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A PROBLEMÁTICA DA ÉTICA NA FILOSOFIA PÓS-MODERNA DE GIANNI VATTIMO Antonio Glaudenir Brasil Maia* Resumo: O presente artigo pretende mostrar em linhas gerais o que disse Gianni Vattimo sobre a Metafísica à luz do pensamento dos filósofos alemães Nietzche e Heidegger. Estes filósofos criticaram a Metafísica na sua própria fundamentação e naquilo que se refere ao sentido do ser. Palavras-chave: Ética; Metafísica; “esse”; Niestzche; Heidegger. Abstract: The present article intends to show in general lines what said Gianni Vattimo about Metaphysics under light of thinking of German philosophers Niestzche and Heidegger. These philosophers criticized Metaphysics in its foundamentation self and in that what alludes to the sense of being. Keywords: Ethics; Metaphysics; “esse”; Nietzsche; Heidegger. Introdução Do ponto de vista do filósofo italiano Gianni Vattimo o ethos pós- moderno possui horizontes distintos, principalmente, se levada em consideração a crise da própria lógica de fundamentação já posta em questão, por exemplo, pelas críticas de Nietzsche [em especial, à tradição moral ocidental 1 ] e por Heidegger. A reflexão vattimiana pressupõe as críticas de Nietzsche e Heidegger 2 à Metafísica, no que tange à problemática da fundamentação e do sentido do ser 3 . A atitude de ‘negação’ 1 Apesar de não pretender defender aqui uma ética a partir de Nietzsche, mas seguir os passos de Vattimo no seu reportar-se ao pensamento nietzscheano quanto a sua crítica à tradição moral ocidental. Para compreender alguns elementos da reflexão moral nietzscheana nas suas obras: NIETZSCHE, F. Para Além do Bem e do Mal. Lisboa: Guimarães & Editores, 1974. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 2 Para uma leitura vattiamiana das reflexões de tais pensadores, além das obras a serem citadas neste texto, conferir dentre outras as obras: VATTIMO, G. Introdução a Heidegger [1971]. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. _____. Introdução a Nietzsche [1984].Lisboa: Ed. Presença, 1990. _____. As aventuras da diferença: o que significa pensar depois de Heidegger e Nietzsche [1980]. Lisboa: Edições 70, 1988. 3 “Do ponto de vista de Nietzsche e Heidegger, que podemos considerar comum, não obstante as diferenças nada ligeiras, a modernidade pode caracterizar-se, de fato, por ser dominada pela idéia de história do pensamento como ‘iluminação’ progressiva que se Kairós - Revista Acadêmica da Prainha Ano V/1, Jan/Jun 2008 176

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  • A PROBLEMTICA DA TICA NA FILOSOFIA PS-MODERNA DE GIANNI VATTIMO

    Antonio Glaudenir Brasil Maia*

    Resumo: O presente artigo pretende mostrar em linhas gerais o que disse Gianni Vattimo sobre a Metafsica luz do pensamento dos filsofos alemes Nietzche e Heidegger. Estes filsofos criticaram a Metafsica na sua prpria fundamentao e naquilo que se refere ao sentido do ser.

    Palavras-chave: tica; Metafsica; esse; Niestzche; Heidegger.

    Abstract: The present article intends to show in general lines what said Gianni Vattimo about Metaphysics under light of thinking of German philosophers Niestzche and Heidegger. These philosophers criticized Metaphysics in its foundamentation self and in that what alludes to the sense of being.

    Keywords: Ethics; Metaphysics; esse; Nietzsche; Heidegger.

