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Enfermagem Obstétrica, Rio de Janeiro, 2014 jan/abr; 1(1):7-11. p.7 Recebido em: 20/01/2014 – Aprovado em: 03/04/2014 RESUMO - Introdução: a atenção ao parto tem sido alvo de estudos em diferentes campos com destaque para as questões relaciona- das ao uso excessivo de intervenções nem sempre necessárias. Objevo: descrever as prácas ulizadas nos partos acompanhados por enfermeiras obstétricas em uma maternidade municipal do Rio de Janeiro. Método: Estudo descrivo, quantavo, transversal. Os dados analisados correspondem ao período 2004 a 2008. A coleta dos dados foi através do livro de registro de partos onde en- contramos 4510 partos assisdos por enfermeiras. Para a análise foram calculadas a média, mediana e proporção de cada variável estudada. As análises foram realizadas ulizando o programa Epi info versão 3.5.1. Resultados: 85,3% das mulheres ulizaram prácas que não interferem na fisiologia do parto, sendo a mais freqüente os exercícios respiratórios. Porém, 67,9% das mulheres ulizaram prácas que interferem na fisiologia do parto, sendo a mais realizada a administração de ocitocina. Conclusão: Conclui-se que tanto prácas apoiadas no modelo tecnocráco, quanto as condizentes com o modelo humanizado de atenção ao parto, estão presentes na unidade pesquisada. Descritores: Parto humanizado; Humanização da assistência; Práca profissional; Enfermagem obstétrica. ABSTRACT - Introducon: childbirth aendance has been the focus of several studies on different knowledge fields, mainly concerning the unnecessary use of intervenonists procedures. Objecve: to describe the pracces used o childbirths aended by obstetrical nurses at a municipal maternity hospital in Rio de Janeiro. Method: This descripve, quantave, cross-seconal study was conducted from 2004 to 2008. Data collecon was performed using the delivery register book, which listed that 4510 deliveries were assisted by nurses. The mean, median and rao of each studied variable were calculated for data analysis, which was performed using Epi info version 3.5.1. Results: 85.3% of women used pracces that do not interfere in the physiology of labor: the most common being breathing exercises. Nevertheless, pracces that do interfere in the physiology of labor were used by 67.9% of women: the most common being the administraon of oxytocin. Conclusion:, it is concluded that pracces based on the technocrac model as well as those related to the humanized model are both adopted at the studied service. Descriptors Humanized delivery; Humanizaon of assistance; Professional pracce; Obstetrical nursing. RESUMEN - Introducción: la atención al parto ha sido el foco de estudios en diferentes campos con destaque para las cuesones relacionadas con el uso excesivo de intervenciones muchas veces desnecesarias Objevo: describir las práccas usadas por enfer- meras obstétricas en la atención al parto en una maternidad municipal de Rio de Janeiro. Metodo: Estudio descripvo, cuantavo, transversal. El período invesgado fue de 2004 a 2008. La recolección de datos se efectuó a través del libro de registro de partos, donde encontramos 4510 partos atendidos por enfermeras. Para el análisis, fueron calculadas la media, mediana y proporción de cada variable estudiada. Los análisis se efectuaron ulizando el programa Epi info versión 3.5.1. Resultados: 85,3% de las mujeres ulizaron práccas que no interfieren en la fisiología del parto; los más frecuentes: ejercicios respiratorios, mientras 67,9% de las mujeres ulizó práccas que interfieren en la fisiología del parto; la más frecuente: administración de oxitocina. Conclusión: Tanto las práccas apoyadas en el modelo tecnocráco, como las concordantes con el modelo humanizado de atención del parto, están presentes en la unidad invesgada. Descriptores: Parto Humanizado; Humanización de la atención; Prácca profesional; Enfermería Obstétrica. As prácas ulizadas nos partos hospitalares assisdos por enfermeiras obstétricas The pracces used in hospital deliveries aended by nurse midwives Las práccas ulizadas en los partos hospitalarios atendidos por enfermeras obstétricas Carlos Sérgio Corrêa dos Reis 1 , Danielle de Oliveira Mendonça de Souza 2 , Jane Márcia Progian 3 , Octavio Muniz da Costa Vargens 4 1 Enfermeiro Obstetra. Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil E-mail: [email protected] 2 Enfermeira Obstétrica, Mestre, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: daniellesouza82@ hotmail.com 3 Enfermeira Obstétrica, Doutora, Professora Associada da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. E-mail:jmprogi@ uol.com.br 4 Enfermeiro Obstetra, Doutor, Professor Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil E-mail: [email protected] Introdução As políticas públicas na área da saúde da mulher modificaram-se ao longo dos tempos impulsionadas pelas transformações históricas, polícas, econômicas e sociais. Neste sendo, a criação de uma políca de saúde para as mu- lheres no Brasil, foi resultado de uma luta social que pretendia mudar o entendimento do corpo feminino pela sociedade 1 . A parr da década de 80, no campo obstétrico bra- sileiro, os reflexos desta luta foram percebidos quando o modelo medicalizado, que considera a gravidez um risco e o parto um ato médico, começou a ser quesonado por uma corrente opositora. Esta corrente defende a autonomia da mulher no processo de gestar e parir e concebe o parto Enfermagem Obstétrica, 2014; 1(1):7-11. ISSN 2358-4661

