12 sermões de hugo de são vitor

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  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    OS MAIS BELOS SERMES DE

    HUGO DE SO VTOR

    (1096 - 11 fev. 1141)

    - traduzidos do original latino da obra`Sermones Centum'

    constante na Patrologia Latina de Mignevol. 177 pgs. 899-1210 -

    Texto disponvel para Download no site de

    Introduo ao Cristianismosegundo a obra de

    Santo Toms de Aquino e Hugo de S. Vitor

    http://www.cristianismo.org.brhttp://www.terravista.pt/Nazare/1946/http://www.accio.com.br/Nazare/1946/

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    NDICE

    Prlogo

    Sermo 4

    - Sobre a Natividade da Virgem Maria.

    Sermo 23

    - Aos Sacerdotes reunidos em Snodo.

    Sermo 39

    - Sobre a Cidade Santa de Jerusalm, segundo o sentido moral.

    Sermo 56

    - Sobre a Alma Obediente, segundo a histria do Livro de Rute.

    Sermo 57

    - Sobre os Prelados e os Doutores da Igreja, segundo o mesmo

    Livro de Rute.

    Sermo 60

    - Sobre todos os Santos.

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    Sermo 61

    - Sobre a Obra dos Seis Dias.

    Sermo 70

    - Sobre o dia de Pentecostes.

    Sermo 84

    - Sobre a perfeio e as alegrias da Igreja militante e triunfante,por ocasio da festa de Santo Agostinho.

    Sermo 88

    - Sobre o Mandamento do Amor.

    Sermo 95- Sobre a Mesa da Proposio descrita em xodo, em louvor das Sagradas Escrituras.

    Sermo 100

    - Por ocasio da festa da Santa Cruz.

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    Hugo de So Vitor

    SERMONES CENTUM

    Prlogo

    Irmos carssimos, a Escritura nos testemunha que a palavra de Deus

    "lmpada para os nossos passos e luz para os nossos caminhos".

    Salmo 118, 105

    Devemos, pois, entregar-nos todos ao estudo das Sagradas Escrituras por todos os meios que nosforem possveis, pela leitura, pela meditao, pela escuta, pelo ensino e pela escrita, e istoprincipalmente ns, que somos companheiros de claustro, que renunciamos ao tumulto dosnegcios e para c viemos para atender apenas tranqilidade da contemplao. De sua virtude abem aventurada Maria, irm de Marta, nos oferece um exemplo muitssimo evidente, pois dela,sentada aos ps do Senhor com os ouvidos atentos, bem diversamente de sua irm muito ocupadacom uma diversidade de afazeres, lemos que, em sua sede pelas palavras que lhe dizia, o prprio

    Senhor foi testemunha de haver escolhido a melhor parte, exemplo louvvel e admirvel devirtude que muitos desprezam. Entre estes encontramos alguns que em outro tempo foramcapazes de compreender a alegria que emana das Escrituras por um entendimento que lhes haviasido dado doCu;no entanto, agora ouvimos terem cado em uma tal enormidade de vcios eimundcie de costumes que as suas almas desgostaram-se da Palavra de Deus a ponto deabominar este alimento espiritual, aproximando-se assim das portas da morte. Estes devem serconsiderados hoje mais como estando entre os Egpcios do que entre os Israelitas, e mais entre oscidados de Babilnia do que entre os de Jerusalm. Vemos, porm, a outros que, pelo empenhode seu estudo, com o auxlio da graa de Cristo, abandonaram uma vida de depravao ealcanaram tanta bondade na virtude e to grande honestidade nos costumes que em sua luzpodemos conhecer mais claramente ter sido realizado o que estava escrito na Salmo:

    "Enviou o Senhor a sua Palavra,e os curou,

    e os livrou de sua runa".

    Salmo 106, 20

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    Que todos ns, portanto, sejamos exortados ao estudo da Palavra de Deus. Sejam exortadostambm, aqueles que a conhecem mais profundamente, ao seu ensino. Aqueles que a conhecemmenos sejam exortados sua escuta, mas que em todos ns se verifique o que havia sidoprofetizado por Isaas, quando disse:

    "Ser varejada a oliveira,e ficaro umas poucas azeitonas,

    e alguns rabiscos.Estes, porm, levantaro a sua voz,

    e cantaro louvores.Por isto,

    glorificai ao Senhorem sua doutrina".

    Is. 24, 13-15

    Em outra ocasio j tive a oportunidade de reunir para vs alguns dos ensinamentos queflorescem no verdejante campo das divinas escrituras. Nos sermes que se seguem desejo agorapropor-vos algo atravs do que possais exercitar o vosso entendimento. Deveis, porm, saber queno devemos entregar-nos em todo o nosso tempo apenas ao estudo, pois, segundo Salomo,

    "Todas as coisas tem o seu tempo,e todas elas passam debaixo do cu

    segundo o termo

    que a cada uma foi prescrito".

    Ec. 3,1

    H, portanto, um tempo para estudar, e h um tempo para meditar. H um tempo para investigar averdade para que se enriquea o entendimento, h um tempo para exercitar a virtude para sanar osnossos afetos, e h tambm um tempo para praticar a boa obra para que se auxilie o prximo. Hum tempo para orar e um tempo para cantar, h um tempo para assistir ao ofcio divino e umtempo para dedicarmos a qualquer outra coisa necessria. De todas estas coisas, como uma abelhaque retira o seu mel de flores diversas, devemos colher para ns a doura de uma suavidade

    interior, para que possamos consumar, atravs de uma vida santa, o favo de uma melflua justia.

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    SERMO IV

    Sobre a Natividade daVirgem Maria

    "Ave, Estrela do Mar"

    Irmos carssimos, o mundo presente um mar. semelhana do mar, ele fede,incha, falso e instvel. Fede pela luxria, incha pelo orgulho, instvel pela curiosidade. Faz-senecessrio, pois, irmos carssimos, possuir um navio e as coisas que pertencem ao navio sequisermos atravessar sem perigo um mar to perigoso. Importa que tenhamos um navio, ummastro, uma vela e duas traves entre as quais se estende a vela, uma trave superior e uma traveinferior, assim como um sinalizador ao alto pelo qual possamos avaliar a direo do vento.Devemos possuir cordas, remos, leme, ncora e a comida que nos for necessria. Tenhamostambm uma rede, com a qual possamos pescar algum peixe. Vejamos, porm, o que todas estascoisas significam.

