilidades entre atorespolíticos e sociais para a gestão daschamadas funções públicas de interessecomum metropolitanas, entre elas ostransportes públicos.

O governo do Paraná vem adiando essadiscussão, apesar de ter publicado em 2006,na nova edição do Plano de Desen-volvimento Integrado da Região Me-tropolitana, uma proposição para um novomodelo de gestão metropolitana.

Não é por outro motivo que esta novaedição do “Região Metropolitana de Curitibaem Debate” levanta o tema procurandoauxiliar o debate público iniciado com aapresentação na Assembleia Legislativa doProjeto de Lei n.º 212/08 que propõe aconstrução de um novo órgão metropolitanopara a gestão das funções públicas deinteresse comum na Região Metropolitanade Curitiba.

Esperamos estar cumprindo com nossoobjetivo.

>>

Fila para entrar em estação de ônibus “ligeirinho” lotada, no Centro de Curitiba: um sistema exaurido

Page 6: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

7 Novembro de 2009

O ciclo político do serviçopúblico de transportecoletivo em Curitiba

Artigo

O economista Luís Maurício Martins Borges , da Ambiens Sociedade Cooperativa,avalia os motivos que levaram à concentração nas mãos de poucas empresas doserviço do transporte público coletivo, passando pela relação entre o empresariado eo poder público. Borges também discute as variações no valor da tarifa paga pelousuário, que “é determinada pelo ciclo político dos mandatos locais”

4

O debate sobre o transporte coletivo naRegião Metropolitana de Curitiba, sob oaspecto político e socioeconômico, deveconsiderar, entre diversos aspectosprimordiais, a relevância da capital do Estadona hierarquia deste sistema, a suaestruturação espacial e os problemas quedecorrem de fatores como adensamentopopulacional, transformação metropolitanada cidade, concentração de população debaixa renda, e a tarifa, da qual se desdobrao acesso a este serviço público. Discute-seneste trabalho especialmente a tarifa e ogasto fiscal, que são centrais nadeterminação do ciclo político local emfunção tanto da concentração do mercadode serviços públicos de transporte coletivocomo da afinidade entre o conjunto maisamplo de interesses. De um lado interessesdas empresas em manter os serviços e obraspúblicas como estão, afinal de contas, esteum “modelo”, e de outro lado, dos grupospolíticos, que vêm orientando a construçãoda capital – ambos sob a finalidade de suaprópria acumulação capitalista sustentadaatravés do Estado.

A origem desse sistema remonta-se ameados da década de 1950, quando otransporte coletivo ainda era constituído pelosistema de lotações, concentradas nas rotasmais lucrativas e sem horários fixos. Ogoverno Ney Braga fez uma reforma nosistema, na qual as empresas deveriamapresentar uma determinada eficiênciatécnica e profissional e responder por

determinadas áreas e conjuntos de linhaspara estarem aptas a prestarem o serviçopúblico. Esta reforma, a despeito da sucessãode inovações positivas do ponto de vista doserviço público, contribuiu de fato para aconcentração de poder político e econômicoem poucas e grandes empresas1 . Já nestemomento, o governo municipal, além de nãointerferir na sistemática do cálculo do preçoda tarifa, aceitou a prorrogação dos prazosde vida útil dos veículos em operação decinco para dez anos, embora o custo darenovação da frota contasse nas planilhasde determinação do preço da passagem.

As mudanças mais conhecidas do sistemade transporte, como ônibus expressos eligeirinhos, introduzidas respectivamente nasdécadas de 1970 e 1990, requereramadaptações nos veículos para operação nosistema concebido pelo poder públicomunicipal, que, além da praticidade pro-porcionada, também representaram umasólida barreira de mercado à entrada de novasempresas. Essa barreira constitui-se pelo riscode imobilização de capital em ônibus especiais,onerosamente adaptados a outras atividades,além do volume de capital e influência políticanecessários à concessão da regularidade parao serviço de transporte coletivo. Assim, já nadécada de 1970 até os dias hoje, se consolidaa concentração desde mercado sobre asmesmas 10 empresas em atividade.

A aliança entre setores empresariais epoder executivo municipal nem sempre foitão fraterna, como conta a história do trans-Luis Maurício Martins Borges é economista >>

Page 7: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 8

porte coletivo com casos bastante elu-cidativos destes conflitos. O PMDB nadécada de 80 estabeleceu uma aliança comos movimentos populares, especialmente emrelação à questão do transporte coletivo, emum momento de agravamento do quadrosocial causado pelo desemprego e intensamigração em meio à transformação erecrudescimento da crise econômica. Arepresentação desses movimentosconstituía-se através do Movimento dasAssociações de Bairros (MABs), pelaexigência da redução imediata dos gastoscom transportes e pela redefinição darelação entre poder público e empresariadode ônibus2. O temor dos empresários destesetor concretiza-se primeiro quando o entãodeputado estadual Roberto Requiãoencaminhou na Assembleia legislativa projetode lei propondo a estatização, não só dostransportes coletivos, mas de todos osserviços públicos da capital. Num segundomomento, as ações estatizantes ganharamforma na gestão do prefeito Requião (1985-1988), com apoio popular na mobilização defiscais para aferir as condições de operaçãoda frota e apresentar elementos para aaferição dos cálculos de determinação dospreços das passagens de ônibus.

Após a constatação de inúmerasirregularidades – como fraudes, desvios,manipulação de informações e a sonegaçãodeliberada da substituição de ônibus com vidaútil vencida ainda em circulação – a gestãoRequião requereu judicialmente, comsucesso, a anulação das concessõesoutorgadas aos empresários, tornando-ospermissionários. Isto aumentou o controlepúblico sobre o transporte coletivo, reduzindoa possibilidade de manipulação das planilhasde custo. No entanto, as mudanças forammuito pequenas já que não se alterou aestrutura deste mercado, mantendo-se asmesmas empresas. Apesar da incon-veniência a esses empresários, asalterações nas planilhas de custo das tarifasde ônibus puderam ser suportadas e atérevertidas em benefício destes nosmandatos posteriores 3 .

O sindicato das empresas de transportepúblico de passageiros deixou sua posturameramente reativa e passou a atuar junto àCâmara na eleição e cooptação devereadores, construindo um blocoparlamentar hegemônico, capaz desalvaguardar o setor contra quaisquerameaças estatizantes, impor seus pontos devista sobre a gerência do transporte coletivo eaté transformar-se em porta voz da demandade outros setores (Oliveira 2000, p. 152).

Deste processo que se inicia em meadose transcende o fim de um mesmo séculoXX, destaca-se a concentração do mercadode serviço de transporte público, consolidadona década de 1970, seguida da mobilizaçãopolítica das empresas de ônibus para a defesade seus interesses nos anos 1980. As dezempresas de transporte coletivo regularesde Curitiba4, representadas pelo Sindicatodas Empresas de Transporte Urbano eMetropolitano de Passageiros de Curitiba eRegião Metropolitana (Setransp), têm plenaconvergência de interesses com outrossindicatos, como do mercado imobiliário(Ademi e Secovi) e da construção de obraspúblicas (Apeop), como se verá a seguir.No entanto, a Setransp representa o centrodo poder econômico e político historicamenteorganizado no acesso a grande parte doorçamento público de Curitiba, realizadaatravés da empresa de Urbanismo – Urbs,que, atualmente, responde por mais de umquinto do total dos recursos municipais semqualquer interferência, informação ouprestação de contas à sociedade curitibana.

É com este histórico apresentado que seconclui, no findar do século 20, a origem dapolítica recente de tarifa pública de transportecoletivo, e se passa à sua análise, a partir dosegundo governo Taniguchi, nos primeirosanos do milênio. No último ano do governoTaniguchi, em 2004, um desentendimentoentre o futuro candidato a prefeito, BetoRicha (a época vice-prefeito), com o atualprefeito a respeito do aumento da tarifa detransporte coletivo fez com que Richa, naausência do outro, oportunamente reduzissea tarifa, que depois foi aumentada. Tudo àsvésperas da eleição. Em 2005, embora atarifa de transporte público de Curitiba, noprimeiro ano do governo Richa, tenha sidorealmente reduzida em R$ 0,10 – passandopara R$ 1,80 – voltou a R$ 1,90 em 2006 emanteve-se constante até 2008. Em janeirode 2009, após a re eleição de Richa, semsurpresa nenhuma a tarifa subiu para R$ 2,20.

Na representação da Figura 1, observa-se que em todo o segundo mandato deTaniguchi (2001 a 2004) a tarifa pública tevecrescimento superior à despesa comtransporte coletivo deste período. Em 2005,com a redução da tarifa no primeiro ano dogoverno Richa, ocorre o crescimento dadespesa de transporte custeada peloorçamento público municipal, apresentandopequena queda em 2006, com aumento dopreço da tarifa. O congelamento da tarifa quese seguiu nos anos anteriores às eleiçõesmunicipais de 2008 foi acompanhado peloaumento da despesa pública de transporte

>>

Rua congestionada no anel central de Curitiba

Page 8: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

9 Novembro de 2009

coletivo. Em janeiro de 2009, após a nova possedo prefeito, o reajuste da tarifa pública equipara-se à proporção da evolução das despesaspúblicas com transporte coletivo, em um padrãode financiamento do serviço semelhante ao dosegundo governo de Taniguchi.

Fica flagrante então que a evolução dopreço da tarifa de ônibus é determinada pelociclo político dos mandatos locais. Dissodecorre o fato de que o serviço se organizamenos pelo planejamento da expansão dosistema de transporte do que pelo uso políticoeleitoral, como um “subsídio” ao setor,quando na verdade é um gasto público,reduzido após as eleições, com o aumentoda tarifa. Transfere-se nestes momentos ocusto do sistema de transporte coletivo paraos usuários. Essa dinâmica sustenta osinteresses de políticos e empresários nosciclos de sucessão eleitoral e de acumulaçãocapitalista, em projetos de expansão emanutenção do conjunto de serviços públicosmunicipais quando da produção deinfraestrutura de ônibus, estações, vias,iluminação, habitação e saneamento, demaneira a determinar o lugar de cada classede cidadão no espaço da cidade, pelaarticulação das condições de transporte eequipamentos públicos ao trabalho e moradia.

ESPAÇOS URBANOS

A valorização de determinados espaçosurbanos pelo jogo do mercado vale-sehistoricamente dos investimentos públicos,a serviço do fortalecimento das condiçõesde acumulação no mercado imobiliário, coma criação de uma falsa escassez de terrasque existe em relação ao poder das distintasclasses sociais, de retenção e acesso a essapreciosa mercadoria: a terra. Na falta deum planejamento político territorial da cidade,por meio da livre valorização do preço douso (ou desuso) da terra, processa-se aseleção dos habitantes de mais alta rendapara o acesso aos melhores serviços e con-dições, enquanto se relega às classes demais baixa renda espaços mais distantes,

menos qualificados e valorizados. A aparentefalta de relação entre as políticas públicasurbanas de investimentos em novos conjun-tos habitacionais e vias de comunicaçãorápida é bastante coerente à estratégia deconcentração da população de mais alta

* (em mil reais)

Fonte: Sítio da prefeitura de Curitiba (2008), Secretaria de Finanças, Informação sobre Orçamento Anual

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008/09

Custo Tarifa de ônibus (R$ 1,00) 1,10 1,50 1,65 1,90 1,80 1,90 1,90 2,20

Despesa em Transporte Coletivo* 356.030 442.115 475.500 546.290 672.000 521.925 638.165 673.640

Orçamento Anual* 1.537.000 1.690.000 1.940.000 2.250.000 2.425.000 2.353.691 2.824.411 3.911.233

Evolução do crescimento anual do custo da tarifa de ônibus, da despesaem transportes coletivos urbanos e do orçamento anual, entre 2001 e 2008

renda que se aproxima das principais vias,enquanto os conjuntos habitacionais pro-movidos pelo poder público municipal, assimcomo as ocupações irregulares, com o efeitoda valorização das terras, são impelidos ase distanciar destas novas infraestruturas.>>

Passageiros no Terminal Alto Maracanã, em Colombo, um dos mais movimentados da Grande Curitiba

Page 9: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 10

Não é de difícil constatação a destinaçãodos serviços e da infraestrutura pública,determinada por classe de cidadão (pelo seunível de renda), em espaços dotados deconsolidada infraestrutura pública e social,enquanto outros se mantêm impossibilitadosde acesso a serviços de saneamentoambiental, à propriedade legal da moradiaregular e ao padrão de transporte público(como do modelo de Curitiba). É fácil ousuário de transporte coletivo concordar queeste serviço é bom quando você o utiliza naslinhas de expresso, ligeirinhos e coletores empequenos trechos, fora do horário de pico eao redor ou próximo às vias que levam aoCentro.

O sistema de transporte coletivo mostrasuas inconsistências e obstáculos na medidaem que o passageiropercorre grandes dis-tâncias, por várias co-nexões, especialmenteno horário de maiorfluxo de trabalho eestudo. A partir dos ex-tremos gradientes qua-litativos do serviço detransporte coletivo deônibus conclui-se que osistema funciona melhor para turismo e lazerdo que para o trabalho e estudo na cidade.

O programa de Transporte Coletivo,como apresentado no Plano Plurianual deCuritiba 2006-2009, pretendendo orientar àmelhoria da mobilidade através do aperfei-çoamento do sistema de transporte, com vis-tas a atrair mais usuários, apontava a expan-são da infraestrutura de terminais, estações,tubos e veículos (ônibus).

Para isso, foi realizado gasto públicomunicipal de 21,1% do orçamento total domunicípio de Curitiba (R$ 2,5 bilhões entre2006 e 2009), financiados pela tarifa pública,o vale transporte (também chamado de VT),além de outros recursos fiscais, constituindo-se num fenômeno central ao entendimentoda política urbana.

Embora seja gasto essa fabulosaquantidade de recurso público – sustentadapelo fato de que o orçamento municipal deCuritiba é o terceiro maior do Brasil (vertabela) em termos per capita –, o transportecoletivo da cidade não é exceção no País noque diz respeito à qualidade do acesso pelosgrupos que mais necessitam deste meio detransporte, seja por falta de alternativa ou poropção, e especialmente para os moradoresdos lugares mais distantes do Centro.

Um último fato importa ser destacado: aomissão de informações de interesse público

relativas à prestação do serviço tambémpúblico de transporte coletivo. Nenhum outroaspecto do serviço público municipal temseus números tão bem guardados quantoeste serviço. Um cidadão interessado embuscar informações relevantes a respeito daprestação do serviço de transporte coletivodecepciona-se na verificação do sítio daprefeitura, pois observa a falta deespecificação do programa de transportecoletivo, no orçamento municipal de 2001 a2009, detalhado em atividades e projetos, aexemplo de outros programas, como o dehabitação.

Os interessados em política urbana nãoencontrarão no diagnóstico do plano demobilidade urbana5 informação tambémdisponível neste sítio, descrição detalhada dos

custos e do históricode serviço (númerode pessoas transpor-tadas), sob a ausênciade uma proposta ob-jetiva de transportecoletivo em massa,considerando as con-dições diferenciadasdos cidadãos. Ficatambém o registro de

que o deputado estadual Tadeu Veneri (PT),durante o debate entre os autores queescrevem para esta publicação, colocou a suainsistência, sem sucesso há oito anos, deacesso a este tipo de informação junto a Urbs.

O transporte coletivo de Curitiba tem boainfraestrutura, porém é melhor de seapresentar na sua parte mais visível emdeterminadas áreas privilegiadas e centraisdo que para se utilizar e viver no dia a diapor toda a cidade, especialmente para aspessoas de menores níveis de renda, queresidem e trabalham a maiores distâncias.

A condução política do estado, por partedos interesses privados que se perpetuam àdécadas na história da cidade, tem nasempresas prestadoras do serviço público detransporte coletivo a “espinha dorsal” daestrutura mais bem estabelecida dasalavancas que conduzem a política fiscal,fundiária e financeira do governo municipal.A força deste movimento particular, no quetoca ao serviço público de transporte coletivo,pode ser representada tanto pela história, queé anterior a muitos de nós, como pelo volumede recursos e as oportunas oscilaçõesrecentes da tarifa e do gasto fiscal.

Do ponto de vista dos empresários, aconvergência é construída pela diversidadede projetos complementares na construçãoda cidade, enquanto a divergência dá-se na

A evolução do preçoda tarifa de ônibus

é determinadapelo ciclo político

dos mandatos locais

Um cidadão interessado embuscar informações a

respeito da prestação doserviço de transporte

coletivo decepciona-se nosite da prefeitura, pois

observa a falta deespecificação do programano orçamento municipal de

2001 a 2009

>>

Page 10: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

11 Novembro de 2009

distribuição das fatias dos recursos fiscais.Sob este aspecto os empresários do trans-porte coletivo são os grandes vencedores.Do ponto de vista da sociedade, a con-vergência é construída pela concentraçãodos serviços públicos nas pessoas demelhores condições sociais, em termos derenda, enquanto a divergência dá-se pelooutro extremo, de pessoas com piorescondições de renda, que têm acesso aospiores serviços e infraestruturas públicas.Isso por força dos interesses ligados àespeculação causada por promotoresimobiliários que usam a expansão dainfraestrutura para seu próprio lucro.

Estes contrastes de interesses, per-cepções e de possibilidades de vida explicamimportantes conflitos urbanos visíveis emCuritiba, como a piora do serviço de trans-porte coletivo, que acarreta o agravamentodo fluxo de veículos, pessoas e tempo dedeslocamento, e a especulação pela desocu-pação de imóveis, construídos ou não, queexpulsa a população para locais cada vezmais distantes e por vezes inadequados oude risco.

