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Instituto de Economia da UFRJ Edson Peterli Guimarães curso externo: Fundamentos da macroeconomia tradicional 1 FUNDAMENTOS DA MACROECONOMIATRDICIONAL 1 Sumário 1.INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 2 1.1. A teoria MACROECONOMICA .................................................................. 3 1.2.Ramificações da Macroeconomia .......................................................... 5 1.2.1. síntese neoclássica.......................................................................................... 5 1.2.2 A curva de Phillips ........................................................................................... 5 3.2.3 Monetaristas ....................................................................................................... 6 1.2.4. Teoria novoclassica ..................................................................................... 7 1.2.5 Os novos Keynesianos .................................................................................... 8 1.2.6 Estruturalistas ................................................................................................... 8 13. Um pouco de Historia ................................................................................ 9 1.4. antecedentes.............................................................................................. 12 2. O PRODUTO ......................................................................................................... 15 2.1. A Mensuração do Produto e da renda ............................................... 17 2.1.1 Distinção entre Produto Bruto e Produto Líquido.......................... 18 2.1.3. Produto Real e Nominal............................................................................. 20 2.2. Índices de Preços...................................................................................... 20 2.3. O Excedente Econômico ......................................................................... 24 2.3.1 A Macroeconomia e o Excedente Econômico .................................... 27 3. IDENTIDADES BÁSICAS.................................................................................... 33 3.1 Uma Economia Simples ........................................................................... 33 3.2 Introduzindo o Governo e o Mercado Externo. ............................... 34 3.3 Renda e o Balanço de Pagamentos ...................................................... 36 3.3.1 Aspectos monetários do Balanço de Pagamentos ........................... 38 4. FUNÇÃO CONSUMO E DEMANDA AGREGADA ........................................... 41 4.1. Multiplicador dos Investimentos........................................................ 41 4.2.1. Acelerador dos investimentos ................................................................ 42 4.2. Demais multiplicadores......................................................................... 42 5. Moeda e bancos .................................................................................................. 44 5.1 moeda na macroeconomia ..................................................................... 46 5.2. Bancos .......................................................................................................... 49 1 Apostila para curso externo. Revisão em junho de 2013 5.2.1 Politica Monetária Brasileira ....................................................................50 5.3 Taxa de Câmbio ......................................................................................... 52

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1

   FUNDAMENTOS    DA    MACROECONOMIA  TRDICIONAL1  Sumário  

1.INTRODUÇÃO  .........................................................................................................  2  1.1.  A  teoria  MACROECONOMICA  ..................................................................  3  1.2.Ramificações  da  Macroeconomia  ..........................................................  5  

1.2.1.  síntese  neoclássica  ..........................................................................................  5  1.2.2  A  curva  de  Phillips  ...........................................................................................  5  3.2.3  Monetaristas  .......................................................................................................  6  1.2.4.    Teoria  novo-­‐classica  .....................................................................................  7  1.2.5  Os  novos  Keynesianos  ....................................................................................  8  1.2.6  Estruturalistas  ...................................................................................................  8  

13.  Um  pouco  de  Historia  ................................................................................  9  1.4.  antecedentes  ..............................................................................................  12  

2.  O  PRODUTO  .........................................................................................................  15  2.1.  A  Mensuração  do  Produto  e  da  renda  ...............................................  17  

2.1.1  Distinção  entre  Produto  Bruto  e  Produto  Líquido  ..........................  18  2.1.3.  Produto  Real  e  Nominal  .............................................................................  20  

2.2.  Índices  de  Preços  ......................................................................................  20  2.3.  O  Excedente  Econômico  .........................................................................  24  

2.3.1  A  Macroeconomia  e  o  Excedente  Econômico  ....................................  27  

3.  IDENTIDADES  BÁSICAS  ....................................................................................  33  3.1  Uma  Economia  Simples  ...........................................................................  33  3.2  Introduzindo  o  Governo  e  o  Mercado  Externo.  ...............................  34  3.3  Renda  e  o  Balanço  de  Pagamentos  ......................................................  36  

3.3.1  Aspectos  monetários  do  Balanço  de  Pagamentos  ...........................  38  

4.  FUNÇÃO  CONSUMO  E  DEMANDA  AGREGADA  ...........................................  41  4.1.  Multiplicador  dos  Investimentos  ........................................................  41  

4.2.1.  Acelerador  dos  investimentos  ................................................................  42  4.2.  Demais  multiplicadores  .........................................................................  42  

5.  Moeda  e  bancos  ..................................................................................................  44  5.1  moeda  na  macroeconomia  .....................................................................  46  5.2.  Bancos  ..........................................................................................................  49  

1 Apostila  para  curso  externo.  Revisão  em  junho  de  2013  

5.2.1  Politica  Monetária  Brasileira  ....................................................................  50  5.3  Taxa  de  Câmbio  .........................................................................................  52  

   

   

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1.INTRODUÇÃO  As   empresas,   os   consumidores,   o   governo   e   demais   instituições   fazem  escolhas  e   tomam  decisões  econômicas  baseados  em  uma  multiplicidade  de  fatores.   Os   bens   e   serviços   escolhidos   somados   por   categorias   de   uso   dão  origem  aos  agregados  econômicos  cujos  principais  são:  consumo  das  famílias  e   das   empresas   (investimento),   vendas   externas   (exportação),   compras  dos  residentes   de   mercadorias   fabricadas   em   outros   países   (importação),  receitas,   gastos   e   dívidas   do   governo,   poupança   (ativos   monetários   e  financeiros)   e   contas   do   balanço   de   pagamentos.   A   macroeconomia   é   uma  disciplina   funcional   que   procura   desvendar   justamente   a   influência   que   os  agregados  possuem  na  determinação  da    renda  nacional  e  do  emprego.    

Seu  estudo  se  divide  em  dois  ramos:  o  mercado  real  e  o  mercado  monetário  –  financeiro.  Como  tudo  em  economia  gira  em  torno  de  processos  de  escolha,  as  variações  na  liquidez  do  sistema  econômico  alteram  os  preços,  pelo  menos  no  curto  prazo,  e   influenciam,  portanto,  as  escolhas   individuais  que  formam  os   agregados   econômicos.   Devemos   tratar   o   mercado   real   (de   bens   e  serviços)   e   o   mercado   financeiro   e   monetário   de   modo   compartilhado.   A  investigação   macroeconômica   de   como   um  mercado   afeta   o   outro   procura  revelar   a)   as   causas   do   crescimento   econômico,   b)   o   alcance   dos   aspectos  monetários  para  a  estabilidade  de  preços,  c)  as   implicações  que  possam  ter  para  a  distribuição  de  renda  e  d)  as  relações  econômicos  do  país  com  o  resto  do  mundo  representadas  no  balanço  de  pagamentos.    

Os   fundamentos   da   macroeconomia   foram   construídos   por   John   Maynard  Keynes   e   Michael   Kalecki   no   início   do   século   XX   causando   impactos  significativos  na  compreensão  do  mundo  econômico.    John  Maynard  Keynes,  de   origem   inglesa,   sintetizou   seu   pensamento   no   livro   “A   Teoria   Geral   do  Emprego,   do   Juro   e   da  Moeda”,   publicado   em  1936.   Suas   ideias  mostraram  um   mundo   econômico   bem   diferente   do   postulado   pelos   economistas   da  época,   denominados   (neo)clássicos.   Michael   Kalecki,   de   origem   polonesa,  versado   nos   estudos   da   economia   política   de   cunho  marxista,   publicou   em  1933,   “Esboço   de   uma   Teoria   de   Ciclo   Econômico”.   Nesta   publicação,   com  roupagem   diversa   da   utilizada   por   Keynes,   Kalecki   contemplou   aspectos  seminais   da   dinâmica   da   economia   capitalista   que   se   aproximam   da  

interpretação  de  Keynes  sobre  a  mundo  econômico.    Nesta  época,  eles  não  se  conheciam  e  muito  menos  os  trabalhos  um  do  outro.  

A   visão   dos   economistas   das   escolas   clássica   (séculos   XVII   e   XVIII)   e  neoclássica   (segunda   metade   do   século   XIX)   era   de   um  mundo   econômico  perfeito,   harmônico   e   equilibrado.   Esse  mundo  maravilhoso   era   construído  com   preços   totalmente   flexíveis   que   subjugados   pelas     forças   de   mercado  harmonizavam-­‐se   para   garantir   o   máximo   bem-­‐estar   social.   O  comportamento   interesseiro   dos   vendedores   e   dos   compradores  determinava  o  alcance  do  bem-­‐estar  social:  “o  leiloeiro”  –mercado–  somente  finaliza   a   contenda,   batendo   o   martelo,   quando   o   preço   fechado   oferece   o  mesmo   grau   de   satisfação   obtido   pelo   comprador   e   vendedor.   Qualquer  perturbação   dessa   ordem   era   inimaginável   pela   visão   econômica  convencional  e  se,  por  ventura,  ocorresse  seria  ocasional,    passageira  e  sem  importância.      

A  evidencia  empírica  da  grande  depressão  no  início  do  século  XX,  nos  Estados  Unidos,  mostrou  que  não  era  bem  assim  que  funcionava  o  sistema  econômico.  Essa   evidencia,   sem   duvida,   contribuiu   para   que     Keynes   e   Kalecki  construíssem  os  fundamentos  da  macroeconomia  atual.  

Essa   construção   teórica   do   mundo   econômico   feita   nos   idos   anteriores   ao  século  XX  por  um  conjunto  de  economistas  clássicos  (antigos)  e  neoclássicos  (novos)   tem   apelos   fortes.   Além   de   propagar   as   forças   de   mercado   como  elemento  central  para  o  alcance  do  bem-­‐estar  social,  consideram  a  produção  representada   eminentemente   por   fatores   técnicos   cuja   essência   desaloja  qualquer   conflito   social   do   mundo   econômico2.     A   flexibilidade   de   preços  permitindo   que   o   exercício   das   forças   de   mercado   fosse   pleno   levaria   a  economia  para  uma  alocação  ótima  de  recursos.  

2 Excetua-­‐se   dessa   concepção   a   linha   econômica   clássica  marxista   cujo   o  

enfoque   central   consiste   justamente   no   conflito   social   causado   pela   produção   de  mercadorias  no  sistema  capitalista.    

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A   figura  acima  ilustra  esse  esquema.  A  produção  pode  ser  representada  por  uma  máquina  processadora  cujo  resultado  final  são  os  bens  de  capital,  bens  intermediários,  outros  insumos  que  se  destinam  exclusivamente  ao  mercado  empresarial   e   bens   e   serviços   finais   dedicados   ao   mercado   das   famílias.  Todos   adquirem   os   bens   e   serviços   que   necessitam  mediante   compras   nos  seus   mercados   com   as   rendas   auferidas   por   cederem   seus   fatores     de  produção   (força   de   trabalho,   capital,   recursos   naturais)   a   máquina  processadora   (empresas)   cujos   donos   organizam   a   produção   e   recebem  rendimentos  por  isso.    

Nesta   linha  de  pensamento,  a  combinação  mais  rentável  entre  os   fatores  de  produção   e   a   distribuição   dos   produtos   são   reveladas   pela   forças   de  mercados  que  ajustam  preços  levando  a  economia  para  um  único  e  imutável  equilíbrio  (entre  oferta  e  demanda)  econômico.    

Para   a   escola   (neo)clássica,   a   variação   da   oferta  monetária   é   irrelevante.   A  moeda  é  uma  meio  de  troca,  simplesmente,  não  tendo  o  poder  de  alterar  os  preços   relativos   com  os  quais  os   indivíduos   fazem  suas  escolhas.  Os  preços  nominais  (cotados  pela  quantidade  de  moeda)  podem  variar,  mas  as  relações  entre  eles  não  se  modificam:  os  indivíduos  são  extremamente  racionais  e  não  se  deixam  enganar  pelos  aspectos  monetários.    

1.1.  A  TEORIA  MACROECONOMICA  A   literatura   corrente   aponta,   pelo   menos,   quatro   abordagens   originais   de  Keynes   e   Kalecki   que   descontroem   o   mundo   econômico   harmônico   e  equilibrado  conforme  pensado  pelos  economistas  (neo)clássicos.  A  primeira  e   mais   importante   delas   consistiu   na   consideração   de   que   o   sistema  econômico  não  é   comandado  exclusivamente  pela  oferta  de  bens  e   serviços  no   sentido   da   produção   gerar   renda   destinada   ao   consumo   (presente   ou  futuro),  como  sugerido  na  figura  acima.    Os  indivíduos  (as  empresas)  podem  desejar  consumir  (investir  em)  produtos  não  necessariamente  em  linha  com  a   oferta   (demanda),   decorrendo   desse   fato   desajustamentos   econômicos.  Esse  comportamento  das  empresas  e  consumidores  foi  explorado  por  Keynes  de   maneira   exemplar,   constituindo   basicamente   o   arcabouço   teórico   da  macroeconomia.  O  livre  arbítrio  que  os  indivíduos  têm  com  respeito  a  renda  propiciam   movimentos   econômicos   erráticos   que   podem   não   convergir   ao    equilíbrio.   Essas   ações   dos   consumidores   e   dos   investidores   formam  o   que  Keynes  denominou  de  o  princípio  da  demanda  efetiva.      

A   segunda   abordagem   original   invalida   a   premissa   dos   economistas  (neo)clássicos   de   que   os   preços   são   totalmente   flexíveis   e   não   exercem  influencia   no  meio   econômico.   Keynes   constatou   que   os   preços   da  mão   de  obra  e  de  muitos   serviços  públicos   tendem  a   certa   rigidez,  pelos  menos,  no  curto  prazo.   Isso   ficou   evidenciado  nos   anos  de  1920,  na   grande  depressão  dos  Estados  Unidos  da  América.  Dificilmente  os  empresários  iriam  entabular  novas   produções   aumentando   o   emprego   e   a   renda   da   economia   com  base  somente  em  um  livre  jogo  das  forças  de  mercado  cuja  essência  levava  a  uma  queda  generalizada  de  preços.  Assim,  a  relação  Preço/Custo  desestimulava  os  investimentos   dos   empresários,   pois   que   seus   preços   de   venda   caem  (deflação)  e  os  custos  da  mão  de  obra  e  de  muitos  insumos  permanecem,  no  

MAO  DE  OBRA    

CAPITAL        

RECUSOS  NATURAIS  

Bens  de  Capital    Bens  

Intermediários,    Matérias  primas,    

Insumos  elaborados  e  Serviços  

Mercado  das  

Família

Mercado  das  

Empresas  

Bens  finais  e  serviços

 INSUMOS

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mínimo,  constante.  Nos  cálculos  empresariais  os  pagamentos  aos   fatores  de  produção  são  considerados  custos  e,  por  isso,  a  lógica  empresarial  não  adota  isoladamente  estratégias  que   incorporem  o  reconhecimento  de  que  salários  são  poder  de  compra:  demanda  agregada  que  estimula  a  expansão  dos  velhos  empreendimentos  e  a  criação  de  novos3.    

Com   deflação,   o   acréscimo   de   mais   uma   unidade   de   trabalho   fica  condicionada   a   redução   do   salário   para  manter   a  mesma  margem   de   lucro  empresarial.    

Keynes,  alertou  que  essa  situação  causa  dois  efeitos,  pelo  menos.  O  primeiro,    com  preços  dos  produtos   em  queda,   os   empresários   não   são   estimulados   a  investir.     O   segundo,   contempla   a   resistência   dos   trabalhadores   a  menores  salários   e  mesmo  o   aceitando,   o   salário  deveria   cair  mais  do  que  os  preços  dos   bens   e   serviços   para   propiciar   uma   rentabilidade   atraente.   Esses   dois  efeitos   são.   suficientes   par   reduzir   a   demanda   agregada   com   os   quais   se  evidencia   a   dificuldade   da   saída   da   crise   por   mecanismos   automáticos   de  preços.  Keynes  advogou  que  os   indivíduos,  diferente  da     suposição  clássica,  não   ajustam   imediatamente   preços   relativos   as   variações   nominais,  principalmente   o   valor   da   mão   de   obra:   existiria,   portanto,   certa   “ilusão  monetária”   com   qual   os   governos   poderiam   contar   para     estabilizar   a  economia   em   direção   ao   pleno   emprego,   por   meio   de   políticas   de   rendas:  maior   oferta   monetária   eleva   os   preços   nominais   dos   bens   e   serviços,  conquanto   salários   e   preços   fixados   contratualmente   sobem   menos  

3 Se   esse   reconhecimento   fosse   explicitado   e   houvesse   um   acordo   tácito   entre   os  empresário,   as   crises   econômicas   clássicas   poderiam   ser   postergadas:   bastaria  queimar   capital   (por  meio   de   fusões   e   incorporações   empresariais)   ou   aumentar   o  preços   dos   fatores   de   produção   elevando   a   renda   para   estimular   o   consumo.     Os  empresários  fazem  muitas  coisas  conjuntamente,  mas  dificilmente  se  acertam  com  os  concorrentes  definindo  conjuntamente  suas  estratégias  de  expansão,  o  que  inviabiliza  a  prática  anticíclica  comentada.  

estimulando,  portanto,    a  produção.  

A  terceira  abordagem  significou  também  um  avanço  teórico  considerável  que  até   hoje   é   objeto   de   uma   intensa   discussão.   Perdas   e   ganhos   (risco)   nos  processos  de  escolha  foram  explicitamente  considerados  na  teoria  de  Keynes:  as   pessoas   mantêm   saldos   em   dinheiro   aguardando   o   momento   mais  adequado   de   especular   (arriscar)   com   os   ativos   financeiros   que   eles  entendam   de   maior   rentabilidade.   Na   visão   neoclássica,   no   entanto,   é  inconcebível   alguém  guardar  dinheiro  em  vez  de  buscar   imediatamente  um  retorno   para   ele:   a   taxa   de   juros,   neste   caso,   é   um   fenômeno   real   definida  pelo  volume  de  poupança  disponível  ao   investimento  pretendido.   Já  para  os  seguidores   de     Keynes,   a   taxa   de   juros   é   um   fenômeno   monetário   e   a  formação   da   poupança   é   função   da   renda   e   dos   saldos   especulativos.   De  acordo   com   a   teoria   de   Keynes,   a   poupança   é   um   resíduo   que   dependente  somente   da   renda,   e   as   decisões   de   investimento   seriam   dominadas   pelo  "espírito  animal"  do  empresariado.  Assim,  as  taxas  de   juros  não  contribuem  não  influenciam  as  decisões  de  poupança  e  investimento.  

Kalecki,  por  outro  lado,  mostrou  que  na  dinâmica  capitalista,  o  investimento  é  autofinanciado,  ou   seja  ele   cria  poupança,   com   independência  da     taxa  de  juros,  no  mesmo  montante  em  que  se  realiza.  Essa  e  uma  questão,  portanto,  que  ainda  não  está  de  todo  resolvida  empiricamente.  

A  quarta  abordagem  apoia-­‐se  integralmente  no  principio  da  demanda  efetiva,  mencionado   anteriormente.   Advoga   a   ideia   de   um   Estado   interventor   na  economia  com  potencialidades  para  manipular  a  demanda  efetiva.  Dentre  as  quatro   abordagens,   a   que   causou   maior   impacto   no   meio   político   e  econômico  foi  justamente  essa:  a  ideia  do  governo  expandir  déficits  públicos  para  ampliar  o  emprego  e  a  renda.  O  estranhamento  desta  proposta  deveu-­‐se  por  um  lado  ao  reconhecimento,  no  início  do  século  XX,  que  a  intervenção  do  Estado   na   economia   era     coisa   de   regimes   totalitários,   portanto   de   difícil  aceitação  em  ambientes  democráticos  e  por  outro,  ao  abalo  que  causava  no  pensamento   da   economia   clássica   cuja   concórdia   e   harmonia   oriunda   das  forças   de   mercado   dispensava   qualquer   intervenção   externa   (como   o  

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governo)  na  economia.    Kalecki,  com  outra  palavras,  insinuou  a  contribuição  do   Estado   como   essencial   a   dinâmica   capitalista   por   conta   dos   gastos   de  diversas  ordens   (improdutivos,  em   infraestrutura,  decorrentes  de  guerras  e  outros)  adotados  como  politicas  anticíclicas  poderosas,  por  elevar  a  demanda  efetiva.    Uma   das   evidências   recentes   da   validade   dos   ensinamentos   oferecidos   por  John  Maynard  Keynes  e  Michael  Kalecki  foi  a  aplicação  de  estímulos  aplicados  pelo   governo   norte-­‐americano   para   fortalecer   a   demanda   agregada,   como  solução   para   a   crise   instaurada   no   ano   de   2008.   Guardadas   as   proporções,  esta  mesma  política  havia  sido  adotada  pelo  governo  Roosevelt  na  década  de  30  para  reativar  a  economia  estadunidense  com  base  nas  proposições  desses  dois  pensadores4.    

1.2.RAMIFICAÇÕES  DA  MACROECONOMIA    

1.2.1.  SÍNTESE  NEOCLÁSSICA  Vários   economistas   imediatamente     se   debruçaram   sobre   a   livro   A   Teoria  Geral   do   Emprego,   dos   Juros   e   da   Moeda   de   J.   M.   Keynes,   após   a   sua  publicação   em   1936,   procurando   dar   um   acabamento   formal   aos   nexos  existentes  entre  os  agregados  econômicos  para  se  alcançar  o  pleno  emprego.    Hicks  foi  o  economista  que  se  destacou  nesta  tarefa.5  A  elegância  matemática  e   as   proposições   teóricas   resumidas   por   esse   autor   fez   com   que   a  macroeconomia  fosse  absorvida  pelo  meio  acadêmico  e  politico  com  sucesso.  

4   Na   grande   depressão,   a   relação   entre   preços   e   nível   de   emprego   foi   interpretada  explicitamente  por  Keynes  como  sendo  a  deflação  a  principal  causa  do  desemprego:  os   empresários   não   investem   quando   o   preço   do   produto   está   caindo.   Assim,   um  conjunto   de   incentivos   foi   criado   para   dar  maior   liquidez   ao   sistema   econômico   ao  mesmo  tempo  que  se  aumentava  o  gasto  publico  procurando  justamente  estimular  a  demanda  agregada.    5   A  maioria   das   publicações  macroeconômicos   convencionais   apresentam   o  modelo  IS-­‐LM   desenvolvido   por   John   Richard   Hicks.   Ver,   contudo,   capítulos   3   e   5   de  Blanchard,   O.,   Macroeconomia,   Ed.   Campus,   2001,   que   desenvolve   de  maneira   bem  acessível  a  síntese  neoclássica.  .  

Ele   modelou   a   Teoria   Geral   estabelecendo   níveis   de   equilíbrio   entre   o  mercado   real   [investimento   (I)   e   Poupança   (S)]   e   o   mercado   monetário  [demanda   (L)  e  oferta   (M)  de  moeda].  Toda  a  modelagem  esta  ancorada  na  ideia   neoclássica   de   que   as   variações   na   quantidade   de   moeda   são  instantaneamente  recolhidas  pelos  preços,  justamente  por  que  os  indivíduos  nos   seus  processos  de  escolha  não   se  deixam  atrapalhar  pelas  variações  da  oferta   monetária   mantendo   a   relação   entre   os   preços   dos   bens   constante.  Somente   a   taxa   de   juros   varia   nominalmente,   ou   seja,   é   influenciada   pela  demanda  e  oferta  de  moeda  mas  não  é  influenciada  pelo  nível  de  preços.  Seu  exercício   associa-­‐se   as   variações   da   oferta   monetária   em   relação   a   sua  procura  determinando  o  equilíbrio  /  desequilíbrio  entre  os  mercados.    

A   síntese   neoclássica   ganhou   forte   aderência   no   ensino   da  macroeconomia  nas  universidades  por  conta  das  representações  geométricas  de  casualidade  entre  Produto  e  Renda  causadas  pelos  nexos  existentes  entre  os  mercado  real  e  monetário   (IS-­‐LM),  onde  o  equilíbrio   (desequilíbrio)  em  um  mercado,  por  tautologia,  significa  equilíbrio  (desequilíbrio)  no  outro.    Ate  meados  dos  anos  de   1970,   pode-­‐se   dizer   que   o   entendimento   das   variações   entre   IS-­‐LM  resumiam   todo  o   estudo  da  macroeconomia,   pelo  menos  nas  universidades  brasileiras.    

1.2.2  A  CURVA  DE  PHILLIPS  Em  1958  o  economista  Alban  William  Phillips  usando  dados  da  Inglaterra  de  1861   a   1957,   evidenciou     que   a   variação   entre   a   taxa   nominal   dos   salários  (inflação)  e  a  taxa  de  desemprego  era  negativa.  Essa  relação  ganhou  status  de  teoria   passando   a   ser   denominada   de   curva   de   Phillips.   Se   subia   o   salário  nominal  diminuía  o  desemprego  e  se  baixavam  os  salários,  ele  aumentava.  A  relação   entre   salários   e   preços   propiciou   a   investigação   entre   inflação   e  desemprego  como  mais  apropriado  para  fazer  política  econômica,  sem  perda  de  conteúdo  original  da  relação  entre  salários  e  taxa  de  desemprego.    

As   propostas   keynesianas   apoiadas   nos   gastos   públicos   para   estimular   a  Demanda  Agregada  com  vistas  a  aumentar  o  emprego  passavam  agora  pelo  crivo  da  curva  de  Phillips:   sua  construção  relacionava   taxas  de  desemprego  

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com  variação  de  preços  comprovava  empiricamente  a  existência  de  um  trade  off  entre  essas  desemprego  e  inflação  6.  A  evidência  de  que  havia  uma  relação  contrária  entre  a  taxa  de  desemprego  e  a  taxa  de  inflação  elevou  o  status  da  política   fiscal   e   monetária   não   somente   para   controlar   a   liquidez,   mas  fundamentalmente  para  avaliar  o   custo   inflacionário  das  políticas   fiscais  de  promoção   da   atividade   econômica   centradas   nos   déficits   públicos.   A  importância   desses   resultados   foram   naturalmente   pavimentando   a  aceitação   da   curva   de   Phillips   pelos   acadêmicos   e   pelos   formuladores   da  politica  econômica.    

No   inicio   dos   anos   de   1970,   ela   passou   a   ser,   contudo,   bastante   criticada.  Diversos   países   experimentavam   justamente   uma   relação   contrária   a  evidência   apresentada   pela   curva   de   Philips,   nos   anos   anteriores.   Taxas   de  inflação   e   desemprego   passaram   a   se   correlacionar   positivamente,   dando  origem   ao   que   ficou   conhecido   como   estagflação:   uma   mistura   de   inflação  com  estagnação  econômica.    

Essa  situação  atraiu  o  interesse  dos  economistas  para  investigar  a  fragilidade  da  teoria  de  Keynes  e  da  curva  de  Phillips,  que  tivera  outrora  uma  aceitação  inconteste.   Quatro   escolas   de   pensamento   macroeconômico   foram   se  fortalecendo,  cada  qual  com  sua  matriz  teórica  para  explicar  o  fenômeno  da  estagflação   e   posteriormente   se   consolidar   como   um   ramo   dos   estudos  macroeconômicos:   Monetaristas,   Novos   Clássicos,   Novos   Keynesianos   e  Estruturalistas.    

3.2.3  MONETARISTAS  Milton  Friedman,   capitaneando  a   linha  de  pensamento  monetarista,  mesmo  antes   de   investigar   os   resultados   da   curva   de   Phillips,   já   criticava   a   Teoria  Geral  do  Emprego,  Juros  e  Moedas  de  Keynes  afirmando  que  preços  e  rendas  nominais   são   funções   exclusivas   da   oferta   de   moeda   e   não   do   volume   da  

6.  Ver  Blanchard,  O.  op.cit.  e  para  contextualização  histórica  Humprey,  T.M  (1985);  The  early   history   of   the   Phillips   Curve.   http://ideas.repec.org/a/fip/fedrer/y1985isep-­‐octp17-­‐  24nv.71no.5.html  .  

demanda  agregada,  como  sugeria  os  keynesianos7.  Seu  argumento  apoiava-­‐se  no   sucesso   da   política   fiscal   expandindo   a   demanda   agregada   com   a  economia   perto   do   pleno   emprego   (taxa   natural   de   desemprego   no   longo  prazo).     O   resultado   seria   elevação   de   preços   e   da   taxa   de   juros   nominal  desestimulando   o   investimento,   que   é   o   principal   elemento   propiciador   da  demanda  agregada.  Assim,  Friedman  antevia  a  estagflação  que   se   instaurou  no   inicio  dos  anos  de  1970:  a  política   fiscal   só  poderia  ser  eficiente  quando  acompanhada   da   expansão   monetária   na   mesma   medida   que   aumenta   o  produto  por  conta  da  expansão  dos  gastos  públicos.    

Friedman  reviveu  a  Teoria  Quantitativa  da  Moeda,  construída  por  Fischer  no  início   do   século   XIX,   cuja   essência   sugeria   uma   oferta   monetária   servindo  exclusivamente  ao  mecanismo  de  troca8.  Qualquer  variação  da  quantidade  de  moeda   no   sistema   rebateria   exclusivamente   nos   preços.     Milton   Friedman  revelou   uma   demanda   pela   moeda   com   características   estáveis   cuja  sensibilidade  dependia  do  reconhecimento  social  dos  preços,  da  taxa  de  juros  e   do   nível   do   produto.   O   reconhecimento   da   demanda   por   moeda   pelas  autoridades   tornava   o   equilíbrio   no   mercado   monetário   meramente   uma  questão   de   calibragem   da   oferta   para   uma   demanda   (por   moeda)   com  características   estáveis.   Com   estas   condições,   o   exercício   da   política  monetária   sobre   rendas   e   preços   poderia   ser   coroado   de   sucesso   no   curto  prazo,   na   ocorrência   de   algum   desajustamento   entre   a   taxa   efetiva   de  emprego  e  a  taxa  natural  de  emprego  da  economia.    

Os   monetaristas,   embora,   aceitem   que   a   moeda   possa   exercer   efeitos   para  aumentar  o  emprego  no  curto  prazo,  quando  a  taxa  natural  de  emprego  ainda  não   foi   alcançada,   sugerem   que   a   sua   adoção   é   prejudicial   no   longo   prazo,  pois   a   oferta   de   produtos   está   limitada   no   longo   prazo:   o   crescimento   do  produto   depende   exclusivamente   de   variáveis   estruturais   que   aumentem   a  

7  Ver  Lopreato,  F.  L.  (2013);  Milton  Friedman  e  a  efetividade  da  política  fiscal,  Revista  de  Economia  Contemporânea,  vol.  17,  no  2,  maio-­‐agosto.    8  Essa  questão  será  abordada  com  mais  detalhes  no  capitulo  5  adiante.  

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produtividade   do   trabalho.   Os   aspectos   monetários,   nessa   linha   de  pensamento,  não  são  tão  importantes  como  educação  e  avanços  tecnológicos,  por  exemplo,  para  o  crescimento  do  produto.    

 De  resto,  no  debate  com  os  keynesianos,  a  linha  de  pensamento  monetarista  sugeriu   que   o   não   reconhecimento   pelas   autoridades   monetárias   das  pressões  de  demanda,  no  período  que  antecedeu  a  crise  de  1929  nos  Estados  Unidos,   foi   justamente   a   principal   causa   da     deflação   e   não   uma   suposta  insuficiência   de   demanda   efetiva,   como   pensou   Keynes.   Se   as   autoridades  tivessem  reconhecido  este  fato  certamente  teriam  providenciado  uma  maior  oferta   monetária   impedindo   que   o   processo     deflacionário   se   alojasse   no  sistema   econômico.   Esse   reforço   argumentativo   fortalece   a   utilização   da  política   monetária   ativa   alinhada   com   a   oferta   agregada   em   detrimento   a  política  fiscal  recomendada  pelos  seguidores  de  Keynes  nos  ajustamentos  da  economia  em  direção  ao  pleno  emprego9.  