    O navio significa a f, que em Abrao teve incio como em sua primeira tbua.

    Com Isaac e Jac o navio aumentou consideravelmente. Depois deles o navio passou a crescercom a propagao das dez tribos. Quanto maior o nmero dos que criam, tanto mais se dilatava onavio da f. Mais ainda se dilatou em seguida, aps a passagem do Mar Vermelho, recebendo osfilhos de Israel a Lei de Deus e multiplicando-se na terra prometida. Vindo depois Cristo epadecendo pelo gnero humano, ouviu-se em toda a terra o som da pregao apostlica, e estenavio muito se dilatou com a multido dos povos que nele entravam. No tempo do Anti Cristo,esfriando-se a caridade de muitos, excluir-se-o os falsos fiis e o navio ser acabado na sua partesuperior e mais estreita. E assim como em Ado foi colocada na proa a primeira tbua da f,assim o ltimo justo ser na popa a sua ltima tbua.

    Certamente todos aqueles que, desde o incio, atravessaram proveitosamente omar do tempo presente, todos aqueles que escaparam de seus perigos, todos os que alcanaram oporto da salvao, todos eles navegaram no navio da f, e foi por ele que realizaram a travessia.

    Pela f Abel ofereceu a Deus uma hstia mais agradvel do que Caim, pela qualobteve o testemunho de sua justia e pela qual, j falecido, ainda falava. Pela f Henoc agradou aDeus, e foi transladado. Pela f No construu uma arca para a salvao de sua casa. Pela f, aoser chamado, Abrao obedeceu dirigir-se ao lugar que lhe haveria de ser dado. Pela f Sara, aestril, recebeu a capacidade de conceber. Pela f Isaac abenoou cada um de seus filhos. Pela f

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    Jos, ao morrer, lembrou-se do retorno dos filhos de Israel terra prometido, e lhes ordenou paral transportarem os seus ossos. Pela f Moiss foi escondido ao nascer. Pela f negou ser filho dafilha do Fara. Pela f celebrou a Pscoa. Pela f os filhos de Israel atravessaram o MarVermelho. Pela f se derrubaram os muros de Jeric. E que mais ainda direi? O dia no sersuficiente para falar dos santos da antiguidade que pela f venceram reinos, operaram a justia,

    alcanaram as promessas. Destes alguns fecharam as bocas dos lees, como Daniel. Outrosextingiram o mpeto do fogo, como os trsjovens;outros convalesceram de sua enfermidade,como J eEzequias;tornaram-se fortes na guerra, como Josu e Judas Macabeu;por meio deElias e Eliseu algumas mulheres receberam de volta seus falecidos que ressuscitaram. Outrosforam cortados, no aceitando serem livrados da morte temporal em troca da transgresso da Lei,como os sete irmos cujo martrio lemos no Segundo Livro dos Macabeus. Outros foramapedrejados como Jeremias no Egito e Ezequiel na Babilnia; foram cortados, como Isaas;mortos pela espada, como Urias e Josias, ou andaram errantes, como Elias e outros eremitas(Heb. 11, 4-38). E todos estes, e muitos outros, atravessaram pela f os perigos do mundopresente, e foram encontrados provados pelo testemunho da f.

    As tbuas deste navio so as sentenas das Sagradas Escrituras, e para suafabricao algumas destas tbuas nos so trazidas pelo Velho Testamento e outras pelo Novo. Ospregos, pelos quais se unem estas tbuas, isto , pelos quais se unem estas sentenas, so osescritos dos santos, pelos quais so colocadas em concordncia as coisas contidas em ambos ostestamentos. Estas tbuas so cortadas pelo estudo e aplainadas pela meditao.

    O mastro, que se dirige para o alto, significa a esperana, pela qual nos erguemos busca e ao conhecimento das coisas celestes, conforme est escrito:

    "Buscai as coisas do alto,no vos interesseis pelas terrenas,

    pensai nas coisas do alto,onde Cristo est sentado

    direita de Deus Pai".

    Col. 3, 1-3

    A vela a caridade, que se estende para a frente, para a direita e para a esquerda.Estende-se para a frente pelo desejo das coisasfuturas;para a direita pelo amor dos amigos, paraa esquerda pelo amor dos inimigos. As duas traves superior e inferior significam a rezo e asensualidade; a superior a razo, e a inferior a sensualidade. A caridade deve firmar-sesuperiormente pela razo, na qual deve permanecer imovelmente presa; inferiormente, porm,deve ficar presa mas movendo-se, pois por ela deve exercitar-se na boa obra. assim que feitono navio material, porque a trave superior no se move, mas sim a trave inferior.

    O sinalizador superior do vento significa o discernimento dos espritos. Para istoo sinalizador, ou o que quer que o substitua, colocado sobre o mastro, para que atravs dele se

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    distinga o vento ou a direo de onde ele sopra. Deste sinalizador, isto , do discernimento dosespritos, foi escrito:

    "Examinai os espritos,

    para ver se so de Deus".

    I Jo. 4, 1

    E tambm:

    "A outro dado o discernimento dos espritos".

    I Cor 12, 10

    As cordas so as virtudes, a humildade, a pacincia, a compaixo, a modstia, a castidade, acontinncia, a constncia, a mansido, a bondade, a prudncia, a fortaleza, a justia, atemperana. Estas cordas, isto , as virtudes, devem pelo seu exerccio ser sempre estendidas paraque por elas possa firmar-se o mastro da nossa esperana. De fato, no h mastro da esperanaque possa manter-se firme se estiver ausente o exerccio das virtudes.

    Seguem-se os remos, que saem do navio e mergulham nas guas, os quaissignificam as boas obras, que procedem da f e se estendem s guas, isto , aos prximos. Asguas so os povos, que tem suas origens pelo nascimento, fluem pela mortalidade, e refluem pela

    morte. Devemos, porm, ter estes remos no apenas direita, para que no faamos o bem apenasqueles que nos fazem o bem, mas tambm esquerda, para que faamos o bem queles que nosfazem o mal, conforme est escrito:

    "Fazei bem aos que vos odeiam".

    Mt. 5, 44

    E tambm:

    "Se o teu inimigo tem fome,d-lhe de comer;

    se tem sede, d-lhe de beber".

