1º seminário de investigação em museologia dos países de lingua portuguesa e espanhola - vol.1

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Actas do I Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola volume 1 Actas do I Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola vol lume 1 Actas do I Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola Alice Semedo e Elisa Noronha Nascimento (coord.)

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Actas do I Seminrio de Investigao Museologia Actas do I Seminriode Investigao emem Museologia dosdos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola Pases de Lngua Portuguesa e EspanholaAlice Semedo e Elisa Noronha Nascimento (coord.)

volume volume 1 l

volume 1Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola Actas do I Seminario de Investigacin en Museologa de los Pases de Habla Portuguesa y Espaola

TtuloActas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola

Local de edio: Porto Ano: 2010 ISBN: 978-972-8932-61-9 Volume: 1 Concepo e arranjo grficoJos Antonio Lacerda

Coordenao editorialAlice Semedo Elisa Noronha Nascimento

EditorUniversidade do Porto / Faculdade de Letras / Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio

Imagem da capaPrograma do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola / R2 Design

Edio: Universidade do Porto / Faculdade de Letras /Biblioteca Digital

I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola I Seminario de Investigacin en Museologa de los Pases de Habla Portuguesa y Espaola

Local de realizao / Lugar de realizacinFundao Dr. Antonio Cupertino de Miranda, Porto

Responsveis operacionais e contactos / Responsables operativos y contactosAlice Semedo e Sandra Carneiro Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio FLUP Via Panormica, s/n, 4150 564 Porto, Portugal Tel. +351 22 607 7172 Fax: +351 22 607 7181 E-mail: [email protected] http://www.letras.up.pt/dctp Cludia Moreira Gabinete de Eventos, Comunicao e Imagem Via Panormica, s/n, 4150 564 Porto, Portugal Tel.: +351 226 077 123/05 Fax.: +351 226 077 173 E-mail: [email protected]

Data12 a 14 de Outubro de 2009 / 12 - 14 de octubre de 2009

Comisso cientfica / Comisin cientficaAlice Duarte Alice Semedo Ana Maria Rodrigues Monteiro de Sousa Armando Coelho Ferreira da Silva Carlos Alberto Esteves Guimares Joo Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes Jos Roberto Tinoco Cavalheiro Lcia Almeida Matos Margarida Louro Felgueiras Natlia Azevedo

Apoios

Colaboradores / ColaboradoresAna Lusa Brilhante Antnio Perestrelo de Matos Clia Dulce Godinho Machado Eny Lacerda Ribeiro Filipa Barbosa Pereira Leite Gilson Semedo Fernandes Liliana Teles da Silva Henriques Aguiar Luz Mara Gilabert Gonzlez Mariana Teixeira Marta Raquel Fontoura Miranda

Agradecimentos / AgradecimientosO Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio da Universidade do Porto agradece a especial colaborao de Amlia Cupertino de Miranda Carlos Braga Sonia Santos Marta Loureno Gimena Dappiano

Sumrio / ndice

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Apresentao / PresentacinAlice Semedo

Abertura / AperturaMaria Amlia Cupertino de Miranda Armando Coelho Ferreira da Silva Manuel Bairro Oleiro Antnio Cardoso

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Conferncia Inaugural / Conferencia InauguralA Prtica da Razo Sociolgica: Forando os LimitesJos Madureira Pinto

Museus, Coleces e Patrimnio / Museos, Colecciones y Patrimonio

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O MACE: da Coleco Privada Fruio PblicaAdelaide Manuela da Costa Duarte Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal.

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O Desafio de No Ficarmos pela Preservao do Patrimnio Cultural ImaterialAlice Duarte Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

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Prticas (i)Materiais em MuseusAlice Semedo Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

A Preservao do Patrimnio Imaterial da Comunidade do Bairro Lomba do Pinheiro, Porto Alegre, RS: as Pessoas e suas Histrias de VidaAna Maria Dalla Zen, Cludia Feij da Silva, David Kura Minuzzo Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.

93

Museus e Desenvolvimento Local: Territrio e ComunidadeArchimedes Ribas Amazonas e Carmen Lcia Castro Lima Universidade Federal da Bahia, Brasil.

198

Trs Museus, Trs Posturas Diferentes Vises Acerca da Cultura Afro-BrasileiraLeonardo Barci Castriota e Michela Perigolo Rezende Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

103

Os Pblicos do Museu Nacional de Etnologia. Pesquisa para uma Estratgia de ComunicaoClara Oliveira ISCTE, Museu Nacional de Etnologia, Portugal.

212

A I Exposio de Artes Plsticas da Fundao Calouste Gulbenkian (1957): Balano da Arte Portuguesa na Transio para os Anos 60 e Primrdios de uma Coleco InstitucionalLeonor da Conceio Silva Ribeiro e Alves de Oliveira Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

116

Museus de Arte Contempornea: uma Proposta de AbordagemElisa Noronha Nascimento Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

226

Musealizando el Patrimonio Cultural InmaterialLorena Sancho Querol Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias, UNIDCOMIADE, Portugal.

126

Inmaterialidad. La Lluvia de Ptalos como Caso de EstudioFabio Enrique Bernal Carvajal Universidad Nacional de Colombia, Colombia.

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136 151

Al Cine? No: al MuseoJavier Gmez Martinez Universidad de Cantabria, Espanha.

O Wiki Nos Museus: uma Nova Porta de Entrada para Conservar, Estudar e Divulgar as ColecesLusa Alvim Casa de Camilo, Museu Centro de Estudos, Facultad de Comunicacin y Documentacin da Universidad de Granada, Portugal/Espanha.

Museus e Salas de Milagres: Dois Sistemas, Um ObjetoJos Cludio Alves de Oliveira Universidade Federal da Bahia, Brasil.

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163

Museus Mineralgicos Armazns de Minerais ou Parceiros de Ensino? Trs Museus Trs PerspectivasMaria Fernanda Daniel Lopes Gomes Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

Museu Geolgico: Lugar de Memrias Histricas e CientficasJos Manuel Brando INETI-IP, Centro de Estudos de Histria e Filosoa da Cincia, Portugal.

259

175

As Coleces Antropolgicas do Museu de Histria Natural da Faculdade de Cincias da Universidade do PortoMaria Jos Cunha Faculdade de Letras, Museu de Histria Natural da Faculdade de Cincias da Universidade do Porto, Portugal.

Possibilidades de Contribuio do Olhar Foucaultiano para a Reflexo sobre as Construes de Memria a Partir dos Museus de CinciaJos Mauro Matheus Loureiro; Daniel Maurcio Viana de Souza Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Pelotas, Brasil.

269

Novas Perspectivas para a Comunicao Museolgica e os Desafios da Pesquisa de Recepo em MuseusMarlia Xavier Cury Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo, Brasil.

186

Patrimonio Paleontolgico y Sociedad: Buscando la InteraccinLaura Clia-Gelabert Institut Catal de Paleontologia, C/Escola Industrial, 23. 08201, Espanha.

280

La Praga EspaolaPavel Stepnek Univerzita Palackho, Repblica Checa.

293

A Reorganizao das Coleces da Universidade de Coimbra, Museu da CinciaPedro Jlio Enrech Casaleiro Museu da Cincia, Universidade de Coimbra, Portugal.

378

Artes Decorativas na Arquitectura: Problemticas de Conservao e de ReabilitaoEduarda Moreira da Silva Vieira Universidade Catolica Portuguesa, Escola das Artes C.R, Portugal.

304

Casa Muss-Amb-Ike Esboo de um Processo Museolgico para a Ilha de MoambiquePedro Pereira Leite Museu Mineiro do Louzal, Portugal.

390

Aplicao do Gerenciamento de Riscos ao Acervo de Oratrios do Museu Regional de Caet Minas Gerais BrasilKleumanery de Melo Barboza, Conceio Linda de Frana e Luiz Antonio C. Souza Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

318

Un Modelo de Normalizacin Documental para los Museos Espaoles: Domus y la Red Digital de Colecciones de Museos de EspaaReyes Carrasco Garrido Subdireccion General de Museos Estatales, Ministerio de Cultura, Espanha.

402

A Importncia do Edifcio Para o Conforto e o Controle Ambientais nos MuseusMarina Byrro Ribeiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.

330

El Museos en Asturias: Ejemplo de Cmo la Comunidad Esta Implicada en la Recuperacin del Legado Patrimonial y como los Museos Son Motor del Desarrollo LocalRoser Calaf e Marta Garcia Egure Universidad de Oviedo, Espanha.

414

Novos Documentos na Preservao do EfmeroRita Macedo e Cristina Oliveira Departamento de Conservao e Restauro da Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

341 353

Museu Agustina Bessa-LusSrgio Lira e Isabel Ponce de Leo Universidade Fernando Pessoa, Portugal.

El Interior Domstico: Retrato del Coleccionista del Siglo XixSoledad Prez Mateo Museo Romntico, Universidad de Murcia, Espanha.

Museus, Coleces e Patrimnio / Museos, Colecciones y Patrimonio / Posters

427

De Corpo e Alma: Narrativas dos Profissionais de Educao em Museus da Cidade do PortoAna Brbara da Silva Magalhes Verssimo de Barros Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Cmara Municipal do Porto, Portugal.

Museus, Patrimnio e Conservao Preventiva / Museos, Patrimonio y Conservacin Preventiva

430

Modelos de Gesto de Coleces em Museus de Cincias Fsicas e TecnolgicasCarlos Alberto Fernandes Loureiro Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

365

Obras de Plstico em meu Acervo E Agora, O Que Fazer?Conceio Linda de Frana, Kleumanery de Melo Barboza e Luiz Antonio C. Souza Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

433

Museus para o Povo Portugus. O Museu de Arte Popular e o Discurso Etnogrfico do Estado NovoJoana Damasceno Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal.

437

Memrias de Artesos Filigraneiros de Gondomar. Um Patrimnio a Musealizar?Mafalda Pinheiro Pereira Portugal.

441

Marcas de Vida Cokwe na Coleco do Museu Antropolgico da Universidade de CoimbraMaria Arminda Miranda e Maria do Rosrio Martins Museu Antropolgico/M.H.N. e CIAS Centro de Investigao em Antropologia e Sade, Universidade de Coimbra, Portugal.

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As Salinas de Alcochete Perspectivas de MusealizaoMaria Dulce de Oliveira Marques Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

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A Tecelagem: Representaes em MuseusMariana Pereira Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.

