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2 – ANTIJURIDICIDADE 2.1. Conceito. Há várias definições adotadas pela doutrina: Deocleciano T. Guimarães: “É o confronto da ação do homem com o que é juridicamente proibido”; Mirabete: “É a contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico”; Cezar R, Bitencourt: “É a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a moldura absolutamente descrita na lei penal incriminadora”; Maximiliano Füher: “Consiste na falta de autorização da ação típica”; Em outras palavras, antijuridicidade é sinônimo de ilegalidade (antijurídico = ilegal). Matar alguém é uma ação típica porque infringe a norma penal “sancionatória”, porém não será antijurídica se estiver acobertada por uma causa de exclusão de antijuridicidade (ou de ilicitude), previstas no art. 23 do CP. 2.2. Causas Excludentes de Antijuridicidade. CP, Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Além das excludentes de ilicitude definidas no art. 23 (Parte Geral) existem algumas na Parte Especial do CP. Ex: Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) ou se a gravidez resulta de estupro, neste último caso deve haver o consentimento da gestante ou, quando esta é incapaz, do seu representante ou assistente legal. Art. 142 – Não constituem injúria ou difamação a ofensa irrogada em juízo pela parte ou seu procurador, a opinião desfavorável em crítica pública, salvo inequívoca intenção de injuriar ou difamar, e o conceito desfavorável emitido por funcionário público em cumprimento a dever de ofício. Art. 150, § 3° – Não constitui crime de violação de domicílio a entrada ou permanência em casa alheia durante o dia, em cumprimento

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2 – ANTIJURIDICIDADE

2.1. Conceito.

Há várias definições adotadas pela doutrina:

Deocleciano T. Guimarães: “É o confronto da ação do homem com o que é juridicamente proibido”;

Mirabete: “É a contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico”; Cezar R, Bitencourt: “É a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a moldura

absolutamente descrita na lei penal incriminadora”; Maximiliano Füher: “Consiste na falta de autorização da ação típica”;

Em outras palavras, antijuridicidade é sinônimo de ilegalidade (antijurídico = ilegal). Matar alguém é uma ação típica porque infringe a norma penal “sancionatória”, porém não será antijurídica se estiver acobertada por uma causa de exclusão de antijuridicidade (ou de ilicitude), previstas no art. 23 do CP.

2.2. Causas Excludentes de Antijuridicidade.

CP, Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:I - em estado de necessidade;II - em legítima defesa;III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Além das excludentes de ilicitude definidas no art. 23 (Parte Geral) existem algumas na Parte Especial do CP. Ex:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) ou se a gravidez resulta de estupro, neste último caso deve haver o consentimento da gestante ou, quando esta é incapaz, do seu representante ou assistente legal.

Art. 142 – Não constituem injúria ou difamação a ofensa irrogada em juízo pela parte ou seu procurador, a opinião desfavorável em crítica pública, salvo inequívoca intenção de injuriar ou difamar, e o conceito desfavorável emitido por funcionário público em cumprimento a dever de ofício.

Art. 150, § 3° – Não constitui crime de violação de domicílio a entrada ou permanência em casa alheia durante o dia, em cumprimento a ordem judicial, ou em qualquer horário, em caso de prática delituosa real ou iminente.

Há também de se observar a modalidade putativa (imaginária), decorrente de um erro de interpretação por parte do agente da situação em que se encontrava.

CP, Art. 20, § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo

Nos termos do art. 188 do CC, os atos acobertados pelas causas excludentes de ilicitude dispensam a indenização ou o ressarcimento:

CC, Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

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II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

2.3. Estado de Necessidade.

No estado de necessidade existem dois ou mais direitos postos em perigo, de modo que a preservação de um deles depende do sacrifício do outro. Como o agente não criou o perigo nem poderia evitá-lo de outro modo, cabe a ele escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo e qual deve ser sacrificado.

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

São seus requisitos: Perigo a direito próprio ou alheio; Perigo atual ou iminente (se o agente comete um engano e entende como perigosa uma

situação que não era, caracteriza-se conduta putativa); O perigo não podia ser evitado por outro modo; O perigo não foi provocado dolosamente pelo agente; A intenção deve ser a de salvar o bem protegido (ex: o agente queria causar o dano e

usou o estado de necessidade como pretexto); Inexistência de dever legal de enfrentar o perigo (ex: o policial que usa um transeunte

como escudo para salvar-se de disparos efetuados por um criminoso em sua direção); O bem sacrificado deve ser de igual ou maior importância que o bem sacrificado

Ex1: náufragos que, em disputa por um único colete salva vidas em alto mar, sendo este a única forma de sobreviverem, entram em luta corporal e ocorre a morte de um ou vários deles;Ex2: o indivíduo que destrói o dique de água do vizinho para evitar que o incêndio continue se propagando pelas propriedades e colocando em iminente risco a vida de pessoas e seus patrimônios.