    Rom. 12, 20O leme, pelo qual se dirige o navio, significa o discernimento pelo qual somos conduzidos emfrente, de modo que no nos dissipemos direita pela prosperidade, nem sucumbamos esquerdapela adversidade. A nossa ncora a humildade, que lanada para baixo e pela qual nosso navio

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    se estabiliza, para que no ocorra que, soprando o vento das sugestes diablicas e agitando-se omar de nossos pensamentos nosso navio se rompa e afunde nas profundezas. O navio de nossa fdeve, portanto, tornar-se firme e estvel pela humildade, para que no tempo da tentao emborano possa se entregar a um livre curso, possa permanecer firme em seu lugar.

    Devemos ter nosso alimento pelo estudo das Escrituras. Os maus no apetecemeste manjar, conforme est escrito:

    "Sua alma aborrecia todo alimento,e chegaram s portas da morte".

    Salmo 106, 18

    Ele dado aos bons, conforme est escrito:

    "Enviou a sua palavra para cur-los,para livr-los da runa".

    Salmo 106, 20

    A rede significa a pregao. Devemos utiliz-la sem cessar, para poder com ela pescar os homenssubmersos nas ondas do mundo presente e, retirando-lhes as escamas dos pecados, prepar-lospara Nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos tambm, conforme o costume dos marinheiros, cantar

    as canes do mar pela modulao do louvor divino, conforme nos diz o Salmista:

    "Bendirei o Senhor em todo o tempo,o seu louvor estar sempre na minha boca".

    Salmo 33, 1

    Depois de tudo isto, porm, ainda ser necessrio para ns a ao do vento, que significa ainspirao do Esprito Santo, para que por ela nos dirijamos ao porto da tranqilidade, ao mdicoda salvao, terra prometida, casa da eternidade. O Senhor nos dar o vento pela inspirao deseu Esprito, conforme est escrito:

    "Toda ddiva excelentee todo dom perfeito

    vem do altoe desce do Pai das luzes".

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    Tiago 1, 17

    As luzes so osdons;o Pai das luzes o autor, o doador e o distribuidor destes dons. O dom

    perfeito significa os dons da graa. Ele, que nos deu os demais bens, seja os que nos vem pelanatureza, seja os que nos so dados pela graa, nos dar tambm o vento favorvel, isto , oEsprito Santo.

    Para que, porm, irmos carssimos, possamos atravessar este mar com proveito,saudemos freqentissimamente a Estrela do Mar, isto , a bem aventurada Maria, e invoquemo-lasaudando-a dizendo:

    "Ave, Estrela do Mar".

    Segundo o costume dos marinheiros, ergamos sempre nossas preces bem aventurada Maria,assim como ao seu Filho. Seja ela para ns uma me espiritual, por meio de Jesus, fruto de seuventre, o qual, nascido dela e por ns entregue, Deus, e reina feliz, pela vastido dos sculosque ho de vir. Amn.

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    SERMO XXIII

    Aos Sacerdotes reunidosem Snodo.

    "Ide, anjos velozes,a uma gente desolada e dilacerada,

    a um povo terrvel,aps o qual no h outro,

    uma gente que espera e pisada,cujos rios destroaram sua terra".

    Is. 18, 2

    Eis, irmos carssimos, o divino ofcio que nos foi confiado. Eis o cuidado, asolicitude e o trabalho dos sacerdotes. Eis a piedosa, mas perigosa responsabilidade que lhes foiimposta:

    "Ide, anjos velozes".

    A palavra proftica, ou melhor, a palavra divina, nos admoesta nesta passagem que nodesprezemos o ministrio que nos foi divinamente confiado, nem que abandonemos esta santaresponsabilidade, para que no ocorra que os homens, formados imagem e semelhana de Deus,redimidos pelo precioso sangue de Cristo, por nossa negligncia deslizem para a condenaoeterna por suas culpas temporais. E que no venha a ocorrer que no somente neles se encontre opecado por causa de seus prprios delitos, mas que tambm em ns, alm dos nossos prprios, seacrescentem os pecados alheios. Haveremos, efetivamente, de dar conta no somente de ns, mastambm das almas que nos tiverem sido confiadas, a no ser que lhes tivermos anunciado

    insistentemente a palavra da salvao.

    Ouamos, pois, mais atentamente o que nos divinamente ensinado:

    "Ide, anjos velozes,a uma gente desolada".

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    Os sacerdotes so anjos, como se depreende de uma passagem da Escritura em que se afirma que

    "Os lbios do sacerdote so os guardas da sabedoria,e pela sua boca se h de buscar a lei,

    porque ele o anjo do Senhor dos exrcitos".

    Mal. 2, 7

    Se somos, portanto, sacerdotes do Senhor, tambm somos, pelo mesmo ofcio, seus anjos, isto ,seus mensageiros, e devemos anunciar ao povo as coisas que so de Deus.

    "Ide, anjos velozes, a uma gente desolada".

    Demonstra-se de dois modos que a natureza humana provm de Deus e que nEle possui suasrazes, conforme j o dissemos em outro lugar. Primeiramente, por ter sido criada imagem deDeus, na medida em que pode conhecer averdade;depois, por ter sido criada Sua semelhana,na medida em que pode amar o bem. Segundo estes dois modos pode ser reconhecida como unidaa Deus no apenas a criatura humana, como tambm a anglica, na medida em que peloconhecimento contempla a Sua sabedoria e pelo amor frui de Sua felicidade. Por estes doismodos evita o mal, pois pelo conhecimento da verdade que possui desde a origem na divinaimagem que lhe foi enxertada repele o erro e pelo amor da virtude que possui na semelhanadivina odeia a iniquidade. Pela sugesto diablica, porm, entrando a ignorncia na naturezahumana, e desarraigou-se no homem a raiz do conhecimento divino; sobrevindo tambm a

    concupiscncia, arrancou-se a planta do amor.

    Qualquer gente mpia, portanto, afastada pela culpa dos bens divinos e celestes,plantada primeiramente no bem pelos dois bens precedentes, sobrevindo-lhe os dois malesseguintes corretamente apresentada e chamada de desolada do bem:

    "Ide, anjos velozes,a uma gente desolada".

