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    VERITAS Porto Alegre v. 50 n. 1 Maro 2005 p. 127-135

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    OS LIMITES DA EXPRESSO. LINGUAGEME REALIDADE EM SCHOPENHAUER

    Jair Barboza*

    SNTESE Este texto procura mostrar como aconcepo de linguagem de Schopenhauerimplica uma delimitao para o poder da razo nateoria do conhecimento. Noutras palavras, ainvestigao da estrutura da linguagem jamaispode expressar o sentido do mundo.PALAVRAS-CHAVE Schopenhauer. Schelling.Linguagem. Expresso. Verdade. Realidade.

    ABSTRACT This text aims to show how thelanguage conception of Schopenhauer implies adelimitation for the power of reason in the theoryof knowledge. In other words, the investigation oflanguages structure never can express themeaning of the world.KEY WORDS Schopenhauer. Schelling. Lan-guage. Expression. Truth. Reality.

    IKant, na Crtica da Razo Pura, diz que o conhecimento do mundo comea

    quando dados do exterior nos so fornecidos nas formas puras a priorida sensibi-lidade, o espao e o tempo. Sensibilidade que, para ele, a receptividade do co-nhecimento. Depois de recebidos, os dados sensrios so pensados mediante dozecategorias do entendimento, nele radicadas originariamente (unidade, pluralidadee totalidade; realidade, negao e limitao; inerncia/subsistncia, causalida-de/dependncia e comunidade; possibilidade/impossibilidade, existncia/noexistncia e necessidade/contingncia). Entendimento que tambm chamado deespontaneidade do conhecimento. Da a clebre frase da primeira crtica: Concei-tos sem intuies so vazios, intuies sem conceitos so cegas [B 75].

    O entendimento no intui, e a sensibilidade no pensa. S do concurso deambos surge o conhecimento. Mas esse conhecimento, alerta Kant, refere-se to-somente s coisas tais quais elas nos aparecem, no como so em si mesmas. Acoisa-em-si permanece um x desconhecido, mero objeto de pensamento, o limi-te da experincia possvel, portanto o limite do discurso. Foi por ter tentado falarsobre ela, ou seja, sobre o incondicionado, que a metafsica enredou-se em ilu-ses, reduzindo-se a uma prtica dogmtica de pensamento. Com sua esttica

    * Doutor. Professor da PUCPR (Pontifcia Universidade Catlica do Paran).

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    transcendental, ou teoria da sensibilidade, e sua analtica transcendental, ou teoriado entendimento, Kant coloca um fim s pretenses de conhecimento do incondi-cionado que marcara a metafsica anterior. Qualquer conhecimento tem de serdado na nossa experincia. Entre ns e o em-si sempre haver o entendimento e asensibilidade, fazendo com que as coisas se dem apenas na sua fenomenalidade.

    Mas, embora o mundo da experincia seja formado de fenmenos, isso nosignifica de modo algum que aquilo que aparece mera aparncia fantasmagrica,destituda de realidade, porque seno, diz Kant, haveria uma aparncia sem algoque aparecesse.

    IIOra, Schopenhauer, que se julgava o mais fiel intrprete de Kant, consideran-

    do a prpria filosofia como um galho sado da dele, segue os passos bsicos daepistemologia kantiana, porm realiza algumas mudanas de trajeto. Assim, se emKant a sensibilidade e o entendimento esto nitidamente separados, do seu con-curso nascendo qualquer discurso vlido sobre o mundo, Schopenhauer, pelocontrrio, vai uni-los. De fato, para o autor de O Mundo como Vontade e comoRepresentaono faz sentido o entendimento ter doze categorias, pois todas asvezes que Kant d um exemplo acurado delas sempre recorre causalidade. So-mente esta, em Schopenhauer, atua no entendimento. Por outro lado, o filsoforeaproveita as formas puras a priorida sensibilidade, o espao e o tempo, contudoas realoca no entendimento, que agora passa a ter em si espao, tempo e causali-

    dade. Quer dizer, o entendimento sensibilizado, ele em verdade intui o mundo.Schopenhauer denomina princpio de razo do devir esse modo de operao doentendimento, que procura para todos os dados exteriores ou interiores uma razode ser, ou seja, fornece o fundamento dos objetos, dos fenmenos ou representa-es submetidas ao princpio de razo. Este, na sua acepo mais universal, reza:nada sem uma razo pela qual . Se este princpio tudo explica, ele mesmo,entretanto, no passvel de explicao. Procurar uma prova para ele, sustenta oautor, denota ausncia de clareza de conscincia, pois quem exige uma provapara ele, isto , seu fundamento, j o toma como verdadeiro, e assim cai no crculoque exige a prova do direito de exigir uma prova.

