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Instituto de Economia da UFRJ Edson Peterli Guimarães curso externo: Fundamentos da macroeconomia tradicional 1 FUNDAMENTOS DA MACROECONOMIATRADICIONAL Edson Peterli Guimarães ** PARTE 1 em elaboração 09/2015 Sumário 1.INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................................................................... 3 1.1 A Economia clássica ................................................................................................................................................................................................................................. 3 1.1. A teoria MACROECONOMICA ................................................................................................................................................................................................................ 4 1.2.Ramificações da Macroeconomia ........................................................................................................................................................................................................ 6 1.2.1. síntese neoclássica ............................................................................................................................................................................................................................................................6 1.2.2 A curva de Phillips..............................................................................................................................................................................................................................................................7 1.2.3 Monetaristas .........................................................................................................................................................................................................................................................................7 1.2.4. Teoria novoclassica........................................................................................................................................................................................................................................................9 1.2.5 Os novos Keynesianos ......................................................................................................................................................................................................................................................9 1.2.6 Estruturalistas .................................................................................................................................................................................................................................................................. 10 1.3 Um pouco de Historia ............................................................................................................................................................................................................................ 11 1.4. antecedentes ........................................................................................................................................................................................................................................... 14 2. O PRODUTO .............................................................................................................................................................................................................................. 16 2.1. A Mensuração do Produto e da renda ............................................................................................................................................................................................. 19 2.1.1 Distinção entre Produto Bruto e Produto Líquido ............................................................................................................................................................................................ 20 2.1.3. Produto Real e Nominal ............................................................................................................................................................................................................................................... 22 2.2. Índices de Preços ................................................................................................................................................................................................................................... 22 2.3. O Excedente Econômico ....................................................................................................................................................................................................................... 27 2.3.1 A Macroeconomia e o Excedente Econômico ...................................................................................................................................................................................................... 30 3. IDENTIDADES BÁSICAS ......................................................................................................................................................................................................... 36 3.1 Uma Economia Simples ......................................................................................................................................................................................................................... 37 3.2 Introduzindo o Governo e o Mercado Externo.............................................................................................................................................................................. 38 3.3 Renda e o Balanço de Pagamentos .................................................................................................................................................................................................... 40 3.3.1 Aspectos monetários do Balanço de Pagamentos ............................................................................................................................................................................................. 42 4. FUNÇÃO CONSUMO E DEMANDA AGREGADA ................................................................................................................................................................ 45 4.1. Multiplicador dos Investimentos ..................................................................................................................................................................................................... 46 4.2.1. Acelerador dos investimentos .................................................................................................................................................................................................................................. 47 ** Professor Associado do Instituto de Economia e coordenador da PósGraduação em Comércio Exterior (ECEX) da UFRJ.

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Instituto de Economia da UFRJ Edson Peterli Guimarães curso externo: Fundamentos da macroeconomia tradicional

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 FUNDAMENTOS    DA    MACROECONOMIA  TRADICIONAL  Edson  Peterli  Guimarães**  

PARTE  1  em  elaboração  09/2015  

Sumário  

1.INTRODUÇÃO  ...............................................................................................................................................................................................................................  3  1.1  A  Economia  clássica  .................................................................................................................................................................................................................................  3  1.1.  A  teoria  MACROECONOMICA  ................................................................................................................................................................................................................  4  1.2.Ramificações  da  Macroeconomia  ........................................................................................................................................................................................................  6  1.2.1.  síntese  neoclássica  ............................................................................................................................................................................................................................................................  6  1.2.2  A  curva  de  Phillips  ..............................................................................................................................................................................................................................................................  7  1.2.3  Monetaristas  .........................................................................................................................................................................................................................................................................  7  1.2.4.    Teoria  novo-­‐classica  ........................................................................................................................................................................................................................................................  9  1.2.5  Os  novos  Keynesianos  ......................................................................................................................................................................................................................................................  9  1.2.6  Estruturalistas  ..................................................................................................................................................................................................................................................................  10  

1.3  Um  pouco  de  Historia  ............................................................................................................................................................................................................................  11  1.4.  antecedentes  ...........................................................................................................................................................................................................................................  14  

2.  O  PRODUTO  ..............................................................................................................................................................................................................................  16  2.1.  A  Mensuração  do  Produto  e  da  renda  .............................................................................................................................................................................................  19  2.1.1  Distinção  entre  Produto  Bruto  e  Produto  Líquido  ............................................................................................................................................................................................  20  2.1.3.  Produto  Real  e  Nominal  ...............................................................................................................................................................................................................................................  22  

2.2.  Índices  de  Preços  ...................................................................................................................................................................................................................................  22  2.3.  O  Excedente  Econômico  .......................................................................................................................................................................................................................  27  2.3.1  A  Macroeconomia  e  o  Excedente  Econômico  ......................................................................................................................................................................................................  30  

3.  IDENTIDADES  BÁSICAS  .........................................................................................................................................................................................................  36  3.1  Uma  Economia  Simples  .........................................................................................................................................................................................................................  37  3.2  Introduzindo  o  Governo  e  o  Mercado  Externo.  .............................................................................................................................................................................  38  3.3  Renda  e  o  Balanço  de  Pagamentos  ....................................................................................................................................................................................................  40  3.3.1  Aspectos  monetários  do  Balanço  de  Pagamentos  .............................................................................................................................................................................................  42  

4.  FUNÇÃO  CONSUMO  E  DEMANDA  AGREGADA  ................................................................................................................................................................  45  4.1.  Multiplicador  dos  Investimentos  .....................................................................................................................................................................................................  46  4.2.1.  Acelerador  dos  investimentos  ..................................................................................................................................................................................................................................  47  

**Professor  Associado  do  Instituto  de  Economia  e  coordenador  da  Pós-­‐Graduação  em  Comércio  Exterior  (ECEX)  da  UFRJ.  

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4.2.  Demais  multiplicadores  ......................................................................................................................................................................................................................  47  5.  Moeda  e  bancos  .......................................................................................................................................................................................................................  49  5.1  moeda  na  macroeconomia  ...................................................................................................................................................................................................................  52  5.2.  Bancos  ........................................................................................................................................................................................................................................................  55  5.2.1  Politica  Monetária  Brasileira  ......................................................................................................................................................................................................................................  57  

5.3  Taxa  de  Câmbio  .......................................................................................................................................................................................................................................  58    

 

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1.INTRODUÇÃO  

1.1  A  ECONOMIA  CLÁSSICA    As   empresas,   os   consumidores,   o   governo   e   demais   instituições   fazem  escolhas  e  tomam  decisões  econômicas  baseados  em  uma  multiplicidade  de  fatores.   Os   bens   e   serviços   escolhidos   somados   por   categorias   de   uso   dão  origem   aos   agregados   econômicos   cujos   principais   são:   consumo   das  famílias   e   das   empresas   (investimento),   vendas   externas   (exportação),  compras   dos   residentes   de   mercadorias   fabricadas   em   outros   países  (importação),   receitas,   gastos   e   dívidas   do   governo,   poupança   (ativos  monetários   e   financeiros)   e   contas   do   balanço   de   pagamentos.   A  macroeconomia   é   uma   disciplina   funcional   que   procura   desvendar  justamente   a   influência   que   os   agregados   possuem   na   determinação   da    renda  nacional  e  do  emprego.    

Seu  estudo  se  divide  em  dois  ramos:  o  mercado  real  e  o  mercado  monetário  e  de  títulos  financeiros.  Como  tudo  em  economia  gira  em  torno  de  processos  de  escolha,  as  variações  na  liquidez  do  sistema  econômico  alteram  os  preços,  pelo  menos  no  curto  prazo,  e   influenciam,  portanto,  as  escolhas  individuais  que   formam   os   agregados   econômicos   constituídos   por   bens   e   serviços.  Devemos  tratar  o  mercado  real    e  o  mercado  monetário  e  de  títulos  de  modo  compartilhado.  A  investigação  macroeconômica  de  como  um  mercado  afeta  o  outro  procura  revelar  a)  as  causas  do  crescimento  econômico,  b)  o  alcance  dos  aspectos  monetários  para  a  estabilidade  de  preços,  c)  as  implicações  que  possam  ter  para  a  distribuição  de  renda  e  d)  as  relações  econômicos  do  país  com  o  resto  do  mundo  representadas  no  balanço  de  pagamentos.    

Os   fundamentos   da   macroeconomia   foram   construídos   por   John   Maynard  Keynes   e   Michael   Kalecki   no   início   do   século   XX   causando   impactos  significativos  na  compreensão  do  mundo  econômico.    John  Maynard  Keynes,  de   origem   inglesa,   sintetizou   seu   pensamento   no   livro   “A   Teoria   Geral   do  Emprego,  do   Juro  e  da  Moeda”,  publicado  em  1936.  Suas   ideias  mostraram  

um   mundo   econômico   bem   diferente   do   postulado   pelos   economistas   da  época,   denominados   (neo)clássicos.   Michael   Kalecki,   de   origem   polonesa,  versado  nos   estudos  da   economia  política  de   cunho  marxista,   publicou   em  1933,   “Esboço   de   uma   Teoria   de   Ciclo   Econômico”.   Nesta   publicação,   com  roupagem   diversa   da   utilizada   por   Keynes,   Kalecki   contemplou   aspectos  seminais   da   dinâmica   da   economia   capitalista   que   se   aproximam   da  interpretação  keynesiana  sobre  a  mundo  econômico.    Nesta  época,  eles  não  se  conheciam  e  muito  menos  os  trabalhos  um  do  outro.  

A   visão   dos   economistas   das   escolas   clássica   (séculos   XVII   e   XVIII)   e  neoclássica   (segunda  metade   do   século   XIX)   era   de   um  mundo   econômico  perfeito,  harmônico  e  equilibrado.  Esse  mundo  maravilhoso  era  construído  com   preços   totalmente   flexíveis   que   subjugados   pelas     forças   de  mercado  harmonizavam-­‐se   para   garantir   o   máximo   bem-­‐estar   social.   O  comportamento   interesseiro   dos   vendedores   e   dos   compradores  determinava  o  alcance  do  bem-­‐estar  social:  “o  leiloeiro”  –mercado–  somente  finaliza   a   contenda,   batendo   o  martelo,   quando   o   preço   fechado   oferece   o  mesmo  grau  de  satisfação  obtido  pelo  comprador  e  pelo  vendedor.  Qualquer  perturbação   dessa   ordem   era   inimaginável   pela   visão   econômica  convencional   da   época   e   se,   por   ventura,   ocorresse   seria   ocasional,    passageira  e  sem  importância.      

A  depressão  no  início  do  século  XX,  nos  Estados  Unidos,  mostrou  que  não  era  bem  assim  que  funcionava  o  sistema  econômico.  Essa  evidência,  sem  dúvida  contribuiu   para   que     Keynes   e   Kalecki   construíssem   os   fundamentos   da  macroeconomia  atual.  

Essa   construção   teórica   do  mundo   econômico   feita   nos   idos   anteriores   ao  século  XX  por  um  conjunto  de  economistas  clássicos  (antigos)  e  neoclássicos  (novos)   tem   apelos   fortes.   Além   de   propagar   as   forças   de   mercado   como  elemento  central  para  o  alcance  do  bem-­‐estar  social,  consideram  a  produção  

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representada   eminentemente   por   fatores   técnicos   cuja   essência   desaloja  qualquer   conflito   social   do   mundo   econômico1.     A   flexibilidade   de   preços  permitindo   que   o   exercício   das   forças   de   mercado   fosse   pleno   levaria   a  economia  para  uma  alocação  ótima  de  recursos.  

 

 

 

 

 

 

 

 

A   figura   acima   ilustra   esse   esquema.   A   produção   pode  ser   representada   como   uma   máquina   processadora   que   ao   final   do   ciclo  produtivo   resulta   nos   a)   bens   de   capital,   bens   intermediários   e   outros  insumos  que  se  destinam  as  empresas  e  b)  bens  e  serviços  finais  dedicados  as   famílias.   Todos   adquirem   os   bens   e   serviços   mediante   compras   nos  

1 Excetua-se dessa concepção a linha econômica clássica marxista cujo

enfoque central consiste justamente no conflito social originado nas relações sociais que se estabelecem para a produção de bens e serviços no sistema capitalista.

mercados  respectivos  com  as  rendas  auferidas  por  cederem  seus  fatores    de  produção   (força   de   trabalho,   capital,   recursos   naturais)   a   máquina  processadora   (empresas).   Os   empresários   recebem   rendimentos   (lucros)  também  por  organizarem  a  produção.    

Nesta  linha  de  pensamento,  a  combinação  mais  rentável  entre  os  fatores  de  produção  vai  sendo  estabelecida  até  a  sua  plena  capacidade  e  a  distribuição  dos   produtos   são   reveladas   pela   forças   de   mercados   que   ajustam   preços  levando   a   economia   para   um   único   e   imutável   equilíbrio   (entre   oferta   e  demanda)  econômico.    

Para   esta   escola   a   variação   da   oferta   monetária   é   irrelevante.   A   moeda   é  simplesmente   um   meio   de   troca   precificando   os   bens   e   serviços  imediatamente,  quando  por  qualquer  razão,  sua  quantidade  varia.  Os  preços  nominais   dos   bens   e   serviços   (cotados   pela   quantidade   de  moeda)   podem  variar,   mas   as   relações   entre   eles   não   se   modificam   com   a   variação  monetária,  pois  os  compradores  e  vendedores  -­‐  produtores  -­‐    sabem  quanto  uma  mercadoria   ou   um   serviço   custa   em   termos   reais.   A   moeda   na   visão  desses   economistas,   é   exógena   ao   sistema   e,   nesse   mundo   de   economia  clássica,  ela  não  tem  o  poder  de  influenciar  o  processo  de  escolha  do  quanto  consumir   de   um   bem   ou   serviço   ou   do   quanto   produzi-­‐los.   Ela   é  simplesmente  um  veiculo  de  trocas.  

1.1.  A  TEORIA  MACROECONOMICA  A   literatura   corrente   aponta,   pelo   menos,   quatro   abordagens   originais   de  Keynes   e   Kalecki   que   descontroem   o   mundo   econômico   harmônico   e  equilibrado  conforme  pensado  pelos  economistas  (neo)clássicos.  A  primeira  e   mais   importante   delas   consistiu   na   consideração   de   que   o   sistema  econômico  não  é  comandado  exclusivamente  pela  oferta  de  bens  e  serviços  no   sentido   da   produção   gerar   renda   destinada   ao   consumo   (presente   ou  futuro),  como  sugerido  na  figura  acima,  levando  a  produção  a  se  estabelecer  no   pleno   emprego.     Os   indivíduos   (as   empresas)   podem   desejar   consumir  (investir   em)   produtos   não   necessariamente   em   linha   com   a   oferta  

MAO  DE  OBRA    

CAPITAL        

RECUSOS  NATURAIS  

Bens  de  Capital    Bens  

Intermediários,    Matérias  primas,    

Insumos  elaborados  e  Serviços  

Mercado  das  

Família

Mercado  das  

Empresas  

Bens  finais  e  serviços

 INSUMOS

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(demanda),   decorrendo   desse   fato   desajustamentos   econômicos.   Esse  comportamento  das  empresas  e  consumidores  foi  explorado  por  Keynes  de  maneira   exemplar,   constituindo   basicamente   o   arcabouço   teórico   da  macroeconomia.  O  livre  arbítrio  que  os  indivíduos  têm  com  respeito  a  renda  propiciam   movimentos   econômicos   erráticos   que   podem   convergir   a   um  equilíbrio  econômico  com  desemprego  de  fatores  de  produção.  Essa  situação  era   inimaginável   pelos   economistas   (neo)clássicos.     As   ações   dos  consumidores   e   dos   investidores   formam   o   que   Keynes   denominou   de   o  princípio   da   demanda   efetiva   que   não   necessariamente   garantem   o   pleno  emprego  dos  fatores.      

A   segunda   abordagem   original   invalida   a   premissa   dos   economistas  (neo)clássicos   de   que   os   preços   são   totalmente   flexíveis   e   não   exercem  influência   no  meio   econômico.  Keynes   constatou  que   os   preços   da  mão  de  obra  e  de  muitos  serviços  públicos  tendem  a  certa  rigidez,  pelos  menos,  no  curto  prazo.   Isso   ficou  evidenciado  nos  anos  de  1920,  na  grande  depressão  dos  Estados  Unidos  da  América.  Dificilmente  os  empresários  iriam  entabular  novas  produções  aumentando  o  emprego  e  a   renda  da  economia  com  base  somente  em  um  livre  jogo  das  forças  de  mercado  cuja  essência  levava  a  uma  queda  generalizada  de  preços.  Assim,  a   relação  Preço/Custo  desestimulava  os   investimentos   dos   empresários,   pois   que   seus   preços   de   venda   caem  (deflação)  e  os  custos  da  mão  de  obra  e  de  muitos  insumos  permanecem,  no  mínimo,  constante.  Nos  cálculos  empresariais  os  pagamentos  aos  fatores  de  produção  são  considerados  custos  e,  por  isso,  a  lógica  empresarial  não  adota  isoladamente  estratégias  que  incorporem  o  reconhecimento  de  que  salários  são   poder   de   compra:   demanda   agregada   que   estimula   a   expansão   dos  velhos  empreendimentos  e  a  criação  de  novos2.    

2 Se  esse  reconhecimento  fosse  explicitado  e  houvesse  um  acordo  tácito  entre  os  empresário,  as  crises  econômicas  clássicas  poderiam  ser  postergadas:  bastaria  queimar  capital  (por  meio  de   fusões   e   incorporações   empresariais)   ou   aumentar   o   preços   dos   fatores   de   produção  elevando   a   renda   para   estimular   o   consumo.     Os   empresários   fazem   muitas   coisas  

Com   deflação,   o   acréscimo   de   mais   uma   unidade   de   trabalho   fica  condicionada  a   redução  do   salário  para  manter  a  mesma  margem  de   lucro  empresarial.    

Keynes,  alertou  que  essa  situação  causa  dois  efeitos,  pelo  menos.  O  primeiro,    com  preços  dos  produtos  em  queda,  os  empresários  não  são  estimulados  a  investir.    O   segundo,   contempla   a   resistência  dos   trabalhadores   a  menores  salários  e  mesmo  o  aceitando,  o  salário  deveria  cair  mais  do  que  os  preços  dos  bens  e  serviços  para  propiciar  uma  rentabilidade  empresarial  atraente.  Esses   dois   efeitos   são   suficientes   par   reduzir   a   demanda   agregada   com   os  quais   se   evidencia   a   dificuldade   da   saída   da   crise   por   mecanismos  automáticos   de   preços.   Keynes   advogou   que   os   indivíduos,   diferente   da    suposição  clássica,  não  ajustam  imediatamente  preços  relativos  as  variações  nominais,  principalmente  o  valor  da  mão  de  obra:   existiria,  portanto,   certa  “ilusão  monetária”  com  qual  os  governos  poderiam  contar  para    estabilizar  a  economia   em   direção   ao   pleno   emprego,   por  meio   de   políticas   de   rendas:  maior   oferta   monetária   eleva   os   preços   nominais   dos   bens   e   serviços,  conquanto   salários   e   preços   fixados   contratualmente   sobem   menos  estimulando,  portanto,    a  produção.  

A   terceira   abordagem   significou   também   um   avanço   teórico   considerável  que  até  hoje  é  objeto  de  uma  intensa  discussão.  Perdas  e  ganhos  (risco)  nos  processos   de   escolha   foram   explicitamente   considerados   na   teoria   de  Keynes:   as   pessoas   mantêm   saldos   em   dinheiro   aguardando   o   momento  mais   adequado   de   especular   (arriscar)   com   os   ativos   financeiros   que   eles  entendam   de   maior   rentabilidade.   Na   visão   neoclássica,   no   entanto,   é  inconcebível  alguém  guardar  dinheiro  em  vez  de  buscar  imediatamente  um  retorno  para   ele:   a   taxa   de   juros,   neste   caso,   é   um   fenômeno   real   definida  

conjuntamente,  mas   dificilmente   se   acertam   com  os   concorrentes   definindo   conjuntamente  suas  estratégias  de  expansão,  o  que  inviabiliza  a  prática  anticíclica  comentada.  

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pelo  volume  de  poupança  disponível  ao  investimento  pretendido.  Já  para  os  seguidores   de     Keynes,   a   taxa   de   juros   é   um   fenômeno   monetário   e   a  formação   da   poupança   é   função   da   renda   e   dos   saldos   especulativos.   De  acordo   com  a   teoria   de  Keynes,   a   poupança   é   um   resíduo  que  dependente  somente   da   renda,   e   as   decisões   de   investimento   seriam   dominadas   pelo  "espírito  animal"  do  empresariado.  

Kalecki,  por  outro  lado,  mostrou  que  na  dinâmica  capitalista  o  investimento  é  autofinanciado,  ou  seja  ele  cria  poupança,  com  independência  da     taxa  de  juros,  no  mesmo  montante  em  que  se  realiza.  Essa  é  uma  questão,  portanto,  que  ainda  não  está  de  todo  resolvida  empiricamente.  

A   quarta   abordagem   apoia-­‐se   integralmente   no   principio   da   demanda  efetiva,   mencionado   anteriormente.   Advoga   a   ideia   de   um   Estado  interventor   na   economia   com   potencialidades   para   manipular   a   demanda  efetiva  em  um  ambiente  econômico  com  superprodução  e  elevados  estoques  nas  empresas.    Dentre  as  quatro  abordagens,  a  que  causou  maior  impacto  no  meio  político  e  econômico  parece  ter  sido  essa:  a  ideia  do  governo  expandir  déficits  públicos  para  ampliar  o  emprego  e  a  renda.  O  estranhamento  desta  proposta  deveu-­‐se  por  um   lado  ao  reconhecimento,  no   início  do  século  XX,  que  a  intervenção  do  Estado  na  economia  era    coisa  de  regimes  totalitários,  portanto   de   difícil   aceitação   em   ambientes   democráticos   e   por   outro,   ao  abalo   que   causava   no   pensamento   da   economia   clássica   cuja   concórdia   e  harmonia  oriunda  das   forças  de  mercado  dispensava  qualquer   intervenção  externa   (como   o   governo)   na   economia.     Kalecki,   com   outra   palavras,  insinuou  a  contribuição  do  Estado  como  essencial  a  dinâmica  capitalista  por  conta   dos   gastos   de   diversas   ordens   (em   infraestrutura,   guerras,   obras  públicas   e   demais   empreendimentos   demandados   ao   setor   privado)  acionados   com   efeitos   anticíclicos,   por   elevar   a   demanda   agregada   em   um  ambiente  de  elevada  capacidade  ociosa  em  diversos  segmentos  produtivos  e  com  elevados  estoques  (invendáveis).    

Uma  das   evidências   recentes  da  validade  dos  ensinamentos  oferecidos  por  

John   Maynard   Keynes   e   Michael   Kalecki   foi   os   estímulos   aplicados   pelo  governo  norte-­‐americano  para  fortalecer  a  demanda  agregada,  como  solução  para   a   crise   instaurada   no   ano   de   2008.   Guardadas   as   proporções,   esta  mesma   política   havia   sido   adotada   pelo   governo   Franklin   D.   Roosevelt   na  década   de   30   para   reativar   a   economia   estadunidense   com   base   nas  proposições  desses  dois  pensadores3.    

1.2.RAMIFICAÇÕES  DA  MACROECONOMIA    

1.2.1.  SÍNTESE  NEOCLÁSSICA  Vários   economistas   imediatamente     se   debruçaram   sobre   a   livro   A   Teoria  Geral   do   Emprego,   dos   Juros   e   da   Moeda   de   J.   M.   Keynes,   após   a   sua  publicação   em   1936,   procurando   dar   um   acabamento   formal   aos   nexos  existentes  entre  os  agregados  econômicos  para  se  alcançar  o  pleno  emprego.    Hicks   foi   o   economista   que   mais   se   destacou   nesta   tarefa.4   A   elegância  matemática  e  as  proposições  teóricas  resumidas  por  esse  autor  fez  com  que  a   macroeconomia   fosse   absorvida   pelo   meio   acadêmico   e   politico   com  sucesso.  Ele  modelou  a  Teoria  Geral  estabelecendo  níveis  de  equilíbrio  entre  o  mercado   real   [investimento   (I)   e   Poupança   (S)]   e   o   mercado  monetário  [demanda  (L)  e  oferta  (M)  de  moeda].  Toda  a  modelagem  esta  ancorada  na  ideia   neoclássica   de   que   as   variações   na   quantidade   de   moeda   são  instantaneamente  recolhidas  pelos  preços,  justamente  por  que  os  indivíduos  nos  seus  processos  de  escolha  não  se  deixam  atrapalhar  pelas  variações  da  

3   Na   grande   depressão,   a   relação   entre   preços   e   nível   de   emprego   foi   interpretada  explicitamente   por   Keynes   como   sendo   a   deflação   a   principal   causa   do   desemprego:   os  empresários   não   investem  quando   o   preço   do   produto   está   caindo.   Assim,   um   conjunto   de  incentivos   foi   criado,   denominado   de   New   Deal,   perpetuados   nos   anos   de   1933   a   1937  justamente   para   dar   maior   liquidez   ao   sistema   econômico,   ao   mesmo   tempo   que   se  aumentava  o  gasto  público.      4   A   maioria   das   publicações   macroeconômicos   convencionais   apresentam   o   modelo   IS-­‐LM  desenvolvido   por   John   Richard   Hicks.   Ver,   contudo,   capítulos   3   e   5   de   Blanchard,   O.,  Macroeconomia,   Ed.   Campus,   2001,   que   desenvolve   de   maneira   bem   acessível   a   síntese  neoclássica.  .  

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oferta  monetária  mantendo   a   relação   entre   os   preços   dos   bens   constante.  Somente   a   taxa   de   juros   varia   nominalmente,   ou   seja,   é   influenciada   pela  demanda  e  oferta  de  moeda  mas  não  é  influenciada  pelo  nível  de  preços.  Seu  exercício   associa-­‐se   as   variações   da   oferta   monetária   em   relação   a   sua  procura  determinando  o  equilíbrio  /  desequilíbrio  entre  os  mercados.    

A   síntese  neoclássica  ganhou   forte  aderência  no  ensino  da  macroeconomia  nas  universidades  por  conta  das  representações  geométricas  de  casualidade  entre   Produto   e   Renda   causadas   pelos   nexos   existentes   entre   os  mercado  real  e  monetário  (IS-­‐LM),  onde  o  equilíbrio  (desequilíbrio)  em  um  mercado,  por  tautologia,  significa  equilíbrio  (desequilíbrio)  no  outro.    Ate  meados  dos  anos  de  1970,  pode-­‐se  dizer  que  o  entendimento  das  variações  entre  IS-­‐LM  resumiam  todo  o  estudo  da  macroeconomia,  pelo  menos  nas  universidades  brasileiras.    

1.2.2  A  CURVA  DE  PHILLIPS  Em  1958  o  economista  William  Phillips  usando  dados  da  Inglaterra  de  1861  a   1957,   evidenciou   relação   negativa   entre   a   taxa   nominal   dos   salários  (inflação)   e   a   taxa   de   desemprego.   Essa   relação   ganhou   status   de   “modelo  teórico”   passando   a   ser   denominada   de   curva   de   Phillips,   quando  economistas   norte   americanos   (Paul   Samuelson   e   Robert   Solow)  encontraram   efeito   semelhante   para   a   economia   dos   Estados   Unidos   da  América.   Se   a   inflação   aumentava,   diminuía   o   desemprego   e   quando   ela  diminuía   o     desemprego   aumentava,   pelo   menos   no   curto   prazo.   Os  resultados   empíricos   entre   inflação   e   desemprego   contribuíram   para   os  formuladores   de   politica   econômica   introduzirem   os   efeitos   desse   nexo  causal  no  exercício  da  politica  monetária  

As  propostas  keynesianas  para  estimular  a  demanda  efetiva  passavam  agora  

pelo   crivo   da   curva   de   Phillips5.     A   evidência   de   que   havia   uma   relação  contrária  entre  a  taxa  de  desemprego  e  a  taxa  de  inflação  elevou  o  status  da  política   fiscal   e   monetária   não   somente   para   controlar   a   liquidez,   mas  fundamentalmente  para  avaliar  o  custo  inflacionário  das  políticas  fiscais  de  promoção   da   atividade   econômica   centradas   nos   déficits   públicos.   A  importância   desses   resultados   foram   naturalmente   pavimentando   a  aceitação   da   curva   de   Phillips   pelos   acadêmicos   e   pelos   formuladores   da  politica   econômica.  No   início   dos   anos   de   1970,   ela   passou   a   ser,   contudo,  bastante   criticada,   justamente   pela   relação,   experimentada   em   diversos  países,   contrária   a   evidência   exibida   pela   curva   de   Philips   para   os   anos  anteriores.    Taxas  de  inflação  e  desemprego  passaram  a  se  correlacionar  de  modo  contraditório,  caracterizando  o  que  ficou  conhecido  como  estagflação:  uma  mistura  de  inflação  com  estagnação  econômica.    

Essa   situação   atraiu   o   interesse   dos   economistas   para   investigar   a  fragilidade  da  teoria  de  Keynes  e  da  curva  de  Phillips  que  tivera  outrora  uma  aceitação   inconteste.   Lembre   que   a   preocupação   primeira   de   Keynes   era  com   respeito   ao   desemprego   e   de   como   politicas   fiscais   e   monetárias  poderiam  diminui-­‐lo.  Essa  questão  ainda  é  presente  em  toda  a  envergadura  macroeconômica,   mas   o   fenômeno   da   estagflação   estabeleceu   uma   brecha  teórica  propiciando  o  surgimento  de  novos  enfoques  explicativos  dos  efeitos  monetários   e   fiscais   sobre   o   nível   de   emprego.   Quatro   escolas   de  pensamento   macroeconômico   foram   se   fortalecendo,   cada   qual   com   sua  matriz  teórica  para  explicar  o  fenômeno  da  estagflação  e  posteriormente  se  consolidar   como   um   ramo   particular   de   estudos   macroeconômicos:  Monetaristas,  Novos  Clássicos,  Novos  Keynesianos  e  Estruturalistas.    

1.2.3  MONETARISTAS  Essa   linha  de  pensamento   ficou  conhecida  como  a  macroeconomia  oriunda  

5.  Ver  Blanchard,  O.  op.cit.  e  para  contextualização  histórica  Humprey,  T.M  (1985);  The  early  history  of  the  Phillips  Curve.  Disponível  em  <http://ideas.repec.org/a/fip/fedrer/y1985isep-­‐octp17-­‐24nv.71no.5.html  .  

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da   “Escola   de   Chicago”.   Milton   Friedman   foi   o   principal   mentor   dos  ensinamentos   monetaristas.   Os   que   seguem   essa   linha   de   pensamento  advogam  que  a  variação  na  quantidade  de  moeda  não  exerce  feitos  reais  no  longo   prazo,   embora   possa   exerce-­‐lo   no   curto-­‐prazo   mas,   que  inexoravelmente   irão   se   ajustar   no   longo   prazo,   invalidando   os   efeitos  causados  pelas  variações  da  moeda  no  curto  prazo6.        

Seus   argumentos   apoiavam-­‐se   no   pouco   sucesso   da   política   fiscal  expandindo   a   demanda   efetiva   com   a   economia   perto   do   pleno   emprego  (taxa  natural  de  desemprego  no  longo  prazo).    O  resultado  esperado  seria  a  elevação   de   preços   e   da   taxa   de   juros   nominal   desestimulando   o  investimento,  que  é  o  principal  elemento  propiciador  de  demanda  agregada.  Apesar   dos   escritos   de   Friedman  mais   comentados,   anteriores   ao   anos   de  1070,   não   colocarem   a   questão   da   estagflação   (inflação   com   estagnação  econômica)   como   decorrentes   de   politicas   fiscais   e   monetárias  expansionistas,   seus   resultados   analíticos   parecem     antever   processos   de  estagflação    que   foram  se   instaurando  em  diversos  países  que  adotaram  as  politicas  keynesianas,  no  final  dos  anos  de  19790.  

Friedman  reviveu  a  Teoria  Quantitativa  da  Moeda,  construída  por  Fischer  no  início  do  século  XIX,  mantendo  sua  essência:  uma  oferta  monetária  servindo  exclusivamente   ao  mecanismo   de   troca7.   Qualquer   variação   da   quantidade  de  moeda  no  sistema  rebateria  exclusivamente  nos  preços.    Milton  Friedman  revelou  a  existência  de  uma  demanda    por  moeda  correlacionada  aos  preços,  juros   e   produto.   O   equilíbrio   no   mercado   monetário   passava   a   ser  meramente  uma  questão  de  calibragem  da  oferta  uma  vez  definidos  metas  a  serem   alcançadas.   Com   estas   condições,   o   exercício   da   política   monetária  sobre   rendas   e   preços   poderia   ser   coroado   de   sucesso   no   curto   prazo,   na  

6   Ver   Lopreato,   F.   L.   (2013);   Milton   Friedman   e   a   efetividade   da   política   fiscal,   Revista   de  Economia  Contemporânea,  vol.  17,  no  2,  maio-­‐agosto.    7  Essa  questão  será  abordada  com  mais  detalhes  no  capitulo  5  adiante.  

ocorrência   de   algum   desajustamento   entre   a   taxa   efetiva   de   emprego   e   a  taxa  natural  de  emprego  da  economia.    