A conjuntura apresentada aponta paraduas saídas potenciais, no campo da política

pública: a primeira, relativa à disponibilidadedas informações essenciais para o debatepúblico a respeito do planejamento e dapolítica de transporte coletivo e, a outra, deredução da especulação imobiliária, por meiodo IPTU progressivo no tempo, destinando

os lotes ociosos e adequados à construçãode moradias, com subsequente efeito de re-dução do preço do terreno, orientando asáreas de infraestrutura adequadas e dis-poníveis ao adensamento populacional.

Notas e referências bibliográficas1 Dennison OLIVEIRA (2000, p. 137), em Curitiba

e o Mito da Cidade Modelo, apresenta através de

A partir dos extremosgradientes qualitativos do

transporte coletivo,conclui-se que o sistema

funciona melhor paraturismo e lazer do que

para o trabalho e estudona cidade

sua análise institucional histórica da política urbana,o caso de Curitiba, na conformação do modeloCuritibano de planejamento, para o benefício dosinteresses de empresários do setor de transportecoletivo, especuladores do solo urbano eempreiteiros de obras públicas. A respeito do setorde transporte coletivo mostra um interessanteretrospecto de como se constitui a história 10empresas privadas que lotearam este serviço públicoem Curitiba.

2 (Ibid, p. 144) Oliveira no tópico a discussão darevolução do transporte coletivo, relata a resistênciade setores populares e da classe média frente àvoracidade dos interesses dos empresários destesetor na crise dos anos 80.

3 (Ibidem, p. 149) Oliveira explica maisdetalhadamente como o empresariado do setor detransporte coletivo fundou uma máquina que imprimea dinâmica da política urbana das últimas décadas,especialmente centrada sobre o transporte públicode Curitiba.

4 As 10 empresas de transporte urbano deCuritiba são as Auto(s) Viação Água Verde Ltda.,Viação Curitiba Ltda., Viação Marechal Ltda., ViaçãoMêrces, Viação Nossa Senhora da Luz, Viação NossaSenhora do Carmo Ltda., Viação Redentor Ltda.,Viação Cidade Sorriso Ltda., Empresa Cristo Rei Ltda.e Transporte Coletivo Glória Ltda.

5 PHHIS. Plano Municipal de Mobilidade Urbanae Transporte Integrado –PlanMob Curitiba. Curitiba,Prefeitura Municipal, IPPUC e COHAB-CT 2008.

Terminal Alto Maracanã, em Colombo, uma das mais concentradas aglomerações urbanas de baixa renda da RMC: exemplo do modelo que impele os mais pobres e se afastar da infraestrutura

Page 11: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 12

Impasses entre Urbs eComec prejudicamtransporte coletivo

Reportagem

Quem é o gestor do sistema de transporte público da Região Metropolitana deCuritiba? Quais são as competências e responsabilidades da Urbs e da Comec?O gerente de Operação do Transporte Coletivo da Urbs, o engenheiro Luiz Filla,e o diretor do Transporte Metropolitano da Comec, Joel Ramalho, falam sobre a atualadministração do sistema e questões polêmicas, como o impasse nos projetos deconstrução e ampliação dos terminais do Alto Maracanã, Guaraituba e Roça Grande.Reportagem de Camila Castro

4

Quando se fala em transporte públicocoletivo, logo começam as reclamações dosusuários. Ônibus lotados e sujos, longas filase tempo de espera nos pontos de parada,alto custo da passagem, poucas linhas ehorários e falta de segurança dentro dosveículos e nos terminais são algumas dasprincipais queixas dos passageiros queutilizam o sistema de transporte coletivo deCuritiba e Região Metropolitana. Mesmoassim, o gerente de Operação do TransporteColetivo da Urbs, o engenheiro Luiz Filla,afirma que ele é modelo para o mundo.

“A Urbs e o sistema de transportepúblico têm reconhecimento internacional.É preciso conhecer outros sistemas para vero que se consegue fazer em Curitiba eRegião Metropolitana. Os corredores, ascanaletas, o biarticulado e os ligeirinhos sãomarcas da cidade copiadas por outrosmunicípios, até no exterior. Mas não podemosparar, temos que otimizar, buscar sempre umsistema melhor”, diz Filla. E se perguntar-mos a opinião de um usuário: “Modelo? Sóse for para quem não usa os ônibus todos osdias, não tem que acordar uma hora maiscedo para chegar ao ponto, que fica longede casa, e ainda encarar horas de viagematé Curitiba no veículo lotado, que pode serassaltado”, afirma Nilson Pereira, 31 anos,morador do Jardim Ana Rosa.

Ainda que o sistema seja consideradomodelo, basta darmos uma olhada em volta

para percebemos sinais do seu esgotamento.O sistema parou, não evoluiu com o tempo.E de quem é a responsabilidade? A princípio,em Curitiba, seria da Urbs, administrada pelaprefeitura, e, na RMC, da Comec, órgão dogoverno do Estado.

Porém, em 1996 foi assinado convênioem que a Comec delega a Urbs “asatividades de planejamento e gerenciamentodo transporte metropolitano, a implantaçãode medidas necessárias para a compatibi-lização e adequação do transporte coletivometropolitano com o sistema de transportecoletivo de passageiros de Curitiba, visandoa integração operacional destes sistemas quecomporão a rede integrada de transportecoletivo da Região Metropolitana deCuritiba”.

“Isso porque a Urbs tinha estruturamelhor que a da Comec e, na época, haviagrande facilidade em todos os campos, atémesmo político, porque governo e prefeituraeram do mesmo grupo”, explica o diretor doTransporte Metropolitano da Comec, JoelRamalho. “O convênio é absolutamentelegal”, frisam Joel e Filla. “Já foi aditivadodiversas vezes e, em janeiro do ano passado,renovado por mais 15 meses”, diz Joel.

O convênio determina à Comec ocontrole e a liberação da execução deconcessões ou permissões para o serviçode transporte coletivo na RMC; o repassede recursos à Urbs, para apropriação noLuiz Filla, gerente de Transporte Coletivo da Urbs

Page 12: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

13 Novembro de 2009

custos para uma tarifa já definida precisade indicação de fontes de custeio. O que

não aconteceu naépoca dos proje-tos”, explica Filla.Segundo o gerente,“a Urbs deixouclaro” que o idealseria um terminalúnico, com infraes-trutura única, parao sistema não terque arcar comnovas despesas.

“Calculamosque a abertura do

Alto Maracanã em dois terminais teria custoinicial de R$ 235 mil, o que, na prática, se

Fundo de Urbanização de Curitiba, paraexecução de obras de modernização eracionalização do sistema de transportemetropolitano referente a infraestrutura econstrução de novos terminais; a arcardiretamente com os custos nas obras naRMC; e a aprovação dos reajustes de tarifasmetropolitanas sugeridas pelo órgãomunicipal.

São responsabilidades da Urbs, segundoo convênio, planejar o sistema, fiscalizar osserviços operacionais e gerir todo otransporte urbano e metropolitano, incluindocontratações para realização das obras demelhorias do sistema. A lei municipal nº12.597, sancionada em janeiro de 2008, veioreforçar as atribuições da Urbs. Segundo otexto, o órgão é responsável pela regulação,gerenciamento, operação, planejamento efiscalização do sistema de transporte coletivode passageiros em Curitiba e RegiãoMetropolitana (art. 12).

A licitação para empresas prestadorasdo serviço de transporte público em Curitibatambém é de responsabilidade da Urbs,conforme determinação da lei municipal, art.7.º, reforçada pelo “Parágrafo Único – Asconcessões e permissões para a prestaçãodos serviços serão outorgadas medianteprévia licitação, que obedecerá às normasde legislação municipal e federal sobrelicitações e contratos administrativos (...),observando-se sempre a garantia dosprincípios constitucionais da legalidade, damoralidade, da publicidade e daimpessoalidade, e os princípios básicos daseleção da proposta mais vantajosa para ointeresse coletivo, da probidade admi-nistrativa, da vinculação ao instrumentoconvocatório e do julgamento objetivo (...)”.

Até aqui parece ser tudo simples – umagestão integrada de transporte coletivo, emque prefeitura e Estado têm suascompetências e responsabilidades. Porém,situações recentes mostram que estaadministração ainda não é adequada osuficiente para atender com eficácia ademanda pelo transporte. Podemosdestacar os casos que envolveram aampliação do terminal do Alto Maracanã ea construção dos terminais do Guaraituba eRoça Grande, todos na RMC. Apesar dasobras concluídas pelo Estado (investimentosde R$ 2,6 milhões), por mais de dois anos oterminal do Guaraituba ficou sem operaçãoda Urbs por conta de impasse entre os doisórgãos. O projeto previa ampliação do AltoMaracanã (investimentos de R$ 3,6 milhõesdo Estado) e repasse de treze linhas para oGuaraituba. A Urbs alegava que tal mudança

implicaria em aumento de custos, e a Comecdizia o contrário: o número de ônibusalimentadores em di-reção ao Alto Mara-canã seria menor.Portanto, haveria re-dução da quilometra-gem rodada e de 30%da demanda.

“A busca pelasustentabilidade, queé uma competênciada Urbs, implica emregras. Na cláusulaterceira, o convênio(aquele, assinado em1996) estabelece que novas integrações oualterações operacionais que gerem novos

Prefeitura de Curitibadiz que sistemade transporte é

“modelo internacional”.“Só se for pra quem

não anda nessesônibus lotadostodos os dias”,rebate usuário

Joel Ramalho, diretor de Transporte da Comec, defende a criação de um novo modelo institucional

>>

Page 13: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 14

transformou em R$ 270 mil. Mesmo assim,a Comec continuou com o projeto de novoterminal”, destaca. Por outro lado, o presi-dente da Comec, Alcidino BittencourtPereira, afirmava na época que a mudançanão implicaria em ônus para o sistema, “masem redução de custos em conseqüência dadiminuição da quilometragem rodada deônibus alimentadores, que terão seus trajetosreduzidos em menos de seis quilômetros, nomesmo corredor de transporte”.

O problema foi resolvido da seguinteforma: “Negociamos com a Comec paraincluirmos o custo do Guaraituba na novatarifa – quanto ela passou de R$ 1,90 paraR$ 2,20 – e, em contrapartida, a Comec nosajudaria a reformar e ampliar o terminal doCabral, que não comporta as linhas do

Guaraituba”, conta Filla. Segundo Joel, aComec “não possuía recursos para repassar

mensalmente à Urbs para esta manutenção”.“Portanto, acordamos que a Comec fará asobras no Cabral. A licitação está concluída

e devemos começar as obras em poucotempo”, afirmou Joel, em agosto. Durante

este tempo de discussão, os usuáriosconviveram com problemas no sistema detransporte público. E, mesmo com oimpasse desfeito, os problemas continuam,principalmente no Alto Maracanã, comoconta Luciana Dias de Souza, 23 anos.

“Apesar de haver muitos, os ônibuschegam lotados no Alto Maracanã. Tenhoque sair mais cedo de casa para tentar pegarum que esteja mais vazio, ou espero doisou três passarem e pego o quarto”, conta.

O impasse entre Urbs e Comec tam-bém prejudica o pleno funcionamento do

terminal Roça Grande, que entrou em ope-ração no mês de agosto. Poucas linhaspassam pelo local, porque não há integração

Hoje, a redeintegrada atingemais de 93% deCuritiba. Nos

treze municípioscom maior demanda

na Região Metropolitana,o índice é de 73%

>>

Terminal da Roça Grande: projetado pela Comec para um tipo de operação, recebeu outra pela Urbs. Resultado: não atrai usuários nem lojistas

Page 14: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

15 Novembro de 2009

Impasse entre Urbs eComec prejudica o pleno

funcionamento determinais de ônibus naRegião Metropolitana.

Resultado — eles atendema poucas linhas, semintegração total com

Curitiba

total com Curitiba, apenas via AltoMaracanã, “o que é desconfortável”, confor-me Joel. Para isso, Filla afirma que é precisopensar, mais uma vez, nas despesas extrase na forma como Curitiba pode absorver anova demanda. Segundo Filla e Joel, a ideiaé colocar as linhas no terminal SantaCândida, que precisaria de ampliação. Háainda a possibilidade de usar o terminal doCabral.

.“Para colocarmos as linhas no Cabralseria necessária nova ampliação, além daque será feita para atender as linhas doGuaraituba. O total funcionamento do RoçaGrande implica em R$ 500 mil de acréscimode custo. É preciso definir se esse valor serárepassado para a tarifa paga pelo usuárioou se o Estado ou a prefeitura local – que ébeneficiada com o sistema integrado –repassarão estes recursos”, argumenta Filla.Segundo Joel, “Urbse Comec estãoestudando a melhorpossibilidade”.

Enquanto o pro-blema não é resolvido,mais uma vez quempaga a conta é ousuário, fala NilsonPereira, 31 anos,morador do JardimAna Rosa. “Não háônibus direto para oCentro de Curitiba. Para voltar, tenho quepegar a linha Pinhais – Guadalupe e, depois,a Ana Rosa. Pago duas passagens e ficapesado no orçamento. Para ir trabalhar,preciso sair de casa duas horas antes porquenão há integração, então, é mais demorado”,fala. “De que adianta gastar tanto dinheiropara construir um terminal, se ele não éusado totalmente? As pessoas não queremvir aqui. Os espaços para as lojas estãovazios porque não há gente para comprar.Não adiantou de nada”, acrescenta Nilson.

A Urbs, responsável por tudo isso,responde: “Dentro da técnica de transporte,visamos ampliar a integração metropolitana,mas também temos que buscar a sustentabi-lidade do sistema e planejar a estrutura dasconsequências dessas novas integrações,como a ampliação dos terminais ou cons-trução de novas”, diz Filla.

PASSAGENS

Além das obras de melhoria e da faltade licitação para as concessões das linhaspesarem no cálculo das tarifas do transporte

público urbano e metropolitano, há o subsídiocruzado, conforme explica Filla. A receitado sistema é pública e o pagamento àsempresas por quilômetro.

“O sistema funciona como um caixaúnico. Soma-se todas as despesas do sistemaurbano e metropolitano e divide-se pelonúmero de usuários transportados. Portanto,o custo do sistema metropolitano está inclusono valor da tarifa urbana, que é subsidiadapela prefeitura de Curitiba. Este subsídiocruzado do sistema urbano para ometropolitano é superior a R$ 4 milhõesmensais. O usuário do transporte da capitalbanca isto. A proposta para o reajuste datarifa era de R$ 2,27, mas foi decretado R$2,20. A tarifa metropolitana é R$ 2,50. Comotemos 75% do pagamento da tarifa sendofeita pelos usuários urbanos, significa quemuita gente, com um pouco a mais, subsidia

os 25% do sistemametropolitano. Epor isso também háo subsídio da pre-feitura. Caso con-trário, o valor da ta-rifa na Região Me-tropolitana seriasuperior a R$ 2,50”,diz Filla.

Diariamente, ovalor arrecadadopelas empresas de-

ve ser depositado em conta gerenciada pelaUrbs, que fiscaliza esta operação. “Todosos dias a empresa recebe a quilometragem,com dez dias de intervalo. Como a receita épública e o pagamento é por quilômetro, aUrbs tem mais responsabilidade, o que requerplanejamento e fiscalização em relação àquilometragem e à receita do sistema”,afirma Filla.

O valor repassado pela Urbs às empre-sas inclui combustível e manutenção dosônibus. “Para tentar equilibrar as contas, aUrbs foi reduzindo o custo quilômetro pagoaos empresários porque a tarifa é baixa, nãosupre as necessidades. Há falta de caixapara este pagamento. Um dos motivos paraisto pode ser a caixa preta que é a Urbs,com gastos que ninguém conhece bem.Além disso, as linhas da RMC continuamcom valores baixos e, por isso, as pessoasas utilizam porque as outras são mais caras”,argumenta Joel.

Por outro lado, os usuários reclamam quea tarifa é alta. “Entendemos que uma tarifaé cara quando ela afeta a capacidade depagamento da população. Temos sempreque buscar alternativas para desonerar este

“Apesar de haver muitos,os ônibus sepre chegam

lotados ao terminal do AltoMaracanã (em Colombo).Tenho que sair mais cedode casa para tentar pegarum que esteja mais vazio,ou é preciso esperar doisou três passarem antes de

conseguir lugar”

Luciana Dias de Souza, usuária>>

Page 15: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 16

custo. Mas as pessoas precisam pensar quenosso sistema oferece uma rede integrada,e elas podem ir de mais de um ponto a outropagando apenas uma tarifa. Assim, a tarifatorna-se acessível ao usuário do transportecoletivo”, avalia Filla, ao ressaltar que emtodo o mundo o transporte coletivo ésubsidiado.

“O nosso subsí-dio é pequeno. O ca-minho talvez seja es-te, aumentar o subsí-dio”, acrescenta.Ainda segundo Filla,o desenvolvimentode uma Pesquisa deOrigem e Destino(que coleta dadossobre demanda, tra-jetos e horários emque os usuáriosutilizam as linhas, de forma a identificar osfluxos e permitir o melhor planejamento dotransporte) não é determinante, já que osistema em Curitiba e RMC é integrado.