Apresentao / Presentacin

Ainda que diferentes ritmos e mudanas pluridimensionais (tantas vezes contraditrias) marquem o desenvolvimento dos museus e da museologia, a sua crescente valorizao cultural e cientfica inegvel. O poder reconhecido do patrimnio para mobilizar a opinio pblica e afectar a vida social e poltica tem sido central para a consolidao da profisso museolgica e dos estudos que tm como objecto os seus contextos. Numa esfera mais societal observa-se a mobilizao de esforos direccionados para o desenvolvimento e realizao da misso social e cultural do museu; misso cada vez mais determinante para a emancipao e consolidao deste campo de estudo, profundamente interdisciplinar. Consciente, no s das lacunas de investigao nesta rea em Portugal mas tambm da necessidade urgente de facilitar a construo de espaos crticos e colaborativos de formao e investigao, este Seminrio pretendeu, sobretudo, contribuir para o desenvolvimento de uma comunidade de prtica que inclusse investigadores oriundos de pases de lngua espanhola e portuguesa. Assim, para alm de um aprofundamento da reflexo e das prticas de investigao no campo da museologia, este Seminrio pretendeu participar activamente na construo de uma comunidade de prtica que apoiasse a discusso e o desenvolvimento deApresentao / Presentacin Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 8-9

projectos de investigao comuns. O Seminrio destinou-se, particularmente, a investigadores e estudantes de formao ps-graduada em nvel de mestrado e doutoramento tendo sido apresentado um vasto programa de comunicaes e posters de investigadores que representam a riqueza da investigao produzida nas Universidades destes pases. Os olhares da Sociologia, da Antropologia, da Arquitectura, da Educao e tantos outros que participam na permanente reconstruo deste campo de pesquisa foram essenciais para o seu sucesso e incluem-se nas linhas de investigao / reas cientficas propostas, que so tambm as reas de Seminrio de Orientao de Tese do Doutoramento em Museologia (3 Ciclo) oferecido conjuntamente pela Faculdade de Letras e pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal): http://sigarra.up.pt/flup/planos_estudos_geral.formview?p_Pe=1575 Domnios cientficos: linhas de investigao Museus, Coleces e Patrimnio Museus, Espao e Comunicao Museus, Gesto e Empreendedorismo Museus e Curadoria

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A pesar de los distintos ritmos y cambios multidimensionales a menudo contradictorios que han marcado el desarrollo de los museos y de la museologa, su creciente valoracin cultural y cientfica ha sido innegable. El poder reconocido del patrimonio para movilizar la opinin pblica y afectar a la vida social y poltica ha sido central para la consolidacin de la profesin museolgica y de los estudios que tienen como objeto sus contextos. En un mbito ms social, se observa la movilizacin de unos esfuerzos dirigidos hacia el desarrollo y la realizacin de la misin social y cultural del museo; una misin cada vez ms determinante para la emancipacin y consolidacin de este campo de estudio profundamente interdisciplinar. Conscientes no slo de las lagunas de la investigacin en este campo en Portugal, sino tambin de la urgente necesidad de facilitar la creacin de espacios de colaboracin para la formacin y la investigacin, este Seminario pretendi contribuir al desarrollo de una verdadera comunidad prctica que incluyera investigadores forneos procedentes de los pases de habla portuguesa y espaola. As, adems de una mayor profundizacin en la reflexin y en las prcticas de investigacin en el campo de la museologa, este Seminario tuvo como objetivo participar activamente en la construccin de una comunidad de prctica que apoyara la discusin y el desarrollo de proyectos de investigacin comunes. ElApresentao / Presentacin Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 8-9

Seminario estuvo destinado, especialmente, a investigadores y estudiantes de formacin de postgrado a nivel de mster y doctorado, donde se present un amplio programa de comunicaciones -doctorado y postdoctorado- y de psters mster , que han representado la riqueza de las investigaciones realizadas en las universidades de los distintos pases participantes. Los puntos de vista de la Sociologa, la Antropologa, la Arquitectura, la Educacin y de tantas otras que participan en la permanente reconstruccin de este campo de investigacin fueron, ciertamente, esenciales para el xito y se incluyeron en las lneas de investigacin/reas cientficas aqu propuestas y que son tambin las reas de supervisin del Seminario para la Tesis Doctoral en Museologa (3 ciclo) que ofrece la Facultad de Letras y la Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Porto (Portugal): http://sigarra.up.pt/flup/planos_estudos_geral.formview?p_Pe=1575 Dominios cientficos: lneas de investigacin Museos, Patrimonio y Conservacin Preventiva Museos, Colecciones y Patrimonio Museos, Espacio y Comunicacin Museos, Gestin y Emprendedorismo Museos y Comisariado

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Abertura / AperturaMaria Amlia Cupertino de Miranda Armando Coelho Ferreira da Silva Manuel Bairro Oleiro Antnio Cardoso

Abertura / Apertura Maria Amlia Cupertino de Miranda, Armando Coelho Ferreira da Silva, Manuel Bairro Oleiro e Antnio Cardoso Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 10-15

Foi com muito prazer que a Fundao Dr. Antnio Cupertino de Miranda acolheuo Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola que decorreu entre 12 e 14 de Outubro do ano transacto. Desde h longa data que a Fundao tem vindo a cooperar com o Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio da Faculdade de Letras da Fundao Universidade do Porto, nomeadamente atravs do desenvolvimento de projectos de investigao, considerando esta ligao absolutamente fulcral nestes tempos de mudana social e educacional, os quais requerem dos Museus uma nova postura e nova adequao das suas agendas de programao. de felicitar a organizao deste Seminrio, que em muito contribuiu para a partilha de experincias e troca de conhecimentos, enriquecendo-nos, a todos os que participamos, com a reexo feita por vrios investigadores e prossionais da Museologia dos Pases da Unio Europeia e da Amrica Latina e estabelecendo no s o aprofundamento de prticas de investigao mas, de igual forma, laos de colaborao futura.

Maria Amlia Cupertino de MirandaPresidente do Conselho de Administrao Fundao Dr. Antnio Cupertino de Miranda

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Na abertura deste magnco forum, em que nos associamos com outrosinvestigadores e prossionais, para aprofundar o pensamento museolgico, poderemos conjugar os nossos sentimentos segundo trs palavras: uma de saudao, outra de compromisso e, uma terceira, de agradecimento. Neste momento, como que evocando uma circunstncia excepcional de uma investigao arqueolgica, em que nos vieram cair s mos dois notveis pactos de hospitalidade da poca do Imperador Augusto, redigidos em latim, entre uma personalidade romana e membros da hierarquia indgena, em que hspedes e antries se comprometiam mutuamente, usamos a analogia possvel para manifestar o nosso reconhecimento Fundao Dr. Antnio Cupertino de Miranda, por, connosco, ter colaborado como unidade de acolhimento de to prestigiados participantes neste Encontro Cientco. Com todos, assinamos e renovamos a expresso da nossa tradicional hospitalidade. Contmos com a participao de inmeros investigadores oriundos das mais diversas Universidades e instituies museolgicas, Europeias, Africanas e SulAmericanas, em particular, de Portugal, Espanha, Itlia, Reino Unido, Repblica Checa, Cabo Verde, Argentina, Brasil, Colmbia, Mxico e Venezuela, que nos trouxeram cerca de uma centena de papers (doutorandos/ doutorados) e mais deAbertura / Apertura Maria Amlia Cupertino de Miranda, Armando Coelho Ferreira da Silva, Manuel Bairro Oleiro e Antnio Cardoso Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 10-15

trs dezenas de posters (mestrandos/ mestres). Somando um contributo de invulgar reexo sobre a teoria e as prticas da Museologia, envolvendo diferentes saberes e diferentes olhares, propiciadores de discusso e desenvolvimento de projectos de investigao comuns, entendemos ter dado, assim, cumprimento aos objectivos propostos. Ao privilegiarmos os pases de lngua portuguesa e espanhola, no nos anima qualquer complexo tipo jangada de pedra, para mais considerando a vinculao europeia dos nossos estudos museolgicos, querendo to s signicar a mais-valia operatria da vizinhana geogrca, lingustica e, consequentemente, scio-cultural, que importa relevar e promover, sobretudo, em espaos de colaborao na formao e na investigao. E, na qualidade de Presidente do Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, consciente do esforo desempenhado na organizao deste Encontro, cumpre-nos a expresso de um sincero agradecimento a todos os nossos Colegas da Comisso Cientca, com especial meno para a alma desta iniciativa, Prof. Doutora Alice Semedo, e demais responsveis operacionais, que, deste modo, pretendem fomentar o desenvolvimento de uma verdadeira comunidade prtica no mbito da Museologia.

Armando Coelho Ferreira da SilvaPresidente do DCTPFLUP e Director do Curso 3 Ciclo (Doutoramento) em Museologia

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O Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de lngua Portuguesa eEspanhola, organizado por iniciativa do Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, constitui uma oportunidade relevante para a partilha de conhecimento e de experincias entre prossionais da Museologia. A Museologia uma rea de cruzamento da investigao acadmica e de prticas prossionais, envolvendo mltiplos aspectos do conhecimento. pois um domnio onde as complementaridades entre a Universidade e o Museu, entre a teorizao e a aplicao, entre o saber e o saber fazer, se tornam naturais e desejveis. A ligao Museu / Universidade sempre existiu e sempre foi vista comoAbertura / Apertura Maria Amlia Cupertino de Miranda, Armando Coelho Ferreira da Silva, Manuel Bairro Oleiro e Antnio Cardoso Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 10-15

mutuamente vantajosa, mas o reforo dos laos e relaes entre museus e universidades em torno de projectos de investigao que abarcam diversos campos de interesse e no se cingem apenas ao estudo das coleces, um evidente sinal da importncia crescente que se reconhece a essa articulao, que em nada deve prejudicar a respectiva diferenciao e autonomia de misses e objectivos. A perspectiva internacional conseguida por este Seminrio, possibilita aos seus participantes tomarem contacto com o que vem sendo feito em Universidades e Museus de diversos pases que partilham as lnguas portuguesa e espanhola, em alguns dos principais campos sobre os quais a museologia reecte e intervm - as coleces, a conservao preventiva, a comunicao, a curadoria e a gesto. Para alm do conhecimento mtuo proporcionado pela participao nas vrias jornadas do Seminrio, o debate sobre as comunicaes apresentadas permitir percepcionar quais as abordagens que os acadmicos e os muselogos privilegiam no enfoque sobre questes que continuam a ser centrais na museologia, a nvel nacional ou internacional. A iniciativa de realizao deste Seminrio assim, a vrios ttulos, meritria e, espera-se, ser seguida de novas iniciativas que potenciem e ampliquem os seus resultados.