Os  monetaristas,   embora,   aceitem  que   a  moeda   possa   exercer   efeitos   para  aumentar   o   emprego   no   curto   prazo,   quando   a   taxa   natural   de   emprego  ainda   não   foi   alcançada,   sugerem   que   a   sua   adoção   é   prejudicial   no   longo  prazo,  pois  a  oferta  de  produtos  está  limitada  no  longo  prazo:  o  crescimento  do  produto  depende  exclusivamente  de  variáveis  estruturais  que  aumentem  a   produtividade   do   trabalho.   Os   aspectos   monetários,   nessa   linha   de  pensamento,   não   são   tão   importantes   como   educação   e   avanços  tecnológicos,  por  exemplo,  para  o  crescimento  do  produto.    

 De  resto,  no  debate  com  os  keynesianos,  a  linha  de  pensamento  monetarista  advoga   que   o   não   reconhecimento   pelas   autoridades   monetárias   das  pressões  de  demanda,  no  período  que  antecedeu  a  crise  de  1929  nos  Estados  Unidos,   foi   justamente   a   principal   causa   da     deflação   e   não   uma   suposta  insuficiência   de   demanda   efetiva,   como   pensou   Keynes.   Se   as   autoridades  tivessem  reconhecido  este  fato  certamente  teriam  providenciado  uma  maior  oferta   monetária   impedindo   que   o   processo     deflacionário   se   alojasse   no  sistema   econômico.   Esse   reforço   argumentativo   fortalece   a   utilização   da  política   monetária   ativa   alinhada   com   a   oferta   agregada   em   detrimento   a  política  fiscal  recomendada  pelos  seguidores  de  Keynes  nos  ajustamentos  da  economia  em  direção  ao  pleno  emprego8.  

No  anos  de  1970,  Friedman  ampliou  a  macroeconomia  para  incluir  a  noção  de   expectativas   adaptativas.   Seu   enredo   era   que   as   funções   de   preferência  nos   processos   de   escolha   são   otimizadas   pelas   expectativas   que   os  indivíduos   formam   da   dinâmica   do   nível   de   preços   com   base   no   passado  recente.   Apadrinhou,   também,   a   ideia   de   que   economias   caminham   em  

8  Essa  observação  foi  extraída  de  conversa  de  botequim  com  Luís  Carlos  Delorme  Prado  que,  dentre  vários  aspectos,  procurava  retratar  a  astúcia  argumentativa  de  Friedman.    

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direção  a  um  desemprego  natural  e  que,  portanto,  as  variações  observadas  no  desemprego  seriam  friccionais.  Desse  modo,  sendo  o  processo  de  escolha  alicerçado   pelo   passado   e   a   taxa   de   desemprego   natural,   o   processo   de  estagflação   seria,   no   limite,   decorrente   de   políticas   expansionistas   que   os  indivíduos  reconhecem  e  se  adaptam  com  a  restrição  da  plena  utilização  de  recursos.    

Assim,   os   monetaristas   argumentam,   de   modo   geral,   que   os   estímulos  econômicos  oriundos  do  livre  jogo  das  forças  de  mercado  são    mais  eficazes  do  que  os  estímulos  decorrentes  de  as  políticas  fiscal  e  monetária9.  Para  eles,  a  oferta  monetária  ao   longo  de  tempo  deveria  seguir  padrões  definidos  em  função  da  variação    do  produto  e  qualquer  politica  monetária  e   fiscal  além  desse   ponto   teria   a   propriedade   de   gerar   inflação   cujo   efeito   seria   inócuo  para  a  oferta  agregada,  anulando  possíveis  efeitos  sobre  a  demanda  efetiva,  uma   vez   que   os   indivíduos   reconhecem   o   maior   volume   de   moeda   se  transbordando  sobre  os  preços  dos  bens  e  serviços.  Em  resumo,  muitos  dos  ensinamentos   dos   monetaristas   se   aproximam   do   mundo   como   pensado  pelos  economistas  clássicos,  onde  a  moeda  é  exógena  ao  sistema  econômico  e  é  somente  um  veículo  das  trocas  entre  bens  e  serviços.  

1.2.4.    TEORIA  NOVO-­‐CLASSICA      Ainda   nesta   linha   de   argumentação,   Robert   Lucas   e   Thomas   Sargent,   no  inicio   dos   anos   de   1970,     desenvolveram   o   conceito   de   expectativas  racionais.   O   significado   difere   das   expectativas   adaptativas   justamente  devido   a   possibilidade   dos   indivíduos   anteciparem   o   comportamento   da  política   econômica   com   base   em   todas   as   informações   disponíveis   no  presente10.  Com  expectativas  adaptativas  a  política  monetária  no  curto  prazo  

9  Ver,  Milton  Friedman  (1968);  The  Role  of  Monetry  Policy  in  American  Economic  Review,  vol.  58,   no   1,   1968,NY   e   Friedman,   M   (1970);   A   theoretical   framework   for   monetary   analysis.  Journal  of  Poiitical  Economy,  v.78,  no.2,  p.193-­‐238,  mar./apr.  10  Lucas,  Robert  (1973);  Some  International  evidence  on  output-­‐inflation  trade-­‐offs.  American  Economic  Review,  v.63,  n.3,  p.326-­‐334,  jun.;  Lucas,  Robert  &  Sargent  (1981);  After  keynesian  

poderia  gerar  efeitos  reais  imediatos  pois  os  agentes  reagem,  se  adaptando,  a  política  em  vigor.    

A   ideia   de   expectativas   racionais   invalida   essa   proposição:   a   política  monetária    somente  teria  efeitos  reais  se  eles  não  fossem  antecipados  pelos  agentes   econômicos.   Quando   os   agentes   antecipam   “racionalmente”  determinada   politica   econômica,   eles   anulam   os   efeitos   pretendidos  politicamente.   Assim,   essa   linha   de   pensamento   anula   totalmente   o  pragmatismo   da   teoria   keynesiana   centrada   na   politica   fiscal   e  monetária.  Claro   que   os   enfoques   das   expectativas   adaptativas   e   racionais   contem  questões  de  temporalidade  bastante  sensíveis.  No  limite,  podemos  dizer  que  essa  escola  ao  ampliar  o  conceito  de  expectativas  adaptativas  construindo  o  conceito  de  expectativas  racionais  nega  a  existência  do  tempo,  uma  vez  que  o  presente  é   algo  a   ser  definido   “racionalmente”,   o   futuro  ainda  não  é   real  senão   como   esperança   de   hoje   e   o   passado   não   existe   senão   como  recordação  presente.  

 Os   Novos   Clássicos   se   apoiam   também   nos   preceitos   dos   economistas  clássicos  da  busca  interesseira  pelos  indivíduos  na  maximização  de  seu  bem-­‐estar  como  o  principal  estimulo  para  a  eficiência  e  equilíbrio  econômico.    

1.2.5  OS  NOVOS  KEYNESIANOS  A  terceira   linha  de  pensamento  macroeconômico  é  mais  recente.  Surgiu  na  última   década   dos   século   passado   sob   a   denominação   de   “Os   Novos  Keynesianos”,   com   economistas   oriundos   principalmente   da   Universidade  de  Harvard  em  oposição  aos  Monetaristas  e  a  Teoria  Novo  Clássica:  na  sua  grande   maioria   seguidores   da   tradição   da   Universidade   de   Chicago.   Eles  renovam  os   ensinamentos   de  Keynes   elevando   o   status   da   política   fiscal   e  

macroeconomics  in  Rational  expectations  and  econometric  practice.  Minneapolis:  University  of  Minnesota  e  Robert  Lucas  (1972);  Expectations  and  the  Neutrlity  of  Monetary  in  Journal  of  Economic  Theory,  v.  4,  no  2,  1972.  

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monetária   para   conserto   das   falhas   no   sistema   econômico11.     Economistas  como   Sachs,   Krugman,   Mankiw,   David   Romer   e   Blanchar   representam   os  expoentes  dessa  nova  vertente  econômica.  Atualmente  seus  manuais  são  os  mais   utilizados   no   ensino   da   macroeconomia.   O   argumento   central   dos  Novos   Keynesianos   reside   na   consideração   que   variações   na   liquidez   do  sistema  econômico  ajustam  preços  e  salários  com  certa  lentidão  e  enquanto  o   ajustamento   não   é   pleno   a   política   econômica   é   eficiente   para  modificar  rendas  e  preços.  Uma  política   fiscal  expansionista,  por   seu   lado,  expande  o  emprego  ampliando  a  demanda  agregada.    

A  hipótese  central  é  que  os  agentes  formam  os  preços  e  tentam  sustenta-­‐los.  Modificações  seriam  decorrentes  de  alterações  nos  seus  custos  particulares.  Ou   seja,   está   suposto   aqui   que   há   rigidez   de   preços   na   economia   em   um  conjunto  de  bens  o  que  torna  atraente  o  exercício  da  politica  monetária,  tal  como  havia  advogado  Keynes.    

Os  Novos    Keynesianos  partem  da  ideia  bem  original,  por  exemplo,  de  que  os  salários   pagos   pelas   firmas   são   fixados   com   base   na   produtividade   do  trabalho.   As   empresas   não   seriam,   portanto,   motivadas   a   reduzir   salários,  uma   vez   que   a   eficiência   dos   trabalhadores   é   condicionada   aos   salários  recebidos.   Redução   salarial   para   conter   custos   desestimula   o   trabalhador  modificando   para   menos     a   produtividade   e,   portanto,   reduz   o   lucro12.   A  impessoalidade  do  mercado  também  contribuí  para  certa  rigidez  dos  preços  dos   bens   e   serviços   finais.   Mercados   imperfeitos   também   teriam   preços  rígidos  face  o  comportamento  das  empresas  líderes    que    cotam  seus  preços  

11   Ver   sobre   os   Novos   Keynesianos   o   artigo   de   Sicsú,   J.   (1999);   Keynes   e   os   Novos  Keynesianos,  Revista  de  Economia  Política,  vol  19,  no  2,  abril-­‐junho,  RJ  12  Gordon,  R.  (1990).  What  is  new-­‐keynesian  economics?  Journal  of  Economic  Literature,  v.28,  p.1115-­‐1171,   sept.   e   Greenwald,   B.   &   Stiglitz,   (1987).   New   keynesian   and   new   classical  economics.  Oxford  Economic  Papers,  v.39,  no.1,  p.119-­‐132,  mar.    

 

na   margem,   de   modo   a   impedir   rebaixamento   pelas   firmas   menores  seguidoras  no  mercado  particular.    

1.2.6  ESTRUTURALISTAS  Outros  economistas,  sensíveis  ao  aspectos  estruturais,  explicam  as  variações  de  renda  e  preços  nominais  como  decorrência  da  insuficiência  de  oferta  em  determinados   segmentos.   Esses   preços   seriam  majorados   e   seus   aumento  seria   repassado   para   os   demais   preços   dos   produtos,   generalizando   a  elevação  de  preços  por  todos  os  produtos  da  economia.  Uma  vez  instaurado  a   elevação   generalizada   de   preços,   fica   difícil   reconhecer   qual   o   setor  produtivo   que   desencadeou   a   elevação   generalizada   de   preços.   Nesta  situação,   os   salários   rígidos   e   os   recursos   produtivos   acomodados  estruturalmente   estabelecem   espirais   inflacionárias   de   difícil   contenção,  pois   a   inflação   é   explicada   pela   inflação:   motivada   pelo   lado   real   da  economia  e  não  por  decorrência  de  aspectos  monetários.    

O   ambiente   de   estudo   dessa   linha   de   pensamento  macroeconômico   são   as  economias   em   desenvolvimento   ou   denominadas   de   “periféricas”.   Essas  economias   estão   longe   do   pleno   emprego   e   por   isso   os   processos  inflacionários   não   podem   ser   atribuídos   a   políticas   governamentais  expansionistas,   como  resulta   ser  nas  economias  desenvolvidas  onde  o   taxa  de   desemprego   encontra-­‐se   em   seu  nível   natural.   A   hipótese   central   dessa  escola  de  pensamento  é  que  existem  lógicas  de  organização  produtiva  bem  diferentes  nestes  países  em  relação  aos  países  desenvolvidos  ou  chamados  de  “países  centrais”.    

Nas   economias   periféricas   ou   em   desenvolvimento,   a   industrialização   teve  seu   curso   forçado   pela   hospedagem   após   a   Segunda   Guerra   Mundial   de  grandes   empresas   constituídas   nos   países   centrais.   Esse   tipo   de  industrialização   criou   oligopólios   cujas   características   notáveis   são   os  preços   rígidos   em   ambientes   com   capacidade   ociosa   estrutural.     Assim,   as  economias   que   forçaram   uma   industrialização   em   curto   espaço   de   tempo,  sofrem  com  a  existência  inevitável  de  “pontos  de  estrangulamento”,  com  os  

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quais   os   preços   são   detonados   quando   a   demanda   agregada   é   estimulada.  Para   essa   escola,   os   desajustes   da   economia   são   causados   por   desarranjos  estruturais  cujo  acerto  deve  ser  orientado  por  reformas  institucionais,  como  a  agrária,  cambial,  de  (tabelamento  de)  preços  e  outras  com  características  setoriais.  

1.3  UM  POUCO  DE  HISTORIA    John  Maynard  Keynes  e  Michael  Kalecki  argumentaram  que  a  estabilidade  e  o   crescimento   econômico   resultam   de   os   empresários     responderem   com  prontidão  aos  estímulos  propiciados  pela  demanda  dos  consumidores  e  das  empresas.  Esse  processo  de  recepção  dos  estímulos  ficou  conhecido  como  O  Princípio  da  Demanda  Efetiva.    

No  ano  de  1933  a  economia  norte-­‐americana  havia  alcançado  14  milhões  de  desempregados:   um   perda   de   40%   de   postos   de   trabalho   em   relação   aos  níveis   anteriores   a   grande   depressão   de   1929.   Para   os   neoclássicos   o  desemprego   não   prosperaria   por   conta   de   mecanismos   corretivos  proporcionados   pelo   livre   jogo   das   forças   de  mercado.   Aqueles   que   optam  por  não  trabalhar  o  fazem,  justificavam  eles,  por  motivos  voluntários.  Apesar  da   forte   evidência   contrária,   a   teoria   neoclássica   propalava   que   a   oferta  excedente   de   mão-­‐de-­‐obra   retornaria   as   fábricas   mediante   a   aceitação   de  menores  salários.  A  lógica  do  pensamento  neoclássico  era  assim  sintetizada:  menores   salários   propiciam   ganhos   marginais   de   produção   por   unidade  produzida.   Esse   ajustamento   portanto,   reproduz   ciclos   produção   –   renda  suficientes  para  alcançar  o  pleno  emprego.    

Tudo   se   passa   sob   a   existência   de   um   ciclo   virtuoso,   onde   a   produção  engendra  pagamentos  de   salários,   juros,   alugueis  e   lucro  pela  utilização  de  fatores  de  produção   (mão-­‐de-­‐obra,   capital,     recursos  naturais  e   capacidade  gerencial,  para  citar  os  mais  simples)  que  se  transformam  em  gastos,  pondo  em  marcha  a  produção.    

O   Principio   da   Demanda   Efetiva   adverte   justamente   o   contrário:   os  

trabalhadores   resistem   a   redução   salarial   e   com   os   preços   dos   bens   finais  caindo,  desde  o  ano  de  1926,  os  empresários  eram  estimulados  a  demitir  e  não  a  investir.  De  fato,  com  salários  rígidos,  o  custo  do  trabalho  aumenta  em  época  de  deflação,  não  justificando  acréscimos  `a  produção.  Assim,  somente  é  ofertado  o   volume  de   emprego  que  proporciona  o  máximo  de   renda  que  será   obtida   em   relação   ao   custo   dos   fatores.   Resultado:   é   necessário   a  adoção   de   políticas   que   ampliem   a   demanda   agregada   para   estimular   os  empresários  a  ampliar  a  oferta  agregada  em  direção  ao  pleno  emprego.    

De   modo   estilizado,   reproduzindo   Keynes,   sendo   N   o   nível   de   emprego,  temos13:  

    [ΔDemanda  Efetiva     (D   )  ⇒  Δ  Oferta   (Z)]  determinando  o  nível  de  emprego  da  economia  (θ  N)      

Assim,  se  D  >  Z,  com  recursos  ociosos  na  economia,  haverá  um  estimulo  para  os   empresários   aumentarem   o   emprego   (N),   que   ao   concorrerem   entre   si  pressionam  os  custos  dos   fatores,  até  o  ponto  em  que  o  valor  de  N  seja   tal  que  iguale  Z  e  D.  O  volume  de  emprego  (N)  é  plenamente  determinado  pelo  ponto  de  interseção  entre  a  oferta  agregada  (Z)  e  demanda  agregada  (D)  que  corresponde   a   maximização   das   expectativas   de   lucros   dos   empresários,  mas  não  há  razão    para  supor  que  isso  ocorra  no  pleno  emprego.  Este  é  um  princípio   (da   demanda   efetiva)   poderoso,   pois   evoca   a   ideia   de   que   a  demanda  pode  ser  construída  e  o  emprego  aumentado.    

Em   um   modelo   ampliado,   a   demanda   efetiva   compreende   os   gastos   das  famílias  em  consumo    (C),  das  empresas  em  investimento  (I),  do  governo  em  infraestrutura  e  outra  despesas  (G)  e  das  aquisições  pelos  outros  países  de  nossos  bens  e  serviços,  representando  as  exportações    (X).    Assim:  

13  J.  M.  Keynes,  (  1972)  Teoria  geral,  do  emprego,  do  juro  e  da  moeda,  Capítulo  3,  Ed.  Saraiva.  

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    D  =  C  +  I  +  G  +  X  

 

 

Os   gastos   em   consumo,   investimento,   do   governo   e   demais   gastos   são  autônomos  e  a  existência  de  renda  não  é  condição  suficiente  para  que  ela  se  transforme   em   despesa14.     O   princípio   da   demanda   efetiva   fica   assim  condicionado  a  autonomia  que  os  consumidores,  governo  e  empresários  tem  em  relação  ao  quanto  gastar  na  aquisição  em  bens  e  serviços  (Z).  A  rigor,  os  gastos  em  consumo  das  famílias  tendem  a  certa  constância  proporcional  as  suas   rendas   ao   longo   do   tempo.   Podem   ser   ampliados   ou   diminuídos   por  uma   série   de   incentivos   e   penalidades,   como   crédito,   tributos,   aversão   a  parcimônia   ou   a   gastança,   busca   de   status,   planejamento   dos   gastos   em  função   da   expectativa   de   renda   futura   e   outros   motivos,   mas   geralmente  permanecem   proporcionalmente   constantes   em   relação   ao   nível   de   renda,  pelos   menos   durante   alguns   anos,   se   nenhum   evento   forte   se   pronunciar,  como   guerras,   abalos   na   natureza   e   demais   eventos   que   possam   criar  expectativas   mudando   os   rumos   da   economia   e   da   organização   social.   Os  

14  Para  o  estudo  da  macroeconomia  é   importante  observar  que  a  renda  nacional  resulta  da  demanda  efetiva,  ou  seja  das  decisões  de  consumo,  de  investimentos  e  dos  gastos  do  governo.  Contudo,  a  queda  de  qualquer  destes  componentes  não  leva  automaticamente  a  um  aumento  do  outro.  A  experiência  das  empresas,  dos  indivíduos  e  do  governo  não  corresponde  ao  curso  da   economia   como   um   todo,   pois   os   efeitos   na   renda   nacional   são   amplificados   quando   os  componentes   da   demanda   efetiva   se  modificam,   diferentemente   da   renda   de   um   individuo  que  é  fixa.  

investimentos   e   gastos   do   governo   quando   estimulados   geram   emprego   e  uma   vez   iniciado   seu   ciclo   na   economia   aumentam   a   renda.   Já   com   as  exportações  os  incentivos  a  demanda  agregada  são  determinados  pela  renda  mundial   e   pelo   desejo   dos   parceiros   comerciais   em   ter   produtos  estrangeiros,   coisa   que   os   residentes   do   pais   tem   sobre   isso   muito   pouco  controle.  

Para  que  o  princípio  da  demanda  efetiva  cause  efeitos  benéficos  a  economia,  ele   deve   propiciar   expectativas   de   lucro   suficientemente   vantajosas  estimulando  os  empresários  a  empregarem  os  recursos  ociosos  na  produção.  O   lucro  do  empresário   é   resultado  do  valor  de   sua  venda  menos  os   gastos  com  os   trabalhadores   (salários),   com  o  pagamento  aos  outros  empresários  pela  utilização  de  serviços  habituais  e  bens  intermediários  mais  os  insumos  e   matérias   primas   requeridas   ao   processo   produtivo.   Esses   lucros  individuais   somados   representam   o   lucro   total   da   economia   incluindo  portanto,  as  parcelas  destinadas  aos  pagamentos  aos  outros  empresários.    

Assim,  o  princípio  da  demanda  efetiva  é  operado  pela  própria   constituição  dos   lucros  que  aumentam  o  emprego  em  razão  direta  ao  consumo  de  bens  de   investimentos   e   de   consumo   de   “luxo”   exercido   pelos   empresários.   Na  literatura   marxista,   na   qual   Kalecki   se   apoiou,   essa   parcela   da   renda   é  denominada    de  excedente  econômico  ou  mais-­‐valia.    

O   excedente   econômico   historicamente   vem   sendo   constituído   pela  conjugação   das   habilidades   dos   trabalhadores   com   técnicas   cada   vez  mais  eficientes   propiciando   aumentos   de   produtividade   (produção   de   maior  quantidade  de  bens  no  mesmo  espaço  de  tempo),  que  elevam  tecnicamente  a  produção   a   níveis   inimagináveis.   Ele   constitui   a   riqueza   material   ou  patrimonial   da   sociedade,   concentrada   nas   mãos   dos   mais   “afortunados”.  Sua   grandeza   é   a   produção   excedente     ao   curso   dos   negócios   produtivos  dedicados  a  fabricação  dos  bens  e  serviços  destinados  a  reprodução  de  toda  a  sociedade:  o  que  excede   transforma-­‐se  em  excedente  econômico.  Como  a  produtividade   aumenta   com   o   avanço   das   técnicas,   o   tempo   de   trabalho  

Demanda agregada Consumo

Investimento

Gastos do governo

Exportação

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dedicado   a   constituição   dos   bens   e   serviços     é   cada   vez  menor,   sobrando,  portanto,   mais   tempo   para   se   dedicar   as   atividades   indiretas,   como  educação,  artes,  desenvolvimento  científico  tecnológico,  aprimoramento  das  funções   do   Estado   e   outras     que   no   curso   normal   do   desenvolvimento   da  humanidade   são   aplicadas   nos   melhoramentos   produtivos   engendrando  cada  vez  mais  excedente  econômico.        

Quando   maior   o   excedente   extraído,   melhores   condições   existem   para  encurtar   o   tempo   dedicado   a   constituição   dos   bens   materiais   e   serviços  essenciais   a   reprodução   das   sociedades.   Maior   será,   portanto,   a   riqueza  patrimonial.  Este  é  um  resultado  lógico  do  sistema  capitalista.  Mas,  também  é   lógico   que   os   indivíduos   que   operam   as   forças   para   a   constituição   do  excedente   econômico   o   disputem   de   modo   exemplarmente   vigoroso.     Os  empresários  procuram  aumentar  sua  parcela  aumentando  os  preços  de  seus  produtos   e   serviços,   os   trabalhadores   reivindicando  melhores   salários   e   o  Estado   cobrando   impostos   para   o   exercício   de   atividades   básicas:  sobrevivência  política,  poderio  militar  e  garantia  de  paz  interna,  na  visão  de  Hobbes15,   para   citar   as   mais   tradicionais.   O   percurso   dessa   disputa   não   é  empiricamente   determinado,   pois   depende   dos   embates   que   se   exercem  para   operar   a   distribuição   e   utilização   do   excedente   entre   as   classes   e  grupos    sociais16.    

A   evidência   mostra   que   o   excedente   econômico   tem   crescido   de   maneira  exemplar   e   atualmente   é   enorme.   Ele   representa,   por   baixo,     a   soma   das  poupanças  disponíveis  no  mundo,  cujo  giro  diário  no  mercado  financeiro  nas  principais  praças  do  mundo  se  aproxima  a  30  bilhões  de  dólares.  Ele  pode  

15    Thomas  Hobbes  na  publicação  de  Leviatã  (1651),  ponderou  a  existência  dos  Estados  e  dos  poderes   inerentes   constituídos   a   partir   da   ideia   seminal   de   que   os   membros   de   uma  sociedade  abrem  mão  de  sua  liberdade  natural,  formando  uma    autoridade  para  assegurar  a  paz   interna  e   a  defesa   comum  da   sociedade.  Ver  Vasconcelos,  V.  V.  As  Leis  da  Natureza  e   a  Moral  em  Hobbes.  Universidade  Federal  de  Minas  Gerais.  2004.    16  Uma  investigação  acerca  essa  questão  pode  ser  encontrada  em  Piqueti  (2012)  

ser   estimado   também,   por   baixo,     pela   soma   dos   títulos   públicos   dos  governos   de   todos   os   países   cujo   valor   alcança   aproximadamente   65%   da  produção  mundial  que  girou  ao   redor  de  75   trilhões  de  dólares,  no  ano  de  2011,  pelas  contas  do  FMI.    Quando  empregamos  a  expressão     “por  baixo”,  ou   seja   valores   subestimados,   é   porque   o   excedente   é   toda   a   riqueza  acumulada,   reservada   em   estoque,   e   parcela   dela   não   necessariamente  encontra-­‐se  monetizada.    

Ele  é   também  bastante  concentrado.  Apenas  85  pessoas  detêm  os  recursos  patrimoniais   equivalente   a   3,5   bilhões   de   pessoas17.   No   sistema   em   que  vivemos   uma   das   questões   centrais   é   a   valorização   real   desse   excedente:  fazer   crescer   (um   estoque   de)   riqueza   através   da   criação   de   novos   bens   e  serviços   (fluxo)   operados   pela   demanda   efetiva.   A   tendência   secular   de  maiores  salários  e  maiores  lucros    causados  pelo  aumento  de  produtividade  e  a  amplificação  dos  serviços  com  o  avanço  técnico  são  fenômenos  inerentes  a   evolução   do   sistema   capitalista   e   constituem   sua   própria   autoflagelação,  pois   o   estoque   de   excedente   econômico,   retratado   pelo   poder   de   compra  acumulado,    requer  cada  vez  mais  engenhosidades  para  se  valorizar,  ou  pelo  menos  não  ver  diminuído  o  seu  valor.  

A   maior   liquidez   proporcionada   ao   sistema   econômico   pelas   instituições  financeiras   amplia   o   excedente   econômico   por   meio   da   maior   oferta   de  crédito,   do   aprimoramento  dos  mecanismos  de   alavancagem  patrimonial   e  criação  talentosa  de  derivativos.    O  poder  de  compra  acumulado  (poupança)  alimenta   o   princípio   da   demanda   efetiva   quando   transformado   em  investimento   (Keynes)   adicionado   ao   gasto   em   consumo   de   alta   renda  (Kalecki).  Neste  processo  a  expansão  ou  contração    da  produção  e  circulação  de  mercadorias  encontra  a  passagem  entre  o  lado  real  da  economia  e  o  lado  nominal  envolvendo  juro,  moeda  e  crédito  com  suas  instituições  bancárias  e  financeiras  

17  Pesquisa  da  Oxfam,  extraída  do  Jornal  O  Globo,  Caderno  de  Economia,  pag.  21,  24/01/2014.    

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De   fato,     a  macroeconomia   lida   com   uma   variável   bastante   árdua   que   é   o  livre-­‐arbítrio   que   os   indivíduos   possuem.   Por   mais   que   a   macroeconomia  procure  manter  um  caráter  impessoal  do  processo  decisório,  o  livre-­‐arbítrio  se   aloja   nos   negócios,   nas   decisões   e   nas   vontades   causando   distintas  interpretações  de  riscos  financeiro.    Assim,  o  princípio  da  demanda  efetiva,  sob  certas  circunstâncias  e  condições,  pode   ter  um  alcance   limitado  para  o  equilíbrio  entre  oferta  e  demanda  agregadas,  tornando  o  sistema  econômico  recorrentemente  instável.  É  nesse  palco  de  instabilidade  e  flutuações  cíclicas  macroeconômicas   que   a   política   governamental   atua   para   induzir     certa  distribuição  de  renda,  condizente  com  o  crescimento  econômico  desejado  e  onde   a   manifestação   das   variações   de   preços   seja   estável   sem   causar  constrangimentos  ao  seu  balanço  de  pagamentos,  já  que  todos  os  países,  em  menor  ou  maior  grau,  são  interdependentes.  

1.4.  ANTECEDENTES  No  século  XIX,  o  economista  francês  Jean-­‐Baptiste  Say  (1803)  em  seu  Traité  d'Economique   Politique   estabeleceu   uma   máxima   para   explicar   o  funcionamento  do  sistema  econômico.  Ela  era  bastante  simples  e  com  forte  poder  de  convencimento  recebendo,  por  isso,  o  status  de  lei:  a  Lei  de  Say:  “a  oferta  cria  sua  própria  demanda”.  

Ela   anuncia   que   a   fonte   da   demanda   é   o   fluxo   de   pagamentos   aos   fatores  gerado  a  partir  do  processo  de  produção.    Assim  entendido,   o   emprego  de  recursos   ociosos   aumenta   rendas   destinados   a   aquisição   de   um   volume  maior   de   produtos   em   relação   a   situação   anterior.   As   novas   rendas  constituídas  retomam,  através  de  atos  de  compra  e  venda,  ao  seio  produtivo  criando  mais  empregos  e  novos  produtos,  e  assim  sucessivamente.    Renda  é  igual   ao   Produto,   nesta   visão,   de   modo   inconteste.   Existiria   um   perfeito  equilíbrio  macroeconômico   entre   oferta   e   demanda   e   situações   fora   desta  norma   seriam   decorrentes   de   problemas   comerciais   e   financeiros  impedindo   que   as   compras   e   vendas   se   ajustassem   espontaneamente.   Sob  certas   circunstâncias,   a   moeda,   a   taxa   de   juros   e   o   crédito   podem   levar  temporariamente  a  economia  para  uma  situação  distante  do  equilíbrio,  mas  

isso   certamente   seria   uma   situação   temporária,   no   entendimento   dos  adeptos  da  lei  de  Say.  

A   investigação   acerca   a   validade   da   Lei   de   Say   resultou   em   um     debate  caloroso  até  meados  do  primeiro  quartel  do  século  XX,  quando  essa  questão  foi   encerrada   com   os   estudos   de   Keynes   e   Kalecki,   como   mencionado  anteriormente.   Até   lá,   a   moeda   era   um   fenômeno   externo   ao   mundo  econômico.  O  núcleo  do  debate  manifestava-­‐se  na  avaliação  dos  méritos  que  a   produção   tinha   como   responsável   pela   criação   de   renda   destinada  totalmente  a  despesa.  De   fato,  bastaria   somente  a  criação  de  renda  com  os  pagamento   aos   fatores   de   produção   para   por   em   movimento   o   processo  produtivo,  ou  isso  seria  insuficiente,  uma  vez  que  depende  da  vontade  do  ser  humano  a  transformação  de    renda  em  despesa?    

Com  base  nos  escritos  de  Marx,  economistas  como  Rosa  Luxemburgo,  Tugan  Baranosvisk   e   o   próprio   Michael   Kalecki   procuraram   responder   a   essa  questão  advogando    que  o  processo  capitalista  de  reprodução  ampliada  gera  uma   renda   maior   que   o   gasto   e,   portanto,   leva   o   sistema   a   crises   de  realização,   ou   em   outras   palavras,   a   constituir   uma   “sobra   de   demanda  efetiva/poder  de  compra  acumulados  não  efetivado”  que  pode  não  se  ajustar  para    estimular  a  produção  corrente18.    

A   ideia   central   é   que   o   mundo   econômico   se   expande   na   busca   pelos  indivíduos  de  mais  e  maiores  lucros.  Esse  comportamento  organiza  sinergias  

18   Ao   vender   sua  mercadoria,   o   capitalista   obtém   um  montante   de   dinheiro   igual   ao   que   é  necessário   para   compra-­‐la:   toda   venda   corresponde   a   uma   compra   de   igual   valor.   Mas   o  capitalista   não   compra   sua   própria   mercadoria.   Como   parte   de   sua   receita   ele   adquire   de  outros  capitalistas  os  meios  de  produção  necessária  para  manter  em  movimento  sua  própria  atividade.   Com   outra   parte,   de   seu   lucro,   ele   compra   um   volume   adicional   de   meios   de  produção  para  ampliar  sua  atividades.  A  terceira  parte  ele  compra  bens  de  consumo  próprio.  Assim,  a  receita  total  de  um  capitalista  se  distribui  de  diferentes  modos,  podendo  ser  o  total  ou  partes  dele  não  efetivada  o  que  resulta  em  crises  de  realização.  