No  final  dos  anos  de  1970,  Friedman  ampliou  a  macroeconomia  para  incluir  a  noção   de   expectativas   adaptativas.   Seu   enredo   era   que   as   funções   de  preferência  nos  processos  de  escolha  são  otimizadas  pelas  expectativas  que  os   indivíduos   formam  da  dinâmica  do  nível  de  preços  com  base  no  passado  recente.  Advogou,  também,  que  as  economias  caminhavam  para  ter  taxas  de  desemprego   naturais   e   que,   portanto,   as   variações   observadas   no  desemprego   seriam   friccionais.   Desse   modo,   sendo   o   processo   de   escolha  alicerçado   pelo   passado   e   a   taxa   de   desemprego   na   economia   natural,   o  processo   de   estagflação   seria,   no   limite,   decorrente   de   políticas  expansionistas  que  os   indivíduos  reconhecem  e  se  adaptam  com  a  restrição  da  plena  utilização  de  recursos.    

Assim,  os  monetaristas  defendem,  de  modo  geral,  que  os  estímulos  econômicos  oriundos  do  livre  jogo  das  forças  de  mercado  são    mais  eficazes  

9   Essa   observação   foi   extraída   de   conversa   de   botequim   com   Luís   Carlos   Delorme  Prado   que,   dentre   vários   aspectos,   procurava   retratar   a   astúcia   argumentativa   de  Friedman.    

do  que  os  estímulos  decorrentes  de  as  políticas  fiscal  e  monetária10.  Para  eles,  a   oferta  monetária   ao   longo  de   tempo  deveria   seguir   padrões  definidos   em  função   da   variação     do   produto   e   qualquer   politica  monetária   e   fiscal   além  desse   ponto   teria   a   propriedade   de   gerar   inflação   cujo   efeito   seria   inócuo  para   a   oferta   agregada,   anulando   possíveis   efeitos   sobre   a   demanda  agregado,  uma  vez  que  os  indivíduos  reconhecem  o  maior  volume  de  moeda  se  transbordando  sobre  os  preços  dos  bens  e  serviço.  O  mundo  pensado  pelos  monetaristas   se   aproxima   do   mundo   pensado   pelos   economistas   clássicos,  onde  a  moeda  é  exógena  ao  sistema  econômico  e  é  somente  um  veículo  das  trocas  entre  bens  e  serviços.  

1.2.4.    TEORIA  NOVO-­‐CLASSICA      Ainda  nesta  linha  de  argumentação,  Robert  Lucas  e  Thomas  Sargent,  no  inicio  dos   anos   de   1970,     desenvolveram   o   conceito   de   expectativas   racionais.   O  significado   difere   das   expectativas   adaptativas   justamente   devido   a  possibilidade   dos   indivíduos   anteciparem   o   comportamento   da   política  econômica  com  base  em  todas  as  informações  disponíveis  no  presente11.  Com  expectativas   adaptativas   a   política  monetária   no   curto   prazo   poderia   gerar  efeitos   reais   imediatos  pois   os   agentes   reagem,   se   adaptando,   a   política   em  vigor.    

A   ideia   de   expectativas   racionais   invalida   essa   proposição:   a   política  monetária    somente  teria  efeitos  reais  se  eles  não  fossem  antecipados  pelos  agentes   econômicos.   Quando   os   agentes   antecipam   “racionalmente”  determinada   politica   econômica,   eles   anulam   os   efeitos   pretendidos  politicamente.   Assim,   essa   linha   de   pensamento   anula   totalmente   o  

10   Ver,  Milton   Friedman   (1968);   The   Role   of  Monetry   Policy   in   American   Economic  Review,   vol.   58,   no   1,   1968,NY   e   Friedman,   M   (1970);   A   theoretical   framework   for  monetary  analysis.  Journal  of  Poiitical  Economy,  v.78,  no.2,  p.193-­‐238,  mar./apr.  11   Lucas,  Robert   (1973);   Some   International   evidence  on  output-­‐inflation   trade-­‐offs.  American   Economic   Review,   v.63,   n.3,   p.326-­‐334,   jun.;   Lucas,   Robert   &   Sargent  (1981);   After   keynesian  macroeconomics   in   Rational   expectations   and   econometric  practice.  Minneapolis:   University   of  Minnesota   e  Robert   Lucas   (1972);   Expectations  and  the  Neutrlity  of  Monetary  in  Journal  of  Economic  Theory,  v.  4,  no  2,  1972.  

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pragmatismo   da   teoria   keynesiana   centrada   na   politica   fiscal   e   monetária.  Claro   que   os   enfoques   das   expectativas   adaptativas   e   racionais   contem  questões  de  temporalidade  bastante  sensíveis.  No  limite,  podemos  dizer  que  essa  escola  ao  ampliar  o  conceito  de  expectativas  adaptativas  construindo  o  conceito  de  expectativas  racionais  nega  a  existência  do  tempo,  uma  vez  que  o  presente   é   algo   a   ser   definido   “racionalmente”,   o   futuro   ainda   não   é   real  senão  como  esperança  de  hoje  e  o  passado  não  existe  senão  como  recordação  presente.  

 Os   Novos   Clássicos   se   apoiam   também   nos   preceitos   dos   economistas  clássicos  da  busca  interesseira  pelos  indivíduos  na  maximização  de  seu  bem-­‐estar  como  o  principal  estimulo  para  a  eficiência  e  equilíbrio  econômico.    

1.2.5  OS  NOVOS  KEYNESIANOS  A   terceira   linha   de   pensamento  macroeconômico   é  mais   recente.   Surgiu   na  última   década   dos   século   passado   sob   a   denominação   de   “Os   Novos  Keynesianos”,  com  economistas  oriundos  principalmente  da  Universidade  de  Harvard   em   oposição   aos   Monetaristas   e   a   Teoria   Novo   Clássica:   na   sua  grande   maioria   seguidores   da   tradição   da   Universidade   de   Chicago.   Eles  renovam   os   ensinamentos   de   Keynes   elevando   o   status   da   política   fiscal   e  monetária   para   conserto   das   falhas   no   sistema   econômico12.     Economistas  como   Sachs,   Krugman,   Mankiw,   David   Romer   e   Blanchar   representam   os  expoentes  dessa  nova  vertente  econômica.  Atualmente  seus  manuais  são  os  mais  utilizados  no  ensino  da  macroeconomia.  O  argumento  central  dos  Novos  Keynesianos   reside   na   consideração   que   variações   na   liquidez   do   sistema  econômico   ajustam   preços   e   salários   com   certa   lentidão   e   enquanto   o  ajustamento   não   é   pleno   a   política   econômica   é   eficiente   para   modificar  rendas   e   preços.   Uma   política   fiscal   expansionista,   por   seu   lado,   expande   o  emprego  ampliando  a  demanda  agregada.    

12   Ver   sobre   os   Novos   Keynesianos   o   artigo   de   Sicsú,   J.   (1999);   Keynes   e   os   Novos  Keynesianos,  Revista  de  Economia  Política,  vol  19,  no  2,  abril-­‐junho,  RJ  

A  hipótese  central  é  que  os  agentes  formam  os  preços  e  tentam  sustenta-­‐los.  Modificações  seriam  decorrentes  de  alterações  nos  seus  custos  particulares.  Ou   seja,   está   suposto   aqui   que   há   rigidez   de   preços   na   economia   em   um  conjunto  de  bens  o  que   torna  atraente  o  exercício  da  politica  monetária,   tal  como  havia  advogado  Keynes.    

Os  Novos    Keynesianos  partem  da  ideia  bem  original,  por  exemplo,  de  que  os  salários   pagos   pelas   firmas   são   fixados   com   base   na   produtividade   do  trabalho.   As   empresas   não   seriam,   portanto,   motivadas   a   reduzir   salários,  uma   vez   que   a   eficiência   dos   trabalhadores   é   condicionada   aos   salários  recebidos.   Redução   salarial   para   conter   custos   desestimula   o   trabalhador  modificando   para   menos     a   produtividade   e,   portanto,   reduz   o   lucro13.   A  impessoalidade  do  mercado  também  contribuí  para  certa  rigidez  dos  preços  dos   bens   e   serviços   finais.   Mercados   imperfeitos   também   teriam   preços  rígidos  face  o  comportamento  das  empresas  líderes    que    cotam  seus  preços  na   margem,   de   modo   a   impedir   rebaixamento   pelas   firmas   menores  seguidoras  no  mercado  particular.    

1.2.6  ESTRUTURALISTAS  Outros  economistas,  sensíveis  ao  aspectos  estruturais,  explicam  as  variações  de  renda  e  preços  nominais  como  decorrência  da   insuficiência  de  oferta  em  determinados   segmentos.   Esses   preços   seriam   majorados   e   seus   aumento  seria   repassado   para   os   demais   preços   dos   produtos,   generalizando   a  elevação  de  preços  por  todos  os  produtos  da  economia.  Uma  vez  instaurado  a  elevação  generalizada  de  preços,  fica  difícil  reconhecer  qual  o  setor  produtivo  que   desencadeou   a   elevação   generalizada   de   preços.   Nesta   situação,   os  salários   rígidos   e   os   recursos   produtivos   acomodados   estruturalmente  estabelecem   espirais   inflacionárias   de   difícil   contenção,   pois   a   inflação   é  explicada   pela   inflação:   motivada   pelo   lado   real   da   economia   e   não   por  

13   Gordon,   R.   (1990).   What   is   new-­‐keynesian   economics?   Journal   of   Economic  Literature,  v.28,  p.1115-­‐1171,  sept.  e  Greenwald,  B.  &  Stiglitz,  (1987).  New  keynesian  and  new  classical  economics.  Oxford  Economic  Papers,  v.39,  no.1,  p.119-­‐132,  mar.    

 

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decorrência  de  aspectos  monetários.    

O   ambiente   de   estudo   dessa   linha   de   pensamento  macroeconômico   são   as  economias   em   desenvolvimento   ou   denominadas   de   “periféricas”.   Essas  economias   estão   longe   do   pleno   emprego   e   por   isso   os   processos  inflacionários   não   podem   ser   atribuídos   a   políticas   governamentais  expansionistas,  como  resulta  ser  nas  economias  desenvolvidas  onde  o  taxa  de  desemprego  encontra-­‐se  em  seu  nível  natural.  A  hipótese  central  dessa  escola  de   pensamento   é   que   existem   lógicas   de   organização   produtiva   bem  diferentes  nestes  países  em  relação  aos  países  desenvolvidos  ou  chamados  de  “países  centrais”.    

Nas   economias   periféricas   ou   em   desenvolvimento,   a   industrialização   teve  seu   curso   forçado   pela   hospedagem   após   a   Segunda   Guerra   Mundial   de  grandes   empresas   constituídas   nos   países   centrais.   Esse   tipo   de  industrialização  criou  oligopólios  cujas  características  notáveis  são  os  preços  rígidos  em  ambientes  com  capacidade  ociosa  estrutural.    Assim,  as  economias  que  forçaram  uma  industrialização  em  curto  espaço  de  tempo,  sofrem  com  a  existência  inevitável  de  “pontos  de  estrangulamento”,  com  os  quais  os  preços  são  detonados  quando  a  demanda  agregada  é  estimulada.  Para  essa  escola,  os  desajustes  da  economia  são  causados  por  desarranjos  estruturais  cujo  acerto  deve   ser   orientado  por   reformas   institucionais,   como  a   agrária,   cambial,   de  (tabelamento  de)  preços  e  outras  com  características  setoriais.  

13.  UM  POUCO  DE  HISTORIA    John  Maynard  Keynes  e  Michael  Kalecki  argumentaram  que  a  estabilidade  e  o  crescimento   econômico   resultam   de   os   empresários     responderem   com  prontidão  aos  estímulos  propiciados  pela  demanda  dos  consumidores  e  das  empresas.  Esse  processo  de  recepção  dos  estímulos  ficou  conhecido  como  O  Princípio  da  Demanda  Efetiva.    

No  ano  de  1933  a  economia  norte-­‐americana  havia  alcançado  14  milhões  de  desempregados:   um   perda   de   40%   de   postos   de   trabalho   em   relação   aos  níveis   anteriores   a   grande   depressão   de   1929.   Para   os   neoclássicos   o  

desemprego   não   prosperaria   por   conta   de   mecanismos   corretivos  proporcionados   pelo   livre   jogo   das   forças   de  mercado.   Aqueles   que   optam  por  não  trabalhar  o  fazem,  justificavam  eles,  por  motivos  voluntários.  Apesar  da   forte   evidência   contrária,   a   teoria   neoclássica   propalava   que   a   oferta  excedente   de   mão-­‐de-­‐obra   retornaria   as   fábricas   mediante   a   aceitação   de  menores  salários.  A  lógica  do  pensamento  neoclássico  era  assim  sintetizada:  menores   salários   propiciam   ganhos   marginais   de   produção   por   unidade  produzida.   Esse   ajustamento   portanto,   reproduz   ciclos   produção   –   renda  suficientes  para  alcançar  o  pleno  emprego.    

Tudo   se   passa   sob   a   existência   de   um   ciclo   virtuoso,   onde   a   produção  engendra   pagamentos   de   salários,   juros,   alugueis   e   lucro   pela   utilização   de  fatores   de   produção   (mão-­‐de-­‐obra,   capital,     recursos   naturais   e   capacidade  gerencial,  para  citar  os  mais  simples)  que  se  transformam  em  gastos,  pondo  em  marcha  a  produção.    

O   Principio   da   Demanda   Efetiva   adverte   justamente   o   contrário:   os  trabalhadores   resistem   a   redução   salarial   e   com   os   preços   dos   bens   finais  caindo,  desde  o   ano  de  1926,  os   empresários   eram  estimulados  a  demitir   e  não  a  investir.  De  fato,  com  salários  rígidos,  o  custo  do  trabalho  aumenta  em  época  de  deflação,  não  justificando  acréscimos  `a  produção.  Assim,  somente  é  ofertado  o  volume  de  emprego  que  proporciona  o  máximo  de  renda  que  será  obtida  em  relação  ao  custo  dos   fatores.  Resultado:  é  necessário  a  adoção  de  políticas  que  ampliem  a  demanda  agregada  para  estimular  os  empresários  a  ampliar  a  oferta  agregada  em  direção  ao  pleno  emprego.    

De   modo   estilizado,   reproduzindo   Keynes,   sendo   N   o   nível   de   emprego,  temos14:  

    Oferta  (Z)  =  θ  N      e      Demanda  (D  )=  η  N    

14  J.  M.  Keynes,  (  1972)  Teoria  geral,  do  emprego,  do  juro  e  da  moeda,  Capítulo  3,  Ed.  Saraiva.  

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Então,  no  limite:          D  =  Z  =  θ  N  

Assim,   se   D   >   Z   haverá   um   estimulo   para   os   empresários   aumentarem   o  emprego  (N),  que  ao  concorrerem  entre  si  pressionam  os  custos  dos  fatores,  até   o   ponto   em   que   o   valor   de   N   seja   tal   que   iguale   Z   e   D.   O   volume   de  emprego   (N)   é   plenamente   determinado   pelo   ponto   de   interseção   entre   a  oferta  agregada  (Z)  e  demanda  agregada  (D)  que  corresponde  a  maximização  das  expectativas  de   lucros  dos  empresários.    Este  é  um  princípio  poderoso,  pois   evoca   a   ideia   de   que   a   demanda   pode   ser   construída   e   o   emprego  aumentado.    

Em   um   modelo   ampliado,   a   demanda   efetiva   compreende   os   gastos   das  famílias  em  consumo    (C),  das  empresas  em  investimento  (I),  do  governo  em  infraestrutura   e   outra  despesas   (G)   e  das   aquisições  pelos  outros  países  de  nossos  bens  e  serviços,  representando  as  exportações    (X).    Assim  

 

 

 

    D  =  C  +  I  +  G  +  X  

 

 

Os   gastos   em   consumo,   investimento,   do   governo   e   demais   gastos   são  autônomos  e  a  existência  de  renda  não  é  condição  suficiente  para  que  ela  se  

transforme   em   despesa15.     O   princípio   da   demanda   efetiva   fica   assim  condicionado  a  autonomia  que  os  consumidores,  governo  e  empresários  tem  em  relação  ao  quanto  gastar  na  aquisição  em  bens  e  serviços  (Z).  A  rigor,  os  gastos   em  consumo  das   famílias   tendem  a   certa   constância  proporcional   as  suas  rendas  ao  longo  do  tempo.  Podem  ser  ampliados  ou  diminuídos  por  uma  série   de   incentivos   e   penalidades,   como   crédito,   tributos,   aversão   a  parcimônia   ou   a   gastança,   busca   de   status,   planejamento   dos   gastos   em  função   da   expectativa   de   renda   futura   e   outros   motivos,   mas   geralmente  permanecem   proporcionalmente   constantes   em   relação   ao   nível   de   renda,  pelos   menos   durante   alguns   anos,   se   nenhum   evento   forte   se   pronunciar,  como   guerras,   abalos   na   natureza   e   demais   eventos   que   possam   criar  expectativas   mudando   os   rumos   da   economia   e   da   organização   social.   Os  investimentos   e   gastos   do   governo   quando   estimulados   geram   emprego   e  uma   vez   iniciado   seu   ciclo   na   economia   aumentam   a   renda.   Já   com   as  exportações  os  incentivos  a  demanda  agregada  são  determinados  pela  renda  mundial  e  pelo  desejo  dos  parceiros  comerciais  em  ter  produtos  estrangeiros,  coisa  que  os  residentes  do  pais  tem  sobre  isso  muito  pouco  controle.  

Para  que  o  princípio  da  demanda  efetiva  cause  efeitos  benéficos  a  economia,  ele   deve   propiciar   expectativas   de   lucro   suficientemente   vantajosas  estimulando  os  empresários  a  empregarem  os  recursos  ociosos  na  produção.  O   lucro   do   empresário   é   resultado   do   valor   de   sua   venda  menos   os   gastos  com   os   trabalhadores   (salários),   com   o   pagamento   aos   outros   empresários  pela  utilização  de  serviços  habituais  e  bens  intermediários  mais  os  insumos  e  matérias  primas  requeridas  ao  processo  produtivo.  Esses   lucros   individuais  

15   Para   o   estudo   da   macroeconomia   é   importante   observar   que   a   renda   nacional  resulta  da  demanda  efetiva,  ou  seja  das  decisões  de  consumo,  de  investimentos  e  dos  gastos   do   governo.   Contudo,   a   queda   de   qualquer   destes   componentes   não   leva  automaticamente  a  um  aumento  do  outro.  A  experiência  das  empresas,  dos  indivíduos  e  do  governo  não  corresponde  ao  curso  da  economia  como  um  todo,  pois  os  efeitos  na  renda   nacional   são   amplificados   quando   os   componentes   da   demanda   efetiva   se  modificam,  diferentemente  da  renda  de  um  individuo  que  é  fixa.  

Demanda agregada Consumo

Investimento

Gastos do governo

Exportação

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somados   representam   o   lucro   total   da   economia   incluindo   portanto,   as  parcelas  destinadas  aos  pagamentos  aos  outros  empresários.    

Assim,   o   princípio   da   demanda   efetiva   é   operado   pela   própria   constituição  dos  lucros  que  aumentam  o  emprego  em  razão  direta  ao  consumo  de  bens  de  investimentos   e   de   consumo   de   “luxo”   exercido   pelos   empresários.   Na  literatura   marxista,   na   qual   Kalecki   se   apoiou,   essa   parcela   da   renda   é  denominada    de  excedente  econômico  ou  mais-­‐valia.    

O   excedente   econômico   historicamente   vem   sendo   constituído   pela  conjugação   das   habilidades   dos   trabalhadores   com   técnicas   cada   vez   mais  eficientes   propiciando   aumentos   de   produtividade   (produção   de   maior  quantidade  de  bens  no  mesmo  espaço  de  tempo),  que  elevam  tecnicamente  a  produção   a   níveis   inimagináveis.   Ele   constitui   a   riqueza   material   ou  patrimonial  da  sociedade,  concentrada  nas  mãos  dos  mais  “afortunados”.  Sua  grandeza   é   a   produção   excedente     ao   curso   dos   negócios   produtivos  dedicados  a  fabricação  dos  bens  e  serviços  destinados  a  reprodução  de  toda  a  sociedade:   o   que   excede   transforma-­‐se   em   excedente   econômico.   Como   a  produtividade   aumenta   com   o   avanço   das   técnicas,   o   tempo   de   trabalho  dedicado   a   constituição   dos   bens   e   serviços     é   cada   vez   menor,   sobrando,  portanto,  mais  tempo  para  se  dedicar  as  atividades  indiretas,  como  educação,  artes,  desenvolvimento  científico  tecnológico,  aprimoramento  das  funções  do  Estado   e   outras     que   no   curso   normal   do   desenvolvimento   da   humanidade  são   aplicadas   nos   melhoramentos   produtivos   engendrando   cada   vez   mais  excedente  econômico.        

Quando   maior   o   excedente   extraído,   melhores   condições   existem   para  encurtar   o   tempo   dedicado   a   constituição   dos   bens   materiais   e   serviços  essenciais   a   reprodução   das   sociedades.   Maior   será,   portanto,   a   riqueza  patrimonial.  Este  é  um  resultado  lógico  do  sistema  capitalista.  Mas,  também  é  lógico   que   os   indivíduos   que   operam   as   forças   para   a   constituição   do  excedente   econômico   o   disputem   de   modo   exemplarmente   vigoroso.     Os  empresários  procuram  aumentar  sua  parcela  aumentando  os  preços  de  seus  produtos   e   serviços,   os   trabalhadores   reivindicando   melhores   salários   e   o  

Estado   cobrando   impostos   para   o   exercício   de   atividades   básicas:  sobrevivência  política,  poderio  militar  e  garantia  de  paz  interna,  na  visão  de  Hobbes16,   para   citar   as   mais   tradicionais.   O   percurso   dessa   disputa   não   e  empiricamente  determinado,  pois  depende  dos  embates  que  se  exercem  para  operar   a   distribuição   e   utilização   do   excedente   entre   as   classes   e   grupos    sociais17.    

A   evidência   mostra   que   o   excedente   econômico   tem   crescido   de   maneira  exemplar   e   atualmente   é   enorme.   Ele   representa,   por   baixo,     a   soma   das  poupanças  disponíveis  no  mundo,  cujo  giro  diário  no  mercado  financeiro  nas  principais  praças  do  mundo  se  aproxima  a  30  bilhões  de  dólares.  Ele  pode  ser  estimado  também,  por  baixo,    pela  soma  dos  títulos  públicos  dos  governos  de  todos   os   países   cujo   valor   alcança   aproximadamente   65%   da   produção  mundial  que  girou  ao  redor  de  75  trilhões  de  dólares,  no  ano  de  2011,  pelas  contas  do  FMI.    Quando  empregamos  a  expressão    “por  baixo”,  ou  seja  valores  subestimados,  é  porque  o  excedente  é   toda  a   riqueza  acumulada,   reservada  em  estoque,  e  parcela  dela  não  necessariamente  encontra-­‐se  monetizada.    

Ele   é   também  bastante   concentrado.   Apenas   85   pessoas   detêm  os   recursos  patrimoniais   equivalente   a   3,5   bilhões   de   pessoas18.   No   sistema   em   que  vivemos   uma   das   questões   centrais   é   a   valorização   real   desse   excedente:  fazer   crescer   (um   estoque   de)   riqueza   através   da   criação   de   novos   bens   e  serviços   (fluxo)   operados   pela   demanda   efetiva.   A   tendência   secular   de  maiores  salários  e  maiores  lucros    causados  pelo  aumento  de  produtividade  e  

16     Thomas   Hobbes   na   publicação   de   Leviatã   (1651),   ponderou   a   existência   dos  Estados   e   dos   poderes   inerentes   constituídos   a   partir   da   ideia   seminal   de   que   os  membros   de   uma   sociedade   abrem   mão   de   sua   liberdade   natural,   formando   uma    autoridade   para   assegurar   a   paz   interna   e   a   defesa   comum   da   sociedade.   Ver  Vasconcelos,  V.  V.  As  Leis  da  Natureza  e  a  Moral  em  Hobbes.  Universidade  Federal  de  Minas  Gerais.  2004.    17  Uma  investigação  acerca  essa  questão  pode  ser  encontrada  em  Piqueti  (2012)  18   Pesquisa   da   Oxfam,   extraída   do   Jornal   O   Globo,   Caderno   de   Economia,   pag.   21,  24/01/2014.    

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a  amplificação  dos  serviços  com  o  avanço  técnico  são  fenômenos  inerentes  a  evolução  do  sistema  capitalista  e  constituem  sua  própria  autoflagelação,  pois  o   estoque   de   excedente   econômico,   retratado   pelo   poder   de   compra  acumulado,    requer  cada  vez  mais  engenhosidades  para  se  valorizar,  ou  pelo  menos  não  ver  diminuído  o  seu  valor.  

A   maior   liquidez   proporcionada   ao   sistema   econômico   pelas   instituições  financeiras   amplia   o   excedente   econômico   por   meio   da   maior   oferta   de  crédito,   do   aprimoramento   dos  mecanismos   de   alavancagem   patrimonial   e  criação  talentosa  de  derivativos.    O  poder  de  compra  acumulado  (poupança)  alimenta   o   princípio   da   demanda   efetiva   quando   transformado   em  investimento   (Keynes)   adicionado   ao   gasto   em   consumo   de   alta   renda  (Kalecki).   Neste   processo,   se   encontra   a   passagem   entre   o   lado   real   da  economia   e   o   lado   nominal   envolvendo   juro,   moeda   e   crédito   com   suas  instituições  bancárias  e  financeiras  

De   fato,     a   macroeconomia   lida   com   uma   variável   bastante   árdua   que   é   o  livre-­‐arbítrio   que   os   indivíduos   possuem.   Por   mais   que   a   macroeconomia  procure  manter  um  caráter  impessoal  do  processo  decisório,  o  livre-­‐arbítrio  se   aloja   nos   negócios,   nas   decisões   e   nas   vontades   causando   distintas  interpretações  de   riscos   financeiro.    Assim,  o  princípio  da  demanda  efetiva,  sob   certas   circunstâncias   e   condições,   pode   ter   um   alcance   limitado   para   o  equilíbrio  entre  oferta  e  demanda  agregadas,  tornando  o  sistema  econômico  recorrentemente  instável.  É  nesse  palco  de  instabilidade  e  flutuações  cíclicas  macroeconômicas   que   a   política   governamental   atua   para   induzir     certa  distribuição  de   renda,   condizente   com  o   crescimento  econômico  desejado  e  onde   a   manifestação   das   variações   de   preços   seja   estável   sem   causar  constrangimentos  ao  seu  balanço  de  pagamentos,  já  que  todos  os  países,  em  menor  ou  maior  grau,  são  interdependentes.  

1.4.  ANTECEDENTES  No  século  XIX,  o  economista  francês  Jean-­‐Baptiste  Say  (1803)  em  seu  Traité  d'Economique   Politique   estabeleceu   uma   máxima   para   explicar   o  funcionamento  do   sistema  econômico.  Ela   era  bastante   simples  e   com   forte  

poder  de  convencimento  recebendo,  por  isso,  o  status  de  lei:  a  Lei  de  Say:  “a  oferta  cria  sua  própria  demanda”.  

Ela   anuncia   que   a   fonte   da   demanda   é   o   fluxo   de   pagamentos   aos   fatores  gerado   a   partir   do   processo   de   produção.     Assim   entendido,   o   emprego   de  recursos  ociosos  aumenta  rendas  destinados  a  aquisição  de  um  volume  maior  de   produtos   em   relação   a   situação   anterior.   As   novas   rendas   constituídas  retomam,  através  de  atos  de  compra  e  venda,  ao  seio  produtivo  criando  mais  empregos   e   novos   produtos,   e   assim   sucessivamente.     Renda   é   igual   ao  Produto,   nesta   visão,   de   modo   inconteste.   Existiria   um   perfeito   equilíbrio  macroeconômico   entre   oferta   e   demanda   e   situações   fora   desta   norma  seriam  decorrentes  de  problemas  comerciais  e  financeiros  impedindo  que  as  compras  e  vendas  se  ajustassem  espontaneamente.  Sob  certas  circunstâncias,  a   moeda,   a   taxa   de   juros   e   o   crédito   podem   levar   temporariamente   a  economia  para  uma  situação  distante  do  equilíbrio,  mas  isso  certamente  seria  uma  situação  temporária,  no  entendimento  dos  adeptos  da  lei  de  Say.  

A   investigação   acerca   a   validade   da   Lei   de   Say   resultou   em   um     debate  caloroso  até  meados  do  primeiro  quartel  do  século  XX,  quando  essa  questão  foi   encerrada   com   os   estudos   de   Keynes   e   Kalecki,   como   mencionado  anteriormente.   Até   lá,   a   moeda   era   um   fenômeno   externo   ao   mundo  econômico.  O  núcleo  do  debate  manifestava-­‐se  na  avaliação  dos  méritos  que  a   produção   tinha   como   responsável   pela   criação   de   renda   destinada  totalmente   a   despesa.  De   fato,   bastaria   somente   a   criação   de   renda   com  os  pagamento   aos   fatores   de   produção   para   por   em   movimento   o   processo  produtivo,  ou  isso  seria  insuficiente,  uma  vez  que  depende  da  vontade  do  ser  humano  a  transformação  de    renda  em  despesa?    

Com  base  nos  escritos  de  Marx,  economistas  como  Rosa  Luxemburgo,  Tugan  Baranosvisk   e   o   próprio   Michael   Kalecki   procuraram   responder   a   essa  questão  advogando    que  o  processo  capitalista  de  reprodução  ampliada  gera  uma   renda   maior   que   o   gasto   e,   portanto,   leva   o   sistema   a   crises   de  realização,   ou   em   outras   palavras,   a   constituir   uma   “sobra   de   demanda  efetiva/poder  de  compra  acumulados  não  efetivado”  que  pode  não  se  ajustar  

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para    estimular  a  produção  corrente19.    

A   ideia   central   é   que   o   mundo   econômico   se   expande   na   busca   pelos  indivíduos  de  mais  e  maiores  lucros.  Esse  comportamento  organiza  sinergias  cujo  valor  do  produto  resulta  maior  do  que  o  valor  de  seu  custo  prévio  cotado  pelo    pagamento  da  mão-­‐de-­‐obra  e  encargos  com  o  capital  e  matérias  primas.  A   oferta   de   bens   e   serviços,   ao   por   em  marcha   pagamentos   aos   fatores   de  produção,   adiciona   “lucros”   ao   valor   de   venda   dos   produtos,   originando   a  renda   economicamente   excedente:   um   sobre-­‐produto,   um   produto  excedente.    Para  esses  autores,  diferentemente  dos  adeptos  da  Ley  de  Say,  a  natureza   da   produção   capitalista   forja   recorrentemente   instabilidades,  flutuações   e   crises   no   mundo   econômico,   pois   os   investimentos   que  compõem   a   demanda   efetiva   são   lançados     de   modo   desorganizado  exacerbando   a   competição   entre   eles   cujo   resultado   é   elevar   a   produção  acima  do  socialmente  desejado.  Assim,  ,  sob  condições  sobejamente  triviais,  o  mundo  econômico  aloja  em  sua  historia  capitalista  uma  insuficiente  demanda  efetiva  que  precisa  ser  continuamente  recomposta.        

