2 andrade, vera. dogmática jurídica - escorço de sua configuração e identidade

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Texto de Vera Garcia de Andrade sobre a dogmática jurídica, seu desenvolvimento e aplicação no ensino das faculdades de direito.

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  • Vera Regina Pereira de Andrade

    DOGM TIA JURDICA

    ESCORO DE SUACONFIGURAO E IDENTIDADE

    Segunda edio

    livra~riaDO AD OGADO

    editora

    Porto Alegre 2003

  • 1. Introduo

    Tratamos aqui de reconstruir a configurao doconceito da Dogmtica Jurdica entendida como umparadigma cientfico! (o paradigma dogmtico deCincia Jurdica) situando as heranas e matrizesque o condicionam e a identidade (metodolgica,ideolgica, funcional e epistemolgica) que, ao lon-go desta configurao, foi assumindo.

    Tal reconstruo conceitual, ainda que histori-camente perspectivada, no se confunde, em absolu-to, com uma reconstruo da histria da DogmticaJurdica, que seria impossvel nos limites deste estu-do. Trata-se de produzir uma estilizao do conceitoperquirindo os elementos que desde suas bases fun-dacionais at sua maturao vo concorrendo paracompor a identidade estrutural que o tipifica desdeento at contemporaneidade.

    1 No sentido, j clssico, que lhe imprimiu Kuhn (1979, p.219),segundo o qual "um paradigma aquilo que os membros de umacomunidade cientfica partilham. E, inversamente, uma comunidadecientfica consiste em homens que compartilham um paradigma."Uma melhor explicitao deste conceito encontra-se ao final desteestudo.O signo "matriz" usado, por sua vez, para designar um modelo,apenas, ou um modelo que condiciona algo.

    OOGM TICA JURDICAESCORO DE SUA CONFIGURAAo E IDENTIDADE 17

  • Faz-se mister, pois, fixar previamente o concei-to de Dogmtica Jurdica cuja configurao e identi-dade procuraremos reconstruir. E fix-lo tomandopor referente - acreditamos ser o critrio autorizado- a prpria imagem compartilhada pelos juristasdogmticos sobre o trabalho que realizam (auto-imagem), pois precisamente este acordo que evi-dencia a existncia do paradigma dogmtico naCincia jurdica'.

    Assim, na auto-imagem da Dogmtica Jurdicaela se identifica com a idia de Cincia .do Direitoque, tendo por objeto o Direito Positivo vigente emum dado tempo e espao e por tarefa metdica (ima-nente) a "construo" de um "sistema" de conceitoselaborados a partir da "interpretao" do materialnormativo, segundo procedimentos intelectuais (l-gico-formais) de coerncia interna, tem por finalida-de ser til vida, isto , aplicao do Direito.

    Desta forma, na sua tarefa de elaborao tcni-co-jurdica do Direito vigente a Dogmtica, partindoda interpretao das normas jurdicas produzidaspelo legislador e explicando-as em sua conexo in-terna, desenvolve um sistema de teorias e conceitosque, resultando' congruente com as normas, teria afuno de garantir a maior uniformizao e previsi-bilidade possvel das decises judiciais e, conse-qentemente, uma aplicao igualitria (decisesiguais para casos iguais) do Direito que, subtrada arbitrariedade, garanta essencialmente a seguranajurdica.

    2 O conceito que segue deve ser entendido, pois, como uma aproxi-mao, uma estilizao, o mais fidedigna possvel, da DogmticaJurdica na sua auto-imagem.

    VERAREGINAPEREIRA DE ANDRADE18

  • Trata-se de uma Cincia de "dever-ser" (norma-tiva), sistemtica, descritiva, avalorativa (axiologi-camente neutra) e prtica.

    Neste sentido:"Os juristas esto geralmente convictos de quea atividade desenvolvida por eles - estudar odireito para facilitar sua aplicao - umaatividade de carter cientfico. Eles, nos seusescritos referem-se freqentemente Cinciajurdica ou dogmtica jurdica e doutrina oujurisprudncia. Na Alemanha Federal e nospases fortemente influenciados pelo pensa-mento jurdico germnico utiliza-se com assi-duidade a expresso 'dogmtica jurdica' emsentido positivo. Essa expresso sinnimo de'Cincia'." (Pozo, 1988, p.ll)

    E a viso que de si mesmo oferece o paradigma de neutralidade valorativa, quer em relao a sis-temas econmicos ou polticos, quer em relao agrupos ou classes, dentro de um sistema social. Elese apresenta a si mesmo como compatvel com qual-quer sistema, pois, em seu sentido epistemolgico,no solidrio de nenhum contedo de Direito.