“Hoje, a rede integrada atinge mais de93% em Curitiba. Nos treze municípios commaior demanda na Região Metropolitana, oíndice é de 73%. Procuramos proporcionaresta acessibilidade independente depesquisa”, fala o gerente da Urbs.

Mas, e nos casos em que não há integra-ção? Filla conta que está em estudo aimplantação do bilhete único, que permiteao usuário pagar uma passagem e utilizardiferentes linhas em um período determinadode tempo. “É o caso da região de SantaQuitéria, onde estamos ampliando a estaçãotubo para integrar linhas da região, já quenão conseguimos viabilizar o terminal”, disse.

“Cidades que não conseguiram construirterminais de integração, com uma rederacional e sustentável, implantaram o bilhetetemporal. Em Curitiba, pretendemos adotara medida em regiões em que não

conseguimos construir terminais de inte-gração, para que proporcione a possibilidadede vários deslocamentos com uma únicatarifa”, ressalta o engenheiro.

Porém, para o presidente do Senge-PR,o engenheiro civil Valter Fanini, a pesquisaé fundamental para o planejamento adequado

do sistema de trans-porte. “Devemoslembrar que, maisque demonstrar aforma como é car-regada a atual redede transportes,indicando eventuaisdesvios da ofertaem relação à de-manda, a pesquisaserve para calibraros modelos de ge-ração de viagens

futuras, relacionando-as com variáveis socio-econômicas e de uso e ocupação do solo.Assim, serve para a formulação do planeja-mento de médio e longo prazo dos sistemasde transportes urbanos, o que não tem sidoa prática em Curitiba e Região Metropo-litana”, argumenta.

INCENTIVOS

Com a tarifa considerada alta pelosusuários, muitos têm recorrido a outrasformas de transporte, como o carro ou amoto, para se deslocar da RMC a Curitiba,seguindo tendência nacional de des-locamento entre cidades do entorno e ca-pitais. Em percursos de até sete quilômetros,carros e motos são considerados maisbaratos para o transporte, conforme mostrapesquisa da Associação Nacional deTransportes Públicos (ANTP) com dadosde abril. O estudo aponta que, para estadistância, usuários de ônibus gastam de 14%a 228% a mais do que os que utilizam carro

Fonte: Pesquisa da Associação Nacional de Transportes Públicos, 10/06/2009

ÔnibusTarifa

1,88

1,85

2,20

2,20

2,23

2,07

VT 1 SM

0,56

0,56

0,56

0,56

0,56

0,56

VT 2 SM

1,12

1,12

1,12

1,12

1,12

1,12

Moto

0,76

0,72

0,75

0,70

0,68

0,71

Gasolina

2,15

2,17

2,29

2,00

2,14

2,16

Álcool

2,18

2,04

2,05

1,87

1,89

1,99

Regiões

Norte

Nordeste

Centro-Sul

Sul

Sudeste

Brasil

Custo de viagem de sete quilômetros,considerando o vale-transporte, em reais

Urbs estuda a adoção dobilhete único, que irá

permitir ao usuário pagaruma passagem e utilizardiferentes linhas num

determinado período detempo. Primeiro teste será

realizado na região deSanta Quitéria, na capital

“De que adianta gastartanto dinheiro para

construir um terminal se elenão é usado totalmente? As

pessoas não querem viraqui. Os espaços para aslojas estão vazios porque

não há gente para comprar.Não adiantou de nada”

Nilson Pereira, usuáriodo Terminal da Roça Grande

>>

Page 16: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

17 Novembro de 2009

ou moto. Os dados se referem ao custo dedesembolso, que inclui tarifa (no caso deônibus) e gastos com combustível (motos ecarros) e estacionamento (carros). Naregião Sul, o custo para o usuário de ônibusé de R$ 2,20. Quem usa moto gastará R$0,70; carros à gaso-lina, R$ 2, e à álcool,R$ 1,87.

Outra questãoque tem feito osusuários pensaremduas vezes antes deusar os ônibus dizrespeito às condi-ções dos terminais.Há muita reclama-ção sobre falta deconforto e seguran-ça. Segundo a Urbs,eles estão sendo reformados. “Algumasobras foram entregues em agosto, outrasestão em conclusão”, diz Filla. Mas não sãotodos os terminais contemplados com obras— caso do Guadalupe, Centro da capital.

“Tem muita gente que fica aqui usandodrogas, não temos iluminação suficiente, étudo sujo”, diz a dona de uma das lojaslocalizadas ao redor do terminal. “Fomosassaltados três vezes em apenas dois meses.A polícia é chamada, mas nada é feito. Pre-cisamos melhorar ainfraestrutura desseterminal, para redu-zir os assaltos”, afir-ma a senhora queprefere não seridentificada.

Até quem nãoutiliza o transportepúblico todos os diasreclama das condi-ções do sistema.Camila Krominski,13 anos, estuda em curso de informática emCuritiba duas vezes por semana. Ela sai doterminal do Alto Maracanã num trajeto demais de uma hora até a capital.

“Falta segurança nos ônibus, que estãosempre cheios. Minha avó, que me acom-panha, tem que ir em pé todo este tempo”,diz a estudante. Lei municipal diz, em seuCapítulo 2, ser de responsabilidade da Urbsa “boa qualidade do serviço, envolvendorapidez, conforto, regularidade, segurança,continuidade, modicidade tarifária, eficiência,atualidade tecnológica e acessibilidade,particularmente para as pessoas comdeficiência, idosos e gestantes”. Sobre a

Com a tarifa alta,muita gente recorre

a outras formasde transporte, comoo carro ou a moto,

para se deslocardas cidades do entorno

a Curitiba, seguindotendência nacional

Usuários tambémreclamam das condições

dos terminais de ônibus —velhos, desconfortáveis e

inseguros. Prefeituraacena com reformas —

mas não para todasas instalações

demora dos ônibus e a lotação depassageiros Filla explica que as linhas sãodimensionadas de acordo com sua utilização.

“Nos horários de pico, a ocupação é plena– passageiros sentados e mais seis pessoaspor metro quadrado. Ultrapassado este li-

mite, colocamosmais ônibus. Casocontrário, não au-mentamos o serviçonas linhas, porquemais ônibus têmreflexo direto nocusto do sistema”,justifica.

Sobre melhoriasno transporte públi-co coletivo — queatende mais de 2 mi-lhões de passa-

geiros por dia, em 21 mil viagens quepercorrem mais de 500 mil quilômetros —Filla afirma que o sistema é constantementemonitorado e otimizado. Além disso, osusuários podem fazer reclamações pelotelefone 156. “Trabalhamos a curtíssimoprazo, para resolver as reclamações dosusuários. A médio prazo, executamos obras,e a longo prazo fazemos planejamento, emparceria com o Ippuc e a Comec. É de seesperar que haja problemas, mas, percen-

tualmente, o índicedeles é mínimo”,avalia Filla.

Já o gerente daComec defende queé preciso estabele-cer uma nova orga-nização institucional.“Como não pode-mos pensar emtransporte coletivopor ônibus apenaspara Curitiba, é pre-

ciso uma nova organização institucional queseja ‘dona’ da Urbs, e não pode ser aComec, que não tem força e estrutura ne-cessárias para Curitiba e Região Me-tropolitana”, afirma Joel.

“A Urbs teria que ser subordinada a pelomenos 12 prefeitos das cidades do núcleoda Região Metropolitana, com sistema decompetências proporcional ao número depassageiros. As decisões não podem sertomadas nem pelo governador, nem peloprefeito de Curitiba. Uma decisão individualacaba optando pela solução política. Umadecisão colegiada, pela solução técnica”,argumenta.

“Falta segurançanos ônibus, que estão sempre

cheios. Minha avó, que meacompanha, tem que ir em

pé todo este tempo. Oslugares reservados para

idosos estão sempreocupados, e nem sempre por

quem tem direito”Camila Krominski, usuária

Page 17: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 18

Sistema de transportepúblico tem solução, masfalta vontade política

Entrevista

Em entrevista à jornalista Camila Castro, o deputado estadual Tadeu Veneri (PT) avaliaos principais problemas do transporte público coletivo em Curitiba e Região Metropolitana.Para ele, a raiz de tudo está na gestão, que precisa ser “radicalmente mudada porqueprioriza os interesses políticos e de empresas, financiadoras da administração”. Talmudança, defende, passa necessariamente pela instalação do Conselho Municipal deTransportes, de forma a quebrar o monopólio que há sobre o sistema e que não permite atomada de decisões que melhorem a qualidade do transporte público

4

“O transporte público de Curitiba eRegião Metropolitana sempre foi contur-bado, porque é um monopólio. Não seconsegue mudar as empresas que detém asconcessões das linhas, e são estas mesmasempresas que dominam os serviços de táxise de locação de veículos. Claro que estegrupo tem interesse em financiamentos decampanhas eleitorais e, sendo assim, ébeneficiado no momento do debate sobremelhorias no transporte público, emdetrimento da população”. Esta é a avaliaçãodo deputado estadual Tadeu Veneri (PT)sobre o principal motivo da falta de melhoriano transporte público nos últimos anos. “Hámuitas alternativas, mas falta vontadepolítica”, ressalta.

Para Veneri, a solução passa pelainstituição de um novo modelo de gestão dotransporte público que consiga quebrar omonopólio da Urbs, atual administradora dosistema. Para tanto, o Conselho Municipalde Transportes – “que existia há cerca de15 anos, mas perdeu força pelos interessespolíticos que se impuseram neste tempo” –seria o órgão ideal porque reuniria, poreleições participativas, representantes dascidades da RMC e da sociedade civilorganizada.

Somente dessa forma haveriaparticipação dos diversos setores naavaliação, planejamento e execução dasações que envolvem o transporte coletivo,

democratizando o processo e priorizando ointeresse coletivo. “Em princípio, o Conselhotem a prerrogativa de administrar o sistemade Curitiba, mas poderia ser ampliado paraa RMC”, salienta Veneri.

Ele lembra que uma tentativa nestesentido está em execução pela prefeitura dacapital, “mas de forma insuficiente, politizada,com grupos de interesse ligados à prefeiturae não à população, aos segmentosrepresentativos. Democratizar esta relaçãonão interessa”, afirma.

Veneri destaca que a atual gestão da Urbsnão observa as demandas particulares de cadamunicípio da RMC, e as decisões são tomadasde acordo com o sistema de transporte dacapital. “É um absurdo que a Urbs de Curitibadetermine quantos ônibus vão circular ou quaisos pontos de parada sem que as prefeiturasdas cidades tenham participação. Há 1,2 milhãode habitantes nas cidades vizinhas, ante 1,8milhão em Curitiba, mas uma única empresaque, sem dialogar com as cidades do entorno,impõe sua visão e seu método em benefíciopróprio e de Curitiba”, diz.

Segundo Veneri, a Urbs tem um modelode administração antidemocrático, queprioriza os interesses particulares de umaou outra empresa. É justamente porbeneficiar tanto as empresas que a prestaçãode serviço de transporte passa a serconsiderada mercadoria e, por isso, apriorizar o lucro, minimizando o conforto e oVeneri: modelo prioriza interesses de empresas privadas

Page 18: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

19 Novembro de 2009

bem estar dos usuários, avalia o deputado.“Há a centralização das decisões sobre asfamílias das empresas que detém omonopólio do transporte coletivo e sobre ossetores de interesse direto da prefeitura deCuritiba. A administração é extremamentevinculada aos grupos que controlam otransporte público, do ponto de vistaeconômico, político e ideológico”, critica.

Outro forte exemplo dessa centralização,destaca, é a falta de licitações para asconcessões das linhas de ônibus, tanto emCuritiba quanto na RMC. Segundo Veneri,o último processo licitatório ocorreu nadécada de 1970. Desde então, novas linhasforam concedidas, mas para as empresasque já operam o sistema.

Ele afirma ainda que um novo processolicitatório foi aberto em abril deste ano, masestá paralisado. “Curitiba é uma cidade

a pé ou de bicicleta, inclusive por longasdistâncias, são alternativas que vêmganhando força. São nestes casos que a faltade segurança preocupa ainda mais.

“No planejamento de Curitiba e da RegiãoMetropolitana não há ciclovias pensadaspara o trabalho. Cerca de 90% é feita parao lazer, como vemos na Linha Verde. Emseu início até o cruzamento com a RuaBrigadeiro Franco, não há ciclovia. Naseqüência, a ciclovia é sinuosa, adequadapara passeios, e não para quem vaitrabalhar”, comenta, ao destacar que asciclovias foram abandonadas porque abicicleta é vista, em geral, como meio paralazer e para transporte de pessoas de baixarenda.

“Isto é um equívoco da administração,combinado com o interesse dos grandesmonopólios do transporte público e dossetores que incentivam o transporte emautomóveis e motocicletas”, acrescentaVeneri.

Transportecompartilhadoé viável, bastamsoluções criativas

Apontando um caminho para resolver osproblemas do transporte público coletivo,Tadeu Veneri faz sugestões e coloca que épreciso debater o tema de formaparticipativa entre governos estadual emunicipal, Urbs, Comec, empresas e,principalmente, a população. “É possível quetenhamos um transporte compartilhado entreônibus, bondes elétricos, bicicletas,motocicletas, veículos, pedestres, enfim,compartilhando responsabilidades comempresas, poder público e usuários”,defende.

Para isso, salienta, é preciso ser criativonas soluções. “Não podemos pensar emmetrô, em colocar mais ônibus, linhas epontos de parada porque a cidade tem umespaço físico limitado. Que cidade teremosem 15 anos?”, diz.

Porém, pondera o deputado, para que osprojetos possam ser efetivamentedesenvolvidos é preciso mudar a gestão dosistema público de transporte. Veneri reforçaa necessidade de restauração do ConselhoMunicipal de Transportes, com eleiçõesparticipativas, para que representantes deCuritiba, das cidades que compõem a RMCe da sociedade civil possam avaliar, planejare executar as ações.

atípica. A Urbs deixa de fazer a licitaçãoporque depende de seus patrocinadores, enão por entender que o processo não énecessário. Esta situação é absurda porqueo sistema de transporte, que influencia a vidada população, está vinculado a interessespolíticos. E a Comec, que deveria articulareste processo, é omissa”, afirma o deputado.

Veneri faz questão de frisar que otransporte coletivo da Grande Curitiba nãoserá eficiente enquanto não se instituir umnovo modelo de gestão do sistema. “Ele sóvai funcionar de fato quando não buscaratender interesses políticos e de empresas,quando se voltar para a população, pensandode forma estratégica e respeitando o usuário,o maior prejudicado pela atual gestãounilateral”, afirma.

Sistema detransporte públiconão atrai passageiros

O principal reflexo desta “administraçãounilateral e sem planejamento eficaz”, afirmaVeneri, é um sistema de transporte públicoque não atende a demanda da populaçãocom qualidade – os pontos de ônibus sãodistantes das residências, os horários sãoinsuficientes e há atrasos, os veículostransitam lotados e sujos, as passagens têmalto valor e há grandes filas nos pontos.“Tudo isso conspira contra o transportecoletivo. Não se fideliza o consumidor a umproduto ruim, e o transporte público coletivoé um produto ruim. Hoje o ônibus é relegadoa um transporte de segunda categoria. Épreciso repensá-lo para torná-lo atraente atodos os segmentos, fazendo com que aspessoas voltem a utilizá-lo”, coloca.

Porém, ao invés de apresentaralternativas, o atual sistema beneficia aindamais o uso de veículos, principalmente noque se refere ao valor da tarifa. “Se umafamília mora a sete quilômetros de Curitibae tem uma ocupação que lhe impõe ida deônibus a capital e retorno para a RMC,gastará um litro e meio de álcool, cerca deR$ 2,50. Somando o valor do estacionamentoe os gastos do carro, chegamos a R$ 6, emmédia. Se três pessoas fizerem o trajeto nomesmo carro é mais barato que de ônibus,cuja passagem é R$ 2,20, além de ser maiscômodo e seguro”, argumenta Veneri.Diante destas vantagens, reforça o deputado,as pessoas buscam nos veículos melhorqualidade de deslocamento, mesmo comtodos os percalços do trânsito.

Para aqueles que não têm carro, seguir

Para deputado, gestão da Urbs é “antidemocrática”

Page 19: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 20

EstruturaÉ preciso melhorar a estrutura dos

terminais de ônibus, atualmente sujos, semsegurança, conforto, atrativos fundamentaispara novos usuários, avalia o deputadoestadual Tadeu Veneri. “Podemos colocarbancos, cafés e livrarias, por exemplo.Precisamos discutir as opções com quem osistema mais afeta, o usuário. Há muitos anosele não participa deste debate porque não évisto como um cidadão, que tem direitos, mascomo um consumidor secundário, que apenaspaga pelo serviço, sem discutir”.

TarifasPara Veneri, o valor da passagem é um dos

principais fatores de atração dos usuários.Sendo assim, ele sugere uma tarifa que variede acordo com horários de mais ou menosmovimento. Outra alternativa seria aconcessão de bônus: a cada número depassagens, o usuário teria direito a bilhetesextras. O deputado também defende o meio-passe para estudantes, independente derenda, nível escolar ou local de moradia. “Esteé um conceito de universalizar direitos, e oestudante tem direito”, diz. Veneri tambémcoloca como boa alternativa o “passe livre”,em que o usuário paga uma passagem e,dentro de duas ou três horas, pode utilizaroutras linhas de ônibus. Tal processo já vemsendo adotado por algumas cidades, comoSão Paulo, diz. “Além da economia para ousuário, este sistema permite ao ConselhoMunicipal averiguar o quanto é gasto comcombustível, por exemplo, e, a partir daí,calcular o valor justo da tarifa”, afirma.