    E, deve-se notar, a palavra divina no diz apenas desolada, como tambm acrescenta "dilacerada",desolada por ter sido afastada do bem, dilacerada por ter mergulhado no mal. A natureza humana,efetivamente, depois que afastada do bem, imediatamente e de mltiplas maneiras dilaceradapelo mal, conduzida por diversos vcios e pecados condenao. Alguns pelo orgulho, outrospela inveja, outros pela ira, outros pela acdia, outros pela avareza, outros pela gula, outros pelaluxria, outros pela usura, outros pela rapina, outros pelo furto, outros pelo falso testemunho,outros pelo perjrio, outros pelo homicdio, outros contemplando a mulher para desej-la, outros

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    chamando `louco'a seu irmo, e por tantos outros vcios ou pecados, interiores e exteriores, osquais pela brevidade do presente no queremos nem podemos enumerar.

    "Ide", portanto,

    "anjos velozes,a uma gente desolada e dilacerada",

    para que, pelo vosso ensino, torneis a unir o que foi dilacerado pelo mal, e replanteis o que foidesenraizado do bem. "Ide, anjos", ide "velozes", ide

    "a uma gente desolada e dilacerada,a um povo terrvel,

    aps o qual no h outro".

    Todas as vezes, irmos carssimos, que o homem pela justia conserva a nobreza, a elegncia e abeleza de sua condio, verificamo-lo possuir uma aparncia formosa. Quando, porm, pela culpamancha em si mesmo o decoro da beleza, encontramo-lo imediatamente deforme e horrvel,dessemelhante de Deus, tornado semelhante ao demnio.

    E ento? Nos dias de domingo e nas solenidades festivas o povo confiado aosvossos cuidados aflui igreja, ajusta sua forma corporal, reveste-se com roupas maisornamentadas e tingidas de diversas cores. Vs, talvez, contemplando homens e mulherestrajados de modo to fulgurante, vos gloriareis de terdes tais sditos e de serdes seus prelados.

    No boa, porm, esta vossa glria se nisto que vos gloriais e se o povo a vs confiado forencontrado desolado e afastado do bem, dilacerado pelo mal e terrvel pelos diversos vcios epecados. Prestai diligentemente ateno em suas vidas, considerai seus costumes, julgai a suabeleza segundo as coisas que pertencem ao homem interior e no segundo as que pertencem aoexterior, enrubescei e compadecei-vos deste povo que vosso sdito, se tal o virdes como aquiouvis, isto ,

    "uma gente desolada e dilacerada,um povo terrvel,

    aps o qual no h outro",

    porque talvez vossa seja a culpa, vossa a negligncia, vossa a preguia, por ele ser tal porque nolhe anunciastes os seus pecados e as suas impiedades.

    "Ide", portanto,"anjos velozes,

    a uma gente desolada e dilacerada,

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    a um povo terrvel,aps o qual no h outro".

    "Ide, anjos", porque o vosso ofcio. "Ide, velozes", para que a vossa demora no cause perigo.

    "Ide a uma gente desolada e dilacerada,a um povo terrvel,

    aps o qual no h outro",

    para que pelo vosso ensino se alcance o remdio:

    "No queirais sentar-vos

    no conselho da vaidade,nem associar-voscom os que planejam a iniquidade.Odiai a sociedade dos malfeitores,

    e no queirais sentar-vos com os mpios".

    Salmo 25, 4-5

    Algum de vs poder pensar silenciosa ou mesmo responder abertamente, dizendo:

    "Tu nos probes,pelo exemplo que nos colocas do Salmista,

    de nos dirigirmos a estes,mas a estes que o Senhor nos encaminha

    quando nos diz:`Ide, anjos velozes,

    a uma gente desolada e dilacerada,a um povo terrvel,

    aps o qual no h outro'".

    Entendei, porm, que onde o Senhor diz: "Ide, anjos velozes, a uma gente desolada e dilacerada,a um povo terrvel, aps o qual no h outro", Ele vos impe aqui um ofcio, e vos d o preceitode ensinar aos mpios; ali, porm, onde dissemos: "No queirais sentar-vos no conselho davaidade, nem associar-vos com os que planejam a iniquidade; odiai a sociedade dosmalfeitores, e no queirais sentar-vos com os mpios", aqui, digo, vos continuamente negada apermisso para pecar com os mpios.

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    "Ide", portanto, "anjos", para ensinar; no queirais ir para pecar. "Ide a um povoterrvel", para que pela palavra da salvao o torneis de formosa aparncia;no queirais ir, paraque pela deformidade de seu pecado vos torneis a vs mesmos semelhantes a eles. Cristo comeucom os pecadores para associ-los consigo mesmo no bem, mas no comeu com eles para que seassociasse com eles no mal. "Assim como Cristo o fz, assim fazei-o vs tambm;assim como

    Ele no fz, assim no o queirais vs fazer".

    "Ide, anjos velozes".

    Quo velozes? To velozes que "pelo caminho no saudeis a ningum"(Luc. 10, 4), e, "se algumvos saudar",

    "no lhe respondais".

    2 Reis 4, 29

    No que a salvao no deva ser anunciada atodos;por estas palavras o Esprito Santo quer dar aentender quo velozes e pressurosos importa que sejam os sacerdotes no anncio da salvao,como se dissesse:

    "Prega a palavra,insiste a tempo e fora de tempo,

    repreende, suplica,admoesta com toda a pacincia e doutrina",

    2 Tim. 4, 2

    e

    "no queirais adiar a palavra dia aps dia,de domingo a domingo,

    de solenidade a solenidade,mas que, ao menos nos domingos

    e nas solenidades festivasno vos seja suficiente celebrar somente as missaspara o povo reunido na igreja segundo o costume.

    No seja suficiente para o homem apostlicoe para cada uma das ordensfazer um discurso genrico

    ou anunciar a festa da semana seguinte.Antes, castigai o povo sobre o mal,

    ensinai-o e formai-o no bem,

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    declarai-lhes a pena que h de vir sobre os pecadorese a glria reservada aos justos".

    "Ide, anjos; ide velozes". Se adiais de domingo a domingo pregar ao povo a palavra da salvao,

    quem saber dizer se ento estareis vivos, sos ou presentes? E ainda que ocorra que estejaisvivos, sos ou presentes, quem saber se algum que antes estava presente estar ento ausente eno mais ouvindo o bom conselho para a sua alma, surpreendido por uma morte inesperada esbita, seja arrebatado para a pena eterna sem se ter lavado da sua culpa? Porventura de vossasmos Deus no pedir com justia contas do sangue deste homem?