Manuel Bairro OleiroDirector do Instituto de Museus e da Conservao IMC

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Sesso de Abertura do Seminrio

Exma. Sra. Presidente do Conselho de Administrao da Fundao Dr. Antnio Cupertino de Miranda, Dra. Amlia Cupertino de Miranda, Exmo. Sr. Director do Instituto dos Museus e da Conservao, Dr. Manuel Bairro Oleiro, Exmo. Sr. Presidente do Internacional Council of Museums Portugal, Dr. LusAbertura / Apertura Maria Amlia Cupertino de Miranda, Armando Coelho Ferreira da Silva, Manuel Bairro Oleiro e Antnio Cardoso Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 10-15

Raposo, Exmo. Sr. Presidente do Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Prof. Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva, Exmas. Sras. e Exmos. Srs. Conferencistas, Minhas Senhoras e Meus Senhores:

En representacin de la Universidad de Oporto y de su Rector me es muy gratodarles la bienvenida a la ciudad de Oporto, a la Universidad y a este Seminario de Investigacin en Museologa de los Pases de Habla Portuguesa y Espaola. Como podis constatar, mi espaol no es sucientemente bueno y por eso voy a continuar en portugus. O programa do seminrio d conta da crescente valorizao cultural e cientca dos museus e da museologia e da mobilizao de esforos direccionados para o desenvolvimento e realizao da misso social e cultural do museu. Desse reconhecimento parte-se para a denio dos objectivos do seminrio: aprofundamento da reexo e das prticas de investigao no campo da museologia, envolvendo diferentes saberes e diferentes olhares, participando activamente na construo de uma comunidade de prtica que inclua investigadores oriundos de pases de lngua espanhola e portuguesa.

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Na prossecuo desses objectivos, o programa do seminrio foi organizado em torno de cinco grandes temas ou linhas de investigao: Coleces e Patrimnio / Colecciones y Patrimonio Espao e Comunicao / Espacio y Comunicacin Patrimnio e Conservao Preventiva / Patrimonio y Conservacin Preventiva Gesto e Empreendedorismo / Gestin y Emprendedorismo Curadoria / Comisariato Os dois primeiros mereceram maior ateno por parte dos investigadores que participam no seminrio, pois no mbito de cada uma deles vo ser apresentadas mais de 50 comunicaes orais ou posters (48+15=63, na primeira, e 33+23=56, na segunda). O total de comunicao e posters ronda os 150. Participam nos trabalhos investigadores de Portugal, Espanha e Brasil, os mais numerosos, mas tambm de pases da Amrica do Sul de Lngua Espanhola Colmbia, Venezuela, Argentina e Mxico e de Cabo Verde, Itlia e Repblica Checa. Quer pelo grande nmero de intervenes previstas no programa, quer pela profundidade e abrangncia dessas intervenes, quer ainda pela origem dos conferencistas, o seminrio constitui um evento cientco marcante no panoramaAbertura / Apertura Maria Amlia Cupertino de Miranda, Armando Coelho Ferreira da Silva, Manuel Bairro Oleiro e Antnio Cardoso Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 10-15

dos estudos museolgicos no mbito dos pases ibricos e latino-americanos. Espero que as sesses revelem novos aspectos importantes da investigao cientca em curso sobre as temticas em apreo e que as discusses sejam vivas, profcuas e conclusivas. Apraz-me tambm registar que o seminrio est claramente alinhado com os objectivos estratgicos da Universidade do Porto [1. Novo modelo de governo. 2. Reviso da oferta formativa. 3. Melhorar a actividade/organizao cientca. 4. Alargar o grau de internacionalizao. 5. Rentabilizar a utilizao do patrimnio imobilirio.]. Com efeito, o Senado da universidade deniu, para 2009, cinco eixos estratgicos principais, um dos quais precisamente Alargar o grau de internacionalizao da Universidade Porto e aumentar a sua visibilidade externa, em particular a nvel internacional. No mbito dessa busca de uma maior internacionalizao tem vindo a aumentar sucessivamente, de ano para ano, o nmero de estudantes estrangeiros de todos os ciclos de estudos que frequentam a universidade. Os maiores contingentes so, como de esperar, oriundos de Espanha e do Brasil. Naturalmente que a organizao de eventos como o presente constitui um contributo assinalvel para a internacionalizao da universidade. Ao especicar mais em pormenor o objectivo de aumentar a internacionalizao da

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Universidade do Porto, para o ano de 2009, o Senado entendeu incluir o fomento da utilizao dos museus da universidade como importantes plos de divulgao, na linha do que a organizao do presente seminrio considerou importante relevar e que, acima, transcrevi brevemente. Os museus da universidade incluem alguns esplios importantes, tanto no domnio das artes como das cincias e das tcnicas, tendo a universidade vindo a procurar juntar os meios de os valorizar e melhor dar a conhecer. As Comisses Cientca e Organizadora devem ser felicitadas, primeiro, pela ideia de levarem a cabo o presente evento e, depois, pela sua concretizao, o que certamente exigiu muita competncia e muito trabalho. Para concluir, a todos los participantes que no son de Oporto deseo una buena estancia en nuestra ciudad, que aprovechen esta oportunidad para apreciar su belleza y que se queden con ganas de volver. Por su parte, la Universidad de Oporto espera ser uno de los motivos que justiquen ese regreso. A todos los congresistas deseo un buen trabajo, que contribuya para profundizar el conocimiento cientco y para mejorar la red de contactos entre vosotros. Muchas gracias.Abertura / Apertura Maria Amlia Cupertino de Miranda, Armando Coelho Ferreira da Silva, Manuel Bairro Oleiro e Antnio Cardoso Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 10-15

Antnio CardosoVice-reitor da Universidade do Porto

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Conferncia Inaugural / Conferencia Inaugural

Jos Madureira Pinto

Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia do Porto; Doutor em Sociologia pelo ISCTE; Professor Catedrtico Aposentado da Faculdade de Economia do Porto (Grupo de Cincias Sociais); Investigador do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Publicou vrios livros e artigos sobre metodologia e teoria sociolgicas, anlise da educao e das prticas culturais, polticas culturais, processos de trabalho e construo de identidades, nomeadamente: Ideologiasinventrio crtico dum conceito, Lisboa, Presena, 1978, Estruturas sociais e prticas simblico-ideolgicas nos campos, Porto, Afrontamento, 1985, PropostasConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

para o ensino das cincias sociais, Porto, Afrontamento, 1994; Indagao cientca, aprendizagens escolares, reexividade social, Porto Afrontamento, 2007 e ainda, em colaborao, A investigao nas cincias sociais, Lisboa, Presena, 1975 (com Joo Ferreira de Almeida). Co-organizou: Metodologia das cincias sociais, Porto, Afrontamento, 1986 (com Augusto Santos Silva), Os dias da escola, Afrontamento/ CMP, 1999 (com Joo Teixeira Lopes), Pontes de partida, Afrontamento/Porto2001 (com Maria Benedita Portugal), Pierre Bourdieu A teoria da prtica e a construo da sociologia em Portugal, Porto, Afrontamento, 2007 (com Virglio Borges Pereira) e Desigualdades, desregulao e riscos nas sociedades contemporneas, Porto, Afrontamento, 2008 (com Virglio Borges Pereira). Dirigiu e integrou vrios projectos de pesquisa sociolgica de terreno, incluindo recentemente uma revisitao a uma colectividade rural do Noroeste portugus, que estudou pela primeira vez h trinta anos (o primeiro volume com resultados desta pesquisa, organizado em colaborao com Joo Queirs, est em vias de publicao). Dirige a revista Cadernos de Cincias Sociais, onde publicou, nos seus trs primeiros nmeros, Questes de metodologia sociolgica (I), (II) e (III). A desenvolve a perspectiva metodolgica que, sustentando a generalidade das posies expressas nesta Sesso de Abertura, abre portas para uma sua reviso crtica. Foi consultor do Presidente Jorge Sampaio para a rea da Economia, Desenvolvimento e Sociedade entre 1996 e 2006.

A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITESJos Madureira Pinto

I A razo sociolgica perante as obras culturais 1. Ao aludir, no ttulo desta comunicao, a uma razo sociolgica, pretende-se exprimir, antes de mais, a convico de que existe hoje um capital acumulado de conhecimentos que nos permite objectivar e tornar inteligveis, dentro de limitesConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

identicveis, os chamados fenmenos sociais, mesmo quando estes, pela sua complexidade e imaterialidade, aparentam furtar-se a qualquer possibilidade de anlise. Esse capital intelectual constitudo, como acontece em qualquer ramo das cincias, por quadros conceptuais relativamente estabilizados, embora no isentos de contradies e conitos, por tcnicas de recolha e tratamento de informao em aperfeioamento e expanso permanentes e por estratgias metodolgicas semicodicadas. A razo sociolgica, que, como vamos ver, est longe de ser uma entidade abstracta, insuspeita e imutvel, s se torna instrumento intelectual e socialmente til e cienticamente legtimo se se sujeitar a ser posta permanentemente em causa atravs da anlise de situaes concretas a prtica da razo sociolgica dirigida ao avano do conhecimento sobre domnios do real relativamente bem circunscritos , pois, a forma de existncia que melhor se compatibiliza com a prpria ideia de racionalidade (uma ambio de desvendamento do real que a si mesma permanentemente se desaa, abrindo-se crtica cruzada dos especialistas e prova dos factos). Ao anunciar, na segunda parte do referido ttulo, que aqui se faro algumas propostas visando forar os limites a que alegadamente est sujeita a prtica da razo sociolgica, reconhece-se antes de mais que a pesquisa cientca neste domnio est longe de ser uma actividade liberta de constrangimentos, diculdades