    Fixado este conceito, acrescentamos ainda quemais do que perquirir como ele se configurou, per-queriremos a identidade da Dogmtica Jurdica paraalm de sua auto-imagem, seja revelando aspectosque o paradigma no reconhece (como a ideologia ea natureza prescritiva deseus enunciados) por con-ceber-se de outro modo (como Cincia avalorativa edescritiva), seja problematizando seu estatuto cien-tfico, embora para reafirm-lo, por vias distintasdas dogmaticamente reconhecidas.DOGMTICA JURDICAESCORO DE SUA CONFIGURAAO E IDEl\'TIDADE 19

  • Procuraremos ento demonstrar que a Dogm-tica Jurdica se singulariza pela adoo de determi-nado approach ao estudo do Direito, que lhecircunscreve o objeto e pela adoo de determinadomtodo, atendendo a uma ideologia de base e dire-cionando-se para determinado fim ou funo decla-rada. da articulao entre approach ~ objeto--mtodo-ideologia-funo' que deriva sua especficaidentidade.

    A conjugao da anlise da dimenso metodo-lgica com a dimenso ideolgica e funcional daDogmtica Jurdica fundamental, assim, para acompreenso da sua especfica identidade e paraquestionar tanto seu estatuto epistemolgico quantoo cumprimento de suas funes declaradas, isto ,sua promessa funcional.

    Por outro lado, fundamental assinalar que,historicamente, o paradigma dogmtico desenvol-veu-se sombra do Direito Privado, especialmentedo Direito Civil e na esteira de uma tradio priva-tista , recebido posteriormente em diversos ramosdo Direito pblico. (Ferraz Jnior, 1980, p. 81; Her-nandez Gil, 1981,p.36; Rocco, 1982,p.17-30 passim)

    Desta forma, estamos diante de um paradigmareferido a um modelo geral de Cincia Jurdica quese materializa em diferentes desdobramentos disci-plinares (a Dogmtica do Direito Civil, Comercial,Administrativo, Tributrio, Penal, etc.).

    Existem, pois, Dogmticas Jurdicas parciais au-toconcebidas como Cincias Jurdicas parciais que3 Usamos o signo "funo" ou funo "declarada", "oficial", ou"promessa", mais do que o signo "fim" e seus derivados para desig-nar as conseqncias queridas ou desejadas e oficialmente persegui-das pela Dogmtica, expressivas de um "dever-ser" (discursodogmtico declarado).

    VERAREGINAPEREIRA DE ANDRADE20

  • enraizadas num tronco comum - a que chamamosdependncia paradigmtica - apresentam uma rela-tiva especificidade e autonomia decorrente do ramoespecfico do Direito positivo de que tratam'.

    Preliminarmente, assumimos uma posio so-bre a configurao e identidade do paradigma dog-mtico de Cincia Jurdica que demarcar atrajetria e os limites de nossa anlise.

    Ferraz Jnior identifica, a partir da anlise doconhecimento jurdico europeu continental, trsgrandes tradies ou heranas jurdicas que consti-turam a base sobre a qual se originou a DogmticaJurdica, neste quadro cultural, no sculo XIX: a he-rana jurisprudencial (romana), a herana exegtica(medieval) e a herana sistemtica (moderna), cujaperspectiva assim sintetiza:

    liA verdade que nos pases de tradio rom-nica o conhecimento do Direito tomou, inicial-mente, a forma de uma tcnica elaborada queos romanos chamaram de jurisprudentia, carac-terizada como um modo peculiar de pensarproblemas sob a forma de conflitos a seremresolvidos por deciso de autoridade, mas pro-curando, sempre, frmulas generalizadorasque constituram as chamadas doutrinas. NaIdade Mdia, sobretudo na poca dos glosado-res, quela tcnica jurisprudencial acrescentou--se ainda, como um ponto de partida paraqualquer discusso, a vinculao a certos textos

    4 Isto o que procuramos demonstrar relativamente DogmticaJurdico-Penal (Andrade, 1994).Mantemos contudo aqui a designao de Dogmtica Jurdica nosingular precisamente porque nos ocupamos de sua identidadecomo paradigma genrico de Cincia Jurdica.

