121-do direito patrimonial; dos regimes de bens

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DO DIREITO PATRIMONIAL DO REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES Introdução O presente trabalho tem por objetivo estudar o regime matrimonial na sua condição de conjunto de regras que regulamenta a sociedade conjugal em relação ao direito patrimonial, que se encontra disciplinado na lei nº. 10.406/02, Código Civil, parte do Título II do livro IV. Além disso, verificar o que o regime matrimonial estabelece efeitos jurídicos dos seus atos em relação a terceiros que lidam com os cônjuges. No decorrer do trabalho estudar-se-á, de forma não exaustiva, já que se está tratando de assunto complexo e que em alguns pontos apresentada posicionamento doutrinário diverso, os princípios fundamentais que norteiam o regime matrimonial, a questão da mutabilidade motivada, variedade de regimes estabelecida em lei, livre estipulação, administração e disponibilidade dos bens, atos dos cônjuge e suprimento da autorização conjugal. 1. Aspectos Gerais Entende-se por regime de bens o regramento das relações patrimoniais e econômicas entre os cônjuges, e 1

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Page 1: 121-Do Direito Patrimonial; Dos Regimes de Bens

DO DIREITO PATRIMONIAL

DO REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo estudar o regime matrimonial na

sua condição de conjunto de regras que regulamenta a sociedade conjugal em

relação ao direito patrimonial, que se encontra disciplinado na lei nº. 10.406/02,

Código Civil, parte do Título II do livro IV. Além disso, verificar o que o regime

matrimonial estabelece efeitos jurídicos dos seus atos em relação a terceiros

que lidam com os cônjuges.

No decorrer do trabalho estudar-se-á, de forma não exaustiva, já que se

está tratando de assunto complexo e que em alguns pontos apresentada

posicionamento doutrinário diverso, os princípios fundamentais que norteiam o

regime matrimonial, a questão da mutabilidade motivada, variedade de regimes

estabelecida em lei, livre estipulação, administração e disponibilidade dos bens,

atos dos cônjuge e suprimento da autorização conjugal.

1. Aspectos Gerais

Entende-se por regime de bens o regramento das relações patrimoniais

e econômicas entre os cônjuges, e entre estes e seus filhos. Orlando Gomes

diz que o regime matrimonial “é o conjunto de regas aplicáveis à sociedade

conjugal considerada sob o aspecto dos seus interesses patrimoniais; em

síntese, o estatuto patrimonial dos cônjuges”; o ordenamento institui formas

jurídicas que tratam do patrimônio existente antes do casamento ou na vigência

desse. Assim, torna-se necessário estabelecer as diretrizes que regerão a

relação patrimonial dos nubentes.

Com o Código Civil de 2002, passou a vigorar no ordenamento jurídico

brasileiro quatro regimes de bens: comunhão parcial (art. 1.658); comunhão

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universal (art. 1.667); participação final nos aquestos (art. 1.672); separação de

bens (art. 1.687). Sendo assim, os cônjuges têm a possibilidade de escolher

um desses regimes antes do casamento, tudo através do "pacto antenupcial".

2. Princípios norteadores do regime de bens

Verifica-se que os princípios além das características de abstração e

concretude entre os valores e as regras, são dotados de um pluralismo, já que

a ordem jurídica não pode ficar sujeita a um só princípio, pois necessita sempre

de complementação aos diversos enunciados genéricos carentes de

proclamação.

A aplicação e a ponderação dos princípios são imprescindíveis para

garantir o equilíbrio entre os valores da justiça e da segurança jurídica, no

sentido de garantir o constante aperfeiçoamento da ordem jurídica. A partir

disso, o regime de bens também é regido por princípios próprios, quais sejam:

principio da imutabilidade ou irrevogabilidade; principio de variedade de

regimes; principio da livre estipulação.

2.1. Princípio da Variedade de regimes

O princípio da variedade de regimes previsto no parágrafo único do

artigo 1.640, do CC/02, confere aos nubentes a possibilidade de escolher de

um dos vários tipos de regimes de bens.