Em relação ao cálculo feito pela Urbs para ovalor da passagem, Veneri diz que “é o mesmométodo usado há 30 anos, que não consideraos avanços de estrutura viária, que deveriambaratear o custo para as empresas e,conseqüentemente, para o usuário”. Odeputado reforça que “para a criação decorredores alternativos e instalação dos ônibusexpressos e os ligeirinhos, por exemplo, foiinvestido dinheiro do povo, que não vê oretorno dos recursos”. “Não há no Brasil umacidade que tenha investido tanto, e seendividado tanto, com os projetos do sistemade transporte. Mas este dinheiro não é dasempresas, é da população, e tem que se reverterpara as pessoas. Será que este recurso éaplicado de forma satisfatória?”

O debate sobre a tarifa passa ainda pelossubsídios, diz o deputado estadual. “Temossubsídios envergonhados. O atual prefeito de

Curitiba, Beto Richa, sustenta uma tarifaartificialmente mais baixa que o preço real, e ofaz através de subsídios não declarados. Achoque o transporte deveria ter subsídio doEstado, mas que constem no Fundo Municipalde Transportes, com destinação orçamentária,atraindo pessoas novamente para o sistema,que está perdendo usuários”, defende.

Pedágios urbanosA ideia dos pedágios urbanos é derrubada

pelo deputado. Ele acredita que o fato de cobrarpara que os carros tenham acesso ao centrodas cidades, por exemplo, leva ainda mais àexclusão. “Não podemos penalizar quem nãotem condições financeiras. O dono de um carrode R$ 200 mil está pouco preocupado com ovalor que vai pagar, mas aquele que tem rendamenor será penalizado. Dessa forma reforçamoso perfil da cidade da exclusão, que já éCuritiba”, argumenta. Ainda para as áreascentrais, Veneri acredita que poderiam sercriados horários exclusivos para a circulaçãode ônibus e táxis. Somado a isso, defende quepoderiam ser retirados os estacionamentos naregião central – entendida aqui como umpequeno grupo de quarteirões – ajudando adesafogar o trânsito. Para ele, as linhas deônibus nesta mesma região também deveriamser mais exploradas. “A especulação leva oônibus a 30 quilômetros da cidade, mas nãousa áreas vazias a cinco quilômetros doCentro porque valoriza regiões baratas, querendem mais no futuro”, salienta.

Sistema especialVeneri propõe a criação de um sistema de

transporte exclusivo para universidades. “Éinsano que após as aulas saiam quase 5 milalunos e 3 mil carros simultaneamente. Osestudantes não usam o transporte coletivoporque não têm segurança e conforto. Setivéssemos a alternativa de linhas específicas,isto mudaria”. Segundo ele, o mesmo deveriaser feito nas empresas públicas, que, comincentivos públicos, forneceriam transportepara seus funcionários. “Não faz sentido milfuncionários de uma mesma empresa, queentram e saem no mesmo horário, iremtrabalhar individualmente com seus carros”,diz.

MetrôSegundo o deputado, o metrô é uma boa

alternativa para o transporte público coletivoporque absorve a demanda, “diferente dosistema atual, que está saturado”. Porém,

pondera que o projeto “apenas terá sucessose financiado e subsidiado pelo Estado”. Casocontrário, a tarifa seria alta”. Veneri tambémcoloca que é preciso avaliar a viabilidade deexecução, pelo alto custo do projeto, além depensar a gestão do metrô, que tende a serprivatizada. “O gerenciamento seria privado.Portanto, lucro privado e risco público, que éum método adotado em Curitiba”, diz.

Bondes elétricosPara o deputado, a linha férrea de Curitiba

deveria ser resgatada, com instalação debondes elétricos e desdobramentos paraoutras cidades da Região Metropolitana,como Pinhais, Colombo, Piraquara e AlmiranteTamandaré. “O sistema não pode ser lento.Poderia ser uma composição quetransportasse simultaneamente duas milpessoas, por exemplo. Há condições para sefazer isto, com linhas prontas e tecnologia,mas não há interesse político porqueramificaria o processo”, argumenta.

Debates precisam apresentar alternativas para melhoraro transporte público e torná-lo mais atraente para os usuários

Pontos a discutir4

Page 20: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

21 Novembro de 2009

Concessão e permissão:transformações no modelo dedelegação do transporte coletivo deCuritiba e seus impactos financeiros

Artigo

Neste artigo, o professor Lafaiete Santos Neves , da Fae Centro Universitário,analisa o domínio do empresariado nas decisões sobre o transporte público deCuritiba e região, com a a manutenção de um “oligopólio”. “Hoje, os empresáriosconsideram a prefeitura de Curitiba como parceira no empreendimento do transportecoletivo da capital”. Segundo o professor, a principal consequência é o déficitfinanceiro, coberto pela prefeitura de Curitiba com subsídios disfarçados

4

Em janeiro de 1986, assume a prefeiturade Curitiba o então deputado estadualRoberto Requião (PMDB), que havia seconstruído como candidato de oposição aJaime Lerner (PDT). Na campanhaeleitoral, Requião acusou Jaime Lerner desuas administrações anteriores só teremcuidado da região central, deixando aperiferia abandonada. Procurou assimdesgastá-lo, conforme já vinha fazendodurante o mandato como deputado estadual.

Esta tática eleitoral foi aliada àsdenúncias de irregularidades no transportecoletivo de Curitiba, sendo a figura de Lernerligada aos empresários do transportecoletivo. A forte pressão do movimentopopular nas denúnicas de irregularidades,aliada ao desgaste de Lerner, facilitaram avitória de Requião.

Para responder a esta pressão sobre oprefeito Jaime Lerner (1979-1983) pelo controledo transporte coletivo de Curitiba, desde o iníciodos anos 1980, o prefeito Roberto Requiãoencomendou ao jurista Geraldo Ataliba parecersobre a nulidade dos contratos prorrogadosirregularmente em 1981.

O parecer, entregue em 4 de setembrode 1986, concluía: pela nulidade doscontratos, necessidade de obtenção daautorização legal para dar as concessões e,em seguida, proceder às licitações (O Estadodo Paraná, 21/1/87). Os empresários

permaneceram na expectativa dasmudanças numa postura de cautela (OEstado do Paraná, 21/1/87.).

A partir desse parecer, o prefeito RobertoRequião passou a anunciar a possívelrescisão dos contratos entre a prefeitura deCuritiba e as empresas de transporte coletivo,cumprindo assim compromissos assumidosdurante a campanha eleitoral de 1985. Comeste anúncio, estabeleceu-se, pela imprensa,uma polêmica que envolvia o vereadorRafael Greca de Macedo (PDT), defensorde Jaime Lerner, e José Maria Correia(PMDB), líder do prefeito Roberto Requiãona Câmara Municipal de Curitiba.

O primeiro acusava os candidatos queatacavam os empresários de ônibus de teremsido financiados por estes em suascampanhas eleitorais. O segundo pedia queRafael Greca declinasse os nomes dosvereadores envolvidos (O Estado do Paraná,17/1/87). As denúncias de corrupçãoenvolvendo empresários e vereadoresocorriam periodicamente. Porém, a questãoganhou gravidade com a grande repercussãona imprensa nacional e regional,especialmente com as denúncias da RevistaVeja em dezembro de 1992.

Como desdobramento do parecer dojurista Geraldo Ataliba, o prefeito RobertoRequião, em 20 de janeiro de 1987, convocouos empresários para negociar a reformulaçãoLafaiete Santos Neves é professor universitário >>

Page 21: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 22

dos contratos. Requião anunciou as seguintespropostas de reformulação a partir defevereiro do mesmo ano:

· arrecadação da receita pública edepósito em conta bancária daprefeitura de Curitiba diariamente;

· remuneração por quilômetrorodado, e não mais por passageirostransportados;

· eliminação das áreas seletivas,acabando com as áreas de atuaçãoespecífica de uma empresa;

· mudança no cálculo das tarifas; e· formação gradativa de frota

pública, criando para isso um fundode aquisição de ônibus pela Urbs, quepassou a gerenciar o sistema detransporte coletivo (O Estado doParaná, 20/1/87).

Na sequência, ocorreu uma série dereuniões entre a prefeitura de Curitiba e osempresários do transporte coletivo. Pelasmudanças propostas, as empresas deixaramde ser concessionárias do serviço detransporte e passaram a permissionárias,podendo perder a permissão caso nãocumprissem os novos contratos (O Estadodo Paraná, 21/1/87).

Durante o processo de negociação houveum impasse — os empresários do transporte

coletivo pressionavam pelo reajuste tarifárioe a prefeitura não concordava com oreajuste, gerando muitas discussões econtradições entre os empresários e aprefeitura. Isso impediu a decisão sobre oreajuste tarifário no mês de janeiro de 1987(O Estado do Paraná, 31/1/87).

Intervenção dopoder público municipalno transporte coletivode Curitiba

Em 30 de janeiro de 1987, o presidente daUrbs, Stênio Jacob, encaminhou ofício aoprefeito Roberto Requião propondo a nulidadedos contratos (URBS, 30/1/87). Na mesma data,o prefeito baixou o decreto n.º 44, declarando anulidade dos contratos concedidos em 1981 àsnove empresas concessionárias do transportecoletivo de Curitiba (Prefeitura Municipal deCuritiba, 30/1/87).

Em ato imediato, o prefeito baixou odecreto municipal n.º 45, criando o novoregulamento do transporte coletivo deCuritiba e concedendo as atribuições legaisà Urbs para planejar, operar, explorar efiscalizar as permissões de exploração dosistema de transporte coletivo depassageiros, inclusive uma nova planilha decálculo tarifário. Imediatamente a Urbs

iniciou auditoria nas empresas de transportecoletivo, como medida preparatória àimplantação do novo sistema (CURITIBA.Decreto Municipal, n.º 44, 30/1/87).

Os empresários não manifestarampublicamente grande resistência ao novo sistemaimplantado. Aceitaram receber por quilômetrorodado, o que significa que a sua remuneraçãoocorre independentemente do número depassageiros transportados e parece compensaras perdas das aplicações financeiras.

Com a introdução da receita pública, orepasse aos empresários, por serviço prestado,se dá a cada dez dias. O fato de os empresáriosnão terem reagido fortemente ao novo sistemade administração do transporte coletivo se deveà manutenção da exploração do serviço –mantiveram a exclusividade, sem concorrênciae com receita segura, independente da crise, jáque recebem por quilômetro rodado. Naquelemomento, os empresários não estavam emcondições de se impor, uma vez que oscontratos foram anulados e poderiam perder aconcessão.

As medidas, resultado de longos anos delutas, não significavam a estatização, masum meio mais eficiente de controlar asempresas, seus custos e tarifas (NEVES,1988). O prefeito Roberto Requião tinha emmãos um instrumento poderoso, o parecerdo jurista Geraldo Ataliba, que poderia causargrande prejuízo aos empresários, caso

>>

Garagem da Viação Marechal, uma das dez empresas que operam o sistema de transporte coletivo em Curitiba, até hoje sem licitação pública

Page 22: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

23 Novembro de 2009

resolvesse iniciar processo de licitação. Noentanto, uma medida deste tipo não seriasimples devido ao alto padrão tecnológicode transporte coletivo implantado emCuritiba, o que tornava difícil substituirimediatamente as empresas existentes.

Empresários de outras cidades operamcom ônibus convencionais, bem mais simplesque os ônibus expressos. Hoje, com aimplantação dos ônibus biarticulados, é aindamais difícil reverter esse padrão tecnológico,até pelo investimento já realizado. Dessaforma, consolidou-se o domínio dos empre-sários do transporte coletivo e manteve-seo oligopólio, já que poucas empresas domi-nam o mercado.

Na questão das relações trabalhistas, osimpasses são transferidos para a prefeiturade Curitiba, o que faz com que o aumentode salários seja condicionado a negociaçãocom a Urbs. Isso dificulta a greve dacategoria e favorece os empresários, ao jogarqualquer reivindicação salarial para o âmbitodo poder público local, dificultando asnegociações.

O confronto aberto entre a gestãoRequião e os empresários de ônibusparece ser um daqueles típicosepisódios da história urbana recentedo país que, aos olhos do observador,teria provocado mais calor do que luz.Afinal, depois de tantas acusaçõesrecíprocas, de tantas ações judiciais,de ameaças e contra ameaças, qual obalanço das transformações operadaspor Requião? Objetivamente é forçosoreconhecer que as mudanças foram,de fato, muito pequenas” (Oliveira,1995, p. 233).

No aspecto político, a gestão Requião(1986-1988) foi um retrocesso em relação àgestão Maurício Fruet – 1983-1985 (PMDB),na qual o Movimento Popular haviaconseguido a Comissão de Verificação deCustos Tarifários, a participação no ConselhoMunicipal de Transportes e os fiscaispopulares. Na gestão Requião, o Conselhofoi propositadamente inchado, não se reuniupor quase dois anos, permitindo assim, deforma autoritária, a majoração das tarifas.

Na última gestão Lerner (1989-1993), oretrocesso foi ainda maior com areformulação do Conselho Municipal deTransportes, acabando com a participaçãopopular e alterando o decreto municipal n.º45, que beneficia os empresários. Não háhoje qualquer consulta ao movimento popularsobre majoração de tarifas ou mudanças no>>Remuneração por quilômetro rodado faz com que colocar mais ônibus na rua seja bom negócio para empresários

Page 23: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 24

sistema de transporte coletivo.Afinal, se as mudanças introduzidas por

Requião ameaçavam tanto o interesse dosempresários, por quê eles hoje estão tãosatisfeitos que nem reivindicam voltar aosistema anterior? Por que não preferemdeixar de receber por quilômetro rodado,voltar a decidir a tarifa e cobrá-la diretamentedo usuário? Na verdade, hoje os empresáriosconsideram a prefeitura de Curitiba comoparceira no empreendimento do transportecoletivo da capital.

O sistema implantado por Requião, atravésdo decreto n.º 45, sofreu modificações queagradaram os empresários, como o fim dafrota pública (DM nº. 210 - Jaime Lerner),que era uma ameaça constante para eles. Amedida judicial acabou com o fundo da frotapública e passou a conceder reajuste detarifas aos empresários, inclusive com direitoaos atrasados.

A partir daí houve negociação com oprefeito Jaime Lerner, no início da sua gestão,e os empresários obtiveram parceria paraconseguir volumoso empréstimo junto aoBanco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES). Estes fatosafastaram qualquer preocupação com aameaça da estatização, hoje cada vez maisdistante com a política neoliberal em vigor,que privatiza as estatais e avança sobre osserviços públicos, como telecomunicações. Otransporte urbano, apesar do maciço investimentopúblico, é explorado pela iniciativa privada hámuito tempo.

No entanto, não dá para negar que houvemudanças. O fato do poder público exercerhoje um controle sobre as empresas de ônibuslhe dá a condição de determinar efetivamenteo custo do transporte e, consequentemente,definir o valor da tarifa. Outro ganhoimportante é que o poder público tem o poderde decidir sobre a oferta desse serviço.

Anteriormente, os empresários decidiama oferta do transporte, o preço da tarifa, enão atendiam à demanda real, pois dentroda ótica do lucro procuravam manter osônibus com superlotação, sem nenhumapreocupação com a qualidade de transportepara o usuário. Os ônibus tinham uma vidaútil muito prolongada porque os empresáriosdesgastavam ao máximo o veículo.

Um ônibus novo representa um customaior e que acaba tendo impacto naelevação da tarifa. A vida útil do veículo,que no passado era de dez anos, hoje é deoito, com vida média de 3,9 anos (VidaUrbana, p. 39.). Para os empresários, quantomais ônibus rodando, maior o lucro, já que opagamento é por quilômetro rodado.

Não há hoje qualquerconsulta à população ou a

movimentos popularessobre majoração de

tarifas ou mudanças nosistema de transporte

coletivo

As mudanças revelaram, após muitosanos de lutas, a força do movimento popularde Curitiba, que continuou exigindoparticipação nas decisões do poder público.Por outro lado, a par-ticipação popular naquestão dos trans-portes não foi a tônicada administração doprefeito Roberto Re-quião, apesar doscompromissos decampanha.

A sua primeiradecisão foi apa-rentemente democrá-tica, ampliar a com-posição do Conselho Municipal deTransportes de 13 para 225 representantesda sociedade civil, entidades, pessoas,partidos políticos e vereadores. Na verdade,

o que ocorreu foi a impossibilidade de“quorum” para deliberação sobre as tarifasdo transporte coletivo. Além disso, asreuniões eram convocadas sem prévia

informação de dadossobre a planilha decustos, o que difi-cultava o posiciona-mento do movimentopopular. O prefeitopassou a ser criticadosobre a composição eo caráter do Con-selho, que era consul-tivo. Para o movi-mento popular, o Con-selho não era represen-

tativo dos verdadeiros interessados nasdecisões sobre as tarifas.

O Conselho Municipal de Transportes foi“inchado” com entidades, pessoas e partidos

>>

Tarifa do transporte coletivo de Curitiba é uma das mais caras das capitais brasileiras, afugentando usuários

Nani Góis/Prefeitura de Curitiba

Page 24: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

25 Novembro de 2009

políticos contrários aos interesses dosusuários, com o objetivo de neutralizar arepresentação do movimento popular. Assim,o prefeito poderia tomar suas decisões sobrea tarifa sem ouvir o Conselho. Em virtudedessa nova composição, o prefeito in-viabilizou proposita-damente o funciona-mento do Conselho.