    "Ide", pois,"anjos velozes,

    a uma gente desolada e dilacerada,a um povo terrvel,

    aps o qual no h outro",

    O que significa: `Depois do qual no h outro'? Porventura depois deste povo no haver maisde nascer ou de viver quem faa o bem ou quem faa o mal? Certamente que no. O quesignifica, ento, o `aps o qual no haver outro'? Significa que no haver, diante do supremojuiz, ningum pior, mais torpe pela culpa, mais terrvel do que este. Trs so os povos: o cristo, ojudeu, e o pago. Aqueles que no povo cristo so cristos segundo o nome, mas que pelainjustia servem ao demnio, so mais terrveis que os judeus ou os pagos, j que so piores pelainiquidade. De fato, quanto mais facilmente, ajudados pela graa, se quiserem, podempermanecer na justia, tanto mais gravemente ofendem no querendo abster-se da culpa. Aquele a

    quem mais foi confiado, mais lhe ser exigido. Quanto mais alto for o degrau, tanto maior ser aqueda, e mais pecou o demnio no cu, do que o homem no paraso. Conforme no-lo ensina aEscritura,

    "Aquele servo,que conheceu a vontade de seu Senhor,

    e no se preparou,e no precedeu conforme a sua vontade,

    levar muitos aoites.O servo, porm, que no a conheceu,

    e fz coisas dignas de castigo,levar poucos aoites".

    Luc. 12, 47-8

    Assim como no-lo manifestado por esta sentena, assim tambm o Senhor repreendeu ascidades em que havia feito vrios prodgios, pelo fato de no haverem feito penitncia, dizendo:

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    "Ai de ti, Corozaim!Ai de ti, Betsaida!

    Porque, se em Tiro e em Sidniativessem sido feitos os milagres

    que se realizaram em vs,h muito tempo eles teriam feito penitnciaem cilcio e em cinza.

    Por isso eu vos digo que haver menor rigorpara Tiro e Sidnia no dia do Juzo

    do que para vs.E tu, Cafarnaum,

    elevar-te-s porventura at o cu?No, hs de ser abatida at o inferno.

    Se em Sodoma tivessem sido feitosos milagres que se fizeram em ti,

    ainda hoje existiria.Por isso vos digo que no dia do Juzohaver menos rigor para a terra de Sodoma que para ti".

    Mat. 11, 21-24

    Deste mesmo modo pode-se repreender tambm este povo de falsos cristos, depravado pordiversas impiedades, feito terrvel, distante da divina semelhana da qual se afastou segundo a suainiquidade:

    "Ai de ti, povo inquo,povo mentiroso, povo apstata,

    que pela tua m vida conculcas o Filho de Deus,que manchaste o sangue do Testamento

    em que foste santificadoe fazes injria ao Esprito da graa!

    Melhor seria para estes`no conhecer o caminho da justia do que,

    depois de o terem conhecido,tornarem para trs daquele mandamento

    que lhes foi dado.De fato realizou-se neles aquele provrbio verdadeiro:

    `Voltou o co para o seu vmitoe a porca lavada tornou a revolver-se no lamaal''(2 Pe. 2, 21-22)".

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  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    Como no vemos, portanto, que este povo no poder ser pior do que si mesmo e que nenhumoutro povo mau haver de vir depois dele? Neste o peso dos males manifestado pela palavraproftica j parece ter-se espalhado, pelo que se diz:

    "Ai de vs, os que ao mal chamais bem,e ao bem mal,que tomais as trevas por luz,

    e a luz por trevas,que tendes o amargo por doce,

    e o doce por amargo!

    Ai de vs, os que sois sbios a vossos olhos e,segundo vs mesmos, prudentes!

    Ai de vs os que sois poderosos por beber vinho,

    e fortes para fazer misturas inebriantes!Vs os que justificais o mpio pelas ddivas,e ao justo tirais o seu direito!".

    Is. 5, 20-23

    De todas estas coisas, irmo carssimos, h muito mais que poderia ser dito, as quais temos queomit-las por causa da brevidade.

    "Ide, anjos velozes,a um povo terrvel,

    aps o qual no h outro,a uma gente que espera e pisada".

    O que ela espera? A vossa palavra, o vosso exemplo, o vosso amparo e, pela vossa solicitude epelo vosso servio, o auxlio e o dom divino. Espera a vossa palavra, para que possa aprender;ovosso exemplo, para que dele receba aforma;o vosso amparo, para que sejadefendido;por vossasolicitude e servio, o auxlio e o dom divino para que possa ser libertado do mal e justificado nobem.

    "E pisada".

    Quem a pisou? Todos os demnios, que continuamente dizem sua alma: "Curva-te, para quepassemos por ti". De fato, os maus, os que desprezam as coisas celestes, e se curvam para asterrenas, oferecem aos demnios o caminho para serem por eles pisados e atravessados.

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    Segue-se:

    "Cujos rios destroaram sua terra".

    Quem so estes rios que destroam a terra dos que vivem mal? Onde os vcios fluem comimpetuosidade, carregam consigo os maus aos tormentos. O que a destruio da terra, seno adissipao de qualquer virtude? Os rios, portanto, destroam a terra dos maus quando os vcioslhes removem as virtudes. A soberba, de fato, remove a humildade, a ira remove a paz, a inveja acaridade, a acdia a exultao espiritual, a avareza a liberalidade, a luxria a continncia.

    "Ide, anjos velozes,a uma gente desolada e dilacerada,

    a um povo terrvel,

    aps o qual no h outro,uma gente que espera e pisada,cujos rios destroaram sua terra".

    "Naquele tempo", acrescenta logo em seguida Isaas,

    "ser levada uma oferta ao Senhor dos exrcitospor um povo desolado e dilacerado,

    por um povo terrvel, aps o qual no houve outro,

    por uma gente que espera e pisada,cujos rios destroaram a sua terra".

    Is. 18, 7

    De que tempo nos fala o profeta? Daquele tempo em que tiverdes ido a este povo ao qual soisenviados e, pelo vosso ensino, o tiverdes curado dos males que j mencionamos. Que oferta entoser levada ao Senhor? Uma oferta de gratido, um holocausto entranhado e medular, um votointerior, que ser levado ao lugar do nome do Senhor, ao monte Sio, isto , Santa Igreja.

    Ide, pois, anjos velozes, e ensinai ao povo terrvel, cumpri o vosso ministrio. Seassim o fizerdes, alcanareis para vs um bom lugar. Que a vs e a ns conceda esta graa aqueleque nos promete tambm a glria, Jesus Cristo, Nosso Senhor, o qual vive e reina, por todos ossculos dos sculos.