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e fontes de imperfeio. No preciso acreditar absolutamente numa razo absoluta para se ser racionalista basta, para tanto, acreditar na perfectibilidade da razo. isto o que distingue, nas polmicas que ultimamente se desenvolveram no campo da epistemologia das cincias sociais, o plo do racionalismo (que, como sugiro acima, a si mesmo se impe ser crtico e auto-crtico) do plo do impressionismo ps-modernista. Dois grandes tipos de factores condicionam o exerccio da razo sociolgica. Uns so essencialmente exgenos, correspondendo ao conjunto de constrangimentos sociais e institucionais que limitam de facto o espectro de oportunidades ao alcance dos seus praticantes; outros radicam mais propriamente na especicidade dos problemas (e, por essa via, dos instrumentos de anlise) constitutivos do domnio de conhecimento em causa. A actividade de investigao cientca no se desenvolve num vazio social: condicionada por procuras e nanciamentos que se formam segundo lgicas econmicas e polticas precisas, decorre em organizaes com formas de diviso de trabalho e estruturas de poder que eventualmente colidem com o livre exerccio dos princpios de cienticidade consagrados pelos especialistas, tem que se movimentar em contextos ideolgicos que nem sempre so favorveis (podendo mesmo serConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

hostis) ao tipo de conhecimentos produzidos. E as prprias lutas interinstitucionais (conitos entre escolas) pela hegemonia dentro do campo cientco - que tm no militante recalcamento das contribuies alheias um dos seus mais inslitos modos de expresso -, condicionam as formas concretas segundo as quais se pe em prtica a razo cientca. Mas, alm destes constrangimentos (que, sendo particularmente delicados no domnio das cincias sociais, esto presentes em qualquer domnio disciplinar), outros h que radicam na especicidade dos fenmenos sociais - fenmenos dotados de sentido, para recorrer a uma frmula breve. A objectivao desta dimenso simblica (tambm se diz cultural, ideolgica e at subjectiva) dos fenmenos sociais , na verdade, uma tarefa particularmente exigente. O facto de os actores sociais atribuirem sentido s condies materiais da sua existncia percepcionando-as, avaliando-as e reagindo-lhes de uma forma no neutral, isto , de acordo com valores e arbitrrios culturais incorporados enquanto disposies prticas ou operadores simblicos de que perderam o rasto faz com que o estudo das suas prticas seja uma tarefa de enorme complexidade (Dos astros para s falar deles - no pode dizer-se o mesmo que se disse dos actores sociais, para tranquilidade dos astrofsicos: destitudos da funo de atribuio de sentido s condies concretas da sua existncia, que os faz desinteressaremse olimpicamente das rbitas a que esto submetidos, os astros poupam, de

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facto, quem os observa e estuda, s diculdades de objectivao da complexidade semitica, que a sociologia, pelo contrrio, jamais poder contornar...). Deixarei para mais tarde o enunciado de algumas diculdades especcas da teoria e metodologia sociolgicas. Nessa altura, procurarei mostrar ainda at que ponto, forando os limites que se colocam ao ofcio de socilogo, possvel apesar de tudo avanar, tambm aqui, no desvendamento do real. 2. Explicitado, em termos gerais, o meu posicionamento no quadro das preocupaes epistemolgicas das cincias sociais uma espcie de declarao de interesses prvia que permite pr ao alcance dos destinatrios destas palavras as possveis fragilidades de base da perspectiva que adopto no debate -, outra observao preliminar se impe: a de que, havendo seguramente alguns princpios gerais a defender nesta matria, h toda a convenincia em no deixar de os abordar tomando como horizonte um domnio de objectos e problemas bem delimitado. De outro modo, corre-se o risco de contribuir para fazer da reexo metodolgica um exerccio de codicao e reproduo de princpios abstractos, quando no dogmticos, e no tanto, como aqui se defende, um instrumento de recticao do erro ao servio das prticas concretas de pesquisa cientca. Ora, tentando identicar o domnio de realidade que preocupa e mobiliza aConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

generalidade dos especialistas a que me dirijo, arrisco que ele se confunde, em termos latos, com o processo social de produo, circulao e apropriao de obras culturais. Porqu obras culturais e no bens culturais, como tambm se diz, desde logo na prpria sociologia? Porque o conceito de bem (bem cultural) est muito conotado com valor de uso e sobretudo com valor de troca de bens econmicos. Ora, sendo certo, como generalizadamente se reconhece, que aos objectos culturais est hoje associada uma dimenso econmica inequvoca, a verdade que os objectos culturais, as obras culturais, tm tambm, sempre, um valor simblico no acontonvel naquela dimenso, actuando, como materialidade especca, no processo innito de criao e recriao de sentido que acompanha a prtica social. alis em razo de uma conscincia, ainda que rudimentar, do poder simblico prprio das obras culturais que estas suscitam tanto desinteresse, quando no hostilidade, por parte de alguns sectores polticos: o distanciamento quase militante a que frequentemente so votadas no radica tanto no facto de as referidas obras envolverem actividades que os tais sectores consideram dispendiosos, mas na circunstncia de essas obras, com valor e poder simblicos nunca inteiramente controlveis (mesmo em situaes extremas de censura e represso), serem sempre

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potencialmente contra-poder ou, no mnimo, outro poder, logo uma pequena ou grande ameaa ao exerccio convenientemente rotineiro dos poderes instalados. 3. Volto expresso processo social de produo, circulao e apropriao de obras culturais, a que recorri para tentar identicar, preliminarmente e em termos muitos amplos, o domnio de pertinncia no mbito do qual se situam os objectos e problemas com que em princpio lida, na componente de investigao da sua actividade prossional, grande parte dos destinatrios destas palavras. Se quisesse ser mais preciso, talvez pudesse eleger o subdomnio da circulao de obras culturais como centro de interesse privilegiado pela pesquisa nestas reas, j que ser no espao de mediao entre criao e recepo culturais que se concentraro as intervenes prticas e os desaos reexividade dos prossionais nelas implicados. A difuso, reconhecimento e legitimao das obras culturais portanto, a sua existncia social - depende hoje crucialmente da qualidade dessas intervenes, e esta, por sua vez, da abertura dos seus protagonistas reexividade sobre os processos sociais envolvidos. Se inequvoco que a criao cultural e artstica acrescenta valor simblico ao mundo e, produzindo novos sentidos, produz tambm, de facto, sempre,Conferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

novas realidades, a verdade que no deixa de pertencer esfera da circulao programada de sentido, atravs dos espaos fsico-institucionais que privilegia, da relao de anidade e conivncia entre as obras culturais e os pblicos potenciais que promove, da pedagogia do olhar que pratica, um papel activo na produo social de valor imputvel s obras culturais. Faz, ento, sentido que a elejamos como alvo especco da indagao sociolgica o que no implica, bem pelo contrrio, que a devamos isolar em termos analticos dos processos sociais a montante (criao cultural) e a jusante (recepo cultural). Muitos foram os avanos alcanados pela sociologia (sociologia do campo artstico e literrio, sociologia dos media e das indstrias culturais, entre outros) na anlise dos processos de produo cultural. A partir deles, deixou de ser aceitvel encarar a produo cultural como um espao de criao livre de determinaes sociais, para, pelo contrrio, se passar a ter em conta as relaes de fora e os conitos que neles se desenham entre detentores e challengers da autoridade simblica, entre gostos e gneros legtimos, ilegtimos ou legitimveis, entre disposies sociais herdadas e posies estticas assumidas pelos criadores, etc. um patrimnio de conhecimentos que no pode ser ignorado, pelo menos como pano de fundo, quando, por razes terico-metodolgicas ou pragmticas, decidirmos concentrar esforos na anlise de fenmenos da circulao de obras culturais. Mas, os resultados a que a sociologia, juntamente com outras cincias sociais,

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foi chegando, ao estudar os discretos e aparentemente inobjectivveis processos sociais de apropriao/recepo das obras culturais so igualmente notveis. No me rero apenas acumulao de conhecimento sobre as caractersticas sociais dos pblicos da cultura, que teve, nomeadamente em Portugal, um enorme desenvolvimento. Falo tambm do avano do conhecimento sobre os prprios processos e situaes concretas (interaces, contextos fsico-institucionais, etc.) em que decorre a apropriao das obras culturais - em casa, nas bibliotecas, nos museus, em espaos pblicos. Este mundo de recepo e recriao de sentido que, por se desenrolar na esfera da intimidade, parece inobjectivvel, deixou de ser, de facto, um mundo por descobrir - embora sobre ele tenha de continuar a fazer-se muito trabalho de pesquisa. Um trabalho que, em meu entender, tem de estabelecer um dilogo permanente com os estudiosos dos outros processos (circulao, seguramente, mas tambm criao cultural), j que, bom lembr-lo, se a apropriao um processo social com autonomia relativa, ela incide sempre sobre uma obra concreta, com materialidade prpria, que tambm conta no processo de recepo de sentido. II - Algumas limitaes da prtica da razo sociolgica e possveisConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

formas de as ultrapassar 1. J se fez aqui uma referncia genrica ao conjunto de constrangimentos exgenos com que se defrontam a cincias e os cientistas, adiantando que eles se reportam s condies societais, institucionais e organizacionais que enquadram qualquer trabalho de investigao concreto. Pode agora acrescentar-se que esse feixe de constrangimentos, antes mesmo de incidir no modo como se desenrolam as operaes cruciais da pesquisa, j se revela ao nvel da procura de conhecimentos e, mais precisamente, no modo como a partir dos centros de poder poltico, das entidades nanciadoras da pesquisa, da opinio pblica inuente, das organizaes que enquadram prossionalmente os potenciais investigadores... - se formam e exprimem socialmente os prprios problemas a investigar. Acontece que a formulao exgena do problema (que uma espcie de denio prvia do espao de possveis das pesquisas burocrtica e nanceiramente elegveis) no necessariamente aquela que melhor se adequa aos critrios que, luz do patrimnio de conhecimentos acumulado nas reas de saber em causa, devem orientar a investigao. Reformular as procuras sociais de conhecimento, reconvertendo os termos e mbito dos problemas a investigar, torna-se ento a primeira forma de, forando os limites a que incontornavelmente est sujeita a pesquisa, abrir espao para o avano do saber ao alcance das cincias.

