16092015: legislação mineira e comunidades em angola

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Estudo do Código Mineiro e dum caso de impacto do sector mineiro sobre uma comunidade dos Gambos – Huíla Segundas Jornadas Científicas da Lusíada Lobito – 16 de Setembro de 2015 Murielle Mignot Legislação Mineira e Comunidades em Angola

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Page 1: 16092015: Legislação Mineira e Comunidades em Angola

Estudo do Código Mineiro e dum caso de impacto do sector mineiro sobre uma comunidade dos Gambos – Huíla

Segundas Jornadas Científicas da LusíadaLobito – 16 de Setembro de 2015

Murielle Mignot

Legislação Mineira e Comunidades em Angola

Page 2: 16092015: Legislação Mineira e Comunidades em Angola

1. Contexto da pesquisa

2. Principais resultados do estudo da legislação

3. Principais resultados do estudo de caso junto duma comunidade da Huíla

Estrutura da Apresentação

Page 3: 16092015: Legislação Mineira e Comunidades em Angola

1. Contexto da Pesquisa• DW membro da IANRA• IANRA = International Alliance on Natural

Resources in África 29 organizações da sociedade civil de 10 países, 9 deles em África

• Organizações de 5 destes países estão a participar neste projecto sobre legislação e políticas mineiras e o seu impacto sobre as comunidades: África do Sul, Kenya, RDC, Zimbabwe e Angola

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Os 5 países estão a realizar os mesmos estudos, de forma, nomeadamente, a:

• criar uma fonte comum de informação;• comparar os diferentes sistemas jurídicos e

políticas públicas no sector mineiro, assim como as práticas de extracção e o seu impacto sobre as comunidades; e

• propor um “modelo” de legislação mineira defensor das comunidades que possa servir de base de advocacia nos vários países

O projecto baseia-se em dois tipos de pesquisa:1. Um estudo da legislação e das principais políticas

públicas no sector mineiro;2. Um estudo de caso, junto de uma comunidade

afectada por actividades de extracção mineira.

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• Base = Código Mineiro (2011) – Regulamento ainda em discussão

• Não considerámos a legislação sobre exploração petrolífera

2. Principais resultados do estudo da legislação

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O Código Mineiro regula todas as actividades geológico-mineiras no país (da investigação geológica à comercialização) – Art. 1º. Excepção: os hidrocarbonetos – Art. 3º

Os 2 primeiros objectivos estratégicos do sector mineiro são – Art. 8º: Garantir o desenvolvimento económico e social

sustentado do país (mas não definido) Criar emprego e melhorar as condições de vida

das populações que vivem nas áreas de exploração mineira

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Mais alguns objectivos a mencionar:

Apoiar e proteger o empresariado privado, dando preferência aos empresários angolanos na concessão de direitos mineiros;

Proteger o ambiente (redução do impacto e reparação dos efeitos nefastos);

Combater as práticas que atentem contra as regras ambientais;

Combater o garimpo e outras práticas mineiras ilegais;

Estabelecer um regime eficaz, célere e transparente de concessão de direitos mineiros.

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O Estado concede os direitos mineiros para 35 anos + possíveis extensões de 10 anos cada. Depois a mina volta ao Estado – Art. 133º

Durante este período, o Estado participa nos resultados através das empresas estatais que possuem pelo menos 10% do capital social das empresas privadas, e/ou recebendo directamente uma parte da produção – Art. 11º

3 fases: prospecção (se necessária) / avaliação / Exploração. Regras, direitos e obrigações do titular durante as 3 fases fazem parte dum único contracto de investimento, negociado no início e aprovado pelo órgão de tutela ou pelo Titular do Poder Executivo se investimento > US$25 milhões – Art. 111º

2 estudos iniciais anexos ao contracto: Estudo de viabilidade técnica e financeira e Estudo de Impacto Ambiental (incl. estudo de impacto social, plano de monitoria e gestão ambiental, programas de reabilitação ambiental, plano de abandono de sítio, planos de uso de águas e gestão dos resíduos sólidos, etc. - Art. 66º)

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A licença que confere os direitos mineiros pode ser revogada por inviabilidade económica, incapacidade técnica da empresa, crime de desobediência administrativa e incapacidade absoluta de cumprir com as obrigações do contrato – Art. 56º

A licença pode ser suspensa se as actividades mineiras poderem causar riscos sérios sobre a vida e a saúde das populações, se houver problemas de segurança ou de condições de saúde na mina, ou se houver riscos para o meio-ambiente, a fauna e a flora – Art. 53º

No fim da vida da mina, deveria haver reconstituição ambiental (já no plano inicial) + desenvolvimento de actividades alternativas para evitar depressão económica nas áreas mineiras abandonadas, criando novas oportunidades de emprego (objectivo estratégico).