    Assim, quando as sensaes so fornecidas ao corpo, objeto imediato do co-nhecer, o entendimento (ou crebro) as toma como um efeito e, pela causalidade,remonta temporalmente at a sua origem, posicionando-as no espao como repre-sentaes intuitivas, ou seja, objetos constitudos, imagens do mundo. O enten-dimento uma espcie de arteso que constri o mundo, a realidade sendo maiscorretamente designada deefetividade, isto , ela um fazer-feitodo sujeito queintui. Entendimento que os animais tambm possuem, como o mostrou aqueleelefante que, aps ter atravessado vrias pontes em sua jornada pela Europa,recusou-se certa vez a entrar numa, sobre a qual, como antes, viu o cortejo dehomens e cavalos, porque ela lhe parecia muito levemente construda para o seupeso (Die Welt I 6). E todo esse trabalho do entendimento inteiramente instin-

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    tivo tanto no homem quanto no animal, como a secreo biliar ou a digesto;noutros termos, inconsciente, no controlvel pelo arbtrio.

    Ora, tirante o entendimento como faculdade cognitiva, surgiu outra, que sobrea face da terra s o homem possui: a razo. Desponta a uma conscincia com-pletamente nova, que muito apropriadamente e com preciso infalvel se denomi-nou REFLEXO. Esta uma aparnciarefletida, algo derivado do conhecimentointuitivo e que, todavia, assumiu natureza e ndole fundamentalmente diferentes,sem as formas do conhecimento intuitivo (Die WeltI 8). Nesse sentido, cabe razo trabalhar o material do entendimento, ou seja, as intuies. A razo decantaessas intuies, as abstrai, fornecendo ao fim os conceitos ou representaes derepresentaes. A faculdade racional, portanto, na teoria do conhecimento deSchopenhauer, secundria em relao ao entendimento. A razo s pode darconceitos depois de ter recebido intuies. Da o tropo ptico dareflexo ser per-feito para designar o seu trabalho: trata-se de simples reflexo, como num espelho,de material exterior. Tem-se na atividade de pensar, aparnciasrefletidas, conte-dos depurados do material intuitivo. O intuicionismo de Schopenhauer, respeitan-do o pensamento de Hume, o leva a comparar a passagem da intuio para oconceitos da razo como se fosse a passagem da luz imediata e prpria do solpara a luz refletida e emprestada da lua. Pensar empalidecer o mundo. Hume jsentenciava que o mais vivo pensamento ainda inferior mais embaada dassensaes; todos os nossos pensamentos no passam de cpias das impressesdos sentidos externo e interno. O mundo da reflexo um empalidecido mundo

    tomando de emprstimo por reflexo a algo a mais original. Por sua vez, Machadosde Assis poderia resumir toda a discusso dizendo que nenhum romance de amorsubstitui o beijo da mulher enamorada.

    Os animais com seu entendimento e ausncia de razo vivem exclusivamenteno presente; j o homem, com a razo, com o poder de pensar o passado e o futu-ro, vive simultaneamente em trs dimenses temporais, muitas vezes para suadesvantagem, pois da advm sofrimentos imaginveis (futuro) e revividos (acon-tecimentos traumticos do passado), que, juntados ao sofrimento presente, tornamno geral a vida humana mais sofredora que a dos seus irmos animais. Eis por quemuitas vezes olhamos invejosamente a suposta felicidade destes, imersos serenosno momento presente, como se este fora a eternidade sem tormentos.

    Ora, no contexto da razo que, com os conceitos, surge a linguagemcomoexclusividade humana na terra.

    Enquanto o animal comunica sua sensao e disposio por gestos e sons, ohomem os comunica junto com seus pensamentos aos outros mediante a lingua-gem, ou os oculta por ela. A linguagem, em verdade, o primeiro e mais impor-tante produto da razo, o seuinstrumento necessrio. Por isso, observa o filsofo,linguagem e razo, em grego, so indicadas com a mesma palavra:lgos.