    DOGMTICA JURDICAESCORO DE SUA CONFIGURAAo E IDENTIDADE 21

  • romanos, especialmente o 'Cdigo [ustinia-neu', o que foi dando s disciplinas jurdicasuma forma de pensar eminentemente exegti-ca, base da Dogmtica Jurdica. Com o adventodo Racionalismo, nos sculos XVII e XVIII, acrena nos textos romanos acabou substitudapela crena nos princpios da razo, os quaisdeveriam ser investigados para serem aplica-dos de modo sistemtico. No entanto, foi nosculo XIX que as grandes linhas mestras daDogmtica Jurdica se definiram. A heranajurisprudencial, a herana exegtica e a heranasistemtica converteram-se na base sobre aqual se erigiu a Dogmtica Jurdica, tal qual aconhecemos hoje, qual o sculo XIXacrescen-tou a perspectiva histrica e social." (FerrazJnior, 1980,p.3)A importncia desta perspectiva , a nosso ver,

    a de assinalar o tributo que a configurao do para-digma dogmtico deve, por um lado, histria dopensamento jurdico (europeu continental), eviden-ciando que, ao se perquirir a gnese da DogmticaJurdica, no se pode ignorar a tradio jurdica e ograu de racionalizao do conhecimento do Direitopor ela acumulado.

    Contudo, foi apenas no sculo XIXque as gran-des linhas mestras do paradigma dogmtico se defi-niram; ou seja, que se configuraram definitivamenteos elementos caractersticos deste paradigma talcomo se transferem Cincia Jurdica posterior.

    Por um lado, pois, entendemos importanteapreender o paradigma dogmtico como herdeirode elementos que, embora redefinidos no seu inte-rior, em funo de sua especfica identidade, foram

    22 VERAREGINAPEREIRA DE ANDRADE

  • originariamente gestados em tradies jurdicas dopassado.

    Mas se aquela trplice herana jurdica a quenos referimos contribuir, por um lado, para confor-mar a identidade do paradigma dogmtico; seriaequivocado, por outro lado, conceb-lo meramentecomo o produto de uma recepo linear e cumulati-va destas tradies, uma vez que resulta de exign-cias e condicionamentos especficos do sculo XI~,sendo um produto deste tempo e fruto de uma con-fluncia de fatores.

    Neste sentido"(...) a dogmtica jurdica no pode ser vistaapenas como o produto ou resultado de umaevoluo universal de conceitos e mtodosatravs da histria do pensamento cientfico.Ela deve ser entendida, tambm, como respostaa certos imperativos institucionais que per-meiam, moldam e conformam a prpria culturajurdica de natureza positivista e de inspiraoliberal. Dito de outra maneira, a dogmtica nose limita somente a um enfoque determinadodas questes fundamentais da Cincia do Di-reito - representa, igualmente, uma atitudeideolgica que lhe serve de base e um eihoscultural especfico." Faria (1988,p. 24)Nesta perspectiva, destacamos a contribuio

    analtica fornecida por Puceiro (1981, p.13), funda-mentando precisamente a tese de que o paradigmadogmtico deve ser visto como conceito "histrico",-enquanto guarda uma vinculao essencial comuma determinada estrutura histrica, a respeito daqual adquire um contedo e sentido precisos. E noOOGM TICA JURDICAESCORO DE SUA CONFIGURAAO E IDENTIDADE 23

  • como conceito "universal", suscetvel de ser estendi-do a qualquer poca, pois:

    "A dogmtica, como forma de configuraco dosaber jurdico-cientfico se refere de modo con-creto a uma certa atitude metodolgica, condi-cionada por fatores de ndole cientfica,histrica, cultural e poltica (...)." (Puceiro,1981, p. 14)O paradigma dogmtico se configura, assim,

    paulatinamente, na Europa continental do sculoXIX como convergncia de um conjunto de proces-sos parciais e conseqentes que esto na base damodernidade, dentre os quais destacam-se os ati-nentes a um conceito de Cincia, que preside aosseus momentos fundacionais, e de Estado, que pre-side sua formulao acabada, vinculando-se, aolongo de seu desenvolvimento, a uma idia de sabere de Estado que reconhece, entre outros, os seguin-tes pressupostos de base":

    a) a consolidao de um conceito moderno deCincia, basicamente voltado ao seu carter sistem-tico e coerncia lgico-formal;

    b) a separao entre teoria e prxis (no obstan-te a funcionalizao prtica da teoria) e a conse-qente afirmao de um modelo de saber jurdicocomo atividade essencialmente, terica, presididapor uma atitude axiologicamente neutra e tenden-cialmente descritiva;

    c) a superao das (modernas) doutrinas de Di-reito Natural e a historificao do objeto do saber,atravs da paulatina identificao entre os conceitos5 Alguns destes pressupostos so mencionados em Puceiro (1981,p.15-6) e Faria (1988, p.24),