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cujo   valor   do   produto   resulta   maior   do   que   o   valor   de   seu   custo   prévio  cotado  pelo    pagamento  da  mão-­‐de-­‐obra  e  encargos  com  o  capital  e  matérias  primas.   A   oferta   de   bens   e   serviços,   ao   por   em   marcha   pagamentos   aos  fatores   de   produção,   adiciona   “lucros”   ao   valor   de   venda   dos   produtos,  originando   a   renda   economicamente   excedente:   um   sobre-­‐produto,   um  produto  excedente.    Para  esses  autores,  diferentemente  dos  adeptos  da  Ley  de   Say,   a   natureza   da   produção   capitalista   forja   recorrentemente  instabilidades,   flutuações   e   crises   no   mundo   econômico,   pois   os  investimentos   que   compõem   a   demanda   efetiva   são   lançados     de   modo  desorganizado  exacerbando  a  competição  entre  eles  cujo  resultado  é  elevar  a   produção   acima   do   socialmente   desejado.   Assim,   ,   sob   condições  sobejamente   triviais,   o  mundo   econômico   aloja   em   sua   historia   capitalista  uma   insuficiente   demanda   efetiva   que   precisa   ser   continuamente  recomposta.        

Com  base  nos  esquemas  de  reprodução  ampliada  de  Marx,  destacaram  que  qualquer  expansão  da  produção  de  bens  destinados  aos   trabalhadores  não  gera  maior  renda  para  a  classe  dos  capitalistas,  pois  é  com  os  salários  pagos  pelos  capitalistas  que  os  trabalhadores  adquirem  seus  produtos  retornando,  assim,  para  o  bolso  do  capitalista,  na  mesma  medida,  a  renda  gasta  por  eles.  O   lucro  macroeconômico  advém  da  recomposição  de  uma  demanda  efetiva  centrada  nas  vendas  de  bens  de   investimento   (Tugan  Baranovisk),  mais  os  bens   de   luxo   (Michael   Kalecki)   ou   daqueles   bens   dedicados   ao   mercados  externos   ao   sistema   capitalista   (Rosa   Luxemburgo).     Desse   discernimento,  deriva  a  organização  de  competências  no  sistema  capitalista  para  ampliar  a  demanda  efetiva,  como  as  guerras,  a  obsolescência  planejada  de  produtos,  a  busca  de  mercados  externos  e  os  gastos  improdutivos  do  Estado,  para  citar  os  mais  visíveis.    

De   fato,   desde   a   revolução   industrial   do   século  XIX,   a   produção   conta   com  uma  oferta  de  bens  tecnológicos  que  proporcionam  aumentos  cada  vez  mais  amplificados  da  produtividade  do  trabalho.  Em  termos  econômicos,  um  dos  principais   efeitos   da   revolução   industrial,   associado   ao   avanço   técnico  

produtivo,   foi   justamente   propiciar   a   criação   de   industrias   produtoras   de  bens  de  capital  que  produzindo  máquinas  fazem  novas  máquinas  que  criam  outras  máquinas,   e   assim   sucessivamente   -­‐   cada   uma  mais   eficiente   que   a  anterior.    Assim,  a  produção  foi  se  estruturando  em  três  categorias  de  bens.  Bens   de   investimento   que   requerem   transformações   tecnológicas   inter  setoriais   devido   a   natureza   de   sua   produção   voltada   para   aumentar   a  produtividade  do   trabalho  na  economia.  Bens  de   luxo  dedicados  as   classes  de  maior  renda  e  diretamente  vinculada  ao  excedente  econômico  ou  lucro  da  economia.  Bens  de  consumo  popular  que  são  caracteristicamente  intensivos  em   mão-­‐de-­‐obra.   A   relação   entre   a   utilização   de   mão   de   obra   e   capital   é  geralmente   favorável   a   utilização   da   primeira   na   produção   de   bens  populares  e  inversa  na  produção  de  bens  de  capital  e  de  luxo.      

Com   a   revolução   industrial   no   século   XIX   constituindo   um   vigoroso   setor  produtor  de  bens  de  capital  (que  antes  não  existia),    a  indústria  não  encontra  os   limites   técnicos   a   sua   expansão   determinados   pela   finitude   da   mão   de  obra   e   do   fato   do   dia   só   ter   24   horas.   No   caso   da   manufatura,   estágio  anterior  a  revolução  industrial  inglesa,  o  alcance  da  produção  ficava  limitado  pelas  ferramentas  que  funcionavam  como  extensão  dos  braços,  das  perna  e  demais   membros   do   corpo   humano.   O   sentido   econômico   da   revolução  industrial   foi   justamente   o   de   criar   maquinas   em   substituição   as  ferramentas,   permitindo  em  escala   exponencial   a     repetição  das  operações  humanas   antes   limitadas  pelas   ferramentas.  Desse  modo,   a  produção  pode  confeccionar  quantidades  de  bens  e  serviço  não  mais   limitados  pelo   tempo  (24  horas  por  dia)  e  muito  menos  pela  escassez  de  mão  de  obra,  uma  vez  que  a  maquina  substitui  o  trabalho  humano.  

 É   na   possibilidade   de   uma   produção   ilimitada   tecnicamente,   em  contraposição   ao   constrangimentos   na   demanda   por   bens   e   serviços  originados  pela  distribuição  de  renda,  pelas  forças  da    natureza  e  pelo  livre  arbítrio   do   ser   humano,   que   se   encontra   justamente   a   instabilidade,  flutuações  e  crises  econômicas.    

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A  macroeconomia   vem   sendo   palco   de   aperfeiçoamentos   e   discussões   que  sugerem  certo  distanciamento  de  uma  estrutura   teórica  única.  Procuramos  retratar  um  enfoque  macroeconômico  a  partir  de  elementos  comum  entre  as  escolas,   não   estabelecendo   portanto   posições   conflituosas.   Não   obstante,  algumas  questões  são  abordadas  sob  um  ponto  de  vista  politico   fugindo  da  modelagem  usual  da  macroeconomia,  como  veremos  mais  a  frente.    

Por   fim,   apesar   do   estudo   da   macroeconomia   ser   eminentemente  pragmático,  vale  distinguir  as  apreciações  de  caráter  valorativo  que  evocam  a  ideia  de  juízo  de  valor  -­‐  economia  normativa  -­‐  das  apreciações  de  caráter  factual   -­‐   economia   positiva.   Esta   última   preocupa-­‐se   com   a   descrição   de  fatos,   circunstâncias   e   relações   na   economia.   Qual   a   taxa   de   desemprego  atual?  Como  um  nível  mais  elevado  de  inflação  afeta  o  emprego  dos  fatores  de   produção?   Em   que   medida   um   imposto   sobre   a   gasolina   afeta   o   seu  consumo?   Estes   são   exemplos   de   problemas   que   apenas   podem   ser  resolvidos   com   referência   a   fatos   e   que,   portanto,   são   determinados,  geralmente,  de  forma  empírica.  Podem  ser  problemas  fáceis  ou  complicados,  mas  todos  eles  se  situam  na  esfera  da  economia  positiva.    

A   ação   dos   formuladores   da   política   pertence   ao   campo   da   economia  normativa  que  envolve  julgamentos  éticos  e  de  valor.  Qual  o  nível  de  inflação  que  deve  ser  tolerado?  Deverão  os  impostos  afetar  mais  os  ricos  para  ajudar  os   pobres?   Deverá   a   despesa   com   o   setor   de   saúde   pública   ser   financiada  pela   Contribuição   Provisória   sobre   Movimentação   Financeira   (CPMF)   ou  outra  modalidade  de   imposto  deve   ser   criada?  Estas   são  algumas  questões  que   têm   valores   profundamente   enraizados   ou   julgamentos   de   natureza  moral.   Podemos   discuti-­‐los,   mas   não   resolvê-­‐los   através   da   ciência   ou   do  apelo  aos  fatos.  Não  existem  respostas  certas  ou  erradas  acerca  do  nível  que  a  inflação  deva  ter,  do  nível  de  pobreza  que  deva  ser  admitida  ou,  ainda,  do  nível   de   gastos   com  a   saúde  pública  que  o  país   necessita.   Estes  problemas  são  resolvidos  com  ações  políticas.  

2. O PRODUTO  O   estudo   da  macroeconomia   requer   o   conhecimento   prévio   da   construção  dos  agregados  econômicos.    Mensuramos  o  produto  de  uma  economia  e  as  partes  que  o  compõem  aplicando  princípios  contábeis  e  denominamos  esta  parte   do   estudo   da  macroeconomia   de   Contabilidade   Nacional.     As   contas  nacionais   fornecem   as   medidas   efetivas   dos   agregados   econômicos   que  compõem   a   estrutura   funcional   do   Produto   e   da   Renda   de   um   país.   A  contabilidade   nacional   não   somente   fornece   medidas   de   desempenho   da  economia   mensuradas   pela   produção   de   bens   e   serviços,   mas   também  evidencia   as   relações   funcionais   entre   elas   partindo   de   três   variáveis  macroeconômicas   básicas:   Produto,   Renda   e   Despesa.   Os   bens   e   serviços  produzidos   (produto)   significam   dispêndios:   despesa   com   os   fatores   de  produção  que  serão  consumidos  por  meio  da  renda  paga  aos  proprietários  dos  fatores  de  produção.  Assim,  a  Renda,  a  Despesa  e  o  Produto  podem  ser  decompostos  em  termos  de  os  agregados  econômicos;  tributação  e  gastos  do  governo,   rendas   dos   exportadores   e   gastos   com   importação,   poupança   e  investimento  e    os  pagamento  aos  fatores  de  produção19.  

O   Produto   Nacional   Bruto   (PNB)   e   o   Produto   Interno   Bruto   (PIB)   são   as  medidas  mais  divulgadas  pelos  meios  de  comunicação.  O  PNB  e  o  PIB  são  as  medidas   agregadas   de   tudo   o   que   foi   produzido   em   termos   de   bens   finais  pelos  fatores  de  produção  que  são  à  força  de  trabalho,  os  recursos  naturais  e  o   capital   e   suas   contrapartidas   nominais   são   os   salários,   alugueis   e   juros,  respectivamente.  

O   PNB   contabiliza   os   rendimentos   dos   fatores   nacionais   de   produção  localizados   no   país   e   no   exterior.   Ao   mesmo   tempo,   não   considera   o  rendimento   auferido   pelos   fatores   de   produção   de   propriedade   de   não-­‐residentes   dentro   das   fronteiras   do   país.   As   entradas   e   saídas   desses  rendimentos  são  contabilizadas  no  Balanço  de  Pagamentos  e  representam  os  

19  Ver  IBGE,  notas  metodológicas,  2008.  

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pagamentos   e   recebimentos   devidos   a   juros,   lucros,   dividendos,   royalties,  ordenados  e  salários  ao  pessoal   trabalhando  no  estrangeiro  e  também  pela  utilização  de  marcas  e  patentes,  dentre  outros.  A  diferença  (saldo)  entre  as  entradas  e  saídas  desses  pagamentos  registrado  no  Balanço  de  Pagamentos  do  país  é  denominada  de  renda  líquida  enviada  ao  exterior  (RLEX).      

O  PIB,  por  seu  lado,  evoca  a  ideia  de  território.  Ele  mensura  o  valor  total  dos  bens   e   serviços   finais   produzidos   dentro   das   fronteiras   do   país  independente  da  propriedade  dos  fatores  de  produção,  sejam  eles  nacionais  (residentes)  ou  estrangeiros  (não  residente).  Assim,  o  PIB  tende  a  ser  maior  do  que  o  PNB  nos  países  em  desenvolvimento  ou  subdesenvolvidos,   já  que  contabiliza   as   saídas   de   renda   das   filiais,   subsidiárias   ou   controladas   de  multinacionais   dentro   das   fronteiras   nacionais,   que   geralmente   são  superiores  a  renda  recebida  pelos  residentes  dos  seus   investimentos   feitos  no  exterior.  

Na  passagem  dos  anos  80  para  os  anos  90  no  século  XX,  a  maioria  dos  países  passou  a  adotar  políticas  neoliberais  favorecendo  o  livre   jogo  das  forças  de  mercado   em   detrimento   `as   ações   governamentais   reguladoras   dos  mercados.   Com   esse   contexto,   os   investidores   sentiram-­‐se   a   vontade   para  transladar   seu   capital   para   os   países   que   ofereciam   maior   rentabilidade.  Empresas   passaram   a   adotar   uma   lógica   de   maximização   de   lucros   e  crescimento   da   firma   fragmentando   os   seus   processos   de   produção   entre  vários   países   de  modo   a   constituir   produtos  mais   baratos   do   que   aqueles  produzidos   em   uma   só   localidade.   Esse   processo   ficou   denominado   de  globalização  produtiva.    

Assim,  os  investimentos  diretos  externos  e  os  fluxos  internacionais  de  bens  e  serviços  aumentaram  substancialmente  ao  final  do  século  XX.  Pelos  dados  da  UNCTAD   entre   1980   e   90   o   crescimento   dos   fluxos   de   investimentos  externos   diretos   no   mundo   foi   de   283%.   Nos   dez   anos   seguintes   o  crescimento  alcançou  a   surpreendente  marca  de  567%.  No  ano  de  2008,  o  fluxo  total  de   investimento  externo  direto  foi  de  1,7  trilhões  de  dólares.  No  

ano   de   1980   esse   valor   representava   apenas   54   bilhões   de   dólares.   No  período  de  1990  a  2000  o  crescimento  do  comércio  internacional  foi  de  85%  e   entre   o   ano   2000   e   2008   o   crescimento   foi   de   149%,   totalizando   um  comércio  neste  último  ano  de  16   trilhões  de  dólares.  Assim,   a  maioria  dos  países   passou   a   enfatizar   mais   a   divulgação   do   PIB   do   que   o   PNB  caracterizando   com   mais   propriedade   as   condições   e   circunstâncias   de  geração  de  valor  do  mercado  doméstico,  com  certa  independência  da  origem  do  capital  que  o  constitui.    

O  PNB  e  o  PIB,  bem  como  a  contrapartida  Renda,  nos  fornecem  informações  agregadas.  Suas  quantificações  representam  o  quanto  de  produtos  finais  foi  constituído,   em   determinado   período   pelas   habilidades   das   forças   de  trabalho   intermediadas   pelas   técnicas   de   produção   existentes.   Os   papéis  desempenhados   pelas   instituições   privadas   e   públicas   na   geração   do  produto,  as  capacidades   técnicas  de  produção,  as  habilidades  das   forças  de  trabalho  e  toda  uma  rede  complexa  de  fatores  intervenientes  na  vida  social  de   um   povo   influenciam   a   quantidade   de   produtos   gerados   socialmente.  Isoladamente,   contudo,   essas   medidas   pouco   informam   sobre   vários  aspectos   relacionados   à   saúde,   educação,   segurança   e   bem-­‐estar   da  sociedade.  Por  hora,   vamos   tratar   tanto  o  PNB  quanto  o  PIB  simplesmente  como  Produto.    

A  medida  do  Produto  representa  o  valor  de   todos  os  bens  e  serviços   finais  correntemente  produzidos  na  economia  e  avaliados  a  preços  de  mercado.  É,  portanto,   uma   medida   básica   do   esforço   da   comunidade   frente   a   suas  condições   históricas   e   regionais   na   criação   de   mercadorias,   em   um   dado  período.   Inclui  o  valor  de  bens  produzidos,   como  automóveis,   aves,   e  ovos,  juntamente   com   o   valor   de   serviços,   como   o   corte   de   cabelos   ou   o  atendimento  médico.    

 

Do  conceito  de  Produto  depreendemos:    

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a) A   renda   total   dos   assalariados   e   daqueles   que   recebem   juros,  alugueis,  lucros  e  dividendos  origina-­‐se  na  criação  do  Produto.  

b) A  despesa  agregada  com  bens  e  serviços  na  economia  é  igual  ao  valor  do  Produto.    

A  mensuração   do   produto   não   avalia   certas   atividades   econômicas   difíceis  de   medir,   tais   como;   poluição,   agressão   ao   meio   ambiente,   o   trabalho   de  voluntários,  os  serviços  domésticos  realizados  pelos  cônjuges  e  a  perda  em  eficiência   e   produtividade   devidas   a   fatores   externos   (custo   Brasil,   por  exemplo).  No  Brasil,  estima-­‐se  que  parcela  razoável  do  produto  é  constituída  por  trabalhadores  informais  (vendedores  ambulantes  e  aqueles  que  prestam  serviços     sem   carteira   assinada,   por   exemplo).   Essa  parcela   de  produção   e  outras,  como  a  obtida  através  de  trabalhos  voluntários,  não  são  incluídas  no  PIB,   uma   vez   que   não   geram   contrapartidas   em   pagamentos   nominais   aos  fatores  de  produção.  

De   fato,   a   maioria   dos   países   não   fornece   estatísticas   oficiais   de   algumas  realidades   da   vida   moderna.   Os   engarrafamentos   de   trânsito   requerem  maior  produção  de  combustível,  bem  como  reduz  a  vida  útil  dos  veículos.  O  tabaco,   além   de   fazer   parte   do   produto,   eleva   os   custos   com   a   saúde   de  camada   expressiva  da  população   (parcela   dos   fumantes   ativos   e   passivos).  Há   evidências   científicas   de   que   substâncias   fabricadas   pelo   homem   estão  destruindo   a   camada   de   ozônio   que   protege   animais,   plantas   e   seres  humanos  dos  raios  ultravioletas  emitidos  pelo  Sol.  O  governo  e  as  empresas  (gastam)   contratam   instituições   especializadas   no   monitoramento   e  descobrimento   de   produtos   e   processos   produtivos   que   atenuam   ou  extingam  os  efeitos  maléficos  causados  pelo  avanço  do  progresso  industrial.  Novos   medicamentos   são   criados   para   combater   doenças   causadas   pela  poluição   ambiental   e   de   pele   devido   a   maior   incidência   de   raios  ultravioletas.   Estudos   de   logística   vêm   sendo   demandados   para   reduzir  custos   causados   pela   ineficiência   dos   transportes.   A   maior   incidência   de  criminalidade  requer  novas  armas  e  aparato  policial  mais  abrangente,  etc.    

Estas   perdas   e   ganhos   tendem   a   ser   ignoradas   pelas   estatísticas  governamentais   que   mensuram   o   Produto   a   partir   de     cálculos   que  requerem   somente   os   gastos   efetivos,   não   interessando   se   eles   foram  compensatórios  ou  não  em  relação  aos  malefícios   causados  pelo  progresso  técnico  ou  ineficiência  econômica.    

Sanuelson  &  Nordhaus  (2001)  caracterizam  que  com  a  intenção  de  corrigir  a  ênfase  excessiva  dada  pelo  PNB  e  pelo  PIB  à  produção  material,  uma  medida  diferente   da   vida   econômica,   chamado   bem-­‐estar   econômico   líquido   (ou  BEEL),  foi  proposta  nos  Estados  Unidos.  O  BEEL  tem  crescido  desde  1929,  o  que   faz  pensar  que  os  níveis  de  vida   efetivos   têm  aumentado.  Mas  o  BEEL  tem  crescido  menos  depressa  que  o  PIB  medido  convencionalmente,  o  que  confirma  que  a  mera  avaliação  monetária  a  preços  de  mercado  deixa  escapar  muitos   aspectos   importantes  da  vida   econômica.  Muitos  países   atualmente  têm   se   preocupado   em   mensurar   os   efeitos   deletérios   no   meio   ambiente  causado   pelo   progresso   econômico   e   ineficiência   econômica,   inclusive   o  Brasil,  para  propor  medidas  concretas  de  acerto  produtivo  com  preservação  ambiental  e  maior  bem-­‐estar  social.  

No   ano   1993,   o   PNUD   (Programa   das   Nações   Unidas   para   o  Desenvolvimento)  desenvolveu  e  passou  a  recomendar  a  indicação  do  IDH  –  Índice  de  Desenvolvimento  Humano  –  como   indicador  do  desenvolvimento  dos  países.  A   sua  metodologia  usa   como  parâmetros  não   somente  a   renda,  mas   também   índices   de   longevidade   e   nível   educacional.   No   rank   de   177  países   que   participam   das   Nações   Unidas,   o   Brasil   alcançou   a   84ª   posição  ficando  atrás  de  países  como  o  Uruguai,  o  Panamá  e  a  Argentina  no  ano  de  2010,  para  citar  somente  aqueles  dentre  os  países  da  América  Latina.      

Esta,  inclusive,  tem  sido  uma  tendência  cada  vez  mais  presente  na  economia  contemporânea:   a   indicação   e   elaboração   de   pesquisas   que   apontem   não  somente   o   alcance   da   produção   com   base   na   disponibilidade   dos   recursos  produtivos,  mas  sim  a  adequada  consideração  com  os  processos  produtivos  de   forma  global   com  vistas   ao  melhoramento  dos   indicadores   sociais.  Para  

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reforçar  essa  argumentação,  vale  frisar  que  algumas  empresas,  sob  o  manto  universal   da   preservação   ambiental   e   busca   por   um   maior   bem-­‐estar   da  população,  têm  dedicado  parcelas  de  seus  investimentos  a  projetos  de  cunho  social   e   frequentemente   apresentam   em   seus   balanços   os   investimentos  sociais  que  fizeram.  

2.1.  A  MENSURAÇÃO  DO  PRODUTO  E  DA  RENDA  As   medidas   do   Produto   referem-­‐se   ao   valor   de   todos   os   bens   e   serviços  finais  na  economia  num  dado  período.  Inclui  o  valor  de  bens  como  bicicletas  e  suco  de  laranja  e  o  valor  de  serviços  de  corretagem  de  títulos,  transporte,  serviços   médicos,   etc.   Cada   item   é   avaliado   ao   preço   de   mercado,   sendo  todos   os   valores   dos   bens   finais   somados   para   se   obter   o   Produto.   Numa  economia  simples  que  produz  vinte  bananas,  cada  avaliada  a  30  centavos,  e  sessenta   laranjas   avaliadas   a   25   cada,   o   Produto   seria   igual   a   R$   21   (21   =  0,30  x  20  +  0,25  x  60).    

Há   certas   sutilezas   no   cálculo   do   Produto.   Em   primeiro   lugar,   estamos  falando  de  bens  e  serviços   finais.  A  ênfase  na  palavra   final  é  uma   forma  de  termos   a   certeza   de   não   estarmos   incorrendo   em   dupla   contagem.   Por  exemplo,   não   devemos   incluir   o   preço   total   de   um   automóvel   no   Produto  depois   incluir  também  o  valor  dos  pneus  que  foram  vendidos  ao  fabricante  do   automóvel.   Os   componentes   do   carro,   vendidos   pelos   fabricantes,   são  chamados  de  bens   intermediários  e   seu  valor  é   incluído  no  Produto  ao  ser  contabilizado  o  custo/preço  do  automóvel.  

Na  prática,  evita-­‐se  a  dupla  contagem  trabalhando  com  o  conceito  de  valor  adicionado  ou  agregado.  A   cada  etapa  da  produção  de  um  bem,   somente  o  valor  adicionado  ao  produto  naquela  etapa  da   fabricação  conta  como  parte  do   valor   do   produto.   O   valor   do   algodão   retirado   da   terra   improdutiva  inicialmente   pelo   camponês   tem   valor   porque   o   camponês   transformou   a  terra   em   algo   de   valor:   plantação   de   algodão.   A   seguir   o   valor   do   fio  produzido  pelo  tecelão  com  o  algodão  menos  o  valor  deste  (o  algodão),  é  o  valor  adicionado  ao  algodão  que  o  transforma  no  fio  do  tecelão.  Continuando  

esse  processo;  o   fio   incorpora  certo  valor  através  do   trabalho,  ou  processo  de   transformação,   fazendo   surgir   o   tecido   e   o   tecido,   sofrendo   processo  semelhante,   em   camisa.   A   soma   dos   valores   adicionados   a   cada   etapa   do  processo   produtivo   será   igual   ao   valor   da   camisa   vendida.   Em   outras  palavras,   o   valor   adicionado   em   cada   etapa   produtiva   é   igual   ao   preço   do  bem  ou   serviço   subsequente  menos  os  preços  dos   insumos   imediatamente  antecedente.   Os   pagamentos   aos   fatores   de   produção   em   cada   etapa  produtiva   dentro   da   indústria   têxtil,   por   exemplo,   são   entendidos   como  fluxos  de   renda  e   correspondem  à   sua  soma  ao  valor  dedicado  ao  setor  de  confecções.  Este,  por  sua  vez  acrescenta  valor  à  cadeia  produtiva  ao  produzir  os  artigos  de  vestuário,  colocando  por  fim  a  disposição  do  comerciante,  que  acrescenta  mais  valor  ao  aproximar  esses  artigos  do  consumidor  final.    

O   valor   que   se   adiciona   ou   se   agrega   nas   distintas   etapas   compõe   um  processo   de   transformação   engendrado   pelo   trabalho   humano.   Ademais,   o  maquinário,   as   instalações,   os   métodos   de   gestão   (financeira,   produtiva,  contábil,  etc.)    e  demais  materiais  que  entram  na  composição  de  um  produto  final   foram   criados   também,   no   passado,   pelo   trabalho   humano.   Assim,   o  Produto   representa   a   medição   do   “esforço   humano”   histórica   e  regionalmente  determinado.  Quando  mais  desenvolvido  um  país  menor  será  o  esforço  humano  dedicado  a  reprodução  social,  ou  alternativamente  maior  será  o  produto  social,  por  conta  do  desenvolvimento  tecnológico  acumulado.  De   fato,   quanto  mais   desenvolvido   um   país  menor   será   o   esforço   humano  “presente”  na   elaboração  dos  bens  que  atendam  as  necessidades  materiais  de   seus   cidadãos,   conquanto   maior   seja   o   estoque   de   maquinário   e  desenvolvimento   tecnológico   acumulado.   Em   2005   estima-­‐se   que   o   PIB  brasileiro   foi   superior   a   600   bilhões   de   dólares   enquanto   o   do   EUA   foi  superior  a  11  trilhões  de  dólares!    

O   Produto   é  mensurado   em   termos   nominais,   isto   é,   em   termos   de   preços  dos   produtos   observados   no   mercado.   Contudo,   os   pagamentos   efetuados  aos   fatores   de   produção:   salários   e   lucros   (inclui   rendas   do   capital:  dividendos,   aluguéis,   juros,   tributos   e   subsídios   governamentais),   para   a  

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constituição  daqueles  produtos  formam  a  Renda  da  economia.  Assim,  Renda  é  igual  ao  Produto.    

O   Produto   e   a   Renda   consistem   no   valor   correntemente   produzido.   Ficam  excluídas   não   só   os   insumos   e   bens   intermediários,   mas   as   transações   de  bens  já  existentes,  como  moradias  ou  obras  de  arte  antigas.  Contabilizamos  a  construção   de   novas   casas,   ou   a   reforma   das   já   existentes   como  partes   do  Produto,   porém   não   adicionamos   as   transações   comerciais   dos   imóveis   já  existentes   e   dos   automóveis   de   segunda   mão.   Contamos,   contudo,   como  parte   do   Produto   o   valor   dos   honorários   dos   corretores   de   imóveis   e   de  automóveis.   O   corretor   fornece   um   serviço   ao   aproximar   vendedor   e  comprador   de   coisas   construídas   no   passado   e   isso   é   considerado   um  trabalho  especializado  no  tempo  presente.    

Quando   contabilizamos   todas   as   transações   efetivadas   em   um   período   ¬  incluindo   os   insumos   e   demais   compras   e   venda   ¬   denominamos   esta  medida  de  Valor  da  Produção.    

A  mensuração  do  Produto  é  feita  a  preço  de  mercado  ou  a  custo  de  fatores.  É  importante   saber   que   os   preços   de   mercado   incluem   impostos   indiretos,  como  o  imposto  sobre  vendas  e  vários  impostos  de  consumo,  e  assim  o  preço  de  mercado  dos  bens  não  é   igual   ao  preço   contabilizado  pelo   vendedor  da  mercadoria.   O   preço   da   mercadoria   líquido   de   impostos   indiretos   (IPI   e  ICMS,   por   exemplo)   constitui   o   custo   de   fábrica   que   vem   a   ser   a   quantia  recebida   pelos   fatores   de   produção,   deduzida   de   encargos   tributários,   que  participaram  na  fabricação  do  produto  (  custo  dos  fatores).  O  Produto  pode,  portanto   ser   avaliado   a   preço   de   mercado   e   a   custo   de   fatores   (exclui   os  impostos).   Esse   ponto   torna-­‐se   importante   ao   relacionarmos   o   Produto   à  Renda  recebida  pelos  fatores  de  produção,  pois  parte  desta  ultima  compõe  a  receita  do  estado.  

 

2.1.1  DISTINÇÃO  ENTRE  PRODUTO  BRUTO  E  PRODUTO  LÍQUIDO  O  Produto  Liquido  (PL)  distingue-­‐se  do  Produto  Bruto  pela  dedução  que  se  faz   desse   último   da   depreciação   do   estoque   de   capital   que   acontece   no  decorrer   do   período.   Por   exemplo,   uma   dona   de   casa   vê   sua   casa   se  depreciar   com   o   tempo   e   o   empresário   observa   suas   máquinas   se  desgastarem   com   o   uso.   Se   não   se   empregassem   recursos   para  manter   ou  substituir  o  capital  existente  depreciado,  o  produto  não  poderia  ser  mantido  em  seu  nível   corrente.  Assim  utilizamos  o   conceito  de  PL   como  medida  da  taxa  de  atividade  econômica  que  poderia   ser  mantida  por   longos  períodos,  dados   o   estoque   de   capital   e   força   de   trabalho   existente.   A   depreciação   é  aquela   parcela   do   produto   que   deve   ser   assegurada   para   se   manter   a  capacidade   de   produção   da   economia   no   nível   preexistente   e   assim   a  deduzimos  do  Produto  Bruto  para  obter  o  PL.  Tendemos  a  trabalhar  com  o  Produto   Bruto   mais   do   que   com   o   PL   por   serem   as   estimativas   de  depreciação   bastante   imprecisas   e   também   porque   esses   dados   não   são  rapidamente  encontrados.    

Para  o  perfeito  entendimento,  podemos  imaginar  um  trabalhador  que  ganhe  dinheiro   suficiente   somente   para   garantir   a   sua   sobrevivência   e   de   sua  família  i,  e,  repor  energias  para  continuar  trabalhando  e  a  família  continuar  vivendo.   Qual   o   seu   produto   bruto?   O   quando   ele   ganhou   com   a   sua  produção.  Qual  o  seu  produto  líquido?  Nenhum,  pois  tudo  que  ele  ganhou  foi  exatamente  para  repor  sua  energia  gasta  no  processo  produtivo.    

2.1.2  Renda  Nacional  e  Renda  Pessoal  

A   Renda   Nacional   se   aproxima   do   conceito   de   Produto   Nacional.  Precisamente  ela  é:  

RN=  PNB  -­‐  (depreciação  +  impostos  indiretos).  

A  Renda  Pessoal  é  a  Renda  Nacional  a)  menos  as  rendas  ganhas  por  pessoas  jurídicas,   b)   mais   o   saldo   entre   os   juros   pagos   e   recebidos   e   c)   mais   as  

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transferências  governamentais  e  os  dividendos  pagos  `as  famílias.  O  nível  da  renda   pessoal   é   importante   por   ser   um   determinante   primordial   do  consumo  das  famílias  e  dos  hábitos  de  poupança.    

Depois  de  efetuados  esses  ajustamentos,  o  resultado  representa  uma  medida  da   renda   recebida   por   indivíduos   e   pelos   negócios   de   pessoas   físicas.   A  Renda  Pessoal  Brasileira  se  contabiliza  mensalmente,  ao  contrário  da  Renda  Nacional,  que  é  publicada  trimestralmente.    

Embora   tenhamos  chegado  à  Renda  Pessoal,  partindo  da  Renda  Nacional  e  fazendo   ajustamentos   subsequentes,   reconhecemos   que   também   seria  possível   construir   uma   estimativa   da   Renda   Pessoal   verificando   seus  componentes.   De   modo   particular,   a   Renda   Pessoal   consiste   na   renda   do  trabalho,  aluguéis,  dividendos  e  a  renda  de  juros  acrescida  de  transferências  governamentais  de  várias  ordens,  menos  os  tributos.    