Com  base  nos   esquemas  de   reprodução   ampliada  de  Marx,  destacaram  que  qualquer   expansão   da   produção   de   bens   destinados   aos   trabalhadores   não  gera  maior  renda  para  a  classe  dos  capitalistas,  pois  é  com  os  salários  pagos  pelos  capitalistas  que  os  trabalhadores  adquirem  seus  produtos  retornando,  assim,  para  o  bolso  do  capitalista,  na  mesma  medida,  a  renda  gasta  por  eles.  O  lucro   macroeconômico   advém   da   recomposição   de   uma   demanda   efetiva  

19  Ao  vender  sua  mercadoria,  o   capitalista  obtém  um  montante  de  dinheiro   igual  ao  que   é   necessário   para   compra-­‐la:   toda   venda   corresponde   a   uma   compra   de   igual  valor.   Mas   o   capitalista   não   compra   sua   própria   mercadoria.   Como   parte   de   sua  receita   ele   adquire   de   outros   capitalistas   os   meios   de   produção   necessária   para  manter   em   movimento   sua   própria   atividade.   Com   outra   parte,   de   seu   lucro,   ele  compra   um   volume   adicional   de  meios   de   produção   para   ampliar   sua   atividades.   A  terceira   parte   ele   compra   bens   de   consumo   próprio.   Assim,   a   receita   total   de   um  capitalista   se   distribui   de  diferentes  modos,   podendo   ser   o   total   ou  partes   dele   não  efetivada  o  que  resulta  em  crises  de  realização.  

centrada   nas   vendas   de   bens   de   investimento   (Tugan  Baranovisk),  mais   os  bens   de   luxo   (Michael   Kalecki)   ou   daqueles   bens   dedicados   ao   mercados  externos   ao   sistema   capitalista   (Rosa   Luxemburgo).     Desse   discernimento,  deriva  a  organização  de  competências  no  sistema  capitalista  para  ampliar  a  demanda  efetiva,  como  as  guerras,  a  obsolescência  planejada  de  produtos,  a  busca  de  mercados  externos  e  os  gastos   improdutivos  do  Estado,  para  citar  os  mais  visíveis.    

De   fato,   desde   a   revolução   industrial   do   século   XIX,   a   produção   conta   com  uma  oferta  de  bens  tecnológicos  que  proporcionam  aumentos  cada  vez  mais  amplificados  da  produtividade  do   trabalho.  Em   termos  econômicos,  um  dos  principais   efeitos   da   revolução   industrial,   associado   ao   avanço   técnico  produtivo,   foi   justamente   propiciar   a   criação   de   industrias   produtoras   de  bens  de  capital  que  produzindo  máquinas   fazem  novas  máquinas  que  criam  outras   máquinas,   e   assim   sucessivamente   -­‐   cada   uma  mais   eficiente   que   a  anterior.    Assim,  a  produção  foi  se  estruturando  em  três  categorias  de  bens.  Bens   de   investimento   que   requerem   transformações   tecnológicas   inter  setoriais   devido   a   natureza   de   sua   produção   voltada   para   aumentar   a  produtividade  do  trabalho  na  economia.  Bens  de  luxo  dedicados  as  classes  de  maior   renda   e   diretamente   vinculada   ao   excedente   econômico   ou   lucro   da  economia.  Bens  de  consumo  popular  que  são  caracteristicamente  intensivos  em   mão-­‐de-­‐obra.   A   relação   entre   a   utilização   de   mão   de   obra   e   capital   é  geralmente  favorável  a  utilização  da  primeira  na  produção  de  bens  populares  e  inversa  na  produção  de  bens  de  capital  e  de  luxo.      

Com   a   revolução   industrial   no   século   XIX   constituindo   um   vigoroso   setor  produtor  de  bens  de  capital  (que  antes  não  existia),    a  indústria  não  encontra  os  limites  técnicos  a  sua  expansão  determinados  pela  finitude  da  mão  de  obra  e  do  dia  só  ter  24  horas.  No  caso  da  manufatura,  estágio  anterior  a  revolução  industrial  inglesa,  o  alcance  da  produção  era  limitado  pelas  ferramentas  que  qualificavam  seus  braços,  suas  perna  e  demais  membros  do  corpo  humano  de  modo   exemplar,   facilitando   o   processo   produtivo.   O   sentido   econômico   da  revolução  industrial  foi  justamente  o  de  permitir  a  transposição    desses  dois  obstáculos  naturais   criando    máquinas  que  no   limite   repetem  ao   infinito   as  funções   humanas.   É   na   possibilidade   de   uma   produção   ilimitada  

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tecnicamente,   em   contraposição   ao   constrangimentos   originados   pela  distribuição  de   renda,   pelas   forças   da     natureza   e   pelo   livre   arbítrio   do   ser  humano,   que   se   encontra   justamente   a   instabilidade,   flutuações   e   crises  econômicas;  o  potencial  de  oferta  é  maior  do  que  a  demanda.    

***  

A   macroeconomia   vem   sendo   palco   de   aperfeiçoamentos   e   discussões   que  sugerem   certo   distanciamento   de   uma   estrutura   teórica   única.   Procuramos  retratar  um  enfoque  macroeconômico  a  partir  de  elementos  comum  entre  as  escolas,   não   estabelecendo   portanto   posições   conflituosas.   Não   obstante,  algumas  questões   são   abordadas   sob  um  ponto  de  vista  politico   fugindo  da  modelagem  usual  da  macroeconomia,  como  veremos  mais  a  frente.    

Por  fim,  apesar  do  estudo  da  macroeconomia  ser  eminentemente  pragmático,  vale   distinguir   as   apreciações   de   caráter   valorativo   que   evocam   a   ideia   de  juízo   de   valor   -­‐   economia   normativa   -­‐   das   apreciações   de   caráter   factual   -­‐  economia   positiva.   Esta   última   preocupa-­‐se   com   a   descrição   de   fatos,  circunstâncias   e   relações   na   economia.   Qual   a   taxa   de   desemprego   atual?  Como   um   nível   mais   elevado   de   inflação   afeta   o   emprego   dos   fatores   de  produção?  Em  que  medida  um  imposto  sobre  a  gasolina  afeta  o  seu  consumo?  Estes   são   exemplos   de   problemas   que   apenas   podem   ser   resolvidos   com  referência   a   fatos   e   que,   portanto,   são   determinados,   geralmente,   de   forma  empírica.   Podem   ser   problemas   fáceis   ou   complicados,   mas   todos   eles   se  situam  na  esfera  da  economia  positiva.    

A   ação   dos   formuladores   da   política   pertence   ao   campo   da   economia  normativa  que  envolve  julgamentos  éticos  e  de  valor.  Qual  o  nível  de  inflação  que  deve  ser  tolerado?  Deverão  os  impostos  afetar  mais  os  ricos  para  ajudar  os  pobres?  Deverá  a  despesa  com  o  setor  de  saúde  pública  ser  financiada  pela  Contribuição   Provisória   sobre   Movimentação   Financeira   (CPMF)   ou   outra  modalidade  de  imposto  deve  ser  criada?  Estas  são  algumas  questões  que  têm  valores   profundamente   enraizados   ou   julgamentos   de   natureza   moral.  Podemos  discuti-­‐los,  mas  não  resolvê-­‐los  através  da  ciência  ou  do  apelo  aos  

fatos.  Não  existem  respostas  certas  ou  erradas  acerca  do  nível  que  a  inflação  deva   ter,   do   nível   de   pobreza   que   deva   ser   admitida   ou,   ainda,   do   nível   de  gastos   com   a   saúde   pública   que   o   país   necessita.   Estes   problemas   são  resolvidos  com  ações  políticas.  

   

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2.  O  PRODUTO  O   estudo   da   macroeconomia   requer   o   conhecimento   prévio   da   construção  dos   agregados   econômicos.    Mensuramos   o   produto   de   uma   economia   e   as  partes   que   o   compõem  aplicando  princípios   contábeis   e   denominamos   esta  parte   do   estudo   da   macroeconomia   de   Contabilidade   Nacional.     As   contas  nacionais   fornecem   as   medidas   efetivas   dos   agregados   econômicos   que  compõem   a   estrutura   funcional   do   Produto   e   da   Renda   de   um   país.   A  contabilidade   nacional   não   somente   fornece   medidas   de   desempenho   da  economia   mensuradas   pela   produção   de   bens   e   serviços,   mas   também  evidencia   as   relações   funcionais   entre   elas   partindo   de   três   variáveis  macroeconômicas   básicas:   Produto,   Renda   e   Despesa.   Os   bens   e   serviços  produzidos   (produto)   significam   dispêndios:   despesa   com   os   fatores   de  produção   que   serão   consumidos   por  meio   da   renda   paga   aos   proprietários  dos   fatores  de  produção.  Assim,  a  Renda,  a  Despesa  e  o  Produto  podem  ser  decompostos  em  termos  de  os  agregados  econômicos;  tributação  e  gastos  do  governo,   rendas   dos   exportadores   e   gastos   com   importação,   poupança   e  investimento  e    os  pagamento  aos  fatores  de  produção20.  

O   Produto   Nacional   Bruto   (PNB)   e   o   Produto   Interno   Bruto   (PIB)   são   as  medidas  mais  divulgadas  pelos  meios  de  comunicação.  O  PNB  e  o  PIB  são  as  medidas   agregadas   de   tudo   o   que   foi   produzido   em   termos   de   bens   finais  pelos  fatores  de  produção  que  são  à  força  de  trabalho,  os  recursos  naturais  e  o   capital   e   suas   contrapartidas   nominais   são   os   salários,   alugueis   e   juros,  respectivamente.  

O   PNB   contabiliza   os   rendimentos   dos   fatores   nacionais   de   produção  localizados   no   país   e   no   exterior.   Ao   mesmo   tempo,   não   considera   o  rendimento   auferido   pelos   fatores   de   produção   de   propriedade   de   não-­‐residentes   dentro   das   fronteiras   do   país.   As   entradas   e   saídas   desses  rendimentos  são  contabilizadas  no  Balanço  de  Pagamentos  e  representam  os  pagamentos   e   recebimentos   devidos   a   juros,   lucros,   dividendos,   royalties,  ordenados   e   salários   ao  pessoal   trabalhando  no   estrangeiro   e   também  pela  

20  Ver  IBGE,  notas  metodológicas,  2008.  

utilização  de  marcas   e  patentes,   dentre  outros.  A  diferença   (saldo)   entre   as  entradas  e   saídas  desses  pagamentos   registrado  no  Balanço  de  Pagamentos  do  país  é  denominada  de  renda  líquida  enviada  ao  exterior  (RLEX).      

O  PIB,  por  seu  lado,  evoca  a  ideia  de  território.  Ele  mensura  o  valor  total  dos  bens  e  serviços  finais  produzidos  dentro  das  fronteiras  do  país  independente  da  propriedade  dos  fatores  de  produção,  sejam  eles  nacionais  (residentes)  ou  estrangeiros   (não   residente).  Assim,   o  PIB   tende   a   ser  maior  do  que  o  PNB  nos   países   em   desenvolvimento   ou   subdesenvolvidos,   já   que   contabiliza   as  saídas   de   renda   das   filiais,   subsidiárias   ou   controladas   de   multinacionais  dentro   das   fronteiras   nacionais,   que   geralmente   são   superiores   a   renda  recebida  pelos  residentes  dos  seus  investimentos  feitos  no  exterior.  

Na  passagem  dos  anos  80  para  os  anos  90  no  século  XX,  a  maioria  dos  países  passou  a  adotar  políticas  neoliberais   favorecendo  o   livre   jogo  das   forças  de  mercado   em   detrimento   `as   ações   governamentais   reguladoras   dos  mercados.   Com   esse   contexto,   os   investidores   sentiram-­‐se   a   vontade   para  transladar   seu   capital   para   os   países   que   ofereciam   maior   rentabilidade.  Empresas   passaram   a   adotar   uma   lógica   de   maximização   de   lucros   e  crescimento   da   firma   fragmentando   os   seus   processos   de   produção   entre  vários   países   de   modo   a   constituir   produtos   mais   baratos   do   que   aqueles  produzidos   em   uma   só   localidade.   Esse   processo   ficou   denominado   de  globalização  produtiva.    

Assim,  os  investimentos  diretos  externos  e  os  fluxos  internacionais  de  bens  e  serviços  aumentaram  substancialmente  ao  final  do  século  XX.  Pelos  dados  da  UNCTAD  entre  1980  e  90  o  crescimento  dos  fluxos  de  investimentos  externos  diretos   no   mundo   foi   de   283%.   Nos   dez   anos   seguintes   o   crescimento  alcançou  a  surpreendente  marca  de  567%.  No  ano  de  2008,  o   fluxo  total  de  investimento   externo   direto   foi   de   1,7   trilhões   de   dólares.   No   ano   de   1980  esse  valor  representava  apenas  54  bilhões  de  dólares.  No  período  de  1990  a  2000  o  crescimento  do  comércio  internacional  foi  de  85%  e  entre  o  ano  2000  e  2008  o  crescimento  foi  de  149%,  totalizando  um  comércio  neste  último  ano  de  16  trilhões  de  dólares.  Assim,  a  maioria  dos  países  passou  a  enfatizar  mais  

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a  divulgação  do  PIB  do  que  o  PNB  caracterizando  com  mais  propriedade  as  condições  e   circunstâncias  de  geração  de  valor  do  mercado  doméstico,   com  certa  independência  da  origem  do  capital  que  o  constitui.    

O  PNB  e  o  PIB,  bem  como  a  contrapartida  Renda,  nos  fornecem  informações  agregadas.  Suas  quantificações   representam  o  quanto  de  produtos   finais   foi  constituído,   em   determinado   período   pelas   habilidades   das   forças   de  trabalho   intermediadas   pelas   técnicas   de   produção   existentes.   Os   papéis  desempenhados  pelas  instituições  privadas  e  públicas  na  geração  do  produto,  as  capacidades  técnicas  de  produção,  as  habilidades  das  forças  de  trabalho  e  toda  uma  rede  complexa  de  fatores  intervenientes  na  vida  social  de  um  povo  influenciam   a   quantidade   de   produtos   gerados   socialmente.   Isoladamente,  contudo,  essas  medidas  pouco  informam  sobre  vários  aspectos  relacionados  à   saúde,   educação,   segurança   e   bem-­‐estar   da   sociedade.   Por   hora,   vamos  tratar  tanto  o  PNB  quanto  o  PIB  simplesmente  como  Produto.    

A  medida  do  Produto   representa   o   valor   de   todos   os   bens   e   serviços   finais  correntemente  produzidos  na  economia  e  avaliados  a  preços  de  mercado.  É,  portanto,   uma   medida   básica   do   esforço   da   comunidade   frente   a   suas  condições   históricas   e   regionais   na   criação   de   mercadorias,   em   um   dado  período.   Inclui   o   valor   de   bens   produzidos,   como   automóveis,   aves,   e   ovos,  juntamente   com   o   valor   de   serviços,   como   o   corte   de   cabelos   ou   o  atendimento  médico.    

Do  conceito  de  Produto  depreendemos:    

a) A   renda   total   dos   assalariados   e   daqueles   que   recebem   juros,  alugueis,  lucros  e  dividendos  origina-­‐se  na  criação  do  Produto.  

b) A  despesa  agregada  com  bens  e  serviços  na  economia  é  igual  ao  valor  do  Produto.      

A  mensuração  do  produto  não  inclui  certas  atividades  econômicas  difíceis  de  medir,   tais   como;   poluição,   agressão   ao   meio   ambiente,   o   trabalho   de  

voluntários,   os   serviços  domésticos   realizados  pelos   cônjuges   e   a  perda   em  eficiência   e   produtividade   devidas   a   fatores   externos   (custo   Brasil,   por  exemplo).  No  Brasil,  estima-­‐se  que  parcela  razoável  do  produto  é  constituída  por  trabalhadores  informais  (vendedores  ambulantes  e  aqueles  que  prestam  serviços     sem   carteira   assinada,   por   exemplo).   Essa   parcela   de   produção   e  outras,  como  a  obtida  através  de  trabalhos  voluntários,  não  são  incluídas  no  PIB,   uma   vez   que   não   geram   contrapartidas   em   pagamentos   nominais   aos  fatores  de  produção.  

De   fato,   a   maioria   dos   países   não   fornece   estatísticas   oficiais   de   algumas  realidades  da  vida  moderna.  Os  engarrafamentos  de  trânsito  requerem  maior  produção  de  combustível,  bem  como  reduz  a  vida  útil  dos  veículos.  O  tabaco,  além   de   fazer   parte   do   produto,   eleva   os   custos   com   a   saúde   de   camada  expressiva   da   população   (parcela   dos   fumantes   ativos   e   passivos).   Há  evidências   científicas   de   que   substâncias   fabricadas   pelo   homem   estão  destruindo   a   camada   de   ozônio   que   protege   animais,   plantas   e   seres  humanos  dos  raios  ultravioletas  emitidos  pelo  Sol.  O  governo  e  as  empresas  (gastam)   contratam   instituições   especializadas   no   monitoramento   e  descobrimento   de   produtos   e   processos   produtivos   que   atenuam   ou  extingam  os  efeitos  maléficos  causados  pelo  avanço  do  progresso  industrial.  Novos   medicamentos   são   criados   para   combater   doenças   causadas   pela  poluição  ambiental  e  de  pele  devido  a  maior  incidência  de  raios  ultravioletas.  Estudos   de   logística   vêm   sendo   demandados   para   reduzir   custos   causados  pela  ineficiência  dos  transportes.  A  maior  incidência  de  criminalidade  requer  novas  armas  e  aparato  policial  mais  abrangente,  etc.    

Estas   perdas   e   ganhos   tendem   a   ser   ignoradas   pelas   estatísticas  governamentais  que  mensuram  o  Produto  a  partir  de    cálculos  que  requerem  somente  os  gastos  efetivos,  não   interessando   se  eles   foram  compensatórios  ou   não   em   relação   aos   malefícios   causados   pelo   progresso   técnico   ou  ineficiência  econômica.    

Sanuelson  &  Nordhaus  (2001)  caracterizam  que  com  a  intenção  de  corrigir  a  ênfase  excessiva  dada  pelo  PNB  e  pelo  PIB  à  produção  material,  uma  medida  

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diferente   da   vida   econômica,   chamado   bem-­‐estar   econômico   líquido   (ou  BEEL),  foi  proposta  nos  Estados  Unidos.  O  BEEL  tem  crescido  desde  1929,  o  que  faz  pensar  que  os  níveis  de  vida  efetivos  têm  aumentado.  Mas  o  BEEL  tem  crescido   menos   depressa   que   o   PIB   medido   convencionalmente,   o   que  confirma  que  a  mera  avaliação  monetária  a  preços  de  mercado  deixa  escapar  muitos   aspectos   importantes   da   vida   econômica.   Muitos   países   atualmente  têm   se   preocupado   em   mensurar   os   efeitos   deletérios   no   meio   ambiente  causado   pelo   progresso   econômico   e   ineficiência   econômica,   inclusive   o  Brasil,  para  propor  medidas  concretas  de  acerto  produtivo  com  preservação  ambiental  e  maior  bem-­‐estar  social.  

No   ano   1993,   o   PNUD   (Programa   das   Nações   Unidas   para   o  Desenvolvimento)  desenvolveu  e  passou  a  recomendar  a  indicação  do  IDH  –  Índice   de  Desenvolvimento  Humano   –   como   indicador   do   desenvolvimento  dos   países.   A   sua  metodologia   usa   como   parâmetros   não   somente   a   renda,  mas   também   índices   de   longevidade   e   nível   educacional.   No   rank   de   177  países   que   participam   das   Nações   Unidas,   o   Brasil   alcançou   a   84ª   posição  ficando  atrás  de  países   como  o  Uruguai,  o  Panamá  e  a  Argentina  no  ano  de  2010,  para  citar  somente  aqueles  dentre  os  países  da  América  Latina.      

Esta,  inclusive,  tem  sido  uma  tendência  cada  vez  mais  presente  na  economia  contemporânea:   a   indicação   e   elaboração   de   pesquisas   que   apontem   não  somente   o   alcance   da   produção   com   base   na   disponibilidade   dos   recursos  produtivos,  mas  sim  a  adequada  consideração  com  os  processos  produtivos  de   forma   global   com   vistas   ao  melhoramento   dos   indicadores   sociais.   Para  reforçar  essa  argumentação,  vale   frisar  que  algumas  empresas,  sob  o  manto  universal   da   preservação   ambiental   e   busca   por   um   maior   bem-­‐estar   da  população,  têm  dedicado  parcelas  de  seus  investimentos  a  projetos  de  cunho  social   e   frequentemente   apresentam   em   seus   balanços   os   investimentos  sociais  que  fizeram.  

2.1.  A  MENSURAÇÃO  DO  PRODUTO  E  DA  RENDA  As  medidas  do  Produto  referem-­‐se  ao  valor  de  todos  os  bens  e  serviços  finais  na  economia  num  dado  período.  Inclui  o  valor  de  bens  como  bicicletas  e  suco  

de  laranja  e  o  valor  de  serviços  de  corretagem  de  títulos,  transporte,  serviços  médicos,   etc.   Cada   item   é   avaliado   ao   preço   de   mercado,   sendo   todos   os  valores   dos   bens   finais   somados   para   se   obter   o   Produto.   Numa   economia  simples   que   produz   vinte   bananas,   cada   avaliada   a   30   centavos,   e   sessenta  laranjas  avaliadas  a  25  cada,  o  Produto  seria  igual  a  R$  21  (21  =  0,30  x  20  +  0,25  x  60).    

Há   certas   sutilezas   no   cálculo   do   Produto.   Em   primeiro   lugar,   estamos  falando  de  bens   e   serviços   finais.  A   ênfase  na  palavra   final   é  uma   forma  de  termos   a   certeza   de   não   estarmos   incorrendo   em   dupla   contagem.   Por  exemplo,   não   devemos   incluir   o   preço   total   de   um   automóvel   no   Produto  depois   incluir   também  o  valor  dos  pneus  que   foram  vendidos  ao   fabricante  do   automóvel.   Os   componentes   do   carro,   vendidos   pelos   fabricantes,   são  chamados   de   bens   intermediários   e   seu   valor   é   incluído   no   Produto   ao   ser  contabilizado  o  custo/preço  do  automóvel.  

Na  prática,   evita-­‐se   a   dupla   contagem   trabalhando   com  o   conceito   de   valor  adicionado   ou   agregado.   A   cada   etapa   da   produção   de   um   bem,   somente   o  valor   adicionado   ao  produto  naquela   etapa  da   fabricação   conta   como  parte  do   valor   do   produto.   O   valor   do   algodão   retirado   da   terra   improdutiva  inicialmente   pelo   camponês   tem   valor   porque   o   camponês   transformou   a  terra   em   algo   de   valor:   plantação   de   algodão.   A   seguir   o   valor   do   fio  produzido  pelo   tecelão   com  o  algodão  menos  o  valor  deste   (o  algodão),   é  o  valor  adicionado  ao  algodão  que  o  transforma  no  fio  do  tecelão.  Continuando  esse  processo;  o  fio  incorpora  certo  valor  através  do  trabalho,  ou  processo  de  transformação,   fazendo   surgir   o   tecido   e   o   tecido,   sofrendo   processo  semelhante,   em   camisa.   A   soma   dos   valores   adicionados   a   cada   etapa   do  processo   produtivo   será   igual   ao   valor   da   camisa   vendida.   Em   outras  palavras,  o  valor  adicionado  em  cada  etapa  produtiva  é  igual  ao  preço  do  bem  ou   serviço   subsequente   menos   os   preços   dos   insumos   imediatamente  antecedente.   Os   pagamentos   aos   fatores   de   produção   em   cada   etapa  produtiva   dentro   da   indústria   têxtil,   por   exemplo,   são   entendidos   como  fluxos   de   renda   e   correspondem  à   sua   soma   ao   valor   dedicado   ao   setor   de  confecções.  Este,  por  sua  vez  acrescenta  valor  à  cadeia  produtiva  ao  produzir  os  artigos  de  vestuário,  colocando  por   fim  a  disposição  do  comerciante,  que  

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acrescenta  mais  valor  ao  aproximar  esses  artigos  do  consumidor  final.    

O   valor   que   se   adiciona   ou   se   agrega   nas   distintas   etapas   compõe   um  processo   de   transformação   engendrado   pelo   trabalho   humano.   Ademais,   o  maquinário,   as   instalações,   os   métodos   de   gestão   (financeira,   produtiva,  contábil,  etc.)    e  demais  materiais  que  entram  na  composição  de  um  produto  final   foram   criados   também,   no   passado,   pelo   trabalho   humano.   Assim,   o  Produto   representa   a   medição   do   “esforço   humano”   histórica   e  regionalmente  determinado.  Quando  mais  desenvolvido  um  país  menor  será  o  esforço  humano  dedicado  a  reprodução  social,  ou  alternativamente  maior  será  o  produto  social,  por  conta  do  desenvolvimento  tecnológico  acumulado.  De   fato,   quanto   mais   desenvolvido   um   país   menor   será   o   esforço   humano  “presente”  na  elaboração  dos  bens  que  atendam  as  necessidades  materiais  de  seus   cidadãos,   conquanto   maior   seja   o   estoque   de   maquinário   e  desenvolvimento   tecnológico   acumulado.   Em   2005   estima-­‐se   que   o   PIB  brasileiro   foi   superior   a   600   bilhões   de   dólares   enquanto   o   do   EUA   foi  superior  a  11  trilhões  de  dólares!    

O  Produto  é  mensurado  em  termos  nominais,  isto  é,  em  termos  de  preços  dos  produtos   observados   no   mercado.   Contudo,   os   pagamentos   efetuados   aos  fatores  de  produção:   salários   e   lucros   (inclui   rendas  do   capital:   dividendos,  aluguéis,   juros,   tributos   e   subsídios   governamentais),   para   a   constituição  daqueles   produtos   formam   a   Renda   da   economia.   Assim,   Renda   é   igual   ao  Produto.    

O   Produto   e   a   Renda   consistem   no   valor   correntemente   produzido.   Ficam  excluídas   não   só   os   insumos   e   bens   intermediários,   mas   as   transações   de  bens  já  existentes,  como  moradias  ou  obras  de  arte  antigas.  Contabilizamos  a  construção   de   novas   casas,   ou   a   reforma   das   já   existentes   como   partes   do  Produto,   porém   não   adicionamos   as   transações   comerciais   dos   imóveis   já  existentes  e  dos  automóveis  de  segunda  mão.  Contamos,  contudo,  como  parte  do   Produto   o   valor   dos   honorários   dos   corretores   de   imóveis   e   de  automóveis.   O   corretor   fornece   um   serviço   ao   aproximar   vendedor   e  comprador   de   coisas   construídas   no   passado   e   isso   é   considerado   um  

trabalho  especializado  no  tempo  presente.    

Quando   contabilizamos   todas   as   transações   efetivadas   em   um   período   ¬  incluindo  os  insumos  e  demais  compras  e  venda  ¬  denominamos  esta  medida  de  Valor  da  Produção.    

A  mensuração  do  Produto  é  feita  a  preço  de  mercado  ou  a  custo  de  fatores.  É  importante   saber   que   os   preços   de   mercado   incluem   impostos   indiretos,  como  o  imposto  sobre  vendas  e  vários  impostos  de  consumo,  e  assim  o  preço  de  mercado   dos   bens   não   é   igual   ao   preço   contabilizado   pelo   vendedor   da  mercadoria.  O  preço  da  mercadoria  líquido  de  impostos  indiretos  (IPI  e  ICMS,  por  exemplo)   constitui  o   custo  de   fábrica  que  vem  a   ser  a  quantia   recebida  pelos   fatores   de   produção,   deduzida   de   encargos   tributários,   que  participaram  na  fabricação  do  produto  (  custo  dos  fatores).  O  Produto  pode,  portanto   ser   avaliado   a   preço   de   mercado   e   a   custo   de   fatores   (exclui   os  impostos).   Esse   ponto   torna-­‐se   importante   ao   relacionarmos   o   Produto   à  Renda  recebida  pelos  fatores  de  produção,  pois  parte  desta  ultima  compõe  a  receita  do  estado.  

2.1.1  DISTINÇÃO  ENTRE  PRODUTO  BRUTO  E  PRODUTO  LÍQUIDO  O  Produto  Liquido   (PL)  distingue-­‐se  do  Produto  Bruto  pela  dedução  que  se  faz   desse   último   da   depreciação   do   estoque   de   capital   que   acontece   no  decorrer  do  período.  Por  exemplo,  uma  dona  de  casa  vê  sua  casa  se  depreciar  com  o   tempo  e  o  empresário  observa  suas  máquinas  se  desgastarem  com  o  uso.   Se   não   se   empregassem   recursos   para   manter   ou   substituir   o   capital  existente   depreciado,   o   produto   não   poderia   ser   mantido   em   seu   nível  corrente.   Assim   utilizamos   o   conceito   de   PL   como   medida   da   taxa   de  atividade  econômica  que  poderia   ser  mantida  por   longos  períodos,  dados  o  estoque   de   capital   e   força   de   trabalho   existente.   A   depreciação   é   aquela  parcela  do  produto  que  deve  ser  assegurada  para  se  manter  a  capacidade  de  produção  da  economia  no  nível  preexistente  e  assim  a  deduzimos  do  Produto  Bruto  para  obter  o  PL.  Tendemos  a   trabalhar  com  o  Produto  Bruto  mais  do  que  com  o  PL  por  serem  as  estimativas  de  depreciação  bastante  imprecisas  e  também  porque  esses  dados  não  são  rapidamente  encontrados.    

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Para  o  perfeito  entendimento,  podemos  imaginar  um  trabalhador  que  ganhe  dinheiro   suficiente   somente   para   garantir   a   sua   sobrevivência   e   de   sua  família   i,  e,   repor  energias  para  continuar   trabalhando  e  a   família  continuar  vivendo.  Qual  o  seu  produto  bruto?  O  quando  ele  ganhou  com  a  sua  produção.  Qual   o   seu   produto   líquido?   Nenhum,   pois   tudo   que   ele   ganhou   foi  exatamente  para  repor  sua  energia  gasta  no  processo  produtivo.    

2.1.2  Renda  Nacional  e  Renda  Pessoal  

A   Renda   Nacional   se   aproxima   do   conceito   de   Produto   Nacional.  Precisamente  ela  é:  

RN=  PNB  -­‐  (depreciação  +  impostos  indiretos).  

A  Renda  Pessoal  é  a  Renda  Nacional  a)  menos  as  rendas  ganhas  por  pessoas  jurídicas,   b)   mais   o   saldo   entre   os   juros   pagos   e   recebidos   e   c)   mais   as  transferências  governamentais  e  os  dividendos  pagos  `as  famílias.  O  nível  da  renda  pessoal  é  importante  por  ser  um  determinante  primordial  do  consumo  das  famílias  e  dos  hábitos  de  poupança.    

Depois  de  efetuados  esses  ajustamentos,  o  resultado  representa  uma  medida  da  renda  recebida  por  indivíduos  e  pelos  negócios  de  pessoas  físicas.  A  Renda  Pessoal   Brasileira   se   contabiliza   mensalmente,   ao   contrário   da   Renda  Nacional,  que  é  publicada  trimestralmente.    

Embora   tenhamos   chegado   à   Renda   Pessoal,   partindo   da   Renda  Nacional   e  fazendo   ajustamentos   subsequentes,   reconhecemos   que   também   seria  possível   construir   uma   estimativa   da   Renda   Pessoal   verificando   seus  componentes.   De   modo   particular,   a   Renda   Pessoal   consiste   na   renda   do  trabalho,  aluguéis,  dividendos  e  a  renda  de  juros  acrescida  de  transferências  governamentais  de  várias  ordens,  menos  os  tributos.    

Note-­‐se  que  os  efeitos  de  altas  taxas  de  juros  e  da  carga  tributária  no  Brasil  têm   implicações   sensíveis   para   a   Renda   Pessoal.   A   princípio,   o   fato   de   elas  

serem   altas   implicaria   em   uma   transferência   de   renda   do   Governo   aos  poupadores   líquidos   (geralmente   os   ricos)   que   aplicam   em   títulos   do  Governo   ou   fundos   de   Renda   Fixa.   Assim,   toda   a   sociedade   através   dos  aumentos   de   impostos   ou   da   dívida   interna   financia   o   aumento   da   riqueza  dos  poupadores  líquidos.  Além  disso,  os  devedores  líquidos  (que  geralmente  são  os  pobres)  são  penalizados  por  altas   taxas  de   juros  cobradas  de  bancos  influenciados   pela   taxa   de   juros   oferecida   pelo   Governo   –   vulgo   SELIC.   A  preocupação  de  cunho  distributivo  sugere  que  no  agregado  os  efeitos  da  taxa  de   juros  sejam  compensados   (o  que  é  pago  pelo  Governo  aos  poupadores  é  igual   ao  que  é  gasto  pelos  devedores).  No  entanto,  não  há  garantias  de  que  isso   realmente   ocorre.   Esse   aspecto   serve   para   ilustrar   como   as   decisões  econômicas   focadas   em   determinados   aspectos   podem   ter   efeitos  secundários  nem  sempre  esperados  ou  desejados.  