    Somente com a ajuda da linguagem a razo traz a bom termo as suas maisimportantes realizaes, como a ao concordante de muitos indivduos, a coope-rao planejada de milhares de pessoas, a civilizao, o Estado, a cincia, a manu-teno de experincias anteriores, a viso sumria de coisas comuns num nico

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    conceito, a comunicao da verdade, o pensamento e a fico, mas tambm apropagao do erro, dos dogmas e das supersties. Ademais, se o animal conhe-ce a morte to-somentena morte, o homem, ao contrrio, com a razo, aproxima-se de seu fim a cada hora com plena conscincia, e isso torna a vida s vezesquestionvel, mesmo para quem ainda no conheceu, no todo mesmo da vida, oseu carter de contnua aniquilao.

    No Complemento 6 sua obra principal, Schopenhauer observa que os con-ceitos da razo, embora no sejam idnticos s palavras, so uma representaoabstrata cuja conscincia clara e conservao, no entanto, liga-se necessariamente palavra. Da conceitos e palavrasirem juntos, ou seja, a razo indissocivel do

    uso da linguagem. Devido ao fato de o tempo ser a forma arquetpica a prioridenossa mente, e a comunicao entre pessoas ser regida por ele, faz-se precisoletras (unidades lingstico-temporais, pode-se assim dizer) e palavras, sons; faz-se preciso elementos sensveis para a audio, que fixem os conceitos, permitindoa estes serem transmitidos ao interlocutor. Nesse contexto, a fala, como objeto daexperincia externa, manifestamente , compara o autor, uma espcie de telgrafobastante aperfeioado que comunica sinais arbitrrios com grande rapidez e nuan-ces. Quando algum fala, no se traduz o seu discurso instantaneamente mas osentido deste intelectualizado, concebido e determinado de maneira precisa. arazo que fala para a razo sem sair de seu domnio. O que ela comunica e recebepor palavras so conceitos abstratos.

    A linguagem, por conseqncia, como qualquer outro fenmeno que se credi-

    ta faculdade racional, que diferencia o homem do animal, pode ser explicitadapor esse nico e simples elemento que a constitui: os conceitos veiculados porpalavras, conceitos que so representaes abstratas e universais, no individuais,no intuitivas, numa palavra, representaes de representaes.

    Ora, como o material da razo o conceito, e a linguagem o veicula, impe-seagora averiguar qual o alcance do discurso, ou seja, da combinao dos conceitosque define o sentido da comunicao frasal em todos os nveis de expresso lin-gstica.

    IIINa sua obra de juventude (originariamente sua tese doutoral) A Qudrupla

    Raiz do Princpio de Razo Suficiente (que antecede a O Mundo como Vontade ecomo Representao), que o prprio autor pressupe como a leitura introdutriaindispensvel a sua obra principal, Schopenhauer desenvolve a base de sua inte-ressante teoria da linguagem associada forma lgica do juzo. Ali, a combinaode conceitos necessria expresso recebe justamente o nome de juzo. Os ele-mentos primrios do juzo so exatamente os conceitos na acepo aqui exposta.Estes so ligados entre si para a linguagem tentar dizer significativamente o mun-do. E essa tentativa de dizer o mundo se faz em diferentes nveis de ajuizamento,aos quais correspondem diferentes nveis de realidade. Isso implica diferentesperspectivas para a prpria noo de verdade almejada pelo discurso.

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    Na medida em que nos mantemos intuindo pelo entendimento, a verdade no tema algum. O entendimento no se serve da linguagem. A sua verdade deoutra ordem, a verdade ingnua do olhar, para o qual at mesmo as iluses dossentidos se apresentam como verdadeiras na sua imediatez, como no caso dobasto que se quebra quando mergulhado na gua. Quando essa imediatez daintuio suprimida e a conscincia se ocupa com conceitos, por conseguinterefletimos com juzos formados, desfaz-se a ingenuidade. A razo destri o ter--mo o objeto, substituindo no intelecto o trabalho do entendimento. Com isso, aceitvel falar agora sobre verdade e erro, ou seja, indagar sobre a validade dosjuzos. Nesse mbito surge, no pensamento de Schopenhauer, os, por assim dizer,nveis de verdade, de discurso, equivalentes a nveis de realidade. Nesse mbitosurge propriamente o saber, que significa ter determinados juzos em poder doprprio esprito para reproduo ulterior. Ora, o saber almeja a verdade. Cabe poisperguntar neste momento que , na sua acepo estrita, a verdade? O filsoforesponde: a relao de um juzo com algo exterior a ele seufundamento sufici-ente. Os fundamentos nos quais os juzos ditos verdadeiros se baseiam so, porsua vez, distribudos em quatro classes, segundo as quais se tem quatro tipos deverdade, quatro nveis lingsticos de expresso da realidade.