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  • Enfermagem Obsttrica, Rio de Janeiro, 2014 jan/abr; 1(1):7-11. p.7

    Reis CSC, Souza DOM, Progianti JM, Vargens OMC

    Recebido em: 20/01/2014 Aprovado em: 03/04/2014

    RESUMO - Introduo: a ateno ao parto tem sido alvo de estudos em diferentes campos com destaque para as questes relaciona-das ao uso excessivo de intervenes nem sempre necessrias. Objetivo: descrever as prticas utilizadas nos partos acompanhados por enfermeiras obsttricas em uma maternidade municipal do Rio de Janeiro. Mtodo: Estudo descritivo, quantitativo, transversal. Os dados analisados correspondem ao perodo 2004 a 2008. A coleta dos dados foi atravs do livro de registro de partos onde en-contramos 4510 partos assistidos por enfermeiras. Para a anlise foram calculadas a mdia, mediana e proporo de cada varivel estudada. As anlises foram realizadas utilizando o programa Epi info verso 3.5.1. Resultados: 85,3% das mulheres utilizaram prticas que no interferem na fisiologia do parto, sendo a mais freqente os exerccios respiratrios. Porm, 67,9% das mulheres utilizaram prticas que interferem na fisiologia do parto, sendo a mais realizada a administrao de ocitocina. Concluso: Conclui-se que tanto prticas apoiadas no modelo tecnocrtico, quanto as condizentes com o modelo humanizado de ateno ao parto, esto presentes na unidade pesquisada.Descritores: Parto humanizado; Humanizao da assistncia; Prtica profissional; Enfermagem obsttrica.

    ABSTRACT - Introduction: childbirth attendance has been the focus of several studies on different knowledge fields, mainly concerning the unnecessary use of interventionists procedures. Objective: to describe the practices used o childbirths attended by obstetrical nurses at a municipal maternity hospital in Rio de Janeiro. Method: This descriptive, quantitative, cross-sectional study was conducted from 2004 to 2008. Data collection was performed using the delivery register book, which listed that 4510 deliveries were assisted by nurses. The mean, median and ratio of each studied variable were calculated for data analysis, which was performed using Epi info version 3.5.1. Results: 85.3% of women used practices that do not interfere in the physiology of labor: the most common being breathing exercises. Nevertheless, practices that do interfere in the physiology of labor were used by 67.9% of women: the most common being the administration of oxytocin. Conclusion:, it is concluded that practices based on the technocratic model as well as those related to the humanized model are both adopted at the studied service.Descriptors Humanized delivery; Humanization of assistance; Professional practice; Obstetrical nursing.