    Introduo

    Do ponto de vista do filsofo italiano Gianni Vattimo o ethos ps-moderno possui horizontes distintos, principalmente, se levada em considerao a crise da prpria lgica de fundamentao j posta em questo, por exemplo, pelas crticas de Nietzsche [em especial, tradio moral ocidental1] e por Heidegger. A reflexo vattimiana pressupe as crticas de Nietzsche e Heidegger2 Metafsica, no que tange problemtica da fundamentao e do sentido do ser3. A atitude de negao

    1 Apesar de no pretender defender aqui uma tica a partir de Nietzsche, mas seguir os passos de Vattimo no seu reportar-se ao pensamento nietzscheano quanto a sua crtica tradio moral ocidental. Para compreender alguns elementos da reflexo moral nietzscheana nas suas obras: NIETZSCHE, F. Para Alm do Bem e do Mal. Lisboa: Guimares & Editores, 1974. Genealogia da moral: uma polmica. So Paulo: Companhia das Letras, 2001. 2 Para uma leitura vattiamiana das reflexes de tais pensadores, alm das obras a serem citadas neste texto, conferir dentre outras as obras: VATTIMO, G. Introduo a Heidegger [1971]. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. _____. Introduo a Nietzsche [1984].Lisboa: Ed. Presena, 1990. _____. As aventuras da diferena: o que significa pensar depois de Heidegger e Nietzsche [1980]. Lisboa: Edies 70, 1988. 3 Do ponto de vista de Nietzsche e Heidegger, que podemos considerar comum, no obstante as diferenas nada ligeiras, a modernidade pode caracterizar-se, de fato, por ser dominada pela idia de histria do pensamento como iluminao progressiva que se

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  • da prpria Metafsica j representa, contudo, o carter anti-metafsico do pensamento filosfico na poca da ps-modernidade, lanada pelas reflexes de Nietzsche e de Heidegger.

    Com base em tal problemtica, pretende-se compreender em que sentido a crise da metafsica possibilita pensar uma tica distinta da tradio, uma nova postura diante do contexto da ps-modernidade, ou melhor, uma tica ps-moderna. Se Vattimo assume uma postura tica (mas tambm religioso-poltica) diante do contexto ps-metafsico da existncia, que leva crise da legitimao metafsica as ltimas conseqncias, fundamental, portanto, explicitar em que medida a ontologia niilista possibilita pensar uma tica de carter radicalmente no transcendente e com traos contaminados pela prpria historicidade.

    A tica como premissa da Ontologia niilista de Vattimo

    A perspectiva em que se encaminha a reflexo de Vattimo considera que a crise da Metafsica, a crise da legitimao totalizante dos chamados metarrelatos, da afirmao da tese do fim da modernidade implicam uma (re)leitura sobre alguns dos problemas de fronteiras4 que se ventilam no ethos ps-moderno, sendo que a leitura da situao da tica ocupa um lugar considervel. Por isso, a hiptese que ilumina a presente reflexo sobre A problemtica da tica na filosofia ps-moderna de Gianni Vattimo no se restringe ao reconhecimento da tica como fase atual de seu pensamento mas, sobretudo, defende a tica como motivao fundamental da produo filosfica do pensador italiano.

    A proposta de nossa investigao no se limita anlise interpretativa do conjunto das obras publicadas recentemente que, com desenvolve com base na apropriao e na reapropriao cada vez mais plena dos fundamentos, que freqentemente so pensados como origens de modo que as revolues tericas e prticas da histria ocidental se apresentam e se legitimam na maioria das vezes como recuperaes, renascimentos, retornos. A noo de superao, que tanta importncia tem em toda a filosofia moderna, concebe o curso do pensamento como um desenvolvimento progressivo, em que o novo se identifica com o valor atravs da mediao da recuperao e da apropriao do fundamentoorigem. Mas precisamente a noo de fundamento, radicalmente posta em discusso por Nietzsche e Heidegger. (Cf. VATTIMO, G. O Fim da Modernidade. 1996, p. 06). 4 Vattimo se debrua sobre os problemas da cincia, da arte, da tica e da religio assim como, principalmente, da prpria hermenutica na obra Oltre lInterpretazione [1994]. importante sublinhar que a questo da tica na referida obra j indica a preocupao de Vattimo em estabelecer os horizontes de uma possvel tica da interpretao, considerada o pressuposto de sua ontologia niilista a ser desenvolvida em nossa tese. (Cf. VATTIMO, G. Oltre lInterpretazione. Il significato dell'ermeneutica per la filosofia (Lezioni italiane). Roma-Bari: Laterza, 1994).