Note-­‐se  que  os  efeitos  de  altas  taxas  de  juros  e  da  carga  tributária  no  Brasil  têm   implicações   sensíveis  para  a  Renda  Pessoal.  A  princípio,  o   fato  de  elas  serem   altas   implicaria   em   uma   transferência   de   renda   do   Governo   aos  poupadores   líquidos   (geralmente   os   ricos)   que   aplicam   em   títulos   do  Governo   ou   fundos   de   Renda   Fixa.   Assim,   toda   a   sociedade   através   dos  aumentos  de   impostos  ou  da  dívida   interna   financia  o  aumento  da   riqueza  dos  poupadores  líquidos.  Além  disso,  os  devedores  líquidos  (que  geralmente  são  os  pobres)  são  penalizados  por  altas  taxas  de  juros  cobradas  de  bancos  influenciados   pela   taxa   de   juros   oferecida   pelo   Governo   –   vulgo   SELIC.   A  preocupação   de   cunho   distributivo   sugere   que   no   agregado   os   efeitos   da  taxa   de   juros   sejam   compensados   (o   que   é   pago   pelo   Governo   aos  poupadores  é  igual  ao  que  é  gasto  pelos  devedores).    

No   entanto,   não   há   garantias   de   que   isso   realmente   ocorre.   Esse   aspecto  serve  para   ilustrar  como  as  decisões  econômicas   focadas  em  determinados  aspectos   podem   ter   efeitos   secundários   nem   sempre   esperados   ou  desejados.  

Um  fato  digno  de  nota  é  a  distribuição  de  renda  no  Brasil.  Ela  é  uma  das  mais  concentradas   dentre   todos   os   países.   O   índice   geralmente   usado   por  economistas   e   formuladores   de   políticas   públicas   que   procuram  mensurar  os  níveis  de  desigualdade  é  o  coeficiente  de  Gini20.  Em  2003,  pelos  cálculos  desse   coeficiente   o   Brasil   ficou   atrás   apenas   de   Serra   Leoa,   na   África.   Isso  significa   dizer   que   do   montante   produzido,   medido   pelo   PIB,   poucos   no  Brasil   (1%   da   população   )   se   apropriam   da   maior   parcela   dele   (50%   do  produto)   ao  passo  que  os  demais,   que   são  muitos   (99%),   apropriam-­‐se  do  restante  do  produto.  

Para  o  caso  brasileiro  este  coeficiente   tem  girado  ao  redor  de  0,60  para  os  anos   entre   2000   e   2010,   com   posicionamento   dentre   os   5   países   com  distribuição   de   renda   mais   concentrada   do   mundo.   A   divisão   da   renda  nacional   reflete,   portanto,   questões   sensíveis   como   à   participação  da  mão-­‐de-­‐obra   na   produção,   as   taxas   de   lucro   praticadas   pelo   setor   privado,  transferências  de  rendas,  distribuição  patrimonial  na  sociedade  e  outras.  

 

20  O  coeficiente  de  Gini  se  calcula  como  uma  razão  das  áreas  no  diagrama  da  curva  de  Lorenz.  Se  a  área  entre  a  linha  de  perfeita  igualdade  e  a  curva  de  Lorenz  é  A,  e  a  área  abaixo  da  curva  de   Lorenz   é   B,   então   o   coeficiente   de   Gini   é   igual   a   A/(A+B).   Esta   razão   se   expressa   como  percentagem  ou   como  equivalente  numérico  dessa  percentagem,  que  é   sempre  um  número  entre  0  e  1,  onde  0  indica  que  todas  as  riquezas  são  apropriadas  de  forma  igual  pela  sociedade  e   1   que   toda   a   riqueza   é   concentrada   em   uma   única   pessoa.O   coeficiente   de   Gini   pode   ser  calculado  com  a  Fórmula  de  Brown,  que  é  mais  prática:  

onde:  

G  =  coeficiente  de  Gini    X  =  proporção  acumulada  da  variável  "população"    Y  =  proporção  acumulada  da  variável  "renda"    

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Pagamentos  aos  fatores  de  produção=  PNB  PNB  –  renda  líquida  enviada  ao  exterior=  PIB  PIB  –  depreciação  =PL  PL  –  imposto  indiretos  =  RN  RN   –   lucros   –   encargos   sociais   +   juros   +   rendas   de   capital+   transferências  governamentais  =  Renda  pessoal  Renda  pessoal  –  impostos  pessoais=  Renda  pessoal  disponível.  

 

2.1.3.  PRODUTO  REAL  E  NOMINAL  O  produto  nominal  é  mensurado  aos  preços  do  período  ou,   como  se  diz  às  vezes,  em  moeda  corrente.  Assim,  o  produto  nominal  do  ano  de  2014  mede  o  valor  dos  bens  produzidos  em  2010  a  preços  de  mercado  do  ano  de  2014.  O  valor   do   produto,   contudo,   muda   de   ano   para   ano,   por   duas   razões.   A  primeira  é  que  a  quantidade  de  bens  produzidos  varia.  A  segunda  é  que  os  preços   de   mercado   também   variam.   Imaginemos   uma   economia   que  produzisse   exatamente   os   mesmos   produtos   em   termos   de   quantidade   e  qualidade  durante  dois  anos,  mas  os  respectivos  preços  aumentem  ao   final  do  segundo  ano  em  100%.  O  produto  nominal  do  segundo  ano  seria  maior  (o  dobro   em   termos   nominais),   muito   embora   o   produto   físico   real   da  economia   não   tivesse   se   alterado.  O   produto   real   é   uma  medida   que   tenta  considerar   variações   do   produto   físico   da   economia,   entre   diferentes  períodos.  O  produto  real  é  medido,  na  contabilidade  nacional,  aos  preços  de  um   ano   de   referência.   Isso   significa   que   ao   calcularmos   o   produto   real,   as  quantidades   de   hoje   são   multiplicadas   pelos   preços   que   prevaleceram  naquele   ano   (de   referência),   a   fim   de   se   obter   a   medida   do   que   valeria   a  produção  de  hoje,  se  vendida  aos  preços  do  ano  de  referência.    

Podemos   exemplificar   supondo   uma   economia   que   produzisse   apenas  bananas  e  laranjas.  A  produção  e  os  preços  hipotéticos  de  bananas  e  laranjas  em  dois  anos  são  mostrados  na  tabela  abaixo.  O  produto  nominal  no  ano  de  referência  era  de  11,25  un  e  o  produto  nominal  atual,  21  un,  representando  um   aumento   de   87%.   Contudo,   grande   parte   do   aumento   do   produto  

nominal  é  puramente  resultado  do  aumento  de  preços  entre  os  dois  anos  e  não  reflete  aumento  da  produção  física.  Ao  calcularmos  o  produto  real  atual,  pela   avaliação   da   produção   do  mesmo   ano,   a   preços   do   ano   de   referência,  encontraremos  13,80  un  para  o  produto  real,  representando  um  aumento  de  23%  ao  invés  de  87%.  O  acréscimo  de  23%  espelha  uma  medida  melhor  do  aumento   do   produto   físico   da   economia   do   que   o   acréscimo   de   87%,   por  conta   de   aspectos  monetários.   A   produção   de   bananas   elevou-­‐se   em   33%,  enquanto   a   de   laranjas   20%,   do   ano   de   referência   ao   dias   de   hoje.   Nessas  condições,  deveremos  assim  situar  a  nossa  medida  do  aumento  de  produto  real:   entre   20   e   33%.   O   aumento   do   produto   real   depende   dos   preços   de  mercado   observados   no   passado   com   os   as   quantidades   produzidas   no  presente.  São  denominados    produto  a  preço  corrente.    

2.2.  ÍNDICES  DE  PREÇOS  

O   cálculo   do   Produto   Real   nos   fornece   uma   medida   útil   da   inflação,  conhecida  como  deflator  do  Produto  que  é  a  razão  entre  o  Produto  nominal  e  o   real.   Ele   serve   como  medida   da   inflação   a   partir   do   período   em   que   os  preços  do  ano  referenciado  foram  utilizados  para  o  cálculo  do  Produto  real.  

Voltando   a   Tabela   1,   chegamos   a   uma   medida   da   inflação,   entre   os   anos  hipoteticamente  considerados,  pela  comparação  do  valor  do  produto  com  os  preços   atuais   e   o   valor   do   produto   com  os   preços   do   ano   de   referência.   A  relação  entre  o  Produto  nominal  e  o  real  é  de  1,52  (21  /  13,80).  Em  outras  palavras   o   produto   é   52%  mais   elevado   hoje   do   que   quando   avaliado   aos  preços  mais  baixos  do  ano  de  referência.  Atribuímos,  portanto,  o  aumento  de  52  %  à  variação  de  preços  ou  inflação,  no  período  considerado.  Uma  vez  que  o  deflator  se  baseia  em  um  cálculo  que  inclui  todos  os  bens  produzidos  pela  economia,   ele   é   um   índice   de   preços   abrangente   utilizado   para   medir  inflação.   No   Brasil   ele   é   denominado   Índice   Geral   de   Preços   (IGP).     As  instituições  que  trabalham  com  as  estatísticas  calculam  além  do  IGP,  outros  índices   ou   “deflatores”   para   produtos   restritos   a   cestas   de   bens   pré-­‐definidas.  Abaixo  listamos  alguns  deles  calculados  para  o  Brasil.  

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! Índice  de  Preços  por  Atacado  (IPA)  Disponibilidade  Interna.  ! Índice  Nacional  de  Custo  da  Construção  (INCC).  ! Índice  de  Preços  ao  Consumidor  (IPC).  ! Índice  de  Preços  ao  Consumidor  (IPC  –  FIPE).  ! Índice  Nacional  de  Preços  ao  Consumidor  Amplo  (IPCA).  ! Índice  Nacional  de  Preços  ao  Consumidor  (INPC).  

Os  índices  de  preços  ao  consumidor,  por  exemplo,  se  baseiam  em  cestas  de  bens  adquiridos  somente  pelo  consumidor  urbano.  Os  preços  coletados  dos  produtos  contidos  nesta  cesta  são  ponderados  por  quantidades  previamente  fixadas.   Essas   quantidades   somente   são   alteradas   quando   ocorrem  mudanças  bruscas  e,  ou,  de  caráter  estrutural  no  padrão  de  consumo  desse  estrato  da  população.  Assim,  esses  índices  restritos  medem  o  custo  de  dada  cesta   de   bens   que   é   a  mesma  de   ano  para   ano.     Por   isso,   algumas   famílias  estranham   quando   os   seus   orçamentos   não     batem   com   o   crescimento   do  índice   construído   a   partir   de   uma   cesta   definida:     simplesmente   essas  famílias   tem  gastos  adicionais  em  bens  e   serviços  que  participam  de  modo  diverso  na  construção  desse  índice.  A  cesta  de  bens  incluída  no  índice  Geral  de  Preços  (IGP),  contudo,  difere  de  ano  para  ano,  pois  depende  daquilo  que  é  produzido  pela  economia  a  cada  ano.  Os  produtos  avaliados  no  IGP,  em  dado  ano,  são  os  mesmos  que  a  economia  produziu  naquele  ano.  Quando  a  safra  de   milho   for   grande,   recebe   peso   correspondente   no   computo   do   IGP.   Ao  contrário,  os  demais   índices  de  preço  medem  o  custo  de  um  pacote   fixo  de  bens   que   não   varia   com   o   correr   do   tempo.     Os   índices   restritos   incluem  automaticamente   os   preços   dos   importados,   enquanto   o   índice   Geral   de  Preços   inclui   apenas   o   preço   de   bens   produzidos   no   país,   embora   estes  incorporem,  em  certos  casos,  a  variação  de  preço  dos   insumos   importados.  Para   atenuar   essas   distorções   entre   os   índices   os   órgãos   que   cuidam   das  estatísticas   nacionais   utilizam   uma   média   entre   os   índices   restritos   para  expressar  o  IGP.  

Um  índice  de  preços  relevante  é  o  Índice  de  Preços  por  Atacado  (IPA).  Ele  é  uma  medida  do  custo  de  determinada  cesta  de  bens  que  não  são  adquiridos  

no   varejo.   Ele   difere   do   IPC,   pois   levam   em   conta   as   matérias-­‐primas   e  produtos  semiacabados  Difere  também  na  finalidade,  uma  vez  que  se  destina  a  medir  os  preços  num  estágio  preliminar  do  sistema  de  distribuição.    

Enquanto  o  índice  de  preços  ao  consumidor  mede  os  preços  onde  as  famílias  urbanas  efetivamente  gastam  —  quer  dizer,  no  varejo  —,  o  IPA  se  estrutura  a   partir   da   primeira   transação   comercial   significativa.   Essa   diferença   é  importante  porque  transforma  o  IPA  num  índice  flexível  de  preços,  capaz  de  assimilar  variações  no  nível  geral  de  preços,  ou  no   IPC,  algum  tempo  antes  delas  ocorrem  efetivamente.  Por  essa  razão  o  IPA  e  o  índice  de  "construção  civil"   são   usados   como   indicadores   dos   ciclos   econômicos   sendo  atentamente  observados  pelos  analistas  do  mundo  dos  negócios.    

A  mecânica  dos  índices  de  preços  pode  ser  ilustrada  pela  fórmula  do  índice  de   preços   demonstrada   abaixo.   Esse   índice   é   denominado   de   Laspeyres.  Vemos  que  no  denominador  do  primeiro  termo  as  quantidades  Q  e  os  preços  P   estão   cotados   no   ano   t-­‐1   de   referência   e   o   numerador   fixa   a   quantidade  naquele  ano  considerando  os  preços  atuais   (t).  Observe  que  ele  é  diferente  do   aplicado   no   exemplo   anterior   onde   utilizamos   os   mesmos   preços   do  período  de  referência  na  produção  atual.  O  índice  de  Laspeyres  considera  as  quantidades  fixas  entre  os  períodos  a  preços  nominais  (de  hoje).  No  exemplo  anterior   os   preços   variavam,   mas   as   quantidades   não.   Existem   outras  medidas   para   se   calcular   índices   de   preços   e   quantidades   e   tantos   outros  podem  ser  criados,  a  depender  do  objetivo  que  se  persegue  e  da  criatividade  do  analista  econômico21.  

Índice  de  preços  =  (Σ  Pit  Qit-­‐1  /  Σ  Pit-­‐1  Qit-­‐1)  X  10  

21     Para     se   ter   uma   ideia   de   criatividade   na   elaboração   de   índices   de   preços   no   Brasil,  recomendamos   ver:   Banco   Central   (2012),   Série   Perguntas   Frequentes,   Índice   de   Preços   no  Brasil.  

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UMA  ILUSTRAÇÃO  DO  PRODUTO  REAL  E  Nominal

 

Produto  nominal  do  ano  de  referência   Produto  nominal  atual   Produto  real  atual  produção   Preço  unitário.   Valor  total   produção   Preço  unitário.   Valor  total   produção   Preço  unitário.   Valor  total  15  bananas   0,15c   $  2,25   20  bananas   0,30c   $  6,00   20  bananas   0,15c   $  3,00  50  laranjas   0,18c   $9,00   60  laranjas   0,25c   $15,00   60  laranjas   0,18c   $10,80  Produto  total     $11,25   Produto  total     $21,00   Produto  total     $13,80  

                 

Produto  nominal  do  ano  de  referência   Produto  nominal  atual   Produto  real  atual  

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2.3.  O  EXCEDENTE  ECONÔMICO  

O  excedente  econômico  é  a  parcela  do  produto   total  não  destinada  a  reprodução   imediata   da   sociedade,   como   dito   anteriormente.   É  riqueza   que   se   acumula   no   tempo   formando   patrimônio.   Uma   vez  contabilizado  nas  contas  nacionais  ele  se  torna  em  coisa  passada:  não  entra  de  novo  nas  contas  nacionais  constituindo,  por  isso,  em  riqueza  patrimonial.  Para  a  teoria  econômica  convencional  é  a  renda  menos  o  consumo,  que  pela  contabilidade  nacional  aproxima-­‐se  ao  conceito  de  poupança.   O   excedente   econômico   do   ponto   de   vista   da   economia  política   é   mais   do   que   isso:   é   a   parcela   do   produto   que   excede   as  necessidades   imediatas   das   famílias   e   por   isso   se   acumula  historicamente  nas  mãos  de  alguns,  que  buscam  incessantemente  sua  valorização.   A   criação   de   excedente   econômico   decorre   do   fato   de   o  ser  humano,  ao   longo  de  sua  história,   ter  sido  capaz  de  aprimorar  os  meios   de   produção   com   os   quais   ele   extrai   riquezas   da   natureza.   A  esse  processo  de  extração  denominamos  de  tecnologia.    

Assim,   o   avanço   técnico   na   produção   (tecnologia)   resulta   em   dois  efeitos   compartilhados.   O   primeiro   engendra   processos   de   produção  auspiciosos  de  elevada  produtividade  técnica  que  podem  propiciar  um  produto   muito   além   das   necessidades   das   famílias22.   O   segundo  decorre  do  primeiro.  Como  temos  um  produto  maior,  a    mão-­‐de-­‐obra  

22   Do   ponto   de   vista   histórico,   nos   primórdios   da   civilização,   a   evolução   e  descobrimento  de  novos   instrumentos  concernentes  à  sobrevivência  da  humanidade  exigiram  algum  tempo  de  seus  membros,  ou  de  alguns  deles,  que   trocaram  o   tempo  dedicado   à   busca   de   alimentos   na   forma   tradicional   pelo   tempo   de   construção   das  novas   ferramentas:   esse   processo   chamamos   de   desenvolvimento   das   forças  produtivas.   A   passagem   da   vara   de   pescar   para   o   tarrafo   (rede   de   pesca)   e   o  surgimento  do  arado  puxado  por  animais,  e  mais  tarde  o  mecanizado,  em  substituição  ao  manual,  por  exemplo,  requereu  alguma  perda/troca  de  consumo  presente  em  favor  de   melhor   consumo   futuro.   Observe   que   as   quantidades   de   bens   e   serviços   que  estarão   disponíveis   no   período   seguinte   serão  maiores,   pois   serão   construídas   com  novas  ferramentas  mais  eficientes.    

pode   continuamente   ser   liberada   justamente   daquelas   produções  relativas   aos     bens   essenciais   a   reprodução   social.   Esse   aspecto  constitui   a   essência   do   desenvolvimento   econômico.   O   aumento   da  produtividade   requer   cada   vez   menos   trabalhadores   para   a  constituição  dos  mesmos  produtos.  Os  trabalhadores  liberados  dessas  atividades  vão  exercer  atividades  não  diretamente   ligadas  a  extração  de  bens  e  serviços  destinados  ao  consumo  imediato23.  Esse  trabalho  é  denominado   de   improdutivo,  mas   não   no   sentido   pejorativo,   de   que  nada   produz.   É   um   trabalho   altamente   qualificado   que   tonifica   as  organizações   sociais   e   o   aumento   da   produtividade   do   trabalho:  ensino,   contabilidade,   exercício   da  medicina,   engenharias,   segurança  interna  e  externa,  funcionalismo  público,  desenvolvimento  de  ciências  e   artes   e   organização   politica   são   exemplos   de   atividades  improdutivas.  A  ideia  de  improdutivo  deriva,  simplesmente,  do  fato  da  existência   de   atividades   que   não   produzem   diretamente   bens  materiais   e   que   vão   ficando   cada   vez   mais   visíveis   conforme   a  historicamente  a  humanidade  avança.        

O   quadro   sistêmico   abaixo   captura   o   movimento   de   constituição  continuada   dos   excedentes   econômicos.   Assim,   no   início   a   utilização  de   técnicas   na   agricultura   mais   eficientes   possibilitou   a   criação   de  excedentes   alimentares   que   liberaram   mão   de   obra   do   campo   para  formarem   as   cidades   e   toda   sorte   de   atividades   não   diretamente  ligadas  a  produção  de  alimentos,  fruto  da  terra.    

23   Somente   quando   a   humanidade   consegue   através   de   seus   esforços   criar   um  excedente  econômico  é  que  estão  postas  as  condições  para  o  surgimento  de  atividades  não   diretamente   ligadas   a   reprodução   imediata   do   homem.         Assim,   surgiram   as  cidades   com   seus   serviços   essenciais,   o   Estado,   com   seus   poderes   constituídos,   o  maior  tempo  dedicado  as  artes,  ao  convívio  social  e  aos  estudos  e  a  fabricação  de  todo  sorte   de   produtos   tecnologicamente   avançados   e   dedicados   com   exclusividade   a  demanda  empresarial,  e  as  outras  atividades  que  a  engenhosidade  do  ser  humano  vai  criando,  conforme  o  excedente  econômico  vai  aumentando.    

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Todas   as   atividades   concernentes   a   produção   de   bens   de   capital  (instrumentos   e   maquinários),   bem   como   o   aprimoramento  educacional,   a   maior   dedicação   as   ciências   e   tecnológicas,   o  fortalecimento   de   os   sistemas   nacionais   de   inovação,   para   citar   as  mais   visíveis,   que   qualificam   naturalmente   o   aumento   da  produtividade,   têm   suas   atividades   afiançadas   pelo   excedente  econômico.   Sua   virtude   é   a   de   conservar   melhores   condição   de  

produção  e  dos  serviços  outorgando  mais  tempo  de  trabalho  dedicado  a   atividades  destinadas   ao   aumento  da  produtividade.   Esse  processo  reduz  o  tempo  de  trabalho  dedicado  a  produção  de  bens  de  consumo  imediato.  

A  geração  de  um  excedente  econômico  tanto  ocorre  em  uma  sociedade  de   produtores   independentes,   quanto   no   capitalismo   –   onde   o  trabalhador   esta   formalmente   subordinado   a   relações   de  assalariamento.   Nas   sociedades   de   produtores   independentes   a  geração  de  excedentes  geralmente   se  estabeleciam  espontaneamente  no  seio  da  unidade  familiar.    Ela  é  individual.  No  sistema  capitalista  a  relação  de  assalariamento  formal  ou  informal  subordina  todo  a  lógica  de   produção   à   constituição   de   um   excedente   econômico   social,   pelo  qual   todos   disputam   por   meio   de   associações   de   classes,  individualmente  ou  de  modo  coletivo.    

Nos  sistemas  de  produção  que  antecederam  o  capitalismo  (escravidão,  feudalismo,  servidão  e  qualquer  modo  de  produção  pré-­‐capitalista)  os  exercícios  utilizados  por  determinados  grupos  ou  classes  sociais  para  se   apropriarem  do  excedente   econômico   se  baseavam  na  pilhagem  e  coerção  explicita,  frequentemente  com  o  emprego  da  força.  No  sistema  de   produção   capitalista,   contudo,   a   apropriação   é   mais   sutil.   O  trabalhador   fornece   um   valor   adicionado   ao   processo   de   produção  superior   àquela   parcela   correspondente   a   sua   atividade,   cuja  valoração  significa  um  equivalente  monetário  denominado  salário.  Em  outras   palavras,   o   trabalho   excedente   é   a   diferença   entre   o   valor  criado  pelo  trabalho  e  o  que  é  pago  na  forma  de  salário.  Essa  é  a  fonte  do   excedente   econômico   que   no   capitalismo   constitui   parcela   do  “lucro”  ou  na  economia  marxista:  mais-­‐valia.  

Resumindo,   o   lucro   total   –   poupança,   na   versão   convencional,   ou  excedente,   na   versão   marxista   -­‐,   é   reinvestido   na   sociedade  fundamentalmente   no   aprimoramento   das   atividades  consubstanciadas  no  trabalho  indireto  (improdutivo)  que  tonificam  as  

Desenvolvimento+Histórico+

Agricultura

Excedente econômico

Libera mão de obra

Constituição dos centros urbanos industriais

Desenvolvimento das forças produtivas

MERCADO

Artefatos e instrumentos de trabalho

pro

duzem

Surgimento da Moeda-Dinheiro

Acu

mulação

prim

itiva d

e capital

!

Pa<Pi!+

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atividades   industriais   e   de   serviços   debaixo   os   processos   de  concorrência  e  inovação  tecnológica.  Essas  novas  atividades  (indústria  e  serviços)  originaram-­‐se  historicamente  a  partir  da  transferência  de  rendas   oriundas   das   atividades   agrícolas.   Esse   espírito   de   criação   e  apropriação  de  excedente  avançou  sobre  os  processos  de  colonização  onde   as  metrópoles   extraem   riquezas   de   suas   colônias   (acumulação  primitiva  de  capital)   fortalecendo  as  atividades   fora  do  eixo  agrícola.  Os   centros   urbanos   industriais   vão   sendo   assim   constituídos   com  certa  dedicação  a  uma  série  de  novas  atividades,  inclusive  as  artísticas  e   de   intelecto   inventivo,   por   exemplo.   Um   das   contribuições   mais  espetaculares  propiciados  pelo  excedente  econômico  foi  a  de  frutificar  a   revolução   industrial   inglesa   que   definitivamente   colocou   a  acumulação   de   capital   da   indústria   acima   da   acumulação   originada  pela   agricultura,   com   uma   proliferação   de   bens   industriais   nunca  antes   alcançada.   A   figura   acima   é   auto   explicativa   desse   processo  histórico.  

No   caso   da   sociedade   de   produtores   independentes   o   excedente  econômico   é   individualizado:   pertence   a   quem   o   cria.   Já   no  capitalismo,   o   excedente   econômico   corresponda   à   parcela   de  produção   social   que   se   institucionaliza   pelo   fato   do   trabalhador   ser  “assalariado”   e   produzir   não   apenas   valor   econômico,   mais   valor  excedente.     A   reprodução   das   relações   capitalistas   por   meio   do  “assalariamento”  sanciona  a  geração  de  um  valor  excedente,  mediante  a   subordinação   do   trabalhador,   que   no   limite   se   expressam   por  contratos   de   trabalho   estabelecidos   entre   pessoas   físicas   e   jurídicas.  Assim,   “o   mais   produto”   é   apropriado   pela   camada   social   que   não  encontra-­‐se  diretamente   ligados  a  esfera  da  produção  material   (chão  da  fabrica)24.  

24   Ampliando   esse   conceito,   o   empresário   autônomo   (uma   doceira,   por   exemplo)  preenche   uma   das   condições   do  modo   de   produção   capitalista   que   é   a   de   produzir  mercadorias  ¬  ela  está  envolvida  na  esfera  produtiva.  Contudo,  ela  é  uma  produtora  independente   e,   portanto,   não   reproduz   as   relações   sociais   especificamente  capitalistas  que  permitem  a  apropriação  do  produto  excedente  por  outrem.  

No  trajeto  da  histórica  econômica,  a  engenhosidade  dos  financistas  fez  a  sua  parte  para  valorizar  o  excedente  econômico.  De   fato,  o   sistema  bancário-­‐financeiro   acaba   sendo   o   guardião   do   excedente   que   se  transmuda   em   depósitos   a   vista   nos   bancos   comerciais   e   nas  aplicações   financeiras.   Por   meio   de   empréstimos   as   famílias,   ao  governo,   as   empresas   e   outras   instituições   o   excedente   acaba  recebendo  ao  final  do  ciclo  prestamista-­‐devedor  um  valor  maior,  pois  nele  são  contabilizados  o  pagamentos  de  juros  e  outros  encargos.  Isso  acontece   muito   rápido   com   a   utilização   dos   meios   da   informática   e  processamentos   eletrônicos.   Assim,   o   processo   de   valorização   do  excedente,  nos  dias  de  hoje,  é   imediato,  mas  a   sua  base  material  que  não  é  constituída  imediatamente,  pois  os  investimentos  requerem  um  prazo  de  maturação  para  realizar-­‐se  em  lucros  com  os  quais  se  pagam  os   juros.   Essa   descolagem   entre   a   realização   dos   investimentos   e   a  valoração   dos   excedentes   no   futuro   propiciam   o   surgimento   das  “bolhas”   financeiras   e   não   financeiros   (como   recentemente   os  derivativos   alavancados   em     imóveis,   por   exemplo)   e   flutuações  econômicas.  

O   resumo   da   história   é   que   o   avanço   na   área   de   informática,   cujo  resultado   principal   têm   sido   a   compressão   do   tempo-­‐espaço   e   as  transformações   tecnológicas   também   a   ela   associada,   possibilita   a  geração   de   um   produto   cada   vez   maior,   com   a   menor   utilização   de  recursos  produtivos.  Contudo,  dado  a  engenhosidade  financeira,  todos  os   bens   e   serviços   são   monetariamente   valorizados   -­‐   por   meio   de  créditos   ampliados   amparados   por   ativos   derivados   -­‐     a   uma   taxa  maior  do  que  aquela  que  acompanha    o  crescimento  do  produto  físico.  O   alcance   desse   processo   se   esgota   na   explosão   das   denominadas  “bolhas”  que  se  apoiam  nos  movimentos  especulativos  valorativos  de  ativos   financeiros  e  não   financeiros.    De   fato,  por  meio  da   tecnologia  de  informação,  os  bens  e  serviços  servem  imediatamente  a  criação  de  lastros  para   constituir  poder  de   compra  –  dinheiro  expandido  –   cujo  

 

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maior  valor  depende  dos  bancos  criarem  mecanismos,  cada  vez  mais  refinados,   para   a   sua   multiplicação25.   Quando   isso   não   ocorre   de  maneira  funcional,  ou  quando  a  sociedade  reconhece  a  fragilidade  dos  lastros   valorativos   no   qual   se   apoia   o   processo   de   valorização   do  excedente  o  sistema  econômico  entra  em  crise.  

2.3.1  A  MACROECONOMIA  E  O  EXCEDENTE  ECONÔMICO      

Um   dos   objetivos   principais   da   macroeconomia   é   auxiliar   a  formulação   das   políticas   fiscais   e   monetárias.   Com   o   tempo   e   as  distâncias   encurtadas,   pelo   avanço   da   tecnologia   de   informação,   a  política  monetária   se   sobrepõe   `as   ações  da  política   fiscal   relativas   a  constituição   de   receitas   e   gastos   governamentais.   Essas   últimas  dependem  quase   todas,   em   regimes   democráticos,   de   aprovação   dos  congressistas   e   isso,   via   de   regra,   demanda   um   tempo  maior   do   que  aquele  dedicado  as  ações  dos  bancos  centrais26.    

25  Antigamente,  o  dia  e  a  noite,  os  ciclos  climáticos  e  da  colheita  agrícola  e  as    jornadas  de   trabalho   cronometradas   a   partir   da   invenção   do   relógio   definiam   o   tempo   pela  percepção   da   prática   de   repetição   e   os   intervalos   a   ela   inerente.   Com   o   avanço   da  informática,  o  tempo  entendido  como  uma  sequência  ordenada  de  fatos  foi  aniquilado  seja  pela  sua  compressão  –  os  fatos  quase  que  se  sobrepõem  -­‐  ou  pelo  ofuscamento  da  sequência  entre  diferentes  formas  de  acontecimentos  futuros.  A  aplicação  da  máxima  do   aqui   e   agora,   exemplifica   com   propriedades   essa   aceleração   onde   o   passado   e  futuro  se  fundem  no  presente:  “a  prática  social  (atual)  ...  nega  a  sequência  (dos  fatos)  para  nos  instalar  na  simultaneidade  perene  e  na  ubiquidade  simultânea  e...as  pessoas  acreditam   vencer   suas   restrições   temporais,   ou   pelo   menos   é   isso   que   elas  acham”.(Castells,  2001). 26   Por   tautologia,   as   formulações   das   políticas   fiscal   e     monetária   somente   podem  vigorar  por   conta  da   existência  do   excedente   econômico.  A  política   fiscal   é   exercida  quando   a   criação  de  um  excedente   econômico  permite   que   o  Estado   se   aproprie   de  parcela   dele   por  meio   da   cobrança   de   tributos,   e   seu  montante   seja   distribuído   sob  varias   formas:   investimentos  em   infra  estrutura,   educação,  pagamento  dos  encargos  da   dívida   pública,   saúde   e   transferências   de   renda   de   cunho   social   aos   menos  favorecidos,   para   citar   os   mais   simples.   Essa   é   a   essência   da   política   fiscal   que   no  contexto   atual,   de   negação   da   existência   de   uma   sequência   de   fatos   e   de   restrições  temporais,  requer  desdobramentos  singulares  para  atender  as  demandas  sociais.    

A   política   monetária,   por   seu   lado,   tem   força   de   ação   imediata.   Ela  dimensiona   nominalmente   o   produto   total   por   meio   do   controle   da  oferta   monetária.   Destina-­‐se,   portanto,   a   alterar   o   lado   real   da  economia   modificando,   com   o   controle   da   oferta   monetária,   os  principais  preços  do  mundo  econômico:  a  moeda  nacional  cujo  valor  é  quantificado   pela   taxa   de   juro,   o   valor   da   moeda   estrangeira  representada   pela   taxa   de   cambio   e   o   valor   das   mercadorias   e   dos  fatores  de  produção  que  recebem  suas  cotações  pelos  salários,  lucros,  alugueis  e  demais  rendas  recebidas.  Assim,  a  grandeza  e  distribuição  do   produto,   entre   excedente   econômico   e   consumo   necessário   a  reprodução   da   sociedade,     pode   ser   modificado   pela   política  monetária.  