Um  fato  digno  de  nota  é  a  distribuição  de  renda  no  Brasil.  Ela  é  uma  das  mais  concentradas   dentre   todos   os   países.   O   índice   geralmente   usado   por  economistas  e  formuladores  de  políticas  públicas  que  procuram  mensurar  os  níveis   de   desigualdade   é   o   coeficiente   de   Gini21.   Em   2003,   pelos   cálculos  desse   coeficiente   o   Brasil   ficou   atrás   apenas   de   Serra   Leoa,   na   África.   Isso  

21  O  coeficiente  de  Gini  se  calcula  como  uma  razão  das  áreas  no  diagrama  da  curva  de  Lorenz.  Se  a  área  entre  a  linha  de  perfeita  igualdade  e  a  curva  de  Lorenz  é  A,  e  a  área  abaixo   da   curva   de   Lorenz   é   B,   então   o   coeficiente   de   Gini   é   igual   a   A/(A+B).   Esta  razão   se   expressa   como   percentagem   ou   como   equivalente   numérico   dessa  percentagem,   que   é   sempre   um   número   entre   0   e   1,   onde   0   indica   que   todas   as  riquezas   são   apropriadas   de   forma   igual   pela   sociedade   e   1   que   toda   a   riqueza   é  concentrada   em   uma   única   pessoa.O   coeficiente   de   Gini   pode   ser   calculado   com   a  Fórmula  de  Brown,  que  é  mais  prática:  

onde:  

G  =  coeficiente  de  Gini    X  =  proporção  acumulada  da  variável  "população"    Y  =  proporção  acumulada  da  variável  "renda"    

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significa  dizer  que  do  montante  produzido,  medido  pelo  PIB,  poucos  no  Brasil  (1%  da  população  )  se  apropriam  da  maior  parcela  dele  (50%  do  produto)  ao  passo   que   os   demais,   que   são   muitos   (99%),   apropriam-­‐se   do   restante   do  produto.  Para  o  caso  brasileiro  este  coeficiente  tem  girado  ao  redor  de  0,60  para  os  anos  entre  2000  e  2010,  com  posicionamento  dentre  os  5  países  com  distribuição   de   renda   mais   concentrada   do   mundo.   A   divisão   da   renda  nacional  reflete,  portanto,  questões  sensíveis  como  à  participação  da  mão-­‐de-­‐obra   na   produção,   as   taxas   de   lucro   praticadas   pelo   setor   privado,  transferências  de  rendas,  distribuição  patrimonial  na  sociedade  e  outras.  

Pagamentos  aos  fatores  de  produção=  PNB  PNB  –  renda  líquida  enviada  ao  exterior=  PIB  PIB  –  depreciação  =PL  PL  –  imposto  indiretos  =  RN  RN   –   lucros   –   encargos   sociais   +   juros   +   rendas   de   capital+   transferências  governamentais  =  Renda  pessoal  Renda  pessoal  –  impostos  pessoais=  Renda  pessoal  disponível.  

2.1.3.  PRODUTO  REAL  E  NOMINAL  O  produto   nominal   é  mensurado   aos   preços   do   período   ou,   como   se   diz   às  vezes,  em  moeda  corrente.  Assim,  o  produto  nominal  do  ano  de  2014  mede  o  valor  dos  bens  produzidos  em  2010  a  preços  de  mercado  do  ano  de  2014.  O  valor   do   produto,   contudo,   muda   de   ano   para   ano,   por   duas   razões.   A  primeira   é  que  a  quantidade  de  bens  produzidos  varia.  A   segunda  é  que  os  preços   de   mercado   também   variam.   Imaginemos   uma   economia   que  produzisse   exatamente   os   mesmos   produtos   em   termos   de   quantidade   e  qualidade  durante   dois   anos,  mas   os   respectivos   preços   aumentem  ao   final  do  segundo  ano  em  100%.  O  produto  nominal  do  segundo  ano  seria  maior  (o  dobro  em  termos  nominais),  muito  embora  o  produto  físico  real  da  economia  não   tivesse   se   alterado.  O  produto   real   é  uma  medida  que   tenta   considerar  variações   do   produto   físico   da   economia,   entre   diferentes   períodos.   O  produto   real  é  medido,  na  contabilidade  nacional,   aos  preços  de  um  ano  de  referência.   Isso   significa  que   ao   calcularmos  o  produto   real,   as  quantidades  de   hoje   são   multiplicadas   pelos   preços   que   prevaleceram   naquele   ano   (de  

referência),  a  fim  de  se  obter  a  medida  do  que  valeria  a  produção  de  hoje,  se  vendida  aos  preços  do  ano  de  referência.    

Podemos   exemplificar   supondo   uma   economia   que   produzisse   apenas  bananas  e  laranjas.  A  produção  e  os  preços  hipotéticos  de  bananas  e  laranjas  em  dois  anos  são  mostrados  na  tabela  abaixo.  O  produto  nominal  no  ano  de  referência  era  de  11,25  un  e  o  produto  nominal  atual,  21  un,  representando  um  aumento  de  87%.  Contudo,  grande  parte  do  aumento  do  produto  nominal  é  puramente  resultado  do  aumento  de  preços  entre  os  dois  anos  e  não  reflete  aumento   da   produção   física.   Ao   calcularmos   o   produto   real   atual,   pela  avaliação   da   produção   do   mesmo   ano,   a   preços   do   ano   de   referência,  encontraremos  13,80  un  para  o  produto  real,  representando  um  aumento  de  23%  ao  invés  de  87%.  O  acréscimo  de  23%  espelha  uma  medida  melhor  do  aumento   do   produto   físico   da   economia   do   que   o   acréscimo   de   87%,   por  conta   de   aspectos   monetários.   A   produção   de   bananas   elevou-­‐se   em   33%,  enquanto   a   de   laranjas   20%,   do   ano   de   referência   ao   dias   de   hoje.   Nessas  condições,   deveremos   assim   situar   a  nossa  medida  do   aumento  de  produto  real:   entre   20   e   33%.   O   aumento   do   produto   real   depende   dos   preços   de  mercado   observados   no   passado   com   os   as   quantidades   produzidas   no  presente.  São  denominados    produto  a  preço  corrente.    

2.2.  ÍNDICES  DE  PREÇOS  

O  cálculo  do  Produto  Real  nos  fornece  uma  medida  útil  da  inflação,  conhecida  como  deflator  do  Produto  que  é  a  razão  entre  o  Produto  nominal  e  o  real.  Ele  serve  como  medida  da  inflação  a  partir  do  período  em  que  os  preços  do  ano  referenciado  foram  utilizados  para  o  cálculo  do  Produto  real.  

Voltando   a   Tabela   1,   chegamos   a   uma   medida   da   inflação,   entre   os   anos  hipoteticamente  considerados,  pela  comparação  do  valor  do  produto  com  os  preços   atuais   e   o   valor   do   produto   com   os   preços   do   ano   de   referência.   A  relação  entre  o  Produto  nominal  e  o   real  é  de  1,52   (21  /  13,80).  Em  outras  palavras   o   produto   é   52%  mais   elevado   hoje   do   que   quando   avaliado   aos  preços  mais  baixos  do  ano  de  referência.  Atribuímos,  portanto,  o  aumento  de  

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52  %  à  variação  de  preços  ou  inflação,  no  período  considerado.  

 Uma   vez   que   o   deflator   se   baseia   em   um   cálculo   que   inclui   todos   os   bens  produzidos   pela   economia,   ele   é   um   índice   de   preços   abrangente   utilizado  para  medir  inflação.  No  Brasil  ele  é  denominado  Índice  Geral  de  Preços  (IGP).    As   instituições   que   trabalham   com   as   estatísticas   calculam   além   do   IGP,  outros   índices  ou   “deflatores”  para  produtos   restritos  a   cestas  de  bens  pré-­‐definidas.  Abaixo  listamos  alguns  deles  calculados  para  o  Brasil.  

ü Índice  de  Preços  por  Atacado  (IPA)  Disponibilidade  Interna.  ü Índice  Nacional  de  Custo  da  Construção  (INCC).  ü Índice  de  Preços  ao  Consumidor  (IPC).  ü Índice  de  Preços  ao  Consumidor  (IPC  –  FIPE).  ü Índice  Nacional  de  Preços  ao  Consumidor  Amplo  (IPCA).  ü Índice  Nacional  de  Preços  ao  Consumidor  (INPC).  

Os   índices  de  preços  ao  consumidor,  por  exemplo,   se  baseiam  em  cestas  de  bens  adquiridos  somente  pelo  consumidor  urbano.  Os  preços  coletados  dos  produtos  contidos  nesta  cesta  são  ponderados  por  quantidades  previamente  fixadas.  Essas  quantidades  somente  são  alteradas  quando  ocorrem  mudanças  bruscas  e,  ou,  de  caráter  estrutural  no  padrão  de  consumo  desse  estrato  da  população.   Assim,   esses   índices   restritos   medem   o   custo   de   dada   cesta   de  bens  que  é  a  mesma  de  ano  para  ano.    Por  isso,  algumas  famílias  estranham  quando   os   seus   orçamentos   não     batem   com   o   crescimento   do   índice  construído  a  partir  de  uma  cesta  definida:    simplesmente  essas  famílias  tem  gastos   adicionais   em   bens   e   serviços   que   participam   de   modo   diverso   na  construção  desse   índice.  A   cesta  de  bens   incluída  no   índice  Geral  de  Preços  (IGP),  contudo,  difere  de  ano  para  ano,  pois  depende  daquilo  que  é  produzido  pela  economia  a  cada  ano.  Os  produtos  avaliados  no  IGP,  em  dado  ano,  são  os  mesmos  que  a  economia  produziu  naquele  ano.  Quando  a  safra  de  milho  for  grande,   recebe   peso   correspondente   no   computo   do   IGP.   Ao   contrário,   os  demais   índices  de  preço  medem  o  custo  de  um  pacote   fixo  de  bens  que  não  varia  com  o  correr  do  tempo.    Os  índices  restritos  incluem  automaticamente  os  preços  dos  importados,  enquanto  o  índice  Geral  de  Preços  inclui  apenas  o  

preço  de  bens  produzidos  no  país,  embora  estes  incorporem,  em  certos  casos,  a  variação  de  preço  dos   insumos   importados.  Para  atenuar  essas  distorções  entre  os  índices  os  órgãos  que  cuidam  das  estatísticas  nacionais  utilizam  uma  média  entre  os  índices  restritos  para  expressar  o  IGP.  

Um  índice  de  preços  relevante  é  o  Índice  de  Preços  por  Atacado  (IPA).  Ele  é  uma  medida  do  custo  de  determinada  cesta  de  bens  que  não  são  adquiridos  no   varejo.   Ele   difere   do   IPC,   pois   levam   em   conta   as   matérias-­‐primas   e  produtos  semiacabados  Difere  também  na  finalidade,  uma  vez  que  se  destina  a  medir  os  preços  num  estágio  preliminar  do  sistema  de  distribuição.    

Enquanto  o  índice  de  preços  ao  consumidor  mede  os  preços  onde  as  famílias  urbanas  efetivamente  gastam  —  quer  dizer,  no  varejo  —,  o  IPA  se  estrutura  a  partir   da   primeira   transação   comercial   significativa.   Essa   diferença   é  importante  porque  transforma  o  IPA  num  índice  flexível  de  preços,  capaz  de  assimilar   variações  no  nível   geral   de  preços,   ou  no   IPC,   algum   tempo  antes  delas  ocorrem  efetivamente.  Por  essa  razão  o   IPA  e  o   índice  de  "construção  civil"  são  usados  como  indicadores  dos  ciclos  econômicos  sendo  atentamente  observados  pelos  analistas  do  mundo  dos  negócios.    

A  mecânica  dos   índices  de  preços  pode  ser   ilustrada  pela   fórmula  do   índice  de   preços   demonstrada   abaixo.   Esse   índice   é   denominado   de   Laspeyres.  Vemos  que  no  denominador  do  primeiro  termo  as  quantidades  Q  e  os  preços  P   estão   cotados   no   ano   t-­‐1   de   referência   e   o   numerador   fixa   a   quantidade  naquele  ano  considerando  os  preços  atuais  (t).  Observe  que  ele  é  diferente  do  aplicado  no  exemplo  anterior  onde  utilizamos  os  mesmos  preços  do  período  de   referência   na   produção   atual.   O   índice   de   Laspeyres   considera   as  quantidades  fixas  entre  os  períodos  a  preços  nominais  (de  hoje).  No  exemplo  anterior   os   preços   variavam,   mas   as   quantidades   não.   Existem   outras  medidas   para   se   calcular   índices   de   preços   e   quantidades   e   tantos   outros  podem  ser  criados,  a  depender  do  objetivo  que  se  persegue  e  da  criatividade  

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do  analista  econômico22.  

Índice  de  preços  =  (Σ  Pit  Qit-­‐1  /  Σ  Pit-­‐1  Qit-­‐1)  X  10  

22    Para    se  ter  uma  ideia  de  criatividade  na  elaboração  de  índices  de  preços  no  Brasil,  recomendamos   ver:   Banco   Central   (2012),   Série   Perguntas   Frequentes,   Índice   de  Preços  no  Brasil.  

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UMA  ILUSTRAÇÃO  DO  PRODUTO  REAL  E  NOMINAL  

Produto  nominal  do  ano  de  referência   Produto  nominal  atual   Produto  real  atual  produção   Preço  unitário.   Valor  total   produção   Preço  unitário.   Valor  total   produção   Preço  unitário.   Valor  total  15  bananas   0,15c   $  2,25   20  bananas   0,30c   $  6,00   20  bananas   0,15c   $  3,00  50  laranjas   0,18c   $9,00   60  laranjas   0,25c   $15,00   60  laranjas   0,18c   $10,80  Produto  total     $11,25   Produto  total     $21,00   Produto  total     $13,80      

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2.3.  O  EXCEDENTE  ECONÔMICO  

O   excedente   econômico   é   a   parcela   do   produto   total   não   destinada   a  reprodução  imediata  da  sociedade.  É  riqueza  que  se  acumula  no  tempo.  Uma  vez  contabilizado  no  ano,  no  seguinte  ele  se  torna  passado:  não  entra  de  novo  nas  contas  nacionais.  Ele  se  transforma  em  riqueza  patrimonial.  Para  a  teoria  econômica  convencional  é  a  renda  menos  o  consumo,  que  pela  contabilidade  nacional   aproxima-­‐se   ao   conceito   de   poupança.   Contudo,   o   excedente  econômico   do   ponto   de   vista   da   economia   política   é  mais   do   que   isso:   é   a  parcela   do   produto   que   excede   as   necessidades   imediatas   das   famílias.   É   a  quantidade  de  bens  e  serviços  que  excede  aquela  necessária  a  reprodução  da  sociedade.   A   criação   de   excedente   econômico   decorre   do   fato   de   o   ser  humano,   ao   longo  de   sua  história,   ter   sido   capaz  de   aprimorar   os  meios   de  produção   com  os   quais   ele   extrai   riquezas   da   natureza.   A   esse   processo   de  extração  denominamos  de  tecnologia.    

Assim,   o   avanço   técnico   na   produção   (tecnologia)   resulta   em   dois   efeitos  compartilhados.  O  primeiro  engendra  processos  de  produção  auspiciosos  de  elevada  produtividade  técnica  que  podem  propiciar  um  produto  muito  além  das  necessidades  das  famílias23.  O  segundo  decorre  do  primeiro.  Como  temos  um   produto   maior,   a     mão-­‐de-­‐obra   pode   continuamente   ser   liberada  justamente  daquelas  produções   relativas   aos     bens   essenciais   a   reprodução  social.   Esse   aspecto   constitui   a   essência   do   desenvolvimento   econômico.   O  aumento   da   produtividade   requer   cada   vez   menos   trabalhadores   para   a  constituição   dos   mesmos   produtos.   Os   trabalhadores   liberados   dessas  

23   Do   ponto   de   vista   histórico,   nos   primórdios   da   civilização,   a   evolução   e  descobrimento  de  novos   instrumentos  concernentes  à  sobrevivência  da  humanidade  exigiram  algum  tempo  de  seus  membros,  ou  de  alguns  deles,  que   trocaram  o   tempo  dedicado   à   busca   de   alimentos   na   forma   tradicional   pelo   tempo   de   construção   das  novas   ferramentas:   esse   processo   chamamos   de   desenvolvimento   das   forças  produtivas.   A   passagem   da   vara   de   pescar   para   o   tarrafo   (rede   de   pesca)   e   o  surgimento  do  arado  puxado  por  animais,  e  mais  tarde  o  mecanizado,  em  substituição  ao  manual,  por  exemplo,  requereu  alguma  perda/troca  de  consumo  presente  em  favor  de   melhor   consumo   futuro.   Observe   que   as   quantidades   de   bens   e   serviços   que  estarão   disponíveis   no   período   seguinte   serão  maiores,   pois   serão   construídas   com  novas  ferramentas  mais  eficientes.    

atividades  vão  exercer  atividades  não  diretamente  ligadas  a  extração  de  bens  e  serviços  destinados  ao  consumo  imediato24.    

O  quadro  sistêmico  abaixo  captura  o  movimento  de  constituição  continuada  dos   excedentes   econômicos.   Assim,   no   início   a   utilização   de   técnicas   na  agricultura  mais   eficientes   possibilitou   a   criação   de   excedentes   alimentares  que  liberaram  mão  de  obra  do  campo  para  formarem  as  cidades  e  toda  sorte  de   atividades   não   diretamente   ligadas   a   produção   de   alimentos,   fruto   da  terra.    

Todas   as   atividades   concernentes   a   produção   de   bens   de   capital  (instrumentos   e   maquinários),   bem   como   o   aprimoramento   educacional,   a  maior   dedicação   as   ciências   e   tecnológicas,   o   fortalecimento  de   os   sistemas  nacionais   de   inovação,   para   citar   as   mais   visíveis,   que   qualificam  naturalmente   o   aumento   da   produtividade,   têm   suas   atividades   afiançadas  pelo  excedente  econômico.   Sua  virtude  é  a  de   conservar  melhores   condição  de  produção  e  dos   serviços  outorgando  mais   tempo  de   trabalho  dedicado  a  atividades   destinadas   ao   aumento   da   produtividade.   Esse   processo   reduz   o  tempo  de  trabalho  dedicado  a  produção  de  bens  de  consumo  imediato.  

 

     

24   Somente   quando   a   humanidade   conseguiu,   através   de   seus   esforços,   criar   um  excedente   econômico   é   que   foram   postas   as   condições   para   o   surgimento   de  atividades   não   diretamente   ligadas   a   reprodução   imediata   do   homem.         Assim,  surgiram   as   cidades   com   seus   serviços   essenciais,   o   Estado,   com   seus   poderes  constituídos,   o  maior   tempo   dedicado   as   artes,   ao   convívio   social   e   aos   estudos   e   a  fabricação   de   todo   sorte   de   produtos   tecnologicamente   avançados   e   dedicados   com  exclusividade  a  demanda  empresarial,  e  as  outras  atividades  que  a  engenhosidade  do  ser  humano  vai  criando,  conforme  o  excedente  econômico  vai  aumentando.    

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Desenvolvimento+Histórico+

Agricultura

Excedente econômico

Libera mão de obra

Constituição dos centros urbanos industriais

Desenvolvimento das forças produtivas

MERCADO

Artefatos e instrumentos de trabalho

produzem

Surgimento da Moeda-Dinheiro

Acum

ulação primitiva de capital !

Pa<Pi!+

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A   geração   de   um   excedente   econômico   tanto   ocorre   em   uma   sociedade   de  produtores   independentes,  quanto  no  capitalismo  –  onde  o  trabalhador  esta  formalmente   subordinado   a   relações   de   assalariamento.   Nas   sociedades   de  produtores   independentes   a   geração   de   excedentes   geralmente   se  estabelecem  espontaneamente  no  seio  da  unidade  familiar.    Ela  é  individual.  No   sistema   capitalista   a   relação   de   assalariamento   formal   ou   informal  subordina   todo   a   lógica   de   produção   à   constituição   de   um   excedente  econômico   social,   pelo   qual   todos   disputam   por   meio   de   associações   de  classes,  individualmente  ou  de  modo  coletivo.  Nos  sistemas  de  produção  que  antecederam   o   capitalismo   (escravidão,   feudalismo,   servidão   e   qualquer  modo  de  produção  pré-­‐capitalista)  os  exercícios  utilizados  por  determinados  grupos   ou   classes   sociais   para   se   apropriarem   do   excedente   econômico   se  baseavam  na   pilhagem   e   coerção   explicita,   frequentemente   com  o   emprego  da   força.  No  sistema  de  produção  capitalista,   contudo,  a  apropriação  é  mais  sutil.   O   trabalhador   fornece   um   valor   adicionado   ao   processo   de   produção  superior   àquela   parcela   correspondente   a   sua   atividade,   cuja   valoração  significa  um  equivalente  monetário  denominado  salário.  Em  outras  palavras,  o  trabalho  excedente  é  a  diferença  entre  o  valor  criado  pelo  trabalho  e  o  que  é  pago   na   forma   de   salário.   Essa   é   a   fonte   do   excedente   econômico   que   no  capitalismo  constitui  parcela  do  “lucro”  ou  na  economia  marxista:  mais-­‐valia.  

Resumindo,  o   lucro  total  –  poupança,  na  versão  convencional,  ou  excedente,  na   versão   marxista   -­‐,   é   reinvestido   na   sociedade   fundamentalmente   no  aprimoramento   das   atividades   consubstanciadas   no   trabalho   indireto  (improdutivo)  que   tonificam  as   atividades   industriais   e  de   serviços  debaixo  os  processos  de  concorrência  e  inovação  tecnológica.  Essas  novas  atividades  (indústria  e  serviços)  originaram-­‐se  historicamente  a  partir  da  transferência  de   rendas   oriundas   das   atividades   agrícolas.   Esse   espírito   de   criação   e  apropriação  de  excedente  avançou  sobre  os  processos  de  colonização  onde  as  metrópoles   extraem   riquezas   de   suas   colônias   (acumulação   primitiva   de  capital)   fortalecendo  as  atividades   fora  do  eixo  agrícola.  Os  centros  urbanos  industriais  vão  sendo  assim  constituídos  com  certa  dedicação  a  uma  série  de  novas  atividades,  inclusive  as  artísticas  e  de  intelecto  inventivo,  por  exemplo.  Um  dos  resultados  mais  espetaculares  propiciados  pelo  excedente  econômico  foi   a   revolução   industrial   que   definitivamente   colocou   a   acumulação   de  capital   da   indústria   acima   da   acumulação   originada   pela   agricultura,   com  uma  proliferação  de  bens  industriais  nunca  antes  alcançada.  A  figura  acima  é  auto  explicativa  desse  processo  histórico.  

Para   que   esse   excedente   econômico   corresponda   à   parcela   da   produção  social,   no   capitalismo,   e   não   individual,   como   na   sociedade   de   produtores  independentes,  é  preciso  que  duas  condições  sejam  satisfeitas.  A  primeira  é  que   o   trabalhador   produtivo   seja   “assalariado”   e   segundo   que   ele   produza  não   apenas   valor   econômico,   mais   valor   excedente.     A   reprodução   das  relações  capitalistas  por  meio  do  “assalariamento”  sanciona  a  geração  de  um  valor   excedente,  mediante   a   subordinação   do   trabalhador,   que   no   limite   se  expressam   por   contratos   de   trabalho   estabelecidos   entre   pessoas   físicas   e  jurídicas.  Assim,   “o  mais  produto”  é  apropriado  pela   camada  social  que  não  encontra-­‐se   diretamente   ligados   a   esfera   da   produção   material   (chão   da  fabrica)25.  

No  trajeto  da  histórica  econômica,  a  engenhosidade  dos  financistas  fez  a  sua  parte   para   valorizar   o   excedente   econômico.   De   fato,   o   sistema   bancário-­‐financeiro   acaba   sendo   o   guardião   do   excedente   que   se   transmuda   em  depósitos   a   vista   nos   bancos   comerciais   e   nas   aplicações   financeiras.   Por  meio   de   empréstimos   as   famílias,   ao   governo,   as   empresas   e   outras  instituições   o   excedente   acaba   recebendo   ao   final   do   ciclo   prestamista-­‐devedor  um  valor  maior,  pois  nele  são  contabilizados  o  pagamentos  de  juros  e  outros  encargos.  Isso  acontece  muito  rápido  com  a  utilização  dos  meios  da  informática   e  processamentos  eletrônicos.  Assim,  o  processo  de  valorização  do  excedente,  nos  dias  de  hoje,  é  imediato,  mas  a  sua  base  material  que  não  é  constituída   imediatamente,   pois   os   investimentos   requerem   um   prazo   de  maturação  para   realizar-­‐se  em   lucros   com  os  quais   se  pagam  os   juros.  Essa  descolagem   entre   a   realização   dos   investimentos   e   a   valoração   dos  excedentes  no  futuro  propiciam  o  surgimento  das  “bolhas”  financeiras  e  não  financeiros  (como  os  imóveis,  por  exemplo)  e  flutuações  econômicas.  

O   resumo  da  história  é  que  o  avanço  na  área  de   informática,   cujo   resultado  principal   têm   sido   a   compressão   do   tempo-­‐espaço   e   as   transformações  

25   Ampliando   esse   conceito,   o   empresário   autônomo   (uma   doceira,   por   exemplo)  preenche   uma   das   condições   do  modo   de   produção   capitalista   que   é   a   de   produzir  mercadorias  ¬  ela  está  envolvida  na  esfera  produtiva.  Contudo,  ela  é  uma  produtora  independente   e,   portanto,   não   reproduz   as   relações   sociais   especificamente  capitalistas  que  permitem  a  apropriação  do  produto  excedente  por  outrem.    

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tecnológicas   também   a   ela   associada,   possibilita   a   geração   de   um   produto  cada   vez   maior,   com   a   menor   utilização   de   recursos   produtivos.   Contudo,  dado   a   engenhosidade   financeira,   todos   os   bens   e   serviços   são  monetariamente   valorizados   -­‐   por   meio   de   créditos   ampliados   amparados  por   ativos   derivados   -­‐     a   uma   taxa  maior   do  que   aquela   que   acompanha     o  crescimento   do   produto   físico.   O   alcance   desse   processo   se   esgota   na  explosão   das   denominadas   “bolhas”   que   se   apoiam   nos   movimentos  especulativos  valorativos  de  ativos  financeiros  e  não  financeiros.    De  fato,  por  meio  da  tecnologia  de  informação,  os  bens  e  serviços  servem  imediatamente  a  criação  de  lastros  para  constituir  poder  de  compra  –  dinheiro  expandido  –  cujo   maior   valor   depende   dos   bancos   criarem   mecanismos,   cada   vez   mais  refinados,   para   a   sua   multiplicação26.   Quando   isso   não   ocorre   de   maneira  funcional,   ou   quando   a   sociedade   reconhece   a   fragilidade   dos   lastros  valorativos  no  qual  se  apoia  o  processo  de  valorização  do  excedente  o  sistema  econômico  entra  em  crise.  

2.3.1  A  MACROECONOMIA  E  O  EXCEDENTE  ECONÔMICO      

Um  dos   objetivos   principais   da  macroeconomia   é   auxiliar   a   formulação  das  políticas   fiscais  e  monetárias.  Com  o   tempo  e  as  distâncias  encurtadas,  pelo  avanço   da   tecnologia   de   informação,   a   política   monetária   se   sobrepõe   `as  ações   da   política   fiscal   relativas   a   constituição   de   receitas   e   gastos  governamentais.   Essas   últimas   dependem   quase   todas,   em   regimes  democráticos,  de  aprovação  dos  congressistas  e   isso,  via  de   regra,  demanda  um  tempo  maior  do  que  aquele  dedicado  as  ações  dos  bancos  centrais27.    

26  Antigamente,  o  dia  e  a  noite,  os  ciclos  climáticos  e  da  colheita  agrícola  e  as    jornadas  de   trabalho   cronometradas   a   partir   da   invenção   do   relógio   definiam   o   tempo   pela  percepção   da   prática   de   repetição   e   os   intervalos   a   ela   inerente.   Com   o   avanço   da  informática,  o  tempo  entendido  como  uma  sequência  ordenada  de  fatos  foi  aniquilado  seja  pela  sua  compressão  –  os  fatos  quase  que  se  sobrepõem  -­‐  ou  pelo  ofuscamento  da  sequência  entre  diferentes  formas  de  acontecimentos  futuros.  A  aplicação  da  máxima  do   aqui   e   agora,   exemplifica   com   propriedades   essa   aceleração   onde   o   passado   e  futuro  se  fundem  no  presente:  “a  prática  social  (atual)  ...  nega  a  sequência  (dos  fatos)  para  nos  instalar  na  simultaneidade  perene  e  na  ubiquidade  simultânea  e...as  pessoas  acreditam   vencer   suas   restrições   temporais,   ou   pelo   menos   é   isso   que   elas  acham”.(Castells,  2001). 27   Por   tautologia,   as   formulações   das   políticas   fiscal   e     monetária   somente   podem  

A   política   monetária,   por   seu   lado,   tem   força   de   ação   imediata.   Ela  dimensiona   nominalmente   o   produto   total   por   meio   do   controle   da   oferta  monetária.   Destina-­‐se,   portanto,   a   alterar   o   lado   real   da   economia  modificando,   com   o   controle   da   oferta   monetária,   os   principais   preços   do  mundo  econômico:   a  moeda  nacional   cujo  valor   é  quantificado  pela   taxa  de  juro,  o  valor  da  moeda  estrangeira  representada  pela  taxa  de  cambio  e  o  valor  das  mercadorias  e  dos  fatores  de  produção  que  recebem  suas  cotações  pelos  salários,   lucros,   alugueis   e   demais   rendas   recebidas.   Assim,   a   grandeza   e  distribuição  do  produto,  entre  excedente  econômico  e  consumo  necessário  a  reprodução  da  sociedade,    pode  ser  modificado  pela  política  monetária.  

Nas   sociedades   mais   desenvolvidas,   os   indivíduos   já   possuem   quase   toda  ordem   de   bens   essenciais   para   tocarem   suas   vidas   e   de   suas   famílias   com  conforto   e   dignidade.   Podem   por   isso   destinar,   com   certa   folga,   fatores   de  produção   para   a   fabricação   de   bens   de   capital,   bens   intermediários,  desenvolvimento  tecnológico  e  aprimoramento  dos  seus  próprios  fatores  de  produção   e,   toda   sorte   de   atividades   que   se   destinam   a   contribuir   com   as  melhorias   de   bens   e   serviços   (relativas   as   funções   do   Estado,   transporte,  comércio,  lazer  e  muitas  outras).  No  limite,  cada  vez  necessitamos  menos  de  mão-­‐de-­‐obra   para   prover   os   bens   essenciais   ao   consumo   justamente   por  conta  do   avanço   cientifico   tecnológico.  Tal   não   se  dá  nas   sociedades  menos  desenvolvidas.   Elas   carecem   dos   bens   essenciais   ao   sustento   familiar   e  demandam   por   isso   maiores   esforços   para   produzi-­‐los   em   detrimento   dos  bens   e   serviços   intermediários   e   de   capital.   Sobram,   portanto,   uma  quantidade   menor   de   fatores   para   serem   empregados   em   melhorias  produtivas,  desenvolvimento  tecnológico  e  fortalecimento  do  setor  produtor  de   bens   de   capital.   O   modo   como   se   constitui   o   excedente   econômico,   sua  dimensão   e   sua  distribuição   entre   as   classes   e   estamentos   de   classe   sociais  

vigorar  por   conta  da   existência  do   excedente   econômico.  A  política   fiscal   é   exercida  quando   a   criação  de  um  excedente   econômico  permite   que   o  Estado   se   aproprie   de  parcela   dele   por  meio   da   cobrança   de   tributos,   e   seu  montante   seja   distribuído   sob  varias   formas:   investimentos  em   infra  estrutura,   educação,  pagamento  dos  encargos  da   dívida   pública,   saúde   e   transferências   de   renda   de   cunho   social   aos   menos  favorecidos,   para   citar   os   mais   simples.   Essa   é   a   essência   da   política   fiscal   que   no  contexto   atual,   de   negação   da   existência   de   uma   sequência   de   fatos   e   de   restrições  temporais,  requer  desdobramentos  singulares  para  atender  as  demandas  sociais.    