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  • muita propriedade, permite insinuar que o pensamento [tardio, digamos] de Vattimo se encontra na estao [da] tica5. A idia central levanta a tese de que possvel pensar que a Ontologia niilista de Vattimo implica uma postura prxima da Filosofia Prtica, dentro dos limites da reflexo do filsofo italiano, com a qual se articulam suas reflexes filosficas, religiosas, polticas e, em especial, ticas, como horizontes pertinentes ps-modernidade.

    Embora o prprio Vattimo [2007a] tenha declarado que o seu percurso filosfico compreenda o trinmio religioso-filosfico-poltico6, se acrescenta tica como denominador de seu itinerrio especulativo, temtica recorrente em seus diversos ensaios e obras. A recente fase do pensamento de Vattimo contempla, sem dvida, questes de natureza notadamente tica [mas tambm poltica] e pode ser confirmada pela publicao de obras, tais como, Etica dellInterpretazione [1989], Oltre lInterpretazione [1994], Tecnica ed Esistenza [2002], Nichilismo ed Emancipazione [2003], La Vita dellaltro Bioetica senza metafisica [2006b]. Vattimo, entretanto, j abordou a problemtica [da] tica em alguns ensaios publicados como, por exemplo, Letica della continuit7 e Le regioni etico-politiche dellermeneutica.

    A atualidade do pensiero debole, afirma Vattimo, reside em suas perspectivas religiosas [a serem desenvolvidas], polticas e, em especial, ticas que foram amadurecendo ulteriormente prpria publicao da

    5 Giorgio classifica como tico-poltica a etapa mais recente do pensamento de Vattimo, principalmente, com a publicao das obras Oltre lInterpretazione [1994] e Nichilismo ed Emancipazione [2003]. Ele reconhece que a atuao poltica de Vattimo, seu envolvimento partidrio e sua passagem pelo parlamento europeu, demonstra que a fase atual tico-poltica, que se inicia com a publicao de Oltre lInterpretazione [1994] e continua com Nichilismo ed Emancipazione [2003] na qual se dedica uma parte da discusso sobre a tica. Aqui concordamos parcialmente com Giorgio, pois olhando mais de perto o seu escrito Nichilismo ermeneutico e poltica [2007] se percebe que, apesar de tocar essencialmente na natureza da tica em Vattimo, a leitura se restringe as postulaes contidas na obra Ecce Comu [2007a] em que Vattimo expe sua atividade poltica. O horizonte do tico na produo filosfica de Vattimo no se limita ao arco de tempo que Giorgio delineia, esta a tese que nossa reflexo procura demonstrar. (Cf. GIORGIO, G. Nichilismo ermeneutico e poltica. A Parte Rei. Revista de Filosofia. Madrid, noviembre, 2007). 6 O itinerrio especulativo vattimiano percorre esse trinmio interdependente, que no se pode pensar o filosfico que no seja religioso e poltico, vice-versa. [Cf. VATTIMO, G. Ecce Comu. Como si ri-diventa ci che si era. Roma: Fazi, 2007a, p. 93]. Giorgio, entretanto, afirma que as vrias interpretaes sobre Vattimo negligenciaram o aspecto poltico de sua atuao, focalizaram apenas o filosfico ou religioso-teolgico. (Cf. GIORGIO, G. Nichilismo ermeneutico e poltica. 2007, pp. 01-02). 7 Cf. VATTIMO, G. Letica della continuit. IN: JACOBELLI, J. (cur.). Scienza e etica. Quali limiti?Roma-Bari: Laterza, 1990.

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  • obra Il Pensiero Debole [1983], com destaque para a contribuio de Vatttimo intitulada Dialletica, differenza e pensiero debole. Vattimo [apud Zabala, 2007, p. 10] declara abertamente que: A mim, por ora, apenas me interessam quase exclusivamente a (filosofia) poltica e a reflexo religiosa8, o que traduz, ao nosso ver, a vizinhana de sua reflexo com as dimenses da filosofia prtica na atualidade. No obstante a declarao de Vattimo sobre sua preferncia filosfica atual, se procura assegurar que a presena da tica na reflexo dele no se constitui apenas como um problema ao lado da religio e da poltica, mas, sobretudo, como uma motivao fundamental at mesmo para a atualidade do pensiero debole9.