    RESUMEN - Introduccin: la atencin al parto ha sido el foco de estudios en diferentes campos con destaque para las cuestiones relacionadas con el uso excesivo de intervenciones muchas veces desnecesarias Objetivo: describir las prcticas usadas por enfer-meras obsttricas en la atencin al parto en una maternidad municipal de Rio de Janeiro. Metodo: Estudio descriptivo, cuantitativo, transversal. El perodo investigado fue de 2004 a 2008. La recoleccin de datos se efectu a travs del libro de registro de partos, donde encontramos 4510 partos atendidos por enfermeras. Para el anlisis, fueron calculadas la media, mediana y proporcin de cada variable estudiada. Los anlisis se efectuaron utilizando el programa Epi info versin 3.5.1. Resultados: 85,3% de las mujeres utilizaron prcticas que no interfieren en la fisiologa del parto; los ms frecuentes: ejercicios respiratorios, mientras 67,9% de las mujeres utiliz prcticas que interfieren en la fisiologa del parto; la ms frecuente: administracin de oxitocina. Conclusin: Tanto las prcticas apoyadas en el modelo tecnocrtico, como las concordantes con el modelo humanizado de atencin del parto, estn presentes en la unidad investigada.Descriptores: Parto Humanizado; Humanizacin de la atencin; Prctica profesional; Enfermera Obsttrica.

    As prticas utilizadas nos partos hospitalares assistidos por enfermeiras obsttricas

    The practices used in hospital deliveries attended by nurse midwives

    Las prcticas utilizadas en los partos hospitalarios atendidos por enfermeras obsttricas

    Carlos Srgio Corra dos Reis1, Danielle de Oliveira Mendona de Souza2, Jane Mrcia Progianti3, Octavio Muniz da Costa Vargens4

    1Enfermeiro Obstetra. Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil E-mail: [email protected] Obsttrica, Mestre, Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected] 3Enfermeira Obsttrica, Doutora, Professora Associada da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. E-mail:[email protected] Obstetra, Doutor, Professor Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil E-mail: [email protected]

    Introduo

    As polticas pblicas na rea da sade da mulher modificaram-se ao longo dos tempos impulsionadas pelas transformaes histricas, polticas, econmicas e sociais. Neste sentido, a criao de uma poltica de sade para as mu-lheres no Brasil, foi resultado de uma luta social que pretendia mudar o entendimento do corpo feminino pela sociedade1.

    A partir da dcada de 80, no campo obsttrico bra-sileiro, os reflexos desta luta foram percebidos quando o modelo medicalizado, que considera a gravidez um risco e o parto um ato mdico, comeou a ser questionado por uma corrente opositora. Esta corrente defende a autonomia da mulher no processo de gestar e parir e concebe o parto

    Enfermagem Obsttrica, 2014; 1(1):7-11.

    ISSN 2358-4661

  • p.8 Enfermagem Obsttrica, Rio de Janeiro, 2014 jan/abr; 1(1):7-11.

    Prticas utilizadas por enfermeiras obsttricas

    Recebido em: 20/01/2012 Aprovado em: 24/04/2012

    como um fenmeno prazeroso e libertador na vida da mu-lher. Esta concepo opositora, por sua vez, foi denominada de modelo humanizado2.

    Ainda nesse perodo, a Organizao Panamericana de Sade (OPAS) e a Organizao Mundial de Sade (OMS) de-bateram a temtica da necessidade de um novo modelo de ateno ao parto em algumas conferncias internacionais, que foram de fundamental importncia na construo de novos paradigmas voltados a parturio. A primeira destas conferncias, WHO Consensus Conference on Appropriate Technology for Prenatal, foi realizada em Washington e teve como principais discusses os cuidados durante o pr-natal e as tecnologias apropriadas ao parto e ao nascimento. A se-gunda, designada WHO Consensus Conference on Appropriate Technology for Birth, ocorreu em 1985, na cidade de Fortaleza e destacou as dimenses sociais e emocionais inseridas no pr--natal e no parto, alm de coibir o uso de prticas prejudiciais ou inadequadas na parturio. Em 1986, a terceira, denomi-nada WHO Consensus Conference on Appropriate Technology for following Birth, foi sediada em Trieste e abordou o respeito aos direitos das mulheres, atentando para a preservao da integridade, da privacidade e da autonomia destas no parto e ps-parto WHO3.