    Amn.

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  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    SERMO XXXIX

    Sobre a Cidade Santa deJerusalm, segundo

    o sentido moral.

    "Jerusalm, cidade santa,

    e cidade do Santo".

    Apoc. 21, 2Is. 52, 1

    Jerusalm, segundo o sentido histrico, a cidade terrena; segundo o sentidoalegrico, a santaIgreja;segundo o sentido moral, a vidaespiritual;segundo o sentido anaggico,a ptria celeste. Deixando de lado os outros sentidos, exporemos a seguir o que diz respeito aosentido moral, esforando-nos para que, com sua descrio, possamos edificar os bons costumes.

    Assim como Babilnia, isto , a vida mundana, tem as suas vias e as demaiscoisas que j descrevemos, assim tambm a santa Jerusalm, que a vida espiritual, possui adisposio de sua edificao no bem. Possui, a saber, o seu muro, as suas vias, os seus edifcios,as suas portas. Um muro exterior circunda-a em toda a sua volta, pelo qual protegida por umarigorosa, contnua e perfeita disciplina de bons costumes. Em seu interior possui sete vias nas setevirtudes contrrias aos sete vcios que j descrevemos quando falamos de Babilnia. Na vidasanta e espiritual encontramos, de fato, a humildade, que contrria soberba;a caridade, que contrria inveja;a paz, que contrria ira;a alegria espiritual, que contrria acdia;aliberalidade, que contrria avareza;a abstinncia, que contrria gula;a continncia, que contrria luxria. No ser tambm intil descrever as partes destas vias, tanto as que esto de

    um lado como as que esto de outro.

    Na primeira via da santa cidade, que dissemos ser a humildade, encontra-se deum lado aquela humildade que o homem possui e que exibe interiormente apenas a Deus emsegredo, e de outro aquela humildade que o homem possui e exibe exteriormente e de modomanifesto ao prximo por causa de Deus. O Senhor nos mostra o bom fruto desta virtude ou viaquando nos diz:

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    "Todo aquele que se humilhaser exaltado".

    Luc. 14, 11

    Quanto mais, de fato, algum por causa de Deus se humilha no presente, tanto mais sublime serjunto de Deus no futuro.

    A segunda via a caridade, na qual de uma parte encontra-se o amor de Deus, ede outra o amor do prximo. De um lado, com efeito, -nos preceituado que amemos a Deus comtodo o corao, com toda a alma, com todas as foras e com toda a memria;e de outro -nospreceituado amar o prximo como a ns mesmos. O Senhor nos mostra por si mesmo qual e quobom o fruto da caridade, onde nos diz que

    "Destes dois mandamentosdepende toda a Lei e os profetas".

    Mat. 22, 40

    daqui tambm que procede o que nos diz o Apstolo:

    "A plenitude da Lei o amor".

    Rom. 13, 10

    A terceira via da Jerusalm espiritual a paz. Num dos lados desta via encontra-se a concrdia interior com Deus, no outro a concrdia exterior com o prximo. O Senhor nospreceitua que habitemos em ambas e que esta via esteja no meio de ns quando nos diz:

    "Tende sal em vs,e tende paz uns com os outros".

    Mc. 9, 50

    Quo grande seja o seu fruto Ele tambm no-lo mostra em outro lugar, onde diz:

    "Bem aventurados os pacficos,porque sero chamados filhos de Deus".

    Mat. 5, 9

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  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    Grande este fruto, um grande bem. Porque,

    "Se somos filhos,tambm somos herdeiros:herdeiros de Deus

    e co-herdeiros de Cristo".

    Rom. 8, 17

    A quarta via espiritual desta cidade a alegria, da qual em um lado encontra-seaquela exultao que somente percebida interiormente pelo afeto, e em outro aquela quetambm se manifesta exteriormente aos sentidos. s vezes, de fato, tanta alegria nos infundida

    do cu na alma que no somente ela pode ser percebida interiormente, como tambm pode serreconhecida exteriormente no semblante, na voz, nos gestos e nos movimentos, conforme nos dizo Salmista:

    "Meu corao e minha carneexultaram no Deus vivo".

    Salmo 83, 3

    Se a Sagrada Escritura narra que a voz do povo de Deus, quando se alegrava e louvava ao Senhor,era ouvida ao longe, quem se admirar que quando aquele pai exultou interiormente de alegriapelo filho que retornava ao corao depois de haver prevaricado, o coro e a sinfonia de alegriaeram ouvidos juntos do lado de fora (Luc. 15,25)? Por isso que tambm a mesma Escrituratestemunha ser-nos proibida a tristeza nas solenidades dos dias sagrados, quando declara:

    "Este dia santificado ao Senhor vosso Deus.No estejais tristes, nem queirais chorar.

    Ide, e comei carnes gordase bebei vinho misturado com mel,

    e mandai quinhes aos que no tm nadapreparado para si,

    porque este um dia santo do Senhor.No estejais tristes,

    porque a alegria do Senhor a nossa fortaleza".

    2 Esd. 8, 9-10

    pelo mesmo motivo que tambm o Salvador nos diz:

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    "Porventura podem os amigos do esposo jejuar,enquanto o esposo est com eles?"

    Luc. 5, 34

    Esta alegria que vivida ou exibida aos fiis no comer e no vestir nas solenidades dos diassagrados boa para os que dela fazem bom uso, pois assim como da casa de Deus que procedepara eles, assim tambm para a honra de Deus que vivida por eles. Qual e quo grande seja autilidade desta virtude no-lo declarado pelo Apstolo Paulo onde ele diz, escrevendo aosCorntios sobre as coletas:

    "Cada um (doe) conforme props no seu corao,

    no com tristeza, nem constrangido,porque Deus ama o que d com alegria".

    2 Cor. 9, 7

    A quinta via da cidade santa a liberalidade, constituda em um de seus ladospela justa aquisio e em outro pela distribuio feita com discernimento. A justa aquisioconstitui um de seus lados porque a liberalidade religiosa e honesta despreza a viver ou dar ariqueza adquirida pelo saque, pela torpeza, pela fraude, pelo furto ou por qualquer outro modoinjusto, assim como desprezado-se o sacrifcio de louvor feito com po fermentado. O outro lado

    desta via construdo pela distribuio feita com discernimento pois, de fato, se ela desse menosdo que o justo, tornar-se-iaavareza;e se desse mais do que o justo, j no seria liberalidade, masprodigalidade. Quo grande seja o fruto da liberalidade o Salvador no-lo mostra quando nos dizno Evangelho:

    "Dai, e dar-se-vos-.Uma medida boa, cheia,recalcada e acogulada,

    vos ser lanada no seio".