    O pensiero debole era, portanto, uma forte teoria, uma forte proposta filosfica. E nos parecia tambm muito civil, muito racional, muito dialgica, pouco arrogante, visto que do pensiero debole fazia e faz parte a predileo por uma tica no-agressiva [VATTIMO, 2006a, p. 108]10

    No percurso de sua produo filosfica, Vattimo define, ento, o pensiero debole como uma filosofia da histria [que tambm pode ser compreendido como Ontologia da atualidade, niilista, hermenutica] resumida na idia do enfraquecimento do ser como nica via possvel de emancipao que, de forma consistente, valida a hiptese da motivao tica ser preponderante, apesar da inexistncia de um tratado sistemtico sobre tica. Vattimo no elaborou nenhum tratado tico, apenas pensou que a questo da emancipao, que porta o pensiero debole11, somente possvel pela desconstruo da Metafsica e, com a filosofia da interpretao, se reduz, como processo de debilitamento, o peso das estruturas metafsicas, fortes, autoritrias etc.

    8 Traduo livre do autor. Cf. ZABALA, S. Gianni Vattimo. Opere Complete. 2007, p. 10: A me ora interessano quasi solo la [filosofia] politica e la rifelssione religiosa.9 Vattimo expe as razoes ticas do pensiero debole que se distancia da violncia que, por exemplo, marcou a degenerescncia do movimento de 68 e, principalmente, pelo reconhecimento do enfraquecimento como fio condutor da emancipao, da dissoluo dos valores absolutos da Metafsica, marca inefvel do pensiero debole de Vattimo. (Cf. VATTIMO, G. Ecce Comu. 2007a, pp. 40-41) 10 Cf. VATTIMO, G. Non essere Dio. 2006a, p. 108: Il pensiero debole era dunque una forte teoria, una forte proposta filosofica. E ci sembrava anche molto civile, molto ragionevole, molto dialgica, molo poco arrogante, visto oltretutto che del pensiero debole faceva e fa parte la predilezione per unetica non agressiva.11 Em La filosofia come ontologia dellattualit, entrevista concedida a SAVARINO e VERCELLONE em 2006, Vattimo retoma a discusso sobre o pensiero debole, afirmando que a sua gnese radica na rejeio da violncia, que o aspecto tico [mas tambm poltico] de seu pensamento pode ser traduzido na desmistificao do ideal revolucionrio [violento] e a prpria oposio sociedade capitalista. (Cf. VATTIMO apud SAVARINO, L; VERCELLONE, F. Gianni Vattimo. La filosofia come ontologia dellattualit. 2006, pp. 250-251).

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  • Metafsica e violncia: o significado da tica na filosofia ps-moderna de Vattimo

    A premissa que legitima o horizonte da tica no pensamento de Gianni Vattimo reside na denncia da relao da Metafsica com a violncia, isto , a questo de fundo que permeia o discurso vattimiano, ao longo dos anos, se refere Metafsica como pensamento violento. O cerne da questo do tico em Vattimo, portanto, que ele insistentemente se esfora por explicitar em seus escritos, a rejeio do universalismo absoluto [violento] da perspectiva metafsica. Desse modo, percebe-se que a motivao tica radica fundamentalmente em se distanciar da violncia metafsica em funo de se conceber uma tica ps-moderna, que abandona, por exemplo, os critrios absolutos, universalistas das ticas metafsicas.

