1eco bras no pós guerra 1946-1951

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O PRESIDENTE DESILUDIDO: PNDULO DE POLTICA ECONMICA NO GOVERNO DUTRA (1946-1951) Pedro Paulo Zahluth Bastos IE/UNICAMP Resumo O artigo pretende discutir o contexto poltico e ideolgico da opo do governo Dutra pela liberalizao cambial, para demonstrar que a restaurao de controles cambiais se fez, ao contrrio do que aceito, de maneira consciente de seus benefcios substituio de importaes.

A poltica econmica do governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) pode ser descrita por um pndulo. Inicialmente, a prioridade recaiu sobre um plano de estabilizao inflacionria (limitao do gasto pblico, controle do crdito) apoiado em reformas liberais (abertura comercial e financeira) e estabilidade do cmbio nominal. O diagnstico da inflao culpava heranas intervencionistas do Estado Novo, de maneira que controlar os preos exigia liberar mecanismos de mercado e limitar influncias nocivas do governo. Aproximadamente em metade do mandato, uma crise cambial forou o governo a voltar atrs na abertura comercial para defender reservas cambiais e resguardar importaes essenciais, embora sem reverter a abertura financeira inicial. O governo procurou defender a taxa de cmbio limitando importaes pouco essenciais, evitando o impacto inflacionrio de uma depreciao cambial. Isto protegeu o mercado interno para a produo substitutiva de importaes, que seguiu seu curso medida que o governo procurava retirar gargalos (escassez de divisas, crdito e infraestrutura) que limitavam a expanso. A bibliografia costuma argumentar que a reverso de poltica econmica que se seguiu crise cambial resultou da crise econmica do projeto liberal, e no de algum tipo de reviravolta ideolgica e poltica desenvolvimentista. Como a estratgia de abertura externa chocou-se com a escassez de divisas, um governo que flertava com o liberalismo preferiu evitar o choque inflacionrio que decorreria da flutuao da taxa de cmbio, acabando por estimular inconscientemente uma orientao econmica mais autrquica do que inicialmente pretendido. O artigo tem por objetivo revisar parcialmente esta viso do perodo. Ele considera que a crise da estratgia liberal no resultou de fato de uma reviravolta desenvolvimentista, admitindo que resultou de sua prpria insustentabilidade econmica, manifesta na crise cambial que induziu a reverso. No obstante isto, apresenta-se aqui evidncia documental que sugere fortemente que a mudana de poltica econmica induzida pela crise cambial no se fez de maneira to sonmbula quanto a seus efeitos sobre o processo de substituio de importaes posterior. Pelo contrrio, o

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prprio presidente Dutra fez questo de admitir publicamente que 1) a estratgia de abertura se fundamentara em algumas iluses, e que 2) a perda destas iluses e a tomada de conscincia da posio vulnervel do pas forava o governo a apoiar deliberadamente a expanso da substituio de importaes induzida pela crise cambial. Ao faz-lo, o presidente desiludido sabia que o debate sobre os rumos (mais aberto ou mais autrquico) do desenvolvimento econmico do pas no se esgotara depois que a estratgia liberal sara vitoriosa da crise do Estado Novo. E buscava responder s crticas de lideranas e partidos sempre favorveis reverso da abertura, mostrando que seu governo j realizava aquilo que a oposio poltica pregava. Da a opo tomada (depois que a crise cambial implicou na perda de iluses) de apoiar a expanso por substituio de importaes planejando a retirada de estrangulamentos (escassez de divisas, crdito e infra-estrutura) expanso. O primeiro item do artigo discute o contexto poltico e ideolgico domstico que influenciou a campanha eleitoral e os programas de governo tanto dos candidatos da situao (Dutra, PSD) quanto da oposio (Eduardo Gomes, UDN), colocando o combate inflao no centro da agenda econmica e eleitoral. Na agenda que marcou o incio do governo Dutra, era central conter o dficit pblico (que pressionava recursos escassos) e liberar importaes para (1) restringir os lucros extraordinrios que, alegava-se, industriais locais gozavam com a inflao s custas de consumidores e sob proteo estatal; ao mesmo tempo, (2) for-los a modernizar-se para atender o mercado interno, em condies de menor escassez de divisas e maior concorrncia. O artigo admite e refora o ponto de que a opo liberalizante no se limitava poltica de estabilizao monetria, seno que se articulava ofensiva liberal do final do Estado Novo quanto orientao a ser dada ao desenvolvimento econmico e insero externa no ps-guerra. No entanto, no corrobora o argumento de que a opo do governo tivesse o sentido (s vezes sugerido) de retorno vocao agrria do pas: tratava-se sim de liberar o sistema de preos para conter a inflao e induzir um crescimento mais equilibrado dos setores urbanos e rurais, esperando at um reaparelhamento modernizante da indstria. O segundo item discute os motivos da crise cambial que levou o governo a perder iluses a respeito da orientao liberal inicial. Tambm discute as alternativas de resposta crise e os motivos porque o governo enveredou por um rumo (controle de importaes, expanso do crdito, plano de investimentos pblicos, fomento indstria substitutiva de importaes) que provocou a oposio ideolgica de tcnicos e empresrios prejudicados pela reverso da abertura, embora continuasse experimentando oposio poltica de lideranas (sobretudo Getlio Vargas) sempre favorveis reverso da abertura.

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Neste contexto poltico e ideolgico rico e conflituoso, o nus da prova de que o governo Dutra agiu inconscientemente deveria recair sobre os que sugerem a hiptese de sonambulismo (sem apoio em documentao pertinente). Pois em parte por causa do debate externo e em parte por causa do debate interno ao governo, o presidente Dutra procurou demonstrar publicamente que tinha conscincia dos efeitos da reverso de poltica econmica. Por isto o governo passaria a elogiar e apoiar publicamente a substituio de importaes, depois de tanto elogiar os efeitos benficos das importaes. Este movimento pendular, no entanto, no foi produto de uma reviravolta desenvolvimentista que decidisse embates ideolgicos e polticos em um sentido anti-liberal: o pndulo (e a perda de iluses) resultou da prpria crise econmica do projeto liberal. Assim, o elogio da substituio de importaes que se seguiu crise da estratgia de abertura no resultou de uma preferncia apriorstica pelo nacional contra o importado, mas do fato de reagir a um problema inescapvel: a necessidade urgente de superar ou atenuar a crise cambial, limitando seus impactos negativos sobre o controle inflacionrio. 1. A campanha liberal e a mudana da agenda econmica (1941-1946) As primeiras iniciativas que marcaram a virada liberal da poltica econmica depois do Estado Novo foram tomadas pelo presidente provisrio Jos Augusto Linhares e seu ministro Jos Pires do Rio, antes de serem aprofundadas no governo Dutra. Neste sentido, existe significativa linha de continuidade nas iniciativas econmicas dos dois sucessores de Vargas, como se estivessem marcadas pela rejeio de algo a ser definitivamente superado, uma vez afastado o ditador e suas velhas orientaes. Assim, os motivos da liberalizao cambial entre fins de 1945 e meados de 1947 precisam ser interpretados luz da crise do Estado Novo e dos debates quanto s causas da inflao brasileira e as formas de super-la. A acelerao da inflao era o problema de poltica econmica mais cadente, mas os debates do perodo se articulavam a diferentes projetos quanto orientao da economia brasileira e sua insero externa no ps-guerra.Tabela 1 Deflatores implcitos (setores de atividade): 1939-1947

1939=100 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 Global 106,7 117,6 136,7 159,4 192,3 221,0 253,2 276,1 Agric. 102,1 110,5 128,0 152,4 193,2 225,5 267,2 294,8 Indstria 110,8 125,8 144,8 168,3 190,9 215,1 234,8 254,0 Servios 111,4 118,8 145,3 158,4 202,0 235,5 288,6 310,8 Fonte: IBGE (1990), p. 177. Nota: o item servios inclui apenas os de transportes e comunicaes.

A inflao tornava-se um tema central da agenda nacional medida que sua acelerao inquietava massas urbanas. Ao longo da guerra, sua escalada foi marcante: o custo de vida mais

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que dobrou no Rio de Janeiro entre 1939 e 1946, triplicando em So Paulo sem qualquer regra de correo monetria de salrios. Isto teve conseqncias polticas claras: abriu um espao de crtica contra um governo que, desde muito cedo, utilizava xitos econmicos para atestar capacidade de gesto da economia, legitimando a crescente regulamentao estatal das mais diversas atividades. Desde 1931, discursos de Vargas elogiavam a interveno estatal e enfatizavam a obsolescncia do liberalismo clssico (P.C. Dutra Fonseca, 1987, pp. 192 e 210). Em 1943, diria em solenidade em sua homenagem na FIESP que caso seu governo tivesse insistido nos velhos mtodos do laissez-faire, seguramente no teramos atingido ao elevado nvel de desenvolvimento que esta exposio testemunha (idem, p. 256). A acelerao da inflao, porm, podia ser usada como crtica ao regime, explorando o descontentamento popular com sua escalada e buscando canalizar responsabilidades, contra o governo, na interveno estatal que Vargas identificava como fonte do sucesso econmico.Tabela 2 ndices de custo de vida (ICV) e de preos por atacado (IPA): 1939-1949 1939=100 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 ICV (RJ) 103 114 127 140 158 184 214 261 ICV (SP) 107 121 136 157 214 264 300 386 IPA 106 123 146 174 198 228 263 278 Alimentos 104 125 140 163 184 230 258 310 Construo 103 109 159 208 259 244 279 305 Calados 108 121 132 166 204 225 287 293 Txteis 105 114 139 176 219 249 308 272 1948 270 421 306 355 278 305 278 1949 282 414 333 398 378 315 287

Fonte: IBGE (1990), p. 177. Nota: Os dados das variaes dos preos manufaturados no correspondem ao item indstria da tabela anterior: selecionou-se aqui os preos de materiais de construo civil e bens manufaturados de consumo que lideraram a inflao do setor industrial e que eram, evidentemente, os itens de maior relevncia para o consumidor final.