Nas   sociedades  mais   desenvolvidas,   os   indivíduos   já   possuem   quase  toda   ordem   de   bens   essenciais   para   tocarem   suas   vidas   e   de   suas  famílias  com  conforto  e  dignidade.  Podem  por  isso  destinar,  com  certa  folga,   fatores  de  produção  para  a   fabricação  de  bens  de   capital,   bens  intermediários,   desenvolvimento   tecnológico   e   aprimoramento   dos  seus  próprios   fatores  de  produção  e,   toda   sorte  de  atividades  que   se  destinam  a  contribuir  com  as  melhorias  de  bens  e  serviços  (relativas  as  funções  do  Estado,  transporte,  comércio,  lazer  e  muitas  outras).  No  limite,   cada  vez  necessitamos  menos  de  mão-­‐de-­‐obra  para  prover  os  bens  essenciais  ao  consumo  justamente  por  conta  do  avanço  cientifico  tecnológico.  Tal   não   se  dá  nas   sociedades  menos  desenvolvidas.   Elas  carecem  dos  bens  essenciais  ao  sustento  familiar  e  demandam  por  isso  maiores  esforços  para  produzi-­‐los  em  detrimento  dos  bens  e  serviços  intermediários  e  de  capital.  Sobram,  portanto,  uma  quantidade  menor  de   fatores   para   serem   empregados   em   melhorias   produtivas,  desenvolvimento   tecnológico   e   fortalecimento   do   setor   produtor   de  bens  de  capital.  O  modo  como  se  constitui  o  excedente  econômico,  sua  dimensão   e   sua   distribuição   entre   as   classes   e   estamentos   de   classe  sociais   contribuí   para   aprumar   os   graus   de   desenvolvimento  

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econômico  dos  países.    

Vamos   estilizar   esse   fenômeno   de   outra   maneira.   A   utilização   de  tecnologias  que  vão  sendo  aprimoradas  ao  longo  do  tempo  estabelece  uma   tendência   secular   nas   sociedades   de   utilização   de  mão-­‐de-­‐obra  qualificada  no  manejo  das  novas   tecnologias  em  detrimento  da  mão-­‐de-­‐obra  não-­‐qualificada27.  Essa  tendência  vem  favorecendo  a  absorção  da  mão-­‐de-­‐obra  pela  área  de  serviços  reduzindo  o  tempo  e  o  número  de   trabalhadores  na   indústria   e  na  agricultura.    De   fato,   o   avanço  do  progresso  técnico  tem  criado  novas  funções  e  atividades  distantes  do  trabalho   associado   diretamente   à   esfera   produtiva.   Esse   trabalho  enxerga   por   “cima   da   produção   material”   o   desenvolvimento   do  sistema   capitalista.   A   economia   marxista   o   denomina   de   trabalho  improdutivo,   que   se   lança   cada   vez  mais   sobre   o   trabalho   produtivo  que   é   justamente   aquele   exercido   pela   mão-­‐de-­‐obra   assalariada  diretamente  aplicada  na  base  da  produção  material.    

O  trabalho  improdutivo  não  tem  nada  de  pejorativo.  Ele  simplesmente  contribui   para   as   funções   que   são   essenciais   a   distribuição   dos  produtos   e   criação   de   novos,     e   nas   demais   atividades   que   elevam   a  produtividade   e   dão   forma   ao   espectro   social.   Já   que   não   produzem  bens   e   serviços   diretamente   necessários   a   reprodução   da   social,   sua  remuneração  é  retirada  do  excedente  econômico.    

Assim,   o   sustento   desta   parcela   da   população   -­‐   trabalhadores  improdutivos   -­‐   é   possível   mediante   a   existência   de   uma   produção  objetiva   superior   ao   custo   do   trabalho   (produtivo)   despendido   na  reprodução  dos  bens  e  serviços  essências  a  reprodução  das  famílias.  A  contabilidade   empresarial   percebe   com   clareza   essa   distinção   de  

27  Vale   contextualizar  que   a  mão-­‐de-­‐obra   especializada  não   corresponde   à  mão-­‐de-­‐obra  qualificada,  uma  vez  que  o  avanço  técnico,  no  limite,  pode  restringir  a  capacidade  do   trabalhador   a   atividades   mais   simples,   não   estimulando   desempenhos   mais  qualificados.

trabalho   produtivo   e   improdutivo,   ao   designar   o   trabalho   produtivo  como   custo   da   mão-­‐de-­‐obra   ou   custo   direto   e   as   atividades  consubstanciadas   no   trabalho   improdutivo   como   a   dos   gerentes,  diretores,   pessoal   de   marketing   e   todas   as   demais   funções   não  diretamente  ligadas  a  esfera  da  produção  como  despesas  indiretas  ou  administrativas,   cujos   pagamentos   não   variam   diretamente   com   a  quantidade  produzida  de  bens  e  serviços.    

Atualmente  o  excedente  econômico  mundial  é  absurdamente  grande  e  concentrado  por  país,  indivíduos  e  instituições.  Ele  foi  alcançado  pelos  sucessivos  avanços  tecnológicos  ao  longo  da  história,  particularmente  os  do  último  século.  Assim,  a  sociedade  foi   liberando  mão-­‐de-­‐obra  da  produção   de   mercadorias   destinadas   a   reprodução   de   suas   famílias  desenvolvendo,   ao   mesmo   tempo,     atividades     que     autenticam  justamente  a  maior   liberação  da  mão-­‐de-­‐obra  envolvida  na  esfera  da  produção.  

2.3.1.1    O  valor  do  excedente  econômico  e  sua  distribuição  

A   teoria  macroeconômica   convencional   trata  a  questão  do  excedente  econômico   de  modo   diferente.   Ela   desconsidera   a   existência   da   luta  entre   os   donos   dos   fatores   de   produção   ¬   força   de   trabalho  (trabalhadores),   capital   (empresários)     e   recursos   naturais  (latifundiários/rentistas)   ¬   pela   posse   de   parcelas   do   excedente  econômico.   Ela   não   reconhece   que,   apesar   da   distribuição   dos  produtos  ocorrer  no  mercado,  são  os  poderes  de  barganha  envolvidos  nas  negociações  relativas  a  participação  na  renda  que  definem  a  parte  que   caberá   a   cada   um.   Desse   modo,   a   distribuição   do   produto   se  estabelece   no   ato   da   produção   e   não   é   portanto,   um   fenômeno  exclusivo  da  esfera  da  circulação  de  mercadorias.  Assim,  esta  questão  não   é   tratada   pela   macroeconomia   tradicional,   pois   o   entendimento  dessa   linha  de  argumentação  é  que  a    esfera  da  produção  representa  uma   função   técnica,   cuja   magnificência   é   produzir   os   produtos   e  serviços   demandados   sem   considerar   os   destinos   que   histórica   e  socialmente  lhes  são  outorgados.    

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Diferentemente,   Kalecki   introduziu   a   distribuição   de   renda   nos  estudos   macroeconômicos   compartilhando   o   comportamento   das  instituições   como   determinante   de   magnitude   dos   agregados  macroeconômicos.     A   distribuição   de   renda   pela   interpretação   dos  escritos  de  Kalecki  depende  dos  embates  entre  as  forças  que  formam  os   custos   diretos   e   indiretos   para   a   fixação  dos  preços  dos  produtos  industriais.    Seu  argumento  é  que  para  fixar  preço  (𝒫)  a  firma  leva  em  conta   a   média   de   seus   custos   diretos   (u)   e   a   média   dos   preços   das  outras   firmas   concorrentes   (p)   de   um   modo   bastante   peculiar,   pois  predominam   barganhas   politicas   entre   os   agentes   e   instituições   em  detrimento  das  função  técnicas  relacionadas  a  produção.        

Na   indústria   a   formação   de   preços   de   uma   firma   típica   segue   como    demonstrado  abaixo.      

 𝒫  =  mu1  +  np    

Os  coeficientes  m  e  n  representam  a  disputa  entre  os  empresários  (n)  e  os  trabalhadores  (m)  pelo  produto  social  criado.  𝓟  é  o  preço  fixado  pela   firma  e  p  é  a  média  de  preços  das  empresas  do  mesmo  ramo  de  produção.    O  coeficiente  n  contempla  a  formação  dos  custos  indiretos  (trabalho   improdutivo)   financiado   pelo   excedente   econômico.   O  coeficiente  n  é  menor  que  um  (n<1),  pois  aceitamos  que  o  preço  médio  da  firma  𝒫  somente  pode  ser  menor  ou  igual  a  ao  preço  médio  p.    

.Generalizado  para  todo  o  setor  industrial  com  diferentes  firmas  (1;  k)  e  diferentes  custos  unitários  (u)  temos:  

𝒫  1=  mu1  +  np    𝒫  2=  mu2  +  np    𝒫  3=  mu3  +  np    *  *  *___________________  𝒫  k=  muk  +  np    

Somando  os  elementos  ponderados  pelas  respectivas  produções:    𝒫  =  mu  +  n  𝒫  

𝒫  =  (m/1-­‐n)    u  

𝓟/𝒖  =  (m/1-­‐n)  

Kalecki   chamou   a   relação   entre   preços   dos   bens   e   serviços   finais   na  indústria  e  seus  custos  diretos  (insumos  e  mão-­‐de-­‐obra  direta)  𝒫/𝑢  de  grau  de  monopólio  que  se  estabelece  nas  economias  por  uma  série  de  fatos,  circunstâncias  e  condições  influenciando  a  formação  dos  preços  finais  dos  produtos  e  dos  fatores  de  produção.  Assim,  se  a  atuação  dos  sindicatos   é   débil   no   sentido   de   reivindicar   aumentos   salariais   não  colocando   cláusulas   que   impeçam   o   repasse   do   aumento   para   os  preços,   por   exemplo,   o   coeficiente  m   será   maior   do   que   aquele   em  uma   sociedade   cuja   atuação   sindical   dos   trabalhadores   seja   mais  esclarecida.  Empresas  poderosas  que  exerçam  pressões  sobre  os  seus  fornecedores   com   sucesso   contribuem   também   para   o   aumento   do  parâmetro  m.  Se  os  trabalhadores  se  tornam  mais  produtivos  devido  a  melhoramentos   da   técnica   mas,   dado   uma   série   de   característica  institucionais,   eles   não   conseguem   uma   maior   participação   no  produto,  a  interpretação  é  de  um    grau  de  monopólio  elevado.  Regimes  políticos   pouco   democráticos   tendem   a   favorecer   o   aumento   do  coeficiente  m  em  relação  ao  encontrado  em  países  mais  democráticos.  

No   caso   do   parâmetro   n   que   retrata   a   guerra   intercapitalista,  estruturas   industriais   formadas  por  grandes   corporações  geralmente  fixam  seus  preços  com  o  conhecimento  de  que  as  empresas  menores  concorrentes  seguirão  sua  politica  de  fixação  de  preços.  Elas  exercem  certa   liderança.   A   concorrência   entre   as   empresas   do   mesmo   ramo  pode  ser  estabelecida,  também,  pela  diferenciação  de  produtos  onde  o  espírito   concorrencial   se   apoia   nas   estratégias   de   marketing,   na  formação   de   novos   valores   sociais,   conluios   entre   empresários   para  concorrer   na   obtenção   de   recursos   públicos   e   toda   sorte   de   ações  

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junto   as   instituições   do   Estado   visando   a   perpetuação   do   excedente  em  suas  mãos.  Esses  fenômenos  expressam  um  coeficiente  n  majorado  favorecendo  a  constituição  de  um  grau  de  monopólio  elevado.      

A  sobreposição  dos  custos  indiretos  -­‐  trabalho  improdutivo  -­‐  sobre  os  custos   diretos   é   uma   tendência   secular.   O   desenvolvimento  tecnológico   leva   a   diminuição   da   pressão   dos   custos   diretos   sobre   a  produção   ao   mesmo   tempo   favorecendo   a   construção   de   novas  atividades  mantidas  pelo  excedente  econômico.    Resumindo,  o  grau  de  monopólio   em   Kalecki   explica   a   distribuição   de   renda   como   um  fenômeno  mais  político  e  menos  econômico.  É  razoável  supor  que  nas  economias   onde   o   grau   de   monopólio   de   Kalecki   é   menor   uma  distribuição   de   renda   mais   equitativa   geralmente   se   estabelece   em  contraposição  a  concentração  de  renda  observada  em  economias  com  elevado   grau   de   monopólio.   Para   essa   linha   de   pensamento,   a  distribuição   de   renda   no   sistema   econômico   é   um   fenômeno  eminentemente  político  e  social  em  detrimento  as  condições  técnicas  de   produção   conforme   advogado   pela   macroeconomia   de   cunho  neoclássico.        

Estilizado   a   distribuição   de   renda   a   partir   do   grau   de   monopólio,  podemos  considerar  a  repartição  da  Renda  nacional  como  o  valor  da  Produção   (Vp)  que   se  distribui   formando   lucros   (L),   custos   indiretos  (CI)   e   salários   diretos   (W)   menos   o   custo   das   matérias-­‐primas   (M).    Reproduzindo  Kalecki:    

L  +  CI  =  Vp  –  M  -­‐  W    

Então:    

L  +  CI  =  𝒫!𝑊 + 𝒫

!  M  –  (W  +  M)  

L  +  CI  =(  𝒫!  -­‐1)  (W  +  M)  

A  parcela  (w)  dos  salários  no  valor  adicionado  segue:    

w  =    W/  VA        

w  =  W/  W  +  (  𝒫!  -­‐1)  (W  +  M)  

se  indicarmos  a  razão  entre  o  montante  dos  custos  de  matérias-­‐primas  e  o  custo  de  mão  de  obra  por  J  teremos:  

w  =  1/  1  +  (  𝒫!  -­‐1)  (J  +  1)  

Desse  modo,  conclui-­‐se  que  a  parcela  dos  salários  na  renda  nacional  é  influenciada   pelo   grau   de   monopólio   e   pelos   custos   das   matérias  primas  e  da  mão  de  obra.  

O  restante  da  renda  nacional  fica  por  conta  dos  investimentos  e  gastos  com   o   consumo   da   classe   de   alta   renda,   uma   vez   que   no  modelo   de  Kalecki   todo   o   salário   dos   trabalhadores   é   gasto   (CW),   pois   as  condições   de   formar   poupança   para   a   classe   de   trabalhadores   são  exíguas.  Assim,  a  demanda  D  é  composta  por:  

     D  =  CW  +  CL  +  I  =  salários  diretos  +  lucros        

 

 

 

Como:  CW  =  salários  diretos,    Logo:  L  =  CL  +  I    

Consumo   dos  trabalhadores   Consumo   dos  

capitalistas  

Investimento  

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Como   o   CW   é   igual   aos   salários   diretos   pagos   na   economia,   toda   a  criação  do  excedente  econômico,  i  e,  o  lucro  total  da  economia,  fica  por  conta  de  quanto  os  capitalistas    gastam  em  bens  de  investimento  (  I  )  e  bens  de  luxo  (CL).      

Com   o   avanço   das   sociedades,   não   percebemos   com   clareza   as  atividades   diretamente   relacionadas   ao   processo   de   produção  daquelas   que   não   o   são   e   que,   portanto   participam   dos   lucros  referenciados  na  identidade  acima.  Em  outros  termos,  é  uma  questão  em   aberto   a   real   dimensão   do   excedente   econômico.   Como   vimos,  temos  uma  tendência  a  considerar  o  excedente  como  poupança  (o  que  sobra,   uma   vez   satisfeita   as   necessidades   básicas   histórica   e  culturalmente   definidas).   Contudo,   como   as   necessidades   do   ser  humano   são   infinitas,   o   excedente   econômico   passa   a   ser   uma  categoria  analítica  conceitualmente  igual  ao  investimento,  poupança  e  lucro   para   a   teoria   macroeconômica   convencional.   Dissolve-­‐se  aparentemente,  assim,  na  sociedade  atual  a  sobreposição  do  trabalho  indireto  sobre  o  trabalho  direto.    

Na  dinâmica   capitalista,   os   salários  dos   trabalhadores  produtivos  vai  perdendo  espaço  para  a  composição  da  renda   formada  pelo   trabalho  improdutivo:   a   classe   de   alta   renda.   Essa   última   ganha  mais   do   que  suas   necessidades   correntes   e   portanto   acumula   riqueza.   Assim,   ela  tem  acesso  ao  crédito  dedicado  pelo  sistema  financeiro  e  não  tem  seus  gastos  em  investimento  e  bens  de   luxo   limitados  pelo   lucro  corrente.    Desse  modo,  o  investimento  pode  crescer  por  meio  de  financiamentos  criando   mais   excedente   (poupança).   Este   o   principio   da   demanda  efetiva.   É   a   demanda   (por   investimento)   que   comanda   a   oferta   (de  poupança).    

*  *  *  

Em   termos  macroeconômicos,   o   excedente   é   teoricamente   à   parcela  do   produto   não   consumida:   é,   portanto,   a   produção   poupada   que   se  

sobrepõe   as   reais   condições   de   posse   e   determinação   da   geração   do  excedente   econômico.   Promove-­‐se,   assim   uma  máxima   econômica:   a  sociedade  se  abstém  de  parcela  do  consumo  presente  ¬poupança¬  na  expectativa   de   trocá-­‐lo   por   um   consumo  maior   no   futuro.   Essa   ideia  pois  inicialmente  elaborada  por  Knut  Wicksell  (1903)  em  A  Natureza  e  a  Necessidade  dos  Juros.  

Abster-­‐se   do   consumo   presente,   propiciando   a   formação   de   um  excedente  econômico,  só  faz  sentido  se  realmente  formos  trocá-­‐lo  por  um   consumo   futuro   mais   vantajoso.   Por   outro   lado,   requer-­‐se   que  alguém  queira  trazer  para  hoje  seu  consumo  que  só  seria  efetivado  no  futuro.  À  medida  dessa   troca  entre  excedentes  econômicos  no   tempo  chamamos  de   juros   e   constitui   um  prêmio   aos   parcimoniosos   e   uma  penalidade  aos  consumidores  ansiosos.  A  taxa  de  juros  mede  assim  o  valor  do   excedente   econômico   amanhã   em   relação   ao   existente  hoje.  Acontece   que   não   conhecemos   o   amanhã   e   trocamos,   portanto,   uma  coisa  conhecida  por  outra  formada  por  expectativas.    

De   fato,  é   irracional  alguém  se  abster  do  consumo  presente  em  troca  de   nada.   Trocar   o   poder   de   compra   não   exercido   hoje,   ou   seja,  poupado,   por   maior   consumo   no   futuro   faz   parte   da   essência   do  desenvolvimento  econômico  e  isso  requer  que  os  bens  a  disposição  da  sociedade   no   futuro   represente   um   valor   maior   do   que   aquele  poupado   ¬   no   período   precedente.   A   questão   da   poupança   versus  investimento   envolve,   portanto,   aspectos   de   temporalidade.   Em  termos   macroeconômicos   o   conjunto   de   todas   as   poupanças  individuais  e  compulsórias  constitui  um  excedente  econômico  que  tem  como   destino   o   investimento   disponibilizando   maior   quantidade   de  produtos  a  disposição  da  sociedade  no  tempo28.    

28  No  plano  individual  uma  pessoa  faz  seu  pé  de  meia  ¬poupa¬  para  consumir  mais  e  melhor   no   futuro.   Em  muitos   casos,   ele   acredita   que   sua   renda   futura   diminuirá   e,  portanto   seria  mais   vantajoso   se   precaver   poupando   hoje.   Ele   joga   o   seu   poder   de  compra   “grandioso”  hoje  para  o   futuro  com  distribuição  adequada  no   tempo.  Milton  

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Para   Wicksell   existe   uma   taxa   de   juros   natural   cuja   base   está   no  reconhecimento   social   dos   recursos   disponíveis   para   suprir   as  demandas  atuais  e  futuras.  Assim,    os  empresários  estão  alinhados  em  seus   planos,   sob   a   taxa   de   juros   natural,   com   o   padrão   de   consumo  escolhido  pela  sociedade.  Isto  contribui  para  explicar  a  disparidade  de  taxas   de   juros   entre   países,   em   adição   a   visão   tradicional   que  considera   o   risco   como   a   variável   explicativa   principal.   Ainda,   nesta  visão,  podemos  dizer  que  manipulação  politica  da  taxa  de  juros  pelos  governos,   como   crédito   fácil   em   época   de   campanhas   eleitorais,  afastam   a   taxa   de   juros   de   seu   padrão   natural,   tendo   efeitos   no  nefastos  para  a  economia.  De  fato,  uma  taxa  de  juros  manipulada  cria  um  desalinhamento  entre  as  escolhas  do  que  se  deseja  consumir  hoje  e  no  futuro  com  os  planos  intertemporais  de  produção.  

A   Igreja   Católica   nos   idos   do   mercantilismo   se   posicionou   contra   a  existência  dos   juros,  sob  a  alegação  que  o  tempo  a  Deus  pertence.  Os  homens   não   estariam   habilitados   a   cobrar   (taxas   de)   juros   nas  relações   que   envolvessem   crédito   e   débito   tendo   o   tempo   como  parâmetro.  Essa  afirmativa,  digamos  divina,  não   resistiu   à  percepção  pela  sociedade  que  de  fato  a  taxa  de  juros  representa  uma  medida  da  quantidade   de   produtos   adicionais   obtida   no   futuro   em   relação   ao  período   anterior.   Ela   tem   competência  para   identificar-­‐se   com  o  que  chamamos   de   retorno   do   capital   ou   simplesmente   retorno   do  investimento.   A   questão   central   é   que   nada   sabemos   sobre   o   futuro.  Não   sabemos  qual   será   o   valor   do   amanhã   e,   portanto  não  podemos  medi-­‐lo   para   estimar   com   precisão   a   taxa   de   juros   (R).   Assim,   só  podemos   estimar   ¬   formar   expectativas   de     ¬   quanto   valerá   o  excedente   no   futuro   com   base   nas   condições   atuais   (   1/1+R).   De  qualquer   modo,   a   existência   dos   juros   requer   uma   base   de   bens  

Friedman  (1967)  chamou  esse  comportamento  de  renda  permanente.  Na  maioria  dos  países   parte   dessa   poupança   é   coletiva   e   compulsória,   como   no   caso   brasileiro   da  aposentadoria   do   Ministério   da   Previdência   Social.   Algumas   empresas   adotam   o  sistema   de   Fundo   de   Pensão   para   seus   funcionários,   geralmente   de   caráter   não  compulsório,  em  adição  ao  sistema  previdenciário  governamental.    

materiais   constituídos   no   futuro   cuja   realização   de   compra   e   venda  permita  o  pagamento  dos  juros.    

A  macroeconomia  com  respeito  a  constituição  do  excedente/poupança  obteve,  pelo  menos,    duas  respostas  conflituosas  com  respeito  a   taxa  de   juros.   A   primeira,   é   que   ela   significando   a   troca   de   consumo  presente   por   consumo   futuro   favorece   a   constituição   de   excedentes  econômicos   (poupança).   Seu   aumento   projeta   um   futuro   mais  auspicioso  que  o  presente,  ocasionando  uma  predisposição  a  poupar  e  menos   a   consumir   no   presente.   Quando   ela   se   reduz   (aumenta)  estimula   (desestimula)   o   consumo   presente.   Esta   é   a   versão  neoclássica   da   taxa   de   juros.   A   segunda,   é   que   ela   pode   ser   útil   nos  processos   de   escolha   entre   rentabilidades   estimadas   de   ativos  financeiros  e  não  financeiros.  Assim,  ela  é  o  principal  componente  dos  movimentos   especulativos   marcados   pelas   competências   individuais  das   escolhas   entre   as   expectativas   de   valorização   dos   ativos  financeiros  e  não  financeiros,  pouco  contribuindo  para  a  formação  de  poupança.  A  taxa  de   juros  resume  a  centralidade  desse  processo,  por  cotar  o  preço  do  dinheiro.    Essa  é  a    versão  keynesiana.      

No  nexo  entre  a  economia  real  e  a  monetária,  os  ciclos  de  valorização  da   produção   demonstram   a   importância   da   taxa   de   juros   para   o  mundo   econômico.     Os   investidores   competem   entre   si   e   é   por   isso  natural  que  contraiam  empréstimos  buscando  uma  eficiência  superior  para   assim   obterem   parcelas   de   mercados   dos   concorrentes.   Nesse  processo,   contabilizam   suas   necessidades   de   créditos   em   relação   ao  total  de   seu  passivo  e   em  muitos   casos   contraem  novas  dívidas  para  pagamento   das   anteriores,   sucessivamente.   Assim,   asseveram   as  expectativas   de   um   futuro   grandioso.   São   esperados   com   este  processo,  pelo  menos,  dois  resultados.  O  primeiro  é  um  aumento  dos  juros,  pois  cada   investidor  não  conhece  a  estratégia  de  expansão  das  firmas   concorrentes   e   todos   concorrem   para   obter   empréstimos.  Assim,   as   operações   financeiras   e   não   financeiras   aumentam  na   fase  de   prosperidade     pressionando   a   disponibilidade   de   reservas   dos  

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bancos.  O  segundo  efeito  é  a  criação  de  um  excesso  de  oferta  produtiva  resultante  da  ampliação  dos  investimentos.  Entramos,  aqui,  na  fase  de  depressão   cíclica.   Como  as   empresas   resistem   inicialmente   a   reduzir  preços,   mesmo   em   uma   situação   de   oferta   maior   que   a   demanda,   a  taxa  de   juros   irá  diminuir  mas   isso  não   irá  propiciar  maior  consumo  presente   ou   novos   investimentos,   pois   a   demanda   agregada   não   foi  estimulada.     No   limite,   na     fase   de   descenso   cíclico,   as   sucessivas  operações   de   crédito-­‐produção   irão   contribui   para   a   queda  generalizada   da   rentabilidade   do   capital   investido.   Esse   é   um   dos  mecanismos  clássicos  de  crise  do  sistema  capitalista  29.  

Caracteristicamente,   uma   vez   iniciado   o   processo   de   crise,   todos  contribuem   inicialmente   para   aprofundá-­‐lo   ao   buscarem   maiores  parcelas   de   um   excedente   econômico   cujo   valor   esta   diminuindo.  Os  rentistas  lutarão  por  maiores  retornos  de  seus  excedentes  econômicos  (rentabilidade   dos   papeis   financeiros),   os   empresários   competirão  com   mais   vigor   em   busca   de   mercados   promissores   para   seus  investimentos   (realização   de   lucros)   e   os   trabalhadores   lutarão   por  melhores   condições   (salários)   para   assegurar   a   continuidade   da  reproduçãosocial.

29Para  as  entidades  que  compõem  o  sistema  financeiro  interessa  somente  a  cobrança  de  seus  serviços  de  intermediação  das  operações  entre  devedores  e  credores.  Assim,  quanto  mais   devedores  melhor   é...   para   eles.   Entretanto,   eles   avaliam   os   riscos   dos  empreendimentos   produtivos   e,   sob   o   manto   da   proteção   dos   depósitos   que  gerenciam  visando  a  maior  rentabilidade  de  seu  trabalho,  jogam  as  taxas  de  juros  de  captação   de   recursos   para   baixo   e   elevam   por   conta   dos   riscos   –   ou   perda   de  credibilidade  dos   investidores  –   a   taxa  de  empréstimo  para   cima.  Quando  o   circuito  poupança-­‐taxa  de  captação   -­‐  empréstimo-­‐   taxa  de  aplicação  não  se   realiza   recorrem  aos  bancos  centrais.  Afinal  os  poupadores  abriram  mão  de  seu  consumo  presente  e  os  investidores  calcularam  mal  o  rendimento  de  suas  operações  justamente  porque  com  taxas  de  juros  maiores  a  sociedade  decidiu  abrir  mão  de  seu  consumo  presente  tendo  em  vista  um  melhor  consumo  no  futuro.  Quando  o  Banco  Central  intervém,  o  prejuízo  dos   processos   de   escolhas   entre   poupadores   e   investidores,   sob   a   gerência   das  instituições  privadas  do  sistema  financeiro,  é  socializado.    

3. IDENTIDADES BÁSICAS  

Do   ponto   de   vista   contábil   não   há   discórdia   sobre   a   igualdade   entre  demanda   e   oferta   agregada,   já   que   tudo   que   foi   produzido   deve   ser  consumido.   De   fato,   o   Produto   Nacional   apurado   em   um   período   é  igual  a  Despesa  Nacional  daquele  período  que   foi   realizada  por  meio  da   Renda   Nacional   auferida   naquele     período.   Assim,   ao   final   do  período   contábil   esses   valores   são   idênticos:   a   Despesa   Nacional   é  igual   ao   Produto   Nacional,   uma   vez   que   o   produzido   não   pode   ser  vendido   sem   ser   comprado.     A   procura   efetiva   da   economia,   no  entanto,   não   necessariamente   é   igual   ao   Produto   Nacional:   não   há  razão   para   acreditar   que   os   consumidores   estejam   desejosos   de  adquirir   a   mesma   quantidade   que   os   vendedores   querem   vender.    Para  a   contabilidade  nacional   isso  não  é  problema,  pois   como  vimos,  quando   os   produtores   produzem   em   excesso   as   estatísticas   o  consideram   como   investimento   (as   empresas   compram   os   estoques  não  vendidos).  Assim,  o  Produto  Nacional  corresponde  a  tudo  que  foi  produzido  e  não  a  totalidade  do  que  tenham  efetivamente  vendido  as  famílias  (oferta  efetiva).    

Oferta   e   demanda   agregadas   nas   economias   modernas   podem   ser  estilizados  como  segue  abaixo:  

 

 

Y  +  M  +    T  =  C  +  G  +  I  +  X    

   

 

Gastos  do  Governo  

investimento  

Consumo   Exportação  

Impostos    

Produto  Nacional    

Importação    

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O  lado  esquerdo  da  identidade  é  a  oferta  agregada  e  o  lado  direito  é  a  demanda   agregada.   Na   macroeconomia   oferta   e   demanda   reservam  um   aspecto   distintivo:   dizem   respeito   a   decisões   efetivas   dos  produtores  e  consumidores  e  envolve  um  aspecto  crucial,  qual  seja:    o  livre  arbítrio  que  os  indivíduos  possuem  com  respeito  ao  destino  que  dão  ao  seu  dinheiro.  Dentre  as  varias  contribuições  de  Keynes  essa  foi  uma  das  principais.  Ele  chamou  de  princípio  da  demanda  efetiva  essa  arbitrariedade   cujo   limite   é   dar   significação   a   vontade   dos   seres  humanos,  como  discutido  anteriormente.  

Apesar  de  contabilmente  o  produto  ser   igual  a  demanda,  as  decisões  dos   agentes   econômicos   no   plano   microeconômico   podem   conferir  rumos   a   economia   distantes   daqueles   que   seriam   socialmente  desejados  ou  direcionados  ao  equilíbrio  econômico.  

3.1  UMA  ECONOMIA  SIMPLES  

A  macroeconomia  não  tem  um  modelo  que  represente  a  realidade  em  termos   de   economia   simples   sem   as   entidades   governo   e   comércio  exterior.   Keynes   a   formulou   inicialmente   considerando   o   gasto   do  governo   de   fundamental   importância,   pois   por  meio   dele   se   poderia  calibrar  a  demanda  e  oferta  agregadas  em  direção  ao  pleno  emprego.30  Apesar  disso,  vale  destacar  um  enfoque  simplificado  da  economia  para  caracterizar   dois   aspectos   importante:   a)   o   livre   arbítrio   que   o   ser  humano  tem  nos  seus  processos  de  escolha  entre  consumo,  poupança  e   investimento   e   b)   a   função   que   o   consumo   estabelece   para   o  crescimento  da  renda  (Y).  

Y  =  C  +  I  

30  Posteriormente,  somente  nos  anos  de  1950  é  que  foi   introduzida  nesta  identidade  as     relações  econômicas  com  os  parceiros  comerciais  no  estrangeiro,  provavelmente  porque  apos  a  Segunda  Guerra  Mundial  as  relações  de  comércio  internacional  ficaram  mais  intensas.

O   Produto   (Renda)   Y   é   descrito   em   termos   de   bens   e   serviços  constituídos  pela  despesa  em  consumo  (C)  e  em  investimento  (I).  Vale  dizer,  o  que  é  produzido  em  uma  coletividade  são  bens  destinados  ao  consumo   popular   (bens   e   serviços   finais)   ou   a   composição   dos  investimentos   (bens   de   capital).   Do   ponto   de   vista   da   contabilidade  nacional  a  equação  acima  é  uma  identidade.    

O   próximo   passo   é   encontrar   uma   identidade   correspondente   para  examinarmos  o  destino  da  Renda.  Uma  parte  será  gasta  em  consumo  e  parte  será  poupada  (S).  Assim  podemos  escrever.    Y=  S  +  C  

Então:  C  +  I  =  Y  =  C  +  S  

I  =  Y  –  C  =  S  

Esta   última   identidade   constitui   um   resultado   importante.   Mostra  primeiramente  que,  nesta  economia  simples,  a  poupança  é   idêntica  à  renda   menos   consumo.   O   investimento   é,   portanto,   idêntico   à  poupança  após  a  apuração  contábil.    