    Por outro lado, no campo cientfico brasileiro, hou-ve uma polarizao das prticas obsttricas. As prticas amplamente utilizadas no modelo medicalizado, como a administrao endovenosa de ocitocina, a realizao indis-criminada da amniotomia e da episiotomia e a restrio ao leito no trabalho de parto, foram consideradas como as que interferem na fisiologia do parto4. Em oposio, as prticas implantadas e utilizadas no modelo humanizado, tais como o incentivo livre movimentao, uso de mtodos no farmacolgicos (banho morno, aromaterapia, uso da bola, do banco obsttrico, realizao de massagens, prtica de exerccios respiratrios, entre outros) e a no realizao da episiotomia, foram consideradas como as que no interfe-rem na fisiologia do processo parturitivo4,5.

    Salienta-se que esta polarizao de prticas foi re-forada em 1996, a partir da sntese de diversos estudos cientficos que geraram as recomendaes da Organizao Mundial da Sade (OMS) para o parto normal. Essas reco-mendaes, que no prprio corpo do texto publicado pela WHO3 foram classificadas como: prticas que so teis e de-vem se estimuladas; prticas prejudiciais ou ineficazes que devem ser eliminadas; prticas que no existem evidncias suficientes para sua recomendao e que devem ser utili-zadas com cautela; e prticas frequentemente utilizadas de modo inadequado. Essas mesmas prticas foram tambm agrupadas em duas categorias quais sejam: as que inter-ferem na fisiologia do parto ou as que no interferem com o processo fisiolgico da parturio6. Assim, culminaram por tornarem-se um guia prtico que tem como princpio a mnima interveno no processo fisiolgico do parto5 adotado por enfermeiras obsttricas e pelos defensores do modelo humanizado como norteadoras de sua atuao.

    Foi nesse contexto que as enfermeiras obsttricas, da rede municipal principalmente, optaram por sua insero no movimento de humanizao do parto e nascimento. Com esta

    opo iniciaram a luta por ocupao de espaos estratgicos nas instituies e na administrao central de modo a asse-gurar uma poltica de alocao de sua fora de trabalho em unidades selecionadas pelos gerentes para serem lcus de implantao do modelo humanizado.

    Assim, no Rio de Janeiro, a implantao das prticas que no interferem na fisiologia do parto acompanhou o processo de municipalizao das maternidades pblicas. Este processo teve incio em 1994, com a inaugurao da maternidade Leila Diniz. Desde ento, as enfermeiras obs-ttricas atuam nas salas de parto das grandes maternidades da Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro (SMS-RJ), sendo estas: Maternidade Municipal Leila Diniz, Hospital Municipal Maternidade Carmela Dutra, Unidade Integrada de Sade Herculano Pinheiro e Hospital Maternidade Ale-xander Fleming7.

    Diante do exposto, o presente estudo tem como objeti-vo descrever as prticas utilizadas nos partos acompanhados por enfermeiras obsttricas em uma maternidade municipal do Rio de Janeiro.

    Com a realizao deste trabalho espera-se contribuir para a elaborao de um diagnstico da prtica obsttrica das enfermeiras inseridas na maternidade municipal pesquisada e que atuam junto parturiente. A identificao das prti-cas desenvolvidas pelas enfermeiras subsidiar os gerentes municipais na avaliao da implantao da poltica de huma-nizao do parto e nascimento nesta unidade. Acreditamos que os resultados deste estudo podem ainda representar subsdios importantes para gestores e profissionais no que se refere definio de estratgias de implementao de futuras aes que visem a consolidao da humanizao do parto e nascimento nas demais unidades da rede municipal de sade que atendem mulher.