As interpretaes liberais do tema no demorariam a surgir e ser difundidas, principalmente por Eugnio Gudin (ativo membro do Conselho Tcnico de Economia e Finanas) e Otvio Gouvia de Bulhes (chefe da Seo de Estudos Econmicos e Financeiros do Ministrio da Fazenda desde 1939). A partir de 1941, sugeriam ver a inflao no apenas como resultado do desabastecimento inerente a uma economia de guerra como tambm de dficits fiscais e da excessiva emisso monetria (Bulhes, 1941). Em entrevistas ao Jornal do Comrcio em 1942, Gudin criticava os lucros extraordinrios que a economia de guerra propiciava aos industriais resguardados da competio externa. Seus artigos no influente Correio da Manh (como editor de economia) batiam na mesma tecla. medida que a inflao escalava, o predomnio destas interpretaes se consolidava, associando-se s crticas ao protecionismo reivindicado pelos industriais para o ps-guerra exceto, evidentemente, no discurso dos industriais nacionais. 11

Os resultados do exaustivo levantamento de documentos oficiais, livros, jornais e revistas da poca feito por Ricardo Bielschowsky (1985), pp. 313-321 e 365-6, chegam a ser surpreendentes: a proteo comercial excessiva gerada pela

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O governo no podia ficar inerte ameaa da pregao liberal popularidade do presidente. A estratgia foi integrar mais lderes e propostas liberais ao governo. A proposta de Gudin de taxao de lucros extraordinrios teve ampla repercusso, influenciando a decretao do Imposto de Lucros Extraordinrios no incio de 1944. Mas o governo mantinha autonomia: enquanto Gudin propusera que a contrapartida monetria do tributo fosse esterilizada em ttulos ao portador (Obrigaes Especiais), o ministro Souza Costa resolveu criar um fundo vinculado a Certificados de Equipamentos, para financiar o reaparelhamento da indstria no ps-guerra. Gudin e Bulhes seriam ainda os principais assessores da comitiva chefiada pelo ministro Souza Costa conferncia de Bretton Woods, onde o pas apresentou proposta de Gudin para criao de instituio de estabilizao internacional do preo de commodities, muito afinada s idias de Keynes sobre a questo (cf. Arquivo EUG/1943.05.12d). A criao da SUMOC em 1945, por sua vez, foi justificada pelo controle da expanso do crdito para conter a inflao a indicao de Bulhes ao comando da Superintendncia era significativa da opo de cooptar intelectuais liberais para o governo e era evidente para os industriais.2 Mas a tentativa de cooptar a oposio ideolgica emergente no teve sucesso. A divergncia aprofundou-se quando a Portaria Interministerial n7 (22/01/1945) complementou o fundo criado com o Imposto de Lucros Extraordinrios e alocado em Certificado de Equipamentos, instituindo um regime de concesso de licenas prvias de importaes que priorizava aquelas necessrias ao reaparelhamento industrial, restringindo a importao de produtos sunturios e dispensveis. A reao de Gudin foi violenta e de evidente repercusso pblica: enquanto o Ministro da Fazenda justificava a PI-7 como forma de combater a inflao atravs do aumento da oferta industrial interna (SC/45.07.27pi), Gudin afirmava que o controle dos preos industriais era impossvel graas ao privilgio obtido pelos industriais contra toda concorrncia externa. Assim, a cooptao da oposio liberal se mostrou impossvel, talvez porque estivessem em questo no apenas diagnsticos e propostas sobre inflao ou grau de proteo indstria mas, no fundo, diferentes vises quanto s orientaes de poltica econmica para o ps-guerra.guerra era apontada como fonte de inflao, dos lucros extraordinrios e da ineficincia dos industriais no apenas entre a opinio liberal comum a pequenos burgueses e classe mdia de funcionrios pblicos e profissionais liberais (alm de lderes agrcolas), como tambm junto a economistas nacionalistas do setor pblico (como Rmulo de Almeida) e comunistas (como Caio Prado Jr), com bvias repercusses sobre a opinio pblica urbana. Parte dos artigos de Gudin foi compilada nos livros Inflao e Economia de Guerra, 1944, e Ensaios sobre problemas econmicos da atualidade, 1945. 2 No I Congresso Brasileiro de Economia (dez/1943), Bulhes apresentara tese (vetada sob iniciativa de Roberto Simonsen) propondo evitar que a expanso de moeda gerasse lucros extraordinrios sem relao com custos de produo (como naquela conjuntura de economia de guerra), ajustando a contrao do crdito entre os diferentes setores da economia (sabendo-se que os produtos manufaturados lideravam a inflao at ento). Um ano depois, pouco antes de assumir a SUMOC, a principal controvrsia do I Congresso Brasileiro da Indstria (dez/1944) ocorreria em torno sua tese A evoluo dos preos e a indstria nacional, que propunha reduzir a acelerao das atividades para combater a inflao, contra a posio dos industriais de que a soluo estaria no aumento da produo (no na reduo da demanda).

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O mais conhecido embate entre projetos foi o debate sobre o planejamento da economia brasileira no interior do Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial (CNPIC), criado em novembro de 1943 e instalado em abril de 1944, e da Comisso de Planejamento Econmico (CPE), criada em maro e instalada em outubro de 1944. Os principais protagonistas eram o lder industrial paulista Roberto Simonsen, relator do projeto de planificao do CNPIC, e Eugnio Gudin, responsvel por sua anlise na CPE. A liderana de Simonsen e Gudin em meio a seus pares, a importncia dos temas tratados e a clareza de seus argumentos ajudariam a consolidar duas das matrizes ideolgicas amplas que orientariam controvrsias na economia poltica do ps-guerra, sem constituir projetos acabados mas em permanente reelaborao dentro de um quadro geral j antecipado naquela controvrsia: desenvolvimentistas vs. liberais, ou industrialistas vs. monetaristas (L. Sola, 1982, e R, Bielschowsky, 1985). O choque direto se iniciara no I Congresso Brasileiro de Economia (dez/1943) e continuara no I Congresso Brasileiro da Indstria (dez/1944), envolvendo questes como proteo comercial industria, expanso do crdito pblico e papel de empresas estatais ou filiais estrangeiras no desenvolvimento de setores bsicos. Desde o incio, o debate dizia respeito ao estilo de desenvolvimento do pas, assumindo importncia central, agora, ao transferir-se para o interior do Estado e discutindo seu papel no ps-guerra.3 Em linhas gerais, Simonsen defendia a interveno estatal no fomento ao desenvolvimento industrial (proteo comercial, crdito industrial, investimento estatal complementar) e financiamento norte-americano de governo a governo (redistribudo por uma cmara de planificao com participao de industriais). Embora afirmasse que a industrializao no se separa, porm, da intensificao e do aperfeioamento de nossa produo agrcola (Simonsen & Gudin, ed. C. Doellinger, 1977, p.34), era pessimista diante da possibilidade de assentar o crescimento econmico em exportaes agrcolas no ps-guerra. Por outro lado, considerava essencial preservar a proteo natural propiciada pela Grande Depresso e pela II Guerra3

Sobre a controvrsia do planejamento, ver especialmente F.L. Corsi (1991), (1995) e (1996); e C. Doellinger (1977), Eli Diniz (1978), cap. 6, L. Sola (1982), cap. 2, e R. Bielschowsky (1985), parteII, caps.1-2. O debate ocorreu porque Vargas determinou que o relatrio do CNPIC redigido por Simonsen fosse avaliado por Gudin no CPE, como se pretendesse paralisar a proposta, provavelmente porque no pretendia nem se identificar com industriais impopulares (por causa da acelerao inflacionria), nem lhes ceder o espao poltico privilegiado que teriam na Cmara de Planificao proposta por Simonsen ao CNPIC. Mais tarde, Gudin concederia entrevista em que afirmava presumir que o intuito de Vargas era bombardear a proposta dos industriais: cf. Monteiro & Cunha (1974). O discurso do ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes F, na abertura dos trabalhos do CNPIC (subordinado ao ministrio) uma jia do pensamento desenvolvimentista e um elogio da participao do Estado e dos empresrios no estudo, planejamento e indicao das providncias necessrias defesa das atividades existentes, bem como a formao de novas (in E. Carone, 1976, pp. 359-369). Eli Diniz, 1978, cap. 6, sugeriu que a controvrsia entre Simonsen e Gudin revelava, no fundo, divergncias entre os ministrios da Fazenda (Souza Costa) e do Trabalho (Marcondes F). Embora a posio de Simonsen de fato se assemelhasse do MICT, o outro lado da hiptese exige qualificao, pois (1) o CPE era subordinado diretamente ao presidente, e no ao Ministrio da Fazenda; (2) embora o ministro Souza Costa decretasse