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contribuí  para  aprumar  os  graus  de  desenvolvimento  econômico  dos  países.    

Vamos  estilizar  esse  fenômeno  de  outra  maneira.  A  utilização  de  tecnologias  que   vão   sendo   aprimoradas   ao   longo   do   tempo   estabelece   uma   tendência  secular   nas   sociedades   de   utilização   de  mão-­‐de-­‐obra   qualificada   no  manejo  das  novas  tecnologias  em  detrimento  da  mão-­‐de-­‐obra  não-­‐qualificada28.  Essa  tendência  vem  favorecendo  a  absorção  da  mão-­‐de-­‐obra  pela  área  de  serviços  reduzindo   o   tempo   e   o   número   de   trabalhadores   na   indústria   e   na  agricultura.    De  fato,  o  avanço  do  progresso  técnico  tem  criado  novas  funções  e  atividades  distantes  do  trabalho  associado  diretamente  à  esfera  produtiva.  Esse  trabalho  enxerga  por  “cima  da  produção  material”  o  desenvolvimento  do  sistema   capitalista.   A   economia   marxista   o   denomina   de   trabalho  improdutivo,   que   se   lança   cada   vez  mais   sobre   o   trabalho   produtivo   que   é  justamente   aquele   exercido   pela   mão-­‐de-­‐obra   assalariada   diretamente  aplicada  na  base  da  produção  material.    

O   trabalho   improdutivo   não   tem   nada   de   pejorativo.   Ele   simplesmente  contribui   para   as   funções   que   são   essenciais   a   distribuição   dos   produtos   e  criação  de  novos,    e  nas  demais  atividades  que  elevam  a  produtividade  e  dão  forma  ao  espectro  social.   Já  que  não  produzem  bens  e   serviços  diretamente  necessários  a  reprodução  da  social,  sua  remuneração  é  retirada  do  excedente  econômico.    

Assim,  o  sustento  desta  parcela  da  população  -­‐  trabalhadores  improdutivos  -­‐  é  possível  mediante  a  existência  de  uma  produção  objetiva  superior  ao  custo  do   trabalho   (produtivo)   despendido   na   reprodução   dos   bens   e   serviços  essências   a   reprodução   das   famílias.   A   contabilidade   empresarial   percebe  com  clareza  essa  distinção  de  trabalho  produtivo  e  improdutivo,  ao  designar  o   trabalho   produtivo   como   custo   da   mão-­‐de-­‐obra   ou   custo   direto   e   as  atividades   consubstanciadas   no   trabalho   improdutivo   como   a   dos   gerentes,  diretores,   pessoal  de  marketing   e   todas   as  demais   funções  não  diretamente  

28  Vale   contextualizar  que   a  mão-­‐de-­‐obra   especializada  não   corresponde   à  mão-­‐de-­‐obra  qualificada,  uma  vez  que  o  avanço  técnico,  no  limite,  pode  restringir  a  capacidade  do   trabalhador   a   atividades   mais   simples,   não   estimulando   desempenhos   mais  qualificados.

ligadas   a   esfera   da   produção   como   despesas   indiretas   ou   administrativas,  cujos   pagamentos   não   variam   diretamente   com   a   quantidade   produzida   de  bens  e  serviços.    

Atualmente   o   excedente   econômico   mundial   é   absurdamente   grande   e  concentrado   por   país,   indivíduos   e   instituições.   Ele   foi   alcançado   pelos  sucessivos  avanços   tecnológicos  ao   longo  da  história,  particularmente  os  do  último  século.  Assim,  a  sociedade  foi  liberando  mão-­‐de-­‐obra  da  produção  de  mercadorias   destinadas   a   reprodução   de   suas   famílias   desenvolvendo,   ao  mesmo  tempo,    atividades    que    autenticam  justamente  a  maior  liberação  da  mão-­‐de-­‐obra  envolvida  na  esfera  da  produção.  

2.3.1.1    O  valor  do  excedente  econômico  e  sua  distribuição  

A   teoria   macroeconômica   convencional   trata   a   questão   do   excedente  econômico  de  modo  diferente.  Ela  desconsidera  a  existência  da  luta  entre  os  donos   dos   fatores   de   produção   ¬   força   de   trabalho   (trabalhadores),   capital  (empresários)     e   recursos   naturais   (latifundiários/rentistas)   ¬   e   demais  classes  e  estamentos  de  classes  sociais    pela  posse  de  parcelas  do  excedente  econômico.   Ela   não   reconhece   que,   apesar   da   distribuição   dos   produtos  ocorrer  no  mercado,  são  os  poderes  de  barganha  envolvidos  nas  negociações  relativas  a  participação  na  renda  que  definem  a  parte  que  caberá  a  cada  um.  Desse  modo,   a   distribuição   do   produto   se   estabelece   no   ato   da   produção   e  não   é   portanto,   um   fenômeno   exclusivo   da   esfera   da   circulação   de  mercadorias.   Assim,   esta   questão   não   é   tratada   pela   macroeconomia  tradicional,  pois  o  entendimento  dessa  linha  de  argumentação  é  que  a    esfera  da  produção  representa  uma  função  técnica,  cuja  magnificência  é  produzir  os  produtos  e  serviços  demandados  sem  considerar  os  destinos  que  histórica  e  socialmente  lhes  são  outorgados.    

Diferentemente,   Kalecki   introduziu   a   distribuição   de   renda   nos   estudos  macroeconômicos   compartilhando   o   comportamento   das   instituições   como  determinante  de  magnitude  dos  agregados  macroeconômicos.    A  distribuição  de   renda   pela   interpretação   dos   escritos   de   Kalecki   depende   dos   embates  entre  as   forças  que   formam  os   custos  diretos  e   indiretos  para  a   fixação  dos  preços  dos  produtos  industriais.    Seu  argumento  é  que  para  fixar  preço  (𝒫)  a  firma  leva  em  conta  a  média  de  seus  custos  diretos  (u)  e  a  média  dos  preços  das   outras   firmas   concorrentes   (p)   de   um   modo   bastante   peculiar,   pois  

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predominam   barganhas   politicas   entre   os   agentes   e   instituições   em  detrimento  das  função  técnicas  relacionadas  a  produção.        

Na   indústria   a   formação   de   preços   de   uma   firma   típica   segue   como    demonstrado  abaixo.      

 𝒫  =  mu1  +  np    

Os   coeficientes  m   e  n   representam  a  disputa   entre  os   empresários   (n)   e   os  trabalhadores  (m)  pelo  produto  social  criado.  𝓟  é  o  preço  fixado  pela  firma  e  p   é   a   média   de   preços   das   empresas   do   mesmo   ramo   de   produção.     O  coeficiente   n   contempla   a   formação   dos   custos   indiretos   (trabalho  improdutivo)  financiado  pelo  excedente  econômico.  O  coeficiente  n  é  menor  que  um  (n<1),  pois  aceitamos  que  o  preço  médio  da   firma  𝒫   somente  pode  ser  menor  ou  igual  a  ao  preço  médio  p.    

.Generalizado   para   todo   o   setor   industrial   com   diferentes   firmas   (1;   k)   e  diferentes  custos  unitários  (u)  temos:  

 𝒫  1=  mu1  +  np    𝒫  2=  mu2  +  np    𝒫  3=  mu3  +  np    *  *  *  ___________________  𝒫  k=  muk  +  np    

Se   essas   equações   forem   ponderadas   pelas   respectivas   produções,   a  média  será:  

   𝒫  =  mu  +  n  𝒫  𝒫  =  (m/1-­‐n)    u  𝒫/𝑢  =  (m/1-­‐n)  

Kalecki  chamou  a  relação  entre  preços  dos  bens  e  serviços  finais  na  indústria  e   seus   custos   diretos   (insumos   e   mão-­‐de-­‐obra   direta)   𝒫/𝑢   de   grau   de  monopólio   que   se   estabelece   nas   economias   por   uma   série   de   fatos,  circunstâncias   e   condições   influenciando   a   formação   dos   preços   finais   dos  produtos  e  dos  fatores  de  produção.  Assim,  se  a  atuação  dos  sindicatos  é  débil  no   sentido   de   reivindicar   aumentos   salariais   não   colocando   cláusulas   que  impeçam  o  repasse  do  aumento  para  os  preços,  por  exemplo,  o  coeficiente  m  será   maior   do   que   aquele   em   uma   sociedade   cuja   atuação   sindical   dos  trabalhadores   seja   mais   esclarecida.   Empresas   poderosas   que   exerçam  pressões  sobre  os  seus  fornecedores  com  sucesso  contribuem  também  para  o  aumento   do   parâmetro  m.   Se   os   trabalhadores   se   tornam  mais   produtivos  devido   a   melhoramentos   da   técnica   mas,   dado   uma   série   de   característica  institucionais,   eles   não   conseguem   uma   maior   participação   no   produto,   a  interpretação  é  de  um    grau  de  monopólio  elevado.  Regimes  políticos  pouco  democráticos  tendem  a  favorecer  o  aumento  do  coeficiente  m  em  relação  ao  encontrado  em  países  mais  democráticos.  

No   caso   do   parâmetro   n   que   retrata   a   guerra   intercapitalista,   estruturas  industriais  formadas  por  grandes  corporações  geralmente  fixam  seus  preços  com  o  conhecimento  de  que  as  empresas  menores  concorrentes  seguirão  sua  politica   de   fixação   de   preços.   Elas   exercem   certa   liderança.   A   concorrência  entre   as   empresas   do   mesmo   ramo   pode   ser   estabelecida,   também,   pela  diferenciação   de   produtos   onde   o   espírito   concorrencial   se   apoia   nas  estratégias   de   marketing,   na   formação   de   novos   valores   sociais,   conluios  entre   empresários   para   concorrer   na   obtenção   de   recursos   públicos   e   toda  sorte   de   ações   junto   as   instituições   do   Estado   visando   a   perpetuação   do  excedente   em   suas   mãos.   Esses   fenômenos   expressam   um   coeficiente   n  majorado  favorecendo  a  constituição  de  um  grau  de  monopólio  elevado.      

A  sobreposição  dos  custos  indiretos  -­‐  trabalho  improdutivo  -­‐  sobre  os  custos  diretos   é   uma   tendência   secular.   O   desenvolvimento   tecnológico   leva   a  diminuição  da  pressão  dos  custos  diretos  sobre  a  produção  ao  mesmo  tempo  favorecendo   a   construção   de   novas   atividades   mantidas   pelo   excedente  econômico.     Resumindo,   o   grau   de   monopólio   em   Kalecki   explica   a  distribuição  de  renda  como  um  fenômeno  mais  político  e  menos  econômico.  É  razoável   supor   que   nas   economias   onde   o   grau   de  monopólio   de   Kalecki   é  menor   uma  distribuição   de   renda  mais   equitativa   geralmente   se   estabelece  em   contraposição   a   concentração   de   renda   observada   em   economias   com  

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elevado  grau  de  monopólio.  Para  essa  linha  de  pensamento,  a  distribuição  de  renda  no  sistema  econômico  é  um  fenômeno  eminentemente  político  e  social  em  detrimento   as   condições   técnicas   de   produção   conforme   advogado   pela  macroeconomia  de  cunho  neoclássico.        

Estilizado   a   distribuição   de   renda   a   partir   do   grau   de  monopólio,   podemos  considerar   a   repartição   da   Renda   nacional   como   o   valor   da   Produção   (Vp)  que  se  distribui   formando   lucros  (L),  custos   indiretos  (CI)  e  salários  diretos  (W)  menos  o  custo  das  matérias-­‐primas  (M).    Reproduzindo  Kalecki:    

L  +  CI  =  Vp  –  M  -­‐  W    

Então:    

L  +  CI  =  𝒫!𝑊 + 𝒫

!  M  –  (W  +  M)  

L  +  CI  =(  𝒫!  -­‐1)  (W  +  M)  

A  parcela  (w)  dos  salários  no  valor  adicionado  segue:    

w  =    W/  VA        

w  =  W/  W  +  (  𝒫!  -­‐1)  (W  +  M)  

se   indicarmos   a   razão   entre   o  montante   dos   custos   de  matérias-­‐primas   e   o  custo  de  mão  de  obra  por  J  teremos:  

w  =  1/  1  +  (  𝒫!  -­‐1)  (J  +  1)  

Desse   modo,   conclui-­‐se   que   a   parcela   dos   salários   na   renda   nacional   é  influenciada  pelo  grau  de  monopólio  e  pelos  custos  das  matérias  primas  e  da  mão  de  obra.  

O  restante  da  renda  nacional  fica  por  conta  dos  investimentos  e  gastos  com  o  

consumo  da  classe  de  alta  renda,  uma  vez  que  no  modelo  de  Kalecki   todo  o  salário  dos  trabalhadores  é  gasto  (CW),  pois  as  condições  de  formar  poupança  para  a  classe  de  trabalhadores  são  exíguas.  Assim,  a  demanda  D  é  composta  por:      D  =  CW  +  CL  +  I  =  salários  diretos  +  lucros        

 

 

 

Como:  CW  =  salários  diretos,    Logo:  L  =  CL  +  I    

Como  o  CW  é  igual  aos  salários  diretos  pagos  na  economia,  toda  a  criação  do  excedente  econômico,  i  e,  o  lucro  total  da  economia,  fica  por  conta  de  quanto  os  capitalistas    gastam  em  bens  de  investimento  (  I  )  e  bens  de  luxo  (CL).      

Com   o   avanço   das   sociedades,   não   percebemos   com   clareza   as   atividades  diretamente  relacionadas  ao  processo  de  produção  daquelas  que  não  o  são  e  que,   portanto  participam  dos   lucros   referenciados  na   identidade   acima.   Em  outros   termos,   é   uma   questão   em   aberto   a   real   dimensão   do   excedente  econômico.   Como   vimos,   temos   uma   tendência   a   considerar   o   excedente  como   poupança   (o   que   sobra,   uma   vez   satisfeita   as   necessidades   básicas  histórica   e   culturalmente   definidas).   Contudo,   como   as   necessidades   do   ser  humano   são   infinitas,   o   excedente   econômico   passa   a   ser   uma   categoria  analítica   conceitualmente   igual   ao   investimento,   poupança   e   lucro   para   a  teoria  macroeconômica   convencional.   Dissolve-­‐se   aparentemente,   assim,   na  sociedade  atual  a  sobreposição  do  trabalho  indireto  sobre  o  trabalho  direto.    

Na   dinâmica   capitalista,   os   salários   dos   trabalhadores   produtivos   vai  perdendo   espaço   para   a   composição   da   renda   formada   pelo   trabalho  improdutivo:   a   classe   de   alta   renda.   Essa   última   ganha   mais   do   que   suas  necessidades  correntes  e  portanto  acumula  riqueza.  Assim,  ela  tem  acesso  ao  crédito   dedicado   pelo   sistema   financeiro   e   não   tem   seus   gastos   em  investimento   e   bens   de   luxo   limitados   pelo   lucro   corrente.     Desse  modo,   o  

Consumo   dos  trabalhadores   Consumo   dos  

capitalistas  

Investimento  

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investimento   pode   crescer   por   meio   de   financiamentos   criando   mais  excedente   (poupança).   Este   o   principio   da   demanda   efetiva.   É   a   demanda  (por  investimento)  que  comanda  a  oferta  (de  poupança).    

*  *  *  

Em   termos   macroeconômicos,   o   excedente   é   teoricamente   à   parcela   do  produto  não  consumida:  é,  portanto,  a  produção  poupada  que  se  sobrepõe  as  reais  condições  de  posse  e  determinação  da  geração  do  excedente  econômico.  Promove-­‐se,  assim  uma  máxima  econômica:  a  sociedade  se  abstém  de  parcela  do   consumo   presente   ¬poupança¬   na   expectativa   de   trocá-­‐lo   por   um  consumo  maior   no   futuro.   Essa   ideia   pois   inicialmente   elaborada   por   Knut  Wicksell  (1903)  em  A  Natureza  e  a  Necessidade  dos  Juros.  

Abster-­‐se   do   consumo   presente,   propiciando   a   formação   de   um   excedente  econômico,   só   faz   sentido   se   realmente   formos   trocá-­‐lo   por   um   consumo  futuro   mais   vantajoso.   Por   outro   lado,   requer-­‐se   que   alguém   queira   trazer  para  hoje  seu  consumo  que  só  seria  efetivado  no  futuro.  À  medida  dessa  troca  entre   excedentes   econômicos   no   tempo   chamamos   de   juros   e   constitui   um  prêmio   aos   parcimoniosos   e   uma   penalidade   aos   consumidores   ansiosos.   A  taxa  de  juros  mede  assim  o  valor  do  excedente  econômico  amanhã  em  relação  ao   existente   hoje.   Acontece   que   não   conhecemos   o   amanhã   e   trocamos,  portanto,  uma  coisa  conhecida  por  outra  formada  por  expectativas.    

De  fato,  é  irracional  alguém  se  abster  do  consumo  presente  em  troca  de  nada.  Trocar   o   poder   de   compra   não   exercido   hoje,   ou   seja,   poupado,   por  maior  consumo   no   futuro   faz   parte   da   essência   do   desenvolvimento   econômico   e  isso  requer  que  os  bens  a  disposição  da  sociedade  no   futuro  represente  um  valor  maior  do  que  aquele  poupado  ¬  no  período  precedente.  A  questão  da  poupança  versus  investimento  envolve,  portanto,  aspectos  de  temporalidade.  Em  termos  macroeconômicos  o  conjunto  de  todas  as  poupanças  individuais  e  compulsórias   constitui   um   excedente   econômico   que   tem   como   destino   o  investimento  disponibilizando  maior  quantidade  de  produtos  a  disposição  da  sociedade  no  tempo29.    

29  No  plano  individual  uma  pessoa  faz  seu  pé  de  meia  ¬poupa¬  para  consumir  mais  e  

Para   Wicksell   existe   uma   taxa   de   juros   natural   cuja   base   está   no  reconhecimento   social   dos   recursos   disponíveis   para   suprir   as   demandas  atuais  e  futuras.  Assim,    os  empresários  estão  alinhados  em  seus  planos,  sob  a  taxa   de   juros   natural,   com   o   padrão   de   consumo   escolhido   pela   sociedade.  Isto  contribui  para  explicar  a  disparidade  de  taxas  de  juros  entre  países,  em  adição  a   visão   tradicional  que   considera  o   risco   como  a  variável   explicativa  principal.  Ainda,  nesta  visão,  podemos  dizer  que  manipulação  politica  da  taxa  de   juros   pelos   governos,   como   crédito   fácil   em   época   de   campanhas  eleitorais,   afastam   a   taxa   de   juros   de   seu   padrão   natural,   tendo   efeitos   no  nefastos   para   a   economia.   De   fato,   uma   taxa   de   juros   manipulada   cria   um  desalinhamento  entre  as  escolhas  do  que  se  deseja  consumir  hoje  e  no  futuro  com  os  planos  intertemporais  de  produção.  

A  Igreja  Católica  nos  idos  do  mercantilismo  se  posicionou  contra  a  existência  dos   juros,   sob   a   alegação   que   o   tempo   a   Deus   pertence.   Os   homens   não  estariam  habilitados  a  cobrar  (taxas  de)  juros  nas  relações  que  envolvessem  crédito   e   débito   tendo   o   tempo   como   parâmetro.   Essa   afirmativa,   digamos  divina,   não   resistiu   à   percepção   pela   sociedade   que   de   fato   a   taxa   de   juros  representa   uma   medida   da   quantidade   de   produtos   adicionais   obtida   no  futuro  em  relação  ao  período  anterior.  Ela  tem  competência  para  identificar-­‐se   com  o  que   chamamos  de   retorno  do   capital  ou   simplesmente   retorno  do  investimento.    

A  questão  central  é  que  nada  sabemos  sobre  o  futuro.  Não  sabemos  qual  será  o   valor   do   amanhã   e,   portanto   não   podemos   medi-­‐lo   para   estimar   com  precisão   a   taxa   de   juros   (R).   Assim,   só   podemos   estimar   ¬   formar  expectativas   de     ¬   quanto   valerá   o   excedente   no   futuro   com   base   nas  condições  atuais   (  1/1+R).  De  qualquer  modo,  a  existência  dos   juros  requer  

melhor   no   futuro.   Em  muitos   casos,   ele   acredita   que   sua   renda   futura   diminuirá   e,  portanto   seria  mais   vantajoso   se   precaver   poupando   hoje.   Ele   joga   o   seu   poder   de  compra   “grandioso”  hoje  para  o   futuro  com  distribuição  adequada  no   tempo.  Milton  Friedman  (1967)  chamou  esse  comportamento  de  renda  permanente.  Na  maioria  dos  países   parte   dessa   poupança   é   coletiva   e   compulsória,   como   no   caso   brasileiro   da  aposentadoria   do   Ministério   da   Previdência   Social.   Algumas   empresas   adotam   o  sistema   de   Fundo   de   Pensão   para   seus   funcionários,   geralmente   de   caráter   não  compulsório,  em  adição  ao  sistema  previdenciário  governamental.    

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uma  base  de  bens  materiais  constituídos  no  futuro  cuja  realização  de  compra  e  venda  permita  o  pagamento  dos  juros.    

A   macroeconomia   com   respeito   a   constituição   do   excedente/poupança  obteve,  pelo  menos,    duas  respostas  conflituosas  com  respeito  a  taxa  de  juros.  A  primeira,  é  que  ela  significando  a  troca  de  consumo  presente  por  consumo  futuro   favorece   a   constituição   de   excedentes   econômicos   (poupança).   Seu  aumento  projeta  um  futuro  mais  auspicioso  que  o  presente,  ocasionando  uma  predisposição  a  poupar  e  menos  a  consumir  no  presente.  Quando  ela  se  reduz  (aumenta)   estimula   (desestimula)   o   consumo   presente.   Esta   é   a   versão  neoclássica  da  taxa  de  juros.  A  segunda,  é  que  ela  pode  ser  útil  nos  processos  de   escolha   entre   rentabilidades   estimadas   de   ativos   financeiros   e   não  financeiros.   Assim,   ela   é   o   principal   componente   dos   movimentos  especulativos  marcados  pelas  competências  individuais  das  escolhas  entre  as  expectativas   de   valorização   dos   ativos   financeiros   e   não   financeiros,   pouco  contribuindo   para   a   formação   de   poupança.   A   taxa   de   juros   resume   a  centralidade  desse  processo,  por  cotar  o  preço  do  dinheiro.    Essa  é  a    versão  keynesiana.      

No   nexo   entre   a   economia   real   e   a   monetária,   os   ciclos   de   valorização   da  produção   demonstram   a   importância   da   taxa   de   juros   para   o   mundo  econômico.     Os   investidores   competem   entre   si   e   é   por   isso   natural   que  contraiam   empréstimos   buscando   uma   eficiência   superior   para   assim  obterem   parcelas   de   mercados   dos   concorrentes.   Nesse   processo,  contabilizam  suas  necessidades  de  créditos  em  relação  ao  total  de  seu  passivo  e   em  muitos   casos   contraem  novas   dívidas   para   pagamento   das   anteriores,  sucessivamente.   Assim,   asseveram   as   expectativas   de   um   futuro   grandioso.  São  esperados  com  este  processo,  pelo  menos,  dois  resultados.  O  primeiro  é  um   aumento   dos   juros,   pois   cada   investidor   não   conhece   a   estratégia   de  expansão   das   firmas   concorrentes   e   todos   concorrem   para   obter  empréstimos.  Assim,  as  operações  financeiras  e  não  financeiras  aumentam  na  fase  de  prosperidade    pressionando  a  disponibilidade  de  reservas  dos  bancos.  O  segundo  efeito  é  a  criação  de  um  excesso  de  oferta  produtiva  resultante  da  ampliação   dos   investimentos.   Entramos,   aqui,   na   fase   de   depressão   cíclica.  Como   as   empresas   resistem   inicialmente   a   reduzir   preços,  mesmo   em   uma  situação  de  oferta  maior  que  a  demanda,  a  taxa  de  juros  irá  diminuir  mas  isso  não   irá   propiciar   maior   consumo   presente   ou   novos   investimentos,   pois   a  demanda  agregada  não  foi  estimulada.    No  limite,  na    fase  de  descenso  cíclico,  

as   sucessivas   operações   de   crédito-­‐produção   irão   contribui   para   a   queda  generalizada   da   rentabilidade   do   capital   investido.   Esse   é   um   dos  mecanismos  clássicos  de  crise  do  sistema  capitalista  30.  

Caracteristicamente,  uma  vez  iniciado  o  processo  de  crise,  todos  contribuem  inicialmente   para   aprofundá-­‐lo   ao   buscarem   maiores   parcelas   de   um  excedente   econômico   cujo   valor   esta   diminuindo.   Os   rentistas   lutarão   por  maiores   retornos  de   seus   excedentes   econômicos   (rentabilidade  dos  papeis  financeiros),   os   empresários   competirão   com   mais   vigor   em   busca   de  mercados   promissores   para   seus   investimentos   (realização   de   lucros)   e   os  trabalhadores   lutarão   por   melhores   condições   (salários)   para   assegurar   a  continuidade  da  reprodução  social.      

30Para  as  entidades  que  compõem  o  sistema  financeiro  interessa  somente  a  cobrança  de  seus  serviços  de  intermediação  das  operações  entre  devedores  e  credores.  Assim,  quanto  mais   devedores  melhor   é...   para   eles.   Entretanto,   eles   avaliam   os   riscos   dos  empreendimentos   produtivos   e,   sob   o   manto   da   proteção   dos   depósitos   que  gerenciam  visando  a  maior  rentabilidade  de  seu  trabalho,  jogam  as  taxas  de  juros  de  captação   de   recursos   para   baixo   e   elevam   por   conta   dos   riscos   –   ou   perda   de  credibilidade  dos   investidores  –   a   taxa  de  empréstimo  para   cima.  Quando  o   circuito  poupança-­‐taxa  de  captação   -­‐  empréstimo-­‐   taxa  de  aplicação  não  se   realiza   recorrem  aos  bancos  centrais.  Afinal  os  poupadores  abriram  mão  de  seu  consumo  presente  e  os  investidores  calcularam  mal  o  rendimento  de  suas  operações  justamente  porque  com  taxas  de  juros  maiores  a  sociedade  decidiu  abrir  mão  de  seu  consumo  presente  tendo  em  vista  um  melhor  consumo  no  futuro.  Quando  o  Banco  Central  intervém,  o  prejuízo  dos   processos   de   escolhas   entre   poupadores   e   investidores,   sob   a   gerência   das  instituições  privadas  do  sistema  financeiro,  é  socializado.    

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3.  IDENTIDADES  BÁSICAS    

Do  ponto  de  vista  contábil  não  há  discórdia  sobre  a  igualdade  entre  demanda  e  oferta  agregada,  já  que  tudo  que  foi  produzido  deve  ser  consumido.  De  fato,  o   Produto   Nacional   apurado   em   um   período   é   igual   a   Despesa   Nacional  daquele   período   que   foi   realizada   por   meio   da   Renda   Nacional   auferida  naquele     período.   Assim,   ao   final   do   período   contábil   esses   valores   são  idênticos:   a   Despesa   Nacional   é   igual   ao   Produto   Nacional,   uma   vez   que   o  produzido   não   pode   ser   vendido   sem   ser   comprado.     A   procura   efetiva   da  economia,  no  entanto,  não  necessariamente  é  igual  ao  Produto  Nacional:  não  há  razão  para  acreditar  que  os  consumidores  estejam  desejosos  de  adquirir  a  mesma  quantidade  que  os  vendedores  querem  vender.    Para  a  contabilidade  nacional   isso   não   é   problema,   pois   como   vimos,   quando   os   produtores  produzem   em   excesso   as   estatísticas   o   consideram   como   investimento   (as  empresas   compram   os   estoques   não   vendidos).   Assim,   o   Produto   Nacional  corresponde   a   tudo   que   foi   produzido   e   não   a   totalidade   do   que   tenham  efetivamente  vendido  as  famílias  (oferta  efetiva).    

Oferta  e  demanda  agregadas  nas  economias  modernas  podem  ser  estilizados  como  segue  abaixo:  

 

 

Y  +  M  +    T  =  C  +  G  +  I  +  X    

   

 

 

O   lado   esquerdo   da   identidade   é   a   oferta   agregada   e   o   lado   direito   é   a  demanda   agregada.   Na   macroeconomia   oferta   e   demanda   reservam   um  aspecto   distintivo:   dizem   respeito   a   decisões   efetivas   dos   produtores   e  

consumidores  e  envolve  um  aspecto  crucial,  qual  seja:    o  livre  arbítrio  que  os  indivíduos  possuem  com  respeito  ao  destino  que  dão  ao  seu  dinheiro.  Dentre  as  varias  contribuições  de  Keynes  essa  foi  uma  das  principais.  Ele  chamou  de  princípio   da   demanda   efetiva   essa   arbitrariedade   cujo   limite   é   dar  significação  a  vontade  dos  seres  humanos,  como  discutido  anteriormente.  

Apesar   de   contabilmente   o   produto   ser   igual   a   demanda,   as   decisões   dos  agentes   econômicos   no   plano   microeconômico   podem   conferir   rumos   a  economia   distantes   daqueles   que   seriam   socialmente   desejados   ou  direcionados  ao  equilíbrio  econômico.  

3.1  UMA  ECONOMIA  SIMPLES  

A  macroeconomia  não  tem  um  modelo  que  represente  a  realidade  em  termos  de  economia  simples  sem  as  entidades  governo  e  comércio  exterior.  Keynes  a  formulou   inicialmente   considerando   o   gasto   do   governo   de   fundamental  importância,   pois   por   meio   dele   se   poderia   calibrar   a   demanda   e   oferta  agregadas   em   direção   ao   pleno   emprego.31   Apesar   disso,   vale   destacar   um  enfoque   simplificado   da   economia   para   caracterizar   dois   aspectos  importante:  a)  o   livre  arbítrio  que  o  ser  humano  tem  nos  seus  processos  de  escolha   entre   consumo,   poupança   e   investimento   e   b)   a   função   que   o  consumo  estabelece  para  o  crescimento  da  renda  (Y).  

Y  =  C  +  I  

O   Produto   (Renda)   Y   é   descrito   em   termos   de   bens   e   serviços   constituídos  pela   despesa   em   consumo   (C)   e   em   investimento   (I).   Vale   dizer,   o   que   é  produzido   em   uma   coletividade   são   bens   destinados   ao   consumo   popular  (bens  e  serviços  finais)  ou  a  composição  dos  investimentos  (bens  de  capital).  Do   ponto   de   vista   da   contabilidade   nacional   a   equação   acima   é   uma  identidade.    

31  Posteriormente,  somente  nos  anos  de  1950  é  que  foi   introduzida  nesta  identidade  as     relações  econômicas  com  os  parceiros  comerciais  no  estrangeiro,  provavelmente  porque  apos  a  Segunda  Guerra  Mundial  as  relações  de  comércio  internacional  ficaram  mais  intensas.

Gastos  do  Governo  

investimento  

Consumo  Exportação  

Impostos    

Produto  Nacional    

Importação    

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O   próximo   passo   é   encontrar   uma   identidade   correspondente   para  examinarmos  o  destino  da  Renda.  Uma  parte  será  gasta  em  consumo  e  parte  será  poupada  (S).  Assim  podemos  escrever.    Y=  S  +  C  

Então:  C  +  I  =  Y  =  C  +  S  

I  =  Y  –  C  =  S  

Esta   última   identidade   constitui   um   resultado   importante.   Mostra  primeiramente  que,  nesta   economia   simples,   a  poupança  é   idêntica   à   renda  menos   consumo.   O   investimento   é,   portanto,   idêntico   à   poupança   após   a  apuração  contábil.    