A lei coloca á disposição dos nubentes quatro modelos de regime de

bens. São eles:

Comunhão Parcial – previsto no art. 1.658, do CC/02, também denominado

como legal ou supletivo, é o regime que prevalece no silêncio dos consortes

em relação ao pacto antenupcial, ou, se o fizerem, for nulo ou ineficaz,

conforme art. 1640, caput. Caracteriza-se, ainda, por estabelecer a separação

dos bens adquiridos antes e na constância do casamento.

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Comunhão Universal - previsto no art. 1.667 do CC/02, é um regime

convencional que deve ser estipulado em pacto antenupcial, estabelecendo a

comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges. São

excluídas as hipóteses elencadas nos incisos do art. 1.668 do diploma legal ora

citado.

Participação final nos Aquestos – estabelece o art. 1.672 do CC “no regime de

participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio,

consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, á época da dissolução da

sociedade conjugal, direito a metade dos bens adquiridos pelo casal, a título

oneroso na constância do casamento". É o regime que deve ser estipulado em

pacto antenupcial, no qual, durante a constância do casamento, aplicam-se as

regras da separação total e na dissolução do matrimônio aplicam-se as regras

da comunhão parcial de bens. Por esta razão, é considerado um regime misto.

Separação obrigatória de bens – disposto no artigo 1.687, trata-se de regime

em que os bens permanecerão sob administração exclusiva de cada cônjuge

que, poderá alienar e gravar de ônus real.

Duas espécies são observadas: a) a convencional: aquela ajustadas pelas

partes; b) a legal ou obrigatória: aplicável às situações prevista no art. 1.641

do CC/02, não sendo necessário o pacto antenupcial, o qual tem por objetivo

regular as causas suspensivas da celebração do casamento e proteger os

menores de dezesseis anos, os maiores de sessenta anos e as pessoas que

necessitam de suprimento judicial.

Nesse sentido, afirma Maria Helena Diniz diz:

Parece-nos que a razão está com os que admitem a comunicabilidade dos bens futuros, no regime de separação obrigatória, desde que sejam produto do esforço comum do trabalho e economia de ambos, até o princípio de que os consortes se constitui uma sociedade de fato ou comunhão de interesses. (DINIZ, pg. 170)

2.2. Princípio da Livre Estipulação (Autonomia Privada)

Basicamente, é o ato de livre escolha dos cônjuges em relação ao

regime de bens a ser adotado em um casamento. Pode-se dizer que esse

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elemento nuclear tem como objetivo proporcionar aos nubentes a liberdade de

estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver antes do matrimônio, ou

seja, regulamentar os interesses econômicos decorrentes do ato nupcial,

conforme bem determina o art. 1.639 do CC/02. No entanto, esse princípio não

é absoluto, pois como condição de prevalência desse, não pode haver

convenção ou cláusula contrária à lei, sob pena de nulidade do pacto nupcial e,

consequentemente, a aplicação do regime legal de separação de bens; os

princípios de ordem pública, os fins e a natureza do matrimônio devem ser

respeitados. Sobre tal idéia, estabelece o art. 1.655 do novo diploma legal que

é nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta da

lei, o que, expressamente, acaba por relativizar a livre estipulação.

Vale dizer que, além desses quatro regimes legais, há a possibilidade de

os nubentes inovarem nesse sentido, melhor dizendo, podem preferir um

regime misto, o qual é oriundo da combinação desses, ou, até mesmo, eleger

um regime distinto exclusivo, não deixando de observar a lei. Em relação a

essa questão, diz João Andrades Carvalho:

Partindo da liberdade de escolha como caráter marcante do regime matrimonial de bens, podem os nubentes optar por regras próprias na organização desse regime. (...) E como todo o contrato que pretende eficácia no mundo jurídico, essa convenção antenupcial há que se amoldar a determinadas regras inscritas na lei. Quando a lei permite aos nubentes a estipulação "do que lhes aprouver", ela se assegura a reservatio mentalis de que essa liberdade tem uma dimensão jurídica, situada dentro do ordenamento legal vigente. Não se trata de uma liberdade sem limites, ou de um desmesurado direito de agir. Há um espaço legal que não pode ser invadido nem desrespeitado pelos nubentes. (Carvalho, 1996, p. 31) (livro: Regime de Bens. Editora Aide.)