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substituindo-a pelo protecionismo deliberado no ps-guerra, condio de sobrevivncia da indstria nacional diante das assimetrias econmicas internacionais. 4 Gudin, por sua vez, propunha restaurar sinais de mercado por meio de abertura externa (comercial e financeira) e controle da inflao (dficit fiscal e emisso monetria), para que recursos privados fossem alocados de maneira eficiente entre setores urbano e rural. Um ambiente regulatrio atraente ao capital externo privado deveria ser criado, facilitando remessas de lucro e evitando a presena de estatais que empurrassem filiais internacionais de setores onde poderiam atuar (sobretudo infra-estrutura e extrao mineral). Gudin no se apresentava adversrio da industrializao, mas considerava necessrio aumentar a produtividade em geral e garantir uma alocao equilibrada de recursos entre setores urbano e rural, o que seria impossvel se a proteo contra concorrncia externa pretendida pelos industriais fosse perpetuada.5 O relatrio de Gudin foi editado pelo autor em livro (Rumos da poltica econmica) e, indo muito alm de crticas tcnicas s propostas de Simonsen, criticava abertamente a orientao econmica do Estado Novo, associando-a ao autoritarismo poltico. Com isto, fornecia combustvel para a oposio liberal crescente ao regime. Corajosamente, Gudin identificava o planejamento econmico ao autoritarismo poltico (citando teses contemporneas de Hayek), sendo elemento incompatvel ao movimento de redemocratizao do pas. Bombardeava as propostas de Simonsen alegando que (1) o planejamento era instrumento de defesa de empresrios ineficientes; (2) o protecionismo era meio de sacrificar a maioria da populao consumidora a um pequeno grupo de produtores; e (3) o controle do financiamento externo pelo Estado, canalizado de governo a governo, afastaria os capitais privados estrangeiros receosos de rgidos controles sobre suas atividades, pois:qual ser o capital estrangeiro que para aqui afluir, ao ver que o governo realiza operaes de crdito governo a governo para suprir capital e assim assumir a tutela de indstrias nacionais, evitando novas iniciativas concorrentes? Claras advertncias nesse sentido j foram feitas, ao que me consta, pelos americanos (idem, p. 83).

Alm da questo dirigismo/livre iniciativa (interno/externa), foi na questo inflacionria que Gudin direcionou as crticas de maior apelo poltico s propostas de Simonsen. Sintetizando argumentos liberais do perodo, Gudin alegava que as causas da inflao eram claras, assim comoum imposto sobre lucros extraordinrios (velha proposta de Gudin), articulou-o a Certificados de Equipamentos e, mais tarde, ao regime de licena prvia, o que problematiza identificar o ministrio da Fazenda posio de Gudin. 4 Uma conferncia de Simonsen em outubro de 1943 no Distrito Federal intitulava-se significativamente Alguns aspectos da poltica econmica mais conveniente no perodo de aps-guerra, e seu recado a respeito das possibilidades da indstria e da agricultura era claro, ligando-as ao desenvolvimento social (in E. Carone, 1973, p. 283 e 288). 5 A tese apresentada por Gudin ao I CBE (12/1943), Preos dos produtos primrios e dos produtos industriais: efeitos de suas disparidades nas trocas internas e externas (Arquivo EUG, reg. GUDIN F-pi1943.00.00) criticava a proteo industrial, mas dizia no partilhar da tese da vocao agrria, e sim de um desenvolvimento que denominava equilibrado entre agricultura e indstria.

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seus beneficirios. A expanso dos meios de pagamentos resultaria em parte dos saldos comerciais gerados pela situao de guerra, mas a presso sobre os recursos reais escassos era provocada particularmente pela poltica de investimentos e crdito do governo. Parte dos investimentos pblicos era necessidade imposta pela economia de guerra, mas a maioria no era. Como resultado, uma economia que j estaria operando sob pleno emprego antes da guerra passara a funcionar alm de sua capacidade, provocando fortes e crescentes presses inflacionrias, plenamente acomodadas pela poltica de crdito emissionista do governo. A canalizao dos recursos escassos para as atividades de investimento provocaria ainda um desvio de recursos da produo de bens de consumo que seria responsvel pela elevao de seus preos, afetando os gneros alimentcios de primeira necessidade e prejudicando a grande massa da populao. Os beneficirios seriam os especuladores comerciais e imobilirios mas, tambm, os industriais agraciados por lucros extraordinrios. Dentre vrias medidas, tratava-se ento de reduzir os investimentos pblicos, fomentar a agricultura voltada para o consumo interno (sem descuidar da agricultura de exportao), melhorar a rede de transportes do pas e, sobretudo, impedir que os industriais tornassem permanentes os lucros extraordinrios da guerra controlando a junta de planificao da economia e a oferta de licenas prvias para importaes. Caso contrrio, a conspirao dos ineficientes seria beneficiada s custas de toda a coletividade, seja atravs de transferncias fiscais e creditcias, seja pela baixa qualidade do que seria consumido, seja por seu preo alto (e crescente) resguardado da concorrncia externa implicando em perdas de renda real imensa maioria dos que no eram beneficirios de benesses de Estado, acessveis apenas aos particulares privilegiados graas operao de ideologias equivocadas de planejamento ou, no limite, s ligaes polticas pessoais. Sendo assim, Gudin defendia combater a inflao no apenas com uma gesto mais responsvel do oramento e da moeda, mas com reformas estruturais do modelo de desenvolvimento do pas: restaurar a eficcia alocativa do livre mercado por meio de (1) diminuio da proteo comercial e (2) liberalizao de investimentos externos. Um ponto fraco dos argumentos liberais mostraria ser o otimismo exagerado quanto s perspectivas de recuperao do comrcio e do investimento privado internacional. Para atrair grandes volumes de capital estrangeiro, por exemplo, bastaria promover clima de expectativas e ambiente regulatrio favorvel para suas operaes: uma vez restabelecida entre ns a ordem constitucional em sua integridade, teremos excelentes oportunidades de atrair capital estrangeiro, especialmente americano (idem, p. 83). Como veremos, esta suposio era ilusria, assim reconhecida pelo futuro presidente. De todo modo, se verdade que o objetivo de Vargas ao indicar Gudin como relator do projeto do CNPIC era o de bloquear indiretamente a tramitao das propostas de Simonsen, o

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resultado no poderia ter sido mais satisfatrio: a crtica de Gudin era arrasadora. verdade que a maioria de seus argumentos no eram novos, e o fato de serem conhecidos parte da explicao da escolha de Gudin como relator. Mas Vargas e a cpula do executivo no anteciparam todas as conseqncias da manobra: ao identificar os lucros extraordinrios que os industriais gozavam, Gudin os associava excessiva presso sobre os recursos imprimida pela poltica de investimento e crdito do governo (portanto, a escolhas equivocadas de poltica econmica) e proteo contra importaes que o governo acabara de institucionalizar. Alm disso, agora Gudin identificava a proposta de planejamento e o dirigismo econmico ao autoritarismo, como se a liberalizao poltica devesse envolver necessariamente a liberalizao econmica. Apontava, s oposies liberais e mesmo ao futuro candidato do governo, aquilo que deveria ser abandonado junto com o Estado Novo:Como conceber uma ditadura econmica dentro de uma democracia?No discuto aqui ideologias. Mostro apenas a grave herana de capitalismo de Estado que nos ficou do regime totalitrio que ora se extingue H muito quem pense e pense erroneamente que muitos dos empreendimentos no se poderiam ter realizado porque a economia privada no dispe de recursos suficientes e porque s o Estado tem capacidade financeira para tanto. um erro, baseado na idia de que o Estado pode forjar capital Mas papel pintado s capital na cabea dos inocentes. O que o papel-moeda faz tirar do povo para as mos do governo que emite o dinheiro (pp. 68 e 81-2; itlico do autor).

Esta e outras publicaes liberais incendiaram a oposio poltica ao regime: ela encontrara um flanco popular de crtica ao Estado Novo e seu chefe. Muito rapidamente, o debate econmico seria utilizado no movimento democratizante e a seguir na campanha udenista. No programa da UDN, a influncia liberal era visvel, tratando-se de apelar para o capital estrangeiro, necessrio para os empreendimentos da reconstruo nacional e, sobretudo, para o aproveitamento de nossas reservas inexploradas, dando-lhes tratamento equitativo e liberdade para a sada dos juros O Estado dever dar o exemplo da racional mobilizao desses recursos: a) mantendo o equilbrio oramentrio; b) valorizando a moeda, por todas as formas, principalmente evitando a inflao do meio circulante; c) moralizando as despesas e evitando despesas suprfluas (in A.A. Melo Franco, 1946, p. 321, ou E. Carone, 1976, p. 428).6 Mas os argumentos liberais a respeito da inflao no ficariam limitados UDN. Foram muito repetidos na poca, depreciando a interveno estatal e consolidando uma forte resistncia s demandas industriais protecionistas. Inspirariam claramente o governo provisrio de Jos Linhares,A histrica entrevista de Jos Amrico em fevereiro de 1945, um marco da oposio ao regime e da falncia da censura, por exemplo, desqualificava a competncia tcnica do governo ao responsabiliz-lo pela inflao galopante. Em nada menos que todos os discursos do lder da UDN nas principais cidades do pas, ao longo da campanha presidencial de Eduardo Gomes (que Amrico lanara na referida entrevista), inclusive no discurso de encerramento da campanha no Largo da Carioca, a questo da inflao e do empobrecimento que estaria produzindo o principal tema explorado por Jos Amrico na crtica a Getlio.6