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Admitindo, por exemplo, que, a propsito da frequncia de um museu, o problema a investigar envolva, na formulao ocial ou ociosa, uma caracterizao dos pblicos segundo um conjunto de variveis de natureza eminentemente sciodemogrca, no est excludo que, sem recusar em absoluto os termos da procura, possa esta ser reformulada de modo a enquadrar no sistema de variveis explicativas seleccionadas, indicadores relativos s trajectrias scio-educativas individuais e familiares dos visitantes, relao diferenciada destes com um conjunto especco de obras culturais seleccionado em funo de conjecturas tericas previamente fundamentadas sobre padres classistas de gosto, etc. Sem dvida delicada, e nem sempre inteiramente exequvel, esta reformulao da procura em termos cienticamente enriquecedores est longe de constituir uma tarefa impossvel ou v. Algum pragmatismo na sua efectivao pode ser o tributo que vale a pena pagar para ganhar a margem de liberdade e autonomia intelectual legitimamente ambicionvel. E no est excludo que, no processo de negociao que assim se desencadeia, seja o prprio enquadramento organizacional das entidades que formulam a procura a abrir-se a alguma reconverso. 2. O segundo aspecto que vale a pena reter neste breve inventrio de pontos crticosConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

que permeiam a investigao sobre processos sociais diz respeito tendncia para atomizar, ou seja, para isolar dos respectivos contextos, os objectos sobre os quais aquela se debrua. Nessa perspectiva, tomam-se os limites aparentes dos objectos sociais (em princpio, ecazmente ajustados aos objectivos correntes da aco prtica dos indivduos) como limites analiticamente relevantes, ignorando ou elidindo o sistema de relaes sociais em que, sincrnica e diacronicamente, eles se inserem. Ora, se h domnio do conhecimento onde a referncia histria e s estruturas de relaes sociais se tem revelado crucial para entender a singularidade dos objectos estudados, esse , sem dvida, o da anlise dos factos da cultura. Far algum sentido, por exemplo, analisar sociologicamente o acto de recepo cultural, sem procurar desvendar os processos de incorporao de disposies estticas nos agentes sociais, ligando-os s dinmicas classistas de aprendizagem social ao seu alcance? E pode esse complexo momento de atribuio de sentido, ser desligado, no plano analtico, da comprenso, ainda que imperfeita, das condies prticoinstitucionais concretas que enformam a situao de recepo? Isolar objectos, com a veleidade de, intensicando os procedimentos de observao, captar a sua essncia, uma opo que tem tanto de bvio e natural como de epistemologicamente inconsequente, desde logo porque, sob a aparncia de exaustividade, as descries a que conduz deixam de fora o sistema de

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determinaes (societais, institucionais, interaccionais) que sempre sustentam a existncia social desses mesmos objectos. Enfrentar o dedo do gigante, perdendo de vista o gigante ele prprio, dicilmente se tornar estratgia vencedora... O princpio metodolgico que propugna a contextualizao dos objectos de pesquisa no deixa, entretanto, de apresentar diculdades prticas de monta. A primeira tem a ver com a necessidade de pr limites ao mbito da prpria contextualizao, sob pena de a pesquisa car paralisada. Por exemplo, ser indispensvel, numa pesquisa sociolgica sobre os efeitos de um conjunto de incentivos leitura numa biblioteca citadina concreta, recuperar na ntegra o sistema de relaes sociais onde se formam os hbitos culturais dos presumveis leitores (sistema educativo portugus, campo dos media e das indstrias culturais, estrutura de classes no meio urbano em causa...)? A resposta s pode ser negativa, a no ser que se pretenda encontrar um pretexto para no chegar a realizar o estudo. Faz parte dos objectivos do trabalho de problematizao que sempre acompanha a pesquisa sobre situaes concretas encontrar os fundamentos teorica e pragmaticamente ajustados a este trabalho de contextualizao. Sem essa auto-conteno na denio dos contextos pertinentes da anlise (operao que por vezes se designa por fechamento de campo), nenhumConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

programa de pesquisa chegar a concretizar-se. Outro problema que decorre do princpio enunciado diz respeito ao modo de recolha e tratamento de informao para que apela. E a forma de o resolver parece ter de passar por associar o uso de tcnicas de tipo intensivo (observao directa metdica, entrevistas em profundidade, anlises de contedo...) ao de tcnicas de tipo extensivo (sries estatsticas, inquritos por questionrio dirigidos a populaes ou amostras de grande amplitude). Se estas ltimas tm alguma vocao para restituir grandes regularidades e os contornos estruturais dos factos sociais, cabe s primeiras aprofundar a observao das singularidades com que a pesquisa necessariamente se confronta. Resta acrescentar que, pelo que atrs foi dito, h razes lgicas para pensar sem que tal deva constituir dogma metodolgico que o recurso a procedimentos de observao de tipo extensivo deve preceder o uso das tcnicas de observao intensiva. 3. O avano do conhecimento depende muito, em todas as reas cientcas, da qualidade das hipteses tericas que se formulem no decorrer da pesquisa. Construdas na e pela dinmica da problematizao terica com que, explcita ou implicitamente, se inicia a busca de interpretaes plausveis sobre o mundo, so elas que retiram a pesquisa da vasta mancha semntica que aquela problematizao normalmente instaura (cegando, por tanto deixar ver) e lhes indica um rumo

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bem mais denido. Nunca uma problemtica terica no seu conjunto pode ser conrmada globalmente no plano emprico; mas possvel pr prova proposies que, contendo uma interpretao provisria sobre aspectos delimitados do domnio do real em questo, desaem a sustentabilidade do edifcio terico em que se fundamentam. O que a este respeito se quer propor e de mais um exerccio voltado para forar os limites das rotinas de investigao que aqui se trata que, na medida do possvel, as hipteses de investigao ultrapassem o mero descritivismo para deliberadamente se arvorarem em hipteses explicativas inrmveis. Em vez de se conduzir uma pesquisa que, eventualmente por excesso de conformismo em relao procura de conhecimento que est na sua origem, se auto-contenha dentro dos limites de uma descrio, ainda que minuciosa e sistemtica, dos fenmenos em causa (por exemplo, a construo de uma tipologia de frequentadores de um equipamento cultural, segundo a sua idade e nvel de instruo), h vantagem, do ponto de vista do avano do conhecimento cientco (mas tambm na perspectiva da interveno prtica), que ela arrisque a formulao de uma interpretao (sempre de algum modo com inteno explicativa) que possa ser posta prova dos factos (por exemplo, no tanto a idade, mas a conjugao da origem de classeConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

com o tipo de percursos escolares dos frequentadores de uma biblioteca ou de um museu, o factor que mais inuencia os seus julgamentos de gosto). 4. Nenhuma hiptese terica poder furtar-se inteiramente acusao de teoricismo e irrelevncia cientca se no se impuser a si mesma uma dupla confrontao por um lado, com os factos e, por outro, com a crtica dos que, tendo um domnio dos instrumentos de reexividade que fundamentam a sua formulao, dispem de autoridade simblica para avaliar dialogicamente a sua razoabilidade. Deixando de lado este ltimo tipo de confrontao, concentremo-nos no problema da vericao emprica das hipteses de investigao. Aqui, o aspecto crucial a reter reporta-se s exigncias de traduo da hiptese, proposio que pe em relao conceitos tericos, numa linguagem adequada concretizao de um conjunto de operaes de recolha e tratamento de informao sobre os objectos e processos sociais empricos envolvidos: a linguagem dos indicadores. Pensando na economia global dos processos de produo de conhecimentos, a seleco e/ou construo de indicadores uma operao charneira - a meio caminho entre, por um lado, a fase de problematizao terica, de que, no essencial, depende a possibilidade de formular hipteses interpretativas fundamentadas e

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fecundas sobre a realidade, e, por outro, a do teste da adequao destas ltimas aos factos, em que tem de se utilizar j uma linguagem capaz de distinguir, comparar e graduar com o mnimo de ambiguidade possvel (medir, em sentido amplo) os objectos e processos empricos relevantes. Acontece que, sendo um trabalho de traduo, a construo de indicadores est, como qualquer outra traduo, condenada a incorrer numa margem de traio. De facto, nesta passagem da linguagem dos conceitos tericos para a linguagem dos indicadores inevitvel que se perca uma parte do capital de sentido entreaberto pela discusso das problemticas tericas de referncia embora se ganhe, em contrapartida, a possibilidade de avaliar, especicada e localizadamente (isto , a propsito de objectos reais concretos), o potencial de inteligibilidade associado a esse mesmo capital. A questo com que, a este propsito, vale a pena debatermo-nos no a de medir ou no medir, comparar ou no comparar os fenmenos sociais. A histria das cincias sociais demonstra saciedade que, sem um uso sistemtico de indicadores, elas continuariam a ser um modo impressionista e especulativo de lidar, no plano intelectual, com a complexidade social. A questo verdadeiramente relevante , isso sim e o argumento vlido para todos os domnios cientcos , a de saber se osConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

seus utilizadores tm conscincia ou ignoram os limites cognitivos dos instrumentos que accionam para pr prova (e em risco) as interpretaes provisrias sobre o mundo social contidas nas hipteses de investigao que construram. Acontece, com efeito, que a construo de indicadores implica o estabelecimento de um compromisso entre as exigncias e ambies semnticas da problematizao terica e as necessidades de conteno impostas pela observao metdica do real, entre a abertura de dimenses conceptuais sugeridas pela teorizao e a simplicao imposta pelos objectivos de medio (o que no sinnimo de quanticao) dos fenmenos em estudo. Tornar explcitas as bases desse compromisso deve por isso constituir componente incontornvel dos processos de demonstrao e de argumentao em que se desdobra o trabalho cientco para se poder legitimar, a traio tem, aqui, de ser confessada em toda a sua extenso e as suas consequncias assumidas nas diferentes operaes de pesquisa. Todos os que alguma vez se aproximaram dos processos da percepo esttica e da formao de juzos de gosto com a inteno de os objectivar atravs dos instrumentos das cincias, sabem at que ponto so difceis e precrios os caminhos que conduzem sua anlise. Nem por isso deixam eles de poder contar, graas aos esforos da psicologia, desde logo, mas tambm da sociologia ou da antropologia dos factos simblico-culturais, com um acervo de indicadores que permitiram investigao transpor os limites (o que diferente de recusar ou ignorar o seu

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contributo) das reexes eminentemente terico-abstractas sobre a percepo e legitimao social das obras culturais, ainda que esses indicadores surjam sob a forma, por vezes quase prosaica, de umas tantas escalas de preferncia em diferentes domnios culturais (msica, literatura, programas televisivos, lmes, pinturas, etc.), de ndices de frequncia de prticas culturais, de grelhas de usos do tempo livre e de lazer (no espao domstico, nos espaos pblico e semi-pblico), etc. O acervo de conhecimentos que a utilizao destes instrumentos de pesquisa sempre de algum modo profanadores da aura associada grande reexo sobre a obra de arte e a experincia esttica permitiu alcanar na perspectiva da objectivao dos processos de circulao das obras culturais imenso e incontornvel. 5. O ltimo e porventura mais perturbador problema metodolgico que importa abordar quando est em causa a anlise dos fenmenos culturais j em parte foi enunciado na fase inicial deste texto. No sendo (ao contrrio dos astros...) destitudos de dispositivos de atribuio de sentido, os actores sociais participam frequentemente, de forma no neutral, nos processos de investigao que os envolve. So objecto de pesquisa mas tambm produtores de sentido, e portanto deConferncia Inaugural / Conferencia Inaugural Jos Madureira Pinto A PRTICA DA RAZO SOCIOLGICA: FORANDO OS LIMITES Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 16-26

realidade, nos prprios actos de recolha de informao que tenham de os mobilizar. Estar a pesquisa sobre o social inviabilizada por tal facto? Se no quiser fugir complexidade dos problemas que daqui resultam, a sociologia tem de os integrar no prprio modelo de anlise e nas estratgias observacionais que desencadeia. Reconhecer que a relao de observao interfere com os factos observados, desde logo porque os observados so chamados pela sociologia, na fase de recolha de informao, a pronunciar-se sobre as suas condies de existncia, justamente a primeira condio para a pesquisa neste domnio no se transformar numa verso ccionada sobre o real. Analisar o social obriga pois, nestas condies, a objectivar as prprias relaes sociais de observao induzidas pela anlise. Nada mais difcil, nada mais incontornvel.