No  mundo  real,  uma  situação  de  equilíbrio  macroeconômico  é  pensada  quando   as   expectativas   dos   investidores   e   poupadores   ¬   entre   o  quanto   investir   e   o   quanto   poupar   ¬   se   aproximam   tornando   a  quantidade  ofertada  próxima  a  quantidade  demandada.    É  obvio  que  essas  expectativas  estão   longe  de   formarem  um  volume  de  popanças  próximo  ao  desejado  pelos   investidores   e   vice-­‐versa  uma  vez  que   as  motivações  que  levam  as  famílias  a  pouparem  são  diferentes  daquelas  que  induzem  as  empresas  a  fazerem  investimento.    

A   totalidade   dos   investimentos   pode   expressar   parcela   de   um  aumento  de   estoque   involuntário   como   resultado  de   erros  por  parte  dos   produtores   que   esperavam   vender   mais   do   que   na   realidade   o  

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fizeram.   Dito   de   outra   forma,   a   maior   poupança,   que   pode   ser  representada  pelo  excesso  de   investimento  em  relação  aos  gastos  de  consumo,  resulta  de  os  indivíduos  decidirem  consumir  menos  (mesma  medida   dos   estoques   involuntários)   e   assim,   poupar   mais   do   que   o  esperado  pelas   empresas.  A   situação   contrária  pode  ocorrer   levando  os   consumidores   a   poupar   menos   e,   portanto,   consumirem  mais   do  que  o  esperado  pelos  produtores  que  planejaram  seus   investimentos  subestimando  a  demanda  potencial,  no  caso:  o  nível  de  consumo.    

Essas   situações   são   muito   comuns   e   pertencem   ao   mundo   do   livre  arbítrio  que  os  indivíduos  possuem  para  fazerem  o  que  bem  entendem  com  a  sua  renda.  O  exercício  da  vontade  pelos  indivíduos  em  relação  a  sua   renda   é   a   causa   primária   da   demanda   por   bens,   serviços   e  investimentos  na  economia.  O  consumidor  ao  decidir  o  que  gastar  em  consumo   estará,   por   conseguinte,   também   definindo   o   que   será  poupado.  De  fato,  as  decisões  de  formação  das  poupanças,  dos  gastos  do  governo,  do  lazer,  dos  investimento  públicos  e  privados,  relativas  a  educação,  saúde    e  outras  representam  o  contradomínio  do  excedente  econômico.  

Considerando   os   elementos   que   põem   em   movimento   o   mundo  econômico,   os   empresários   ao   perceberem   que   investiram   mais   do  que   os   consumidores   desejavam   consumir   se   sentirão   forçados   a  reduzir  preços  ou  seus   investimentos  no  sentido  de  diminuírem  seus  estoques.  A  situação  contrária  também  pode  acontecer,  isto  é,  no  curso  da  produção  o  consumo  pode  se  posicionar  além  do  que  as  empresas  investiram.   Como   a   demanda   é   superior   a   quantidade   de   produtos  disponíveis,   os  preços   serão  majorados  e,   ou,   as   empresas   investirão  rapidamente  para  prover  a  quantidade  de  bens  e   serviços  desejados.  Esses   movimentos   de   aproximação   e   afastamento   entre   poupança   e  investimento   acontecem   porque   os   consumidores   e   os   investidores  criam   expectativas   com   respeito   ao   mundo   econômico   que   são  diferentes.  Este  é  o  ambiente  da  macroeconomia:  calibrar  variáveis  de  politica   governamental   para   aprumar   agregados   econômicos   em  

direção   ao   equilíbrio   (estabilização)   e   ao   pleno   emprego  (crescimento).  

Os  economistas,  nos  seus  esforços  investigativos,  pensam  a  economia  como,   primeiramente   estando   em   equilíbrio:   poupança   igual   a  investimento,  Tributação  igual  a  Gastos  do  Governo,  Exportação  igual  a  Importação:  enfim,  Renda  igual  a  Produto.  Depois,  então,  estimam  o  quanto   as   variáveis   estão   distantes   em   relação   as   suas   contrapartes.  Os   resultados   alcançados   são   apropriados   pelos   formuladores   da  política   econômica   que   procuram   influenciar   os   indivíduos   nas   suas  escolhas   econômicas   usando   instrumentos   das   políticas   fiscal   e  monetária.  Procuram  calibrar  as  variáveis  econômicas  para  conduzir  a  economia  a  um  nível  de  renda  e  produto  que  se    aproxime.  

3.2  INTRODUZINDO  O  GOVERNO  E  O  MERCADO  EXTERNO.  

Podemos  aproximar  a  economia  simples  ao  mundo  atual  considerando  a   existência   do   governo   e   das   relações   econômicas   com   os   demais  países.  De  modo  singelo,  podemos,  sem  perda  de  conteúdo,  decompor  o   PNB  pela   ótica   do   destino   da   produção.   Assim,   ele   corresponde   as  categorias  listadas  a  seguir,  como  vimos  anteriormente.  

PNB  =  C  +  I  +  G  +  (X  –  M)    

Os  gastos  do  governo  são  representados  pela  letra  G  (gastos  correntes,  de   investimento,   transferências   para   o   setor   privado,   incluindo   o  pagamento   de   juros).   A   inclusão   das   transações   econômicas   com  demais  países  é  representada  pelas  exportações  líquidas:  exportações  (X)   menos   importações   (M)   de   bens,   serviços,   incluindo   os  pagamentos   e   recebimentos   internacionais   de   rendas   devidas   a  utilização   dos   fatores   de   produção   e   transferências   unilaterais  caracterizadas   por   doações,   de   toda   ordem.   Consumo   (C)   e  investimentos  (I)  são  conceitos  já  estabelecidos.  

Como  vimos,  a  Renda  Nacional  (Y)  é  igual  ao  PNB  menos  a  depreciação  

S

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e   os   impostos   (T).   Adicionando   a   Renda   Nacional   as   transferências  governamentais   as   famílias   (TR)   encontramos     a   Renda   disponível  (Yd).  Então:    

RN  –  T  +  TR  =  Yd;  

Yd  =  C+  S;  

C  =  Yd  -­‐  S  

Fazendo  as  devidas  substituições  na   identidade  da  Renda  e   incluindo  as   transferências   governamentais   as   famílias   (TR)   como   parcela   do  gasto  governamental  (G)  obtemos:  

Yd  +  T  =  Yd  —  S  +  I  +  G  +  X  —  M  

Que  segue:  

(T  –  G)  -­‐  TR  =  (I  –  S)  +  (X  –  M)  

ou  

(S  –  I)  =  (G  –  T)  +  (X  –  M)  

Essa   identidade   manifesta   o   desequilíbrio   entre   poupança   e  investimento   do   setor   privado   (S  —   I)   tendo   como   contrapartida   o  desequilíbrio   no   orçamento   público   (G  —   T)   e,   ou,   nas   exportações  liquidas  (X  —  M).    

Em  outras  palavras,  quando  o  investimento  privado  é  maior  do  que  a  poupança   nacional   a   interpretação   é   que   a   economia   contou   com   o  ingresso   de   poupança   (empréstimos)   externa   complementar.   Esse  complemento   é   justamente   os   ingressos   de   recursos   externos  caracterizados   na   identidade   por   M   que   serão   superiores   as  exportações   (X)   na   medida   para   realizar   os   investimentos   além  

daquele  que  seria  possível  somente  com  a  poupança  nacional.  

Resumindo,  investimentos  superiores  a  poupança  doméstica  ou  gastos  governamentais   maiores   do   que   a   receita   tributária   propiciam   a  entrada   de   poupança   externa.   Contrariamente,   interpretamos   a  poupança  doméstica  acima  dos  investimentos  como  um  saldo  positivo  líquido  com  o  exterior  e,  portanto  o  país  é  um  exportador  de  poupança  (de   capital).   Observem   que   o   efeito   vai   do   investimento   para   a  poupança.   São   as   decisões   de   investimento   no   país   que   indicam   a  entrada   ou   saída   dele   ou   em   outras   palavras   o   comportamento   das  exportações   líquidas   31.     A   política   fiscal   e   monetária   podem  influenciar  esse  processo  manipulando  a  taxa  de  juros  e  a  de  câmbio.    

As  linhas  de  gastos  do  governo  são,  geralmente,  numerosas  em  função  das  atividades  demandadas  pela  sociedade.  O  Estado,  de  modo  geral,  cuida   do   provimento   de   hospitais   públicos,   arca   com   o   saneamento  básico,   fornece  educação  e  segurança  pública  aos  seus  cidadãos,  para  citar   as   funções   mais   usuais.   Cabe   ao   Estado   também   efetuar  transferências   ao   setor   privado   e   prover   infraestrutura   adequada   a  sociedade.   Quando   os   gastos   se   apresentam   maiores   do   que   a  tributação,   o   financiamento   é   obtido   por   meio   do   lançamento   de  títulos  de  dívida  pública.  Esses  títulos  são  leiloados  pelo  Banco  Central  contendo  cláusulas  contratuais   indicativas  de  valor  e  data  de  resgate  no  futuro.    

No   caso   brasileiro,   a   política   governamental   prioriza   o  estabelecimento  do  superávit  primário  dos  gastos  públicos  construído  pelas  receitas  tributárias  menos  as  despesas  correntes  e  investimento  

31   Raramente   o   saldo   positivo   externo   significa   receita   tributária   acima   dos   gastos  governamentais,   pois   tal   situação   nos   levaria   a   pensar   que   o   governo   estaria   tendo  “Lucros”  o  que  claramente  em  ambientes  democráticos  é  impensável;  pagar  impostos  acima  das  necessidades  do  Estado  para  o  cumprimento  de  suas  funções.    

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do   governo.   Ele   indica   do   total   arrecadado   pela   tributação   para  cumprir   as   funções   tradicionais   do   Estado,   o   que   restou   para   ser  utilizado   no   resgate   e   pagamento   dos   juros   dos   títulos   públicos  lançados  no  passado  com  vencimento  presente  ou  futuro.    

No  Brasil,  o  conceito  de  superávit  primário  inicialmente  foi  usado  para  diferenciar   o   que   era   gasto   corrente   do  que   era  mero  pagamento  de  juros  da  dívida  pública.  A  partir  da  orientação  do  FMI,  nos  anos  90,  o  superávit   primário   passou   a   ser   instituído   por   metas   definidas  previamente.   Assim,   os   parâmetros   da   arrecadação   tributária  passaram  a   ser   calibrados  para   formarem  uma   receita  maior   do  que  aquela   requerida   pelo   Estado   para   os   gastos   imediatos   com   o  provimento  de  suas  funções  básicas.  Por  conta  do  estabelecimento  de  metas   de   superávit   primário,   os   tributos   arrecadados   foram  continuamente   elevados.   A   carga   tributária   brasileira   é   uma   das  maiores  do  mundo  em  proporção  ao  PIB.  Em  2009  foi  cerca  de  40  %,  superior   à   dos   Estados   Unidos   (25,77%)   e   do   Japão   (26,28%),   por  exemplo.     É   inferior,   no   entanto,   à   carga   tributária   de  países   como  a  Suécia   (51,35%),   Dinamarca   (49,85%)   Bélgica   (46,85%)   e   França  (45,04%),   que   apresentam   economias   com   alto   grau   de   bem-­‐estar  social  causado  justamente  por  políticas  públicas  adequadas.  

Observe   que   na   identidade   acima,   a   elevação   da   tributação   com   a  redução   dos   gastos   correntes   governamentais   ou   de   infraestrutura  rebatem   no   mercado   externo   atenuando   as   importações   (M).     Vale  dizer,  o  alcance  do  equilíbrio  externo  neste  caso,  se  dá  em  detrimento  das   possibilidades   de   crescimento   da   economia   doméstica  impulsionada  pelos  gastos  governamentais.  Pelo  lado  das  exportações,  elas  são  autônomas  e  dependem  dos  demais  países  desejarem  nossos  produtos  e  terem  dinheiro  para  comprá-­‐los.    

De   fato,   o   maior   desempenho   exportador   pode   atenuar   os   efeitos  adversos  na  economia  causados  pelo  estabelecimento  das  metas  para  o   superávit   primário.  No   entanto,   a   receita  das   exportações  depende  

essencialmente   das   circunstâncias   e   condições   dos   nossos   parceiros  comerciais   externos.   Já   as   importações   podem   ser   controladas   por  meio  de  políticas  de  contração  da  demanda  agregada.  Por  esse  motivo  os   ajustamentos   macroeconômicos   exercidos   sobre   o   mercado  doméstico   visam,   também,   reduzir   importações   reduzindo   a  necessidade  de  novos  empréstimos  externos.  

 

3.3  RENDA  E  O  BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  

Na  seção  anterior  relacionamos  as  transações  econômicas  do  país  com  os  parceiros  internacionais  introduzindo  na  contabilidade  nacional  um  agente  externo  (X-­‐M),  em  adição  as  contas  das  famílias,  do  governo  e  das  empresas.    As  relações  econômicas  do  país  com  o  resto  do  mundo  foi  olhada  de  forma  compacta  não  fazendo  distinção  entre  as  variações  de  estoques  patrimoniais  dos  residentes  e  não  residentes  decorrentes  das   relações   econômicas   internacionais.   Essa   seção   faz   essa  decomposição  por  meio  do  estudo  do  Balanço  de  Pagamentos.    

O   Balanço   de   Pagamentos   registra   as   transações   econômicas   entre  residentes   e   não   residentes   de   um  país.   As   transações   são   efetuadas  pelo   setor   público   e   privado.   Incluem  o   comércio   de   bens   e   serviços  (balança   comercial),   pagamentos   pela   utilização   de   fatores   de  produção  de  propriedade  dos  residentes  e  dos  não  residentes  (rendas  enviadas  e   recebidas),   transferências  unilaterais  e  as   transações  com  ativos  financeiros  e  monetários.    

A  tabela  abaixo  foi  extraída  do  Banco  Central  do  Brasil  e  contempla  o  Balanço  de  Pagamentos  Brasileiro  no  ano  de  2009.  

Seu   método   contábil   é   o   de   partidas   dobradas   onde   um   registro  representa   a   natureza   econômica   e   outro   à   contrapartida  monetária  ou  financeira.  Os  lançamentos  são  feitos  em  dólar  americano.  

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Faz-­‐se   distinção   entre   as   transações   por   conta   corrente   –   bens   e  serviços   e   pagamentos   unilaterais   (doações,   por   exemplo)   –   e   as  transações  de  ativos  monetários  e  financeiros.  Dentro  desta  última,  se  faz  distinção  entre  as  de  curto  prazo  e   longo  prazo,  dependendo  se  o  vencimento  do  ativo   seja   inferior  ou  não  há  um  ano  e   também  se  os  ativos  financeiros  são  de  natureza  autônoma  ou  compensatória.    

Desde  os  anos  50,  quando  o  padrão  de  acumulação  mundial  se  alterou  radicalmente   por   conta   do   espetacular   desenvolvimento   tecnológico,  originado  pela  II  Guerra  Mundial,  as  relações  entre  países  se  tornaram  intensas.   Esse   fenômeno   produziu   um   debate   em   torno   da   definição  apropriada   de   um   déficit   no   balanço   de   pagamento,   bem   como   da  apresentação  das  contas  que  o  integram.  Vale  observar  que  o  Balanço  de  Pagamentos  tem  saldo  igual  à  zero  pois  pela  definição  de  balanço  o  ativo  é  sempre  igual  ao  passivo,  pela  aplicação  do  método  de  partidas  dobradas.    

Transações  Correntes  (CT)  –  Conta  Capital  e  Financeira  (CKF)  =  0  

Se   a   combinação   entre   o   saldo   em   transações   corrente   e   a   conta   de  capital   e   financeira   resultar   em   déficit   (superávit)   o   pensamento  convencional  é  que  as  condições  econômicas  entre  o  país  e  o  resto  do  mundo   criaram   um   excesso   de   demanda   (de   oferta)   de   divisas  internacionais.  No  ano  de  2009,  o   saldo  em     transações  correntes   foi  negativo  em  cerca  de  24  bilhões  de  dólares,   inferior  ao   ingresso  pela  conta  de  movimentos  de   capital   que   girou   ao   redor  de  71  bilhões.  A  diferença  é  exatamente  retratada  na  variação  de  haveres  externos  (H)  ¬  resultado  do  balanço¬  com  o  resto  do  mundo.    

Assim:    (CT)  –  (CKF)  –  Δ  H  =  0  

 

 

BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  DO  BRASIL  Nome  da  conta   2009  Balança  comercial  (saldo)   25290  Exportação  de  bens  (fob)   152995  Importação  de  bens  (fob)   -­‐127705  Serviços  e  rendas  (líquido)   -­‐52930  Serviços  (líquido)   -­‐19245  Serviços  (receita)   27728  Serviços  (despesa)   -­‐46974  Rendas  (líquido)   -­‐33684  Rendas  (receita)   8826  Rendas  (despesa)   -­‐42510  Transferências  unilaterais  correntes  (líquido)   3338  Transações  correntes  (saldo)   -­‐24302  Conta  capital  e  financeira  (líquido)   71301  Conta  de  capital  (líquido)   1129  Conta  financeira  (líquido)   70172  Investimento  direto  total  (líquido)   36033  Investimento  brasileiro  direto  -­‐  IBD  (líquido)   10084  IBD  -­‐  participação  no  capital  (líquido)   -­‐4545  IBD  -­‐  empréstimos  intercompanhia  (líquido)   14629  Investimento  estrangeiro  direto  -­‐  IED  (líquido)   25949  IED  –  part.  no  capital  -­‐  inclui  reinvestimento  -­‐  total  (líquido)   19906  IED  -­‐  empréstimo  intercompanhia  -­‐  total  (líquido)   6042  Investimento  em  carteira  -­‐  total  (líquido)   50283  Investimento  brasileiro  em  carteira  -­‐  IBC  (líquido)   4125  IBC  -­‐  ações  de  companhias  estrangeiras  -­‐  total  (líquido)   2582  IBC  -­‐  títulos  de  renda  fixa  -­‐  LP  e  CP  (líquido)   1542  Investimento  estrangeiro  em  carteira  -­‐  IEC  (líquido)   46159  IEC  -­‐  ações  de  companhias  brasileiras  -­‐  total  (líquido)   37071  IEC  -­‐  títulos  de  renda  fixa  -­‐  total  (líquido)   9087  Derivativos  -­‐  total  (líquido)   156  Derivativos  -­‐  ativos  (líquido)   322  Derivativos  -­‐  passivos  (líquido)   -­‐166  Outros  investimentos  -­‐  total  (líquido)   -­‐16300  Outros  investimentos  brasileiros  -­‐  OIB  -­‐  total  (líquido)   -­‐30376  Outros  investimentos  estrangeiros  -­‐  OIE  total  (líquido)   14076  Erros  e  omissões   -­‐347  Resultado  do  balanço   46651  

Fonte;  Banco  Central  do  Brasil.  

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Os   haveres   externos   representam   justamente   a   variação   da   reservas    internacionais  ΔRI  (com  o  sinal  trocado).  

(CT)  –  (CK)  =  Δ  H  =  Δ  RI  

Observe   que   o   saldo   em   conta   corrente   negativo,   embora   possa   ser  coberto   pela   conta   capital   e   financeira,   contabilmente   indica,   na  mesma  medida,  a  necessidade  de   financiamento  externo  que  no   final  das   contas   representa  um  endividamento  externo  naquele  montante.  Isto   porque   a   conta   capital   e   financeira   mostra   transferências  patrimoniais   que   a   qualquer   momento   podem   ser   desfeitas.  Representa  o  passivo  ou  ativo  de  um  país  em  relação  aos  demais.    O  saldo   em   conta   corrente,   por   seu   lado,   representa   o   que   restou  monetariamente,   uma   vez   consumido/extinto   produtos   e   serviços  entre  residentes  e  não  residentes.    

O   Brasil,   que   vinha   tendo   saldos   negativos   em   conta   corrente   no  Balanço   de   Pagamentos   durante   os   anos   1970/80   renegociou   a   sua  dívida  externa  com  os  bancos  internacionais  em  julho  de  1992,  através  de   acordos   que   alteraram   o   perfil   da   dívida.   O   elemento   essencial  desse  tipo  de  acordo  foi  à  renovação  da  dívida,  mediante  sua  troca  por  bônus   de   emissão   de   títulos   internacionais   brasileiros,   cujos   termos  envolvem   abatimento   do   encargo   da   dívida,   seja   sob   a   forma   de  redução  de  seu  principal,  seja  por  alívio  da  carga  de  juros.  

O   governo   brasileiro   desde   aquela   época   está   autorizado   a   realizar  operações  de  compra  e  venda  de  títulos  da  dívida  mobiliária  externa.  Eles   são   renegociados   ou   trocados   por   outros   títulos   (de   emissão  interna  ou  externa),  para  fins  de  redução  do  estoque  (ou  encargos)  da  dívida,   com   alongamento   dos   seus   prazos,   ajuste   no   perfil   do  endividamento  público  e   incentivo  a  projetos  específicos.  No   final  do  ano   de   2009   a   dívida   externa   brasileira   composto   por   títulos  internacionais  correspondia  a  277  bilhões  de  dólares,  pelos  dados  do  Banco  Central.  No  ano  passado  (2013)  ela  somou  valores  superiores  a  

300   bilhões   de   dólares.   A   divida   externa   compreende   transações   do  governo   nas   esferas   federal,   estadual   e   municipal,   do   setor   privado,  das  instituições  financeiras  e  do    Banco  Central.  Ela  representa  parcela  do  passivo  da  economia  brasileira  e  as  reservas  internacionais  o  ativo.      

3.3.1  ASPECTOS  MONETÁRIOS  DO  BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  

Vamos   introduzir,   agora,   alguns   aspectos   monetários   do   Balanço   de  Pagamentos.   Existe   uma   relação   íntima   entre   as   variações   das  reservas   cambiais   e   a   base  monetária,   já   que   a  moeda   nacional   é   de  curso   forçado.   O   ingresso   de   moeda   estrangeira   destinado   aos  residentes,   sob  qualquer  modalidade,  deve  ser   convertido  em  moeda  nacional,   à   taxa   de   câmbio   prevalecente.   De   igual   modo,   os  estrangeiros   são   inclinados   a   converterem   seus   pagamentos   em  moedas   nacionais,   já   que   comprarão   produtos   no   seus   país  estrangeiro,  salvo  se  o  país  não  adota  o  curso  forçado  de  sua  moeda  ou  mantenha   acordos   de   aceitação   pelo   mercado   doméstico   de  determinadas  moedas  estrangeiras32.    

Quando   os   ingressos   de   moeda   estrangeira   são   maiores   do   que   as  saídas   de   moeda   nacional,   temos   um   saldo   positivo   de   reservas  internacionais   que   recebem   sua   contraparte   em   moeda   nacional.  Quando   o   contrário   ocorre;   os   importadores   pagam   mais   pelos  produtos   externos   que   os   exportadores   recebem   por   suas   vendas  externas,  o  efeito  é  de  contração  da  liquidez  doméstica.    

32   Existe   um   conjunto   razoável   de   países   que   aceitam   moedas   estrangeiras   pré-­‐determinadas  em  suas  transações  internas.  Os  países  do  MERCOSUL,  Brasil,  Argentina,  Uruguai,   e   Paraguai,   por   exemplo,   assinaram   recentemente   um   acordo   de   Crédito  Recíproco  que  significa  a  aceitação  nas  transações  de  importação  e  exportação  entre  eles  da  moeda  nacional  do  parceiro   comercial.    A  Argentina,   por   exemplo,   há  pouco  tempo   atrás,   adotou   um   sistema   cambial   ancorado   no   dólar.:   Internamente   era  utilizado   tanto   a   moeda   nacional   quanto   a   moeda   norte-­‐americano   nas   transações  internas  a  uma  taxa  de  conversibilidade  fixada.  

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Isso  pode  ser  mais  bem  entendido  com  o  auxilio  das  contas  do  Balanço  do  Banco  Central,  como  apresentado  de  modo  estilizado  a  seguir.    

 

Balanço  Simplificado  do  Banco  Central  ATIVO   PASSIVO  Reservas  internacionais  (  RI)   Dinheiro  primário  (H)  Crédito  Público  (CP)    

Assim,  do  balanço  simplificado  acima  se  deduz  que:  

∆RI  =  ∆H  —  ∆CP  

Esse  é  um  modelo  de  balanço   ideal  do  Banco  Central.  A  variação  das  reservas   internacionais   líquidas   ∆RI   rebate   na   diferença   entre   a  variação  de  dinheiro  e  o  crédito  público  do  Banco  Central.  (composto  pelos  títulos  da  dívida  pública).  

Uma  queda  nas  reservas  internacionais  –  situação  de  déficit  externo  -­‐  indica  que  os   residentes   contrataram  bens   e   serviços  ou   compraram  ativos   do   resto   do   mundo   além   do   que   receberam   por   suas   vendas  externas.  A  variação  do  dinheiro  primário  ∆H  será,  portanto  negativa,  contraindo  a   liquidez   interna.  No   limite,  esta  situação  faz  com  que  os  preços   domésticos   caiam,   os   juros   subam,   os   investimentos   sejam  refreados   e   o   desemprego   aumentado.   Em   resumo:   a   demanda  agregada   se   contrai   reduzindo   a   atividade   econômica.   Assim,   as  importações   se   contraem   ajustando   automaticamente   o   Balanço   de  Pagamentos.    

Uma   elevação   nas   reservas   internacionais   sugere   efeitos   justamente  contrários:  a   liquidez  doméstica  aumenta,  os   juros  caem  favorecendo  novos  investimentos  e  o  desemprego  diminui.  Neste  caso,  a  economia  doméstica   aquecida   requer   quantidade   adicional   de   importáveis   e  

como   as   exportações   são   autônomas   em   relação   ao   nível   de   renda  interna,  o  Balanço  de  Pagamentos  também  se  ajusta  automaticamente  (no   próximo   capítulo   veremos   com   mais   propriedade   o  comportamento  das  importações  e  exportações  em  relação  a  variação  da   renda).   Assim,   podemos   imaginar   que   o   Balanço   de   pagamentos  pode   ter  movimentos   alternados   entre  déficits   e   superávits   ao   longo  do   tempo,   o   que   sugere   que   no   longo   prazo   ele   encontra-­‐se   em  equilíbrio33.      

E   razoável   supor,   no   entanto,   que   os   governos   não   sigam   os  ensinamentos   postos   pela   ideia   do   ajuste   automático   do   Balanço   de  Pagamento,  pois  sua  validade  depende  dos  demais  países  perseguirem  também   esses   ensinamentos.   Para   que   de   fato,   o   ajustamento  automático  se  verifique  é  necessário  que  todos  os  países  utilizem  seus  Bancos   Centrais   como   caixas   de   compensação,   abrindo   mão   de  medidas  compensatórias  em  face  de  um  déficit  externo.    

Na   existência   de   desequilíbrio   externo,   os   países   podem   atenuar   os  efeitos  da  menor  liquidez  monetária  contraindo  dívidas  externas,  com  as  quais  se  permitem  continuar   importando  acima  do  permitido  pela  receita   cambial   providenciada   pelas   exportações.   De   fato,   o   Banco  Central   amplia   seus   créditos   públicos   (CP)   em   moeda   nacional   no  montante  requerido  pelo  endividamento  externo  em  dólares  a  taxa  de  cambio   de  mercado.     Assim,   a   redução   da   liquidez   -­‐   na   ausência   de  uma  política  ativa  do  Banco  Central   -­‐  por   conta  da  variação  negativa  no   dinheiro   primário   (H),   é   esterilizada   e   os   efeitos   negativos   na  economia  doméstica  que  seriam  causados  pela  contração  da  demanda  agregada  são  postergados.  O  aumento  do  crédito  público  ∆CP  pode  ser  utilizado  para  estabilizar  o  volume  de  dinheiro  primário  que  sofreria  

33  Um  dos  autores  desse  pensamento  foi  D.  Hume  no  século  XVIII,  na  época  em  que  o  ouro  era  a  moeda  reserva  internacional  e  os  balanços  de  pagamentos  se  ajustavam,  de  fato,  automaticamente,  pois  não  existia  a  possibilidade  de  manipulação  cambial,  dado  que  ele  tinha  livre  transito  internacional.  

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redução   por   conta   de   uma   variação   negativa   no   saldo   comercial  externo.   Como   não   houve   contração   da   liquidez,   as   condições   no  mercado   doméstico   não   se   alteram   e   o   déficit   do   saldo   em   conta  corrente   do   Balanço   de   Pagamentos   passa   a   ser   financiado   por  empréstimos.  Essa  política  é  denominada  de  esterilização  dos  efeitos  monetários  do  Balanço  de  Pagamento.  

3.3.2.    Ampliando  o  modelo  

Quando   ampliamos   a   relação   contábil   do   balanço   do   Banco   Central  para  incluí-­‐lo  no  sistema  Financeiro  e  Bancário  consolidado  temos:  

Balanço  Consolidado  do  Sistema  Bancário  ATIVO   PASSIVO  Reservas  internacionais  (RI)   M2  Crédito  Doméstico  (CD*)    

∆  (X—M)  =  ∆RI  =  ∆M2  —  ∆CD*  

 

Essa   perspectiva   financeira-­‐monetária   compreende   a   aquisição   de  ativos   externos   pelo   sistema   bancário   por   meio   da   expansão  monetária   e   da   expansão   do   crédito.   M2   é   a   denominação   para   os  meios   de   pagamentos,   constituídos   pelo   papel-­‐moeda   em   poder   do  público  mais   os   depósitos   a   vista   de   curto   e   longo  prazo  nos  bancos  comerciais34.   Podemos   considerar   o   crédito   doméstico   (CD*)   como  composto  pela  soma  do  crédito  ao  setor  público  (CP)  mais  o  crédito  ao  setor  privado  não-­‐bancário  (CD).    

34   O   conceito   de  meios   de   pagamento   será   abordado   com  mais   propriedade  mais   a  frente.  Por  enquanto  basta   associa-­‐lo   ao  que  o  próprio  nome  sugere:  dinheiro    para  pagar  as  aquisições  de  bens  e  serviços.  

Assim;  

∆CD*  =  ∆CP  +  ∆CD  

Desde  que   se   supõe  que  o  déficit   público   seja   financiado  mediante  o  recurso  do  endividamento  público  com  o  sistema  bancário,  temos:  

∆CP  =  ∆G  -­‐  ∆T  

Substituindo  os  termos  encontramos:  

∆  (X—M)  =  ∆RI  =  ∆M2  —  ∆CD  —  (∆G  —  ∆T)  

Uma  queda   na   variação   de  ΔRI,  mantendo-­‐se  M2   constante   demanda  expansão   do   crédito   doméstico   (∆CD)   ou   alternativamente   em   um  aumento  do  déficit  público  (∆G>∆T).  

Essa  identidade  foi  bastante  utilizada  pelos  países  com  dívida  externa,  na   qual   caracterizavam   intenções   demonstrativas   de   ajustamento  macroeconômico   do   país   (redução   da   demanda   agregada)   ao   Fundo  Monetário   Internacional   (FMI)   para   obter   o   seu   aval   e   continuar   se  endividando   ou   postergando   os   pagamentos   dos   encargos   da   divida  externa.   Os   cálculos   de   engenharia   financeira   são   amplamente  utilizados   para   estabelecer   tetos   ao   crédito   público   (CP)   e   ao   setor  privado   não-­‐bancário   (CD)   em   relação   a   expansão   dos   meios   de  pagamentos   (M2).   Em   casos   mais   dramáticos,   como   resultou   ser   no  caso   brasileiro   a   partir   de   meados   dos   anos   de   1980,   a   redução   do  déficit   público   para   níveis   compatíveis   com   a   redução   da   demanda  agregada  passou  a  ser  alcançada  através  da  aplicação  de  metas  para  o  superávit  primário.    

No   caso   brasileiro,   programas   de   privatizado   do   Estado   e  “enxugamento”   da   máquina   estatal   foram   também   adotados   como  forma  de   reduzir   o   déficit   público   nos   anos   de   1990.   Esse   programa  

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adicionado   a   politica   monetária   contracionista   elevando   as   taxas   de  juros   exerceu   uma   redução   no   crédito   doméstico   (∆CD)  desestimulando  a  demanda  agregada.    O  resultado   final  esperado  é  o  de   aumentar   as   reservas   internacionais   por   contração   na   renda  doméstica  para  solucionar  os  problemas  de  ajustamento  no  balanço  de  pagamentos   causados   pela   elevação   dos   juros   internacionais.   Os  contratos   da     divida   externa   brasileira   nesta   época   somavam   valor    superior  a  100  bilhões  de  dólares.      