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de modo que seu ministro da Fazenda, Jos Pires do Rio (diretor do Jornal do Brasil) cumpriria o programa liberal ao p da letra: (1) revogando a Portaria Interministerial n7; (2) limitando as operaes da Carteira de Redesconto (CARED), (3) transferindo atribuies da Caixa de Mobilizao Bancria do BB (CAMOB) para a SUMOC.7 A principal reao de Vargas campanha econmica liberal foi desastrosa. Ele no podia aceitar a identidade entre excesso de governo (dirigismo) e inflao, em um momento em que manter a popularidade junto s massas urbanas reforaria a estratgia de conduzir pelo alto a transio poltica. Mas, colocado na defensiva, reagiu com o decreto-lei que viria a ser apelidado por seus opositores de Lei Malaia (n7666, a 22/06/45), transferindo a responsabilidade pela inflao aos trustes e cartis formados para cometer atos contrrios economia nacional, explorando a misria e a impotncia do povo (para o texto da lei, cf. A.A. Mello Franco, 1946, pp. 288-295 ou E. Carone, 1976, pp. 196-203).8 Infelizmente para o governo, os termos a partir dos quais o tema da inflao seria abordado j tinham sido definidos pela campanha liberal, inspirada por ideolgos que arrogavam convincentemente o monoplio da competncia tcnica. Ao propor defender a economia popular dos trustes e aambarcadores, Vargas visava defender-se da campanha liberal aproximando-se do povo (e dos queremistas). Mas a reao de Vargas acabou empurrando setores industriais para reforarem politicamente a campanha. A reao contra a Lei Malaia assumiu caractersticas de uma verdadeira campanha contra a estatizao, envolvendo manifestos da Ordem dos Advogados, da UDN e uma carta aberta das classes produtoras publicada na Folha da Manh, unificando comrcio, indstria e agricultura assinada por Joo Daudt dOliveira (presidente da Federao das Associaes Comerciais), Euvaldo Lodi (presidente da Confederao Nacional da Indstria) e Iris Meinberg (presidente da Unio das Associaes Agropecurias do Brasil Central). Interpelavam Vargas: Crdito e papelA entrevista ao Correio da Manh reproduzida em meio coletnea dos discursos de Jos Amrico, ex-candidato s eleies de 1937 e fundador da UDN: ver A palavra e o tempo (1965). 7 Em livro de 1947, justificava sua atuao identificando nas emisses de moeda fiduciria a mais velha molstia do Brasil financeiro e, em conjunto com a proteo industrial, causa de acelerao da inflao: para suas crticas ao protecionismo e seu elogio s posies de Gudin, ver tambm A moeda brasileira e seu perene carter fiducirio, 1947, pp. 484-499). Em relatrio ao presidente Linhares em dezembro de 1945, As condies atuais do Brasil, Pires do Rio afirmava que sem tarifas aduaneiras o Brasil no poderia sustentar vrias indstrias agrrias, como a de laticnios e a de acar, e no poderia talvez explorar as salinas de sua terra. Cumpre, entretanto, no exagerar esse protecionismo para no sacrificar a maioria do povo brasileiro minoria industrial do pas (cf. Mayer & Benjamin, 1983, p. 2984). 8 Na excelente sntese de F.L. Corsi (1997, pp. 276-7) sobre a Lei Malaia: Esta estabelecia normas visando impedir a formao de cartis e trustes e quaisquer outras formas de manipulao de preos. A lei criava tambm a Comisso Administrativa de Defesa Econmica (CADE), cujas atribuies legais eram bastante abrangentes: poderia intervir em todas as empresas envolvidas em atos considerados contrrios economia nacional, realizando inclusive desapropriaes. A fuso, a incorporao e a dissoluo de empresas em vrios setores (indstrias blicas, bsicas, editoriais, de rdio e teledifuso etc.) dependiam de prvia autorizao da CADE Os funcionrios da CADE teriam acesso a todos os livros e documentos das empresas. Em relao s empresas estrangeiras, a lei admitia a possibilidade de desapropri-las sem indenizao em dinheiro.

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moeda mais do que duplicaram em 10 anos. Para que procurar outra causa para a alta de preos, quando ela est a evidente aos olhos de todos? (cf. E. Carone, 1976, pp. 369-377). Prosseguiam repetindo a sntese de Gudin:A par do crescimento vertiginoso do volume de moeda e de crdito, agravou-se entre ns a alta de preos por fora de escassez de mercadorias do consumo, oriunda: a) de reduo das importaes; b) do desvio de nossos limitados fatores de produo para a exportao proveitosa de matrias-primas e produtos de guerra, para os inmeros empreendimentos realizados ou estimulados pelo governo, para a constituio de edifcios pblicos e arranha-cus, e para as atividades militares; c) da deficiente capacidade de nossa rede de transportes, agravada pela dificuldade de combustveis e de materiais, pela quase supresso do transporte rodovirio e pela reduo da navegao de cabotagem. Em tal conjuntura, de superabundncia de dinheiro e de escassez de mercadorias, no h dialtica capaz de atribuir a alta de preos a supostos entendimentos, ajustes ou convnios entre empresas, para apont-los como responsveis por essa alta (idem, p. 272).

Tambm utilizavam a tradicional ode ao capital estrangeiro (j apontado por Gudin como alternativa ao impacto inflacionrio das emisses fiducirias que acompanhariam a expanso do Estado) como recurso de crtica ao decreto-lei:Como justificar, em pas cujo ritmo de progresso est na estreita dependncia de formao de capital, a discriminao contra capital estrangeiro, cujas empresas passam a ser logo passveis de desapropriao sem justa indenizao, por simples ato de uma comisso administrativa, quando o Brasil tem repetidamente afirmado em congressos internacionais o princpio de igualdade de tratamento de capitais nacionais e estrangeiros? (p. 375).

O prprio Eugnio Gudin enderearia carta a Vargas, pedindo demisso dos vrios rgos de que participava como conselheiro por discordar frontalmente do DL n7666 (EUG/ 45.07.30cor). O efeito poltico da criao da CADE por Vargas e Agamenon Magalhes foi, de um lado, reforar a impopularidade dos industriais na questo inflacionria e, de outro, afast-los de Vargas. Embora a vinculao da poltica cambial proposta de reaparelhamento da indstria instituda pelo regime de licena prvia (cinco meses antes) favorecesse os industriais, a legitimidade da defesa da proteo contra o dumping das importaes era severamente afetada, se os empresrios, j tributados por um imposto incidindo sobre lucros extraordinrios, eram agora acusados de atos contrrios economia popular. Assim, o DL n7666 reforava a centralidade da inflao na agenda poltica, mas tambm unificava o discurso empresarial sobre a inflao de maneira oposta quela que Vargas defendia apresentando-se como defensor da economia popular. Por outro lado, aqueles que criticavam os mecanismos de controle cambial institudos no incio do ano se viam reforados, pois a proteo contra a concorrncia externa era o anteparo sob o qual os lucros extraordinrios dos empresrios nacionais prosperavam. Em suma, o efeito da reao de Vargas s crticas liberais sua poltica econmica foi, aparentemente, o de refor-las, trazendo definitivamente a crtica do excesso de governo, do dficit pblico e dos lucros extraordinrios (ou seja, da regulamentao das importaes) ao

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centro de debate sucessrio, influenciando, mais tarde, a orientao econmica do governo eleito (ao que tudo indica, qualquer que fosse ele). Pois mesmo para Dutra, diante de movimento poltico e ideolgico to arrasador, cabia no ser associado a este legado do Estado Novo. Neste sentido, suas propostas como candidato da situao no se afastavam, na questo inflacionria, da matriz ideolgica que orientava o programa da UDN: Cessadas as operaes de guerra, deveramos restringir as despesas militares, protrair o incio das obras novas e reduzir o andamento das j iniciadas, cuja concluso no tenha efeitos imediatos sobre o barateamento do custo de vida, at que possamos restabelecer o equilbrio das finanas pblicas e estancar qualquer nova emisso de papel-moeda. 9 No surpreende que o governo Dutra recebesse e aprofundasse as iniciativas de liberalizao herdadas do governo provisrio. Mantendo iniciativas para contrair a expanso do crdito e investimentos pblicos, a revogao do regime de licena prvia das importaes (PI-7) pela Portaria n258 (28/12/45) comeou o desmonte dos mecanismos cambiais institudos no Estado Novo. Taxa de cmbio fixa, mas desregulamentao se sucedendo gradualmente.10

2. A agenda liberal e o projeto original do governo Dutra (1946-1948) Mas importante levar em conta as diferenas entre o projeto de governo e o programa liberal (ou o que s vezes se pensa ser este programa). Em primeiro lugar, o objetivo das medidas de liberalizao no era restaurar a vocao agrria contra a industrializao do pas. Pelo contrrio, considerava-se que a liberalizao de importaes e o aumento da concorrncia foraria o setor industrial a realizar importaes complementares para se modernizar. Assim, a abertura resultaria em um setor industrial mais eficiente, que perderia apenas seus lucros extraordinrios ao arcar com o custo de investimentos que diminuiriam o preo, aumentariam a qualidade dos produtos e a renda dos

Discurso de campanha de Dutra citado pelo Relatrio do Banco do Brasil de 1945 (p. 123). Nas palavras de Bielschowsky: Consensualmente, a grande causa da inflao, segundo as anlises econmicas de todo o perodo, estariam sendo os dficits pblicos, que sempre , naturalmente, o argumento tpico do empresariado, aquele que mais lhe convm pelo menos no que diz respeito a seus interesses de curto prazo. Ao final da guerra, a recomendao mais enftica encontrada na literatura econmica era a de que se deveriam contrair as despesas pblicas (pp. 365-6). 10 Assim: 1) o DL n 9025 (27/02/46) e a Instruo 13 da Sumoc (28/02/46) reestabeleceram a liberdade de acesso ao cmbio e a liberdade de retorno aos capitais estrangeiros (respeitando alguns tetos sobre o capital total); revogaram o mercado de cmbio livre-especial (que encarecia cmbio para viagens); e reduziram de 5 para 3% o imposto sobre operaes de cmbio e de 30 para 20% a quota das cambiais de exportao que alimentavam o mercado oficial, dentre outras iniciativas; 2) a Instruo 17 da Sumoc (20/07/46) extinguiu o mercado oficial de cmbio, transferindo as transaes para o mercado livre, taxa em torno de Cr$18-19/US$; 3) o DL n9522 (26/07/46) extinguiu o imposto de 3% sobre operaes cambiais, enquanto o DL n9524, da mesma data, institua aplicao compulsria de 20% da contrapartida em moeda nacional das exportaes em letras do Tesouro de 120 dias, com juros de 3%, alegando o motivo de conteno da inflao; 4) finalmente, a Instruo 20 da Sumoc (27/08/46) afirmava, no texto (otimista) da lei que, tendo em vista as condies favorveis do mercado de cmbio, resolve abolir temporariamente as restries impostasao retorno de capitais, juros, lucros e dividendos, bem como autorizar sejam atendidas, sem restries de limites, as transferncias relativas manuteno, viagens e turismo (cf. J. Leonel, 1955, e P. Malan et alli, 1977).