A partir dessaatitude autoritária,ignorando o movi-mento popular nasdecisões sobre astarifas de ônibus,ocorreu um con-fronto, passando omovimento populara cobrar os compro-missos de partici-pação popular (NE-VES, 1988.). Em fevereiro de 1988, aprefeitura de Curitiba publica matéria pagana imprensa atacando o DepartamentoIntersindical de Estudos Estatísticos e Sócio-Econômicos (Dieese), chamando-o dementiroso pela denúncia feita sobre aumentode tarifas acima dos índices inflacionáriosem 1987 (Gazeta do Povo, 11/2/88.). O fatogera polêmica e críticas a Requião por teratacado uma instituição respeitada como oDieese (GERMER. Jornal do PT, 1988.).Na época, as entidades sindicais e domovimento popular defenderam o órgão.

Em setembro de 1988, os empresários dotransporte coletivo publicaram matéria pagaanunciando que estavam recorrendo à Justiçapara preservarem seus interesses comoempresários. Ganham a ação, acabando como fundo da frota pública, pois o percentualdestinado a isso tornou-se tão pequeno quenão permitiu ampliar a mesma (Gazeta doPovo, 9/5/88.). Com a decisão judicial, osconflitos entre empresários e a prefeitura seampliam (Correio de Notícias, 7/5/88.).

Quando Roberto Requião percebeu seuisolamento, com essa derrota na Justiça,convocou o movimento popular para lhe darsustentação no enfrentamento com osempresários (O Estado do Paraná, 28/9/88.).A partir de encontro com Requião, paraanalisar a crise com os empresários, foicriada a Associação dos Usuários doTransporte Coletivo e Outros ServiçosPúblicos de Curitiba e Região Metropolitana,com a finalidade de retomar a luta contra osaumentos constantes das tarifas de ônibuse participar do Conselho de Administraçãoda Urbs, órgão responsável pelas decisõesna política de transportes no município de

Curitiba (Associação de Usuários doTransporte Coletivo, 1988.).

A administração Roberto Requião pôsem prática uma política de colocar pessoasrepresentativas do movimento popular na suaadministração, contribuindo assim para a sua

desmobil ização,principalmente comas AdministraçõesRegionais, que cum-priam um duplopapel. Por um ladopretendia monopo-lizar no Executivo aspráticas clientelistasdos vereadores e,por outro, abrir ca-nais diretos com apopulação, fragili-zando o movimentopopular e diluindo as

lutas reivindicatórias. A desmobilização naárea de transportes também se deve àimplantação obrigatória do vale-transporteem 1987, medida que diminuiu o impacto datarifa na renda familiar, já que osempregadores eram obrigados a pagarem otransporte coletivo dos seus empregados.

As eleições de 1988 deram vitória aJaime Lerner (PDT) sobre o candidato deRoberto Requião (PMDB), o ex-prefeitoMaurício Fruet (PMDB). Em maio de1989, sem consultar os antigosconselheiros, Jaime Lerner regulamentoua nova constituição, estrutura, composiçãoe atribuições do Conselho Municipal deTransportes, além de manter seu caráterconsultivo, e reduziu seu número para 17representantes (amaioria ligados àprefeitura de Curi-tiba) através do de-creto municipal nº.247 (Diário Oficialdo Município deCuritiba, 30/5/89.).

O decreto man-tinha, ainda, a repre-sentação do Dieese,reduzia o número derepresentantes dasassociações de bairrode três para um edelegava ao prefeitoa função de presi-dente e a prerrogativa da convocação. Nestacomposição, a maioria do Conselho erarepresentada por entidades empresariais epor órgãos e instituições públicos,caracterizando um retrocesso das conquistas

A desmobilizaçãopopular na área dotransporte públicotambém se deve à

implantação obrigatóriado vale-transporte em

1987, que diminuiuo impacto da tarifana renda familiar

do movimento popular. Apenas em julho de1989 o prefeito solicitou às entidades queindicassem seus representantes (O Estadodo Paraná, 27/7/1989.).

Os reajustes tarifários, num total de seis,baixados pela administração Lerner semconsulta ao Conselho Municipal deTransportes, geraram uma forte crítica domovimento popular e dos partidos políticos(PMDB e PT). As entidades decidiramcontinuar com as denúncias e entrar comuma ação popular contra o reajuste de julhode 1989 (Gazeta do Povo, 22/7/89.).

Em 1991, pelo decreto municipal n.º 210,o prefeito Jaime Lerner fez algumasmudanças na Lei Municipal n.º 7.556 de 17/10/1990, por ele sancionada, alterandonovamente o regulamento do transportecoletivo de Curitiba estabelecido pelo decretomunicipal n.º 45 de Roberto Requião(NEVES & BONATO, 1994).

Com as alterações do decreto municipaln.º 210 foram determinados o fim da frotapública e da reversão de frota e mudanças nocálculo de capital – medidas que beneficiaramos empresários. Esse decreto foi um retrocessoem relação ao decreto municipal n.º 45, quehavia estabelecido o novo regulamento dotransporte coletivo de Curitiba.

Considerações finais

A partir da análise das reivindicações, daorganização, da mobilização do movimentopopular na questão do transporte coletivo edas medidas adotadas pelas administraçõesmunicipais de Maurício Fruet e Roberto

Requião no controlesobre as empresasde transporte, ficamevidentes as contri-buições do movi-mento popular nasmudanças da políticade transporte cole-tivo de Curitiba, taiscomo: o reconhe-cimento por parte daprefeitura de Curitibadas irregularidadescometidas pelasempresas de trans-porte coletivo; a cri-ação da Comissão

de Verificação de Custos Tarifários; a anu-lação dos contratos de concessão deexploração dos transportes coletivos (atravésdo decreto municipal n.º 44 de 31/01/87, doprefeito Roberto Requião), após o parecer

De janeiro a abril de2009, a redução média

da demanda no transporteda Grande Curitiba é de600 mil passageiros pormês, o que representa,

em quatro meses,2,4 milhões de passagens

não vendidas,acumulando prejuízo

de R$ 4 milhões

>>

Page 25: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 26

do jurista Geraldo Ataliba; a edição do decretomunicipal n.º 45, pelo prefeito RobertoRequião, instituindo o novo regulamento dotransporte coletivo com seu gerenciamentopúblico, fundo da frota pública, receita públicae pagamento por quilômetro rodado; o avançodo poder público no controle do sistemade transporte coletivo em relação ao queexistia anteriormente, quando havia odomínio absoluto dos empresários sobre apolítica de transporte; a participaçãopopular no Conselho Municipal deTransporte e no Conselho Administrativoda Urbs que, mesmo em minoria,significou importante vitória do movimentopopular no processo de efetivação dedireitos, conquista da cidadania econstrução da democracia; e a ampliaçãoda prática e da visão política do movimentopopular, através da articulação dasassociações de bairros com as demaisentidades da sociedade civil, o quepossibilitou fortalecimento e avanços naslutas sociais urbanas em Curitiba, assimcomo sua melhor qualificação paraenfrentar novos embates.

Houve também avanço no campoinstitucional, com a eleição de candidatosoriundos do movimento popular e sindicalpara a Câmara de Vereadores, signi-ficando reforço à retomada do movi-mento popular em Curitiba, com novasocupações de terras, com a consolidaçãodo Movimento Xapinhal (que congrega asassociações de bairros do Xaxim, Pinhei-rinho e Boqueirão), que sucede o Movi-mento de Associações de Bairros (MAB),articulado à Central dos MovimentosPopulares. A Federação de Bairros do Paranáe a União Geral também ressurgemassumindo a luta pela moradia.

O refluxo do movimento popular emCuritiba a partir de 1987 reflete, por um lado,a incorporação de grande parte dasreivindicações e a cooptação por parte dasadministrações do PMDB de quadrosimportantes do movimento popular. Por outrolado, a utilização das administrações regionais,atendendo diretamente a população,colocando a prefeitura da capital mais próximados bairros e neutralizando a capacidade demobilização das entidades gerais como oMAB, União Geral e Federação de Bairros.Essa desmobilização está relacionada tambémà concepção de democracia de RobertoRequião, que entendia que o povo o escolheuatravés de um programa de governo, estandoassim legitimado para governar, reforçandoa democracia representativa e negando ademocracia direta. Acaba assim exercendo

uma forma de governo que ele semprecombateu no passado, o governo autoritário,e pelo qual se projetou e fez sua carreirapolítica, tornando-se governador do Estadoem 1989 e senador da República em 1994.

O processo de abertura política tambéminfluiu no refluxo do movimento popular, namedida em que há uma dispersão de forçasem direção aos partidos políticos e a outrasfrentes de lutas. A desativação do ConselhoMunicipal de Transportes na gestão Requiãotambém exerceu influência para o refluxodo movimento popular, pois na medida emque este perde sua representaçãoinstitucional neste Conselho deixa de obterinformações, o que dificulta a discussão emobilização de suas bases.

O retorno de Jaime Lerner à cena políticacomo prefeito de Curitiba em 1989, pelo PDT,derrotando o PMDB de Roberto Requião,demonstra a capacidade das elites de sereciclarem e de se reproduzirem no poder.Jaime Lerner faz o seu sucessor no primeiroturno das eleições de 1992, o ex-vereador edeputado estadual, Rafael Greca de Macedo,também do PDT, sendo que ambos passarampelo PDS nos anos 1990 (Jaime Lerner foipara o PSB e Rafael Greca para o PMDB).Lerner elege ainda Cássio Taniguchi por duasgestões e entra na composição com Beto Richa,atual prefeito reeleito. É também o retorno davelha forma de fazer política, autoritária eexcludente em relação ao movimento popularnas decisões das políticas públicas.

Este grupo político vinculado ao ex-prefeitoJaime Lerner continua no poder municipaldesde os anos 1990 ao flexibilizar o controlesobre o transporte coletivo, mantendo osdecretos 44 e 45 e permitindo a ampliação dosquilômetros rodados e a elevação constantedas tarifas. Isto torna a tarifa do transportecoletivo de Curitiba uma das mais caras dascapitais brasileiras (inclusive da RegiãoMetropolitana de Curitiba). A consequência éa queda do número de passageiros.

De janeiro a abril de 2009, a reduçãomédia é de 600 mil passageiros por mês, oque representa, em quatro meses, 2,4 milhõesde passagens não vendidas, acumulandoprejuízo de R$ 4 milhões. Assim, o sistemapassou a operar no vermelho, e a ter o prejuízocoberto com uma forma de subsídio estatal.

A prefeitura de Curitiba isentou empresáriosdo transporte coletivo da cobrança do ImpostoSobre o Serviço (ISS) (Gazeta do Povo, 12/06/09). Este montante deixa de ser investido pelamunicipalidade em políticas públicas voltadas aoatendimento das necessidades da maioria dapopulação de baixa renda nas áreas de saúde,educação, habitação e saneamento.

>>

Usuário está fora de instâncias de decisão sobre transporte

Page 26: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

27 Novembro de 2009

Logística regional:desafios e oportunidades

Artigo

A tendência de aumento dos fluxos comerciais, de sofisticação do mercado e deacréscimo populacional situam o desempenho da logística regional na origem de desafiose oportunidades para o desenvolvimento metropolitano. Esta é a avaliação do engenheirocivil José Rubel , especialista em gestão pública pela Ebape/FGV. Segundo Rubel,também especialista em Formulação e Gestão de Políticas Públicas pela UFPR eservidor público do estado do Paraná, é necessário que as políticas públicas sejamorientadas para a gestão operacional e ampliação da infraestrutura logística, como sedemonstra em propostas de atuação articulada entre o governo e a sociedade

4

A vitalidade da economia regionaldepende da intensidade das trocascomerciais internas e com o exterior. Aeficiência nas operações de transporte,estocagem, fracionamento e consolidaçãode cargas, abarcadas pelo conceito delogística, é fator determinante para facilitaras trocas comerciais. Apesar de suaimportância estratégica para o desen-volvimento regional, a logística fre-quentemente é vista como uma atividadeexclusiva do campo de atuação dasempresas privadas1 . Mas esta percepçãoestá mudando. Os governos começam adesempenhar um papel ativo na adoção depolíticas públicas direcionadas aodesenvolvimento da logística regional,investindo na ampliação de estruturas detransporte, na promoção da integração modale operacional, na coordenação entre políticasde uso do solo e de transportes visandoaumentar a mobilidade e acessibilidade.Reconhece-se a relação essencial entre alogística regional e o desenvolvimento2.

Três indicadores explicam esta relação:custos de transporte, decisões locacionaisda indústria e produtividade econômicaregional. A qualidade da infraestrutura reduzos custos de transporte, tornando maiscompetitiva a produção industrial. Asempresas se localizam em regiões em que orecebimento de insumos e a distribuição daprodução sejam menos onerosos, de formaa manter e ampliar os seus mercados.Finalmente, a redução dos custos logísticosimpulsiona a produtividade da indústria comoum todo. As regiões tornam-se mais atrativas

para investidores, beneficiam-se com oaumento da densidade e diversidadeindustrial, criam economias de escala,incrementam a competitividade sistêmica eacabam sendo, portanto, melhor sucedidas nageração de empregos e aumento da renda.

Se por um lado o desenvolvimentoregional depende da intensidade das trocascomerciais, por outro lado a concentraçãodas operações logísticas, em especial nasregiões metropolitanas, causa impactossócio-ambientais que comprometem aqualidade de vida, pela poluição atmosférica,pelo ruído, pelos acidentes, pelos custosexternos impostos ao trânsito em geral3 .

No Brasil, entretanto, o governo aindanão dá a devida atenção ao assunto4. Osfamigerados “gargalos logísticos” resultantesda falta de planejamento, insuficientecapacidade e inadequada distribuiçãoespacial do armazenamento, desarticulaçãoentre modos de transporte, infraestruturaviária inadequada e em mau estado deconservação oneram a produção e inibem ocrescimento econômico.

A tendência é que estes conflitos seagravem, particularmente nas regiõesmetropolitanas, a persistir o cenário dedebilidade das políticas públicas. Quatrocondições estruturais sinalizam na direçãoda intensificação dos deslocamentos, comimpactos negativos, em especial sobre otrânsito urbano. Em primeiro lugar, asofisticação do consumidor, que exige maiorexclusividade e variedade de produtos,rapidez na entrega e maior assistência pós-venda. Em segundo lugar, a globalização doJosé Rubel é engenheiro civil e servidor público estadual >>

Page 27: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 28

Prevê-se, nomais conservador doscenários, acréscimo

de 1 milhãode moradores na

Região Metropolitanade Curitiba entre

2000 e 2020

comércio, que incrementa o volume dasexportações e importações e concentra asatividades de produção e distribuição noslocais que oferecem melhores vantagenslocacionais, transformando a integração nosfluxos de comércio em um imperativo paraa sobrevivência regional.

Em terceiro lugar, a estratégia empresa-rial de desconcentrar o processo produtivo,que antes ocorria quase que integralmenteintramuros e agora se amplia, recorrendo afornecedores externos terceirizados.Finalmente, o crescimento do tráfego nasregiões metropolitanas, devido àmultiplicação da frota de veículos e àexpansão territorial e demográfica.

Prevê-se, no mais conservador doscenários, acréscimo de 1 milhão demoradores na Região Metropolitana deCuritiba entre 2000 e 2020. Enquanto a taxamais provável de crescimento demográficoé de 2,1% ao ano, a frota de veículos estáaumentando 6,8% ao ano. Além do mais, acada quatro novos habitantes, apenas umse localizará em Curitiba, e três estarão nosmunicípios periféricos à capital, ampliandoa área urbanizada da metrópole eaumentando ainda mais os desejos dedeslocamento5.

Neste contexto, como orientar a açãodo governo para enfrentar o desafio de,simultaneamente, promover a expansão daatividade logística regional — condiçãoindispensável para o desejado e necessáriocrescimento econômico — e reduzir osimpactos negativos sobre a qualidade de vida?

Propõe-se que as políticas públicas sejamorientadas segundo dois conjuntos de ações:

gestão estratégica da logística regional eampliação da capacidade da infraestrutura.

No âmbito da gestão estratégica dalogística regional, cita-se como exemplo:

1. Formulação de uma política dedesenvolvimento da logística regional,congregando os agentes públicos e privados,liderados pelo governo. Deve-se fundamentarna instituição de um pacto coletivo de com-prometimento com uma visão de futuro, dese-nhada a partir de esforço de planejamento,conduzido de forma participativa. É vital aarticulação com as diretrizes metropolitanas

de desenvolvimento espacial, cuja abrangênciadeve ir além dos limites regionais. Por exem-plo, no que se refere aos modos de transporteferroviário e rodoviário, a abordagem deveabarcar o eixo Ponta Grossa-Curitiba-Paranaguá e explorar os impactos da eventualimplantação de um porto de integração (hub)de containeres sobre a matriz logística e pro-dutiva desta região. No que se refere ao modode transporte aéreo, explorar as relações decomplementaridade com os terminais decarga localizados na metrópole paulista.

2. Constituição de uma aliança de interessesou até de uma agência de desenvolvimentocom a função de implantar e gerir a política delogística regional6 . É imperioso que estainstituição seja ágil, transparente e adoteprocesso decisório inclusivo e democrático,capaz de estimular a participação da sociedadecivil. Poderia estar integrada à Coordenaçãoda Região Metropolitana de Curitiba (Comec),desde que dotada de apropriados mecanismosde governança.