    1) VERDADE LGICA. Um juzo tem por fundamento um outro juzo. Trata-sede uma verdade formal. Toda silogstica no passa de regras para o emprego doprincpio de razo nos juzos, portanto o cnone da verdade lgica. Fundamen-tadas por outros juzos so tambm as verdades estabelecidas a partir das assim

    chamadas quatro leis do pensamento: por exemplo: a) o juzo um tringulo umespao encerrado por trs linhas uma verdade que tem como ltimo fundamen-to o princpio de identidade, isto , o pensamento expresso a partir deste; b) ojuzo nenhum corpo sem extenso tem como ltimo fundamento o princpio decontradio; c) o juzo todo juzo ou verdadeiro ou no verdadeiro tem comoltimo fundamento o princpio do terceiro excludo; d) o juzo ningum podetomar algo como verdadeiro sem saber por que tem como ltimo fundamento oprprio princpio de razo de conhecer. Com isso se pode afirmar que toda verda-de lgica extrnseca, a relao de um juzo com algo exterior a ele, de modoque verdade intrnseca, que s se apoiaria nas leis do pensamento e no em ou-tros juzos, uma contradio nos termos.

    2) VERDADE EMPRICA. Nessa classe de verdades um juzo tem por funda-mento uma intuio emprica. Trata-se de uma verdade material, baseada direta-mente na experincia. Um juzo possuir verdade material significa que os seusconceitos esto ligados, separados, limitados entre si de tal maneira como estodispostas as intuies empricas que o fundamentam. Conhecer essa concordnciaentre a estrutura do discurso e a estrutura da realidade tarefa precpua da facul-dade de juzo propriamente dita, intermediria entre as faculdades de intuio(entendimento) e de abstrao (razo).

    3) VERDADE TRANSCENDENTAL. As condies formaisde toda intuio, otempo, o espao e a causalidade, radicadas originariamente no entendimento,podem ser o fundamento de um juzo, que ento sinttico a priori. Trata-se aqui

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    dos conhecimentos matemticos. Exemplos de tais juzos so, no que se refere aoespao, duas linhas retas no encerram espao algum; no que se refere ao tem-po: 3 x 7 = 21; no que se refere causalidade: a matria no nasce nem pere-ce.

    4) VERDADE METALGICA. As condies formais de todo o pensamento,encontradasa priori na razo, podem ser o fundamento de um juzo, cuja verdade denominada metalgica. Os juzos metalgicos, segundo o filsofo, so apenasem nmero de quatro: a) um sujeito igual soma de seus predicados ou, a =a; b) um predicado no pode ao mesmo tempo ser atribudo e retirado ao sujei-to ou a = a = 0; c) de dois predicados opostos e contraditrias um tem de

    convir ao sujeito; d) a verdade a relao de um juzo com algo exterior a ele,que o seu fundamento suficiente. a auto-investigao da razo que conduza reconhecer que todos esses juzos so a expresso das condies do pensamen-to em geral. Curiosamente, para Schopenhauer, h uma grande semelhana noentre as verdades lgicas e meta-lgicas, mas sim entre estas e as transcenden-tais, porque ambas se baseiam em condies formais do conhecer num caso ascondies do pensamento (verdades metalgicas), no outro as condies da intui-o (verdades transcendentais).

    Assim, no h verdade (teoria do juzo) intrnseca; a verdade por naturezaextrnseca. No caso das intuio emprica, da representao submetida ao princ-pio de razo do devir, a sua verdade pode ser dita intrnseca, mas meramente nosentido de ser a verdade ingnua do olhar, e que, mesmo em se tratando de um

    engano dos sentidos, como no exemplo do basto quebrado ao ser mergulhado nagua, jamais pode ser corrigida pela razo, precisamente porque no se trata a deverdade extrnseca, ou seja, da relao de um juzo com um fundamento exterior aele.