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consumidores. Com isto, a indstria contribuiria para alcanar o motivo central da liberalizao: combater a carestia. O governo de fato conseguiu desacelerar a taxa de inflao no ps-guerra (cf. tabelas 1 e 2). Esta finalidade da liberalizao era clara, e na retrica do governo no parecia sequer seriamente questionvel. Em sua primeira mensagem enviada para inaugurar as sesses do Congresso Nacional (15/03/47), o presidente Dutra afirmou claramente queCabe tratar da importante questo do comrcio exterior, na qual a poltica do governo se enquadra no plano geral econmico-financeiro de combate inflao. Assim, no tocante importao faz-se mister incentivar, predominantemente, a entrada no pas de bens de produo, sem perder de vista, entretanto, a convenincia da vinda de certas utilidades bsicas, particularmente gneros de primeira necessidade, que, sobre representar um freio especulao em certos setores, contribui para diminuir o desequilbrio entre as disponibilidades de bens de consumo e o meio circulante (E. Dutra, 1947, p. 85, nfase minha).

Mas se esperava que a indstria contribusse aumentando a produo por meio da modernizao. Assim, a liberalizao de importaes conjugaria (um tanto contraditoriamente) aumento da capacidade de produo e aumento da oferta importada de bens de consumo:Do ponto de vista econmico-financeiro, a caracterstica preponderante da situao geral do pas o forte desequilbrio, traduzido nos fenmenos de inflao, entre a massa dos produtos de consumo, imediato ou durvel, entregue aos mercados internos, e os meios de pagamentoObviamente, estavam indicadas, para imediata prescrio, medidas de duas espcies: umas, de natureza financeira, para estancar a corrente emissiva avolumadora do meio circulante; outras, de natureza econmica, com o objetivo de aumentar a produo interna e, subsidiariamente, a importao dos artigos de maior carncia (p. 57).

Quanto s iniciativas de liberalizao dos fluxos de capital estrangeiro, o sentido tambm era claro nas palavras do presidente:De igual modo, foi assegurado o retorno do capital estrangeiroTal providncia, de grande alcance para a atrao de novos capitais estrangeiros, to necessrios nossa expanso econmica, foi ampliada logo aps, abolindo-se limitaes percentuais a que estava sujeito o retorno de capitais, bem como restries remessa de juros, lucros, dividendos, viagens etc Abrimos as portas ao capital aliengena sempre que ele possa colaborar ativamente na explorao racional de nossos recursos naturais, no aperfeioamento de nossas instalaes tcnicas, na criao de novas indstrias, e continuaremos esta poltica com as precaues necessrias para que esta colaborao seja de fato benfica economia nacional (pp. 95-7).

Em portugus claro, a esperana de colaborao na explorao racional de nossos recursos nacionais tinha em vista particularmente a participao estrangeira na explorao e refino de petrleo. Mas a esperana de atrao de capitais externos era mais ampla do que isto. A mensagem enfatizava que a tomada de emprstimos privados havia sido substituda por emprstimos de governo a governo, enquanto a forma de aplicao privada por excelncia tornava-se o investimento direto: atra-lo era o motivo da liberalizao das remessas.11

Em matria de crdito internacional, observa-se o deslocamento dos emprstimos por parte dos particulares para os governos ou instituies internacionais. A reduo de crditos particulares aos governo decorre da manifesta preferncia aos investimentos diretos. A entrada de capitais estrangeiros no territrio nacional, para variados empreendimentos, tende a ser cada vez maior. Com o propsito de facilitar o afluxo de tais capitais, o governo baixou o decreto lei n9025, assegurando a remessa de lucros e o retorno dos capitais (pp. 96-7).

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A atrao de filiais modernizaria a economia sem a necessidade de estatais, mas no para um retorno vocao agrria do pas, ao contrrio do que sugeriram alguns autores (cf. T. Skidmore, 1967; O. Ianni, 1971; e G. Moura, 1984b). O incentivo agricultura era visto como uma forma de reequilibrar a economia brasileira e permitir o combate inflao, mas no h indcios de que isto se fizesse negando a industrializao. A grande comemorao do incio das operaes da CSN no corrobora que Dutra fosse um agrarista anti-industrialista (a empresa foi tomada como a mais forte evidncia de que o pas j no era somente agrcola), como ele freqentemente fazia questo de dizer que no era (cf. suas Mensagens Presidenciais na abertura dos anos legislativos). A rationale da liberalizao deve ser vista onde era explicitamente justificada: quanto aos produtos importados, o combate inflao; quanto s remessas de rendimentos de capital, estimular investimentos sem pressionar as contas externas e os recursos internos. verdade que, naquele contexto poltico-ideolgico, combater a inflao envolvia reduzir lucros extraordinrios de industriais e for-los modernizao. Mas o fato de que, para estes fins, a lei Malaia tenha sido substituda pela liberalizao das importaes no indica que esta visasse ruralizao do pas. A liberalizao cambial foi acompanhada pela preservao da taxa de cmbio. Se a presso dos ruralistas fosse hegemnica o suficiente a ponto de subordinar o combate inflacionrio na escala de prioridades, o governo no hesitaria em ajustar a taxa nominal de cmbio elevao dos preos (e custos) domsticos (uma demanda freqente dos exportadores agrcolas), ao invs de evitar a todo custo os impactos inflacionrios de tal opo. Tampouco imporia restries a exportaes de alguns produtos para privilegiar o abastecimento do mercado interno algo distante de uma opo passadista por um retorno aos velhos tempos.12 Este retorno passadista no estava no horizonte sequer de lderes ruralistas. Sua mobilizao poltica e ideolgica visava, de um lado, estancar e mesmo reverter a grande modificao de preos relativos favorvel aos produtos manufaturados, que seria responsvel pelo encarecimento da vida (aos olhos dos que no ofertavam produtos manufaturados) e pelos lucros extraordinrios dos industriais; e combater as vrias formas do desvio de recursos para o governo ou entre os setores, que Vargas estivera presumidamente promovendo s custas da agricultura. Estas demandas eram acompanhadas, defensivamente, da ressalva de que no se tratava de negar o progresso trazido pelo processo de industrializao do pas.13Por paradoxal que possa parecer luz das crticas que lhe foram feitas, era o senador Getlio Vargas que, antes pressionado pelas acusaes de que esquecera a agricultura, acusava o governo de desfavorecer a agricultura de exportao (A poltica trabalhista no Brasil, p. 251, onde se segue feroz crtica da poltica cambial do governo Dutra). 13 Os resultados de uma exaustiva pesquisa de documentos e debates da poca defendem convincentemente que a postura de reequilibrar as relaes entre os setores caracteriza mais adequadamente a posio dos liberais do perodo do que a suposio de que no eram diferentes dos agraristas do Imprio ou da Primeira Repblica, aspirando por uma volta dos velhos e bons tempos: cf. R. Bielschowsky, 1985, pp.313-332. Mesmo os liberais mais radicais, como o ministro da Agricultura Daniel de Carvalho, falavam da necessidade de uma volta terra no sentido de promover um12

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Na defesa da tese relativa restaurao da filosofia da vocao agrria do pas, Thomas Skidmore (1967), cap. 2, se prende exageradamente a uma citao descontextualizada de passagem do relatrio do Ministrio da Fazenda referente a 1946 (editado em maio de 1947): da essncia da economia latino-americana, e o Brasil nesse conjunto est integrado, certa concentrao de esforos na exportao de matria prima e de gneros alimentcios, bem como a importao de uma ampla variedade de artigos manufaturados e de comestveis industrializados, pargrafo muito citado na bibliografia (por exemplo, Lessa & Fiori, 1984). Mas o autor no se refere, por exemplo, a que o relatrio enfatizava anteriormente que os prsperos negcios de exportao precisariam ficar condicionados s necessidades do mercado interno, a fim de se evitarem as perturbaes da vida econmica, financeira e social (p. 159). A prpria passagem citada fora de contexto imediatamente precedida pelo comentrio que lhe confere sentido: Sem dvida, a melhoria das condies do mercado interno depende muito da recuperao do movimento importador (p. 172; grifo meu). O sentido geral do relatrio (como de outros documentos e declaraes oficiais) na parte referente ao comrcio exterior diferente da sugesto de Skidmore e outros. A justificativa da liberao de importaes feita pela necessidade de regularizar a oferta no mercado interno, desabastecido de importaes que ainda lhe eram necessrias porque o pas no fra capaz de aparelhar-se para suprir suas prprias necessidades:No incio da atual administrao, a situao econmica do pas caracterizava-se pela sub-produo de mercadorias e excesso de procura externa e interna. A deficincia da produo ainda mais se agravara pelo baixo nvel da importaoEsse desequilbrio provm em grande parte da segunda guerra mundial, em que o pas teve de sacrificar as necessidades vinculadas s exigncias do consumo internoainda no atingimos a etapa em que se torne possvel contar com a preponderncia do mercado interno nas atividades econmicasPredominaro assim os efeitos econmicos e financeiros do comrcio exterior no conjunto da vida nacional, enquanto no se desenvolver quantitativamente a produo interna, diversificando-se nos setores agropecurio, mineral e fabril, sobretudo pela transformao manufatureira das matrias-primas nacionaisUrge empenhar esforos para que o nvel da produo primria acompanhe o surto demogrfico do pas, quer quanto s safras de gneros alimentcios, quer em relao s colheitas de matrias primas indispensveis alimentao e produtividade manufatureira (pp. 154-5).