4.  FUNÇÃO  CONSUMO  E  DEMANDA  AGREGADA  

Como   vimos   anteriormente,   a   Contabilidade   Nacional   trata   a  quantificação  da  Renda  e  do  Produto  e  de   seus   componentes   (gastos  do  governo,  tributação,  consumo,  investimento,  poupança,  importação  e   exportação)   como   variáveis   independentes   uma   das   outras.   Ela  inventaria  esses  agregados  em  um  determinado  período  de  tempo  em  moeda   corrente.   Podemos,   depois,   depurá-­‐los   dos   aspectos  monetários   expressando   seus   valores   em   moeda   constante   ou   em  moeda  internacional,  mas  essa  quantificação  é  feita  sem  relacioná-­‐los  funcionalmente.   A   disciplina   macroeconomia   faz   justamente   esse  “dever  de  casa”  :    relacionar  a  direção  dos  nexos  entre  os  agregados.    

Os   níveis   da   Renda   e   do   Produto   são   determinados   pelo  comportamento   de   seus   componentes.   Variações   nos   investimentos,  nas   exportação,   nos   gastos   do   governo   e   nos   demais   agregados  econômicos  não  impactam  a  renda  e  o  produtos  na  mesma  magnitude  de  sua  variação.  Pode  parecer  estranho  mas  o    impacto  causado  pelas  variações   nos   agregados   na   renda   e   no   produto   depende  essencialmente   do   componente   Consumo.   Colocando   um   pouco   de  historia,   uma   das   principais   relações   econômica   entre   os   agregados  econômicos   conhecida   cientificava   que   um   acréscimo   nos  investimentos   ∆I   gerava   um   aumento   proporcionalmente   maior   na  Renda  ∆Y.  

∆Y  =  k∆I  

k>1  

No  entanto,  quais  os  elementos  que  determinam  o  parâmetro  k?  Por  que   os   investimentos   em   uma   localidade   geram   aumentos   na   renda  diferentes   quando   efetuados   em   outras   localidades?   Essas   e   outras  questões   só   foram   respondidas   nos   anos   20   do   século   XX,   com   a  

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simultânea  formalização  das  contas  nacionais,  por  Keynes  e  Kalecki.    

Como   o   que   se   produz   depende   da   existência   de   uma   demanda,   os  investimentos   terão  maior   ou  menor   impacto   a   partir   dos   estímulos  causados   pela   variação   na   demanda   agregada.   Esses   estímulos   estão  contidos  na  variável  consumo,  pois  o  objetivo  final  do  investimento  é  realizar   lucro   e   este     se   realiza   no   mercado   onde   se   vende   os   bens  finais.    

O  gasto  no  mercado  de  bens  e  serviços   (C)  é  uma   função  do  nível  de  renda   (Y)   e   é   razoável   imaginar   que     variem   proporcionalmente  (∆C/∆Y)   de   maneira   estável   e   previsível,   caso   não   ocorra   algum  fenômeno   extemporâneo   capaz   de   alterar   os   hábitos   de   consumo  da  sociedade.   Essa   estabilidade   constitui   um   poderoso   preditivo   ao  resultado  dessa  relação,  que  denominamos  de  propensão    marginal  a  consumir  b=  ∆C/∆Y.    

Na   formação   do   consumo   se   inclui   um   consumo   autônomo   Ca   que  independe  do  nível  de  renda:  consumo  de  subsistência,  por  exemplo.    

C=  Ca  +  b.Y    (segue  a  equação  da  reta  onde:  b=  ∆C/∆Y  )  

substituindo  na  identidade  da  renda:  Y  =  C  +  I  

Y  =  Ca  +  bY  +  I  

Então,   quando   ocorre   uma   expansão   nos   investimentos   (Δ   I)  encontramos   um   acréscimo   na   renda   explicado   pela   propensão  marginal   a   consumir,   conforme   segue   abaixo.   Podemos   relaxar,   ao  mesmo  tempo,  o  consumo  autônomo  (coeficiente  angular)  sem  perda  de  poder  explicado  da  relação  funcional  entre  renda  e  consumo.    

ΔY-­‐  bΔY=  Δ  I  

ΔY  =  ΔI  /  (1-­‐  b)  

Fica  claro,  que  o  campo  de  variação  da  propensão  marginal  a  consumir  corresponde  a  [0  <  b  ≤  1].  

4.1.  MULTIPLICADOR  DOS  INVESTIMENTOS  

Chamamos   1/(1-­‐b)   de   Multiplicador   dos   Investimentos.   Podemos  substitui-­‐lo  pelo  paramento  k  da  equação  original.  De  qualquer  modo,  comprovamos  que  o  acréscimo  na  renda  causado  pelo  investimento  ou  pelos   demais   componentes   da   renda,   como   veremos   a   seguir,   é  determinado  integralmente  pela  propensão  marginal  a  consumir  (b).  

Quanto  mais   próximo   de   zero,  menor   será   o   efeito   do  multiplicador  dos   investimentos   e   quanto   mais   próximo   de   um,   maior   o   efeito  multiplicador   dos   investimentos.   Denominamos   1/1   -­‐   b   de  multiplicador   dos   investimentos   e   sendo   b   a   propensão   marginal   a  consumir,  1  –  b,  representa  a    propensão  marginal  a  poupar.    

Vamos   utilizar   um   argumento   demonstrativo.   Suponhamos   que   a  propensão  marginal   a   consumir   (b)  de  uma   comunidade   seja  0,4   e   a  propensão  marginal  a  poupar  seja  o  complemento:    1  -­‐  b  =  0,6.    

Para   um   pacote   de   investimentos   de   100   un,   inicial   a   repartição   se  dará   em   40   un   para   acrescer   o   consumo   e   60   un   destinados   a  depósitos   de   poupança   nos   sistema   financeiro.     Como   ocorreu   uma  expansão   de   demanda   agregada   de   40   un,   os   empresários   ficarão  estimulados  a  atender  essa  demanda  adicional  e  contam  para  isso  com  uma   poupança   adicional   de   60   un.   Novos   investimento   serão  executados   e   a   renda   adicional,   gerada   nesta   segunda   virada,   será  repartida   de   novo   entre   consumo   e   poupança.   Esse   ciclo   se   repete  indefinidamente   cada   vez   com   menor   força,   pois   os   acréscimos   no  nível   de   renda   (ΔY)     serão   cada   vez   menores.     Esses   ciclos  caracterizam   uma     renda   crescendo   em   progressão   geométrica   cuja  soma   dos   acréscimos   na   renda     corresponde   a   multiplicação   do  

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primeiro   termo   –investimento   inicial-­‐     multiplicado   por     1/   1-­‐b   .  Observe   que   este   multiplicador   e   o   parâmetro   K   mostrado  anteriormente  em  ∆Y  =  k∆I  

.  

∆Y  =  (1/1—0,4)  X  100  un,=  166,67  un,    

A   decisão   de   investimento   futuro   dependem,   entretanto,   dos   lucros  esperados  desse  investimentos  presente,  mesmo  no  caso  da  renda  ter  aumentado.  Os  paramentos  utilizados  pelos  empresários  para  estimar  lucros   futuros   podem   ser   de   toda   sorte   que   a   imaginação   possa  alcançar,  mas  é  razoável  espera  que  a  variação  na  renda  –  não  o  nível  de   renda   -­‐   seja   determinante   para   a   prosperidade   dos   ciclo   dos  negócios.     O   acelerador   dos   investimentos   é   justamente     a   relação  entre   o   investimento   realizado   e   as   variações   na   demanda   pela  produção.     Assim,   temos   que   o   estoque   de   investimento   varia   em  função   das   variações   na   produção   ocasionadas   pela   expansão   da  demanda  causada  pelo  investimento  inicial.    

4.2.1.  ACELERADOR  DOS  INVESTIMENTOS  

∆  capital=  (investimento/∆  demanda)    X    ∆  produção    

 

 

Os  investimentos,  assim,  são  auto  ¬  financiáveis  pois  o  valor  inicial  dos  investimentos  retorna  em  partes  sucessivas  ao  sistema  financeiro,  sob  a   forma   de   poupança   em   montante   igual   ao   que   será   acrescido   ao  estoque  de  capital  na  economia.    

Um   aspecto   muito   importante   diz   respeito   ao   financiamento   do  

investimento  geralmente  atribuído  a  disponibilidade  de  poupanças.  Os  investimentos,  de  fato,  requerem  uma  poupança  prévia,  mas  uma  vez  iniciado   o   ciclo   de   investimento,   ele   se   financia   a   si   mesmo   ao  proporcionar   renda   adicional   que   se   distribui   entre   consumo   (b)   e  poupança   (1-­‐b).   Vale   dizer,   o   excesso   de   renda   sobre   o   consumo  transforma-­‐se   em   poupança   a   disposição   dos   investidores,  intermediada  pelo    do  sistema  financeiro.    

 

4.2.  DEMAIS  MULTIPLICADORES  

Podemos   desenvolver   pensamentos   assemelhados   ao   multiplicador  dos   investimentos   para   determinar   as   funcionalidades   existentes  entre  as  diversas  categorias  macroeconômicas.  A  primeira  delas  é  que  parte  da   renda  gerada   é  destinada   aos   impostos.  Assim,   a   renda  que  deve   ser   considerada   para   os   gastos   com   o   consumo,   poupança   e  investimento  é  a  renda  disponível:  

 Yd  =Y  –  T:    

Onde  T  representam  a  parcela  de  tributos  do  governo.  

A  produtividade  marginal  a  consumir  (b)  que  compõe  o  multiplicador  dos   investimentos   nas   sociedades   modernas   deve   ser   ligeiramente  modificada,   pois   parcela   da   renda   é   capturada   pelo   Fisco   incidindo  diretamente  sobre  o  consumo.  

Assim  C  =      b  ∆Yd    

Visto   essa   restrição,   vamos   continuar   considerando   as   relações  existentes  nas  economias  modernas.    

Em   termos   de   impactos   no   nível   renda   é   indistinto   se   ele   é   causado  por   um   aumento   na   exportação,   no   investimento   ou   nos   gastos   do  

Acelerador  de  investimentos  

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governo  em  obras  públicas.  Essas  categorias  quando  efetivadas  geram  ciclos   de   renda   -­‐   produto   que   vão   se   distribuindo   no   sistema  econômico  entre  salários  ¬  consumo  e  poupanças  ¬  e  investimento.  Os  multiplicadores  da  renda  podem  ser  expressos  como  segue:  

∆Y  =  (1/1-­‐    b)  ∆G;      ∆Y  =  (1/1-­‐  b)  ∆I;      ∆Y  =  (1/1-­‐  b)  ∆X  

Diferentemente   ocorre   com   as   transferências   governamentais  destinadas   a   obras   assistenciais   como   bolsa   família,   auxílio  desemprego   e   a   natalidade,   pagamento   aos   aposentados   e   muitos  outras   denominadas   transferências   governamentais.   Essas  transferências  se  destinam  a  um  consumo  imediato.  Uma  vez  efetuada  a   transferência   governamental   (Tr),   pressupõe-­‐se   que   ela   seja  imediatamente   utilizada   –   extinta.   Nestes   termos   seu   efeito  multiplicador  de  renda  no  sistema  econômico  é  sensivelmente  menor  em   relação   aos   demais.   A   natureza   dessas   transferências   tem  competência   com   o   consumo   familiar,   nada   restando,   portanto,   para  geração  dos  ciclos  poupanças  /  investimento.    

∆Y=    (b/1-­‐  b)  ∆Tr  

De   maneira   semelhante   podem   ser   considerados   os   cortes   nos  impostos   indiretos.   Eles   representam  uma   transferência  de   renda   ao  consumidor  final,  ocasionada  pela  redução  das  alíquotas  dos  impostos  indiretos.   Seu   multiplicador   é   idêntico   o   das   transferências  governamentais  –  incide  diretamente  sobre  b.  

∆Y=  (b/1-­‐  b)∆T  

Finalmente,  vale  destacar  as  categorias  econômicas  que  enfraquecem  os  multiplicadores  convencionais.  Eles  podem  ser  considerados  como  estabilizadores  dos  multiplicadores,  pois  atenuam  os  choques  que  os  gastos  exercem  no  crescimento  da  renda.    Eles  são  basicamente  dois:  as   importações   e   os   impostos.   Em   termos  de   acréscimo  na   renda,   as  

importações  são  traumáticas,  pois  significam  uma  evasão  de  renda.  Os  impostos,   por   seu   lado,   reduzem  o   poder   dos  multiplicadores   já   que  incidem  direta  ou  indiretamente  sobre  o  consumo  e  investimento,  mas  retornam  ao  sistema  econômico  doméstico  sob  as  várias  modalidades  de  gastos  púbicos.  

O  efeito  da  tributação  já  foi  observado  anteriormente.  Vejamos  o  efeito  que  as  importações  têm  no  nível  de  renda.    

Importações  são  destinadas  ao  consumo  e,  portanto  depende  do  nível  de   renda.   Em   outros   termos,   existe   uma   propensão   marginal   a  importar   (∆M/∆Y)   assemelhada   a   propensão   marginal   a   consumir.  Quanto  mais  se  expande  a  atividade  econômica,  mas  insumos  e  bem  de  consumo  estarão  sendo  importados.  Assim;  

m=  ∆M/∆Y    

Então:  M  =  m  AY  

Observe   que   na   identidade   ampliada   as   importações   compõem   a  oferta   agregada,   mas   significam   uma   diminuição   da   demanda  doméstica.  

 

Y  +  M  =  C  +  I  +  G  +  X  

Então:  

Y  =  C  +  I  +  G  –  M  +  X  

Substituindo  M:      

Oferta  agregada   Demanda  agregada  

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∆Y  =  b  ∆Y  +  I  +  G  –  m  ∆Y  +  X  

∆Y  –  b∆  y  +  m  ∆y  =  I  +  G  +  X  

As   variações   na   renda   nacional   proporcionados   pelas   exportações,  gastos   governamentais   e   investimentos   privados   são   atenuadas   por  pressões   das   importações   que   se   relacionam   positivamente   com   a  variação   na   renda   nacional,   mas   atenuam   os   efeitos   na   renda  decorrentes  das  variações  nos  demais  agregados  macroeconômicos.    

 Devemos   portanto,   incluir   nos   multiplicadores   convencionais   essa  evasão  de  renda  causada  pela  expansão  da  demanda  agregada.        

∆Y  =  [1/(1-­‐b  +  m)]  (∆I  +  ∆G  +  ∆X)  

 

 

 

 

5.  MOEDA  E  BANCOS  

Atualmente   aceitamos   a   moeda   emitida   pela   Casa   da   Moeda   e   por  meio  de  sua  quantidade  cotamos  os  preços  de   todas  as  coisas.   Isso  é  bem  prático  e  facilita  a  nossa  vida.  A  rigor,  para  se  medir  o  produto  de  uma   economia   pode-­‐se   utilizar   qualquer   bem   ou   serviço.   Um  apartamento  vale  três  carros,  o  bilhete  do  teatro  vale  quatro  cervejas  e  por  aí  vai.  Com  o  avanço  das  trocas,  uma  mercadoria  vai  sendo  eleita  como  denominador  de  todas  as  outras:  a  ela  damos  o  nome  de  moeda  ou   meio   de   troca.   Os   preços   de   todas   as   mercadorias   são,   portanto  cotados  em  moedas  e  sancionados  pelas  trocas,  ou  seja;  pelo  mercado.    

A  mercadoria-­‐moeda  que  serve  para  expressar  com  facilidade  o  valor  das   demais   abriga   alguns   atributos:   divisível   e   recomposta,  durabilidade,  não  perecível,  de  transporte  relativamente  fácil,  não  ter  utilidades   relevantes   intrínsecas   e   oferta   invariável.   Olhado   sob   esse  ângulo,   historicamente   a  moeda   não   foi   instituída   por   convenção   ou  por   imposição   legal.  Ela  surge  naturalmente   intermediando  as   trocas  entre  mercadorias  (escambo)  nas  transações  de  compra  e  venda.    Ela,  como  em  um  passe  de  mágica,  ganha  novas  funções,  além  de  meio  de  troca   e  denominador   comum:  ela  passará   ser  utilizada   como   reserva  de  valor:  poder  de  compra.    

Assim,   a   moeda   se   transforma   em   dinheiro   ($$):   poder   de   compra.  Nesta  passagem  lógica,    ela  representa  a  riqueza  constituída  em  bens  e  serviços  ¬  casa,  automóvel,   títulos  financeiros,  etc.    O  $$  é  aquilo  que  representa  um  custo  na  produção    menor  que  o    produzido.  Esse  poder  de  compra  dedicado  a  moeda  ¬  $$  ¬  expressa  o  poder  social  que  uns  tem  sobre  os  outros.  Esse  $$  é   riqueza  que  para  a  ciência  econômica  somente   subsiste   quando   alguém   é   dono   dela.   Os   indivíduos   podem  escolher   entre   reservar   seu   poder   de   compra   (sua   riqueza)   em  moedas   ou   em   outros   bens.   É   dessa   possibilidade   de   escolha   –  escolher   ficar   mais   ou   menos   líquido   –   que   resulta   a   dinâmica   do  

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mundo  econômico,  (voltaremos  a  esse  ponto  mais  a  frente).  

Os   metais   preciosos   como   o   ouro   e   a   prata   nas   sociedades   antigas  desempenharam  muito   bem  o   papel   de  meio   de   troca.   Os   soberanos  cunhavam  as  moedas  e  lhes  outorgavam  garantias  de  aceitação.  Com  o  avanço  das  civilizações,  eles  foram  sendo  separados  de  sua  existência  material   enquanto  moeda   (útil   para   a   troca)   para   se  materializarem  em  dinheiro  ¬  $$  ¬  poder  de  compra.    

Do  ponto  de  vista  lógico  -­‐  histórico  podemos  contextualizar  três  tipos  de  sistema  monetário.  

• Padrão-­‐ouro,  • Moeda-­‐  conversível,  e;  • Moeda-­‐  inconversível    

Antigamente,   o   sistema   monetário   era   totalmente   assentado   no  padrão-­‐ouro.   Sua   quantidade   era   razoavelmente   fixa   ao   longo   do  tempo.   Naquela   época,   o   dinheiro   ou   a   riqueza   estava   personificado  em   outras   coisas,   como   a   terra,   no   período   feudal,   nos   desígnios  divinos,   como   na   época   dos   faraós   no   Egito   e   nas   características  distintivas   do   ser   humano   em   algumas   comunidades   primitivas.  Moedas   de   ouro   existiam   mais   como   meio   de   troca   e   denominador  comum  e  menos   como   reserva   de   valor.  Mesmo   assim,   exercia   certo  fascínio   entre   os   homens,   a   ponto   de   Judas   trair   Cristo   por   um  punhado  delas.    

Com   o   avanço   das   trocas,   a   moeda   passou   cada   vez   mais   a   ser  requisitada   não   somente   como  meio   de   troca,   mas   como   um   objeto  possuidor   de   poderes   mágicos:   como   reserva   de   valor,   poder   de  compra   e   expressão   de   riqueza.   A   moeda   passou   a   ser   um   símbolo  personificando   poder.   Ter   moeda   era   ter   $$.   Era   a   época   do   capital  mercantil.    

A   moeda   como   reserva   de   valor   é   eminentemente   criada   pelo  imaginário  coletivo.  A  moeda  historicamente  passa  a  ser  dinheiro  ($$)  quando   não   somente   é   um   denominador   comum   das   demais  mercadorias   e,   portanto   útil   às   trocas,   mas   quando   possui   a  propriedade   intrínseca   de   ter   valor   e   por   isso   aceitação   geral   como  medida  da  riqueza  material  que  os  indivíduos  possuem.  Com  o  avanço  das  sociedades  ela  vai  se  personificando  em  poder  (valor)  através  das  relações  de  compra  e  venda.  

Quando   a   moeda   tem   um   valor   intrínseco   reconhecido   socialmente,  como   os   metais   preciosos,   há   uma   forte   inclinação   para   que   todos  procurem  representar  sua  riqueza  ou  poder  de  compra   também  pela  moeda.   Há   relatos   na   história,   todavia,   que   antigamente   muitos  soberanos   forçavam   as   suas   “casas   das   moedas”   a   secretamente  substituir   parte   do   ouro   das   moedas   por   metais   menos   nobres   e,  assim,  ficarem  mais  ricos  comprando  outros  bens  durante  o  tempo  em  que  os  demais  não  reconheciam  esse  golpe.    Esse  evento  foi  cunhado  de   “degradação   da   moeda”,   pois   reduzia   o   seu   valor   intrínseco,  aumentando   sua   quantidade   e   somente   quando   isso   era   percebido   e  que   os   preços   aumentavam.   Atualmente,   a   moeda   não   tem   valor  intrínseco   e   muito   menos   lastro   nos   metais   preciosos.   Ela   tem   seu  reconhecimento   social,   se   transmudando   em   riqueza,   a   partir   dos  governos  que  as  emitem.    

A   perda   do   valor   intrínseco   e   lastro   em  metais   preciosos   da  moeda  foram   acontecimentos   lógicos   -­‐   históricos.   Com   o   avanço   do  capitalismo,   instituiu-­‐se   a  moeda-­‐papel,   que   era  um   título  de   crédito  com  o  indicativo  da  quantidade  de  metais  preciosos  que  seu  possuidor  tinha   direito   por   tê-­‐lo   depositado   em   alguma   instituição   bancária.   A  qualquer  momento  o  detentor  do  titulo  poderia  ir  ao  “banco  privado”  e   resgatar   seus  metais   preciosos.   Era   a   época   do   sistema  monetário  conversível.    

Em   termos   históricos,   esse   sistema   monetário   não   foi   duradouro.  

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Muitos   bancos   privados   onde   os   indivíduos   guardavam   seus   metais  preciosos   utilizavam   os   depósitos   para   efetuarem   empréstimos   por  meio  da  emissão  de   títulos  de   créditos  muito   acima  das  quantidades  de   ouro   e   prata   depositados   em   seus   cofres,   cobrando,   obviamente,  um  preço  (juros)  por  esse  serviço.  Eles  calculavam  o  quanto  de  saques  espaçados   no   tempo   o   real   proprietário   do   dinheiro   efetuaria:   o  restante  ficava  a  disposição  para  empréstimo.  A  história  mostra  que  a  existência   desse   sistema   monetário   foi   bastante   curta.   Requeria  “freios”   que   segurassem   a   ganância   dos   banqueiros.   Assim,   foram  criadas   normas   para   impedir   o   lançamento   de   títulos   de   crédito   em  valores   muito   superiores   a   quantidade   de   moeda   depositada   nas  instituições  bancárias.    

Esse  sistema  de  padrão  monetário  conversível  foi  substituído  por  um  sistema  inconversível  cujo  curso  da  moeda  foi   instituído  por  força  de  lei.    Esse  é  o  nosso  padrão  monetário  atual.  Neste  sistema,  prevalece  a  confiança   na   moeda   ou   em   quem   a   emite     em   detrimento   do   valor  intrínseco  ou  de  lastro  em  metais  preciosos  que  possa  ter.    

O   sistema   monetário   atual,   com   moedas   inconversíveis,   é   garantido  pelos   Estados   Nacionais.   Cabe   a   eles   certificarem   o   papel   –   moeda  emitida  pela  casa  da  moeda.  A  moeda  nacional  personifica,  portanto,  o  poder   do   Estado,   pois   todos   os   débitos   e   créditos   processados   na  sociedade  atual  são  feitos  por  meio  de  moeda.  Alguns  Estados  evocam  até   o   divino   para   garantir   esse   poder   à  moeda,   expressando   nela   as  máximas:    Deus   seja   louvado,   ou   em  Deus   acreditamos,   como  ocorre  no   caso   da   moeda   brasileira   e   norte-­‐americana   (para   citar   as   mais  conhecidas  entre  nós).    

Estilizando   a   situação,   a   moeda   inconversível   emitida   pelo   Estado  precisa   ser   controlada,   pois   sua   quantidade   mensura   a   riqueza  material   (estoque)   e   todos   os   fatores   de   produção   e   bens   e   serviços  finais   (fluxo).   Variações   na   oferta  monetária   fazem  variar   os     preços  gerando  efeitos  na  distribuição  das  rendas,    pois  alguns  preços  subirão  

mais   rápidos   que   outros,   na   riqueza   individual,   já   que   a   moeda   é  unidade   de   conta   e,   por   natureza,   nas   decisões   de   consumo   e  investimento.    

Quando   as   variações   na   oferta   monetária   são   percebidas   pela  sociedade,   todos  querem  defender  seu  poder  de  compra.  Por   isso,  os  Estados   Nacionais   procuram   manter   os   níveis   da   oferta   monetária  adequada  à  demanda  social  por  ela.  Uma  oferta  excessiva  em  relação  à  demanda  gera  efeitos  deletérios.  A  moeda  tem  seu  valor  diminuído  em  relação  aos  demais  bens  e  serviços  que  ela  precifica.  Ela  se  enfraquece  e  vai  perdendo  sua  utilidade  como  reserva  de  valor:  todos  irão  preferir  ter   sua   riqueza   em   bens   e   serviços   que   se   valorizem35.     Uma  quantidade   restrita   também   não   é   desejável,   pois   dificulta   as  iniciativas   voltadas   para   expandir   a   economia   ¬   preços   diminuem   e  juros  se  elevam,  nesta  situação.  

 

 

 

 

35   Em   algumas   situações,  mercadorias   se   transformam   em  moeda   -­‐  meio   de   troca   -­‐independentemente   da   existência   da  moeda   legal.   Suprimimo-­‐nos   da  moeda   legal   e  logo  outra  será  posta  em  seu  lugar  como  $$.  Veja  o  exemplo  nos  presídios,  onde  alguns  bens  como  chocolate,  cigarro,  celular  e  outros  bens  passam  a  funcionar  como  $$  entre  os  presos.  Na  última  crise  da  Argentina,  os  produtores  agrários  estavam  pagando  com  grãos  a  compra  de   fertilizantes,   ferramentas  e  até   tratores  e  automóveis.  As  moedas  eram:   soja,   trigo,   girassol   e   milho.   Todas   à   prova   da   política   governamental   de  corralito  (bloqueio  de  depósitos)  e  desvalorização  da  moeda  legal.  Nessa  época,  outras  moedas   foram   criadas   como   os   patacones   improvisados   por   algumas   províncias  argentinas.    

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No   Peru   e   Bolívia   do   século   XVI   e   demais   países   da   América   do   Sul  colonizados   pelos   espanhóis,   os   metais   preciosos   eram   utilizados  como  adornos  e  não  como  moeda.  Os  espanhóis  ficaram  maravilhados  e   os   carregaram   para   a   Europa,   pois   lá,   ouro   e   prata   eram   $$.   No  Brasil,   a   cana   de   açúcar   foi   especiaria   eleita   para   ser   produzida   e  comercializada   na   Europa   e   ela   era   trocada   por   escravos   pelos  colonizadores  em  um  circuito  de  compra  e  venda  fechado  denominado  “exclusivo   comercial”   ou   “pacto   colonial”:   a   colônia   só   poderia  comercializar   com  o   país   colonizador.  No  Brasil   colonial   a   função  da  moeda  como  meio  de   troca  e  denominador  comum  era  exercida  pelo  metal  precioso,  mas  a   função  reserva  de  valor  ($$)  não:  o  número  de  escravos   que   o   senhor   de   engenho   era   dono   representava   o   $$.  Somente  no  século  XIII,  com  a  intensificação  contra  o  tráfico  negreiro  e   o   ciclo   da   mineração   é   que   esta   concepção   dos   escravos   como  reserva  de  valor  foi  sendo  abandonada.    

A   escravidão   foi   reinventada  na  era  mercantil,   depois  de   ter   existido  na  antiguidade  e  extinta  no  período  feudal.  O  escravo  era  considerado  riqueza  somente  nas  colônias.  Foi  justamente  a  não  adoção  do  sistema  escravo   (escravo   como   moeda)   na   metrópole   que   permitiu  engenhosamente   as     metrópoles   forjarem   a   dependência   de   suas  colônias.      

5.1  MOEDA  NA  MACROECONOMIA  

Estabelece-­‐se,  assim,  nas  economias  atuais,  uma  relação  íntima  entre  a  quantidade   de   moeda   gerenciada   pelos   governos,   e   a   produção   de  bens   e   serviços:   o   lado   real   da   economia.   Para   uma   corrente   de  economistas,  a  moeda   teria  a  propriedade  de  expandir  o  produto,  ou  ampliando   o   conceito:   de   forjar   maior   ou   menor   crescimento  econômico.   Outra   corrente   de   economistas,   os   monetaristas,   sugere  que  a  moeda  não   tem  essa  propriedade.  Os   fatores  de  produção  com  os  quais   se   estabelece   a  produção  estão  dados  e   assim  o  produto  no  longo  prazo  não  pode  ser  maior  ou  menor.  Os  preços  de  todos  os  bens  e   serviços   são   flexíveis   e   a   maior   ou   menor   oferta   monetária   nãos  

altera   o   lado   real   da   economia  no   longo  prazo.     Políticas  monetárias  podem   até   ter   alguma   efetividade   no   curto   prazo,  mas   não   no   longo  prazo.    

Uma   das   primeiras   tentativas   de   se   estabelecer   o   relacionamento  entre  a  moeda  e  o  produto  deveu-­‐se  a  Irving  Fischer  (1867-­‐1947).  Ele  formulou  uma  identidade  bastante  interessante  entre  a  quantidade  de  moeda  e  o  produto  que  ficou  conhecida  como  a  teoria  quantitativa  da  moeda:    

MV=PT  

Onde  M  é  a  quantidade  de  moeda,  V  =  velocidade  de   transações;  P  =  preço   médio   de   todos   os   bens   transacionados,   e   T   =   todas   as  transações  realizadas  com  moeda.    

A  velocidade  de  transações  (V)  é  a  quantidade  de  vezes  que  a  moeda  (M)   se   torna   receita   ou   gasto,   ao   mesmo   tempo.   T   é   maior   que   o  Produto,   pois   inclui   os   pagamentos   de   insumos,   mão-­‐de-­‐obra,  aquisição  de  artigos  usados,  títulos  financeiros,  ações  e  etc.  PT  recebe  a  denominação  pelas  contas  nacionais  de  Valor  da  Produção.  Um  valor  muito  superior  do  que  foi  efetivamente  constituído  de  bens  e  serviços  finais  pelos  fatores  de  produção,  em  um  período.  Esses  bens  e  serviços  finais   formam   a   categoria   Renda   ou   Produto,   como   vimos  anteriormente.  

As  abordagens  posteriores  introduziram  modificações  substanciais.  A  primeira  delas   foi   relacionar  a  quantidade  de  moeda  existente  com  a  geração  da  renda  ou  produto.  A  renda  é  a  multiplicação  de  um  índice  de   preços   pelo   produto   (as   quantidades   de   produtos   finais).   Sendo  assim:  

M  V  =  PY  

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Há  duas  modificações  essenciais  em  relação  a  identidade  de  Fischer.  A  primeira  é  que  a  quantidade  de  moeda  relaciona-­‐se  a  Renda  Nacional  (Y)   ou   ao  Produto   (Media  ponderada  de  preços   vezes  quantidade  de  bens   finais)  e  não  ao  Valor  da  Produção.  A  segunda  é  que  V  significa  velocidade   da   renda   e   não   velocidade   das   transações.   Exprime,  portanto,  o  número  de  vezes  que  a  moeda  se  torna  renda  para  alguém,  durante   o   período   de   tempo   considerado.   Na   versão   de   Fischer   o   V  corresponde  ao  número  de  vezes  que  o  dinheiro  é  gasto.  

Nessa  nova  abordagem  o  parâmetro  V   se   refere  ao  número  de  vezes  que  a  moeda  se  torna  dinheiro  ($$)  para  alguém.  Exemplo:  Maria  tem  uma   confecção   e   vende   uma   camisa   para   o   João.   Maria   deduz   do  faturamento  os  custos  e  embolsa  uma  parcela  do  ganho  com  a  venda  da   camisa,   denominada   lucro.   Com   o   lucro   ela   pode   ampliar   ou   dar  continuidade   a   seu   negócio   de   fazer   e   vender   camisas   ou   adquirir  outros   bens   em   outras   lojas   cujos   proprietários   têm   o   mesmo  comportamento.   Assim   a   quantidade   de   moeda   multiplicada   pela  velocidade  renda  mensura  o  poder  de  compra  em  detrimento  de  sua  função  de  meio  de  troca,  como  observado  na  identidade  formulada  por  Fischer.    

Nestas   versões,   a   variação   na   quantidade   de   moeda   é   plenamente  capturada  pela  formação  dos  preços.    MV/P=Y  

Supõe-­‐se  que  a  velocidade  da  renda  ou  das  transações,  como  na  versão  de   Fischer,   depende   institucionalmente   dos   hábitos   da   sociedade   e  estes   não   mudam   constantemente.   Assim   variações   na   oferta  monetária  se  transmitem  diretamente  aos  preços  dos  bens  e  serviços,    não  modificando  o  produto.    