    Luc. 6, 38

    A sexta via de Jerusalm a abstinncia, na qual de um lado encontra-se aparcimnia e, de outro, a sobriedade. A parcimnia contrria glutonaria, e a sobriedade embriaguez. Nas Escrituras encontram-se muitos exemplos de jejuns e abstinncias, dos quais osprincipais so os jejuns de Moiss, Elias, e de Nosso Senhor e Salvador. Resplandece nosninivitas quo grande o fruto do jejum e da abstinncia, os quais, por uma abstinncia de trs

    23

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    dias, aplacaram a ira divina e no lugar da destruio com que haviam sido ameaados, mereceramo perdo (Jon. 3).

    A stima via da santa cidade a continncia ou castidade. Esta de um lado tem apureza do corao, e de outro a pureza do corpo; ou tambm, de uma parte a pureza do

    pensamento e de outra a pureza da ao. Resplandece nas vivas e nas virgens quo grande ofruto e o bem desta virtude, da qual as vivas possuem o sexagsimo e as virgens o centsimofruto.

    Denominamos, carssimos, corretamente estas virtudes de vias ou, para sermosmais precisos, de `plateas'na lngua latina, isto , caminhos largos, adequados para a habitao,prprios para a caminhada e a corrida espiritual, assim como tambm para todo negcioespiritual, pois todo caminho que conduz vida, ainda que para os principiantes ou mesmo paraos aproveitados parea estreito e rduo, para os adiantados e perfeitos comprovadamente largo eplano. por isto que diz o Salmista:

    "Corri pelo caminhodos teus mandamentos,

    pois dilataste o meu corao".

    Salmo 118, 32

    E tambm:

    "De toda a perfeio vi o fim;teu mandamento, porm,

    imensamente amplo".

    Salmo 118, 96

    De fato, quem quer que possua a perfeita caridade, a qual "lana fora o temor"(I Jo. 4,18),considera doce toda a tentao ou adversidade que lhe possa ocorrer , e pode dizer ainda com oApstolo:

    "Os sofrimentos do tempo presenteno tm proporo com a glria vindoura

    que se manifestar em ns".

    Rom. 8, 18

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    Eis o motivo pelo qual sobre a caridade est escrito no Cntico dos Cnticos que

    "O amor mais forte do que a morte,o zelo do amor tenaz

    como o inferno,suas lmpadas so lmpadasde fogo e de chamas.

    As muitas guas no puderam

    extinguir a caridade,nem os rios tero fora

    para a submergir.

    Ainda que o homem dtodas as riquezas de sua casa pelo amor,

    ele as desprezar como um nada".

    Cant. 8, 6-7

    Na cidade espiritual h tambm uma torre fortssima, da qual est escrito:

    "O nome do Senhor uma torre fortssima,a ele se acolhe o justo,

    e encontra um refgio elevado".

    Prov. 18, 10

    Sabei, carssimos, que quaisquer homens que defendam sua cidade no tm tanta confiana noscavalos, nas armas, nas portas, nos muros, ou tambm em suas foras quanto a tm na torre desua cidade. Ao fugirem e procurarem abrigo a torre o seu nico refgio e a sua nica segurana.Assim tambm, para os fiis que pelejam contra os inimigos espirituais, a nica esperana e anica segurana no somente na adversidade como tambm na prosperidade a invocao donome divino. De fato, no ignoram que

    "Aquele que invocaro nome do Senhor

    ser salvo".

    Joel 2, 32

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  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    Daqui procede igualmente que a santa Igreja universal tenha em suas instituies invocar emprimeiro lugar o nome do Senhor ao iniciar as preces divinas, proclamando com f e confiana:

    "Deus, vinde em meu auxlio".

    Salmo 69, 2

    Jerusalm espiritual tem tambm duas portas, das quais a primeira e inferior a fcatlica. A segunda e superior a contemplao divina. Destas duas portas est escrito:

    "Entrar e sair,e encontrar pastagem".

    Jo. 10, 9

    Na primeira porta encontraremos a pastagem da graa, na segunda encontraremos a pastagem daglria.

    possvel entender-se, ademais, de diversas passagens da Escritura, assim comode declaraes de outros escritores e viajantes, que a prpria Jerusalm terrestre, segundo a suaantiga localizao, estava assentada sobre um declive. Assim como esta, porm, tambm aquelacidade que a vida espiritual est assentada sobre um declive e possui seus degraus de uma portaa outra, degraus pelos quais subimos das coisas inferiores s superiores, de modo que, subindo

    por cada um destes nos afastamos das coisas terrenas e nos aproximamos das celestes.

    Os que querem viver santamente, portanto, devero primeiro entrar pela f.Depois, pelo crescimento da justia, devero subir at contemplao das coisas celestes. Oprimeiro degrau, portanto, est na primeira porta, ou melhor, esta mesma porta o primeirodegrau ou a primeira escada da subida. Elevados, assim, do que terreno, devemos em primeirolugar por o p na primeira escada, que a f. Em segundo, devemos subir da f esperana. Emterceiro, subir da esperana caridade. Em quarto, subir da caridade ao exerccio das demaisvirtudes, principalmente ao do setenrio das principais virtudes, as que nos so descritas naquelelugar do Evangelho onde se diz:

    "Bem aventurados os pobres de esprito,porque deles o Reino dos Cus.

    Bem aventurados os mansos,porque possuiro a terra.

    Bem aventurados os que choram,

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    porque sero consolados.

    Bem aventurados os que tem fome e sede de justia,porque sero saciados.

    Bem aventurados os misericordiosos,porque alcanaro misericrdia.

    Bem aventurados os puros de corao,porque vero a Deus.

    Bem aventurados os pacficos,porque sero chamados filhos de Deus".

    Mt. 5, 1-9

    Em quinto devemos subir do setenrio das principais virtudes ao senrio das boas obras, aqueleque nos descrito no lugar do Evangelho onde Cristo nos diz:

    "Tive fome,e me destes de comer;

    tive sede,e me destes de beber;

    era peregrino,

    e me recolhestes;

    estava n,e me vestistes;

    enfermo,e me visitastes;

    no crcere,e me fostes visitar".