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Museus, Coleces e Patrimnio / Museos, Colecciones y Patrimonio

Adelaide Manuela da Costa DuarteLicenciada em Histria, variante Histria da Arte pela FLUC (1998). Mestre em Museologia e Patrimnio Cultural pela FLUC (2005). DoutorandaAdelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

em Museologia e Patrimnio Cultural na FLUC desde 2006. A investigao que desenvolve neste contexto intitula-se, provisoriamente, Do coleccionismo privado fruio pblica. Articulao entre as coleces privadas de arte moderna e contempornea e o poder pblico. Contributos para a histria da museologia em Portugal. Ao projecto de doutoramento foi concedido uma Bolsa de Investigao pela FCT. Aps uma breve passagem pelo Museu de Aveiro (1999 2000), foi bolseira de Investigao Cientca da FCT no Museu Nacional da Cincia e da Tcnica Doutor Mrio Silva (2000 2006). Ali desenvolveu actividades de programao, organizao, instalao, montagem e divulgao de exposies de carcter temporrio junto dos diferentes pblicos. No mbito do servio educativo, trabalhou em ateliers pedaggicos. No estudo de coleces, realizou trabalho de inventariao e de acompanhamento de processos de recuperao e conservao de esplio cientco e tecnolgico.

O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICAAdelaide Manuela da Costa Duarte

Adelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

Resumo O Museu de Arte Contempornea de Elvas, Coleco Antnio Cachola (MACE) abriu as portas ao pblico em 6 de Julho de 2007, num edifcio da Cmara Municipal de Elvas (CME) musealizado para aquele efeito. Desde ento, exibe-se uma coleco de arte contempornea portuguesa no interior do Alentejo. Antnio Cachola o promotor da coleco. O coleccionador reuniu obras de artistas portugueses, a partir dos anos (19)80, nas vrias tcnicas artsticas, coadjuvado pelo comissrio, e director de programao da instituio, Joo Pinharanda, que apoia a afere as escolhas do coleccionador. Desde a gnese da coleco que o coleccionador a perspectivou como de mbito pblico. O MACE , assim, a materializao daquele desejo. Neste artigo propomo-nos a discutir vrios aspectos da coleco: a sua formao e caracterizao, a transferncia do mbito privado para o pblico ou o perl do coleccionador. Palavras-chave: Coleco Privada, Museu de Arte, Arte Contempornea Portuguesa

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Abstract The Elvas Museum of Contemporary Art Antnio Cachola Collection (MACE) opened to the public on July 6, 2007, in the old hospital, in Portuguese Alentejo, musealized for that purpose. Since then, it exhibits a collection of contemporary art from the collector Antnio Cachola. He assembled works of Portuguese artists from the 80, with various artistic techniques, assisted by the commissioner and artistic director of the institution, Joo Pinharanda, who supports the choices of the collector. Since the genesis of the collection the collector wished the public realm, which became embodied by the MACE. In this article we propose to discuss various aspects regarding the collection: its formation and characterization, the shift from the private to the public sphere, the distinctive prole of the collector. Keywords: Private Collection, Art Museum, Contemporary Portuguese Art

Adelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

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Introduo

Mafalda Santos, Maze, 2007. Pormenor. Col. Antnio Cachola. Paiol de Nossa Senhora da Conceio, Elvas (Fot. Adelaide Duarte, 2008)

O excerto do desenho de Mafalda Santos (1980) que apresentamos, Maze (2007), refere-se rede de instituies e de coleccionadores privados na qual se inscrevem as obras de arte coleccionadas. Neste diagrama, visualizam-se os artistas presentes na coleco MACE, bem como as restantes instituies, em cujas coleces tambm esto representados. Neste artigo, procurar-se- conhecer, atravs da sua denio, as variveis dos pers de coleccionadores, e as motivaes do acto de coleccionar, por forma aAdelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

fundamentar o papel de Antnio Cachola, o coleccionador de arte contempornea portuguesa em apreo. O seu perl agura-se especco no panorama nacional, desde logo, no desejo de partilhar com o pblico a sua coleco desde o momento mais embrionrio, ou na aposta em artistas emergentes, com carreiras por consolidar, o que revela gosto pelo risco, a audcia associada, a ousadia e at a coragem para enfrentar as crticas s escolhas. Entendemos a procura da singularidade das coleces como a maior riqueza da actividade de coleccionar. Embora se trate de uma coleco recente, o seu resultado pode ser frudo, publicamente, desde 2007. Elvas, uma cidade raiana, desde ento v-se inscrita no circuito da arte contempornea em Portugal, contrariando o dce cultural a que a regio tradicionalmente se encontrava votada. 1. Da coleco privada fruio pblica No mbito da mostra da coleco Antnio Cachola no Museo Extremeo e Iberoamericano de Arte Contemporneo (MEIAC), em Badajoz, Espanha, no ano de 1999, Alexandre Pomar, crtico de arte, escreveu o artigo intitulado, Coleco de fronteira. Citamos: No frequente que se d a conhecer publicamente uma coleco particular. [...] As coleces privadas so a expresso de um gosto ou de uma paixo [...] pessoal, que quase sempre s vem a pblico aps a morte

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do coleccionador [...]. Evoluem com o tempo [...]. Em certos casos [...] acabam a sustentar o patrimnio de grandes museus [...]. Ser essa uma imagem ultrapassada de coleco?1. Respondendo questo ali levantada, julgamos que a imagem de coleco no est ultrapassada, ou antes, a do coleccionador que paulatinamente a constitui ao sabor do gosto e das vicissitudes da sua vida. Porm, na actualidade, aquela armao tende a ser contrariada dado que tm surgido vrios exemplos de coleces particulares cuja musealizao o objectivo promovido pelos prprios coleccionadores. Ainda aproveitando o pensamento do crtico, sublinhamos a ideia de gosto, de paixo, de seleco, de tempo e de intimismo, uma terminologia que d corpo ao coleccionador individual, caracterizando-o. Este muitas vezes identicado com aquele que entesoura, antagonizando-se com a imagem do coleccionador que exibe, ou seja, aquele que partilha e lega o fruto do seu coleccionismo. Jos-Augusto Frana, Manuel de Brito, Jos Berardo ou Antnio Cachola, para referir alguns coleccionadores portugueses de arte moderna e contempornea, so nomes que se inscrevem neste ltimo perl2. Coleccionar uma actividade social que d forma a um discurso e revela uma maneira de pensar, a do coleccionador, numa relao entre os valores e o objectoAdelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

escolhido, podendo implicar uma procura permanente3. Estamos em crer que, volvidos dez anos, A. Pomar no iniciaria o citado texto na negao porque ao longo desta primeira dcada do sculo XXI, em Portugal, tem-se assistido abertura de museus de arte moderna e contempornea com base em coleces de provenincia privada, que obrigam a rescrever a histria da museologia da arte e do coleccionismo. Enunciamos alguns exemplos: em 2004, registou-se a abertura do Ncleo de Arte Contempornea Doao Jos-Augusto Frana, em Tomar; em 2006, o Centro de Arte Manuel de Brito, em Algs; no ano seguinte, em 2007, o Museu Coleco Berardo de Arte Moderna e Contempornea, em Lisboa, cuja coleco desde 1997 se encontrava disponvel ao pblico no Casino sintrense, o MACE, em Elvas.

1 Alexandre Pomar, Coleco de fronteira, http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_ pomar/2007/06/coleco_antnio_c.html (acedido) em 27 de Agosto de 2009. 2 A ideia da dicotomia no acto de coleccionar ter por base as palavras de Sacha Guitry, Il y a deux sortes de collectionneurs, celui que cache ses trsors et celui qui les montre; on est placard ou bien vitrine [Maurice Rheims (2002), Les collectionneurs. De la curiosit, de la beaut, du got, de la mode et de la spculation, Paris, ditions Ramsay, p. 13]. 3 A aco de coleccionar, segundo o socilogo Jean Baudrillard, ajuda a contrariar a fugacidade da vida ou a angstia do tempo e da morte [ Jean Baudrillard (2006), O sistema dos objectos, So Paulo, Perspectiva, p. 103-105].

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Pelo exposto, parece-nos, ao invs, que cada vez mais frequente que se d a conhecer publicamente as coleces privadas, registando-se uma extraordinria dinmica entre os museus de arte contempornea4. O estudo de caso que nos ocupa disso um exemplo: O MACE: da coleco privada fruio pblica assinala um momento de grande signicado na histria da museologia, a passagem da coleco da esfera privada para a pblica. 2. Antnio Cachola, um coleccionador discreto O papel do coleccionador Antnio Cachola (1949?) situa-se na interseco entre o domnio privado e o pblico. Esta tnue fronteira de domnios diz respeito abertura de museus de arte moderna e contempornea com coleces de provenincia privada em espaos pblicos, recuperados para aquele efeito que, todavia, continuam sendo privadas e protegidas por protocolos de tempo varivel. Assim, a coleco de Antnio Cachola de fruio pblica e foi constituda com esse intuito. Mas, de acordo com o protocolo assinado, em 2001, com a CME, o conjunto de obras anexo ao referido documento ca salvaguarda do MACE, sob a gura de depsito5. Desconhecemos a publicao de entrevistas concedidas na primeira pessoa do coleccionador, sendoAdelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

esse papel remetido para o actual director de programao do MACE, o crtico Joo Pinharanda. Antnio Cachola um quadro superior da empresa Delta Cafs. Natural de Elvas, o empresrio ocupa o lugar de director nanceiro da referida empresa, sediada em Campo Maior. A partir do Alentejo, o coleccionador ousou inscrever o nome Elvas, uma cidade raiana, e muito forticada, no circuito da arte contempornea. Como se pode ler, pretende-se: transformar um museu de fronteira num museu que ajude a acabar com as fronteiras: entre a arte contempornea e o pblico, entre centro e periferia, entre Portugal e Espanha6. No alcance deste objectivo, o museu surge como centro cultural em rede territorial, procurando-se estreitar uma cooperao com o MEIAC7.