A   ideia   de   variações   nos   preços   causadas   por   variações   na   oferta  monetária   introduziu   novas   ideias   com   respeito   à   moeda.  Basicamente,   os   indivíduos   podem   escolher   guardar   sua   riqueza   em  bens   e   serviços   e   não   sob   a   forma   líquida   da   moeda   corrente.   Essa  

concepção   serviu   para   incluir   a   ideia   de   guardar   $$   sob   a   forma   de  moeda.   Em   outras   palavras,   a   oferta   de   moeda   ganhou   sua  contraparte:  a  demanda  por  ela.    

Essa   nova   concepção   foi   formulada   por   A.   Marshall   &   A.   C.   Pigou   e  ficou   conhecido   como   equação   de   Cambridge,   já   que   seus   autores  eram  professores  da  universidade  de  Cambridge,  na  Inglaterra:    

M  =  K(renda  X  preços)  ou    M/Preços=  K  Renda    

Ela  é  basicamente  idêntica  a  anterior  ¬  pois  K  seria  1/V:  o  inverso  de  V  ¬,  com  a  distinção  de  que  o  parâmetro  K  corresponde  à  proporção  da  renda   nominal   que   é   mantida   como   moeda   pela   sociedade   em   um  período   de   tempo   determinado.   Colocada   nestes   termos,   K   indica  quanto   em   média   às   pessoas   desejam   manter   moeda   para   exprimir  poder  de  compra:  envolve  um  processo  de  escolha  entre  reter  saldos  em  ativos  financeiros  ou  em  estoques  de  bens  e  serviços.  

O  parâmetro  K  sendo  governado  por  processos  de  escolhas  individuais  significa  que  a  moeda  segue  os  mesmos  princípios  que  utilizamos  para  escolher  outros  bens  e  serviços  para  assegurar  poder  de  compra  ($$).  Na   versão   anterior   a   velocidade   renda   (V)   era   um   parâmetro  mecânico.   Tanto   em   um   caso   como   no   outro,   V   e   K   não   mudariam  debaixo   condições   econômicas   estáveis,  mas   suas   interpretações   são  bem  distintivas.  

Nos   anos   de   1950,   Milton   Friedman,   professor   da   Universidade   de  Chicago,   ampliou   a   equação   acima   para   incluir   a   ideia   de   que   os  processos   de   escolha   entre   guardar  moeda   e   outros   bens   dependem  das  diferenças  dos  rendimentos  que  se  deixa  de  receber  por  preferir  um  ativo  em  relação  a  outro.  Ele  introduziu  o  futuro  nos  processos  de  escolha  entre  bens  e  serviços  e  o  bem  mais  líquido  que  é  a  moeda.  

Nesta  abordagem  monetarista,  o  parâmetro  K  da  equação  anterior  não  

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é  constante:  não  supomos  que  a  demanda  por  automóvel  seja  fixa,  mas  sim  que  ela  depende  do  preço  do  automóvel  e  de   sua  valorização  no  mercado.   Em   verdade,   ele   ampliou   um   conceito   que   já   estava  estabelecido   desde   o   final   dos   anos   de   1920,   por   outro   autor,  muito  famoso,  que  já  falamos  sobre  ele:  John  Maynard  Keynes.    

Para  Keynes   a  procura  por  moeda,   ou  preferência  pela   liquidez,   está  basicamente   determinada   pelo   preço   da   moeda   que   será   igual   aos  rendimentos   financeiros   que   se   obtêm   quando   a   emprestamos   para  alguém.   Por   isso,   a   variação   de   K   depende   da   oferta   e   demanda  monetária,  ou  em  outras  palavras:  do  preço  da  moeda  sancionado  pelo  mercado.   Esse   preço   é   a   taxa   de   juros.   Desse   modo   a   moeda   é  demandada  por  variações  de  preços  (P),  da  renda  (Y)  e  da  liquidez  do  sistema  econômico  (r).      

Md=  P.Y  +  r    

Os  indivíduos  procuram  moeda  para  fazerem  despesas  cotidianas  que  somente   com   elas   são   efetivadas.   Eles   também   precisam   de   moeda  para  se  precaver  dos  infortúnios  que  possam  ocorrer  no  futuro  e  que  em   alguns   casos   exigem   para   solução   dinheiro   vivo.   Eles   optam  também  por  terem  dinheiro  em  mãos  da  forma  mais  líquida  –  moeda  –  para  especular.  Oportunidades  de  negócios  requerem  em  muitos  casos  $$  vivo  para  serem  concretizadas.  

De   fato,   a  maior   quantidade  monetária   reduz   a   taxa   de   juros,   pois   a  sociedade   tem   mais   moeda   para   especular   (comprar   mais   ativos  financeiros).  A  renda  (Y)  ou  o  coeficiente  (K)  aumentam  desde  que  a  quantidade  da  moeda  não  se  transmita  imediatamente  para  os  preços  dos  bens  e  serviços.    

Para   a   escola   monetarista   de   Chicago,   capitaneada   por   Friedman,   o  parâmetro  K  não  se  altera,  pois  as  variações  nas  ofertas  monetárias  se  transmitem  aos  preços  no  curto  prazo,  mas  não  exercem  efeitos  reais  

sobre  a  produção  no  futuro.    

O   enfoque   central   dessa   escola   é   que   variações   na   oferta  monetária  não  possuem  a  propriedade  de  modificar   a   riqueza  da   sociedade   em  longo   prazo,   pois   os   preços   dos   ativos   modificados   decorrentes   da  variação  da  oferta  monetária  voltariam  a  manter  as  mesmas  relações  de   preço   entre   eles   em   futuro   não   muito   distante36.   Por   isso   os  monetaristas  da  escola  de  Chicago  advogam  que  a  política  monetária  é  inócua   favorecendo   a   ideia   de   que   o   controle   monetário   deva   ser  restrito,   uma   vez   que   a   expansão   da   oferta   monetária   não   tem   a  propriedade  de  elevar  o  produto  no  longo  prazo.        

Resumindo,   na   versão   moderna   a   demanda   por   moeda   Md   é   uma  função   direta   do   produto   (Y)   do   nível   de   preço   (P)   e   uma   função  inversa  da  taxa  de  juros  (R).    

As  variações  na  oferta  monetária  Ms  enquanto  não  se  transmitem  aos  preços   podem   influenciar   o   nível   do   produto   bem   como   a   taxa   de  juros.   Para   os   monetaristas   as   variações   na   oferta   monetárias   não  exercem  papel  preponderante  na  riqueza  e  no  emprego  dos  fatores  de  produção  no  longo  prazo:  a  moeda  não  tem  a  propriedade  de  alterar  a  

36  O  desejo  pela  posse  das   coisas  é   formado  pela  observação  das   condições   reais  da  economia.   Podemos   desejar   tudo   o   tempo   todo,  mas   razoavelmente   sabemos   o   que  poderemos  conseguir  no  futuro.  Os  desejos  são,  assim,  formados  com  base  no  que  já  possuímos  inteirados  com  as  reais  condições  econômicas  observadas.  Os  desejos  são  ilimitados,   mas   eles   são   satisfeitos   de   maneira   incremental:   uma   vez   satisfeito   um  desejo  criamos  outros.  Assim,  os  desejos  governam  o  longo  prazo  em  um  processo  de  negociação  com  o  consumo  presente.  As  variações  nos  preços  “hoje”  não  têm  o  poder  de   alterar   as   posições   desejadas   pelos   indivíduos   com   respeito   ao   seu   nível   de  consumo   e   bem-­‐estar   futuro.   A   escola   monetarista   parece   se   apoiar   nesta  argumentação:   valores   são   governados   pelo   imaginário   das   pessoas   em   termos   de  consumo  futuro  versus  consumo  presente  e  no  longo  prazo  ajustamentos  nos  preços  hoje  podem  ter  influências  em  curto  prazo,  mas  não  alteram  a  riqueza  imaginada  em  longo   prazo,   uma   vez   que   os   desejos   são  mais   poderosos   do   que   o   imediatismo:   o  curto  prazo.    

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quantidade  existente  de  riqueza  e  dos  fatores  de  produção  disponíveis  a  sociedade.    

5.2.  BANCOS  

A   terceira   função   da  moeda   do   ponto   de   vista   lógico   histórico   como  vimos  é  desempenhar  o  papel  de   reserva  de  valor:  poder  de   compra  acumulado.   Os   limites   da   atuação   dos   bancos   são   determinados  justamente  em  função  da  moeda  poder  representa  a  riqueza  material  acumulada   de   uma   sociedade   em   valor   superior   a   sua   existência  material.   Do   ponto   de   vista   lógico,   o   banco   somente   exerce   suas  funções   quando   existe   um   excedente   econômico   monetário.   A  tendência  secular  do  progresso   técnico  de  aumentar  cada  vez  mais  o  produto,   por   meio   dos   ganhos   de   produtividade,   propicia   maiores  excedentes  econômicos  cujo  ambiente  de  acumulação  e  guarda  são  as  instituições   do   sistema     financeiro.   O   limite   de   alcance   do   sistema  financeiro   está   estabelecido   justamente,   portanto,   pela   grandeza   do  excedente  econômico  depositado  em  suas  instituições37.    

As   famílias   e   as   empresas   depositam   ou   aplicam   seus   excedentes/  poupanças   no   sistema   financeiro   que   ganha   escala   aglutinando   as  poupanças   individuais   e   por  meio   de   débitos   e   créditos   financiam   o  investimento     das   empresas,   as   compras   das   famílias   e   proveem  fundos   para   o   governo   tocar   suas   funções   básicas.   Assim,   os   bancos  cumprem  a   função  de  estimular  a  demanda  agregada:  aumentando  o  consumo,  o  investimento  e  os  gastos  do  governo.    

Engenhosamente  os  bancos  passam  a  emprestar  parcela  dos  depósitos  

37  Os  bancos  perseguem,  vão  atrás,  do  excedente  econômico,  tal  qual,  por  analogia,  as  farmácias   se   instalam  onde  existem  pessoas  doenças...com  $$  para  venderem  a   cura  ou  o  controle  delas.  Se  desejarmos  saber  se  uma  região  ou  localidade  é  rica,  ou  seja,  se  as  possibilidades  de  geração  de  excedente  econômico  se  verificam  de  modo  eficiente,  bastar   olhar   a   quantidade   de   agências   bancarias   ali   instalada.   A   correlação   será  positiva  e  significativa,  com  certeza.  

que   ficam   sob   sua   guarda:   essa   parcela   é   a   totalidade   dos   depósitos  menos   os   encaixes   bancários38   ¬     parcelas   que   os   bancos   estimam  guardar  em  seus  cofres  para  fazer  frente  aos  saques  dos  depositantes.  O   resultado   da   diferença   entre   o   total   depositado   pelos   correntistas  menos  os  encaixes  bancários  é  o  quanto  os  bancos  tem  disponível  para    emprestar.  

Quanto   alguém   tem   um   título   de   crédito   ao   portador,   emitido   pelo  banco,   pode   trocá-­‐lo   por  mercadorias   e   o   vendedor   ao   receber   esse  titulo   –   um   cheque,   por   exemplo   -­‐   pode   descontá-­‐lo   no   banco,   ou  utilizá-­‐lo  para  adquirir  outros  bens  e  serviços.  Assim,  adicionavam-­‐se  ao   estoque  dos  depósitos  bancários   originais,  mais  poder  de   compra  representada   agora   pelos   títulos   de   crédito   dos   bancos.   Criou-­‐se  dinheiro   –poder   de   compra   -­‐   em   um   valor   superior   àquele  representado  pela  quantidade  de  moeda  existente.  

O   poder   de   compra   da   sociedade   aumenta,   assim,   por   meio   das  intermediações  de  crédito  e  débito  do  sistema  bancário.  A   totalidade  dessas   intermediações   condicionada   a   taxas   de   encaixes   bancários  mais   o   dinheiro   em   poder   do   publico   corresponde   aos   Meios   de  Pagamento  (M1):    

M1=PMPP  +  DVbc  

 

 

Um  exemplo  ilustrativo  da  expansão  dos  meios  de  pagamentos  é  feito  

38  Encaixe  voluntário  é  a  parcela  que  os  bancos  estimam  dos  depósitos  efetuados  que  estarão   a   disposição   dos   correntistas   e   o   encaixe   compulsório   é   a   parcela   dos  depósitos   totais   nos   bancos   privados   depositados   “compulsoriamente”   no   banco  central.  

Papel    moeda  em  poder  do  público  

Depósitos   a   vista   nos  bancos  comerciais  

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a  seguir:  

Sendo  o  depósito  a  vista   inicial  =  H  e  os  encaixes  bancários   igual   a   r  (parcela   do   depósito   que   os   bancos   estimam   que   não   seja   retirada  imediatamente)  sucede  que:  ΔM1  =  H  ΔM2  =  H  (1-­‐r)      parcela   que   o   banco   emprestará   e   que   se  

converterá  em  novo  depósito  a  vista      ΔM3  =    H  (1-­‐  r)  (1-­‐  r)  =  H  (1-­‐  r)2     idem  .   .     .  .   .     .  .   .     .  ΔMn  =    H  (1-­‐  r)n-­‐1      idem,   corresponde   a   n-­‐1   conversões   de  

depósitos  a  vista.  Σ  ΔM  =  H/r       Soma   dos   depósitos   bancários   ocasionados  pelo  depósito  original  H.        Σ  ΔM  corresponde  ao  acréscimo  total  em  M1.  

Os   bancos   centrais   procuram   controlar   os   meios   de   pagamento  estabelecendo   regras   constitutivas   de   um   fundo   de   reserva   formado  por   uma   parcela   dos   depósitos   a   vista   nos   bancos   comerciais  denominado   de   “encaixe   compulsório”.     O   fundo   de   reserva   também  pode  ser  utilizado  para  auxiliar  as  instituições  integrantes  do  sistema  financeiro  no  caso  de  alguma(s)  delas  ter  problemas  em  financiar  suas  posições   de   caixa39.   Também   procuram   controlar   a   liquidez   da  economia   por   meio   da   compra   e   venda   de     títulos   públicos.   Outra  modalidade     de   controle   convencional   é   o   redesconto     bancário  exercido  pelo  banco  central.  O  banco  central  estabelece  uma  Taxa  de  

39 No   caso   brasileiro   no   final   do   século   passado   foi   criado   o   Proer   (Programa   de  Estímulo   à   Reestruturação   e   ao   Fortalecimento   do   Sistema   Financeiro   Nacional)  justamente   com   essa   finalidade.   Os   seus   recursos   eram   totalmente   oriundos   dos  encaixes  compulsórios.

Redesconto  Bancário  (TRB)  que  é  aplicada  quando  os  bancos  privados  solicitam  reforço  de   caixa  para   continuar   tocando   suas  operações  de  crédito   e   débito.   É   claro   que   o   banco   desprovido   de   reserva   pode  solicitar  empréstimos  a  outros  bancos  privados  (juros  interbancários)  que   tenham   excessos   de   reservas,   mas   as   taxas   de   juros   oferecidas  para  essa  modalidade  girarão  ao  redor  da  TRB.  

As   operações   efetuadas   pelo   sistema   financeiro   criam   ou   destroem  meios  de  pagamento.  Há  uma  criação  de  meios  de  pagamento  quando  o  público  recebe  haveres  monetários  ¬  papel  moeda  e,  ou,  depósitos  à  vista   ¬   do   setor   bancário   dando   em   contrapartida   haveres   não  monetários,   o   que   aumenta,   por   conseguinte,   o   saldo   dos   meios   de  pagamento  disponível  a  população.    Há  uma  destruição  dos  meios  de  pagamento,  quando  o  processo  se  dá  no  sentido  inverso:  a  população  entrega  haveres  monetários   aos  bancos   recebendo   em   troca  haveres  não  monetários.    A   simples  abertura  de  uma  conta   corrente  não   cria  ou  destrói  meios  de  pagamento,  mas  os  empréstimos  propiciados  por  essa  abertura  de  conta  representam  criação  de  M1.  

Os   governos   estimam   a   totalidade   dos   meios   de   pagamentos   (M1)  disponível  para  conservá-­‐lo  em  linha  com  o   lado  real  da  economia.  O  conceito   de   M1   corresponde   a   quantidade   em   valor   monetário   dos  ativos  ($$)  mais  líquidos  disponíveis  na  economia.    

Grande   parte   da   destruição   e   da   criação   dos   meios   de   pagamento  origina-­‐se  nos  bancos  centrais  por  meio  de  suas  operações  ativas:  os  débitos   e   créditos   a   governos   e   autarquias.     A   taxa   de   redesconto  concedido   a   bancos   comerciais,   as   reservas   cambiais   e   a   compra   e  venda   de   títulos   da   Dívida   Pública   são   operações   que   criam   ou  destroem  meios  de  pagamento.  A   elevação  nos   saldos  das   operações  ativas  dos  bancos   centrais   inicia   o  processo  de   criação  dos  meios  de  pagamento.   Em   seguida   o   sistema   financeiro   responde   pela  multiplicação   no   sistema   econômico   daqueles   haveres   monetários  iniciais.  

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Existem   conceitos   de   meios   de   pagamentos   que   envolvem   ativos  menos  líquidos.  No  caso  brasileiro,  o  conceito  de  meios  de  pagamento  (M2),   por   exemplo,   corresponde   à   adição   ao   M1   do   estoque   de  depósitos   de   poupança   e   títulos   privados.   O   conceito   de   meios   de  pagamento  M3  equivale  ao  M2  mais  as  quotas  de  fundos  de  renda  fixa  e  os   títulos   públicos   federais,   que   dão   lastro   à   posição   líquida   de  financiamentos   em   operações   compromissadas   entre   o   público   e   o  setor  financeiro.  Já  o  conceito  de  M4  compreende  o  M3  mais  os  títulos  públicos   de   detentores   não   financeiros.     Esses   conceitos   são  estipulados  pelas  Autoridades  Monetários  e  podem  variar  no  tempo  e  regionalmente.    

5.2.1  POLITICA  MONETÁRIA  BRASILEIRA  

De  modo  geral,   admite-­‐se  que  o  principal  papel  a   ser  desempenhado  pelos   bancos   centrais   é   o   de   controlar   a     liquidez   na   economia.   O  objetivo   é   evitar   que   excesso   de   recursos   financeiros   ¬   crédito   e  moeda  ¬  acessíveis  a  todos  possa  propiciar  uma  demanda  por  bens  e  serviços  superior  a  capacidade  de  oferta  produtiva  das  empresas.  Esse  desequilíbrio   poderia   por   em   vigor   pressões   inflacionárias.  Alternativamente  os  bancos  centrais  podem  no  caso  de  certa  escassez  de  moeda  e  crédito  agir  no  sentido  de  ampliar  os  meios  de  pagamento  disponível  a  sociedade  como  forma  de  estimular  a  oferta  produtiva.    

Os   instrumentos   clássicos   para   os   bancos   centrais   orquestrarem   a  liquidez   da   economia,   vale   lembrar,   são   três:   a)   os   depósitos  compulsórios   dos   bancos   privados   no   banco   central     b)   taxas   de  redesconto  que  são  os   juros   cobrados  pelo  banco  central   aos  demais  bancos  e  c)  operações  de  open  market  que  consiste  na  compra  e  venda  de  títulos  públicos  empreendida  pelo  banco  central.  

Qualquer   variação   desses   instrumentos   implica   em   alterações   no  volume   de   crédito   modificando,   portanto   o   volume   dos   meios   de  pagamentos  e  da   taxa  de   juros.    Assim,    criam  ou  destroem  meios  de  

pagamento.  

No  Brasil,  a  calibragem  dos  meios  de  pagamentos  pelos  instrumentos  tradicionais  para  precificar  o  dinheiro,  ou  dito  de  outra  forma:  fixar  a  taxa  de  juros  da  economia  tem  alcance  menor  por  conta  da  SELIC  que  não   é   uma   taxa   de   juros   (como  muitos   pensam),  mas   uma   sigla   que  significa  Sistema  Especial  de  Liquidação  e  Custódia.    

Os  títulos  de  dívida  pública  em  mão  das  instituições  financeiras  ficam  depositados  virtualmente  no  ambiente  desse  sistema  e  são  negociados  entre  elas  gerando  fluxos  de  transferências  no  montante  determinado  pelas  necessidades  de  dinheiro  das  instituições.  É  uma  troca  de  títulos  por  dinheiro  e  vice  versa.    

“Tratando-­‐se  de  um  sistema  de  liquidação  em  tempo  real,  a  liquidação  de   operações   é   sempre   condicionada   à   disponibilidade   do   título  negociado   na   conta   de   custódia   do   vendedor   e   à   disponibilidade   de  recursos  por  parte  do  comprador.  Se  a  conta  de  custódia  do  vendedor  não   apresentar   saldo   suficiente   de   títulos,   a   operação   é  mantida   em  pendência  pelo  prazo  máximo  de  60  minutos  ou  até  18h30min,  o  que  ocorrer  primeiro  ¬  não  se  enquadram  nessa  restrição  as  operações  de  venda   de   títulos   adquiridos   em   leilão   primário   realizado   no   dia.”  (extraído  de  http://www.bcb.gov.br)    

As   instituições   com   excesso   de   caixa   no   banco   central   o   transferem  para  os  bancos  tomadores  de  empréstimos  e  estes  transferem  títulos  públicos  que  possuem,  em  valor  equivalente  e  que  estão  depositados  no   sistema   SELIC,   para   os   emprestadores.   Eles   pagam   uma   taxa   de  juros  aos   financiadores   tomando  por  base  a   taxa  SELIC  ¬  geralmente  um  valor  um  pouco  abaixo  desta.    

A   figura   da   pagina   seguinte   extraída   do   site   do   Banco   Central  mencionado   ilustra   uma   operação   entre   instituições   que   procuram  zerar   ao   final   do   dia   suas   posições.   O  Banco   Central   fixa,   ao   final   do  

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dia,  a  remuneração  dos  títulos  públicos  com  base  nos  juros  praticados  no  financiamento  interbancário  naquele  dia.  

O   Comitê   de   Política   Monetária   (COPOM)   fixa   a   taxa   juros   para   o  período   entre   suas   reuniões  ¬   geralmente   superior   a   um  mês  ¬   com  base  na  taxa  média  dos  financiamentos  diários,  com  lastro  em  títulos  federais,   apurados   no   Sistema   Especial   de   Liquidação   e   Custódia.     É  muito   importante   observar   que   essa   taxa   de   juros   vai,   portanto,   a  reboque   da   taxa   definida   pelo   mercado   interbancário.   A   figura   2.  abaixo  caracteriza  essa  orientação.  

Figura  2.  

 

A   taxa  de   juros   fixada  pelo  COPOM  não   reina  no   controle  do  volume  dos  meios  de  pagamentos.  Esse  controle  é  exercido  pelos  mecanismos  tradicionais   ¬  depósito   compulsório,   taxa  de   redesconto   e   operações  de  open  market..  A   taxa  de   juros   fixada  pelo  COPOM  reina  no  mundo  dos   rentistas,   pois   a   taxa   SELIC   estabelece   a   remuneração   direta   de  parte   da   dívida   pública   com   a   qual   se   manifesta   indiretamente   no  valor   da   remuneração   global   da   dívida,   impactando   as   despesas   do  Tesouro   Nacional.     Só   para   se   ter   ideia   da   ordem   de   grandeza,   um  

aumento  de  ½  %  na  taxa  SELIC  implica  em  despesas  superiores  a  15  bilhões   de   reais   no   ano,   maior,   portanto   que     o   valor   dedicado   ao  programa  bolsa  família  em  2009  (próximo  a  11  bilhões  de  reais,  pelos  dados  do  Ministério  do  Desenvolvimento  Social).    

Quando   o   banco   central   utiliza   as   operações   de   open   market,  colocando   títulos   federais   com   compromisso   de   recompra   pagando  taxas   SELIC   atraentes   para   enxugar   a   liquidez,   os   depósitos   nos  mercados   financeiros   de   outros   países   com   taxas   de   rendimentos  inferiores   orientam-­‐se   para   cá   em   busca   de   ganhos   especulativos.   O  efeito  do  enxugamento  da  liquidez  da  economia  é  assim  atenuado  em  favor   dos   rentistas   ¬   nacional   e   estrangeiro   ¬   e   do   fortalecimento  momentâneo   das   reservas   internacionais   (efeito   blindagem   da  economia  contra  o  contágio  das  crises  em  outros  países).    

Em   meados   do   ano   de   2010,   a   dívida   líquida   do   setor   público  representou  cerca  de  40%  do  PIB  (valor  próximo  a  R$1,  3  trilhão).    

5.3  TAXA  DE  CÂMBIO    

De  modo  geral,  os  preços  dos  bens  e  serviços  são  cotados  em  moedas  nacionais  e  se  equivalem  na  moeda  eleita  como  internacional  por  meio  de  taxas  de  câmbio:  razão  –  ou  relação  –  entre  duas  moedas  de  países  diferentes.    Assim,  a  taxa  de  câmbio  é  o  preço  em  moeda  nacional  de  uma  unidade  de  moeda  estrangeira40.    

O   preço   da   moeda   estrangeira   é   governado   pela   oferta   e   demanda  como  os  demais  preços  da  economia.  No  caso  das  moedas,  as  taxas  de  troca  originaram  o  que  denominamos  de  mercado  cambial.  ¬  onde  se  

40   Esse   é   o  método   denominado   direto.   O  método   indireto   consiste   em   encontrar   a  taxa  de  câmbio  medindo  o  preço  da  moeda  nacional  em  ternos  da  moeda  estrangeira.  Por  simplificação  didática  estaremos  neste  capitulo  utilizando  o  método  de  apuração  direta.  

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compra  e  vende  moedas.  Esse  mercado  existe  simplesmente  pelo  fato  de  os  países  imporem  um  curso  forçado  à  suas  moedas  nacionais.    

Assim,   quando   alguém   compra   moeda   estrangeira   está   trocando   o  poder   de   compra   de   sua   moeda   no   mercado   nacional   por   poder   de  compra   no   mercado   do   pais   estrangeiro,   para   comprar   um   ativo  naquele  pais.  Quando  medimos  o  poder  de  compra  de  uma  moeda  em  relação  a  outra  chamamos  de  taxa  de  cambio  real.  O  preço  da  moeda  estrangeira   em   termos   da  moeda   nacional   é   denominado   de   taxa   de  cambio  nominal  que  é  a  mais  amplamente  noticiada  nos  jornais.    

Por  esses  motivos  as  taxas  de  cambio  são  objetos  de  observância  por  todos   os   governos.   As   pessoas   quando   adquirem  moeda   estrangeira  para   exercerem   o   poder   de   compra   no   outro   pais,   em   vez   de   o  exercerem   no   seu,   o   fazem   porque   o   ativo   estrangeiro     tem   preço  menor,  qualidade  melhor  ou  simplesmente  inexiste  no  pais  de  origem  do  comprador.  

 A   identidade   abaixo   representa   a   mensuração   da   taxa   de   cambio  nominal.  

PIa  R$  =  e  PIbU$    

P=   preço   do   produto   (i)   cotado   no   país   A   e   no   país   B,   em   suas  respectivas   moedas   nacionais   R$   (Brasil);   U$   (Estados   Unidos   da  América),  e:    

 e  =  taxa  de  câmbio.  

Essa   taxa   de   cambio   iguala   os   preços   entre   os   países   através   do  comércio  internacional.  Enquanto  ela  for  diferente,  ou  seja,  o  ativo  em  um  pais  for  mais  barato  que  no  outro,  ela  se  modificará  até  anular  essa  vantagem.    

Essa   premissa   é   tão   forte   que   virou   uma   máxima   do   comércio  internacional:  Lei  do  Preço  Único41.    

Sem   restrições   ao   comércio,   os   preços   domésticos   se   igualam   aos  preços   internacionais   respectivos.  Os  preços  dos  ativos  em  cada  país  isolado   do   comércio   internacional   não   batem   entre   si   por   várias  razões.   A   produtividade   e   o   salário   entre   os   países   são   diferentes  correspondendo  às  diferentes  especializações  do  trabalho  contidas  em  cada   um   deles.   Se   elas   fossem   iguais,   bem   como   as   condições   pelas  quais  se  distribuem  os  seus  ganhos  entre  trabalho  e  capital,  a  taxa  de  câmbio   seria   igual   à   unidade.   Segundo,   existem   riscos   associados   à  aquisição   do   ativo   estrangeiro   em   relação   ao   ativo   nacional:   a  informação  tende  a  ser  imperfeita,  ou  seja,  nem  todos  têm  acesso  a  ela  igualmente.  Por  fim,  uma  série  de  outros  efeitos  que  vão  desde  o  custo  de   transporte   até   diferenças   entre   as   legislações   que   regem   as  sociedades  contribui  para  que  a  formação  dos  preços  domésticos  seja  diferente   entre   países   influenciando   o   preço   da   moeda   estrangeira  cotado   em   moeda   nacional.   Contudo,   não   havendo   restrição   ao  comércio,   esses   preços   alcançados     pelas   forças   do   mercado   se  igualam.  

A   taxa   de   cambio   real   difere   da   nominal   por   incluir   a   variação   de  preços   que   acompanha   os   produtos.   Em   outras   palavras,   a   taxa   de  cambio   real   observa   os   preços   relativos   dos   bens   entre   países.    Comparamos   o   valor   de   uma   cesta   de   bens   com   o   valor   de   cesta  semelhante   em   outro   pais.     Como   essas   cesta   são   cotadas   em   suas  respectivas  moedas  nacionais,  temos  que  harmoniza-­‐las  em  uma  única  moeda  para  serem  comparáveis  e  encontramos  a  taxa  de  cambio  real  (er).  

er  =  e  Pt*-­‐  P*t-­‐1/Pt  –  Pt-­‐1  

41 Essa  máxima  foi  criada  por  David  Ricardo  (1858)  

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onde  e  é  a  taxa  de  cambio  nominal  e      P  e  P*  são    índices  de  preços  das  cestas   de   bens   nacional   e   estrangeira   respectivamente   no   tempo   t   e        t-­‐1.  Podemos  usar  qualquer   índice  de  preços  como  os  observados  na  seção  2.2  anteriormente,  mas  geralmente  o   índice  escolhido    compõe    preços   por   atacado,   uma   vez   que   as   operações   de   comércio   exterior  são  feitas  no  atacado.    Como  são  índices  de  preços,  o  nível    original  da  taxa  de  cambio  é  referenciado  no  tempo.  Assim,  a  taxa  real  de  cambio  indica   se   os  preços  dos  bens   estrangeiros   estão   se   tomando  mais   ou  menos  caros  em  relação  aos  bens  domésticos.  Com  ela  observamos  a  variações  nos  preços  relativos  dos  bens    e  não  os  preços  relativo  das  moedas.  

Em   termos   práticos,   os   fluxos   de   transferência   de   ativos  monetários  entre   países   atualmente   estão   centrados   nas   diferenças   existentes  entre   as   taxas   de   juros   (rendimentos   dos   títulos   financeiros)  abalizadas  pelas  condições  de  risco  cambial  e  estabilidade  econômica    dos   parceiros   internacionais.     Ate   os   anos   de   1970   as   trocas  internacionais   de   moedas   tinham   como   contrapartida   as   trocas   de  mercadorias   e   serviços   associados   aos   investimentos   diretos.   Com   o  avanço   das     tecnologias   principalmente   na   área   de   informática   e  comunicação,  os  serviços  financeiros  passaram  a  ter  uma  participação  nos   fluxos   internacionais   bem   superior   as   trocas   de   mercadorias.    Atualmente   as   trocas   internacionais   de   papeis   financeiros   são  muito  superiores  as  trocas    internacionais  de  bens  e  demais  serviços.  O  giro  diário   de   papeis   financeiros   no   mercado   internacional   chega  aproximadamente  a  30  trilhões  de  dólares  atualmente  representando  quase  o  dobro  das   trocas  de  mercadorias  e  demais   serviços  entre  os  países  no  ano.    

Desse  modo,   a   taxa   de   retorno   dos   papeis   passa   a   ser   determinante  para  orientar  os  aplicações  internacionais.  Um  especulador/investidor  internacional  decide  entre  deixar  seu  saldo  HU$  no  mercado  doméstico  (D)  ou  aplica-­‐lo  no  mercado  estrangeiro  (W)  comparando  os  retornos:  

{[HU$   (1  +   jD)]   –   [HU$.  ee   (1+jW)1/es   ]}   onde  ee   e  es   indicam  as   taxa  de  cambio  de  entrada  e  saída  respectivamente  do  capital.    

Caso  o  resultado  seja  maior  que  zero,  retornos  no  mercado  domestico  serão   superiores   aos   retornos   que   seriam   obtidos   no   estrangeiro   e  portanto  observaremos  um  fluxo  de  transferência  de  recurso  do  resto  do  mundo  (W)  para  o  mercado  do  pais  de  origem  (D).  O  inverso  ocorre  se  o  resultado  for  menor  que  zero  (negativo).