    O problema da conexo entre Metafsica e violncia, segundo Vattimo, no pode ser visto como problema preliminar, problema, digamos, de mtodo, mas, sobretudo, como um das questes centrais da contemporaneidade, ou seja, Entendo que o problema da metafsica e da violncia me parece ser um dos problemas centrais da filosofia contempornea [VATTIMO apud ZABALA, 2007, p. 400]12. Caso no seja o problema da relao Metafsica-violncia tomado na devida proporo, a Filosofia no assume sua responsabilidade histrica, resumindo-se mera disciplina histrica e auxiliar das cincias positivas. Mas, ento, em que consiste a conexo entre Metafsica e violncia? Que razes Vattimo apresenta que legitima a tese da Metafsica como pensamento violento? E, por fim, em que o sentido a tica pode ser considerado horizonte da Ontologia niilista vattimiana?

    Oltre lInterpretazione [1994] no tematiza apenas questes de natureza exclusivamente como parece primeira vista. Vattimo sublinha, sobretudo, que as implicaes niilistas da hermenutica suscitam uma preocupao notadamente tica. Uma ontologia [niilista] hermenutica no se resume a pura e simples resistncia terica ou evita ser confundida com uma filosofia da cultura que oscila entre relativismo e metafsica transcendentalista. Oltre lInterpretazione [1994] inaugura uma linha de leitura que tem o niilismo como fio condutor ao mesmo tempo em que constitui o sentido radicalizado da prpria hermenutica e a abertura em

    12 Cf. VATTIMO, G. Metaphysics and Violence. IN: ZABALA, S. (org.) Weakening Philosophy: essays in honour of Gianni Vattimo. Mc Gill-Queens University Press, Montreal Kingston, London, Ithaca, 2007, p. 400: Since this problem of metaphysics and violence still seems to me to one of the central problems of contemporary philosophy.

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  • direo de uma concepo do mundo como conflito de interpretaes13 impede que se sobreponham, de modo coercitivo e violento, algumas interpretaes sobre outras, verdade ltima14 sobre outra, pensamento forte sobre debole. Este conflito de interpretaes j representa o primeiro esboo provisrio do referencial tico que a prpria hermenutica porta consigo, segundo a proposta de Vattimo15.

    Nietzsche j indicou em Niilismo europeu [1887] que no mundo do niilismo, do choque entre deboles e fortes, no mundo desmascarado das mentiras metafsicas, triunfariam os mais moderados, despidos de qualquer f extremada, de interpretaes absolutas. A referncia a Nietzsche se vale da tese da inexistncia de parentesco entre niilismo e violncia. E, antes de tudo, Nietzsche, segundo Vattimo [1994, p. 38], o nico que, a seu modo, concebe que a dissoluo das razes com as quais se justifica e se alimenta a violncia o efeito do prprio niilismo. Nessa mesma direo, Vattimo considera que as motivaes originrias da revolta de Heidegger contra a Metafsica se sustentam, com boas razes, no carter tico [e tambm poltico] do que por razes tericas, ou seja, rejeita a Metafsica enquanto a considera como pensamento violento, pensamento do ser como presena e objetividade.

    A polmica antimetafsica de Heidegger permite que a hermenutica, que tem sua origem nessa polmica, permanea como pensamento motivado predominantemente por razes ticas16. As razes

    13 Apesar das diferenas considerveis que no sero aqui objeto de anlise e para uma leitura do significado da expresso conflito de interpretaes que Vattimo considera importante para a hermenutica contempornea. (Cf. RICOEUR, P. O conflito das interpretaes: ensaios de hermenutica. Rio de Janeiro: Imago, 1978). 14 E quando se toma a verdade como fundamento absoluto e se torna em poder [autoritrio], [...] c qualcuno che in nome della verit mi vuole fare ci che non voglio. [[...] existe algum que em nome da verdade quer que eu faa aquilo que no quero]. (Cf. VATTIMO, G. Le ragioni etiche-politiche dellermeneutica. IN: AMBROSI, E. Il bello del relativismo. Quel che resta della filosofia nel XXI secolo. Venezia: Marslio, 2005, p. 82). 15 A hermenutica, seguindo aqui as reflexes de Vattimo, consiste no conflito das interpretaes que, assumindo sua vocao niilista, no permite qualquer pretenso de verdade absoluta, contra a fundamentao metafsica. (Cf. VATTIMO, G. Nichilismo ed emancipazione. 2003, p. 95). 16 Nas palavras de Vattimo, por ocasio de ter concedido uma entrevista ao autor, as razes que conduzem Vattimo a se aproximar da concepo de Heidegger so ticas e no apenas tericas. A opo por uma esquerda heideggeriana somente do tipo tico, porque se perguntava se teria razoes tericas para preferir um Heidegger subtrativo ou um positivo [direita] preparando o retorno do ser. Da ter declarado que sua preferncia por um Heidegger subtrativo era uma opo tica, que, talvez, pareceria uma tica negativa, tica contra a vontade de viver, contra a vontade de afirmao, que, em ultimo caso, era muito