Assim, nota-se vigorar no CC/02 a flexibilização do regime de bens entre

os cônjuges ou, como prefere Venosa, a plena liberdade para os interessados

na elaboração da escritura antenupcial, apenas encontrando obstáculos nas

normas de ordem pública.

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2.3. Princípio da Indivisibilidade

Trata-se de postulado por meio do qual se prega a impossibilidade de

fracionamento de regime em relação aos cônjuges. Neste sentido, o regime de

bens é uno, diante da isonomia constitucional entre o homem e a mulher.

Entretanto, como toda a regra apresenta exceção, esta não se faz diferente,

pois figuram como exceções a esse princípio disposto no artigo 1.572 §3º, do

CC/02 (separação remédio), cujos bens reverterão ao cônjuge enfermo, que

não pediu a separação, o remanescente dos bens que levou para o casamento,

bem como os efeitos do casamento putativo, quando um só dos cônjuges

estiver de boa-fé disposto no artigo 1.561,§1º, do CC/02.

2.4. Principio da Imutabilidade ou Irrevogabilidade

No Código Civil de 1916, estabelecia a irrevogabilidade ou

inalterabilidade do regime de bens, que devia perdurar enquanto subsistisse a

sociedade conjugal. Antes da celebração poderiam os nubentes alterar o pacto

antenupcial, para alterar o regime de bens, mas após o casamento, este

tornava-se imutável.

O regime de bens assentava, com efeito, em três razões principais: a) o

contrato de casamento, que era concebido com um pacto de família, inalterável

por vontade dos cônjuges; b) o propósito de evitar que a influência exercida por

um cônjuge sobre o outro pudesse provocar abuso dessa ascendência para

obtenção de alterações em seu benefício; c) a defesa de interesses de

terceiros.

Porém com o Código Civil de 2002, tal princípio que tem como primordial

função, evitar que um dos cônjuges abuse de sua ascendência para obter

alterações em seu beneficio, resguardando também os bens de terceiros

interessados que ficam protegidos contra mudanças nos regimes de bens,

deixou de ser absoluto, segundo o art. 1.639, § 2°, ou seja, que admite a

mutabilidade de regime de bens no curso do matrimônio, temática que será

abordada a seguir.

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2.4.1 A mutabilidade do Regime de Bens no Curso do Casamento

Antes do Código Civil de 2002, excepcionalmente, era autorizado a

mutabilidade do regime de bens, como sgue:

a) Art. 7º, §5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, (Decreto-Lei 4.657/42),

contempla a situação do estrangeiro que venha a se naturalizar brasileiro, na

entrega do decreto de naturalização optar pelo regime da comunhão parcial de

bens com a anuência do outro cônjuge.

b) Súmula 377 do STF que declarou que se comunicam os bens adquiridos na

constância do casamento celebrado sob o regime da separação legal de bens.

Permitiu o reconhecimento quanto à colaboração e o esforço comum dos

cônjuges.

O Código Civil/02 permitiu a alteração do regime de bens no curso do

casamento, § 2º, art. 1.639 afirmando que "é admissível alteração do regime de

bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os

cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados direitos

de terceiros". (grifo nosso)

Os requisitos necessários ao acolhimento do pedido de alteração de regime de

bens são:

a) autorização judicial;

b) pedido conjunto dos cônjuges;

c) exposição dos motivos;

d) comprovação, perante o juiz, da veracidade das razões;

e) ressalva dos direitos de terceiros.

Argumentos contrários aos requisitos exigidos para a alteração do regime de

bens:

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I. a escolha inicial pelos nubentes na ocasião da habilitação para o casamento

é extrajudicial (de lege ferenda) e não tem de ser motivada. O pedido de

alteração poderia ser procedido mediante procedimento extrajudicial, através

de escritura pública, ao modo do pacto antenupcial, no Juízo competente para

conhecer dos Registros Públicos, sendo homologado pelo Juiz, que

determinaria sua averbação no Livro competente, para garantir a eficácia de

todos os atos e obrigações assumidas anteriormente por um ou ambos os

cônjuges, observando a ressalva de direito de terceiros.