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    f

  • de Direito e norma jurdica (Lei) num primeiro mo-mento, e, a seguir, entre Direito e sistema conceitualde Cincia;

    d) a consolidao de um conceito moderno deEstado' caracterizado pelo monoplio estatal da vio-lncia fsica, da criao e aplicao do Direito porprocessos decisrios e a conseqente estatalizao,normativizao (realizado pela codificao) e positi-.vao do Direito;

    e) separao de poderes, com a distribuio decompetncias do monoplio estatal da criao eaplicao do Direito entre o Poder Legislativo e oJudicirio, tornado independente e "autnomo";

    f) a nfase sobre a segurana jurdica como cer-teza de uma razo abstrata e geral, resultante de umEstado soberano.

    No paradigma dogmtico convergem, pois,uma matriz epistemolgica (saber) e uma matriz po-ltica (poder) e diversos processos a ambas relativos,de forma que ele tributrio tanto do discurso cien-tificista quanto do discurso estatalista-Iegalista dosculo XIX, encontrando-se geneticamente vincula-do promessa epistemolgica de edificao de uma"Cincia do Direito" (Rocha, 1982, p.126) e, na culmi-6 Referimo-nos ao conceito clssico formulado por Weber (1979,p.17) segundo o qual o Estado moderno " uma associao dedomnio com carcter institucional que tratou, com xito, de monopo-lizar, dentro de um territrio, a violncia fsica legtima como meiode domnio e que, para esse fim, reuniu todos' os meios materiaisnas mos do seu dirigente e expropriou todos os funcionriosfeudais que anteriormente deles dispunham por Direito prprio,substituindo-os pelas suas prprias hierarquias supremas."O monoplio estatal da violncia fsica, ou seja, o controle dosmeios de coero fsica pelo Estado moderno, caracteriza o recursotpico - embora no o nico - e o aspecto especificamente poltico dasua dominao, num dado territrio, recoberta por uma legitimida-de que se refugia no "reino da lei", isto , na legalidade.

    OOGM TICA JURDICAESCORO DE SUA CONRGURAO E IDENTIDADE 25

  • nao de seu desenvolvimento, promessa funcio-nal de racionalizao da prxis jurdica tpica doEstado moderno.

    So tais condicionamentos, entre outros, queconferem ao paradigma dogmtico um ethos espec-fico, e que filtraro e ressignificaro, pois, o ingressoda tradio jurdica no seu interior.

    Mas apesar de ser um produto histrico, o para-.digma dogmtico marcado tambm por um poten-cial e uma vocao universalista, uma vez que ele seliberta, posteriormente, de sua estrutura histrica-originria para ser recebido, certamente por um pro-cesso de transculturao, por diversos pases daAmrica Latina, incluindo o Brasil, entre outros, emcujo marco permanece tambm como o modelo nor-mal ou oficial de Cincia Jurdica.

    Tal potencial parece estar vinculado, por suavez, prpria descontextualizao do Direito opera-da pela Dogmtica Jurdica que, assentando na con-verso da juridicidade num espao abstrato (vazio)e num tempo igualmente abstrato (cronolgico)(Sousa Santos, 1990, p.31), torna-se um paradigmasuscetvel de ser apropriado em espaos e temposdiversificados.

    Por outro lado, to forte a identificao mo-derna entre Cincia Jurdica e Dogmtica Jurdicaque se acaba estendendo este modelo a culturas jur-dicas onde ele inexistia, como a romana e a medie-val. portanto imprpria tanto a aluso a uma"Dogmtica Romana" ou a uma "Dogmtica Medie-val", quanto considerao da Dogmtica Jurdicacomo a instrumentalizao cientfica do positivismojurdico, aluses que somente so possveis prescin-dindo-se da sua gnese estrita, uma vez que" omodelo dogmtico propriamente dito procede da

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  • Escola histrica e encontra sua expresso culminan-te na construco jurdica." (Hernandez Gil, 1981a,p.42)

    Com efeito, pela centralidade que o mtodo,isto , a operao intelectual, predominantementelgica, projetada sobre o direito vigente ( em parti-cular a operao de "construo jurdica")? assume,na tipificao do paradigma dogmtico, entende-.mos autorizada a tese de sua procedncia enraizadana Escola histrica alem do comeo do sculo XIX,de onde procede a formulao daquele mtodo.