    Mtodo

    Trata-se de um estudo descritivo, de natureza quantita-tiva, de delineamento transversal sobre os partos assistidos por enfermeiras obsttricas.

    A pesquisa descritiva est interessada em descobrir e observar fenmenos procurando descrev-los, classific--los e interpret-los. A abordagem quantitativa refere-se a uma coleta de dados sistemtica, sob condies de exigente controle e anlise atravs de tcnicas estatsticas8.

    O estudo foi conduzido em uma maternidade munici-pal do Rio de Janeiro, onde avaliamos todos os partos assisti-dos por enfermeiras obsttricas no perodo de setembro de 2004 a setembro de 2008, o que totalizou 4510 mulheres. No exclumos nenhum registro do estudo.

    Os dados foram extrados do Livro de Registros de Partos (LRP) existente no Centro Obsttrico da maternidade pesquisada. Cabe ressaltar que neste livro so registrados todos os partos assistidos exclusivamente por enfermeiras obsttricas.

    A coleta de dados ocorreu atravs de formulrio pr--estabelecido contendo as variveis a serem estudadas e foi realizada no perodo de janeiro a abril de 2010. Os dados

  • Enfermagem Obsttrica, Rio de Janeiro, 2014 jan/abr; 1(1):7-11. p.9

    Reis CSC, Souza DOM, Progianti JM, Vargens OMC

    Recebido em: 20/01/2014 Aprovado em: 03/04/2014

    foram registrados no programa Epi info verso 3.5.1. Para a anlise foram calculadas a mdia, mediana e proporo de cada varivel estudada, conforme a indicao. As anlises tambm foram realizadas utilizando o programa Epi info verso 3.5.1.

    As variveis do estudo foram: a utilizao de prticas obsttricas que no interferem na fisiologia do parto e a utilizao de prticas obsttricas que interferem na fisio-logia do parto. Entre as que no interferem: uso da aro-materapia, banco obsttrico, banho de asperso, ccoras/flexo, deambulao, decbito lateral esquerdo, exerccios respiratrios, fisioball, massagem corporal e movimentos plvicos. J as que interferem foram: realizao de amnio-tomia, episiotomia, ocitocina endovenosa, reduo do colo.

    O presente estudo foi submetido ao Comit de tica em Pesquisa em Seres Humanos da SMS-RJ, sob protoco-los de nmero 170/09, tendo sido por este dispensado de aprovao por se tratar de anlise documental que no identifica nem indivduos nem instituio.

    Resultados

    No perodo estudado, foram registradas 4510 mulhe-res que tiveram seus partos acompanhados por enfermei-ras obsttricas na maternidade selecionada. As mulheres tinham entre 12 a 47 anos de idade, sendo a mediana 23 anos e a mdia 24 anos. A faixa etria de 20 e 29 anos cor-respondeu a 53,8% e as adolescentes (menores de 20 anos) a 26,4%, sendo que as menores de 15 anos representaram 1,2% do total. A maioria das gestantes teve assistncia pr--natal (92,8%), sendo que destas, apenas 68,2% fizeram seis consultas ou mais.

    Em relao ao nmero de gestaes e paridades no momento da admisso no servio, 36,6% das mulheres eram primigestas e 28,4% j tinham engravidado ante-riormente uma nica vez. Cabe ressaltar que 19,2% das mulheres j tinham engravidado trs vezes ou mais antes da gestao atual. As nulparas correspondiam a 40,3% e as primparas a 29,7% da populao estudada.

    A maioria das parturientes utilizou alguma prtica obsttrica que no interfere na fisiologia do parto (85,3%). Contudo, 67,9% das parturientes foram submetidas a pr-ticas que interferem na fisiologia da parturio. (Tabela 1).