II. ao Estado não deve competir, também, a análise e o conhecimento dos fatos

que motivam o casal alterar o regime de bens que rege a comunhão de suas

vidas. Isso é assunto íntimo, privado e diz respeito apenas a vida daquela

família.

III. fere o princípio constitucional do não-intervencionismo (artigo 226,§7º da

CF/88), inserido na parte das disposições gerais do casamento, Título do

Direito Pessoal, norma de direito geral que deve ser observada, em prioridade,

pelos demais artigos que regulam tal matéria. Art. 1.513, CC/02, que determina

o seguinte: "é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir

na comunhão de vida instituída pela família". Assim, podemos afirmar que a

exigência de expor os motivos e comprovar a veracidade das razões está em

desacordo com a lei, porque vai de encontro ao princípio do não-

intervencionismo.

IV. fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana a exigência

de exposição dos motivos do pedido de alteração do casamento, pois fere os

direitos da personalidade ao não considerar os direitos e garantias

constitucionais da "intimidade" e "privacidade", art. 5º, inciso X, CF/88. A lei só

poderia exigir a declaração dos motivos numa relação personalíssima quando

imprescindível ao ato ou quando os motivos devam ou não influenciar ao

acolhimento do pedido.

2.4.2 A Mutabilidade do Regime de Bens na União Estável

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Por razões de ordem constitucional (Princípio da Isonomia), também deverá se

permitir alteração do regime de bens no curso da união estável, que deverá ser

procedido através de contrato escrito.

Relevante, nesse aspecto, é o fato de que, para alteração do regime de bens

na união estável, os companheiros não precisam cumprir todos aqueles

requisitos previstos no artigo 1.639, § 2º do CC/02.

Fazem a alteração, a qualquer tempo, e quantas vezes desejarem, mediante

contrato escrito. É assim que prevê o artigo 1.725, do CC/02.

Há doutrinadores que argumentam o seguinte: ou se impõe também para a

alteração do regime de bens na união estável o mesmo requisito exigido no

casamento (art. 1.639, § 2º do CC/02), ou não se aplique, ao casamento, a

exigência daqueles requisitos, permitindo-se, da mesma forma da união

estável, que a alteração de regime de bens seja feita através de contrato

escrito (no caso Escritura Pública registrada).

2.4.3 A Nova Regra da Mutabilidade do Código Civil de 2002 e o Regime

de Separação Obrigatória de Bens

Conforme estudado, verificam-se situações em que a lei determina de forma

compulsória, o regime de separação obrigatória de bens, previstas no artigo

1.641 do CC/02. No ponto de vista doutrinário, há quem entenda que, o pedido

de alteração de regime de bens não poderá contrariar a imposição do regime

previsto no artigo mencionado.

Por outro lado, acreditam a maioria dos juristas que satisfeita qualquer das

condições enumeradas nas causas suspensivas, não há como se obrigar,

legalmente, que os cônjuges permaneçam casados sob o regime de separação

legal de bens, se entenderem pela mudança.

Dessa forma seria licita a alteração de regime patrimonial de bens para aqueles

que se casaram com infração às causas suspensivas, desde que satisfeita,

posteriormente, a condição legalmente imposta.

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Portanto, as pessoas que se casaram por força de suprimento judicial (seja de

idade ou de consentimento), uma vez alcançada a idade núbil ou a maioridade

civil, entende-se que não há razão legal para impedir aos cônjuges a referida

alteração do regime de bens que fora imposto pela regra dos artigos 1.523 e

1.641 do CC/02.

A única situação onde a lei impõe o regime da separação obrigatória de bens

que não permite alteração, está disposta no artigo 1.641, II do CC/02 que trata

das pessoas maiores de 60 anos, que, com o passar do tempo, cada vez mais

se afasta do direito à liberdade de escolha.

O regime de separação de bens, por imposição legal, não mais se justifica no

direito brasileiro.

É importante ressaltar que, conforme entendimento sumulado (Súmula 377) do

Egrégio Supremo Tribunal Federal, comunicam-se todos os bens adquiridos na

constância do casamento celebrado sob o regime de separação obrigatória de

bens. Essa medida encontra respaldo, no principio geral de enriquecimento

sem causa de um cônjuge em detrimento do esforço laboral e patrimonial do

outro, após a separação.