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Contrariamente à legislação de 1994, o Código Mineiro reconhece que os direitos e “interesses legítimos” das comunidades locais devem ser protegidos, mas isto passa apenas pela tomada em consideração dos costumes das comunidades e a criação de mecanismos de consulta – Art. 9º

Não há referência ao direito costumeiro nem aos direitos humanos

Comunidade apenas informada dos resultados e das medidas tomadas. Consultada obrigatoriamente se poder haver prejuízo para os bens materiais, culturais ou históricos da comunidade no seu todo pode então “participar activamente” nas decisões relacionadas com a protecção dos seus direitos

Não há obrigação de obter o acordo prévio, informado e livre da comunidade

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Uma vez as zonas delimitadas (restrita - Z1, protecção – Z2 = Z1+5km, reserva - todas áreas com forte potencial), iniciam uma série de restrições: Circulação de bens e pessoas (proibida em Z1/ com

autorizações especiais em Z2) – Art. 199º a 205º Actividade económica proibida em Z1&2, os donos de

estabelecimentos comerciais e outros devem ser indemnizados, bens podem ser expropriados – Art. 206º

Residência proibida em Z1, restrita a pessoas da mina em Z2 as populações devem ser reagrupadas o + próximo possível da zona, novas casas e infraestruturas sociais construídas, segundo um plano aprovado pelo GP em colaboração com representantes da comunidade. Nada se expropriação por utilidade pública – Art. 207º

Mineiros p. construção civil: “devidas adaptações” Art. 337º

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As empresas de mineração devem contribuir para um Fundo Ambiental, cuja criação, organização, valor de contribuição e uso deve ser definido pelo PR – Art. 267º + constituir uma provisão (definida no estudo de impacto ambiental) para custear a recuperação ou restauração do ambiente – Artº 250

Em relação ao Estado, para além da participação no lucro, as empresas devem pagar vários tipos de impostos - Artº 238 a 249: Imposto de rendimento (imposto industrial), 25% dos

lucros, incl. 5% para autarquia local; Imposto sobre o valor dos recursos minerais (royalties),

2 a 5% do valor; Imposto de superfície, $2 a $40 por ano por km2,

consoante o recurso e ano de pagamento, durante a fase de prospecção.

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3. Principais resultados do estudo de caso junto de uma comunidade da Huíla

Contexto: • Na Província da Huíla, recursos

mineiros principalmente explorados em 4 municípios: Gambos (Chiange), Chibia, Humpata e Jamba

• Na Chibia, uma comunidade foi desalojada por uma empresa de exploração de granito caso em tribunal desde 2011, não houve julgamento até hoje

• Dentro dos Gambos actualmente dois focos de exploração. Na área da comunidade Tyihule, para além da mina da RODANG existente há 10 anos, uma outra área foi recentemente vedada para exploração

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Perfil da Comunidade • Tyihule, Gambos, Huíla (6km da sede comunal

Chimbemba) • O principal grupo étnico da Huíla é Nhaneca-Humbe. A

comunidade-alvo para o estudo de caso é Mungambwé (sub-grupo dos Nhaneca-Humbe)

• Agricultores transumantes agro-pastoris• Serviços sociais praticamente inexistentes• O município faz parte da região de Angola que sofre de

secas cíclicas, particularmente nos últimos três anos• Ocupando e utilizando a terra desde antes do tempo

colonial

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Perfil da Empresa • Rodang Rochas Ornamentais LDA é uma empresa angolana

com sede na Chibia (mas com ligações internaçionais - MILLIKEN)

• Operações mineiras nos municípios de Chibia e Gambos do mineral "marrom", um tipo de granito preto