3. Regulamentação e monitoramento como objetivo de implementar e permanentementeatualizar a política de logística regional.Exemplos de atuação: avaliação estratégicapermanente das oportunidades e ameaças aodesenvolvimento logístico da Região Metro-politana (veille stratégique); estudos detráfego e de hierarquização do sistema viáriobásico; integração entre as regulamentaçõesmunicipais de transporte de cargas, emparticular do licenciamento para aimplantação e operação de pólos geradoresde cargas, tais como terminais, armazéns,supermercados e shoppings; incentivo àutilização de veículos menos poluentes e àimplantação de centros de distribuição urbanaonde o processo de consolidação de cargasocorra antes da sua distribuição final,objetivando a ocupação otimizada dosveículos, a redução do número de viagens eo uso mais racional do espaço viário7.

No âmbito da ampliação da infra-estrutura, é evidente que as políticas públicasdevem decorrer de um programa de açõeselaborado com a participação e ocomprometimento dos principais atoresenvolvidos com a logística metropolitana. A título

>>

Contorno Norte de Curitiba: três de cada quatro novos habitantes da RMC estarão nos municípios periféricos, ampliando a área urbanizada e aumentando os desejos de deslocamento

Jorge Woll/AEN

Page 28: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

29 Novembro de 2009

A cada quatro novoshabitantes, apenas um selocalizará em Curitiba.Os outros três estarão

nos municípiosperiféricos, ampliandoa área urbanizada da

metrópole e aumentandoainda mais os desejos

de deslocamento

de exemplo, no entanto, duas oportunidadesde atuação que já integravam, em 2001, asdiscussões preliminares para a elaboração doPlano de Desenvolvimento Integrado daRegião Metropolitana de Curitiba.

1. Consolidação da plataforma logísticaregional. A localização próxima dos portosmarítimos, o aeroporto, a ferrovia, a interseçãoentre eixos rodoviários, a proximidade com ametrópole paulista (seis horas de deslocamentorodoviário), a densidade e diversificaçãoprodutiva e a magnitude do mercado deconsumo são fatores que posicionam a RegiãoMetropolitana como uma plataforma logísticade importância nacional. É oportuno aproveitartais vantagens e consolidar esta plataforma,atraindo investimentos para ampliar ediversificar as operações logísticas pela ofertade alternativas locacionais nas proximidadesdo Contorno Leste, entre a BR-277 e oContorno Sul, e da BR-376, entre o ContornoLeste e o distrito industrial da Volkswagen.Trata-se de coordenar e potencializar um

movimento que já está em curso, mas deforma desordenada. Envolve a disciplina nouso do solo, a promoção de treinamentoprofissional, o incentivo à implantação decentros de serviços especializados, aintegração com o aeroporto e com os portos,a divulgação agressiva de oportunidades deinvestimento. Não se trata de uma açãoexclusiva do governo, mas cabe a ele liderar,induzir, firmar parcerias e articular asexpectativas e os esforços dos agentesprivados e da sociedade em geral.

2. Ampliação do aeroporto Afonso Pena.Este projeto compreende a construção deuma terceira pista (as pistas atuais impedema decolagem de aeronaves com carga plenae conexão direta com a Europa e a Américado Norte), de um centro de negócios, aampliação do terminal de passageiros, aimplantação de uma área industrialalfandegada, de uma conexão rodoviáriacom o Contorno Leste e de um ramal ferro-viário. O objetivo é potencializar a capaci-dade logística da Região Metropolitana,transformando uma mera pista de pouso edecolagem em um equipamento valioso paraa promoção do desenvolvimento regional,melhorando o acesso da indústria local aosmercados externos, atraindo novas empresasde alta tecnologia, incentivando a perma-nência das empresas já instaladas. O terrenonecessário já está desapropriado e o projetoaprovado pelo governo federal8 .

Em suma, o tema da logística regionalapresenta inúmeros desafios e oportunidadesque, no início desteséculo, determinamas possibilidades dedesenvolvimento daRegião Metropolita-na. O cenário é pro-missor se o governoe a sociedade com-partirem esforços eforem eficientes naformulação e im-plantação coordena-da de políticaspúblicas.

Notas e referências bibliográficas1 Just-in-time, comércio eletrônico,

aprovisionamento global (global out-sourcing),engenharia simultânea, diferenciação retardada,são estratégias empresariais muito dependentesda logística

2 Informe de junho de 2006, da AllianceLogistique - Région Urbaine de Lyon argumentaque as atividades logísticas geram 7,5% dosempregos na região urbana de Lyon e 40empregos por hectare de instalações, na França

3 O transporte de cargas representa entre 10e 18% do tráfego urbano e é responsável por40% da poluição atmosférica e pela emissão deruídos nas cidades segundo o documento UrbanFreight – Transport and Logistics. An overviewof european research and policy. EuropeanCommunities, 2006, p.2

4 O Brasil ocupa o 61º lugar, atrás do Chile(32º) e da Argentina (45º) no ranking do Índicede Desempenho Logístico (LogisticsPerformance Index), divulgado pelo Mundial, emrelatório de 2007. Abrange indicadores dequalidade da infra-estrutura, de prazos dedesembaraço aduaneiro, de tempos detransporte, de eficiência dos operadores, decompetência da indústria de material detransportes, de obediência aos prazos de entrega,de custos da logística doméstica (transporte,armazenamento, manipulação de cargas). Nesteúltimo indicador o Brasil se posiciona no 126ºlugar

5 Dados do Plano de DesenvolvimentoIntegrado da Região Metropolitana de Curitibae do jornal Gazeta do Povo, edição de 22.06.2009,caderno Vida e Cidadania, matéria: “No ritmoatual, frota de veículos de Curitiba dobrará em10 anos”

6 Veja-se o exemplo da Alliance Logistiquede Lyon, França, agrupando operadoreslogísticos (transportadores, armazenadores,despachantes), imobiliárias, instituições deensino, órgãos públicos. Também o caso deBarcelona-Catalunya Centre Logístic, lançadopelo governo catalão, com o apoio de governosmunicipais e da administração dos portos deBarcelona, e com a participação de mais de 120empresas com o objetivo de “consolidar aCatalunha como a maior plataforma logística do

sul da Europa”. Final-mente o caso do pro-grama Build Now, dogoverno do estado deNova York, de divul-gação estratégica deum inventário deterrenos preliminar-mente liberados paraconstrução imediatade terminais logísti-cos, visando atrair em-presas e criarempregos.

7 Informaçõessobre programas depesquisa e projetos

ligados a este tema estão disponíveis noTransport Research Knowledge Centre daComissão Européia, acessíveis em http:ec.europa.eu./transport/extra

8 Estudo de Carga Aérea Internacional noBrasil, editado em 2002, pelo Departamento daAviação Civil do Ministério da Aeronáutica jáalinhava dentre suas diretrizes estratégicas que“deve ser incentivado o fortalecimento deCampinas, Curitiba e Manaus com hubs de cargaaérea” (p.18)

Page 29: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 30

Transporte metropolitanoe os elementos de reflexãopara a rede integrada

Artigo

Professor do programa de Pós-graduação em Gestão Urbana da PUC-PR,Tomás Moreira argumenta que a mobilidade urbana é cada vez maisdeterminante na escolha dos espaços pelas pessoas. Assim, ela é condiçãopara o desenvolvimento. O autor defende que o planejamento deve ser feito apartir da avaliação da mobilidade, levando em conta características essenciais

4

Na prática do urbanismo contemporâneo,os transportes passam por profundastransformações, de diferentes ordens. Atomada de consciência do elevado aumentotanto quantitativo como qualitativo dosdeslocamentos urbanos obriga a reconsiderara forma como analisá-lo e geri-lo. Da mesmamaneira, a busca pela qualificação de espaçosfísicos relacionados ao deslocamento engendranovas considerações. A evolução dos espaçosmetropolitanos traduz-se numa transformaçãodos modos de vida e das práticas de mobilidade:desloca-se cada vez mais, por motivos cadavez mais diversificados e utilizando modos detransporte mais numerosos.

A mobilidade é, de mais a mais, um valorfundamental, condição de mudança e dedesenvolvimento. Ela responde às aspiraçõesdos indivíduos na escolha dos lugares e dosconteúdos de suas atividades, tendo sempreem vista construir, o máximo possível, suasvidas em relação aos movimentos de bens,pessoas e capitais ligados ao crescimento daeconomia; movimentos físicos e movimentosde informações possibilitados pelo progressocientífico e tecnológico; movimentos de ideiase movimentos cotidianos das pessoas.

Na metrópole curitibana, cuja populaçãourbana é superior a 90% e especialmenteconcentrada no núcleo central, a capacidadede mover-se determina o modo de habitar, ariqueza de relações sociais, o acesso aosestudos, ao emprego, à cultura e aos lazeres.Concomitantemente, as dificuldades dedeslocamento e a imobilidade com que sedeparam pessoas portadoras de necessidadesespeciais e pessoas com problemas sociais eeconômicos são fatores de exclusão crítico.

As reflexões a propósito dos deslo-camentos, bem como das mobilidades da suagestão, se apoiam sobre a consideração dacomplexidade das práticas da mobilidade, emespecial nos espaços metropolitanos, como ocuritibano. Cinco características essenciaisdevem ser cada vez mais consideradas nabusca pela identificação das tendências damobilidade na metrópole curitibana: amobilidade se efetua no espaço metropolitanocada vez mais complexo; a mobilidade possuiuma dupla referência para o território e paraa rede; a mobilidade depende cada vez maisda variável velocidade; a mobilidade estáassociada ao acesso aos transportes paratodos; e a mobilidade é modelada por modosde vida e práticas espaciais mais diversificadas.

A mobilidade metropolitanacuritibana se efetua numespaço cada vez maiscomplexo

O espaço urbano curitibano evoluirapidamente e, com os efeitos dametropolização, suas características sealteraram drasticamente. Por meio daintensiva concentração de população e deatividades econômicas, a periurbanização (aurbanização de áreas periféricas situadasalém dos subúrbios da região) é causada porum conjunto de fatores: o alargamentoincessantemente dos limites do espaçourbanizado da Região Metropolitana deCuritiba; o maior crescimento populacionalnos municípios não centrais; a grande parte daTomás Moreira é professor universitário

Fotos de Alexsandro Teixeira Ribeiro

Page 30: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

31 Novembro de 2009

ocupação dá-se predominantemente demaneira irregular, na periferia; os desloca-mentos das atividades econômicas, que se de-ram em função de novas tecnologias, modosde trabalho e da ter-ceirização das indús-trias; a especializaçãodos espaços, os quaistendem a individualizaros bairros de acordocom uma função es-pecífica; e a baixacapacidade de rendada população commaior necessidade deserviço de transporteque é, ao mesmo tem-po, a causa e a conse-quência de uma mul-tiplicação dos desloca-mentos e da neces-sidade constante deredimensionamento de serviços de transporte.

As alterações na dinâmica metro-politana foram fortemente sentidas namobilidade. Um funcionamento maiscomplexo do espaço urbano da metrópolecuritibana é, portanto, associado àsnecessidades, condições e práticas demobilidade cada vez mais complexas, ondea oferta tradicional em transporte neces-sariamente deve ser questionada.

A mobilidade metropolitanacuritibana possui duplareferência para como território e a redeintegrada de transporte

A escala de referência para a análise doespaço metropolitano curitibano é cada vezmenos topográfica e mais estruturada sobrerede, de maneira reticular, isto é, o que contapara qualificar a distância entre lugares é cadavez menos a distância quilométrica e mais otempo para ir de um lugar a outro. Isto porqueas possibilidades de deslocamento dosindivíduos e a acessibilidade de todos oslugares do espaço metropolitano constituemexigências sociais essenciais, uma vez queelas condicionam o acesso à moradia, aotrabalho, a educação, a cultura, ao lazer, bemcomo as relações familiares e sociais.

A lógica da rede se associa predomi-nantemente, hoje, à lógica topográfica paraenquadrar o desenvolvimento dos deslo-camentos. Contudo, a proximidade física nãoé mais a única condição necessária no

As dificuldadesde deslocamento

e mobilidade com quese deparam pessoas

portadoras denecessidades especiais

e pessoas comproblemas sociaise econômicos são

fatores de exclusão

provimento da interação social; é, sobretudo,o espaço/tempo. A metrópole curitibanacontemporânea é, portanto, a “geografiavariável”, ou melhor, ela pode ser designada

sob várias veloci-dades. As evolu-ções tecnológicas etécnicas levaram areconsiderar o valordos deslocamentos,porque modificarama relação das distân-cias, procurandoadaptar as práticasde mobilidade àsnovas escalas dametrópole.

Um efeito destareconsideração foi,sem dúvida, o ele-vado crescimentoda frota de veículo

da última década, ao mesmo temporevelador e perverso.

Revelador, pois mostra sinais daincompatibilidade do sistema com as novasnecessidades de deslocamento, além dafragilidade do modelo de transporte vigente.Perverso, pois solicita investimentos deinfraestrutura cada vez maior e de alto custoem detrimento de investimentos coletivos. Paraa população da metrópole, a duplareferência ao território e à rede implica apossibilidade de gerir a sua mobilidade emfunção das suas práticas espaciais. Paraos gestores, a dupla referência ao territórioe à rede engendra reexaminar a orga-nização do sistema.

A mobilidademetropolitana curitibanadepende cada vez maisda variável velocidade

Atualmente, percebe-se que a popula-ção do espaço metropolitano curitibanodesloca-se cada vez mais e por maistempo — muitos passam mais de umahora e meia nos transportes. Esse fatoexplica-se pelo esgotamento de modos detransporte rápido, para não dizer atémesmo do transporte em geral. Percorrerlongas distâncias numa metrópoleperiurbanizada como a de Curitibasignifica despender cada vez mais tempo,para não dizer em distâncias cada vezmaiores.

Não se pode negar que a fase da>>Mobilidade é condição de desenvolvimento, diz o autor

Page 31: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 32

metropolização induziu à consolidação de umespaço urbano metropolitano do automóvel emdetrimento do pedestre e do transporte coletivo:é a transição urbana. Uma transição que podee deve ser relativizada se considerar que,ainda hoje, grande parte dos deslocamentosé feito a pé.

Certamente, a grande maioria dos des-locamentos é assegurada, hoje, pelo automóvel.Este modo de transporte generaliza-se porquefunciona como um verdadeiro adaptador ter-ritorial: permite um acesso quase universal aosdiferentes lugares da metrópole. Sobre este tema,um estudo elaborado pela Ação Nacional deTransportes Públicos mostra que, em percursosde até sete quilômetros, sai mais caro andar deônibus do que de moto ou de carro em Curitiba,seja ele a álcool ou a gasolina. Efeito perversodesta realidade, segundo o próprio estudo, éque os usuários de ônibus, da capital, gastamtrês vezes mais do que os que utilizam carroou moto. O transporte por automóveis gene-raliza-se também porque corrobora com a in-dividualização dos modos de vida: permitemais autonomia e independência nas práticasde mobilidade.

A mobilidade metropolitanacuritibana está sujeita aoacesso aos transportescoletivos para todos, numavisão de multi e intermodal

O transporte coletivo é um instrumentofundamental para os deslocamentos na metrópole.Entretanto, as redes têm se apresentadoinsuficientes, em termos de horários e dedeslocamento nas periferias, para a populaçãoque só tem este meio de deslocamento. Outroinstrumento é a multi e intermodalidade detransportes. A multiplicação dos modos detransportes utilizados pela população deve serconsiderada como um fenômeno positivo aintegrar na estratégia renovada dos transportes.

O objetivo deve ser facilitar a mobilidade emelhorar as condições da sua realização,associando vários modos de transportes. Assim,as estratégias de desenvolvimento dostransportes devem ser não somente multimodais,que favorecem o uso de vários modos detransportes, mas igualmente intermodais, quefacilitam a passagem de um modo ao outroquando de um mesmo deslocamento.

Para pensar a mobilidade como um todo, épreferível definir uma estratégia de transportefundada sobre a complementaridade dosmodos de transporte em função da eficácia decada um dos modos para tal ou tal tipo de

deslocamento, para tal ou tal tipo de espaço ouainda para tal ou tal momento do dia.

Hoje, os transportes devem se organizarem redor de lugares de trocas onde se brindaa intermodalidade: são os pólos de trocas.Estes lugares são, por excelência, da mobili-dade. O desafio do pólo de troca para a me-trópole curitibana está ao mesmo tempo numdesafio técnico, num desafio institucional enum desafio de concepção para um novoespaço urbano metropolitano, com elevadosindicadores de segregação e exclusão.

A evolução da metrópole curitibana mostrauma complexidade no que diz respeito às for-mas de mobilidade. A desincronização dosritmos urbanos quebra com a lógica bináriade deslocamentos domicílio-trabalho-domicílio, sempre muito forte e durante muitotempo analisada: nota-se cada vez mais umalargamento no tempo das horas despendidasnos períodos de rush. As pessoas se deslocampor motivos cada vez mais diversificados enão trabalham mais unicamente nas mesmashoras. A noite não é mais um tempo ‘morto’,tornou-se um tempo útil de atividade urbana.