A reflexão sobre o que ocorre com a Súmula 377 do STF é a seguinte: no

Brasil, não existe regime de separação obrigatória de bens, já que a declaração

de comunicabilidade dos bens na constância do casamento, através da Súmula

citada, transmuda o regime de separação para o regime de comunhão parcial

de bens.

O regime de separação "convencional" de bens – este sim escolhido

voluntariamente pelos nubentes - continua intocado, por refletir a vontade dos

interessados, e não do Estado.

Em face da súmula, em vigor, o STF resolveu não mais emprestar eficácia às

regras do regime de separação "legal" de bens. Pois, nas circunstâncias em

que a lei obriga o regime de separação de bens, a súmula 377 diz que o

patrimônio adquirido na constância da união se comunica.

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Portanto, em verdade, o regime patrimonial de bens que rege a vida daqueles

cônjuges é o de comunhão parcial de bens.

3. Administração e disponibilidade de bens

Entende-se por regime de bens o regramento das relações econômicas

entre os cônjuges. Silvio de Salvo Venosa diz que “regime de bens constitui a

modalidade de sistema jurídico que rege as relações patrimoniais derivadas no

casamento”. (VENOSA, Direito de Família. Pg.314). Assim, torna-se necessário

estabelecer as diretrizes que regerão a relação patrimonial dos nubentes.

Com o advento na nova Carta Magna do Estado, passou a vigorar um

ordenamento protecionista dos indivíduos e, assim, a igualdade entre esses

passou a ser um dos preceitos fundamentais da CF de 1988. Tal fato acabou

por abolir a idéia da sociedade paternalista que vigorava no seio da sociedade

brasileira antes do surgimento da nova Lei Maior, na qual os direitos e deveres

dos homens eram mais amplos que os das mulheres; aqui, o homem – marido

– tinha o dever de sustentar sua família. Dessa forma, consagrada a isonomia

entre os cônjuges no art. 226, §5º na atual Constituição, a família passou a ser

de responsabilidade da entidade conjugal, a qual, segundo Carlos Roberto

Gonçalves, é composta de uma comunidade de pessoas, incluindo os filhos,

que precisa atender à sua necessidade de subsistência com suas rendas e

com seus bens. (Carlos Roberto Gonçalves, pg. 140).

Na parte das disposições gerais, art. 1.642 a 1.652, percebe-se que o

CC/02 tratou, genericamente, da forma de administração dos bens, uma vez

cada regime possuir regras específicas de como os cônjuges devem lidar com

o patrimônio. Sendo assim, vale aqui comentar alguns dispositivos “genéricos”

em relação à disponibilidade e administração dos bens do casal. O art. 1.642 e

1.643 e incisos, expressamente, elencam os atos que podem ser praticados

por ambos os cônjuges independentemente da autorização de um desses ou

do regime nupcial estabelecido. Vale dizer que no caso de a dívida ser

contraída nas hipóteses do 1.643 e incisos obrigará solidariamente os

cônjuges, conforme determina o art. 1.644 do CC/02.

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No regime de comunhão parcial dos bens, o CC/02 é expresso em

relação aos quais bens participam no caso de dívidas; basicamente, pode-se

dizer que apenas o patrimônio comum é administrado por ambos os cônjuges e

o qual sempre responde pela divida contraída em beneficio da unidade familiar,

1.664 do CC. Ainda, nesse sentido, afirma Venosa que na comunhão parcial

existem três massas de bens: a do marido, a da mulher e a de ambos, sendo

que o ordenamento protege ao máximo o patrimônio de cada um. Diz o art.

1.658 do CC que nesse pacto comunicam-se os bens que sobrevierem ao

casal na constância do casamento, excluindo-se aqui o rol previsto no art.