    O que se conclui, pois, desse qudruplo recorte da linguagem precisamentea disposio qudrupla do discurso, com formas lgicas especficas do juzo, cor-respondente a quatro dimenses de realidade. A filosofia doravante demarca nveisde discurso. So indicaes de regras de jogo. Tem-se um perspectivismo da no-o de verdade, de tal maneira que no faz sentido, a partir da verdade lgica,querer corrigir a verdade emprica, e vice-versa; bem como no faz sentido, apartir da verdade transcendental, querer definir as verdade meta-lgica, e vice-versa; e assim por diante. Da tambm se extrai uma crtica linguagem demasia-do abstrata em filosofia, logo, uma crtica estilstica aos sistemas filosficos abs-trusos. Explique-se: no domnio das verdades empricas, no qual se localiza, paraa filosofia, a referncia exterior de seu discurso, os conceitos tm de ser remetidosa intuies, e de um modo tal que a estrutura da frase corresponda ordenaofenomnica do mundo. A intuio tem de controlar o discurso. Pois, como observao mencionado Complemento 6de O mundo..., todo processo de abstrao consistenuma eliminao. Quanto mais se avana no pensamento abstrato, mais se perde.Os conceitos mais universais da filosofia, nesse sentido, so os que menos dizem,como os conceitos de SER, ESSNCIA, COISA, DEVIR, INFINITO, FINITO, SUBSTNCIA.Segue-se que as filosofias a se servirem insistentemente de tais termos so as

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    mais vazias. Sobretudo no hegelianismo Schopenhauer identifica semelhante de-feito. Cabe enderear a elas, pois, a crtica estilstica mais cortante.

    Com isso, a expresso lingstica tem um limite. Este limite, em Schopenhau-er, atingido com a chamada verdade filosfica por excelncia. Aqui no se trata,como nas outras verdades, da relao de uma representao abstrata com outrarepresentao (verdade lgica) ou com a forma necessria do representar intuitivo(verdade transcendental) ou do representar abstrato (verdade metalgica), nem areferncia de conceitos a intuies empricas (verdade emprica). No se trata,ainda, de indicar uma Idia intuda esteticamente pela faculdade genial, como nocaso da poesia e da contemplao esttica em geral. Trata-se, ao contrrio, dareferncia de um juzo relao de uma representao intuitiva, o corpo, com algo

    toto generediferente da representao, a vontade. A expresso dessa verdadepode ser dita de diversos modos: meu corpo e minha vontade so uma coisa s;a vontade o conhecimento a priori do corpo; o corpo o conhecimento aposteriori da vontade; meu corpo a objetidade da vontade; se se abstrai ofato de que o corpo representao, ele simplesmente a minha pura vontade.

    Quer dizer, Schopenhauer aponta pela verdade filosfica os limites da expres-so, j que aqui o conhecimento conceitual substitudo pelo conhecimento ba-seado no sentimento do corpo. E este sentimento traduzido pela palavra doenigma: vontade. Esta, depois de identificada como o ncleo do prprio corpo doinvestigador, a sua coisa-em-si (o que qualquer um pode averiguar pelo exameintelectivo da auto-conscincia) estendida, via concluso analgica, ao restante

    do mundo. O corpo de cada um idntico aos demais corpos, no sentido de todosestarem submetidos causalidade e situados no espao e no tempo. Neste aspec-to no h diferena entre os corpos. Ora, ao se observar o prprio corpo, isso im-plica observar a causalidade vista de dentro, pois quando agimos guiados poralgum motivo estamos agindo por causalidade, assim como um corpo que cai ofaz devido causalidade no sentido estrito do termo, ou uma planta quando seexcita o faz devido a essa forma de causalidade que a excitao. Logo, a causa-lidade em sentido estrito, a excitao e a motivao no se diferenciam em natu-reza, mas apenas em qualidade. Portanto, ao observar o ntimo do meu prpriocorpo, ao observar os seus mbiles em aes executadas, reconheo sempre avontade por trs deles. Da poder extrair a concluso vlida universalmente de quea vontade a essncia no s minha, mas domundo inteiro.

    Eis a, para o autor de O Mundo como Vontade e como Representao, a ver-dade metafsica por excelncia, no atingida pela razo, pelo discurso, mas pelosentimento do corpo. o limite da expresso.

    Com isso, a linguagem no explica a essncia do mundo. A linguagem, e aquise inclui tambm a cientfica e a lgica, expressa o mundo, COMOele nos aparece,mas no o QU dele. O que remete Este qu, como tal, exterior ao como domundo, refletido pelo discurso. o qu metafsico, alm do fsico, e, apesar deindizvel, inefvel, pode no entanto ser sentido e apontado exteriormente no dom-nio da tica e da esttica, ou seja, no domnio do mstico, no submetido ao prin-cpio de razo, no cabvel na linguagem lgico-cientfica nem na filosfica que se

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    orienta por esses parmetros. Nisso o filsofo segue em parte o caminho de Kant,para quem a coisa-em-si, por trs do fenmeno, enquanto x desconhecido, indizvel, embora d sentido ao dizvel dos fenmenos. A linguagem, em Kant,cabe apenas ao fenmeno e a encontra o limite de sua significao.