Neste sentido, assim como na Mensagem Presidencial de 1947, o surto de importaes de 1946 era elogiado por restaurar o equilbrio do mercado interno contra a carestia: (1) aumentando a oferta de importados e (2) possibilitando o reaparelhamento produtivo necessrio ao abastecimento do mercado interno. Isto valia tanto para a indstria quanto para a agricultura voltada para o mercado interno. Quanto necessidade de substituir as importaes de trigo: dependemos de gneros alimentcios de gneros de procedncia preponderantemente estrangeira, conforme o caso

crescimento mais equilibrado do que presumidamente se verificava com Vargas, e no para defender a ruralizao do pas. Cf. Daniel de Carvalho (1946), Estudos de economia e finanas. O tema apareceu na trplica deGudin a Simonsen, quando este compareceu CPE para rebater crticas (19 Reunio, p. 12: EUG/1945.06.00d).

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do trigo. Aparelha-mo-nos com o objetivo de diminuir esse grau de dependncia do mercado externo (pp. 172-3). Quanto produo industrial: As mquinas, aparelhos, ferramentas e utenslios absorveram 21,32% da importao em cruzeiros. O aumento ocorrido no binio foi de 96,64%. Portanto, quase duplicou, em cruzeiros, a importao relativa a esse grande agrupamento formado por materiais reprodutivos to indispensveis ao surto da economia brasileira (p. 174).14 Assim, o perodo no se caracterizou por um retorno ao velho liberalismo presumidamente caracterstico da Primeira Repblica, se com isto se quiser dizer a completa desconsiderao dos interesses do reaparelhamento da indstria nos clculos feitos quanto s opes de poltica econmica. Negar este extremo no quer dizer, inversamente, que os industriais se tornassem hegemnicos em algum perodo do governo. Mas entre admitir que no havia um programa coerente para fomentar a industrializao do pas e afirmar que os interesses industriais no eram considerados nos clculos das decises ao longo de todo governo Dutra vai uma distncia grande que permite posies intermedirias (cf. S. Draibe, 1980, pp. 144-145). Se o motivo da liberalizao era ampliar a oferta para reduzir a escassez e a carestia no mercado interno, no se deve esquecer que, durante a guerra, a percepo de escassez foi reforada por campanhas mobilizatrias do governo para a economia de guerra, de um lado, e por campanhas publicitrias de filiais norte-americanas que alimentavam promessas de abundncia no ps-guerra (ver G. Moura, 1984, A.P. Tota, 2000). Assim, no se deve subestimar a importncia do mimetismo do padro de consumo parcialmente induzido pela propaganda do american way of life, durante a guerra, na deciso de liberar as importaes de bens de consumo durveis. Em um contexto de escassez (real e presumida) e aspirao mimtica de abundncia, a popularidade da deciso de revogar o regime de licena prvia era evidente em 1945, sendo claramente reconhecida por Jos Pires do Rio (1947, pp. 484-5, 499-501).15

A idia de equilibrar setores reflete o esprito do e Relatrio da Fazenda mais do que vocao agrria (p. 157). A popularidade dos artigos importados pode ser aproximadamente estimada de relatos impressionistas da poca: nos termos do relatrio oficial da CEXIM de junho de 1947, os consumidores que aspiravam por bens importados no envolviam apenas as classes abastadas, pois foram importadas tambm bagatelas e artigos da moda, que exercem poder de fascinao invencvel, mormente sobre as camadas mais modestas das populaes, que, para obt-los, em regra assumem, pelo to divulgado sistema de prestaes, encargos financeiros que comprometem e sacrificam por muitos meses a melhor parte de seus diminutos salrios (apud R. Bielschowsky, 1985, p. 360). Embora os relatos impressionistas possam levar a exageros quanto magnitude do efeito das importaes de bens de consumo durveis sobre as contas externas, eles so muito indicativos do impacto cultural e da popularidade junto aos consumidores da presena de novos objetos de consumo, depois de alguns anos de escassez cuja percepo era parcialmente induzida pelas campanhas publicitrias que alimentavam promessas de abundncia. Nas palavras de A.P. Tota (2000, pp. 56-7): Na primeira metade de 1942, os anncios de empresas americanas nos veculos de comunicao brasileiros (rdios e jornais) comearam a escassear. Isso porque os produtos mais anunciados pneus, geladeiras, automveis praticamente no existiam mais no mercado. As fbricas estavam empenhadas na produo de materiais blicosNelson Rockefeller usou de toda sua influncia para convencer seus pares da Ford, da GE e da GM para continuarem a investir em propaganda, mesmo sem ter o que vender. Assim, a revista Selees de novembro de 1943 anunciava Hoje, produo militar; lavadoras, amanh. Em janeiro do ano seguinte, a GE garantia que a eletrnica trar a televiso em nosso laras grandes empresas americanas aumentaram seus gastos com propaganda: de 415

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Mesmo considerando a influncia do mimetismo cultural e a demanda reprimida por mercadorias importadas divulgadas por grandes campanhas publicitrias (e o clculo da popularidade que a liberao de importaes poderia trazer), preciso evitar o equvoco de explicar a crise cambial que se seguiria, como Vargas gostaria de repetir, pelo boom importador de bugigangas. A viso de que a crise cambial de 1947 resultara principalmente do desperdcio de reservas cambiais com importaes suprfluas de bens de consumo durveis e viagens internacionais popularizou-se depois da primeira interpretao oficial, a do relatrio da Cexim apresentado em junho de 1947 antes de instituir-se novo regime de licena prvia.16Tabela 3Anos

Importaes por categoria de uso (1944-1950)Bens de consumo durveis No durveis Total Comb/ lubrificantes Insumos p/ indstria P/ Agricultura Total Bens de K p/ indstria P/ Agricultura Mat. de Transporte Bens de K diversos

Em %Total

1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950

2,5 4,4 9,0 11,7 10,7 8,9 6,7

7,0 9,2 12,7 8,1 7,2 6,6 7,0

9,5 13,6 21,7 19,8 17,9 15,5 13,7

9,3 10,0 9,5 9,5 12,6 12,0 14,8

55,1 53,4 42,2 40,0 37,9 41,5 38,9

1,0 1,0 0,8 1,0 1,0 1,1 1,8

56,1 54,4 43,0 41,0 38,9 42,6 40,7

14,2 9,4 8,8 9,5 9,8 11,3 12,1

0,6 1,1 1,3 1,7 3,3 4,1 3,2

7,5 8,2 11,5 14,2 14,4 9,8 9,6

2,7 3,4 4,2 4,6 4,7 5,5 4,9

25,0 22,1 25,8 29,6 30,6 29,9 30,8

Fonte: P. Malan et alii (1977), p. 140.

Esta interpretao no corresponde completamente realidade. verdade que as importaes de bens de consumo durveis no ano de 1946 multiplicaram mais de cinco vezes as importaes do ano anterior, e mais de sete vezes em relao mdia do binio 43-44 anos em que a Coordenao de Mobilizao Econmica, em conjunto com a embaixada norte-americana, passaria realmente a limitar com rigor, em meio escassez de oferta de bens civis e de praa martima norte-americana, o desperdcio provocado pelas encomendas de bens de consumo durveis nos anos iniciais da guerra. Entretanto, as importaes de bens de consumo durveis em 1946 foram apenas um pouco mais que o dobro que as de 1941, quando, em plena guerra, os controles ainda no haviam sido endurecidos. Por outro lado, o quantum das importaes de bens de capital para a indstria cresceu respectivamente em 47% e 57% em 1946 e 1947. O quantum dasmilhes de dlares no primeiro ano da guerra, o total passou a 8 milhes, em 1942; 13,5 milhes, em 1943; 16 milhes, em 1944, e 20 milhes, em 1945. 16 Para a mensagem da Cexim de junho de 1947, cf. R. Bielschowsky, 1985, p. 360, e para exemplos da referida interpretao, ver M. Bandeira, 1973(1997), G. Moura, 1984b, e as edies (posteriores crise) da Histria Econmica do Brasil de Caio Prado Jr. O prprio Vargas afirmaria esta interpretao em seus discursos, criticando a poltica do governo Dutra: dentre suas vrias aluses ao tema, cf. especialmente A Campanha Presidencial, p.25. Quanto ao saldo da conta transferncias (remessas para manuteno de turistas ou residentes nacionais no exterior etc.), ele passaria de um supervit de algo mais de US$ 3,5 milhes na mdia de 1943-4, para dficits de mais de 7,5 milhes em 1945 e de 24 milhes ao ano em 1946 e 1947, voltando a cair para cerca de 7 milhes em 1948 e 3 milhes em 1949. Historicamente, os valores deste dficit em 46-47 foram extremamente altos, justificando a percepo contempornea de uma ruptura significativa com a experincia dos anos de restrio. Mas a soma dos valores negativos de 1946-7 representaria cerca 3% do total de importaes do perodo, e menos ainda do valor das exportaes embora representando gastos em dlar, eram insuficientes para explicar a relevncia que s vezes s-lhes confere para explicar a crise.