    Neste sentido, se a interpretatio juris foi a grandearma da glosa em suas mltiplas manifestaes, e o"sistema" encontrou uma expresso paradigmticana Escola do Direito Natural dos sculos XVII eXVIII e no racionalismo jurdico daquela poca (emparticular em G. W. Leibniz), o que h de novo nomtodo dogmtico a chamada "construo jurdi-ca", em cujo mbito a interpretao e o sistema serotambm redefinidos relativamente quelas razes.

    7 A esta tarefa metdica da interpretao construo do sistemapodemos denominar de dimenso "hermenutico-analtica" de mate-rializao da Dogmtica Jurdica. Neste sentido, como afirma Ferraz[r. (1988a, p. 70), "o problema bsico da atividade jurdica no apenas a configurao sistemtica da ordem normativa, mas a deter-minao do seu sentido.( ...) Mtodo e objeto so questes correlatas,cujo ponto comum o problema do sentido."Mas, apesar de central e centralizadora do paradigma, no esgotasua produo, pois ele engloba uma dimenso que podemos deno-minar "propedutica" onde tem lugar uma produo terica prvia hermenutico-analtica, consistente na (re)produo de teorias majo-ritariamente compartilhadas sobre a norma, o ordenamento jurdico,as fontes do Direito, a interpretao cientfica e judicial etc; distin-guimos, desta forma, duas dimenses de materializao da(s) Dog-mtica(s) Jurdica(s) que determinam a prpria estrutura dostradicionais manuais dogmticos.

    DOGMTICA JURDICAESCORO DE SUf CDNFIGURAO E IDE,..TIDADE 27

  • De qualquer modo, se o approach e a formulaometdica proveniente da Escola histrica so decisi-vos para a gnese do paradigma dogmtico de Cin-cia Jurdica, este atinge sua maturao com '0positivismo jurdico' que, expressando as notas tpi-cas do Estado moderno em sua feio de Estado deDireito Liberal, confere ao paradigma dogmticouma formulao acabada. .

    Sustentamos neste sentido que o paradigmadogmtico, embora herdeiro de uma tradio jurdi-ca secular, recebe sua formulao originria (funda-cional) da Escola Histrica, recebendo umaformulao acabada (relativamente ao seu approaclie ideologia de base) do positivismo jurdico em suafase madura, sob o influxo, ento, de um conceitomoderno de Estado.

    Muito sintomtico de que ojuspositivismo temuma importante incidncia complementar sobre aidentidade do paradigma dogmtico que esta inci-dncia tem sido inclusive superdimensionada ao seconsiderar a Dogmtica Jurdica como a prpria ins-trumentalizao cientfica dele, caso em que, comoj referimos, ao invs de se retroceder ( tradiojurdica romana ou medieval), acaba-se por poster-gar, impropriamente, a sua gnese.

    Assim,liA Cincia jurdica tradicional ou dogmticano aparece integramente como uma teoria

    8 De qualquer modo, como sustenta Giorgi (1979), as razes dopositivismo jurdico se encontram j na Escola histrica, que podeser vista como um positivismo jurdico em gestao na medida emque, com sua rejeio ao racionalismo e ao universalismo do jusna-turalismo moderno e o deslocamento do objeto da Cincia Jurdicapara um dado sensvel da experincia (mesmo que seja "o espritodo povo") antecipa um approach juspositivista ao Direito.

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  • preVIa na qual figurem todos os elementoscomponentes do modelo cognoscitivo. Supe,claro , uma atitude perante o direito, a cinciae o comportamento metodolgico; mas nosurgiu de uma vez e tampouco comeou porenunciar-se como tal tudo o que hoje conside-ramos tratamento dogmtico do direito." Her-nandez Gil (1981a, p. 23-4)A Dogmtica Jurdica se configura, pois, atravs

    de um processo multifrio, apresentando uma ori-gem plural, que impossibilita captar nela um corpodoutrinrio homogneo. Trata-se no apenas de umconceito histrico, mas de um conceito essencial-mente complexo.

    Demarcada esta perspectiva inicial sobre a con-figurao e identidade do paradigma dogmtico,aludimos, a seguir, sua explicitao.

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