    Das 4510 mulheres atendidas 54% receberam ocitoci-na endovenosa durante o trabalho de parto e/ou no parto. Alm disso, 25,1% foram submetidas amniotomia e 22,9% episiotomia (Tabela 2).

    Tabela 1 Distribuio numrica e proporcional das prticas registradas nos partos assistidos por enfermeiras obsttricas Rio de Janeiro 2004 a 2008.

    A tabela 3 apresenta as prticas obsttricas que no interferem na fisiologia do parto. Dentre as prticas indicadas para o alvio da dor, a mais utilizada foi a de-ambulao (29,8%). Daquelas indicadas para a promoo do relaxamento, os exerccios respiratrios foram os mais praticados (73,6%). Os movimentos plvicos foram a prtica mais utilizada (42,1%) daquelas indicadas para favorecer a progresso fetal. Instrumentos como a fisioball e o banco obsttrico foram registrados em apenas 4,3% e 3,6% dos casos, respectivamente. A aromaterapia tambm foi uma prtica pouco utilizada (1,7%).

    Discusso

    Como j pontuamos, neste estudo verificamos que pelo menos uma prtica que no interfere na fisiologia do parto, foi utilizada em 85,3% dos partos assistidos pelas en-fermeiras obsttricas. As mais utilizadas foram os exerccios respiratrios (73,6%), os movimentos plvicos (42,1%) e a deambulao (29,8%). Prticas como a posio do decbito lateral esquerdo e o banho de asperso foram realizados em menores propores, em 15,3% e 13,7% respectivamente.

    Tabela 2 Tipos de prticas que interferem na fisiologia do parto registradas nos partos assistidos por enfermeiras obsttricas Rio de Janeiro 2004 a 2008.

    Prticas f % Amniotomia 1134 25,1 Episiotomia 1031 22,9 Ocitocina 2436 54,0 Reduo de colo 11 0,2 Outros 65 1,4

    Tabela 3 Tipos de prticas que no interferem na fisiologia do parto realizadas por enfermeiras obsttricas na assistncia ao parto Rio de Janeiro 2004 a 2008.

    Prticas f % Aromaterapia 77 1,7 Banco Obsttrico 164 3,6 Banho de asperso 620 13,7 Ccoras/flexo 183 4,1 Deambulao 1345 29,8 DLE 691 15,3 Exerccios respiratrios 3321 73,6 Fisioball 194 4,3 Massagem corporal 303 6,7 Movimentos plvicos 1898 42,1 Outras 173 3,8

    Tipos de prticas f %Prticas que interferem na fisiologia do parto Sim 3063 67,9 No 1408 31,2 Ignorado 39 0,9Prticas que no interferem na fisiologia Sim 3848 85,3 No 662 14,7Total 4510 100

  • p.10 Enfermagem Obsttrica, Rio de Janeiro, 2014 jan/abr; 1(1):7-11.

    Prticas utilizadas por enfermeiras obsttricas

    Recebido em: 20/01/2012 Aprovado em: 24/04/2012

    Com relao ao uso de prticas que interferem na fisiologia do parto pelas enfermeiras, a presente pesquisa identificou que as mais realizadas foram: infuso endove-nosa de ocitocina (54%), amniotomia (25,1%) e episiotomia (22,9%). Cabe ressaltar, que cada parturiente pode ter realizado uma ou mais intervenes concomitantemen-te. Em estudo semelhante, as prticas que interferem foram realizadas em 65% das parturientes assistidas por enfermeiras obsttricas em uma maternidade municipal do Rio de Janeiro9. Nesta mesma pesquisa, com relao administrao de ocitocina o resultado encontrado (55%) foi semelhante ao deste trabalho9. J em estudos norte--americanos, a administrao de ocitocina ocorreu em 40% dos partos realizados por enfermeiras obsttricas e em 53% dos partos vaginais de baixo risco assistidos por mdicos19,20.