4 Parafraseamos a ideia do artigo: Raquel Henriques da Silva (2008), Museus de arte contempornea: uma extraordinria dinmica, Museologia.pt, N. 2, Ano II, Lisboa, Instituto dos Museus e da Conservao, p. 113-125. 5 Protocolo de acordo entre a Cmara Municipal de Elvas e Dr. Antnio Cachola, Elvas, 21 de Abril de 2001 (Arquivo MACE). 6 Joo Pinharanda (2007), Uma coleco em progresso. Da necessidade da Coleco Antnio Cachola, Museu de Arte Contempornea de Elvas. Coleco Antnio Cachola. Um roteiro, Elvas, p. 9. 7 Ana Tostes (2008), Mace: espao de contemporaneidade e lugar de memria, Monumentos, Revista Semestral do Patrimnio Construdo e da Reabilitao Urbana, N. 28, p. 182.

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No ano de 1999, comeou a constituir-se a coleco. O pretexto foi a exposio temporria da Coleco Antnio Cachola realizada no MEIAC, naquele ano. Foi neste mbito que Joo Pinharanda iniciou a colaborao com Antnio Cachola para aferir a escolha das obras que seriam exibidas no Museu, imprimindo um tom museolgico ao conjunto de obras. O comissrio defende que: nenhum artista deve viver isolado na coleco [...]. Sempre o aconselhei a seguir o trabalho dos artistas [...]. Criar ncleos torna a coleco mais coesa, mais concentrada8. O seu nmero rondava, ento, as 100 obras e haviam sido adquiridas maioritariamente para aquela exposio. Foram exibidos 34 artistas. Para A. Pomar estava-se em presena de uma coleco de risco com apostas em emergncias recentssimas de artistas cujas obras escolares no puderam ainda conrmar-se em continuidades de trabalho e de um bem visvel gosto pela pintura9. Ora, este o maior desao de coleccionar a arte contempornea, e o coleccionismo privado , geralmente, mais arriscado e mais ousado. O que A. Pomar designa por uma coleco de promessas, para o coleccionador ser a sua singularidade e a genial capacidade criativa da arte contempornea portuguesa10. Perante estes argumentos, o crtico parece reivindicar o papel de museu como um espao de legitimao da arte, no qual haveria pouca margem para experincias.Adelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

Segundo o catlogo, a exposio organizou-se em trs grandes eixos, Corpo. Imagens do corpo, Lugar. As determinaes do lugar, Linguagem. Linguagem e decorao, e pretendeu mostrar a arte contempornea portuguesa nas dcadas de (19)80-9011. Estas dcadas transformar-se-iam no conceito da coleco e na baliza cronolgica a partir da qual a coleco se ancoraria. O comissrio fundamenta a opo: o objectivo genrico da coleco o de cobrir propostas criativas dos artistas portugueses a partir da dcada de 80, por motivos histricos e individuais. Os primeiros prendem-se com a visibilidade pblica que os artistas portugueses ganharam naquela dcada, e, os segundos tm que ver com a formao cultural e prossional do coleccionador que se rev, geracionalmente, em muitos artistas da coleco 12.

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Paula Brito Medori (2007), A coleco no vai parar, L+Arte, N. 38, Lisboa, p. 24. Alexandre Pomar, art. cit., acedido em 28 de Agosto de 2009.

10 Alexandre Pomar, O Museu de Elvas - MACE, http://alexandrepomar.typepad.com/ alexandre_pomar/2007/07/o-museu-de-elva.html, acedido em 1 de Setembro de 2009; Antnio Cachola (2009), Uma coleco, um museu, Coleco Antnio Cachola, Museu de Arte Contempornea de Elvas, Elvas, p. 13. 11 Joo Pinharanda (1999), Corpo, lugar, linguagem, Coleco Antnio Cachola. Arte portuguesa anos 80-90, Badajoz, p. 9-19. 12 Idem, p. 13.

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Antnio Cachola no se furta ao papel de coleccionador, isto , dene a coleco e intervm directamente na aquisio de obras em perseverantes negociaes, frequenta ateliers de artistas e galerias de arte, embora coadjuvado pelo comissrio, revelando, julgamos, prossionalismo no modo de entender a actividade. Aps aquela exposio, o coleccionador continuou a adquirir sem o comissariado de Joo Pinharanda que, apenas em 2003, voltaria quele papel. O objectivo era, ento, musealizar a coleco. 3. O MACE numa cidade raiana Em Julho de 2007, a revista L+Arte noticiou a abertura de dois museus dedicados arte moderna e contempornea no nosso pas, com coleces de provenincia privada, uma de mbito internacional e a outra de mbito nacional: Dois homens dois museus. Coleco Berardo e Coleco Cachola abrem ao pblico13. O MACE inaugurou em 6 de Julho de 2007. O depsito da coleco no Museu foi negociado entre Antnio Cachola e a CME. Para o efeito, foi adquirido pela CME o antigo Hospital e Mesa da Misericrdia de Elvas, em 2002, um edifcio, de caractersticas barrocas, do risco de Jos FranciscoAdelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

de Abreu, erguido em meados do sculo XVIII. Sofreu obras de beneciao para a sua nova funo museal propostas pelo arquitecto Pedro Reis e pelos designers Filipe Alarco e Henrique Cayatte, com apoio nanceiro do Programa Operacional da Cultura14. O Instituto Portugus dos Museus acompanhou, a par e passo, o desenvolvimento do processo, sendo da sua responsabilidade o projecto museolgico. Este programa pode ser lido como a estrutura terica da instituio nascente15. Da lista de cerca de 100 obras anexas ao programa, o coleccionador comprometeuse a acrescentar novas peas ao seu esplio. Actualmente, a coleco quase quadruplicou, perfazendo cerca de 407 obras16. As obras so mostradas ao pblico mediante a exposio permanente ou rotativa no espao nobre que a CME

13 L+Arte, N. 38, Lisboa, Julho de 2007. Porm, no foi includo o Museu da Fundao Antnio Prates, que inaugurou naquele ms e naquele ano, apesar de j ter encerrado. 14 Ana Tostes, art. cit., p. 179-182; (2009), Dossier da obra, Coleco..., p. 23-35.

15 Programa Preliminar/Programa Museolgico do Museu de Arte Contempornea de Elvas. Coleco Antnio Cachola, Dezembro de 2002 (Arquivo MACE). 16 (2009) Coleco..., p. 154-192.

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disponibilizou, o MACE17. A coleco de arte de Antnio Cachola de mbito nacional, balizada a partir dos anos 80, como j se referiu. Procura ser um reexo do trabalho dos artistas portugueses nos vrios suportes tcnicos: a pintura, a escultura, o vdeo, o desenho, a gravura, a fotograa, a instalao, ou seja, apresenta-se como um compndio da histria da arte portuguesa recente. Segundo a informao do catlogo raisonn esto representados 82 artistas, um nmero que duplicou face a 2001, o ano da assinatura do protocolo entre o coleccionador e a presidncia da CME18.

Instalao 24 ( 6%) Vdeo 29 (7%) Escultura 38 (9%) Gravura 50 (12%)

Fotografia 111 (28%)

Pintura 59 (14%)

Desenho 96 (24%)

Grco1 Col. Antnio Cachola ao nvel do suporte tcnico % (2008)

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No que respeita coleco, em 2008, e como se pode vericar no Grco 1 supra, a tcnica da fotograa a mais representada com 111 peas, correspondendo a 28% face totalidade das obras. Segue-se a tcnica do desenho, com 96 obras (24%)19. Na coleco guram: 59 pinturas (14%), 50 gravuras (12%), 38 esculturas (9%), 29 vdeos (7%) e 24 instalaes (6%)20. Relembrando o texto de A. Pomar, se, na primeira mostra da coleco no MEIAC, existia um bem visvel gosto pela pintura, o mesmo no se pode armar neste quadro de aquisies onde a pintura perde protagonismo para as tcnicas da

17 Sabe-se que as duas primeiras exposies temporrias, Uma coleco em progresso (0707-07 a 21-10-07) e Algumas paisagens (28-10-07 a 02-03-08), foram vistas por c. 7000 pessoas [Vide: Protocolo..., N. Visitantes 1. e 2. Exposio (Arquivo MACE)]. 18 (2009) Coleco....

19 No domnio do desenho, destacamos o virtuosismo de Joo Queiroz (1957) na reinveno da paisagem [Alexandre Melo (2007), Arte e artistas em Portugal, IC/Bertrand Editora, p. 101]. 20 Os valores do grco, da nossa autoria, tm por base o catlogo e devem ser lidos como aproximativos, dado o nvel contnuo de aquisies [(2009) Coleco..., p. 154-192)].