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  • da rejeio heideggeriana da concepo metafsica do ser se legitimam pelo modo de pensar o ser como simples-presena e da prpria violncia que isso acarreta. Ora, as motivaes ticas presentes em Ser e Tempo [1927], partem da concepo heideggeriana da Metafsica como esquecimento e identificao do ser com o dar-se do objeto na peremptoriedade da presena, o que legitima o carter essencialmente filosfico da rejeio da Metafsica como pensamento violento pela filosofia contempornea17. A Metafsica como pensamento fundamentalista/totalizador que tem por base a concepo do ser como presena, fundamento ltimo e da verdade como nica, iluminam a reflexo crtica de Vattimo. Ele se associa a Heidegger na sua concepo da Metafsica18 como essencialmente violenta, como foi dito, pensamento da presena peremptria do ser como fundao que evoca, por exemplo, uma atitude [religiosa] de adorao, inviabilizando ulteriores questionamentos.

    Vattimo reconhece, ao lado de Heidegger, ser a Metafsica insupervel e, por isto, toma um caminho distinto: refuta a Metafsica no por razes de cunho terico-especulativos, mas, por razes ticas, denuncia a falta de liberdade e a violncia que configuram a estrutura do pensamento metafsico, especificamente, da lgica (in)supervel de fundamentao, do principio supremo e da verdade absoluta. Desse modo, o esquema de pensar o ser como presena, objetividade, estabilidade denuncia o horizonte fundamentalista da metafsica como pensamento violento.

    prxima tica crist, ao esprito de uma tica crist. (Cf. VATTIMO, G. Entrevista. Colquio Ontologia dellattualit. Natal, Rio Grande do Norte, fevereiro-maro, 2007b). 17 Apesar das diferenas com Heidegger, Adorno e Levinas nos ensinaram a duvidar da Metafsica, no como erro terico, mas, sobretudo, como pensamento violento. Adorno denuncia o interesse da Metafsica pelo universal, que exclui o individual enquanto que Levinas afirma que a pretenso da Metafsica de compreender o ser como condio para o encontro com o individuo existente abre a via s mesmas aberraes. (Cf. ADORNO, T. Dialettica Negativa. Torino: Einaudi, 1975; LEVINAS, E. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edies 70, 2000; VATTIMO, G. Oltre linterpretazione. 1994). 18 Nella prospettiva heideggeriana, come si sa, Metafisica quel pensiero che considera lessere come un sistema di oggetti rigorosamente concatenati fra loro dal principio di causalit. Questa concatenazione di tutti gli enti secondo il nesso di fondazione, che nella Metafisica antica ad esempio, e sopratutto, in Aristotele solamente colta, a livello ideale dalla mente, nella modernit si attua realmente ad opera della tecnica; la quale, dunque, la Metafisica realizzata. [Na perspectiva heideggeriana, como se sabe, Metafsica aquele pensamento que considera o ser como um sistema de objetos rigorosamente concatenados entre si por um princpio de causalidade. Esta concatenao de todos os entes segundo o nexo de fundao que na Metafsica antiga [...] a nvel ideal da mente, na modernidade se atua realmente a obra da tcnica; a qual, portanto, a Metafsica realizada]. (Cf. VATTIMO, G. Etica dellInterpretazione, 1989, p. 66).