2.4. Legítima Defesa.

Entende-se por legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

“Constituindo a legítima defesa, no sistema jurídico penal vigente, uma causa de exclusão da antijuridicidade, tem-se que quem defende, embora violentamente, o bem próprio ou alheio, injustamente atacado, não só atua dentro da ordem jurídica, mas em defesa da mesma ordem. E na legítima defesa não é o poder publico que confere ao agente a faculdade de repelir a violência pela violência, visto que tal atitude consitiui um direito primário do cidadão.” (TACRIM – SP – Ac. – Rel. Ferreira Leite – RT 441/405)

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A legítima defesa esta amparada na denominada teoria objetiva, que a considera direito primário do homem o direito de se defender de uma agressão, já que o Estado não tem condições de oferecer proteção aos cidadãos em todos os lugares e momentos, logo, permite que se defendam quando não houver outro meio.

São requisitos da legítima defesa:

1. Reação a uma agressão humana – pode ser inclusive praticada por incapazes (deficiente mental, menor de 14 anos, silvícola, etc.), porém neste caso a agressão em legítima defesa deve ser evitada ou desviada se possível. Configurando-se como única forma de defesa, é autorizada.

Se uma pessoa atiça um animal para que ataque outra, existe uma agressão injusta e antijurídica praticada pelo agente com uso do animal como meio. Cabe, portanto, legítima defesa tanto contra o animal quanto contra o agente.

2. Agressão injusta – caracterizada por ser ilícita e antijurídica, não se exige que seja crime tipificado. Pode ser exercida, por exemplo, contra agressão o direito de posse (CC, art. 1.210, § 1°) que não se subsume ao tipo do esbulho possessório (CP, art. 161, II).

A legítima defesa não pode ser invocada pelo agressor contra ato emanado da vítima, estando esta com a intenção de se defender daquele:

“A legítima defesa alegada pelo autor de crime de roubo não vinga, constituindo verdadeiro paradoxo, uma vez que o ladrão, ao praticar o delito patrimonial, não pratica ação legítima, sendo que o próprio criminoso elide, por si mesmo, a excludente da antijuridicidade” (TACRIM – SP – Ap. – Rel. Leonel Ferreira – RJD 24/149).

No fragmento temos que a ação do próprio autor do roubo é injusta, o que torna legítima a reação da vítima e ilegítima a do autor.

Em relação à reação a provocação injusta, cabe analisar o caso concreto (gravidade da provocação, configuração de injúria, moderação na reação, etc.). Já o provocador não pode invocar legítima defesa em relação ao provocado, salvo em relação ao excesso praticado:

“Aquele que provoca os fatos não pode alegar em seu favor a legítima defesa.” (TJMG – Ap. Kelsen Carneiro – j. 06.04.1999 – JM 148/273)

“A legítima defesa não ampara o provocador dos fatos” (TAPR – Ac. Rel. Costa Lima – RT 53/258)

“Quem provoca e desafia não pode ser considerado como estando em legítima defesa. Esta pressupõe revide a agressão injusta, o que não ocorre se houver desafio inicial do agressor” (RT 572/340)

“Não há que se falar na excludente da legítima defesa quando o agente se dirige ao ofendido de maneira afrontante, chamando-o à rua para brigar e, na saída deste à via pública, com injustificada atitude impulsiva e desproporcionada por aquele tomada, utiliza-se de arma de fogo no momento trazida consigo” (TACRSP – JATARIM 63/335)

Com relação ao desafio, nem o desafiante e nem o desafiado podem invocar a legítima defesa:

“Se alguém provocado ou ameaçado, vai ao encontro de seu inimigo e o afronta, não há duvidas de que nem um nem outro pode invocar a necessidade da defesa. É assim que, no duelo, de qualquer modo ele seja, não se pode falar em legítima defesa porque ambos adversários se colocam conscientemente

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nas condições recíprocas de ofensa e defesa.” (TJSP – Ac. – Rel. Hoeppner Dutra – RT 442/371)

3. Atual ou iminente – enquanto a agressão atual está ocorrendo, a iminente está para acontecer. Quanto aos crimes permanentes a defesa é possível a qualquer tempo, uma vez que a conduta se protrai no tempo, renovando-se a todo instante.

Não há de se falar em legítima defesa contra agressão futura (ex: diante de ameaça de morte o agente se antecipa e mata quem o ameaçou), da mesma forma que não é possível legítima defesa contra agressão passada, caso contrário estaria-se admitindo a vingança.

4. Defesa de direito próprio ou alheio – pode ser invocada para defesa tanto de bens pessoais quanto dos patrimoniais, desde que haja proporcionalidade entre a lesão e a reação.

Admite-se a legítima defesa contra ato do próprio terceiro contra si (ex: agredir o suicida para evitar que se mate);

5. Uso moderado dos meios necessários – entende-se por meios necessários aqueles que são capazes de causar o menor dano indispensável à defesa do direito. Escolhido o meio este deve ser utilizado moderadamente, sento este conceito relativo, analisado segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Cessada a agressão, também deve cessar a reação. Enquanto não cessar a agressão injusta não há de se falar em excesso.