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fotograa e do desenho21. Por exemplo, a nvel da fotograa, Jorge Molder (1947), o artista mais velho na coleco que consolidou a importncia desta tcnica no contexto das artes plsticas na dcada de 8022, assina a srie Anatomia Boxe (199697) com 40 exemplares; Andr Gomes (1951) o autor de A casa da boneca, Cenas da vida libertina e Requiem, da srie A Carreira do libertino, com 24 fotograas (1994); e, Augusto Alves da Silva (1963) o autor da srie 3.16 de 11 fotograas, de 2003, imagens com uma forte conotao poltica. Na perspectiva do comissrio, os ncleos mais fortes da coleco so constitudos pelas obras de Pedro Calapez (1953), Rui Sanches (1954), Jos Pedro Croft (1957) ou Pedro Proena (1962)23. Efectivamente, na coleco procura-se acompanhar o percurso destes autores com obras dos anos 90 e da primeira dcada do sc. XXI. Jos Pedro Croft o artista plstico mais representado na coleco, a nvel do nmero de obras e de acompanhamento do percurso. As obras datam de 1995 a 2007 nas tcnicas da gravura, onde se destaca uma srie da 39 gravuras (2001), da escultura e do desenho (s.t., 1995, 1997, 1999, 2001, 2002, 2003, 2007), perfazendo 57 peas. Na perspectiva de Alexandre Melo, uma das caractersticas da conjuntura artstica dos anos 80 foi [...] produzida pela armao pblica de grupos informaisAdelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

de artistas [...]. Tais grupos correspondiam mais a cumplicidades de formao, promoo e atitude do que a anidades programticas ou estticas24. Pedro Calapez, Rui Sanches, Jos Pedro Croft e Pedro Cabrita Reis esto entre aqueles grupos e na coleco. Os artistas Ana Vidigal (1960), Ilda David (1955), Manuel Rosa (1953) e Xana poder-se-iam inscrever neste contexto. Julgamos que estes autores fundamentam o conceito da coleco ancorar nos anos 80, embora as obras da coleco datem da dcada seguinte. Miguel Palma (1964), Joo Tabarra (1966), Miguel ngelo Rocha (1964) e Rui Serra (1970) so artistas importantes da dcada seguinte, emergentes ao tempo em que guraram na exposio Imagens para os anos 90 e de diminuta presena na coleco Antnio Cachola25. A coleco foi sempre apresentada como um processo em crescimento, desde a primeira mostra em 1999. Na continuidade deste conceito, e parafraseando

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Alexandre Pomar, art. cit., acedido em 27 de Agosto de 2009. Alexandre Melo, ob. cit., p. 66. Paula Brito Medori, art. cit., p. 24. Alexandre Melo, ob. cit., p. 69.

25 Exposio comissariada por Fernando Pernes [Imagens para os anos 90 (1993), FS/Cmara Municipal de Chaves].

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o ttulo da primeira exposio temporria que teve lugar no MACE, esta uma coleco em progresso, e acrescentamos, em aberto, todavia ambiciosa porque se pretende como uma referncia obrigatria na interpretao da realidade artstica nacional26. Ora, ao longo destes dez anos, se a coleco triplicou ao nvel do nmero de artistas e quadruplicou ao nvel do nmero de obras, signica que a prioridade do coleccionador tem sido completar ncleos e tendncias. A primeira dcada do sculo XXI apresenta uma gerao de artistas uente na lngua franca da arte contempornea27, na medida em que se inserem no contexto internacional, utilizam uma linguagem de estilos plural, longe da ideia de grupo da dcada anterior. Exemplicativo deste percurso autoral, e em construo, so os trabalhos de Nuno Viegas (1977) com 17 obras na coleco; Pedro Gomes (1972) com 12; Rui Calada Bastos (1972) com 5; No Sendas (1972) com 4; ou Vasco Arajo (1975) com 4 obras. Recuperando a ideia do comissrio, o MACE deu a oportunidade a um Museu situado na fronteira de contribuir para acabar com as fronteiras. Concluso O perl de Antnio Cachola destaca-se como coleccionador de arte do tempo presente. A motivao lantrpica, cvica e esttica so caractersticas a imputar ao seu perl. Estamos perante um coleccionador que comeou por fazer uma exposio sem ter uma coleco, vindo a formar uma coleco para expor. Entre vicissitudes, e originalidade, a coleco constituiu-se museologicamente desde o momento mais embrionrio. Com dez anos de existncia, a coleco muito recente e no tem o habitual tempo de fermentao que as coleces privadas nos habituaram ao longo da Histria. Est muito implicada com os artistas da gerao do coleccionador, e foi constituda para o olhar do pblico. Os anos de maior signicado na sua histria so, 1999, 2001 e 2007, isto , o ano da primeira exposio no MEIAC, o ano da assinatura do protocolo com a CME e, nalmente, o ano em que o MACE abriu ao pblico. Em suma, a abertura do Museu numa cidade fronteiria vem, por um lado, atestar a dinamizao que os museus de arte moderna e contempornea, abertos ao pblico nesta primeira dcada do sc. XXI, trouxeram museologia, e, por outro, na perspectiva do coleccionismo, o conjunto de obras em permanente crescimento na

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Joo Pinharanda, ob. cit., 1999, p. 11. Alexandre Melo, ob. cit., p. 110.

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coleco contribui para potenciar o mercado da arte portugus. No que concerne ao futuro da coleco, consideramos da maior pertinncia a CME acautelar o terminus do protocolo, promovendo a formao de uma coleco prpria ou negociando, com o coleccionador, em termos que este abdique, paulatinamente, das obras.

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RefernciasBaudrillard, Jean (2006), O sistema dos objectos, So Paulo, Perspectiva. Cachola, Antnio (2009), Uma coleco, um museu, Coleco Antnio Cachola, Museu de Arte Contempornea de Elvas, Elvas, p. 11-13. Coleco Antnio Cachola, Museu de Arte Contempornea de Elvas (2009), Elvas. Imagens para os anos 90 (1993), FS/Cmara Municipal de Chaves. Jrgens, Sandra Vieira, Joo Pinharanda (Entrevista, Lisboa, 1 de Fevereiro de 2008), http://www.artecapital.net/entrevistas.php?entrevista=46 (acedido em 25 de Agosto de 2009). Medori, Paula Brito (2007), A coleco no vai parar, L+Arte, N. 38, Lisboa, p. 24-26. Melo, Alexandre (2007), Arte e artistas em Portugal, IC/Bertrand Editora. Pinharanda, Joo (1999), Corpo, lugar, linguagem, Coleco Antnio Cachola. Arte portuguesa anos 80-90, Badajoz, p. 9-19. Pinharanda, Joo (2007), Uma coleco em progresso. Da necessidade da Coleco Antnio Cachola, Museu de Arte Contempornea de Elvas. Coleco Antnio Cachola. Um roteiro, Elvas, p. 8-9. Pomar, Alexandre, Coleco de fronteira, http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_ pomar/2007/06/coleco_antnio_c.html (acedido em 27 de Agosto de 2009). Pomar, Alexandre, O Museu de Elvas - MACE, http://alexandrepomar.typepad.com/ alexandre_pomar/2007/07/o-museu-de-elva.html (acedido em 1 de Setembro de 2009).Adelaide Manuela da Costa Duarte O MACE: DA COLECO PRIVADA FRUIO PBLICA Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 28-40

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Alice Duarte O DESAFIO DE NO FICARMOS PELA PRESERVAO DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 41-61

Alice DuarteProfessora Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Docncia na FLUP desde 1990, em diversos dos seus Departamentos: Geograa, Sociologia, Cincias e Tcnicas do Patrimnio, Histria e Estudos Germansticos. Mestre em Antropologia Social e Cultural pela Universidade do Minho, em 1997, na especialidade de Etno-Museologia com a tese Coleces e Antropologia: Uma Relao Varivel Segundo as Estratgias de Objectivao do Saber.Doutorada em Antropologia pelo ISCTE, em 2007, na especialidade de Antropologia das Sociedades Complexas, com a dissertao Novos Consumos e Identidades em Portugal: Uma Perspectiva Antropolgica.A realizar projecto de investigao Ps-Doc aprovado pela FCT, em 2008, centrado na Etnograa das Organizaes de Cooperao e Desenvolvimento.

O DESAFIO DE NO FICARMOS PELA PRESERVAO DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIALAlice Duarte

Alice Duarte O DESAFIO DE NO FICARMOS PELA PRESERVAO DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 41-61

Resumo A adopo pela Conferncia Geral da Unesco da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, em Outubro de 2003, tem subjacente uma inteno de sensibilizao e proteco cultural que s pode ser graticante para a disciplina antropolgica dada a acrescida amplitude e vitalidade da noo de cultura que lhe est implcita. Contudo, a conceptualizao do patrimnio cultural imaterial (PCI) atravs sobretudo de um paradigma de salvaguarda e arquivo, corporizando um ethos preservacionista, tem em si um potencial limitativo que urge desaar. As implicaes preservacionistas devem ser analisadas nomeadamente ao nvel das actividades do Museu, defendendo-se aqui a necessidade de ultrapassar a dominncia de tal ethos como nica forma da instituio museolgica deixar de ser o Mausolu de que fala Theodor Adorno [1967], celebrando apenas a sobrevivncia do passado, e possa contribuir tambm para o orescimento e renovao das realidades culturais contemporneas. Palavras-chave: Patrimonio Cultural Imaterial, Museu, Conveno da Unesco

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Abstract The adoption by the UNESCO General Conference of the Convention for the Safeguarding of Intangible Cultural Heritage, in October of 2003, has the underlying intention of sensitization and cultural protection that can only be of gratication to the discipline of anthropology given the increasing volume and vitality of the notion of culture that this implies. However, the conceptualization of intangible cultural heritage (ICH) through above all the paradigm of safeguarding is archival, embodying a preservationist ethos which has a limiting potential that begs a challenge. The preservationist implications should be analyzed namely at the level of museum activities, defending in this paper the necessity of going beyond the dominance of such ethos, so that the museum institution is no longer the Mausoleum referred by Theodor Adorno (1967) which celebrates only the survival of the past and can contribute as well to the ourishing and renovation of contemporary cultural realities. Keywords: Intangible Cultural Heritage, Museum, UNESCO Convention

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Introduo Iniciada na dcada de 60 do sculo XX, a aco normativa da Unesco no domnio da proteco cultural produziu os seus primeiros efeitos concretos em 1972, com a adopo da Conveno para a Proteco do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural atravs da qual se procurava activamente fomentar a proteco e valorizao de um patrimnio cultural concebido como identicvel em objectos arquitectnicos, monumentais, escultricos e pictricos, em conjuntos coesos de estruturas edicadas e em lugares naturais humanizados com reconhecido valor histrico-esttico-antropolgico (Unesco, Paris, 1972). A concepo do patrimnio cultural demasiado restritiva a subscrita justicar as subsequentes sucessivas medidas promotoras da defesa e valorizao de bens culturais cujos contornos no os deniam como passveis de proteco pela legislao de 1972. Em 1989, a Conferncia Geral adopta a Recomendao sobre a Proteco da Cultura Tradicional e Popular. Em 1997 lanado o programa para a Proclamao das Obras-Primas do Patrimnio Oral e Imaterial da Humanidade cujas sucessivas Proclamaes de 2001, 2003 e 2005 sob a gide do japons Kochiro Matsuura como Secretrio-geral da Unesco vo inscrevendo at um total de 90 ObrasPrimas, correspondentes a outros tantos espaos culturais e formas de expressoAlice Duarte O DESAFIO DE NO FICARMOS PELA PRESERVAO DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL Actas do I Seminrio de Investigao em Museologia dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, Volume 1, pp. 41-61

populares e tradicionais. Finalmente,