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importaes de matrias primas para a indstria, apesar de ter declinado em 1946, cresceu 50% em 1947. A participao dos bens de consumo durvel na pauta de importaes foi de 9% em 46 e 11,7% em 1947, aproximadamente da mesma ordem de magnitude que em 1938-39 10,8 e 10,9% (cf. Pedro Malan, 1984, p. 66).Tabela 4 Balana Comercial: 1939-1950Importao FOB (C) 218 200,7 222,5 177,4 226,9 310,4 322,5 584,0 1056,0 973,0 957,0 942,0

US$ milhesSaldo (D) = (A) - (C) 88,7 62,4 135,6 223,2 239,3 264,1 332,9 401,0 96,0 207,0 139,0 413,0

Importao CIF (B) Exportao FOB (A) Anos 1939 306,7 252,6 1940 263,1 244,7 1941 358,1 273,4 1942 400,6 233,1 1943 466,2 309,4 1944 574,5 404,8 1945 655,4 437,1 1946 985,0 673,0 1947 1152,0 1217,0 1948 1180,0 1121,0 1949 1096,0 1103,0 1950 1355,0 1085,0 Fonte: Malan et alli (1977), p. 128 e 145.

Pesquisas acadmicas revisaram esta interpretao, considerando-se atualmente que a crise cambial de 1947 deveu-se a que: (1) o saldo comercial caiu rapidamente em 1947, enquanto (2) o surto geral de importaes concentrou-se em moedas conversveis (60% oriundas dos EUA), (3) exportaes concentraram-se em moeda inconversvel (apenas 40% destinadas aos EUA), (4) o preo do caf no se recuperou at 1949 como esperado, (5) e a fuga de capitais propiciada pela liberao das remessas de lucro gerou sadas lquidas de US$ 500 milhes entre 1946-1950, desfinanciado o balano de pagamento e limitando a acumulao de reservas mesmo depois dos controles institudos em 1948 (P. Malan, 1976, 1977 e 1984; Vianna, 1987).3. Alternativas conscientes crise cambial (1947-1948)

Vimos que a liberao de importaes em 1946 foi justificada tanto (1) pela necessidade de importar bens de consumo para combater a carestia, quanto (2) pela necessidade de aparelhar a indstria, para que a elevao/modernizao da produo colaborasse para eliminar a escassez interna. Quando a crise cambial eclodiu em 1947, o governo foi coerente. Justificou publicamente a restaurao de um regime de licenas prvias de importaes que priorizava importaes complementares e dificultava concorrentes pela necessidade de continuar aparelhando a indstria, garantindo o crescimento da produo interna em conjunto com a demanda interna. Controlando o acesso s reservas escassas, tambm buscava evitar uma desvalorizao cambial e seu impacto inflacionrio. A bibliografia sobre a restaurao do regime de licenas incompleta em dois aspectos: (1) enfatiza apenas a recusa em experimentar os impactos inflacionrios de uma desvalorizao cambial, desconsiderando que garantir a expanso da produo

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industrial tambm era algo tomado como um meio de evitar a acelerao inflacionria que, oriunda do perodo de guerra, era explicada no s pela expanso das emisses, mas tambm pela existncia de limitaes de oferta externa (bloqueio das importaes) e interna (desaparelhamento); (2) interpreta o regime de licena prvia como uma opo inteiramente inconsciente de seus impactos favorveis sobre o reaparelhamento da indstria voltada para o mercado interno. A interpretao mais explcita neste sentido a de T. Skidmore (1967), embora outros autores proponham formulaes parecidas. Diante da crise cambial que se tornaria flagrante em meados de 1947, nas palavras de Skidmore, 1967, p. 98, um equilbrio a curto prazo s poderia ser conseguido pela adoo de uma dentre as medidas: a desvalorizao ou o controle de cmbio. Escolhendo esta ltima, o regime de Dutra, provavelmente sem perceber as implicaes de sua atitude, forneceu um poderoso estmulo industrializao brasileira Este processo no foi, de modo algum, produto de uma poltica deliberada por parte do governo Dutra. Ao contrrio, resultou de medidas destinadas soluo de problemas imediatos, tais como a inflao interna e o desequilbrio no balano de pagamentosDo ponto de vista dos que defendiam a industrializao do Brasil, so exemplos de sonambulismo no planejamento da poltica econmica. 17 verdade que a opo de estabelecer controles evitava o impacto inflacionrio e os efeitos demorados e incertos de uma desvalorizao. Mesmo os liberais que haviam criticado a instituio do regime de licena prvia no governo Vargas aplaudiam agora a deciso de no desvalorizar o cmbio, em vista de seus impactos inflacionrios e, sobretudo, da presumida inelasticidade-preo das exportaes brasileiras: Eugnio Gudin, por exemplo, j repetia em 1945 o recado de seu influente livro Caf e cmbio (1933), afirmando em palestra aos cafeicultores que nenhum produto de nosso comrcio internacional pode ser mais beneficiado pela estabilidade cambial que o cafas sucessivas desvalorizaes de nossa moeda s tem tido efeito deprimente sobre os preosouro do caf, com grave dano para a economia nacional, obrigando-nos a dar uma quantidade cada vez maior de sacas de nosso produto em troca de nossas importaes (Arquivo EUG/reg.GudinOu, nas palavras de P. Malan (1976), p. 225, mostramos como, a despeito do carter ortodoxo de suas polticas, o Brasil foi obrigado a utilizar um sistema de licenciamento prvio de importaes to cedo quanto em 1947. Este sistema de controle conjugado com uma taxa de cmbio crescentemente sobrevalorizada no deixou de trazer vantagens para a industrializao, embora isto definitivamente no fosse um objetivo consciente do governo Dutra. Nas palavras de Lourdes Sola (1982), p. 85: Diante da queda abrupta das reservas cambiais, Dutra se deparava com duas alternativas: desvalorizao ou controles de importao. Sabe-se que a opo por esta ltima foi determinada por consideraes de curto prazo, o impacto inflacionrio de uma eventual depreciao. Na anlise de S. Besserman Vianna (1987), cap. 1, existe a ressalva de que o regime de licenas prvias foi sendo crescentemente utilizado com a finalidade de promoo do desenvolvimento industrial por substituio de importaes (particularmente a partir da adoo do oramento de cmbio, em maro de 1949), mas se argumenta tambm que quando o controle foi criado, no se visava nem se percebia sua importncia para o processo de industrializao (pp. 23-4), seguindo-se de citao do livro de J. Bersgman (1970); poderia citar-se tambm W. Baer (1965) e (1995).17

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F-pi45.09.16d). Mas a teoria pessimista das inelasticidades no convencia muitos dos exportadores de produtos primrios que, aparentemente, continuavam acreditando que a desvalorizao to postergada tornaria seus produtos mais competitivos. exceo dos cafeicultores, as demandas foram atendidas pelos diversos mecanismos voltados a promover as exportaes de produtos gravosos com cmbios mltiplos a partir de 1948, uma maneira de conciliar o fomento s exportaes limitando o impacto inflacionrio do aumento da taxa de cmbio que regulava as importaes regidas pelo sistema de licenciamento seletivo.18 Mas se inevitvel admitir que a prioridade conferida inflao e a existncia de certo ceticismo quanto aos efeitos positivos das desvalorizaes cambiais (pelo menos a curto prazo) determinam porque a deciso de reagir aos desequilbrios cambiais no envolveu uma desvalorizao, da a afirmar que as conseqncias diretas do regime de licenciamento de importaes (segundo critrios de essencialidade expressamente definidos) sobre o

reaparelhamento da indstria eram ignoradas vai um raciocnio arriscado, no amparado nos documentos da poca. O prprio presidente Dutra no precisou esperar pela recuperao da indstria para prevla, associ-la substituio de importaes como reao crise externa, e prometer apoi-la, antes que o controle cambial se tornasse mais rigoroso (o que s aconteceria em 1948) mas sem se indispr com os defensores da agricultura. De fato, ele afirmaria em discurso de 31/12/1947, associando o que seria mais tarde o Plano Salte crise externa e superao dos gargalos necessrios para a substituio de importaes: Os recursos da nossa exportao so insuficientes. Ou procuramos outras fontes de exportao, ou havemos de substituir os nossos acrscimos de compra com produo nacional, evitando, desse modo, o aumento crescente da importao. No possvel escolher, com exclusividade, um ou outro caminho. No h dvida, porm, sobre a convenincia e urgncia de dotar o pas de meios para incrementar a produo, atravs do reaparelhamento dos transportes, do aumento da produo de energia e da explorao de petrleoSade, alimentao, transporte, energia e petrleo so as balizas que devem orientar o

Para compensar os produtores de gravosos, surgiram em 1948-9 operaes vinculadas atravs das quais se permitia a venda direta de divisas obtidas com a exportaes de gravosos para importadores dispostos a pagar, sem a mediao prvia de licenas de importao, maiores taxas de cmbio (provocando uma desvalorizao implcita setorialmente experimentada). As exportaes de cacau e madeira foram as que melhor responderam ao estmulo, gerando divisas para importadores de durveis (particularmente automveis e geladeiras), carentes de licenas oficiais prvias (cerca de 25% das operaes comerciais em 1950 representaram operaes vinculadas). As demais exportaes gravosas no conseguiram superar a recuperao da competitividade de manufaturados no ps-guerra, as desvalorizaes e os controles de cmbio e comrcio que protegeram particularmente os mercados europeus: representando 20% da pauta em 1945, por exemplo, as exportaes de manufaturados caram para 7,5% em 1946 e 1% em 1952 (restaurando a histrica dependncia comercial brasileira diante de uma monocultura de exportao).