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  • No porque o universal conduza necessariamente violao dos direitos do individuo que a Metafsica deve ser superada; alis, neste ponto os metafsicos fazem bem ao dizer que os mesmos direitos do indivduo foram freqentemente reivindicados em nome de razes metafsicas por exemplo, nas doutrinas do direito natural. , ao contrrio, enquanto pensamento da presena peremptria do ser como fundamento ltimo diante do qual possvel apenas calar-se, talvez, sentir admirao que a Metafsica configura-se como pensamento violento: o fundamento, se se d na evidncia, incontroversa e que no deixa mais espao para perguntas posteriores, como uma autoridade que cala e impe sem dar explicaes. [VATTIMO, 1994, p. 40]19

    O fato de a Metafsica ser um pensamento violento no , segundo Vattimo, um dado incontroversamente provado, mas resulta da prpria narrao-interpretao da histria da Metafsica. Nessa histria podem ser inseridas as implicaes levantadas por Adorno e Levinas como tambm, sobretudo, a tese heideggeriana da Metafsica como premissa da qual seguem logicamente o cientificismo e a organizao total da sociedade moderna. A tese nietzscheana que toma o pensamento fundacional uma espcie de excessiva reao a uma situao de insegurana que no , segundo Vattimo, a nossa tambm deve ser levada em conta.

    O conceito vattimiano de violncia singular. Se em muitos tericos a violncia tem sentido de impedir a prpria vocao essencial de qualquer coisa, nos escritos de Vattimo, em especial, na obra Nichilismo ed Emancipazione [2003, p. 148], concebe a violncia [metafsica] como [...] em termos de silenciar, interrupo do dilogo da pergunta e resposta. Isto que faz eminentemente o fundamento ltimo, o qual se impe como no ulteriormente interrogvel, objeto apenas de contemplao d amor dei intellectualis20. A problemtica da conexo intrnseca entre Metafsica e 19 Cf. VATTIMO, G. Oltre lInterpretazione.1994, p. 40: Non perch luniversale conduca necessariamente alla violazione dei diritti dellindividuo che la metafisica deve essere superata; anzi, i metafisici hanno qui buon gioco nel dire che egli stessi diritti dellindividuo sono stati spesso rivendicati proprio in nome di ragioni metafisiche per esempio nelle dottrine del diritto naturale. invece in quanto pensiero della presenza perentoria dellessere come fondamento ultimo di fronte a cui si pu solo tacere e, forse, provare ammirazione che la metafisica pensiero violento: il fondamento, se si d nellevidenza incontrovertibile che non lascia pi adito a ulteriori domande, come unautorit che tacita e si impone senza fornire spiegazioni. 20 Cf. VATTIMO, G. Nichilismo ed Emancipazione. 2003, p. 148: "[...] in termini di tacitamento, interruzione del dialogo di domanda e resposta. Ci che fa eminentemente il fondamento ultimo, il quale si impone come non ulteriormente interrogabile, oggetto solo di contemplazione a di amor dei intellectualis.

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  • violncia um dos temas fundamentais da Ontologia niilista [hermenutica] de Vattimo, ou seja, a conexo tem seu nascedouro no modo peremptrio de se conceber metafisicamente o fundamento ltimo diante ao qual resta apenas a atitude de dizer sim, de abaixar a cabea, de silenciar.

    Em suma, isto que me repugna na fundao metafsica ltima a peremptoriedade, a no perguntabilidade ulterior do fundamento, que comporta toda uma srie de conseqncias de impensabilidade da existncia. Estou convencido de que no exista nenhuma definio filosfica da violncia a no ser esta: a idia de um fundamento diante ao qual se deve apenas silenciar. [VATTIMO apud SAVARINO; VERCELLONE. 2006, p. 253] 21.

    por isso que a concepo [hermenutico-vattimiana] da violncia se torna a mais plausvel e, talvez, seja melhor considerar que Vattimo interpreta a do que defende uma definio da mesma, que ele extrai da crtica do pensamento metafsico de Nietzsche e Heidegger, herana que declara em Non essere dio [2006, p. 36], que ambos [...] permanecem os dois momentos fundamentais para a minha formao e para a construo da minha pessoal teoria filosfica22. Vattimo rejeita a violncia do fundamento metafsico o tolhimento do perguntar a favor da abertura dialgica, sendo que a passagem para uma racionalidade debole da hermenutica no rejeita a Metafsica por razes tericas, mas por razes estritamente ticas.