    A prescrio de ocitocina recomendada apenas no terceiro estgio do trabalho de parto, que juntamente com a trao controlada do cordo umbilical, uma recomenda-o do MS como uma das formas de preveno de hemor-ragias uterinas pelo estmulo contrtil uterino provocado21.

    A amniotomia, prtica classificada pela OMS como aquela que normalmente utilizada de forma inadequada, ou seja, de forma precoce no primeiro estgio do trabalho de parto, ocorreu com 25,1% das mulheres. Esta prtica consiste na rotura artificial das membranas amniticas com a inteno de diminuir a durao do trabalho de par-to. Apesar de permitir uma monitorizao direta do fludo amnitico, tal interveno est associada a desvantagens, tais como o aumento na deformao da cabea fetal de-terminando, por conseguinte, alteraes na caracterstica da frequncia cardaca fetal e risco de prolapso de cordo, esta ltima resultante da realizao da amniotomia em apresentaes altas22.

    A anlise dos dados no permitiu identificar em qual momento esta prtica foi utilizada. No entanto, em outros estudos quantitativos, realizados tambm em maternidades pblicas do Rio de Janeiro, 40% das mulheres assistidas por mdicos tiveram amniotomia precocemente (com menos de sete centmetros de dilatao)11 e essa prtica foi realizada em apenas 5,8% dos partos assistidos pelas enfermeiras9. Resultado equivalente ao da atual pesquisa foi encontrado em um levantamento realizado em 20 hospitais municipais, estaduais, federais, filantrpicos, militares e privados conve-niados ao SUS no perodo de 1999 a 2001, no Rio de Janeiro, onde a mdia de realizao da amniotomia foi de 24,3%12.

    O uso rotineiro da episiotomia foi classificado pelo Ministrio da Sade23 como uma prtica que deve ser eliminada, por se tratar de uma tcnica claramente preju-dicial mulher. No entanto, apesar desta recomendao, a episiotomia tem sido rotineiramente realizada24-26, visando minimizar o risco de trauma perineal e evitar leso do es-fncter anal. Diante desta realidade, um levantamento de uma srie de estudos cientficos sobre a temtica constatou que a realizao da episiotomia de rotina demonstra estar relacionada maior frequncia de dor perineal e dispareu-nia, no demonstrando benefcios maternos ou fetais22.

    Ainda conforme recomendao do Ministrio da Sade23, a episiotomia deve ser realizada somente nos

    A massagem corporal foi realizada em apenas 6,7% das mulheres. As prticas que dependem de algum instrumento para sua realizao foram pouco utilizadas, tais como a aromaterapia, o banco obsttrico e a fisioball.

    Nossos resultados foram semelhantes aos de um estudo desenvolvido em uma maternidade municipal do Rio de Janeiro com parturientes assistidas por enfermeiras obsttricas, onde o exerccio respiratrio foi a prtica mais empregada, seguido pelos movimentos plvicos e pela deambulao9. Em outros trabalhos nacionais, as prticas mais utilizadas durante o trabalho de parto foram o banho, a deambulao e a massagem. Nessas unidades as prti-cas foram desenvolvidas exclusivamente por membros da equipe de enfermagem, com exceo de uma, a qual o profissional no foi especificado5,10.

    A ateno ao parto no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, passa gradativamente por mudanas importantes. Tal fato pode ser evidenciado quando comparamos a ado-o da prtica da livre deambulao da parturiente entre estudos de diferentes perodos. A deambulao foi realizada por 11,4% a 20,4% das mulheres em estudos realizados en-tre os anos de 1998 a 200111,12. J nos estudos conduzidos no perodo entre 2003 a 2007, esta prtica alcanou taxas entre 47,6% a 56,2%10,13.

    Com o objetivo de avaliar a efetividade e os possveis benefcios das prticas obsttricas que no interferem na fisiologia do parto, diversos estudos cientficos foram rea-lizados, comprovando que tais prticas promovem o alvio da dor14, auxiliam na diminuio do estresse e ansiedade maternos15,16 e auxiliam na progresso do feto no canal do parto, diminuindo o tempo de trabalho de parto17.