    Nota-se, assim, o objetivo de Schopenhauer com a sua teoria da linguagem eos nveis de realidade que ela expressa. No fundo, ele prepara o terreno para revo-lucionar a tradio filosfica ocidental, a saber, o princpio do mundo no algoracional, inteligvel, mas antes algo volitivo, cego e sem-fundamento. A expressoconceitual jamais a alcana. O real, portanto, furtar-se ao princpio de razo. Nu-ma palavra, o fundo ltimo das coisas a-lgico, irracional. Logo, conclua o leitor,

    nenhuma teoria do juzo e da linguagem pode dizer algo de extremamente signifi-cativo sobre a natureza das coisas.

    O despotenciamento da razo como conseqncia necessria da teoria da lin-guagem schopenhauereana tanto mais significativo se se leva em conta o mo-mento em que essa filosofia surge. Schelling, que abre caminho para Hegel, dizque a razo capaz de uma intuio intelectual que d acesso ao absoluto. Nsno temos essa razo, mas ela, pelo contrrio, enquanto universal e eterna, quenos tem. O conceito de razo em Schelling ultrapassa a noo de uma mera facul-dade de abstrao do indivduo, formadora de conceitos e destinada reflexo apartir da finitude, como o ser em Schopenhauer, e considerada como uma po-tncia universal, a tudo organizando, do menor ao maior. Para se pensar nela preciso abstrair at mesmo o indivduo que pensa. Schelling diz que, para aquele

    que capaz de uma tal abstrao, a razo cessa imediatamente de ser algo sub-jetivo, como ela representada pela maioria das pessoas. Ela se torna o verda-deiro em-si, situado num ponto de indiferena entre subjetivo e objetivo. A filoso-fia ser levada concluso de queexteriormente razo no h nada e nela esttudo. O ponto de vista da filosofia o do conhecimento das coisas como elas soem si na razo. A filosofia s existe do ponto de vista do absoluto e a razo oabsoluto. Fichte, na exposio de sua doutrina-da-cincia, tambm postula umarazo supra-individual que, em relao individualidade, o nico em-si, sendoa personalidade apenas meio para exprimi-la. Somente a razo eterna, enquan-to a individualidade tem de morrer aos poucos.

    O que Schopenhauer responde claramente a essa tradio que a razo ob-tm a verdade apenas da finitude, e somente a esta ela expressa, ou seja, s apa-rncias temporais. Ela lida to-somente com aquilo que condicionado, relativo,ou seja, com aquilo que j anteriormente foi dado pela experincia. O princpio derazo no nos leva para alm da experincia e nem decifra o enigma desta. Se-guindo a lio de Hume, em Schopenhauer o entendimento e a experincia por eleapreendida o limite intransponvel para a discursividade da razo especulativa.Por conseqncia, o mais detalhado estudo sobre a razo e a estrutura da lingua-gem jamais revelar o que o mundo. A filosofia no se confunde de maneiraalguma com a filosofia da linguagem, j que o mundo, no seu ntimo, absurdo esomos assim impotentes com a reflexo para atribuir-lhe algum sentido lgico. Ofio condutor do princpio de razo nunca alcana um fim ltimo, nem pode forne-

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    cer uma explicao completa e suficiente do mundo, porque jamais toca a essn-cia mais ntima dele, jamais vai alm da representao, antes, basicamente, so-mente conhece a relao de uma representao com outra representao, e assim,no vai alm desta.

    Referncias

    SCHELLING, F. W. J. Darstellung meines Systems der Philosophie. Erster Entwurf eines Systemsder Naturphilosophie In:Smtliche Werke, vols. III e IV. Edio de K.F.A. Schelling. Sttutgart: Cotta,1856-61.

    SCHOPENHAUER, A. Die Welt als Wille und Vorstelling I e II. ber die vierfache Wurzel desSatzes vom zurreichenden Grunde. In: Edio letzter Handde Ludger Ltkehaus, vols. I, II e III.Zrich: Haffmans, 1988,