Se os tempos não são mais utilizados demaneira uniforme é essencialmente porquea população não tem mais a mesma ex-pectativa, as mesmas necessidades e asmesmas exigências ou demandas. Em outraspalavras, a mobilidade da metrópole curitibanatende a refletir cada vez mais esta diversidade.A mobilidade urbana é, portanto, um ele-mento constitutivo: os processos em curso,ligados ao fenômeno de metropolização,são cada vez mais difíceis de apreendercom os instrumentos clássicos de análise.Para responder aos desafios atuais da ges-tão dos deslocamentos é fundamental levarem conta a dimensão urbana da mobilidade.A identificação das tendências damobilidade deve efetuar-se em relação àstendências do desenvolvimento dametrópole.

Planejamentodo transporte nametrópole curitibana:a que se destina?

Estes elementos de reflexão para a redeintegrada de transporte permitem questionare rever o modo com que tem sido abordadaa mobilidade na metrópole. A mobilidadeprecisa ser tratada além da visão e ação daampliação da rede existente, a partir daorigem, como tem sido tratada, mas sim apartir da dinâmica periurbana atual. Istoporque, no processo de crescimento

metropolitano curitibano, os espaços que maiscrescem são o dos municípios mais pobrese a faixa de renda para acesso a mobilidadeé cada vez maior. Estes elementos traduzema busca pelo combate à baixa capacidadede ‘ser móvel’, que por sua vez reduz aqualidade da integração social e exige umamaior necessidade de questionamento sobreo destino do planejamento de transporte nametrópole curitibana.

Referências bibliográficasACSELRAD, H. A Duração das Cidades:

sustentabilidade e risco nas políticas urbanas.Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

ANTP. Sistemas de informações damobilidade urbana. Custos dos deslocamentos.São Paulo, 2009.

ASCHER F. Métapolis ou l’avenir des Villes.Paris: Odile Jacob, 1995.

UITP – União Internacional de TransportePúblico. Uma melhor mobilidade urbana empaíses em desenvolvimento. Material dedivulgação. Bruxelas: UITP, 2003.

VASCONCELOS, E. A. Transporte urbanonos países em desenvolvimento: reflexões epropostas. São Paulo: Annablume, 2000.

WBCSD – World Business Council forSustainable Development. Mobility forDevelopment: Facts and Trends. Switzerland:WBCSD, 2007. Disponível em: www.wbcsd.org.

>>

Andar de carro é mais barato que de ônibus, segundo estudo

Page 32: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

33 Novembro de 2009

Transporte urbano de escalaArtigo

O engenheiro civil Roberto Ghidini avalia em seu artigo a implantação do metrô emCuritiba. A partir de relato histórico e do funcionamento dos sistemas de transportepúblico, Ghidini, vice-presidente Técnico-Científico da ONG Sociedad Peatonal,avalia os principais sistemas de transporte público utilizados no mundo — trens,metrôs e ônibus. Segundo ele, cada sistema é indicado para atender a uma demandaespecífica, e eles devem ser integrados

4

Sistemas de transporte ferroviáriosdatam de 1825, quando George Stephersonconstruiu a primeira ferrovia pública domundo, ligando Stockton a Darlington, naInglaterra, empregando tração a vapor – 70anos antes dos motores a explosão e, emparticular, do automóvel. Como um sistemaurbano, surge em 1863, em Londres, o metrô(sistema subterrâneo ferroviário). Além deser o mais antigo, é também o mais extenso:suas linhas se espalham hoje por 408quilômetros, com paradas em 275 estações.O metrô é sem dúvida o mais eficientesistema de transporte de massa nas grandescidades.

O metrô londrino precisou ser construídoporque, já em meados do século 19, o trânsitohavia se tornado insuportável1 — veículosde tração animal se amontoavam no Centroda cidade, prejudicando o andamento dosnegócios na capital do Império Britânico.Logo no início do funcionamento, osprimeiros trens subterrâneos do mundotransportaram 40 mil pessoas. Esse metrôancestral usava locomotivas a vapor, comcaldeiras aquecidas a carvão. Somente em1905 o sistema metroviário passou a operarcom trens elétricos. Ao metrô de Londresse sucederam o de Paris, inaugurado em1900, e o de Nova Iorque, em 1904.

Criado por Stanislas Baudry na cidadefrancesa de Nantes em 1826, o ônibus,inicialmente tracionado por cavalos, foi aprimeira modalidade de transporte público.Em 1828, o próprio Baudry fundou em Parisa Entreprise Générale des Omnibus paraexplorar o serviço de transporte coletivo nacapital francesa. Logo em seguida seu filhoiniciaria empreendimentos similares em Lyone Bordeaux. Abraham Browe haviaestabelecido em 1827 a primeira linha detransporte público em Nova Iorque. Em 1829a novidade chegaria a Londres (Paddington-

Londres) pelas mãos de George Shillibeere, a partir daí, alcançaria rapidamente asprincipais cidades da América, Europa edemais partes do mundo.

Os ônibus são práticos e eficientes emrotas de curtas e médias distâncias, sendomais frequentemente utilizados como meiosde transporte público por constituir umaopção econômica em termos de implantação.Porém, dada a sua baixa capacidade depassageiros, não são eficientes em rotas demaior uso porque linhas de alta demandacausam muita poluição pelo grande númerode veículos necessários para o transporteeficiente de passageiros. Neste caso, érecomendada a substituição da linha deônibus por outra com veículos de maiorcapacidade, como o metrô.

Como uma opção surge o BRT (BusRapit Transit), que tem ônibus dedicados arotas distintas de todos os outros modos detráfego – só circulam por “canaletas” ouvias exclusivas, além de utilizaremplataformas de embarque em nível com oveículo, e veículos de alta capacidade depassageiros. Portanto, o sistema funciona aum nível muito elevado de fiabilidade. Dessaforma, o BRT tenta combinar as vantagensde um sistema de metrô (segregado dosistema viário, que melhora pontualidade efrequência) com as de um sistema de ônibus(baixa construção e custos de manutençãoe, portanto, baixos custos dos veículos). Hojeem dia, várias cidades do mundo utilizam-sedo sistema BRT, com as do Canadá, EstadosUnidos, México, Chile, Equador, Colômbia,além da Europa e da Ásia. Os precursoresdos sistemas BRT são os “ônibus expressos”de Curitiba, que compõem a Rede Integradade Transporte (RIT).

Na capital, temos que consideraralgumas particularidades: quando criado, osistema estava inserido em um contextoGhidini é engenheiro e membro da Sociedad Peatonal >>

Page 33: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 34

mais amplo que simplesmente um sistemade transportes. Tratava-se de um com-ponente do plano diretor, que tinha comodiretrizes a integração do uso do solo e dotransporte público. Assim, já na época(meados dos anos 1970), talvez fosseoportuno haver pensado em um in-vestimento em transporte de alta ca-pacidade, dada a relevância que sepropunha.

Outro fator considerável é que ajustifica-tiva fracassou, dada adescentralização da cidade em favor docrescimento em eixos de adensamento, nosquais se pretendia assentar uma populaçãode classe tra-balhadora.

Estes eixos, dotados da infraestruturaviária necessária para a circulação do BRT,serviram de atrativo aos empreendimentosimobiliários de alto padrão, que fizeram comque os preços ficassem proibitivos aoshabituais usuários do transporte coletivo, aclasse trabalhadora de baixa renda,afastando-os para bairros localizados naperiferia da cidade2 que, segundo afirmaa NTU3 e comprovam os nossosestudos4 , é a que realmente utiliza otransporte público.

O momento atual

Estamos vivendo em Curitiba a licitaçãodo “Transporte Público” (a concessão daslinhas), pois o transporte é apenas gestionadopelo poder público através da Urbs, que, porimposição de uma demanda do MinistérioPúblico de já algum tempo, se viu obrigadaa promover a dita concorrência. Por fim,talvez o serviço dotransporte coletivoem ônibus, uma vezcom novas regras,possa ter algunsavanços, como ocontrole da super-lotação por exemplo.Por outro lado, existeuma licitação —vencida por umconsórcio de em-presas (o consórcioNovo Modal, forma-do pelas empresasTrends, Engefoto, Esteio e Veja) — para oprojeto da “linha azul” do metrô de Curitiba,que corresponde ao atual eixo Norte-Sul daRIT, já saturadíssimo, levando-se em conta

o modal atualmente utilizado e as 72interseções com semáforo enfrentadas aolongo dos 22 km deste percurso e que aindaassim chega a transportar diariamente algopróximo aos 400 mil passageiros (260 milno corredor Sul e 130 mil no corredor Norte).

Parece-nos extremamente oportuna umamobilização popular, no sentido de nãoincorrermos, como no passado, em permitir

que “os ônibus”ficassem nas mãosdos empresários.Que isto não ocorracom as obras dometrô, justificadasaté agora como nãotendo sido implan-tadas por seuselevados custos, eque não ocorra oque aconteceu com“os ônibus” da atualRIT que, como cos-tumava dizer o ex-

prefeito Jaime Lerner: “não tínhamosdinheiro para comprar uma frota de 300milhões de dólares. Fizemos uma equaçãode co-responsabilidade. Fizemos o desenho

Distribuição da população segunda renda (IBGE) e os eixos da RIT. Os que vivem ao londo dos eixos claramente não utilizam o transporte coletivo

Sendo público, o metrôpoderá ter subsídios parapromover a melhoria ea constante evoluçãodo sistema, sem haver

transferência nemconcentração de recursos

do trabalhador oudo cidadão a umaempresa privada

>>

Page 34: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

35 Novembro de 2009

do sistema, como deveria funcionar e oinvestimento no itinerário. O material rodantefoi adquirido pela iniciativa privada. Estaequação de co-responsabilidade foi aseguinte: Nós preparamos o itinerário, asestações; vocês, compram o materialrodante, vamos pagá-los por quilometrorodado.”1 Devemos sim reivindicar ummetrô, público em todo o seu conceito, nãosó na prestação do serviço – uma vez que aprefeitura de Curitiba irá investir R$ 2 bilhõesna execução da linha, o dito material rodante

é o de menos. Sendo público, o metrô poderáter os subsídios que demandar para promovera melhoria e a constante evolução dosistema, sem haver transferência nemconcentração de recursos do trabalhador oudo cidadão a uma empresa privada, bemcomo, no caso da lucratividade do sistema,poderá o mesmo subsidiar outras áreascarentes de infraestrutura de transporte.Além disso, estaremos adequando a atualdemanda a um modal compatível.

Aprendendo com Madri

Em Madri, o transporte público émultimodal e coordenado pelo ConsórcioRegional de Transportes, constituído em 1986para agrupar os esforços de instituiçõespúblicas e privadas relacionadas com aatividade, com a finalidade de coordenarserviços, redes e tarifas de modo que sejaoferecida ao usuário maior capacidade emelhor qualidade. O estado espanhol, acomunidade de Madri (que corresponde a umestado ou mesmo ao distrito federal em nossaestrutura federativa), os municípios e asempresas públicas e privadas colaboram demaneira estreita neste esforço comum.

A integração entre os modais se dáfisicamente, em grandes“intercambiadores” ou em estações decorrespondência, e os bilhetes são validospara todos os modais. Eles podem ser“bilhete simples” (um só trajeto),“metrobus” (dez viagens, sendo que cadaviajem custa 65% do valor do bilhetesimples) e os “abonos de transporte”, quesão segmentados conforme o perfil dousuário (estudante, terceira idade ounormal), periodicidade (mensal ou anual) eabrangência (zonas de serviço: A, B1, B2,

B3, C1 e C2).Em 2008, a Empresa Municipal de

Transportes de Madri contava com 208linhas, formando parte da rede integradana qual são válidos os mesmos bilheteshabituais (simples, metrobus e abonotransporte), e corresponde a 168 linhas daRede Diurna Integrada, 38 linhas noturnase duas de serviços especiais. A rede estácomposta por 2.033 veículos com idademédia de 5,7 anos e conta com vários tipos(padrão, midi, micro, especiais, mini earticulados). Em relação aos combustíveisda frota, existe enorme variedade (diesel,biodiesel, GNC, hibrido, etanol e elétrico) ea acessibilidade a usuários de cadeiras deroda e a pessoas portadoras de mobi-lidadereduzida é garantida através do sis-temade “piso baixo” e pela existência de rampasem 90% da frota.

O metrô, também de propriedade pública(Metro de Madrid S. A.), conta com 12linhas em funcionamento mais um ramal(Ópera – Príncipe Pio) com extensão totalde 283 quilômetros e 293 estações, das quais201 são simples (sem correspondência), 28duplas, dez triplas e uma quádrupla. Existeainda corres-pondência direta com“cercanias Renfe” em 22 estações.Atualmente, é o quinto maior do mundo. Arede do metrô apre-senta tambémcorrespondência direta com os transportesde superfície nos “inter-cambiadores” deMéndez Álvaro, Moncloa e Avenida deAmérica, e conexão direta com os terminaisdo Aeroporto de Madrid Barajas. Acapacidade de oferta da rede esta situadaem 280 mil lugares na hora de pico, a umavelocidade comercial média de 27,4 Km/he o parque móvel é de 2.157 vagões, comantiguidade media de 10,78 anos.

Organograma operacional do Consórcio Metropolitano de Transportes de Madri, com o interrelacionamento entre as esferas do poder e empresas do setor doTransporte Público: Rede de Cercanías da RENFE, o Metrô, o Metrô de Superfície e Bondes, empresas públicas e privadas (intermunicipais) de ônibus

>>

Page 35: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 36

Complementando os principais meios detransporte metropolitanos, existe a rede decercanias da Renfe, que compreende 10 li-nhas, todas passando pelos principais eixosda cidade e, de forma subterrânea, em suaárea urbana, com extensão total de 587 qui-lômetros, além dos ônibus interurbanos, quepertencem à iniciativa privada, comregulação pelo Consórcio.

Conclusões

Os sistemas de transporte urbano emetropolitano têm de atuar de formaintegrada, e não competitiva, devendo cadaum deles responder por sua melhoradequação. A capilaridade que dos ônibusfazem com que eles sejam o principal meiode transporte em bairros. O bom desem-penho do BRT e a alta capacidade do metrôos qualificam para os corredores detransporte. O metrô é um sistema maiscustoso na implantação. Porém, por sersubterrâneo e realmente segregado dotráfico rodado, não sofre com os conges-tionamentos. Os sistemas de trens metro-politanos se apresentam como os ideais paraas distancias superiores aos 30 quilômetros

de percurso, quando as demandas sãoigualmente elevadas. Caso contrário, osônibus interurbanos são os mais indicados,pela relação custo/benefício de implantação.

Curitiba, apesar de inegavelmente possuirum sistema de transporte exemplar, já passouda hora de dar o salto ao metrô. O nossoBRT enfrenta os problemas do aumentoconstante da mobilidade privada, que vemproduzindo horários de pico e períodos maisprolongados de congestionamento, reduzindoconsequentemente a velocidade e a qualidadedo transporte de massa. Assim, o traçadoproposto para a “linha azul” parece ser omais indicado para o primeiro trecho dometrô, mesmo porque já existe uma diretrizbem definida. Teremos, portanto queenfrentar a falta de recursos financeiros e aresistência oferecida pelos envolvidos noatual sistema do transporte público local, quedefendem a eterna manutenção do ônibuscomo modal único e exclusivo para alcan-çarmos as melhorias necessárias.

Resta nos posicionarmos como umasociedade participativa e responsável, exigin-do que este novo sistema seja realmentepúblico, uma vez que o financiamento de suasobras usará recursos do tesouro público,

implicando a operação futura, igualmenterealizada pelo setor público, na integração aRIT.

Tal integração não deve ser somentefísica, mas também temporal, a exemplo dosprincipais centros mundiais e de São Paulo,de propriedade e gestão públicas e que temavaliação extremamente favorável por seususuários, desmistificando assim a ideia deque, no Brasil, os serviços públicos são debaixa qualidade.

Notas e referências bibliográficas1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Metropolita-

no_de_Londres2 Planeación y gestión del sistema de

transporte público de Curitiba, Brasil - GarroneReck e Antonio Carlos Marchezetti – 2006.

3 Desoneração dos custos das tarifas doTransporte Público Urbano e de característicaUrbana – NTU (Associação Nacional dasEmpresas de Transporte Urbano) – 2009.

4 DUyOT-ETAM/UPM – Curitiba ¿Verdado mentira? – Efectos Perversos de una PolíticaOrientada al Transporte Público y al MedioAmbiente (1965-2004). – 2007.

5 Conferencia inaugural do PrimeiroEncontro Ibero-americano de “Buenas PrácticasUrbanas – Ministério de Vivienda – Madrid,25.06.2007

>>

Estação de metrô em Madri, capital espanhola, um bom exemplo de eficiente integração entre os diversos modais de transporte urbano e metropolitano

Acervo do autor

Page 36: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

37 Novembro de 2009

Lutas sociais pelo transporteArtigo

O Movimento Passe Livre vê uma crise de caráter político no transportepúblico de Curitiba e Região Metropolitana. Para o Movimento, o transportepúblico é mercadoria, visa o lucro, em detrimento da qualidade de atendimentoda população. Os empresários ganharam o instrumento legal para manterem aoligopolização do mercado, ou seja, manter a divisão da cidade em áreas para aexploração de poucas empresas; podendo até mesmo elaborar as planilhas decustos tarifários. O Movimento propõe a desmercantilização do sistema comoúnica forma de se viabilizar condições dignas àqueles que já estão social egeograficamente segregados da cidade modelo

4

Nos últimos anos, especialmente a partirde 2003, intensas lutas têm sido travadas emtorno da questão do transporte coletivo emdiversas cidades do Brasil. Tais lutasrefletem especialmente dois aspectos: o ca-ráter de classe do serviço de transporte den-tro da sociedade capitalista e a crise de seumodelo atual de exploração.