No   mundo   real,   uma   situação   de   equilíbrio   macroeconômico   é   pensada  quando   as   expectativas   dos   investidores   e   poupadores   ¬   entre   o   quanto  investir  e  o  quanto  poupar  ¬  se  aproximam  tornando  a  quantidade  ofertada  próxima   a   quantidade   demandada.     É   obvio   que   essas   expectativas   estão  longe   de   formarem   um   volume   de   popanças   próximo   ao   desejado   pelos  investidores  e  vice-­‐versa.    

A   totalidade   dos   investimentos   pode   expressar   parcela   de   um   aumento   de  estoque  involuntário  como  resultado  de  erros  por  parte  dos  produtores  que  esperavam  vender  mais  do  que  na  realidade  o  fizeram.  Dito  de  outra  forma,  a  maior  poupança,  que  pode  ser  representada  pelo  excesso  de  investimento  em  relação  aos  gastos  de  consumo,  resulta  de  os  indivíduos  decidirem  consumir  menos  (mesma  medida  dos  estoques  involuntários)  e  assim,  poupar  mais  do  que  o  esperado  pelas  empresas.  A  situação  contrária  pode  ocorrer  levando  os  consumidores   a   poupar   menos   e,   portanto,   consumirem   mais   do   que   o  esperado  pelos  produtores  que  planejaram  seus  investimentos  subestimando  a  demanda  potencial,  no  caso:  o  nível  de  consumo.    

Essas   situações   são  muito   comuns   e   pertencem   ao  mundo   do   livre   arbítrio  que   os   indivíduos   possuem   para   fazerem   o   que   bem   entendem   com   a   sua  renda.   O   exercício   da   vontade   pelos   indivíduos   em   relação   a   sua   renda   é   a  causa  primária  da  demanda  por  bens,  serviços  e  investimentos  na  economia.  

O   consumidor  ao  decidir  o  que  gastar  em  consumo  estará,  por   conseguinte,  também   definindo   o   que   será   poupado.   De   fato,   a   poupança   representa   o  domínio   das   decisões   com   respeito   ao   quanto   reservar   dele   para   gastos   do  governo,  lazer,  investimento  em  bens  públicos  e  privados,  educação,  saúde    e  tantas   outras   coisas   oriundas   do   excedente   econômico   formam   o  contradomínio.  

Considerando  os  elementos  que  põem  em  movimento  o  mundo  econômico,  os  empresários   ao   perceberem   que   investiram   mais   do   que   os   consumidores  desejavam   consumir   se   sentirão   forçados   a   reduzir   preços   ou   seus  investimentos  no  sentido  de  diminuírem  seus  estoques.  A  situação  contrária  também   pode   acontecer,   isto   é,   no   curso   da   produção   o   consumo   pode   se  posicionar  além  do  que  as  empresas  investiram.  Como  a  demanda  é  superior  a   quantidade   de   produtos   disponíveis,   os   preços   serão  majorados   e,   ou,   as  empresas   investirão   rapidamente   para   prover   a   quantidade   de   bens   e  serviços   desejados.   Esses  movimentos   de   aproximação   e   afastamento   entre  poupança   e   investimento   acontecem   porque   os   consumidores   e   os  investidores   criam  expectativas   com  respeito   ao  mundo  econômico  que   são  diferentes.   Este   é   o   ambiente   da   macroeconomia:   calibrar   variáveis   de  politica   governamental   para   aprumar   agregados   econômicos   em  direção   ao  equilíbrio  (estabilização)  e  ao  pleno  emprego  (crescimento).  

Os  economistas,  nos  seus  esforços   investigativos,  pensam  a  economia  como,  primeiramente   estando   em   equilíbrio:   poupança   igual   a   investimento,  Tributação  igual  a  Gastos  do  Governo,  Exportação  igual  a  Importação:  enfim,  Renda   igual   a   Produto.   Depois,   então,   estimam   o   quanto   as   variáveis   estão  distantes   em   relação   as   suas   contrapartes.   Os   resultados   alcançados   são  apropriados   pelos   formuladores   da   política   econômica   que   procuram  influenciar  os  indivíduos  nas  suas  escolhas  econômicas  usando  instrumentos  das   políticas   fiscal   e  monetária.   Procuram   calibrar   as   variáveis   econômicas  para  conduzir  a  economia  a  um  nível  de  renda  e  produto  que  se    aproxime.  

3.2  INTRODUZINDO  O  GOVERNO  E  O  MERCADO  EXTERNO.  

Podemos   aproximar   a   economia   simples   ao   mundo   atual   considerando   a  existência   do   governo   e   das   relações   econômicas   com  os   demais   países.  De  modo  singelo,  podemos,  sem  perda  de  conteúdo,  decompor  o  PNB  pela  ótica  do   destino   da   produção.   Assim,   ele   corresponde   as   categorias   listadas   a  

S

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seguir,  como  vimos  anteriormente.  

PNB  =  C  +  I  +  G  +  (X  –  M)    

Os   gastos   do   governo   são   representados   pela   letra   G   (gastos   correntes,   de  investimento,  transferências  para  o  setor  privado,  incluindo  o  pagamento  de  juros).   A   inclusão   das   transações   econômicas   com   demais   países   é  representada  pelas  exportações  líquidas:  exportações  (X)  menos  importações  (M)   de   bens,   serviços,   incluindo   os   pagamentos   e   recebimentos  internacionais   de   rendas   devidas   a   utilização   dos   fatores   de   produção   e  transferências   unilaterais   caracterizadas   por   doações,   de   toda   ordem.  Consumo  (C)  e  investimentos  (I)  são  conceitos  já  estabelecidos.  

Como  vimos,  a  Renda  Nacional  (Y)  é   igual  ao  PNB  menos  a  depreciação  e  os  impostos   (T).   Adicionando   a   Renda   Nacional   as   transferências  governamentais   as   famílias   (TR)   encontramos     a   Renda   disponível   (Yd).  Então:    

RN  –  T  +  TR  =  Yd;  

Yd  =  C+  S;  

C  =  Yd  -­‐  S  

Fazendo   as   devidas   substituições   na   identidade   da   Renda   e   incluindo   as  transferências   governamentais   as   famílias   (TR)   como   parcela   do   gasto  governamental  (G)  obtemos:  

Yd  +  T  =  Yd  —  S  +  I  +  G  +  X  —  M  

Que  segue:  

(T  –  G)  -­‐  TR  =  (I  –  S)  +  (X  –  M)  

ou  

(S  –  I)  =  (G  –  T)  +  (X  –  M)  

Essa  identidade  manifesta  o  desequilíbrio  entre  poupança  e  investimento  do  setor  privado  (S  —  I)  tendo  como  contrapartida  o  desequilíbrio  no  orçamento  público  (G  —  T)  e,  ou,  nas  exportações  liquidas  (X  —  M).    

Em   outras   palavras,   quando   o   investimento   privado   é   maior   do   que   a  poupança  nacional  a   interpretação  é  que  a  economia  contou  com  o   ingresso  de   poupança   (empréstimos)   externa   complementar.   Esse   complemento   é  justamente   os   ingressos   de   recursos   externos   caracterizados   na   identidade  por  M   que   serão   superiores   as   exportações   (X)   na  medida   para   realizar   os  investimentos   além   daquele   que   seria   possível   somente   com   a   poupança  nacional.  

Resumindo,   investimentos   superiores   a   poupança   doméstica   ou   gastos  governamentais  maiores  do  que  a   receita   tributária  propiciam  a  entrada  de  poupança   externa.   Contrariamente,   interpretamos   a   poupança   doméstica  acima   dos   investimentos   como   um   saldo   positivo   líquido   com   o   exterior   e,  portanto  o  país  é  um  exportador  de  poupança  (de  capital).  Observem  que  o  efeito  vai  do  investimento  para  a  poupança.  São  as  decisões  de  investimento  no   país   que   indicam   a   entrada   ou   saída   dele   ou   em   outras   palavras   o  comportamento   das   exportações   líquidas   32.     A   política   fiscal   e   monetária  podem  influenciar  esse  processo  manipulando  a  taxa  de  juros  e  a  de  câmbio.    

As   linhas   de   gastos   do   governo   são,   geralmente,   numerosas   em   função   das  atividades   demandadas   pela   sociedade.   O   Estado,   de   modo   geral,   cuida   do  provimento   de   hospitais   públicos,   arca   com   o   saneamento   básico,   fornece  educação  e   segurança  pública   aos   seus   cidadãos,  para   citar   as   funções  mais  usuais.   Cabe   ao   Estado   também   efetuar   transferências   ao   setor   privado   e  prover  infraestrutura  adequada  a  sociedade.  Quando  os  gastos  se  apresentam  maiores   do   que   a   tributação,   o   financiamento   é   obtido   por   meio   do  lançamento  de  títulos  de  dívida  pública.  Esses  títulos  são  leiloados  pelo  Banco  

32   Raramente   o   saldo   positivo   externo   significa   receita   tributária   acima   dos   gastos  governamentais,   pois   tal   situação   nos   levaria   a   pensar   que   o   governo   estaria   tendo  “Lucros”  o  que  claramente  em  ambientes  democráticos  é  impensável;  pagar  impostos  acima  das  necessidades  do  Estado  para  o  cumprimento  de  suas  funções.    

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Central  contendo  cláusulas  contratuais  indicativas  de  valor  e  data  de  resgate  no  futuro.    

No   caso   brasileiro,   a   política   governamental   prioriza   o   estabelecimento   do  superávit  primário  dos  gastos  públicos   construído  pelas   receitas   tributárias  menos  as  despesas  correntes  e   investimento  do  governo.  Ele   indica  do   total  arrecadado  pela  tributação  para  cumprir  as  funções  tradicionais  do  Estado,  o  que   restou   para   ser   utilizado   no   resgate   e   pagamento   dos   juros   dos   títulos  públicos  lançados  no  passado  com  vencimento  presente  ou  futuro.    

No   Brasil,   o   conceito   de   superávit   primário   inicialmente   foi   usado   para  diferenciar  o  que  era  gasto  corrente  do  que  era  mero  pagamento  de  juros  da  dívida   pública.   A   partir   da   orientação   do   FMI,   nos   anos   90,   o   superávit  primário  passou  a  ser  instituído  por  metas  definidas  previamente.  Assim,  os  parâmetros   da   arrecadação   tributária   passaram   a   ser   calibrados   para  formarem   uma   receita  maior   do   que   aquela   requerida   pelo   Estado   para   os  gastos   imediatos   com   o   provimento   de   suas   funções   básicas.   Por   conta   do  estabelecimento   de   metas   de   superávit   primário,   os   tributos   arrecadados  foram   continuamente   elevados.   A   carga   tributária   brasileira   é   uma   das  maiores  do  mundo  em  proporção  ao  PIB.  Em  2009  foi  cerca  de  40  %,  superior  à  dos  Estados  Unidos  (25,77%)  e  do  Japão  (26,28%),  por  exemplo.    É  inferior,  no  entanto,  à  carga  tributária  de  países  como  a  Suécia  (51,35%),  Dinamarca  (49,85%)   Bélgica   (46,85%)   e   França   (45,04%),   que   apresentam   economias  com  alto  grau  de  bem-­‐estar  social  causado  justamente  por  políticas  públicas  adequadas.  

Observe  que  na  identidade  acima,  a  elevação  da  tributação  com  a  redução  dos  gastos   correntes   governamentais   ou   de   infraestrutura   rebatem  no  mercado  externo   atenuando   as   importações   (M).     Vale   dizer,   o   alcance   do   equilíbrio  externo  neste  caso,  se  dá  em  detrimento  das  possibilidades  de  crescimento  da  economia   doméstica   impulsionada   pelos   gastos   governamentais.   Pelo   lado  das   exportações,   elas   são   autônomas   e   dependem   dos   demais   países  desejarem  nossos  produtos  e  terem  dinheiro  para  comprá-­‐los.    

De  fato,  o  maior  desempenho  exportador  pode  atenuar  os  efeitos  adversos  na  economia   causados   pelo   estabelecimento   das   metas   para   o   superávit  primário.  No  entanto,  a  receita  das  exportações  depende  essencialmente  das  

circunstâncias   e   condições   dos   nossos   parceiros   comerciais   externos.   Já   as  importações   podem   ser   controladas   por  meio   de   políticas   de   contração   da  demanda   agregada.   Por   esse   motivo   os   ajustamentos   macroeconômicos  exercidos   sobre   o  mercado   doméstico   visam,   também,   reduzir   importações  reduzindo  a  necessidade  de  novos  empréstimos  externos.  

 

3.3  RENDA  E  O  BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  

Na   seção   anterior   relacionamos   as   transações   econômicas   do   país   com   os  parceiros   internacionais   introduzindo   na   contabilidade   nacional   um   agente  externo  (X-­‐M),  em  adição  as  contas  das  famílias,  do  governo  e  das  empresas.    As   relações   econômicas  do  país   com  o   resto  do  mundo   foi   olhada  de   forma  compacta  não  fazendo  distinção  entre  as  variações  de  estoques  patrimoniais  dos   residentes   e   não   residentes   decorrentes   das   relações   econômicas  internacionais.   Essa   seção   faz   essa   decomposição   por   meio   do   estudo   do  Balanço  de  Pagamentos.    

O  Balanço  de  Pagamentos  registra  as  transações  econômicas  entre  residentes  e  não  residentes  de  um  país.  As  transações  são  efetuadas  pelo  setor  público  e  privado.   Incluem   o   comércio   de   bens   e   serviços   (balança   comercial),  pagamentos   pela   utilização   de   fatores   de   produção   de   propriedade   dos  residentes  e  dos  não  residentes  (rendas  enviadas  e  recebidas),  transferências  unilaterais  e  as  transações  com  ativos  financeiros  e  monetários.    

A  tabela  abaixo  foi  extraída  do  Banco  Central  do  Brasil  e  contempla  o  Balanço  de  Pagamentos  Brasileiro  no  ano  de  2009.  

Seu  método  contábil  é  o  de  partidas  dobradas  onde  um  registro  representa  a  natureza   econômica   e   outro   à   contrapartida   monetária   ou   financeira.   Os  lançamentos  são  feitos  em  dólar  americano.  

Faz-­‐se   distinção   entre   as   transações  por   conta   corrente   –   bens   e   serviços   e  pagamentos   unilaterais   (doações,   por   exemplo)   –   e   as   transações   de   ativos  monetários   e   financeiros.   Dentro   desta   última,   se   faz   distinção   entre   as   de  curto  prazo  e  longo  prazo,  dependendo  se  o  vencimento  do  ativo  seja  inferior  ou   não   há   um   ano   e   também   se   os   ativos   financeiros   são   de   natureza  

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autônoma  ou  compensatória.    

Desde   os   anos   50,   quando   o   padrão   de   acumulação   mundial   se   alterou  radicalmente   por   conta   do   espetacular   desenvolvimento   tecnológico,  originado   pela   II   Guerra   Mundial,   as   relações   entre   países   se   tornaram  intensas.   Esse   fenômeno   produziu   um   debate   em   torno   da   definição  apropriada   de   um   déficit   no   balanço   de   pagamento,   bem   como   da  apresentação   das   contas   que   o   integram.   Vale   observar   que   o   Balanço   de  Pagamentos   tem   saldo   igual   à   zero  pois   pela  definição  de  balanço  o   ativo   é  sempre  igual  ao  passivo,  pela  aplicação  do  método  de  partidas  dobradas.    

Transações  Correntes  (CT)  –  Conta  Capital  e  Financeira  (CKF)  =  0  

Se  a  combinação  entre  o  saldo  em  transações  corrente  e  a  conta  de  capital  e  financeira  resultar  em  déficit  (superávit)  o  pensamento  convencional  é  que  as  condições  econômicas  entre  o  país  e  o  resto  do  mundo  criaram  um  excesso  de  demanda   (de  oferta)  de  divisas   internacionais.  No   ano  de  2009,   o   saldo   em    transações  correntes  foi  negativo  em  cerca  de  24  bilhões  de  dólares,  inferior  ao   ingresso   pela   conta   de  movimentos   de   capital   que   girou   ao   redor   de   71  bilhões.  A  diferença  é  exatamente  retratada  na  variação  de  haveres  externos  (H)  ¬  resultado  do  balanço¬  com  o  resto  do  mundo.    

Assim:    (CT)  –  (CKF)  –  Δ  H  =  0  

 

Os   haveres   externos   representam   justamente   a   variação   da   reservas    internacionais  ΔRI  (com  o  sinal  trocado).  

(CT)  –  (CK)  =  Δ  H  =  Δ  RI  

 

 

 

BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  DO  BRASIL  Nome  da  conta   2009  Balança  comercial  (saldo)   25290  Exportação  de  bens  (fob)   152995  Importação  de  bens  (fob)   -­‐127705  Serviços  e  rendas  (líquido)   -­‐52930  Serviços  (líquido)   -­‐19245  Serviços  (receita)   27728  Serviços  (despesa)   -­‐46974  Rendas  (líquido)   -­‐33684  Rendas  (receita)   8826  Rendas  (despesa)   -­‐42510  Transferências  unilaterais  correntes  (líquido)   3338  Transações  correntes  (saldo)   -­‐24302  Conta  capital  e  financeira  (líquido)   71301  Conta  de  capital  (líquido)   1129  Conta  financeira  (líquido)   70172  Investimento  direto  total  (líquido)   36033  Investimento  brasileiro  direto  -­‐  IBD  (líquido)   10084  IBD  -­‐  participação  no  capital  (líquido)   -­‐4545  IBD  -­‐  empréstimos  intercompanhia  (líquido)   14629  Investimento  estrangeiro  direto  -­‐  IED  (líquido)   25949  IED  –  part.  no  capital  -­‐  inclui  reinvestimento  -­‐  total  (líquido)   19906  IED  -­‐  empréstimo  intercompanhia  -­‐  total  (líquido)   6042  Investimento  em  carteira  -­‐  total  (líquido)   50283  Investimento  brasileiro  em  carteira  -­‐  IBC  (líquido)   4125  IBC  -­‐  ações  de  companhias  estrangeiras  -­‐  total  (líquido)   2582  IBC  -­‐  títulos  de  renda  fixa  -­‐  LP  e  CP  (líquido)   1542  Investimento  estrangeiro  em  carteira  -­‐  IEC  (líquido)   46159  IEC  -­‐  ações  de  companhias  brasileiras  -­‐  total  (líquido)   37071  IEC  -­‐  títulos  de  renda  fixa  -­‐  total  (líquido)   9087  Derivativos  -­‐  total  (líquido)   156  Derivativos  -­‐  ativos  (líquido)   322  Derivativos  -­‐  passivos  (líquido)   -­‐166  Outros  investimentos  -­‐  total  (líquido)   -­‐16300  Outros  investimentos  brasileiros  -­‐  OIB  -­‐  total  (líquido)   -­‐30376  Outros  investimentos  estrangeiros  -­‐  OIE  total  (líquido)   14076  Erros  e  omissões   -­‐347  Resultado  do  balanço   46651  

Fonte;  Banco  Central  do  Brasil.  

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 Observe  que  o  saldo  em  conta  corrente  negativo,  embora  possa  ser  coberto  pela   conta   capital   e   financeira,   contabilmente   indica,   na   mesma   medida,   a  necessidade  de  financiamento  externo  que  no  final  das  contas  representa  um  endividamento   externo   naquele   montante.   Isto   porque   a   conta   capital   e  financeira   mostra   transferências   patrimoniais   que   a   qualquer   momento  podem  ser  desfeitas.  Representa  o  passivo  ou  ativo  de  um  país  em  relação  aos  demais.     O   saldo   em   conta   corrente,   por   seu   lado,   representa   o   que   restou  monetariamente,   uma   vez   consumido/extinto   produtos   e   serviços   entre  residentes  e  não  residentes.    

O  Brasil,  que  vinha  tendo  saldos  negativos  em  conta  corrente  no  Balanço  de  Pagamentos  durante  os  anos  1970/80  renegociou  a   sua  dívida  externa  com  os  bancos  internacionais  em  julho  de  1992,  através  de  acordos  que  alteraram  o  perfil  da  dívida.  O  elemento  essencial  desse  tipo  de  acordo  foi  à  renovação  da  dívida,  mediante  sua  troca  por  bônus  de  emissão  de  títulos  internacionais  brasileiros,  cujos  termos  envolvem  abatimento  do  encargo  da  dívida,  seja  sob  a  forma  de  redução  de  seu  principal,  seja  por  alívio  da  carga  de  juros.  

O  governo  brasileiro  desde  aquela  época  está  autorizado  a  realizar  operações  de   compra   e   venda   de   títulos   da   dívida   mobiliária   externa.   Eles   são  renegociados  ou  trocados  por  outros  títulos  (de  emissão  interna  ou  externa),  para   fins  de   redução  do  estoque   (ou  encargos)  da  dívida,   com  alongamento  dos   seus   prazos,   ajuste   no   perfil   do   endividamento   público   e   incentivo   a  projetos   específicos.   No   final   do   ano   de   2009   a   dívida   externa   brasileira  composto   por   títulos   internacionais   correspondia   a   277   bilhões   de   dólares,  pelos   dados   do   Banco   Central.   No   ano   passado   (2013)   ela   somou   valores  superiores  a  300  bilhões  de  dólares.  A  divida  externa  compreende  transações  do   governo   nas   esferas   federal,   estadual   e  municipal,   do   setor   privado,   das  instituições  financeiras  e  do    Banco  Central.  Ela  representa  parcela  do  passivo  da  economia  brasileira  e  as  reservas  internacionais  o  ativo.      

3.3.1  ASPECTOS  MONETÁRIOS  DO  BALANÇO  DE  PAGAMENTOS  

Vamos   introduzir,   agora,   alguns   aspectos   monetários   do   Balanço   de  Pagamentos.   Existe   uma   relação   íntima   entre   as   variações   das   reservas  cambiais  e  a  base  monetária,   já  que  a  moeda  nacional  é  de  curso   forçado.  O  ingresso   de   moeda   estrangeira   destinado   aos   residentes,   sob   qualquer  

modalidade,   deve   ser   convertido   em   moeda   nacional,   à   taxa   de   câmbio  prevalecente.   De   igual  modo,   os   estrangeiros   são   inclinados   a   converterem  seus  pagamentos  em  moedas  nacionais,   já  que  comprarão  produtos  no  seus  país  estrangeiro,  salvo  se  o  país  não  adota  o  curso  forçado  de  sua  moeda  ou  mantenha   acordos   de   aceitação   pelo   mercado   doméstico   de   determinadas  moedas  estrangeiras33.    

Quando  os   ingressos  de  moeda  estrangeira  são  maiores  do  que  as  saídas  de  moeda   nacional,   temos   um   saldo   positivo   de   reservas   internacionais   que  recebem  sua  contraparte  em  moeda  nacional.  Quando  o  contrário  ocorre;  os  importadores   pagam   mais   pelos   produtos   externos   que   os   exportadores  recebem   por   suas   vendas   externas,   o   efeito   é   de   contração   da   liquidez  doméstica.    

Isso   pode   ser  mais   bem   entendido   com   o   auxilio   das   contas   do   Balanço   do  Banco  Central,  como  apresentado  de  modo  estilizado  a  seguir.    

 

Balanço  Simplificado  do  Banco  Central  ATIVO   PASSIVO  Reservas  internacionais  (  RI)   Dinheiro  primário  (H)  Crédito  Público  (CP)    

Assim,  do  balanço  simplificado  acima  se  deduz  que:  

∆RI  =  ∆H  —  ∆CP  

33   Existe   um   conjunto   razoável   de   países   que   aceitam   moedas   estrangeiras   pré-­‐determinadas  em  suas  transações  internas.  Os  países  do  MERCOSUL,  Brasil,  Argentina,  Uruguai,   e   Paraguai,   por   exemplo,   assinaram   recentemente   um   acordo   de   Crédito  Recíproco  que  significa  a  aceitação  nas  transações  de  importação  e  exportação  entre  eles  da  moeda  nacional  do  parceiro   comercial.    A  Argentina,   por   exemplo,   há  pouco  tempo   atrás,   adotou   um   sistema   cambial   ancorado   no   dólar.:   Internamente   era  utilizado   tanto   a   moeda   nacional   quanto   a   moeda   norte-­‐americano   nas   transações  internas  a  uma  taxa  de  conversibilidade  fixada.  

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Esse  é  um  modelo  de  balanço  ideal  do  Banco  Central.  A  variação  das  reservas  internacionais  líquidas  ∆RI  rebate  na  diferença  entre  a  variação  de  dinheiro  e  o   crédito   público   do   Banco   Central.   (composto   pelos   títulos   da   dívida  pública).  

Uma  queda  nas  reservas  internacionais  –  situação  de  déficit  externo  -­‐  indica  que  os  residentes  contrataram  bens  e  serviços  ou  compraram  ativos  do  resto  do  mundo  além  do  que   receberam  por   suas  vendas  externas.  A  variação  do  dinheiro  primário  ∆H  será,  portanto  negativa,  contraindo  a   liquidez   interna.  No   limite,   esta   situação   faz   com   que   os   preços   domésticos   caiam,   os   juros  subam,   os   investimentos   sejam   refreados   e   o   desemprego   aumentado.   Em  resumo:   a   demanda   agregada   se   contrai   reduzindo   a   atividade   econômica.  Assim,  as  importações  se  contraem  ajustando  automaticamente  o  Balanço  de  Pagamentos.    

Uma   elevação   nas   reservas   internacionais   sugere   efeitos   justamente  contrários:  a   liquidez  doméstica  aumenta,  os   juros  caem   favorecendo  novos  investimentos   e   o   desemprego   diminui.   Neste   caso,   a   economia   doméstica  aquecida  requer  quantidade  adicional  de  importáveis  e  como  as  exportações  são   autônomas   em   relação   ao   nível   de   renda   interna,   o   Balanço   de  Pagamentos   também   se   ajusta   automaticamente   (no   próximo   capítulo  veremos   com   mais   propriedade   o   comportamento   das   importações   e  exportações  em  relação  a  variação  da  renda).  Assim,  podemos  imaginar  que  o  Balanço   de   pagamentos   pode   ter   movimentos   alternados   entre   déficits   e  superávits  ao  longo  do  tempo,  o  que  sugere  que  no  longo  prazo  ele  encontra-­‐se  em  equilíbrio34.      

E   razoável   supor,   no   entanto,   que   os   governos   não   sigam   os   ensinamentos  postos   pela   ideia   do   ajuste   automático   do   Balanço   de   Pagamento,   pois   sua  validade   depende   dos   demais   países   perseguirem   também   esses  ensinamentos.   Para   que   de   fato,   o   ajustamento   automático   se   verifique   é  necessário  que  todos  os  países  utilizem  seus  Bancos  Centrais  como  caixas  de  

34  Um  dos  autores  desse  pensamento  foi  D.  Hume  no  século  XVIII,  na  época  em  que  o  ouro  era  a  moeda  reserva  internacional  e  os  balanços  de  pagamentos  se  ajustavam,  de  fato,  automaticamente,  pois  não  existia  a  possibilidade  de  manipulação  cambial,  dado  que  ele  tinha  livre  transito  internacional.  

compensação,  abrindo  mão  de  medidas  compensatórias  em  face  de  um  déficit  externo.    

Na  existência  de  desequilíbrio  externo,  os  países  podem  atenuar  os  efeitos  da  menor   liquidez   monetária   contraindo   dívidas   externas,   com   as   quais   se  permitem   continuar   importando   acima   do   permitido   pela   receita   cambial  providenciada   pelas   exportações.   De   fato,   o   Banco   Central   amplia   seus  créditos   públicos   (CP)   em   moeda   nacional   no   montante   requerido   pelo  endividamento   externo   em  dólares   a   taxa  de   cambio  de  mercado.     Assim,   a  redução  da  liquidez  -­‐  na  ausência  de  uma  política  ativa  do  Banco  Central  -­‐  por  conta   da   variação   negativa   no   dinheiro   primário   (H),   é   esterilizada   e   os  efeitos  negativos  na  economia  doméstica  que  seriam  causados  pela  contração  da   demanda   agregada   são   postergados.   O   aumento   do   crédito   público   ∆CP  pode   ser   utilizado   para   estabilizar   o   volume   de   dinheiro   primário   que  sofreria   redução   por   conta   de   uma   variação   negativa   no   saldo   comercial  externo.   Como   não   houve   contração   da   liquidez,   as   condições   no   mercado  doméstico  não  se  alteram  e  o  déficit  do  saldo  em  conta  corrente  do  Balanço  de   Pagamentos   passa   a   ser   financiado   por   empréstimos.   Essa   política   é  denominada   de   esterilização   dos   efeitos   monetários   do   Balanço   de  Pagamento.  

3.3.2.    Ampliando  o  modelo  

Quando   ampliamos   a   relação   contábil   do   balanço   do   Banco   Central   para  incluí-­‐lo  no  sistema  Financeiro  e  Bancário  consolidado  temos:  

Balanço  Consolidado  do  Sistema  Bancário  ATIVO   PASSIVO  Reservas  internacionais  (RI)   M2  Crédito  Doméstico  (CD*)    

∆  (X—M)  =  ∆RI  =  ∆M2  —  ∆CD*  

 

Essa   perspectiva   financeira-­‐monetária   compreende   a   aquisição   de   ativos  externos   pelo   sistema   bancário   por   meio   da   expansão   monetária   e   da  

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expansão   do   crédito.   M2   é   a   denominação   para   os   meios   de   pagamentos,  constituídos  pelo  papel-­‐moeda  em  poder  do  público  mais  os  depósitos  a  vista  de   curto   e   longo   prazo   nos   bancos   comerciais35.   Podemos   considerar   o  crédito   doméstico   (CD*)   como   composto   pela   soma   do   crédito   ao   setor  público  (CP)  mais  o  crédito  ao  setor  privado  não-­‐bancário  (CD).    

Assim;  

∆CD*  =  ∆CP  +  ∆CD  

Desde  que  se  supõe  que  o  déficit  público  seja  financiado  mediante  o  recurso  do  endividamento  público  com  o  sistema  bancário,  temos:  

∆CP  =  ∆G  -­‐  ∆T  

Substituindo  os  termos  encontramos:  

∆  (X—M)  =  ∆RI  =  ∆M2  —  ∆CD  —  (∆G  —  ∆T)  

Uma   queda   na   variação   de   ΔRI,   mantendo-­‐se   M2   constante   demanda  expansão  do   crédito  doméstico   (∆CD)  ou  alternativamente  em  um  aumento  do  déficit  público  (∆G>∆T).  

Essa   identidade   foi   bastante   utilizada   pelos   países   com   dívida   externa,   na  qual   caracterizavam   intenções   demonstrativas   de   ajustamento  macroeconômico   do   país   (redução   da   demanda   agregada)   ao   Fundo  Monetário   Internacional   (FMI)   para   obter   o   seu   aval   e   continuar   se  endividando  ou  postergando  os  pagamentos  dos  encargos  da  divida  externa.  Os   cálculos   de   engenharia   financeira   são   amplamente   utilizados   para  estabelecer   tetos   ao   crédito   público   (CP)   e   ao   setor   privado   não-­‐bancário  (CD)  em  relação  a  expansão  dos  meios  de  pagamentos   (M2).  Em  casos  mais  

35   O   conceito   de  meios   de   pagamento   será   abordado   com  mais   propriedade  mais   a  frente.  Por  enquanto  basta   associa-­‐lo   ao  que  o  próprio  nome  sugere:  dinheiro    para  pagar  as  aquisições  de  bens  e  serviços.  

dramáticos,  como  resultou  ser  no  caso  brasileiro  a  partir  de  meados  dos  anos  de  1980,  a  redução  do  déficit  público  para  níveis  compatíveis  com  a  redução  da  demanda  agregada  passou  a  ser  alcançada  através  da  aplicação  de  metas  para  o  superávit  primário.    