1.659 do mesmo diploma legal ora citado. No que diz respeito à administração,

prevê o dispositivo 1.663 que compete a qualquer dos cônjuges a

administração dos bens comuns, sendo que esses juntamente com os bens

particulares do administrador responderão pelas dividas contraídas nessa

administração; porém se o outro cônjuge tiver obtido algum proveito nessa

dívida, os bens particulares desse responderão também, conforme

estabelecido no § 1° do último dispositivo citado. Já o § 2° do art. 1.663 veda a

omissão da outorga conjugal nos casos de cessão do uso ou gozo dos bens

comuns a título gratuito, sob pena de anulação do negócio. Além disso, como

forma de proteção patrimonial da sociedade conjugal, prevê o § 3° desse

mesmo artigo que o juiz poderá atribuir a administração apenas a um dos

cônjuges quando essa estiver sendo realizada de má forma pelo outro. Vale

ressaltar que os bens comuns não respondem no caso de divida ser contraída

no caso de administração dos bens particulares – 1.666 CC/02.

Na comunhão universal de bens a disponibilidade e a administração

ocorrem de maneira distinta em relação ao regime anterior aqui abordado.

Pode-se dizer que esse pacto traz uma idéia tradicional do casamento, idéia de

que ao se realizar o matrimônio, o patrimônio dos cônjuges passa a ser um só,

independentemente de quando foi adquirido. Tal pensamento, devido à

evolução da sociedade, não faz mais parte do contexto social atual.

Diz o art. 1.667 que o regime ora em questão importa a comunicação de

todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dividas passivas, com

exceção do art. 1668 do CC/02; a administração dos bens ocorre por ambos,

pois qualquer dos cônjuges tem a posse e a propriedade em comum, indivisa

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de todos os bens, móveis ou imóveis, cabendo a cada um deles a metade.

Percebe-se haver uma confusão entre os bens dos cônjuges, sendo que em

caso de dividas contraídas por qualquer um desses todo o patrimônio

responderá por essa, ressalvadas as exceções legais. Destaca-se, porém, o

art. 1671 que, expressamente, estabelece que, ao ser extinta a comunhão e

ser realizada a divisão de todo o patrimônio, cessa a responsabilidade de cada

um dos cônjuges em relação ao credor do outro, uma vez cada uma já estar

em posse da metade que era de direito.

O regime de participação final nos aquestos é um regime híbrido,

misto, no qual são aplicadas regras do regime de separação de bens

juntamente com a comunhão de aquestos, inovação trazida pelo CC/02.

Basicamente, a idéia que prevalece nesse pacto é que cada um dos cônjuges

possui patrimônio próprio, sendo que, no caso de dissolução, apenas a metade

dos bens adquiridos a titulo oneroso pelo casal na constância do casamento

será de direito do outro. Dessa forma, conforme bem estabelece o art. 1673, §

único do CC/02, ambos os cônjuges administram exclusivamente os bens que

lhes forem de direito, podendo, até mesmo, ocorrer a alienação desses se

forem móveis; devido ao fato de o patrimônio de uma das partes ser

independente em relação ao do outro, pode o casal administrar os bens

particulares de cada um da forma que julgar mais benéfica.

4. Atos que não podem ser praticados sem a anuência do outro cônjuge e

suprimento judicial

O Código Civil brasileiro elenca um conjunto de normas que versa sobre

o regime de bens dos cônjuges. Sendo especifico ao tratar dos atos os quais

nenhum dos consortes poderá praticar sem autorização do outro, salvo no

regime de separação absoluta de bens. Destaca-se o tratamento isonômico

ditado na Constituição Federal a respeito de tal tema.

Os cônjuges, como já mencionado, necessitam da anuência do outro

para praticar alguns atos, conforme previsão do art. 1.647 do CC ao tratar em

seus incisos de cinco situações diversas.

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O inciso I aduz que não pode um dos cônjuges sem estar devidamente

autorizado pelo outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. O

objetivo de tal exigência legal é assegurar os bens denominados de raiz, tendo

em vista serem estes a segurança da família e a garantia futura dos filhos.

Atenta-se que a expressão alienar compreende a venda, adoção, dação em

pagamento, doação e outras formas que possam ser inseridas neste contexto.

Observa-se que não há ausência de incapacidade, apenas de legitimidade,

pois estando esta suprida, os atos tornam-se legais e deste modo sofrem as

respectivas conseqüências.

Ademais, enquadra-se a mesma exigência à constituição de hipoteca e

ao pacto feito de forma irretratável e irrevogável da promessa de compra e

venda, tendo em vista que o promitente comprador, amparado pela legislação,

poderá requer judicialmente do promitente vendedor, no caso um dos cônjuges,

a adjudicação compulsória do bem, conforme elencado no art. 1.418 do Código

Civil de 2002.