Iniciando-se uma breve análise, parte-se do seguinte pressuposto: se existem lutassociais, é porque existem conflitos sociais; ese existem conflitos sociais é porque asdiferentes classes estão em permanenteantagonismo. Logo, surge a dúvida: quais sãoentão os atores em disputa?

De forma simplificada podemos dizer quesão os usuários e trabalhadores do sistema,os empresários, e os gestores estatais. Peladinâmica contraditória e complexa da ques-tão, em determinados momentos os interes-ses de cada setor podem se aproximar e emalguns até mesmo se conjugar, mas isso sem-pre de forma efêmera e transitória, pois sãoincompatíveis.

O caráter de classe reflete-se na formacomo o transporte coletivo é organizado eofertado na sociedade capitalista. Trans-formado em mercadoria, sua lógica não po-de ser outra senão a lógica do lucro, que re-ge as relações entre usuários (consumi-dores), empresários (vendedores), empre-sários (patrões) e trabalhadores do sistema(empregados). Assim, o deslocamentodentro das cidades transforma-se em pro-duto e a (i)mobilidade urbana reflete essasrelações socialmente determinadas.

Mais do que uma questão de ordemtécnica, como é apresentada pelos gestorese pela tecnocracia dominantes, também deacordo com seus próprios interesses, o

transporte coletivo e seu atual quadro decrise têm um caráter eminentemente políticoe é só por meio desse prisma que o problemapode ser solucionado.

Nesse quadro, lutar pelo direito ao trans-

porte – o que pode configurar-se em lutaspela redução da tarifa, ou mesmo contra aexistência dela, mas também por melhoriasna qualidade do serviço – significa lutar pelaliberdade, pelo direito à cidade em oposiçãoao controle do espaço público.

Feitas essas curtas e sintéticas colo-cações, cabe-nos agora falar da crise doatual modelo de exploração do transportecoletivo. Trataremos desse tema de formabastante genérica e esquemática, simpli-ficando propositalmente seu vasto conteúdo.

Ao contrário do que se pode pensar, nãoé de hoje que o problema do transporte temgerado grandes revoltas populares. Entre 28de dezembro de 1879 e 1º de janeiro de 1880,a cidade do Rio de Janeiro foi palco dachamada Revolta do Vintém, protesto po-pular de imensa radicalidade contra acobrança de vinte réis (ou seja, um vintém)nas passagens dos bondes.

Em Salvador, por volta de 1930,

realizaram-se protestos contra os mausserviços e tarifas altas – trabalhadorescolocaram fogo em 60 bondes da Cia.Circular de Carris da Bahia, e, em agostode 1981, ocorreu o “quebra-quebra” contrao aumento da tarifa, deixando um saldo detrês mortos, dezenas de feridos e 600 ônibusdanificados. Exemplos como esses nãofaltam na história de outras cidades do País.

Não seria justo deixar de citar a históricaRevolta da Catraca, em 2004 – evento emFlorianópolis que reuniu centenas de pessoasnas ruas, impondo a revogação do aumentodas tarifas decretado naquele ano. Na es-teira desse processo o MPL se formou, es-pecificamente, após a segunda revolta dacatraca, igualmente grandiosa. O exemplovitorioso de Florianópolis ecoou pelo paísdando fôlego e animando a luta por todoBrasil, e ainda, demonstrando a importânciade dois elementos: a espontaneidade dasmassas e a necessidade da (auto)-organização popular, que complementamuma à outra. Diversos locais onde a pautase restringia à gratuidade do transportecoletivo para estudantes passaram a inserira sociedade civil. É nesta mesma conjunturaque se iniciaram, em algumas localidades,as reivindicações ao projeto Tarifa Zero (gra-tuidade irrestrita, implantada de 10 de julho a31 de dezembro de 1991 em São Paulo).

Histórico eespecificidades de Curitiba

O histórico de planejamento de Curitibajá vem carregado de posição excludente. Oprincípio do Plano Diretor de 1966 foi agregarvalor ao já valorizado, e assim, com a ajuda

O transporte coletivoe seu atual quadrode crise têm um

caráter eminentementepolítico e é só pormeio desse prisma

que o problema podeser solucionado

>>

Page 37: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 38

de especialistas, executaram-se as maisimportantes mudanças nas feições do queviria a ser a “cidade modelo”. Na décadade 1970, o Paraná já havia sofrido uma pro-funda e irreversível transformação em suaárea rural, com a introdução da maquinariaagrícola e a consequente expulsão de amploscontingentes popu-lacionais do campopara a cidade, sendoque Curitiba e Re-gião Metropolitanaforam as regiões quemais receberam estecontingente. Conco-mitantemente, se dáum crescente pro-cesso de periferiza-ção e favelização.Somente em Curitiba, entre os anos de 1970e 80, a população subiu de 609.026 para1.024.975 habitantes (NEVES, 2006, p. 38).Enquanto isso, surge a proposta da criaçãode um distrito industrial na capital paranaen-se, que visa justamente à incorporação desseexcedente populacional. O plano preliminarde transporte de massa foi concluído em1969, defendendo a instalação dos ônibusexpressos que circulam em canaletas ex-clusivas, ladeado por duas vias de tráfegolento. O objetivo era otimizar o sistema detransporte coletivo,tendo em vista a ne-cessidade de deslo-camento da forçade trabalho nacidade. Que o leitordesculpe a medio-cridade da metá-fora, mas o rebanhoestava dado, fal-tavam as condiçõespara seu pastoreio.

Aqui já se tornapatente um aspecto:a insuficiência doplanejamento urba-no em curso nesteperíodo, pois estequadro de migração agravava a questãourbana, uma vez que as políticas públicas jánão respondiam ao processo avassalador demodernização da agricultura paranaense.

Ainda no caso curitibano de planejamentoverificou-se uma inversão do padrão brasi-leiro de urbanização, pois ao invés dos execu-tores se arrogarem à postura de planejadores(com vistas ao capital simbólico que pode-riam obter com o direcionamento das obras)(BOURDIEU, 2002, passim), foram os

planejadores que passaram, eles próprios, aassumirem o papel de executores. Istomarca um movimento intra-classe dos admi-nistradores, além de demonstrar uma especi-ficidade do arranjo político local: a vitória dosgestores do urbanismo, apoiados pela bur-guesia local, sobre os gestores da política,

em que o planeja-mento técnico da ci-dade saiu-se vitorio-so sobre a necessi-dade de se ordenara cidade sob as de-mandas de uma cli-entela política exis-tente, marcando ummaior elitismo e au-toritarismo na con-cepção sobre a polí-

tica local, tendo em vista que a argumen-tação técnica é apanágio de uma classeespecífica, que realiza seu poder somenteem favor da exploração capitalista.

Tal se deu de forma manifesta nocaso da implantação do sistema deônibus expressos. O Ippuc assumiudesde o início e de maneira aberta atarefa de gerenciar a implantação donovo sistema, deslocando dessa funçãoo Departamento de Serviços Públicos

(que, entre outrascoisas, cuidava delimpeza pública,iluminação,cemitérios eônibus). Dessaforma, chegou-seà situação curiosade um órgão –outroraexclusivamente –de planejamentoque assumiu acondição degerenciador defrota de ônibus.De maneiravelada o Ippuc se

envolveu também de forma permanentecom a execução e controle de obras eprojetos, notadamente os ligados aoplano das vias estruturais, áreas delazer etc. (OLIVEIRA, 2000, p. 102).

Apesar da enorme importância do setor,em 1981, existiam em Curitiba apenas noveempresas de transporte coletivo. A expli-cação disto se dá em processo. A exploraçãodo serviço público de transporte coletivo de

Curitiba foi viabilizada através de diversoscontratos de concessão, entendimentosamigáveis que vão desde rescisõescontratuais a mudanças contratuais feitassem concorrência pública realizados entrea prefeitura municipal de Curitiba e asempresas de transporte coletivo do períodoanterior a 1962.

Os empresários ganharam o instrumentolegal para manterem a oligopolização domercado, ou seja, manter a divisão da cidadeem áreas para a exploração de poucasempresas; podendo até mesmo elaborar asplanilhas de custo tarifários. Todas estasconsiderações levam a salientarem-sefatores que se encadeiam e se comple-mentam, pois o modelo de transporte coletivopossibilita o ordenamento populacional dentrodo espaço geográfico da cidade, garantindoo estabelecimento de massas proletárias nasperiferias ao viabilizar seu transporte aoslocais de trabalho.

Garante fatias de mercado a todas asempresas, que passam a não competirementre si e a pressionarem o poder públicopor mais privilégios, gerando um negóciocerto, livre dos problemas da economia demercado. Em última instância, viabiliza opróprio mito da cidade modelo, na medidaem que garante que a pobreza fique afastadada região onde o plano diretor foi imple-mentado (ficando relegada a região Sul deCuritiba e a Região Metropolitana), dandoos ares de “capital social” ou “cidademodelo”, tão propalada pela elite dirigentelocal.

Contudo, como a exploração capitalistanão cessa, a questão é somente resolvidade modo aparente, pois só é tocada em umnível superficial. A própria taxa de extraçãode lucro a partir do trabalho explorado éampliada, na medida em que parteproporcionalmente superior dos salários écanalizada ao custeio da mobilidade urbana.É aqui, contra esta situação, que surgem ossetores organizados da população.

Os movimentos popularesna “cidade modelo”

A prorrogação dos contratos em 1981,somada à composição do Conselho Mu-nicipal de Transportes, numa conjunturacaracterizada pela administração centra-lizada e autoritária, fez com que o MovimentoPopular se organizasse, partindo para adenúncia contra essa situação de irregula-ridade nos aumentos constantes e abusivosdas tarifas. Durante toda a década de 1980e início dos anos 1990, observamos dois

Lutar pelo direitoao transporte significalutar pela liberdade,pelo direito à cidade,

em oposição aocontrole do espaço

público

O histórico deplanejamento de Curitibaé excludente. O princípiodo Plano Diretor de 1966

foi agregar valor ao jávalorizado. Assim,

executaram-se as maisimportantes mudanças

nas feições do que viria aser a “cidade modelo”

>>

Page 38: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

39 Novembro de 2009

movimentos que acabaram ampliando o com-prometimento do salário mínimo no gastocom transporte coletivo: a desvalorizaçãoreal do salário mínimo e o aumento das tari-fas (acima ainda dos índices inflacionários).

A pressão popular aumentava e a situa-ção foi se agravando, já na década de 1990,o governo federal implementou o vale-trans-porte (comprometendo um máximo de 6%a renda do trabalhador com transporte) co-mo forma de amenizar a elevação destecomprometimento.

Neste mesmo período realiza-se o pri-meiro mandado de Roberto Requião(PMDB) frente ao governo do estado, queacaba por inserir quadros dos movimentossociais dentro do governo, desarticulandoainda mais as lutas. Desta forma, resolveu-se dois problemas simultaneamente: a pres-são dos trabalhadores, que teve seu movi-mento desarticulado, e a manutenção daselevadas taxas de lucro das empresas detransporte coletivo.

Porém, a medida do vale-transporte,realizada em nível nacional, aponta de ante-mão que o problema do transporte coletivoe sua oligopolização ultrapassam os limitesda cidade modelo. No final da década de1990 e início dos anos 2000, com o des-mantelamento das possíveis resistências ea generalização da prática do vale-transporte,as empresas de ônibus viram ainda uma no-va oportunidade de aumentarem seusrendimentos. Contudo, tal medida nãocontemplou a todos os setores do empresa-riado, o que os fazem engrossar o coro dosque insistem no desmantelamento doprecário estado de bem-estar social. A estapolítica chama-se neoliberalismo, que surgecom vistas à desresponsabilizar ao todo aclasse capitalista sobre a eventual preca-rização das condições de vida da classetrabalhadora.

Como o presente artigo se limita à ques-

tão dos transportes, precisamente neste nóhistórico é que se coloca o Movimento PasseLivre, pois propomos como alternativa a estemodelo de transporte coletivo a ampla eirrestrita desmercantilização deste sistema,como única forma de se viabilizar condiçõesdignas àqueles que já estão social e geogra-ficamente segregados da cidade modelo.

O Movimento Passe Livre surgiu dasruas, e nas ruas ocorre maior parte de suaatuação. A organização se dá de maneiraautônoma, apartidária, pluralista e horizontal,atua através de frente ampla. Somando asconvergências e respeitando as diferençasentra as forças que o constituem, buscatrabalhar em rede junto a outros movi-mentos. Os membros do MPL não res-pondem nem mesmo subsidiariamente pelasobrigações contraídas. Não acumulamcargos e não reconhecem hierarquia interna.O processo decisório se faz mediante assem-bleia ou reuniões ordinárias e extraordinárias,onde a todos os participantes é garantido odireito de voz e de proposição.

Sabemos que esse é somente um passoà construção de um mundo onde todos pos-sam levar suas vidas de forma digna, sendo,no entanto, que a importância desta lutarefere-se mais pelo o que ela ensina do queela possivelmente viabilizaria. Portanto, sede um lado temos os técnicos do transportedebruçados sobre o que chamam de crisede financiamento, cujo caráter é estrutural,do outro, preocupado em resolver a crise demobilidade da população, alijado do direito àcidade, tem-se a proposta do Passe Livre.

Ao tratarmos a crise de mobilidade comoproduto da crise de financiamento, não en-xergamos a chave do problema: o controleprivado e a lógica mercantil sobre o direitode ir e vir das pessoas. Enquanto essarealidade não for transformada, as lutassociais pelo transporte não tardarão emcrescer.

A proposta doMPL de Curitiba

Uma das propostas do núcleo autônomode Curitiba é a oneração progressivadaqueles setores que mais saem beneficiadoscom o atual sistema: o empresariado dotransporte coletivo. Defendemos aautonomização da vida tanto do usuárioquanto dos trabalhadores do transportecoletivo em geral e na busca pela verdadeiradistribuição de renda. Através da lutaproletária e suas conquistas históricasempenhamos nossos esforços a fim de

A desmobilização popularna área do transporte

público também se deve àimplantação obrigatóriado vale-transporte em1987, que diminuiu oimpacto da tarifa na

renda familiar

Defendemos aoneração progressiva do

empresariado do transportecoletivo, e autonomizaçãoda vida tanto do usuárioquanto dos trabalhadoresdo transporte coletivo em

geral e na busca pelaverdadeira distribuição

de renda

construir uma realidade onde o capital nãomais seja o regente maior, mas que avaloração da vida humana esteja emprimeiro plano.

Como alternativa a médio prazosugerimos introduzir na luta pelo transporte

público a pauta pela municipalização dotransporte coletivo para que se possa instituiro programa do Tarifa Zero, que, sem ocontrole do município sobre a frota pública,seria um grande negócio aos empresáriosdo transporte coletivo que receberiammesmo se não houvesse nenhum passageiro— risco zero.

A municipalização deriva de recursos doimposto progressivo sobre propriedadesgrandes e caras (mansões de luxo, megaapartamentos, carros, iates, grandesterrenos...), publicidade nos pontos de ônibuse nos próprios ônibus.

Assim, o município adquire uma frotapública, gerencia e aplica o projeto TarifaZero, desmercantilizando o transporte demassa nas cidades.

É um absurdo que para chegar abibliotecas públicas, escolas públicas, postosde saúde públicos dependamos de empresasque relaxam um serviço já previsto pelaConstituição como sendo público, como é ocaso do transporte coletivo.

É preciso focarmos a luta pelo direito àcidade com acesso total e irrestrito de todoe qualquer cidadão, pois só assim teremoscidades verdadeiramente sociais.

Nota:[1] Para entender melhor a oposição entre

“crise de financiamento” e“crise de mobilidade”, ver o artigo de Manolo

“Transporte coletivo urbano:crise de financiamento vs. crise de

mobilidade”, disponível emhttp://www.midiaindependente.org/pt/blue/

2007/02/372298.shtml.http://passapalavra.info/?p=8232http://tarifazero.org/

Page 39: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

RMC em debate. Segundo caderno 40

REMETENTESindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná - Senge-PR

Rua Marechal Deodoro, 630, 22.º andar, CuritibaCEP 80010-912. Tel.: (41) 3224 7536. e-mail: [email protected]

Page 40: 2.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro

41 Novembro de 2009

Publicação do Projeto Região Metropolitana de Curitiba em DebateSindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná. Novembro de 2009

MOBILIDADEREGIONALE BARREIRASINSTITUCIONAISDe que forma a fragilidade de órgãos públicos pode impedir a retomada de investimentosem infra-estrutura de transporte na Grande Curitiba n A quem cabe o planejamentoe a gestão dos transportes públicos e do sistema viário metropolitano

Reportagem4 Urbs e Comec não se entendem, e prejudicam usuários do transporte coletivo Página 12

Entrevista4 Tadeu Veneri, deputado estadual4 ”Transporte público não atrai novos passageiros” Página 18

Artigos4 Valter Fanini (Senge-PR) Página 3 Luís Maurício Martins Borges (Ambiens) Página 7 LafaieteSantos Neves (FAE) Página 21 José Rubel Página 27 Tomás Moreira (Puc-PR) Página 30 Roberto Ghidini(Sociedad Peatonal) Página 33 Movimento Passe Livre Página 37