No  caso  brasileiro,  programas  de  privatizado  do  Estado  e  “enxugamento”  da  máquina   estatal   foram   também   adotados   como   forma   de   reduzir   o   déficit  público   nos   anos   de   1990.   Esse   programa   adicionado   a   politica   monetária  contracionista   elevando   as   taxas   de   juros   exerceu   uma   redução   no   crédito  doméstico   (∆CD)   desestimulando   a   demanda   agregada.     O   resultado   final  esperado  é  o  de  aumentar  as  reservas  internacionais  por  contração  na  renda  doméstica   para   solucionar   os   problemas   de   ajustamento   no   balanço   de  pagamentos  causados  pela  elevação  dos  juros  internacionais.  Os  contratos  da    divida  externa  brasileira  nesta  época  somavam  valor    superior  a  100  bilhões  de  dólares.      

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4.  FUNÇÃO  CONSUMO  E  DEMANDA  AGREGADA  

Como  vimos  anteriormente,  a  Contabilidade  Nacional  trata  a  quantificação  da  Renda  e  do  Produto  e  de   seus   componentes   (gastos  do  governo,   tributação,  consumo,   investimento,  poupança,   importação  e  exportação)  como  variáveis  independentes   uma   das   outras.   Ela   inventaria   esses   agregados   em   um  determinado   período   de   tempo   em   moeda   corrente.   Podemos,   depois,  depurá-­‐los   dos   aspectos   monetários   expressando   seus   valores   em   moeda  constante   ou   em   moeda   internacional,   mas   essa   quantificação   é   feita   sem  relacioná-­‐los   funcionalmente.   A   disciplina   macroeconomia   faz   justamente  esse  “dever  de  casa”  :    relacionar  a  direção  dos  nexos  entre  os  agregados.    

Os  níveis  da  Renda  e  do  Produto  são  determinados  pelo  comportamento  de  seus   componentes.  Variações  nos   investimentos,  nas  exportação,  nos  gastos  do   governo   e   nos   demais   agregados   econômicos  não   impactam  a   renda   e   o  produtos  na  mesma  magnitude  de  sua  variação.  Pode  parecer  estranho  mas  o    impacto   causado   pelas   variações   nos   agregados   na   renda   e   no   produto  depende   essencialmente  do   componente  Consumo.   Colocando  um  pouco  de  historia,   uma   das   principais   relações   econômica   entre   os   agregados  econômicos   conhecida   cientificava   que   um   acréscimo   nos   investimentos   ∆I  gerava  um  aumento  proporcionalmente  maior  na  Renda  ∆Y.  

∆Y  =  k∆I  

k>1  

No  entanto,  quais  os  elementos  que  determinam  o  parâmetro  k?  Por  que  os  investimentos   em   uma   localidade   geram   aumentos   na   renda   diferentes  quando   efetuados   em  outras   localidades?   Essas   e   outras   questões   só   foram  respondidas   nos   anos   20   do   século   XX,   com   a   simultânea   formalização   das  contas  nacionais,  por  Keynes  e  Kalecki.    

Como   o   que   se   produz   depende   da   existência   de   uma   demanda,   os  investimentos  terão  maior  ou  menor  impacto  a  partir  dos  estímulos  causados  pela   variação   na   demanda   agregada.   Esses   estímulos   estão   contidos   na  variável  consumo,  pois  o  objetivo  final  do  investimento  é  realizar  lucro  e  este    

se  realiza  no  mercado  onde  se  vende  os  bens  finais.    

O  gasto  no  mercado  de  bens  e  serviços  (C)  é  uma  função  do  nível  de  renda  (Y)  e   é   razoável   imaginar   que     variem   proporcionalmente   (∆C/∆Y)   de  maneira  estável  e  previsível,  caso  não  ocorra  algum  fenômeno  extemporâneo  capaz  de  alterar   os  hábitos  de   consumo  da   sociedade.   Essa   estabilidade   constitui   um  poderoso   preditivo   ao   resultado   dessa   relação,   que   denominamos   de  propensão    marginal  a  consumir  b=  ∆C/∆Y.    

Na  formação  do  consumo  se  inclui  um  consumo  autônomo  Ca  que  independe  do  nível  de  renda:  consumo  de  subsistência,  por  exemplo.    

C=  Ca  +  b.Y    (segue  a  equação  da  reta  onde:  b=  ∆C/∆Y  )  

substituindo  na  identidade  da  renda:  Y  =  C  +  I  

Y  =  Ca  +  bY  +  I  

Então,  quando  ocorre  uma  expansão  nos  investimentos  (Δ  I)  encontramos  um  acréscimo  na  renda  explicado  pela  propensão  marginal  a  consumir,  conforme  segue   abaixo.   Podemos   relaxar,   ao   mesmo   tempo,   o   consumo   autônomo  (coeficiente   angular)   sem   perda   de   poder   explicado   da   relação   funcional  entre  renda  e  consumo.    

ΔY-­‐  bΔY=  Δ  I  

ΔY  =  ΔI  /  (1-­‐  b)  

Fica   claro,   que   o   campo   de   variação   da   propensão   marginal   a   consumir  corresponde  a  [0  <  b  ≤  1].  

4.1.  MULTIPLICADOR  DOS  INVESTIMENTOS  

Chamamos  1/(1-­‐b)  de  Multiplicador  dos  Investimentos.  Podemos  substitui-­‐lo  pelo  paramento  k  da  equação  original.  De  qualquer  modo,  comprovamos  que  o   acréscimo   na   renda   causado   pelo   investimento   ou   pelos   demais  

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componentes  da  renda,  como  veremos  a  seguir,  é  determinado  integralmente  pela  propensão  marginal  a  consumir  (b).  

Quanto   mais   próximo   de   zero,   menor   será   o   efeito   do   multiplicador   dos  investimentos  e  quanto  mais  próximo  de  um,  maior  o  efeito  multiplicador  dos  investimentos.   Denominamos   1/1   -­‐   b   de  multiplicador   dos   investimentos   e  sendo   b   a   propensão  marginal   a   consumir,   1   –   b,   representa   a     propensão  marginal  a  poupar.    

Vamos  utilizar  um  argumento  demonstrativo.  Suponhamos  que  a  propensão  marginal  a  consumir  (b)  de  uma  comunidade  seja  0,4  e  a  propensão  marginal  a  poupar  seja  o  complemento:    1  -­‐  b  =  0,6.    

Para  um  pacote  de   investimentos  de  100  un,   inicial  a  repartição  se  dará  em  40  un  para  acrescer  o  consumo  e  60  un  destinados  a  depósitos  de  poupança  nos  sistema  financeiro.    Como  ocorreu  uma  expansão  de  demanda  agregada  de   40   un,   os   empresários   ficarão   estimulados   a   atender   essa   demanda  adicional   e   contam  para   isso   com  uma  poupança  adicional  de  60  un.  Novos  investimento   serão   executados   e   a   renda   adicional,   gerada   nesta   segunda  virada,   será   repartida   de   novo   entre   consumo   e   poupança.   Esse   ciclo   se  repete   indefinidamente   cada   vez   com   menor   força,   pois   os   acréscimos   no  nível  de  renda  (ΔY)    serão  cada  vez  menores.    Esses  ciclos  caracterizam  uma    renda   crescendo   em   progressão   geométrica   cuja   soma   dos   acréscimos   na  renda    corresponde  a  multiplicação  do  primeiro  termo  –investimento  inicial-­‐    multiplicado   por     1/   1-­‐b   .   Observe   que   este  multiplicador   e   o   parâmetro   K  mostrado  anteriormente  em  ∆Y  =  k∆I  

.  

∆Y  =  (1/1—0,4)  X  100  un,=  166,67  un,    

A   decisão   de   investimento   futuro   dependem,   entretanto,   dos   lucros  esperados   desse   investimentos   presente,   mesmo   no   caso   da   renda   ter  aumentado.  Os  paramentos  utilizados  pelos  empresários  para  estimar  lucros  futuros   podem   ser   de   toda   sorte   que   a   imaginação   possa   alcançar,   mas   é  razoável   espera   que   a   variação   na   renda   –   não   o   nível   de   renda   -­‐   seja  determinante  para  a  prosperidade  dos  ciclo  dos  negócios.    O  acelerador  dos  

investimentos   é   justamente     a   relação   entre   o   investimento   realizado   e   as  variações   na   demanda   pela   produção.     Assim,   temos   que   o   estoque   de  investimento   varia   em   função   das   variações   na   produção   ocasionadas   pela  expansão  da  demanda  causada  pelo  investimento  inicial.    

4.2.1.  ACELERADOR  DOS  INVESTIMENTOS  

∆  capital=  (investimento/∆  demanda)    X    ∆  produção    

 

 

Os   investimentos,   assim,   são   auto   ¬   financiáveis   pois   o   valor   inicial   dos  investimentos   retorna   em   partes   sucessivas   ao   sistema   financeiro,   sob   a  forma  de  poupança  em  montante   igual  ao  que  será  acrescido  ao  estoque  de  capital  na  economia.    

Um  aspecto  muito  importante  diz  respeito  ao  financiamento  do  investimento  geralmente   atribuído   a   disponibilidade   de   poupanças.   Os   investimentos,   de  fato,   requerem   uma   poupança   prévia,   mas   uma   vez   iniciado   o   ciclo   de  investimento,  ele  se  financia  a  si  mesmo  ao  proporcionar  renda  adicional  que  se   distribui   entre   consumo   (b)   e   poupança   (1-­‐b).   Vale   dizer,   o   excesso   de  renda   sobre   o   consumo   transforma-­‐se   em   poupança   a   disposição   dos  investidores,  intermediada  pelo    do  sistema  financeiro.    

 

4.2.  DEMAIS  MULTIPLICADORES  

Podemos   desenvolver   pensamentos   assemelhados   ao   multiplicador   dos  investimentos   para   determinar   as   funcionalidades   existentes   entre   as  diversas  categorias  macroeconômicas.  A  primeira  delas  é  que  parte  da  renda  gerada   é   destinada   aos   impostos.   Assim,   a   renda   que   deve   ser   considerada  para  os  gastos  com  o  consumo,  poupança  e  investimento  é  a  renda  disponível:  

 Yd  =Y  –  T:    

Acelerador  de  investimentos  

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Onde  T  representam  a  parcela  de  tributos  do  governo.  

A   produtividade   marginal   a   consumir   (b)   que   compõe   o   multiplicador   dos  investimentos   nas   sociedades   modernas   deve   ser   ligeiramente   modificada,  pois  parcela  da  renda  é  capturada  pelo  Fisco   incidindo  diretamente  sobre  o  consumo.  

Assim  C  =      b  ∆Yd    

Visto  essa  restrição,  vamos  continuar  considerando  as  relações  existentes  nas  economias  modernas.    

Em  termos  de   impactos  no  nível  renda  é   indistinto  se  ele  é  causado  por  um  aumento  na  exportação,  no  investimento  ou  nos  gastos  do  governo  em  obras  públicas.  Essas  categorias  quando  efetivadas  geram  ciclos  de  renda  -­‐  produto  que   vão   se   distribuindo   no   sistema   econômico   entre   salários   ¬   consumo   e  poupanças   ¬   e   investimento.   Os   multiplicadores   da   renda   podem   ser  expressos  como  segue:  

∆Y  =  (1/1-­‐    b)  ∆G;      ∆Y  =  (1/1-­‐  b)  ∆I;      ∆Y  =  (1/1-­‐  b)  ∆X  

Diferentemente   ocorre   com   as   transferências   governamentais   destinadas   a  obras   assistenciais   como   bolsa   família,   auxílio   desemprego   e   a   natalidade,  pagamento   aos   aposentados   e   muitos   outras   denominadas   transferências  governamentais.   Essas   transferências   se   destinam   a   um   consumo   imediato.  Uma  vez  efetuada  a   transferência  governamental   (Tr),  pressupõe-­‐se  que  ela  seja  imediatamente  utilizada  –  extinta.  Nestes  termos  seu  efeito  multiplicador  de   renda   no   sistema   econômico   é   sensivelmente   menor   em   relação   aos  demais.   A   natureza   dessas   transferências   tem   competência   com  o   consumo  familiar,   nada   restando,   portanto,   para   geração   dos   ciclos   poupanças   /  investimento.    

∆Y=    (b/1-­‐  b)  ∆Tr  

De   maneira   semelhante   podem   ser   considerados   os   cortes   nos   impostos  indiretos.  Eles  representam  uma  transferência  de  renda  ao  consumidor  final,  

ocasionada   pela   redução   das   alíquotas   dos   impostos   indiretos.   Seu  multiplicador   é   idêntico   o   das   transferências   governamentais   –   incide  diretamente  sobre  b.  

∆Y=  (b/1-­‐  b)∆T  

Finalmente,   vale   destacar   as   categorias   econômicas   que   enfraquecem   os  multiplicadores   convencionais.   Eles   podem   ser   considerados   como  estabilizadores  dos  multiplicadores,  pois  atenuam  os  choques  que  os  gastos  exercem  no  crescimento  da  renda.    Eles  são  basicamente  dois:  as  importações  e   os   impostos.   Em   termos   de   acréscimo   na   renda,   as   importações   são  traumáticas,  pois  significam  uma  evasão  de  renda.  Os  impostos,  por  seu  lado,  reduzem  o  poder  dos  multiplicadores  já  que  incidem  direta  ou  indiretamente  sobre   o   consumo   e   investimento,   mas   retornam   ao   sistema   econômico  doméstico  sob  as  várias  modalidades  de  gastos  púbicos.  

O  efeito  da  tributação  já  foi  observado  anteriormente.  Vejamos  o  efeito  que  as  importações  têm  no  nível  de  renda.    

Importações   são   destinadas   ao   consumo   e,   portanto   depende   do   nível   de  renda.   Em   outros   termos,   existe   uma   propensão   marginal   a   importar  (∆M/∆Y)   assemelhada   a   propensão   marginal   a   consumir.   Quanto   mais   se  expande   a   atividade   econômica,   mas   insumos   e   bem   de   consumo   estarão  sendo  importados.  Assim;  

m=  ∆M/∆Y    

Então:  M  =  m  AY  

Observe   que   na   identidade   ampliada   as   importações   compõem   a   oferta  agregada,  mas  significam  uma  diminuição  da  demanda  doméstica.  

 

 

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Y  +  M  =  C  +  I  +  G  +  X  

Então:  

Y  =  C  +  I  +  G  –  M  +  X  

Substituindo  M:      

∆Y  =  b  ∆Y  +  I  +  G  –  m  ∆Y  +  X  

∆Y  –  b∆  y  +  m  ∆y  =  I  +  G  +  X  

As   variações   na   renda   nacional   proporcionados   pelas   exportações,   gastos  governamentais   e   investimentos   privados   são   atenuadas   por   pressões   das  importações   que   se   relacionam   positivamente   com   a   variação   na   renda  nacional,   mas   atenuam   os   efeitos   na   renda   decorrentes   das   variações   nos  demais  agregados  macroeconômicos.    

 Devemos  portanto,  incluir  nos  multiplicadores  convencionais  essa  evasão  de  renda  causada  pela  expansão  da  demanda  agregada.        

∆Y  =  [1/(1-­‐b  +  m)]  (∆I  +  ∆G  +  ∆X)  

 

 

 

 

5.  MOEDA  E  BANCOS  

Atualmente  aceitamos  a  moeda  emitida  pela  Casa  da  Moeda  e  por  meio  de  sua  quantidade  cotamos  os  preços  de  todas  as  coisas.  Isso  é  bem  prático  e  facilita  a   nossa   vida.   A   rigor,   para   se   medir   o   produto   de   uma   economia   pode-­‐se  utilizar  qualquer  bem  ou  serviço.  Um  apartamento  vale  três  carros,  o  bilhete  do   teatro   vale   quatro   cervejas   e   por   aí   vai.   Com   o   avanço   das   trocas,   uma  mercadoria   vai   sendo   eleita   como   denominador   de   todas   as   outras:   a   ela  damos  o  nome  de  moeda  ou  meio  de  troca.  Os  preços  de  todas  as  mercadorias  são,   portanto   cotados   em  moedas   e   sancionados   pelas   trocas,   ou   seja;   pelo  mercado.    

A   mercadoria-­‐moeda   que   serve   para   expressar   com   facilidade   o   valor   das  demais   abriga   alguns   atributos:   divisível   e   recomposta,   durabilidade,   não  perecível,   de   transporte   relativamente   fácil,   não   ter   utilidades   relevantes  intrínsecas   e   oferta   invariável.   Olhado   sob   esse   ângulo,   historicamente   a  moeda   não   foi   instituída   por   convenção   ou   por   imposição   legal.   Ela   surge  naturalmente   intermediando   as   trocas   entre   mercadorias   (escambo)   nas  transações   de   compra   e   venda.     Ela,   como   em   um   passe   de   mágica,   ganha  novas  funções,  além  de  meio  de  troca  e  denominador  comum:  ela  passará  ser  utilizada  como  reserva  de  valor:  poder  de  compra.    

Assim,   a   moeda   se   transforma   em   dinheiro   ($$):   poder   de   compra.   Nesta  passagem   lógica,     ela   representa  a   riqueza  constituída  em  bens  e  serviços  ¬  casa,   automóvel,   títulos   financeiros,   etc.     O   $$   é   aquilo   que   representa   um  custo  na  produção    menor  que  o    produzido.  Esse  poder  de  compra  dedicado  a  moeda  ¬  $$  ¬  expressa  o  poder  social  que  uns  tem  sobre  os  outros.  Esse  $$  é  riqueza   que   para   a   ciência   econômica   somente   subsiste   quando   alguém   é  dono  dela.  Os  indivíduos  podem  escolher  entre  reservar  seu  poder  de  compra  (sua  riqueza)  em  moedas  ou  em  outros  bens.  É  dessa  possibilidade  de  escolha  –   escolher   ficar  mais   ou  menos   líquido   –   que   resulta   a   dinâmica   do  mundo  econômico,  (voltaremos  a  esse  ponto  mais  a  frente).  

Os   metais   preciosos   como   o   ouro   e   a   prata   nas   sociedades   antigas  desempenharam   muito   bem   o   papel   de   meio   de   troca.   Os   soberanos  cunhavam   as   moedas   e   lhes   outorgavam   garantias   de   aceitação.   Com   o  

Oferta  agregada   Demanda  agregada  

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avanço   das   civilizações,   eles   foram   sendo   separados   de   sua   existência  material   enquanto   moeda   (útil   para   a   troca)   para   se   materializarem   em  dinheiro  ¬  $$  ¬  poder  de  compra.    

Do   ponto   de   vista   lógico   -­‐   histórico   podemos   contextualizar   três   tipos   de  sistema  monetário.  

• Padrão-­‐ouro,  • Moeda-­‐  conversível,  e;  • Moeda-­‐  inconversível    

Antigamente,  o  sistema  monetário  era  totalmente  assentado  no  padrão-­‐ouro.  Sua  quantidade  era  razoavelmente  fixa  ao  longo  do  tempo.  Naquela  época,  o  dinheiro  ou  a  riqueza  estava  personificado  em  outras  coisas,  como  a  terra,  no  período   feudal,   nos   desígnios   divinos,   como  na   época  dos   faraós   no  Egito   e  nas   características   distintivas   do   ser   humano   em   algumas   comunidades  primitivas.  Moedas  de  ouro  existiam  mais  como  meio  de  troca  e  denominador  comum  e  menos  como  reserva  de  valor.  Mesmo  assim,  exercia  certo  fascínio  entre  os  homens,  a  ponto  de  Judas  trair  Cristo  por  um  punhado  delas.    

Com  o  avanço  das  trocas,  a  moeda  passou  cada  vez  mais  a  ser  requisitada  não  somente   como   meio   de   troca,   mas   como   um   objeto   possuidor   de   poderes  mágicos:  como  reserva  de  valor,  poder  de  compra  e  expressão  de  riqueza.  A  moeda  passou  a  ser  um  símbolo  personificando  poder.  Ter  moeda  era  ter  $$.  Era  a  época  do  capital  mercantil.    

A   moeda   como   reserva   de   valor   é   eminentemente   criada   pelo   imaginário  coletivo.   A   moeda   historicamente   passa   a   ser   dinheiro   ($$)   quando   não  somente  é  um  denominador  comum  das  demais  mercadorias  e,  portanto  útil  às  trocas,  mas  quando  possui  a  propriedade  intrínseca  de  ter  valor  e  por  isso  aceitação  geral  como  medida  da  riqueza  material  que  os  indivíduos  possuem.  Com   o   avanço   das   sociedades   ela   vai   se   personificando   em   poder   (valor)  através  das  relações  de  compra  e  venda.  

Quando  a  moeda  tem  um  valor  intrínseco  reconhecido  socialmente,  como  os  metais   preciosos,   há   uma   forte   inclinação   para   que   todos   procurem  representar  sua  riqueza  ou  poder  de  compra  também  pela  moeda.  Há  relatos  

na   história,   todavia,   que   antigamente   muitos   soberanos   forçavam   as   suas  “casas  das  moedas”  a  secretamente  substituir  parte  do  ouro  das  moedas  por  metais   menos   nobres   e,   assim,   ficarem   mais   ricos   comprando   outros   bens  durante  o  tempo  em  que  os  demais  não  reconheciam  esse  golpe.    Esse  evento  foi   cunhado  de   “degradação  da  moeda”,   pois   reduzia  o   seu  valor   intrínseco,  aumentando  sua  quantidade  e   somente  quando   isso  era  percebido  e  que  os  preços  aumentavam.  Atualmente,  a  moeda  não  tem  valor   intrínseco  e  muito  menos   lastro   nos   metais   preciosos.   Ela   tem   seu   reconhecimento   social,   se  transmudando  em  riqueza,  a  partir  dos  governos  que  as  emitem.    

A   perda   do   valor   intrínseco   e   lastro   em  metais   preciosos   da  moeda   foram  acontecimentos  lógicos  -­‐  históricos.  Com  o  avanço  do  capitalismo,  instituiu-­‐se  a  moeda-­‐papel,  que  era  um  título  de  crédito  com  o  indicativo  da  quantidade  de  metais  preciosos  que  seu  possuidor  tinha  direito  por  tê-­‐lo  depositado  em  alguma   instituição   bancária.   A   qualquer   momento   o   detentor   do   titulo  poderia   ir  ao   “banco  privado”  e   resgatar  seus  metais  preciosos.  Era  a  época  do  sistema  monetário  conversível.    

Em   termos   históricos,   esse   sistema   monetário   não   foi   duradouro.   Muitos  bancos   privados   onde   os   indivíduos   guardavam   seus   metais   preciosos  utilizavam  os  depósitos  para  efetuarem  empréstimos  por  meio  da  emissão  de  títulos  de  créditos  muito  acima  das  quantidades  de  ouro  e  prata  depositados  em  seus  cofres,  cobrando,  obviamente,  um  preço  (juros)  por  esse  serviço.  Eles  calculavam   o   quanto   de   saques   espaçados   no   tempo   o   real   proprietário   do  dinheiro  efetuaria:  o  restante  ficava  a  disposição  para  empréstimo.  A  história  mostra  que  a  existência  desse  sistema  monetário  foi  bastante  curta.  Requeria  “freios”   que   segurassem   a   ganância   dos   banqueiros.   Assim,   foram   criadas  normas   para   impedir   o   lançamento   de   títulos   de   crédito   em   valores  muito  superiores  a  quantidade  de  moeda  depositada  nas  instituições  bancárias.    

Esse  sistema  de  padrão  monetário  conversível  foi  substituído  por  um  sistema  inconversível   cujo   curso   da  moeda   foi   instituído   por   força   de   lei.     Esse   é   o  nosso  padrão  monetário  atual.  Neste  sistema,  prevalece  a  confiança  na  moeda  ou   em   quem   a   emite     em   detrimento   do   valor   intrínseco   ou   de   lastro   em  metais  preciosos  que  possa  ter.    

O   sistema   monetário   atual,   com   moedas   inconversíveis,   é   garantido   pelos  

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Estados  Nacionais.  Cabe  a  eles  certificarem  o  papel  –  moeda  emitida  pela  casa  da  moeda.   A  moeda  nacional   personifica,   portanto,   o   poder   do  Estado,   pois  todos   os   débitos   e   créditos   processados   na   sociedade   atual   são   feitos   por  meio  de  moeda.  Alguns  Estados  evocam  até  o  divino  para  garantir  esse  poder  à   moeda,   expressando   nela   as   máximas:     Deus   seja   louvado,   ou   em   Deus  acreditamos,   como   ocorre   no   caso   da   moeda   brasileira   e   norte-­‐americana  (para  citar  as  mais  conhecidas  entre  nós).    

Estilizando  a  situação,  a  moeda  inconversível  emitida  pelo  Estado  precisa  ser  controlada,   pois   sua   quantidade   mensura   a   riqueza   material   (estoque)   e  todos   os   fatores   de   produção   e   bens   e   serviços   finais   (fluxo).   Variações   na  oferta  monetária  fazem  variar  os    preços  gerando  efeitos  na  distribuição  das  rendas,     pois   alguns   preços   subirão   mais   rápidos   que   outros,   na   riqueza  individual,  já  que  a  moeda  é  unidade  de  conta  e,  por  natureza,  nas  decisões  de  consumo  e  investimento.    

Quando   as   variações   na   oferta   monetária   são   percebidas   pela   sociedade,  todos  querem  defender  seu  poder  de  compra.  Por  isso,  os  Estados  Nacionais  procuram  manter  os  níveis  da  oferta  monetária  adequada  à  demanda  social  por  ela.  Uma  oferta  excessiva  em  relação  à  demanda  gera  efeitos  deletérios.  A  moeda   tem  seu  valor  diminuído  em  relação  aos  demais  bens  e   serviços  que  ela  precifica.  Ela  se  enfraquece  e  vai  perdendo  sua  utilidade  como  reserva  de  valor:   todos   irão   preferir   ter   sua   riqueza   em   bens   e   serviços   que   se  valorizem36.    Uma  quantidade  restrita  também  não  é  desejável,  pois  dificulta  as   iniciativas  voltadas  para  expandir  a  economia  ¬  preços  diminuem  e   juros  se  elevam,  nesta  situação.  

36   Em   algumas   situações,  mercadorias   se   transformam   em  moeda   -­‐  meio   de   troca   -­‐independentemente   da   existência   da  moeda   legal.   Suprimimo-­‐nos   da  moeda   legal   e  logo  outra  será  posta  em  seu  lugar  como  $$.  Veja  o  exemplo  nos  presídios,  onde  alguns  bens  como  chocolate,  cigarro,  celular  e  outros  bens  passam  a  funcionar  como  $$  entre  os  presos.  Na  última  crise  da  Argentina,  os  produtores  agrários  estavam  pagando  com  grãos  a  compra  de   fertilizantes,   ferramentas  e  até   tratores  e  automóveis.  As  moedas  eram:   soja,   trigo,   girassol   e   milho.   Todas   à   prova   da   política   governamental   de  corralito  (bloqueio  de  depósitos)  e  desvalorização  da  moeda  legal.  Nessa  época,  outras  moedas   foram   criadas   como   os   patacones   improvisados   por   algumas   províncias  argentinas.    

No   Peru   e   Bolívia   do   século   XVI   e   demais   países   da   América   do   Sul  colonizados   pelos   espanhóis,   os   metais   preciosos   eram   utilizados   como  adornos   e   não   como   moeda.   Os   espanhóis   ficaram   maravilhados   e   os  carregaram  para  a  Europa,  pois  lá,  ouro  e  prata  eram  $$.  No  Brasil,  a  cana  de  açúcar  foi  especiaria  eleita  para  ser  produzida  e  comercializada  na  Europa  e  ela  era  trocada  por  escravos  pelos  colonizadores  em  um  circuito  de  compra  e  venda   fechado   denominado   “exclusivo   comercial”   ou   “pacto   colonial”:   a  colônia  só  poderia  comercializar  com  o  país  colonizador.  No  Brasil  colonial  a  função   da  moeda   como  meio   de   troca   e   denominador   comum   era   exercida  pelo  metal   precioso,  mas   a   função   reserva   de   valor   ($$)   não:   o   número   de  escravos  que  o  senhor  de  engenho  era  dono  representava  o  $$.  Somente  no  século   XIII,   com   a   intensificação   contra   o   tráfico   negreiro   e   o   ciclo   da  mineração   é   que   esta   concepção   dos   escravos   como   reserva   de   valor   foi  sendo  abandonada.    

A   escravidão   foi   reinventada   na   era   mercantil,   depois   de   ter   existido   na  antiguidade   e   extinta   no  período   feudal.  O   escravo   era   considerado   riqueza  somente   nas   colônias.   Foi   justamente   a   não   adoção   do   sistema   escravo  (escravo   como   moeda)   na   metrópole   que   permitiu   engenhosamente   as    metrópoles  forjarem  a  dependência  de  suas  colônias.      

5.1  MOEDA  NA  MACROECONOMIA  

Estabelece-­‐se,   assim,   nas   economias   atuais,   uma   relação   íntima   entre   a  quantidade   de   moeda   gerenciada   pelos   governos,   e   a   produção   de   bens   e  serviços:   o   lado   real   da   economia.   Para   uma   corrente   de   economistas,   a  moeda  teria  a  propriedade  de  expandir  o  produto,  ou  ampliando  o  conceito:  de   forjar  movimentos   econômicos   favoráveis   ao   estabilização  propiciadores  do  crescimento  econômico.  Outra  corrente  de  economistas,  os  monetaristas,  sugere  que  a  moeda  não  tem  essa  propriedade.  Os  fatores  de  produção  com  os   quais   se   estabelece   a   produção   estão   dados   e   assim   o   produto   no   longo  prazo  não  pode  ser  maior  ou  menor.  Os  preços  de   todos  os  bens  e   serviços  são   flexíveis   e   a   oferta   monetária   nãos   altera   o   lado   real   da   economia   no  longo  prazo.    Políticas  monetárias  podem  até  ter  alguma  efetividade  no  curto  prazo,  mas  não  no  longo  prazo.    

Uma   das   primeiras   tentativas   de   se   estabelecer   o   relacionamento   entre   a  moeda  e  o  produto  deveu-­‐se  a  Irving  Fischer  (1867-­‐1947).  Ele  formulou  uma  

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identidade   bastante   interessante   entre   a   quantidade   de  moeda   e   o   produto  que  ficou  conhecida  como  a  teoria  quantitativa  da  moeda:    

MV=PT  

Onde  M   é   a   quantidade  de  moeda,   V   =   velocidade  de   transações;   P   =   preço  médio  de  todos  os  bens  transacionados,  e  T  =  todas  as  transações  realizadas  com  moeda.    

A  velocidade  de  transações  (V)  é  a  quantidade  de  vezes  que  a  moeda  (M)  se  torna  receita  ou  gasto,  ao  mesmo  tempo.  T  é  maior  que  o  Produto,  pois  inclui  os  pagamentos  de  insumos,  mão-­‐de-­‐obra,  aquisição  de  artigos  usados,  títulos  financeiros,  ações  e  etc.  PT  recebe  a  denominação  pelas  contas  nacionais  de  Valor   da   Produção.   Um   valor   muito   superior   do   que   foi   efetivamente  constituído   de   bens   e   serviços   finais   pelos   fatores   de   produção,   em   um  período.  Esses  bens  e  serviços   finais   formam  a  categoria  Renda  ou  Produto,  como  vimos  anteriormente.  

As   abordagens   posteriores   introduziram   modificações   substanciais.   A  primeira  delas  foi  relacionar  a  quantidade  de  moeda  existente  com  a  geração  da  renda  ou  produto.  A  renda  é  a  multiplicação  de  um  índice  de  preços  pelo  produto  (as  quantidades  de  produtos  finais).  Sendo  assim:  

M  V  =  PY  

Há   duas   modificações   essenciais   em   relação   a   identidade   de   Fischer.   A  primeira  é  que  a  quantidade  de  moeda  relaciona-­‐se  a  Renda  Nacional  (Y)  ou  ao  Produto   (Media  ponderada  de  preços  vezes  quantidade  de  bens   finais)  e  não  ao  Valor  da  Produção.  A  segunda  é  que  V  significa  velocidade  da  renda  e  não  velocidade  das   transações.  Exprime,  portanto,  o  número  de  vezes  que  a  moeda  se  torna  renda  para  alguém,  durante  o  período  de  tempo  considerado.  Na  versão  de  Fischer  o  V  corresponde  ao  número  de  vezes  que  o  dinheiro  é  gasto.  