Pleitear, como autor ou réu, acerca destes bens ou direitos também é

defeso ao consorte sem autorização, conforme art. 1.647, II do CC. Visto que,

caso seja prolatada sentença que o condene a perda do bem imóvel discutido

em juízo, o outro cônjuge tem o direito de manifestar-se durante a tramitação

deste litígio, com o objetivo de defender-se e reivindicar o que lhe parece justo.

Concepção ratificada pelo art. 10 do Código de Processo Civil ao mencionar

que: “o cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor

ações que versem sobre direitos reais imobiliários”.

Outra situação inserida ao rol do art. 1.647, III do CC é a prestação de

fiança ou aval. A introdução desta segunda hipótese foi uma inovação do

Código Civil de 2002, a fiança como já sabido é um meio de obstaculizar o

envolvimento dos bens do casal em favor de negócios de terceiros, e caso seja

prestada sem outorga uxória implicará a ineficácia total da garantia de acordo

com a Súmula 332 STJ.

Supondo que ocorra uma destas situações expostas e não haja a

anulação destes atos, é permitido ao cônjuge lesado, opor embargos de

terceiro buscando não a discussão do débito em questão, mas sim a exclusão

de sua meação em caso de penhora, com base no art. 1.046 § 3º do CPC,

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atendendo ao prazo do art. 1.048 CPC. Concepção afirmada pela Súmula 134

STJ a qual dispõem: “embora intimada da penhora em imóvel do casal, o

cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua

meação”. Além disso, deve-se atentar àquela máxima de que solidariedade não

se presume, para isso estão codificadas no Código Civil as hipóteses em que

não se faz necessária à apresentação de autorização (art. 1.643, I, II e art.

1.644 CC).

Por fim, dita o inciso IV que não é possível fazer doação quando esta

não for remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura

meação. Independente da quantia desta doação, deve-se aceitar um valor

pelos bens móveis, sendo dever apenas moral, podendo ocorrer sem anuência

do outro cônjuge. O propósito do parágrafo único é fazer perdurar aos filhos,

mesmo que estes constituam família ou que se estabeleçam por conta própria.

Se descumprido tal conteúdo do artigo em questão, é garantido pelo art. 1.642,

IV CC àquele consorte prejudicado demandar em juízo a rescisão do contrato

de doação.

A autorização conjugal (autorização marital ou outorga uxória) se dá por

meio de instrumento público, quando exigido, ou através de instrumento

particular conforme disposição do art. 220 CC/02. Cabendo ao juiz suprir tal

autorização quando há recusa por parte de um dos consortes sem motivo justo

ou lhe seja impossível a concessão – art. 1.648 CC.

Segundo a jurisprudência a recusa é justa nas seguintes situações:

quando o marido pretende alienar o único bem do casal, sem necessidade de

venda quando se trata da residência familiar; quando o marido deseja vender

imóvel por um preço muito baixo; em caso de separação de fato e a mulher não

conta com garantias do recebimento de sua meação; quando não há provas da

necessidade de alienação; e por fim quando o marido aliena o bem com intuito

de prover seu sustento e de sua concubina.

É legitimo ao consorte prejudicado intentar ação anulatória, passando o

direito aos seus herdeiros em caso de morte se exercido no prazo de dois anos

após este fato. Se anulado o negócio jurídico, é assegurado ao terceiro

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demandar em desfavor do cônjuge, ou herdeiro se for o caso. Importante

salientar que ação de regresso alcançará os bens particulares do cônjuge

culpado ou de sua meação, caso ultrapasse o limite desta e seja provado pelo

mesmo que o ato beneficiou o casal abarcará também a parte do outro

consorte.

Evidente a intenção do legislador em proteger os bens do casal tanto em

prol destes como em favor de seus filhos, prevendo entraves para dificultar a

ocorrência de casos em que seja preciso a intervenção do Estado para

solucionar estas espécies de demandas. Ademais, com essa proteção sequer

atender aos princípios constitucionais assegurados em nossa Carta Magna.

Esta posto!

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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