    Do total de partos acompanhados pelas enfermeiras obsttricas 85,3% deles aconteceram com a utilizao de alguma prtica que no interfere na fisiologia do parto. Esse resultado evidencia que nesta instituio, a enfermeira obsttrica, que atua na perspectiva da humanizao, pode efetivamente constituir importante agente para que as mudanas propostas pela Organizao Mundial da Sade e recomendadas pelo Ministrio da Sade sejam incorpo-radas e assumidas.

    No entanto, apesar dos avanos verificados com a implementa-o destas prticas consideradas recomendadas e que no interferem na fisiologia do parto3, evidenciou-se que, dentre os partos assistidos pelas enfermeiras obsttricas no ambiente hospitalar, em 67,9% dos partos ocorreu a utilizao de prticas que interferem na fisiologia do parto, e que no esto em consonncia com o que recomendado pelo Ministrio da Sade (MS) / OMS3. Esta situao pode refletir a incorporao e reproduo da prtica medicalizada pelas enfermeiras obsttricas. A reproduo de uma prtica incorporada por longo perodo de tempo demonstrao clara da dominao no campo pelo modo hegemnico de agir18. Assim pode-se depreender que as enfermeiras obsttricas, que por muito tempo tiveram sua prtica baseada na perspectiva da medicalizao e j haviam incorporado este modelo, se viram em dificuldades para romper com o mesmo e colocar em campo uma maneira diferente de cuidar da parturiente. Nesse estudo, ao se verificar o uso de alguma prtica no interven-cionista em 85,3% dos partos acompanhados, observou-se um movimento em direo a este rompimento.

  • Enfermagem Obsttrica, Rio de Janeiro, 2014 jan/abr; 1(1):7-11. p.11

    Reis CSC, Souza DOM, Progianti JM, Vargens OMC

    Recebido em: 20/01/2014 Aprovado em: 03/04/2014

    casos em que houver necessidade, indicada em cerca de 10% a 15% dos casos.

    Nesta pesquisa apenas 22,9% das mulheres realiza-ram episiotomia, o que apesar de ainda no corresponder ao padro ideal preconizado, est bem distante da mdia nacional que est em torno de 94,2% em primparas. Em toda a Amrica Latina mais de 90% dos partos so acom-panhados de episiotomia27.

    Concluso

    Na anlise dos partos assistidos por enfermeiras obsttricas em uma maternidade pblica do Rio de Janeiro no recorte temporal de 2004 a 2008 evidenciamos que as prticas mais utilizadas foram aquelas que no interferem na fisiologia do parto e que esto em consonncia com o que preconizado pelo MS/OMS, sendo estas: os exerccios respiratrios, os movimentos plvicos e a deambulao.

    Apesar da utilizao em larga escala das prticas que no interferem na fisiologia do parto, verificamos que 67,9% das mulheres assistidas pelas enfermeiras receberam as prticas que consideramos intervencionistas fisiologia do parto. Estas foram: a realizao da amniotomia, a adminis-trao endovenosa de ocitocina, a realizao da episiotomia e a reduo do colo.

    Deste modo, conclumos que tanto prticas apoia-das pelo modelo tecnocrtico, quanto as defendidas pelo modelo humanizado de ateno ao parto e recomendadas pela OMS/MS, esto presentes na unidade pesquisada. Consideramos que, apesar dos dados indicarem que estas enfermeiras esto num processo transformao de sua prtica em direo ao rompimento com o modelo medicali-zado e uma atuao menos intervencionista, este fato deve ser alvo de investigao em outros estudos. Desse modo poder-se- conhecer os motivos pelos quais prticas to antagnicas esto sendo realizadas nos partos assistidos por enfermeiras obsttricas.

    Agradecimentos

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPQ) que financiou a pesquisa.

    Referncias

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