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nosso esforo de recuperao, uma vez reconhecido, depois do grande otimismo inicial, que a confiana inicial na estabilidade do setor externo se frustara.19 A seguir, a Mensagem Presidencial de 1948 um documento antecipatrio de diversos argumentos cepalinos mobilizados para explicar e justificar o planejamento da substituio de importaes no Brasil, articulando-a poltica cambial. Ela contm vrias passagens reveladoras da postura favorvel industria com que o governo encarava a decretao de controles de cmbio, expressamente associados, ali, ao fomento da substituio de importao por diversificao da produo interna e recusa em gastar divisas com bens dispensveis, uma vez frustadas as grandes expectativas anteriores. O sentido geral do problema foi ali definido, porm, no de um ponto de vista redutvel s vicissitudes conjunturais do imediato ps-guerra, mas em ampla perspectiva histrico-estrutural. Seno vejamos:O Brasil um pas que ainda no se libertou das faixas de um processo de industrializao primria Seus grandes recursos potenciais, no reino vegetal ou mineral, jazem, por isto mesmo, inaproveitadosOs aspectos graves da nossa balana de pagamentos decorrem precisamente do quadro desalentador do colonialismo econmico brasileiro. O problema que nos proposto se resume, destarte, em no podermos utilizar e dinamizar as riquezas do solo e do subsolo, por nos faltarem bens de produo na quantidade necessria. Formula-se ento o crculo vicioso: a produo de bens de consumo em larga escala se ressente da escassez dos instrumentos, que a tornaro maior e lhe daro mais vasto alcance. Enquanto isso a produo desses fica retardada porque a economia colonial, de que ainda no nos desvencilhamos, compromete ou paralisa a plena posse de nossas riquezas. Eis porque a poltica econmico-financeira do governo federal ter de estruturar-se para uma ao de longo prazo, tomando como ponto de partida assim as necessidades imediatas bens de consumo como as mediatas bens de produo. Cumpre-nos, todavia, coordenar esforos para que, na medida do possvel a ao governamental se exera conjugadamente nos dois setores. No nos mais possvel depender da produo alheia para o abastecimento domstico (pp. 89-90).

Dito isto, segue a mensagem na interpretao dos problemas cambiais do pas e suas propostas conjunturais e estruturais para enfrent-los, manifestando desolao com o destino da cooperao pan-americana e da lenta recuperao do ps-guerra:Seis anos de privaes, impostas pela guerra, exigiam que a satisfao de necessidades, a tanto retardada, fosse logo atendida pelos pases industriais, mormente os Estados Unidos, cujo esforo de reconverso no pde, porm, corresponder s ilimitadas esperanas que nele se haviam depositado. Da o perodo do aps-guerra ter surpreendido a muitos, pois que se esperava um mpeto construtivo semelhante ao destrutivo, que o antecedera. O Brasil, mesmo trs anos depois de terminadas as hostilidades, sofre com os outros pases das deficincias gerais que salteiam a produo mundial (pp. 142-3).

A frustrada esperana externa teria efeitos desastrosos sobre as reservas externas do pas, uma vez que se iniciou um movimento importador sem discriminao, a fim de abastecer o mercado interno. No havendo, a princpio, critrio seletivo nessa importao, ao invs de nos concentrarmos em artigos que fossem bens de produo, despendemos parte aprecivel de nossos crditos em bens de consumo (p. 143). Na prtica: seria preciso combater o problema cambial19

Esta passagem do discurso de final de ano no era mero acidente lingstico, sendo repetida textualmente na prxima mensagem presidencial enviada ao congresso para abertura das sees, lida em 15/03/1948 (E. Dutra, 1948, pp. 178-9).

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substituindo importaes por produo domstica, e isto se faria selecionando as importaes segundo as necessidades do reaparelhamento produtivo interno, capaz de permitir produzir de dentro o que seria economizado l fora. Com efeito, diante da circunstncia desagradvel de no termos nos precavido de antemo por fundamentar-mo-nos em esperanas ilusrias, a sada agora seria controlar as importaes para fomentar sua substituio por produo domstica:Ora, para precaver os prprios interesses do povo, necessrio firmar a noo de que o Brasil precisa importar, mas com a finalidade de equipar-se convenientemente, para incrementar a sua indstria e aparelh-la do que lhe falta. Uma importao, orientada conforme esse programa, exige a fixao de justos critrios de oportunidade, seleo da natureza e da qualidade dos artigos; exige, em suma, uma hierarquizao para que se obtenha a mxima utilidade social com as aquisies (pp. 147).

Havia mesmo a conscincia de que a industrializao implicaria em uma alterao progressiva na pauta de importaes: de esperar que a industrializao do Brasil, que vem se processando em vrios setores de modo to auspicioso, determine novos deslocamentos nas correntes importadoras, passando o mercado interno a ser abastecido pela produo nacional, apesar de esta exigir, para a sua prpria expanso, que as aquisies no estrangeiro se diversifiquem medida que nossa indstria se torne mais perfeita (pp. 148).

A despeito de gerar recomposies da pauta de importaes que no necessariamente economizariam divisas a maior prazo, a expanso da produo industrial interna era explicitamente tomada como condio complementar e indispensvel no combate inflao: Se as medidas de ordem financeira ou fiscal so o caminho que se abre naturalmente a um governo que deseja enfrentrar o problema da inflao, providncias de natureza econmica, destinadas a levantar o tnus da produo do pas, tm de ser o seu complemento lgico. O excesso de meio circulante continuar pesando indefinidamente se no for absorvido, a pouco e pouco, pela expanso econmica vale dizer, pelo aumento da produo, devidamente complementada pela preservao da estabilidade cambial diante do dlar (p. 153).20 provvel que se esta fonte documental fosse mais discutida na bibliografia (desconheo qualquer discusso dela), ter-se-ia economizado litros de tinta sobre o sonambulismo da administrao Dutra, que (presumidamente) favorecera a substituio de importaes organizando o controle seletivo das importaes sem saber o qu estava fazendo. claro que os discursos de Dutra tambm tinha um valor retrico, evidentemente grandiloqente demais vis--vis suas realizaes prticas. Mas tendo sempre alguma inteno poltica (no caso, o convencimento doLogo em seguida na mensagem, h a definio explcita da necessidade de atrair capitais externos para financiar investimentos domsticos de longo prazo de maturao e de grande vulto e complexidade (e no apenas ou principalmente para financiar a conta corrente); e que contar com a interveno do Estado para realizar estes investimentos, embora provavelmente implicasse em presses inflacionrias a curto prazo, resultaria de exigncias20

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interlocutor quanto correo da iniciativa implementada ou a implementar), o discurso presidencial no esgota todo o sentido da iniciativa governamental, mas certamente indicativo do grau de conscincia quanto s conseqncias possveis (com maior ou menor previsibilidade e incerteza) da iniciativa justificada. O discurso acima (como outros) indicam que as conseqncias do regime de licena prvia sobre a indstria no eram desconhecidas (para dizer o mnimo). No poderia ser diferente: (1) a crise cambial significou a perda de iluses e a tomada de conscincia de uma realidade internacional hostil; (2) admitir publicamente esta tomada de conscincia era um recurso poltico voltado a antecipar e desarmar crticas da oposio (liderada por Getlio Vargas) ao alegar que o governo j tomara as iniciativas exigidas pelo momento.21 Afinal, o debate poltico e econmico no se esgotara em 1946, muito menos o debate sobre vantagens e desvantagens do controle cambial, segundo finalidades desenvolvimentistas ou no (ver, p.ex., propostas finais da II Conclap apud E. Carone, 1980, pp. 356-360). Tendo em vista a centralidade do tema naquela conjuntura exemplar de controvrsias sobre as orientaes econmicas adequadas para o pas, correto dizer que o governo foi obrigado a recuar (a contragosto) da poltica cambial que inicialmente considerara ideal (simplesmente porque ela no se mostrara vivel), mas isto no deve implicar dizer que os efeitos deste recuo sobre a indstria e seu reaparelhamento fossem desconhecidos. Ao admitir que o governo acalentara ilimitadas esperanas (reconhecidamente frustradas) a respeito de suas relaes com os norte-americanos, o presidente mostrou (e procurou demonstrar) ser capaz de aprender com o fracasso, embora permanecesse distante de retirar e buscar implementar todas as exigncias prticas que pudessem corresponder a esta nova conscincia.

especficas e inerentes s necessidades impostas pela expanso da economia que, satisfeitas, seriam favorveis ao combate inflao a maior prazo, em vista da expanso da oferta. 21 As violentas crticas parlamentares de Vargas ao governo Dutra (reunidas em A poltica trabalhista no Brasil) j apontavam para o carter liberal, anacrnico e omisso da administrao que intermediaria seus dois mandatos presidenciais. A primeira interpretao acadmica, que influenciou diretamente pelo menos a interpretao de Thomas Skidmore (que a cita), no pode ser desvinculada de sua formulao prtica como um recurso de crtica do estilo de planejamento do governo Dutra, e da proposio de um estilo mais decidido: Rmulo de Almeida (A experincia brasileira de planejamento, orientao e controle da economia, 1950), futuro chefe da assessoria econmica de Vargas.

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