6. Intenção de defender ou proteger (animus defendendi) – trata-se do conhecimento de uma situação justificante por parte daquele que reage. Inexistiria legítima defesa, por exemplo, se o sujeito atirar em um ladrão que esta a porta de sua casa, supondo tratar-se do agente policial que vai cumprir o mandato de prisão expedido contra autor do disparo.

Ofendículos são artefatos colocados à vista ou de modo oculto para desencorajar ou repelir agressões. Ex: cacos de vidro sobre um muro; cerca eletrificada, etc.Há doutrinadores que os consideram exercício regular de direito e outros legítima defesa.

Uma das diferenças entre a legítima defesa e o estado de necessidade reside no commodus dicessus, ou inevitabilidade da agressão. Enquanto no estado de necessidade existe a expressão “nem podia de outro meio evitar”, que cria o pressuposto da opção por meio alternativo para defesa do interesse tutelado se a agressão for evitável, a legítima defesa sempre pode ser invocada, não sendo exigido, por exemplo, que o agente, tendo opção de fugir ou se esconder do agressor, adote esta ou aquela conduta em detrimento da reação contra este.

Importante lembrar que o excesso pode ser punido a título de dolo ou culpa:

CP, art. 23, § único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo

O excesso pode ser:

Doloso ou consciente – afasta a legítima defesa. Ocorre quando o agente extrapola nos meios e, mesmo com a agressão cessada, continua a atacar o agressor com a intenção de matá-lo.

Culposo ou inconsciente – o excesso deixa de ser considerado legítima defesa e pode ser punido na modalidade culposa. Ocorre quando o sujeito reage de maneira imprudente e excede nos meios e na intensidade aplicada contra o autor.

Exculpante – mantém a legítima defesa. Decorre da atitude emocional do agredido, quando o estado de perigo interfere na sua reação defensiva a tal ponto que não haja condições de balancear adequadamente moderação necessária. Não deriva de dolo ou culpa, logo exclui o fato típico.

São espécies de legítima defesa:

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Legítima defesa sucessiva – aquele que se opõe ao excesso praticado por quem age em legítima defesa também assim age. Ex: A agride B, que reage. À partir do momento em que B excede na reação após A ter sido neutralizado, este passa a poder agir em legítima defesa sucessiva em relação àquele.

“Legítima defesa sucessiva (contra excesso) – o seu excesso importa agressão injusta, ensejando sucessiva situação de legítima defesa por parte do agressor inicial.” (RJEDFT 11/145)

2.5. Estrito Cumprimento do Dever Legal.2.6. Exercício Regular de Direito.

Exercícios

(PCDF – Delegado 2010) Em cada uma das alternativas a seguir, há uma situação hipotética seguida de uma afirmação que deve ser julgada. Assinale a alternativa em que a afirmação está correta.

a) Pedro cercou sua casa de fios elétricos sem nenhuma indicação visível. Antônio, tarde da noite, tentou entrar na casa de Pedro e acabou falecendo em virtude da descarga elétrica sofrida. Nessa situação hipotética, por constituir o referido ofendículo uma situação de legítima defesa, Pedro não poderá sofrer nenhuma reprimenda por parte do Direito Penal.

b) João flagrou sua esposa, Maria, com um amante chamado José, na frente da casa em que moravam, em um condomínio fechado do Distrito Federal. Diante desse fato, reagiu dando tiros em José, que veio a falecer em decorrência disso. Nessa situação hipotética, não se admite a legítima defesa da honra, pois o Código Penal faz distinção expressa entre os direitos passíveis de proteção pelo instituto da legítima defesa.

c) Marcos contratou Bruno como segurança particular de sua filha Camila. Em uma tarde de sábado, em uma rua movimentada da cidade, Camila foi alvo de uma tentativa de seqüestro. Marcos, que estava no local do ocorrido, não reagiu porque temeu por sua própria vida. Nessa situação hipotética, é possível inferir que Bruno não tinha o dever legal de enfrentar o seqüestrador, pois a abnegação em face do perigo só é exigível quando corresponde a um especial dever jurídico, advindo de lei, jamais de um contrato de trabalho.

d) Lúcia estava furtando em um supermercado quando foi flagrada pelo segurança do estabelecimento. Na tentativa de segurá-la até a chegada da polícia o referido segurança agrediu Lúcia, que, imediatamente, revidou com socos e pontapés. Nessa situação hipotética, é perfeitamente possível o entendimento de que houve legítima defesa sucessiva.

e) Maria foi obrigada pelo seu marido a manter com ele conjunção carnal. Nessa situação hipotética, é correto entender que o marido de Maria não cometeu nenhum crime, posto que há a configuração do exercício regular de direito.