    Apesar de se reconhecer que Oltre lInterpretazione [1994], Etica dellInterpretazione [1989] e Nichilismo ed Emancipazione [2003] lanarem as bases da reflexo tica do pensamento de vattimiano a questo recorrente em outros escritos nada inferiores. J por volta dos anos 80, em especial, com a publicao da obra As Aventuras da Diferena [1980], Vattimo anuncia que

    [...] a tradio metafsica a tradio de um pensamento violento que, ao privilegiar categorias unificadoras, soberanas, generalizantes, no culto da

    21 Cf. VATTIMO apud SAVARINO; VERCELLONE. Gianni Vattimo. La filosofia come ontologia dellattualit. 2006, p. 253: Insomma, cio che mi ripugna nella fondazione metafisica ultima la perentoriet, la non domandabilit ulteriore del fondamento, che comporta tutta una serie di conseguenze di impensabilit dellesistenza. Sono convinto che non esista nessuna definizione filosofica della violenza se non questa: lidea di un fondamento di fronte a cui voi non potete che tecere. 22 Cf. VATTIMO, G. Non essere Dio unautobiografia a quattro mani. Torino: Aliberti editore, 2006, p. 36: [...] rimarranno i due momenti fondamentali per la mia formazione e per la costruzione della mia personale teoria filosofica.

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  • arch, manifesta uma insegurana e um pathos de base a que reage com um excesso de defesa. Todas as categorias metafsicas (o ser e os seus atributos; a causa primeira; o homem como responsvel; mas tambm a vontade de poder, se for lida metafisicamente como afirmao e tomada de poder sobre o mundo) so categorias violentas. [VATTIMO, 1980, pp. 13-14]

    A questo fundamental na reflexo de Vattimo radica na denncia da Metafsica como imposio objetiva absoluta, fundao de sistema de leis, princpios, etc., a ser observado na tica, na poltica, na religio... Vattimo reconhece a conexo entre Metafsica e violncia, ou melhor, denuncia que a Metafsica um pensamento violento, pois defende que a idia de fundamento (Grund) autoritria, incontroversa, que no deixa espao para indagaes posteriores, nem permite a rplica; em suma, a Metafsica como autoridade que se impe, tambm produzindo uma estrutura social autoritria.

    Do ponto de vista da prpria falncia do pensamento metafsico, a ontologia niilista possibilita assim pensar o debilitamento do ser como dissoluo das razes que justificam a violncia. O enfraquecer da peremptoriedade do ser metafsico tem implicaes histricas, polticas, religiosas, ticas, entre outras, que Vattimo considera imprescindveis para se pensar a possibilidade de uma sociedade aberta, democrtica, tolerante isso representa tambm a tendncia, acima de tudo, poltica do pensamento vattimiano. O que Vattimo denuncia a prpria expropriao da liberdade, da projetualidade da existncia historicamente situada. De inicio, se percebe que Vattimo assume a falncia da Metafsica como passo decisivo na direo da tica na ps-modernidade. A hermenutica niilista de Vattimo uma filosofia motivada pela inteno de reduo da violncia, com implicaes ticas, por deslegitimar toda estrutura forte que sustentava, principalmente, as ticas metafsicas da tradio Ocidental. A tica ps-metafsica de Vattimo, portanto, tem como premissa suprema a reduo da violncia, principio que deve orientar a poltica, o direito, a religio, as relaes socioculturais, entre outras, possibilitando pensar a negao da sociedade autoritria, baluarte para uma sociedade alternativa, plural e, acima de tudo, mais democrtica.

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    *Antonio Glaudenir Brasil Maia Doutorando em Filosofia, Mestre em Filosofia

    Prof. da Universidade Estadual Vale do Acara [UVA].

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