Nessa   nova   abordagem  o   parâmetro   V   se   refere   ao   número   de   vezes   que   a  moeda   se   torna   dinheiro   ($$)   para   alguém.   Exemplo:   Maria   tem   uma  confecção  e  vende  uma  camisa  para  o   João.  Maria  deduz  do   faturamento  os  

custos  e  embolsa  uma  parcela  do  ganho  com  a  venda  da  camisa,  denominada  lucro.   Com   o   lucro   ela   pode   ampliar   ou   dar   continuidade   a   seu   negócio   de  fazer   e   vender   camisas   ou   adquirir   outros   bens   em   outras   lojas   cujos  proprietários   têm  o  mesmo   comportamento.   Assim   a   quantidade   de  moeda  multiplicada   pela   velocidade   renda   mensura   o   poder   de   compra   em  detrimento   de   sua   função  de  meio   de   troca,   como  observado  na   identidade  formulada  por  Fischer.    

Nestas  versões,  a  variação  na  quantidade  de  moeda  é  plenamente  capturada  pela  formação  dos  preços.    MV/P=Y  

Supõe-­‐se   que   a   velocidade   da   renda   ou   das   transações,   como   na   versão   de  Fischer,   depende   institucionalmente   dos   hábitos   da   sociedade   e   estes   não  mudam  constantemente.  Assim  variações  na  oferta  monetária  se  transmitem  diretamente  aos  preços  dos  bens  e  serviços,    não  modificando  o  produto.    

A   ideia  de  variações  nos  preços  causadas  por  variações  na  oferta  monetária  introduziu   novas   ideias   com   respeito   à   moeda.   Basicamente,   os   indivíduos  podem  escolher   guardar   sua   riqueza   em  bens   e   serviços   e   não   sob   a   forma  líquida   da   moeda   corrente.   Essa   concepção   serviu   para   incluir   a   ideia   de  guardar   $$   sob   a   forma   de  moeda.   Em   outras   palavras,   a   oferta   de  moeda  ganhou  sua  contraparte:  a  demanda  por  ela.    

Essa   nova   concepção   foi   formulada   por   A.   Marshall   &   A.   C.   Pigou   e   ficou  conhecido  como  equação  de  Cambridge,  já  que  seus  autores  eram  professores  da  universidade  de  Cambridge,  na  Inglaterra:    

M  =  K(renda  X  preços)  ou    M/Preços=  K  Renda    

Ela  é  basicamente  idêntica  a  anterior  ¬  pois  K  seria  1/V:  o  inverso  de  V  ¬,  com  a  distinção  de  que  o  parâmetro  K  corresponde  à  proporção  da  renda  nominal  que   é   mantida   como   moeda   pela   sociedade   em   um   período   de   tempo  determinado.  Colocada  nestes  termos,  K   indica  quanto  em  média  às  pessoas  desejam  manter  moeda  para  exprimir  poder  de  compra:  envolve  um  processo  de  escolha  entre  reter  saldos  em  ativos  financeiros  ou  em  estoques  de  bens  e  serviços.  

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O   parâmetro   K   sendo   governado   por   processos   de   escolhas   individuais  significa   que   a   moeda   segue   os   mesmos   princípios   que   utilizamos   para  escolher   outros   bens   e   serviços   para   assegurar   poder   de   compra   ($$).   Na  versão   anterior   a   velocidade   renda   (V)   era   um   parâmetro  mecânico.   Tanto  em   um   caso   como   no   outro,   V   e   K   não   mudariam   debaixo   condições  econômicas  estáveis,  mas  suas  interpretações  são  bem  distintivas.  

Nos   anos  de  1950,  Milton  Friedman,   professor  da  Universidade  de  Chicago,  ampliou  a  equação  acima  para  incluir  a  ideia  de  que  os  processos  de  escolha  entre   guardar   moeda   e   outros   bens   dependem   das   diferenças   dos  rendimentos   que   se   deixa   de   receber   por   preferir   um   ativo   em   relação   a  outro.  Ele  introduziu  o  futuro  nos  processos  de  escolha  entre  bens  e  serviços  e  o  bem  mais  líquido  que  é  a  moeda.  

Nesta   abordagem   monetarista,   o   parâmetro   K   da   equação   anterior   não   é  constante:  não  supomos  que  a  demanda  por  automóvel  seja  fixa,  mas  sim  que  ela   depende   do   preço   do   automóvel   e   de   sua   valorização   no   mercado.   Em  verdade,  ele  ampliou  um  conceito  que  já  estava  estabelecido  desde  o  final  dos  anos  de  1920,  por  outro  autor,  muito  famoso,  que  já  falamos  sobre  ele:  John  Maynard  Keynes.    

Para   Keynes   a   procura   por   moeda,   ou   preferência   pela   liquidez,   está  basicamente   determinada   pelo   preço   da   moeda   que   será   igual   aos  rendimentos   financeiros  que  se  obtêm  quando  a  emprestamos  para  alguém.  Por   isso,   a   variação   de   K   depende   da   oferta   e   demanda   monetária,   ou   em  outras  palavras:  do  preço  da  moeda  sancionado  pelo  mercado.  Esse  preço  é  a  taxa  de  juros.  Desse  modo  a  moeda  é  demandada  por  variações  de  preços  (P),  da  renda  (Y)  e  da  liquidez  do  sistema  econômico  (r).      

Md=  P.Y  +  r    

Os   indivíduos   procuram   moeda   para   fazerem   despesas   cotidianas   que  somente   com   elas   são   efetivadas.   Eles   também  precisam  de  moeda   para   se  precaver  dos  infortúnios  que  possam  ocorrer  no  futuro  e  que  em  alguns  casos  exigem  para   solução  dinheiro   vivo.   Eles   optam   também  por   terem  dinheiro  em  mãos  da  forma  mais  líquida  –  moeda  –  para  especular.  Oportunidades  de  negócios  requerem  em  muitos  casos  $$  vivo  para  serem  concretizadas.  

De  fato,  a  maior  quantidade  monetária  reduz  a  taxa  de  juros,  pois  a  sociedade  tem  mais  moeda  para  especular   (comprar  mais  ativos   financeiros).  A   renda  (Y)  ou  o  coeficiente  (K)  aumentam  desde  que  a  quantidade  da  moeda  não  se  transmita  imediatamente  para  os  preços  dos  bens  e  serviços.    

Para   a   escola   monetarista   de   Chicago,   capitaneada   por   Friedman,   o  parâmetro   K   não   se   altera,   pois   as   variações   nas   ofertas   monetárias   se  transmitem  aos  preços  no  curto  prazo,  mas  não  exercem  efeitos  reais  sobre  a  produção  no  futuro.    

O   enfoque   central   dessa   escola   é   que   variações   na   oferta   monetária   não  possuem  a  propriedade  de  modificar  a  riqueza  da  sociedade  em  longo  prazo,  pois   os   preços   dos   ativos   modificados   decorrentes   da   variação   da   oferta  monetária   voltariam   a  manter   as   mesmas   relações   de   preço   entre   eles   em  futuro   não  muito   distante37.   Por   isso   os  monetaristas   da   escola   de   Chicago  advogam   que   a   política   monetária   é   inócua   favorecendo   a   ideia   de   que   o  controle   monetário   deva   ser   restrito,   uma   vez   que   a   expansão   da   oferta  monetária  não  tem  a  propriedade  de  elevar  o  produto  no  longo  prazo.        

Resumindo,   na   versão   moderna   a   demanda   por   moeda   Md   é   uma   função  direta  do  produto  (Y)  do  nível  de  preço  (P)  e  uma  função  inversa  da  taxa  de  juros  (R).    

37  O  desejo  pela  posse  das   coisas  é   formado  pela  observação  das   condições   reais  da  economia.   Podemos   desejar   tudo   o   tempo   todo,  mas   razoavelmente   sabemos   o   que  poderemos  conseguir  no  futuro.  Os  desejos  são,  assim,  formados  com  base  no  que  já  possuímos  inteirados  com  as  reais  condições  econômicas  observadas.  Os  desejos  são  ilimitados,   mas   eles   são   satisfeitos   de   maneira   incremental:   uma   vez   satisfeito   um  desejo  criamos  outros.  Assim,  os  desejos  governam  o  longo  prazo  em  um  processo  de  negociação  com  o  consumo  presente.  As  variações  nos  preços  “hoje”  não  têm  o  poder  de   alterar   as   posições   desejadas   pelos   indivíduos   com   respeito   ao   seu   nível   de  consumo   e   bem-­‐estar   futuro.   A   escola   monetarista   parece   se   apoiar   nesta  argumentação:   valores   são   governados   pelo   imaginário   das   pessoas   em   termos   de  consumo  futuro  versus  consumo  presente  e  no  longo  prazo  ajustamentos  nos  preços  hoje  podem  ter  influências  em  curto  prazo,  mas  não  alteram  a  riqueza  imaginada  em  longo   prazo,   uma   vez   que   os   desejos   são  mais   poderosos   do   que   o   imediatismo:   o  curto  prazo.    

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As  variações  na  oferta  monetária  Ms  enquanto  não  se  transmitem  aos  preços  podem   influenciar   o   nível   do   produto   bem   como   a   taxa   de   juros.   Para   os  monetaristas   as   variações   na   oferta   monetárias   não   exercem   papel  preponderante   na   riqueza   e   no   emprego   dos   fatores   de   produção   no   longo  prazo:  a  moeda  não  tem  a  propriedade  de  alterar  a  quantidade  existente  de  riqueza  e  dos  fatores  de  produção  disponíveis  a  sociedade.    

5.2.  BANCOS  

A  terceira  função  da  moeda  do  ponto  de  vista  lógico  histórico  como  vimos  é  desempenhar  o  papel   de   reserva  de   valor:   poder  de   compra   acumulado.  Os  limites   da   atuação   dos   bancos   são   determinados   justamente   em   função   da  moeda  poder  representa  a  riqueza  material  acumulada  de  uma  sociedade  em  valor   superior   a   sua   existência  material.   Do   ponto   de   vista   lógico,   o   banco  somente   exerce   suas   funções   quando   existe   um   excedente   econômico  monetário.   A   tendência   secular   do   progresso   técnico   de   aumentar   cada   vez  mais   o   produto,   por   meio   dos   ganhos   de   produtividade,   propicia   maiores  excedentes   econômicos   cujo   ambiente   de   acumulação   e   guarda   são   as  instituições  do  sistema    financeiro.  O  limite  de  alcance  do  sistema  financeiro  está   estabelecido   justamente,   portanto,   pela   grandeza   do   excedente  econômico  depositado  em  suas  instituições38.    

As  famílias  e  as  empresas  depositam  ou  aplicam  seus  excedentes/  poupanças  no  sistema  financeiro  que  ganha  escala  aglutinando  as  poupanças  individuais  e  por  meio  de  débitos  e  créditos  financiam  o  investimento    das  empresas,  as  compras   das   famílias   e   proveem   fundos   para   o   governo   tocar   suas   funções  básicas.   Assim,   os   bancos   cumprem   a   função   de   estimular   a   demanda  agregada:  aumentando  o  consumo,  o  investimento  e  os  gastos  do  governo.    

Engenhosamente   os   bancos   passam   a   emprestar   parcela   dos   depósitos   que  ficam   sob   sua   guarda:   essa   parcela   é   a   totalidade   dos   depósitos   menos   os  

38  Os  bancos  perseguem,  vão  atrás,  do  excedente  econômico,  tal  qual,  por  analogia,  as  farmácias   se   instalam  onde  existem  pessoas  doenças...com  $$  para  venderem  a   cura  ou  o  controle  delas.  Se  desejarmos  saber  se  uma  região  ou  localidade  é  rica,  ou  seja,  se  as  possibilidades  de  geração  de  excedente  econômico  se  verificam  de  modo  eficiente,  bastar   olhar   a   quantidade   de   agências   bancarias   ali   instalada.   A   correlação   será  positiva  e  significativa,  com  certeza.  

encaixes   bancários39   ¬     parcelas   que   os   bancos   estimam   guardar   em   seus  cofres  para  fazer  frente  aos  saques  dos  depositantes.  O  resultado  da  diferença  entre  o   total  depositado  pelos  correntistas  menos  os  encaixes  bancários  é  o  quanto  os  bancos  tem  disponível  para    emprestar.  

Quanto   alguém   tem   um   título   de   crédito   ao   portador,   emitido   pelo   banco,  pode   trocá-­‐lo   por   mercadorias   e   o   vendedor   ao   receber   esse   titulo   –   um  cheque,  por  exemplo  -­‐  pode  descontá-­‐lo  no  banco,  ou  utilizá-­‐lo  para  adquirir  outros   bens   e   serviços.   Assim,   adicionavam-­‐se   ao   estoque   dos   depósitos  bancários  originais,  mais  poder  de   compra   representada  agora  pelos   títulos  de   crédito   dos   bancos.   Criou-­‐se   dinheiro   –poder   de   compra   -­‐   em   um   valor  superior  àquele  representado  pela  quantidade  de  moeda  existente.  

O   poder   de   compra   da   sociedade   aumenta,   assim,   por   meio   das  intermediações  de  crédito  e  débito  do  sistema  bancário.  A  totalidade  dessas  intermediações   condicionada  a   taxas  de  encaixes  bancários  mais  o  dinheiro  em  poder  do  publico  corresponde  aos  Meios  de  Pagamento  (M1):    

M1=PMPP  +  DVbc  

 

 

Um   exemplo   ilustrativo   da   expansão   dos   meios   de   pagamentos   é   feito   a  seguir:  

Sendo  o  depósito  a  vista  inicial  =  H  e  os  encaixes  bancários  igual  a  r  (parcela  do   depósito   que   os   bancos   estimam   que   não   seja   retirada   imediatamente)  sucede  que:  ΔM1  =  H  

39  Encaixe  voluntário  é  a  parcela  que  os  bancos  estimam  dos  depósitos  efetuados  que  estarão   a   disposição   dos   correntistas   e   o   encaixe   compulsório   é   a   parcela   dos  depósitos   totais   nos   bancos   privados   depositados   “compulsoriamente”   no   banco  central.  

Papel    moeda  em  poder  do  público  

Depósitos   a   vista   nos  bancos  comerciais  

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ΔM2  =  H  (1-­‐r)      parcela   que   o   banco   emprestará   e   que   se  converterá  em  novo  depósito  a  vista      

ΔM3  =    H  (1-­‐  r)  (1-­‐  r)  =  H  (1-­‐  r)2     idem  .   .     .  .   .     .  .   .     .  ΔMn  =    H  (1-­‐  r)n-­‐1      idem,  corresponde  a  n-­‐1  conversões  de  depósitos  

a  vista.  Σ  ΔM  =  H/r       Soma   dos   depósitos   bancários   ocasionados   pelo  depósito  original  H.        Σ  ΔM  corresponde  ao  acréscimo  total  em  M1.  

Os   bancos   centrais   procuram   controlar   os   meios   de   pagamento  estabelecendo  regras  constitutivas  de  um  fundo  de  reserva  formado  por  uma  parcela  dos  depósitos  a  vista  nos  bancos  comerciais  denominado  de  “encaixe  compulsório”.    O  fundo  de  reserva  também  pode  ser  utilizado  para  auxiliar  as  instituições  integrantes  do  sistema  financeiro  no  caso  de  alguma(s)  delas  ter  problemas   em   financiar   suas   posições   de   caixa40.   Também   procuram  controlar   a   liquidez   da   economia   por   meio   da   compra   e   venda   de     títulos  públicos.   Outra   modalidade     de   controle   convencional   é   o   redesconto    bancário  exercido  pelo  banco  central.  O  banco  central  estabelece  uma  Taxa  de  Redesconto   Bancário   (TRB)   que   é   aplicada   quando   os   bancos   privados  solicitam  reforço  de  caixa  para  continuar  tocando  suas  operações  de  crédito  e  débito.  É  claro  que  o  banco  desprovido  de  reserva  pode  solicitar  empréstimos  a   outros   bancos   privados   (juros   interbancários)   que   tenham   excessos   de  reservas,  mas   as   taxas  de   juros   oferecidas  para   essa  modalidade   girarão   ao  redor  da  TRB.  

As  operações  efetuadas  pelo  sistema  financeiro  criam  ou  destroem  meios  de  pagamento.  Há  uma  criação  de  meios  de  pagamento  quando  o  público  recebe  haveres   monetários   ¬   papel   moeda   e,   ou,   depósitos   à   vista   ¬   do   setor  

40 No   caso   brasileiro   no   final   do   século   passado   foi   criado   o   Proer   (Programa   de  Estímulo   à   Reestruturação   e   ao   Fortalecimento   do   Sistema   Financeiro   Nacional)  justamente   com   essa   finalidade.   Os   seus   recursos   eram   totalmente   oriundos   dos  encaixes  compulsórios.

bancário   dando   em   contrapartida   haveres   não  monetários,   o   que   aumenta,  por  conseguinte,  o  saldo  dos  meios  de  pagamento  disponível  a  população.    Há  uma  destruição  dos  meios  de  pagamento,  quando  o  processo  se  dá  no  sentido  inverso:  a  população  entrega  haveres  monetários  aos  bancos   recebendo  em  troca  haveres  não  monetários.    A  simples  abertura  de  uma  conta  corrente  não  cria   ou   destrói   meios   de   pagamento,   mas   os   empréstimos   propiciados   por  essa  abertura  de  conta  representam  criação  de  M1.  

Os  governos  estimam  a  totalidade  dos  meios  de  pagamentos  (M1)  disponível  para   conservá-­‐lo   em   linha   com   o   lado   real   da   economia.   O   conceito   de   M1  corresponde  a  quantidade  em  valor  monetário  dos  ativos  ($$)  mais   líquidos  disponíveis  na  economia.    

Grande  parte  da  destruição  e  da  criação  dos  meios  de  pagamento  origina-­‐se  nos  bancos  centrais  por  meio  de  suas  operações  ativas:  os  débitos  e  créditos  a  governos  e  autarquias.    A  taxa  de  redesconto  concedido  a  bancos  comerciais,  as   reservas   cambiais   e   a   compra   e   venda   de   títulos   da   Dívida   Pública   são  operações  que  criam  ou  destroem  meios  de  pagamento.  A  elevação  nos  saldos  das   operações   ativas   dos   bancos   centrais   inicia   o   processo   de   criação   dos  meios   de   pagamento.   Em   seguida   o   sistema   financeiro   responde   pela  multiplicação  no  sistema  econômico  daqueles  haveres  monetários  iniciais.  

Existem   conceitos   de   meios   de   pagamentos   que   envolvem   ativos   menos  líquidos.   No   caso   brasileiro,   o   conceito   de   meios   de   pagamento   (M2),   por  exemplo,  corresponde  à  adição  ao  M1  do  estoque  de  depósitos  de  poupança  e  títulos  privados.  O  conceito  de  meios  de  pagamento  M3  equivale  ao  M2  mais  as  quotas  de  fundos  de  renda  fixa  e  os  títulos  públicos  federais,  que  dão  lastro  à  posição   líquida  de   financiamentos   em  operações   compromissadas   entre  o  público   e   o   setor   financeiro.   Já   o   conceito   de  M4   compreende   o  M3  mais   os  títulos   públicos   de   detentores   não   financeiros.     Esses   conceitos   são  estipulados   pelas   Autoridades   Monetários   e   podem   variar   no   tempo   e  regionalmente.    

5.2.1  POLITICA  MONETÁRIA  BRASILEIRA  

De  modo   geral,   admite-­‐se   que   o   principal   papel   a   ser   desempenhado   pelos  bancos  centrais  é  o  de  controlar  a     liquidez  na  economia.  O  objetivo  é  evitar  

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que  excesso  de   recursos   financeiros  ¬   crédito   e  moeda  ¬   acessíveis   a   todos  possa  propiciar  uma  demanda  por  bens  e  serviços  superior  a  capacidade  de  oferta   produtiva   das   empresas.   Esse   desequilíbrio   poderia   por   em   vigor  pressões   inflacionárias.  Alternativamente  os  bancos  centrais  podem  no  caso  de  certa  escassez  de  moeda  e  crédito  agir  no  sentido  de  ampliar  os  meios  de  pagamento   disponível   a   sociedade   como   forma   de   estimular   a   oferta  produtiva.    

Os  instrumentos  clássicos  para  os  bancos  centrais  orquestrarem  a  liquidez  da  economia,   vale   lembrar,   são   três:   a)   os   depósitos   compulsórios   dos   bancos  privados  no  banco  central    b)  taxas  de  redesconto  que  são  os  juros  cobrados  pelo   banco   central   aos   demais   bancos   e   c)   operações   de   open  market   que  consiste   na   compra   e   venda   de   títulos   públicos   empreendida   pelo   banco  central.  

Qualquer  variação  desses   instrumentos   implica  em  alterações  no  volume  de  crédito  modificando,  portanto  o  volume  dos  meios  de  pagamentos  e  da  taxa  de  juros.    Assim,    criam  ou  destroem  meios  de  pagamento.  

No   Brasil,   a   calibragem   dos   meios   de   pagamentos   pelos   instrumentos  tradicionais  para  precificar  o  dinheiro,  ou  dito  de  outra  forma:  fixar  a  taxa  de  juros  da  economia  tem  alcance  menor  por  conta  da  SELIC  que  não  é  uma  taxa  de  juros  (como  muitos  pensam),  mas  uma  sigla  que  significa  Sistema  Especial  de  Liquidação  e  Custódia.    

Os   títulos   de   dívida   pública   em   mão   das   instituições   financeiras   ficam  depositados  virtualmente  no  ambiente  desse  sistema  e  são  negociados  entre  elas   gerando   fluxos   de   transferências   no   montante   determinado   pelas  necessidades  de  dinheiro  das  instituições.  É  uma  troca  de  títulos  por  dinheiro  e  vice  versa.    

“Tratando-­‐se   de   um   sistema   de   liquidação   em   tempo   real,   a   liquidação   de  operações   é   sempre   condicionada   à   disponibilidade   do   título   negociado   na  conta  de  custódia  do  vendedor  e  à  disponibilidade  de  recursos  por  parte  do  comprador.   Se   a   conta   de   custódia   do   vendedor   não   apresentar   saldo  suficiente  de  títulos,  a  operação  é  mantida  em  pendência  pelo  prazo  máximo  de  60  minutos  ou  até  18h30min,  o  que  ocorrer  primeiro  ¬  não  se  enquadram  

nessa   restrição   as   operações   de   venda   de   títulos   adquiridos   em   leilão  primário  realizado  no  dia.”  (extraído  de  http://www.bcb.gov.br)    

As   instituições   com  excesso  de   caixa  no  banco  central  o   transferem  para  os  bancos   tomadores   de   empréstimos   e   estes   transferem   títulos   públicos   que  possuem,   em   valor   equivalente   e   que   estão   depositados   no   sistema   SELIC,  para   os   emprestadores.   Eles   pagam   uma   taxa   de   juros   aos   financiadores  tomando   por   base   a   taxa   SELIC   ¬   geralmente   um   valor   um   pouco   abaixo  desta.    

A   figura   da   pagina   seguinte   extraída   do   site   do   Banco   Central   mencionado  ilustra   uma   operação   entre   instituições   que   procuram   zerar   ao   final   do   dia  suas  posições.  O  Banco  Central  fixa,  ao  final  do  dia,  a  remuneração  dos  títulos  públicos   com   base   nos   juros   praticados   no   financiamento   interbancário  naquele  dia.  

O   Comitê   de   Política   Monetária   (COPOM)   fixa   a   taxa   juros   para   o   período  entre   suas   reuniões   ¬   geralmente   superior   a   um   mês   ¬   com   base   na   taxa  média   dos   financiamentos   diários,   com   lastro   em   títulos   federais,   apurados  no  Sistema  Especial  de  Liquidação  e  Custódia.    É  muito  importante  observar  que  essa  taxa  de  juros  vai,  portanto,  a  reboque  da  taxa  definida  pelo  mercado  interbancário.  A  figura  2.  abaixo  caracteriza  essa  orientação.  

A   taxa   de   juros   fixada   pelo   COPOM   não   reina   no   controle   do   volume   dos  meios   de   pagamentos.   Esse   controle   é   exercido   pelos   mecanismos  tradicionais  ¬  depósito  compulsório,  taxa  de  redesconto  e  operações  de  open  market..   A   taxa   de   juros   fixada   pelo   COPOM   reina   no  mundo   dos   rentistas,  pois  a  taxa  SELIC  estabelece  a  remuneração  direta  de  parte  da  dívida  pública  com   a   qual   se  manifesta   indiretamente   no   valor   da   remuneração   global   da  dívida,  impactando  as  despesas  do  Tesouro  Nacional.    Só  para  se  ter  ideia  da  ordem  de  grandeza,  um  aumento  de  ½  %  na  taxa  SELIC  implica  em  despesas  superiores  a  15  bilhões  de  reais  no  ano,  maior,  portanto  que    o  valor  dedicado  ao   programa   bolsa   família   em   2009   (próximo   a   11   bilhões   de   reais,   pelos  dados  do  Ministério  do  Desenvolvimento  Social).    

 

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Figura  2.  

 

Quando   o   banco   central   utiliza   as   operações   de   open   market,   colocando  títulos   federais   com   compromisso   de   recompra   pagando   taxas   SELIC  atraentes  para  enxugar  a  liquidez,  os  depósitos  nos  mercados  financeiros  de  outros   países   com   taxas   de   rendimentos   inferiores   orientam-­‐se   para   cá   em  busca   de   ganhos   especulativos.   O   efeito   do   enxugamento   da   liquidez   da  economia  é  assim  atenuado  em  favor  dos  rentistas  ¬  nacional  e  estrangeiro  ¬  e   do   fortalecimento   momentâneo   das   reservas   internacionais   (efeito  blindagem  da  economia  contra  o  contágio  das  crises  em  outros  países).    

Em  meados   do   ano   de   2010,   a   dívida   líquida   do   setor   público   representou  cerca  de  40%  do  PIB  (valor  próximo  a  R$1,  3  trilhão).    

5.3  TAXA  DE  CÂMBIO    

De   modo   geral,   os   preços   dos   bens   e   serviços   são   cotados   em   moedas  nacionais   e   se   equivalem   na  moeda   eleita   como   internacional   por  meio   de  taxas  de  câmbio:  razão  –  ou  relação  –  entre  duas  moedas  de  países  diferentes.    Assim,   a   taxa   de   câmbio   é   o   preço   em  moeda   nacional   de   uma   unidade   de  

moeda  estrangeira41.    

O   preço   da  moeda   estrangeira   é   governado   pela   oferta   e   demanda,   como   o  preço  das   demais  mercadorias.  No   caso   das  moedas,   as   suas   taxas   de   troca  deram  origem  ao  que  denominamos  de  mercado  cambial.  ¬  onde  se  compra  e  vende   moedas.   Esse   mercado   existe   simplesmente   pelo   fato   de   os   países  imporem  um  curso  forçado  à  suas  moedas  nacionais.    

Assim,  quando  alguém  compra  moeda  estrangeira  está   trocando  o  poder  de  compra  de  sua  moeda  no  mercado  nacional  por  poder  de  compra  no  mercado  do  pais  estrangeiro,  para  comprar  um  ativo  estrangeiro.  Quando  medimos  o  poder   de   compra   de   uma  moeda   em   relação   a   outra   chamamos   de   taxa   de  cambio  real.  O  preço  da  moeda  estrangeira  em  termos  da  moeda  nacional  é  denominado  de  taxa  de  cambio  nominal  que  é  a  mais  amplamente  noticiada  nos  jornais.    

Por  esses  motivos  as  taxas  de  cambio  são  objetos  de  observância  por  todos  os  governos.  As  pessoas  quando  adquirem  moeda  estrangeira  para  exercerem  o  poder   de   compra   no   outro   pais,   em   vez   de   o   exercerem   no   seu,   o   fazem  porque   o   ativo   estrangeiro     tem   preço   menor,   qualidade   melhor   ou  simplesmente  inexiste  no  pais  de  origem  do  comprador.  

 A  identidade  representa  a  mensuração  da  taxa  de  cambio  nominal.  

Pa  R$  =  e  PaU$    

P=  preço  do  produto   (a)   cotado  no  país  A   e   no  país  B,   em   suas   respectivas  moedas  nacionais  R$  (Brasil);  U$  (Estados  Unidos  da  América),  e:    

 e  =  taxa  de  câmbio.  

41   Esse   é   o  método   denominado   direto.   O  método   indireto   consiste   em   encontrar   a  taxa  de  câmbio  medindo  o  preço  da  moeda  nacional  em  ternos  da  moeda  estrangeira.  Por  simplificação  didática  estaremos  neste  capitulo  utilizando  o  método  de  apuração  direta.  

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Essa   taxa   de   cambio   iguala   os   preços   entre   os   países   através   do   comércio  internacional.  Enquanto  ela  for  diferente,  ou  seja,  o  ativo  em  um  pais  for  mais  barato  que  no  outro,  ela  se  modificará  até  anular  essa  vantagem.    

Essa  premissa  é  tão  forte  que  virou  uma  máxima  do  comércio  internacional:  Lei  do  Preço  Único42.    

Sem   restrições   ao   comércio,   os   preços   domésticos   se   igualam   aos   preços  internacionais   respectivos.   Os   preços   dos   ativos   em   cada   pais   isolado   do  comércio  internacional  não  batem  entre  si  por  várias  razões.  A  produtividade  e   o   salário   entre   os   países   são   diferentes   correspondendo   às   diferentes  especializações  do  trabalho  contidas  em  cada  um  deles.  Se  elas  fossem  iguais,  bem   como   as   condições   pelas   quais   se   distribuem   os   seus   ganhos   entre  trabalho  e   capital,   a   taxa  de  câmbio  seria   igual  à  unidade.  Segundo,  existem  riscos   associados   à   aquisição   do   ativo   estrangeiro   em   relação   ao   ativo  nacional:  a  informação  tende  a  ser  imperfeita,  ou  seja,  nem  todos  têm  acesso  a  ela  igualmente.  Por  fim,  uma  série  de  outros  efeitos  que  vão  desde  o  custo  de   transporte   até   diferenças   entre   as   legislações   que   regem   as   sociedades  contribui   para   que   a   formação   dos   preços   domésticos   seja   diferente   entre  países   influenciando   o   preço   da   moeda   estrangeira   cotado   em   moeda  nacional.   Contudo,   não   havendo   restrição   ao   comércio,   esses   preços  alcançados    pelas  forças  do  mercado  se  igualam.  

A  taxa  de  cambio  real  difere  da  nominal  por  incluir  a  variação  de  preços  que  acompanha  os  produtos.  Em  outras  palavras,  a  taxa  de  cambio  real  observa  os  preços  relativos  dos  bens  entre  países.    Comparamos  o  valor  de  uma  cesta  de  bens  com  o  valor  de  cesta  semelhante  em  outro  pais.    Como  essas  cesta  são  cotadas  em  suas  respectivas  moedas  nacionais,  temos  que  harmoniza-­‐las  em  uma  única  moeda  para  serem  comparáveis  e  encontramos  a   taxa  de  cambio  real  (er).  

er  =  eP*/P  

onde  eP*  é  o  preço  da  cesta  de  bens  estrangeira  cotado  em  moeda  nacional.    P  

42 Essa  máxima  foi  criada  por  David  Ricardo  (1858)  

e   P*   são     índices   de   preços   das   cestas   de   bens   nacional   e   estrangeira.  Podemos   usar   qualquer   índice   de   preços   como   os   observados   na   seção   2.2  anteriormente,  mas  geralmente  o  índice  destacado  assemelha-­‐se  ao  índice  de  preços  por  atacado,  uma  vez  que  as  operações  de  comércio  exterior  são  feitas  no  atacado.    Como  são  índices  de  preços,  o  nível    original  da  taxa  de  cambio  é  arbitrário,   mas   suas   variações   no   tempo   não   o   são.   Assim,   a   taxa   real   de  cambio  indica  se  os  preços  dos  bens  estrangeiros  estão  se  tomando  mais  ou  menos   caros   em   relação   aos   bens   domésticos.   Com   ela   observamos   a  variações  nos  preços  relativos  dos  bens    e  não  os  preços  relativo  das  moedas.