• Não foi possível aceder a dados financeiras oficiais. Informação a partir de mídia online, fornece uma visão geral da capacidade de produção da empresa:

Mas parece haver uma forte diminuição da Produção no sector em 2015• Destinos de exportação: Espanha, Itália e os EUA, e desde a

crise financeira perspectivas futuras para a China e o Japão• Outras empresas de mineração na província incluem:

Galiangol, Metarochas, DFG África, Osbal, Marlin Angola e Granisul

Produção 2004 2010 2012Por mês 400m³ 500m³ 500-550m³

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Impacto da exploração mineira sobre a comunidadeOs participantes nas discussões dos grupos focais identificaram:

A nível ambiental Eliminação das pequenas montanhas ao redor das

comunidades Uma caverna ao pé de uma colina que tinha fornecido um

reservatório natural para a recolha de água da chuva e poços abertos pela comunidade foram tapados pela actividade mineira

Árvores de fruta nas colinas foram destruídos

A nível social A comunidade manifestou uma grande insatisfação pelo

facto da empresa não fazer investimentos sociais na comunidade

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A nível económico Falta de emprego – 3 homens da comunidade

empregados pela mina (de cerca de 70 empregados, a maioria de Chibia)

Perderam algumas terras agrícolas por causa da actividade mineira e alguns caminhos de transumancia foram fechados

Acesso à Terra Além da operação de mineração ocupando terras

agrícolas quando abriu, a empresa destruiu duas lavras localizadas fora do perímetro da mina, atirando lá pedras vindo da mineração (reclamação do século encontrou conselho de deixar o assunto porque o terreno pertence agora à empresa e ela contribui para os rendimentos do Estado)

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Ponto de vista da comunidade:

A empresa pode explorar os recursos da área, mas deve compensar duma forma ou outra, porque até agora, a

comunidade só vê a montanha desaparecer sem receber nada em contrapartida.

Não sabia do valor da montanha antes da empresa chegar, mas sente-se lesada pelo facto da empresa explorar a sua

riqueza sem deixar nada, e como o Estado também não investe na comunidade, ela acha que a empresa pelo menos

devia.

Neste quadro, insiste muito sobre duas questões: o combate à fome e os investimentos sociais (escola, unidade de

saúde).

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Ponto de vista da empresa:

A empresa considera que a sua responsabilidade é a de pagar seus impostos e royalties. É responsabilidade do

Governo de Angola desenvolver o país através dos diversos impostos e receitas que recebe do sector privado e dos

cidadãos.

Não pensa que tem responsabilidades para com a comunidade.

NB: De jure, obrigações das empresas limitam-se a respeitar os direitos humanos / obrigações dos Estados estendem-se à sua defesa, promoção e efectivação.

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Ponto de vista do Governo a nível local:

• Administração Municipal: Não tem qualquer responsabilidade em relação às empresas de mineração. Simplesmente tenta incentivar as empresas a criar empregos localmente, sempre que possível, e a reparar qualquer dano ambiental causado pelas operações de mineração, ou seja, reposição das terras e re-arborização (nem sempre cumprem).

• DPGM: Não tem nenhuma responsabilidade para com a comunidade, mas sim com as empresas de mineração. Exige que as empresas cumpram as iniciativas de RSE com as comunidades locais situadas perto das minas, ou seja, a construção de uma escola, ou clínica. Acrescenta que os impostos pagos pela empresa não ficam na Província.

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Comunidade

Governo Central

Empresa

Governo Local

Decide e informa

Paga impostos

Se lançam a bola da responsabilidade

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Outros pontos a considerar na reflexão:

A comunidade segue as regras consuetudinárias na resolução dos seus problemas: fala com o seu século fala com a sécula da comuna fala com a Administração Comunal (em audiência) fala com a Administração Municipal.

A nível local, não existe actualmente nenhuma interacção entre as partes nem nenhum fórum onde podem interagir. O Código Mineiro não prevê a criação de espaço deste género nem mecanismo específico de resolução de conflito (promove “apenas” a criação de mecanismos de consulta – Art.16º).

A nível nacional, MAPGEO em curso para o PNOT foi criada uma comissão multisectorial, liderada pelo MINPLAN, que deverá definir para que uso serão reservadas as terras no país: habitação, agricultura, indústria, mineração… ?