    Mt. 25, 35-36

    Em sexto devemos subir do senrio das boas obras ao ensino. A justia e a idoneidade secomprova no homem quando quem faz o bem tambm o ensina aos outros. Deste modo ele setorna imitador do Salvador, do qual est escrito:

    "Falei de todas as coisas

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  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    que Jesus comeou a fazer e a ensinar".

    Atos 1, 1

    O ensino, porm, realiza-se algumas vezes de dois modos, a saber, pelas palavras e pelos

    milagres. Por isso que dos primeiros e dos maiores pregadores est escrito:

    "Eles, tendo partido,pregaram por toda a parte,

    cooperando com eles o Senhor,e confirmando a sua pregao

    com os milagres que a acompanhavam".

    Mc. 16, 20

    Em stimo lugar devemos subir do ensino contemplao. Destas escadas ou destes degraus desubida est escrito:

    "Para l subiram as tribos,as tribos do Senhor,

    testemunhas de Israel,para confessarem o nome do Senhor".

    Salmo 121, 4

    E tambm, em outro lugar:

    "Bem aventurado o homemcujo auxlio vem de ti,

    as subidas disps em seu corao.

    No vale das lgrimas,no lugar onde o Legislador

    o tiver colocado,Ele lhe dar a bno.

    Caminharo de virtude em virtude,e vero o Deus dos deuses em Sio".

    Salmo 83, 6-8

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    Quem tiver subido por estes degraus at porta da contemplao, que est colocada na parte maisalta e como que na sada da cidade, sair ele prprio espiritualmente, e sobressair, para que deJac se transforme em Israel, de Lia em Raquel, de Fenena em Ana, e de Marta em Maria, eaqueles que tiverem praticado as boas obras possam transformar-se nos que contemplam adivindade. Por isto que diz o profeta Jeremias:

    " bom para o homemter levado o jugo

    desde a sua mocidade;

    sentar-se- sozinho,pois se levantar sobre si mesmo".

    Lam. 3, 27-8

    Por isto tambm que se encontra escrito no Cntico dos Cnticos:

    "Sa, filhas de Sio,e vde o Rei Salomo,

    com o diadema com o qualsua me o coroou

    no dia de seu casamento,e na alegria de seu corao".

    Cant. 3, 11

    Daqui vem igualmente que diga o Salmista:

    "Ali est o jovem Benjamim,em grande elevao de mente".

    Salmo 67, 28

    Apressemo-nos, portanto, irmos carssimos, para que depois do trabalho da obrapossamos sair para o repouso e a liberdade da contemplao, para que possamos admirar, ainda

    que de longe, o rei em seu esplendor e a nossa ptria. Subamos de virtude em virtude conformeconvm salvao, para que pelo setenrio da subida que descrevemos, possamos chegar aooctonrio das bem aventuranas.

    E que para tanto se digne vir em nosso auxlio Jesus Cristo, Nosso Senhor, que ,acima de todos, o Deus bendito, pelos sculos dos sculos.

    Amn.

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  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    SERMO LVI

    Sobre a Alma Obediente,segundo a histria do

    Livro de Rute.

    Lemos nas pginas do Velho Testamento que Rute, a Moabita, seguindo a Noemisua sogra, e obedecendo aos seus preceitos, mereceu unir-se em matrimnio a Booz, homempoderoso e rico.

    Noemi, nome que traduzido quer dizer `formosa'(Rute 1,20), significa tambm odoutor e pastor da Igreja ornamentado no apenas exteriormente, mas tambm interiormentepelos vrios dons da graa celeste, renunciando, segundo o Apstolo, oculta indecncia, nocaminhando na astcia e no adulterando a palavra de Deus. Ele figurado por uma mulher, poisno cessa de dar luz e de educar para Deus, pelo seu ensino, uma prole espiritual. Por isto queo Apstolo, escrevendo aos Glatas, diz:

    "Meus filhinhos,por quem eu sinto de novo as dores de parto,

    at que Jesus Cristo se forme em vs".

    Gal. 4, 19

    Rute, nome que traduzido quer dizer `a que se apressa', significa a alma que obedeceprontamente aos santos conselhos de seu prelado, no buscando pretextos para demorar-se naexecuo de seus preceitos, sabendo que

    "o Senhor deseja no tanto holocaustos ou vtimascomo quer que se obedea sua voz,

    e que a obedincia vale mais do que as vtimase escutar mais do que oferecer a gordura dos carneiros,

    j que a rebelio como o pecado da adivinhao,e no querer ser dcil como o delito da idolatria".

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    1 Sam. 15, 22-3Rute, portanto, se apressa verdadeiramente e bem na medida em que a alma obediente inclinaprontamente o ouvido a todas as coisas que lhe so ordenadas, quer elas lhe paream honrosas oudesprezveis.

    A obedincia, entretanto, s vezes nula, se possui algo de seu;outras vezes mnima, mesmo que no possua nada de seu. De fato, se nos ordenado subir a um lugar elevado,quem a isto anela esvazia para si a virtude da obedincia pelo prprio desejo. Se, porm, nos ordenado o desprezo de ns prprios, a no ser que a alma apetea isto por si mesma, quemdescesse a isto descontente diminuiria para si o mrito da obedincia. Foi por isto que Moisshumildemente recusou o principado do povo (Ex. 3,11), e Paulo diz audaciosamente:

    "Estou pronto no s para ser atado,mas at para morrer em Jerusalm

    pelo nome do Senhor Jesus".

    Atos 21, 13

    Rute, portanto, por causa de Noemi abandona a sua terra e os seus deuses (Rute 1,14), quando aalma verdadeiramente obediente, estimulada pelo exemplo ou pela palavra do doutor da Igreja,deixa para trs todas as coisas terrenas e prazerosas que lhe foram oferecidas pelos demnios. E asegue inseparavelmente (Rute 1,16), na medida em que oferece amigavelmente o assentimentoaos preceitos de sua doutrina. Acompanha-a por todos os caminhos pelos quais passa (Rute 1,17)quando o imita nos vcios que abandona e nas virtudes que exercita. Finalmente, mora com elaem Belm (Rute 1,19) quando, dentro da santa Igreja, sob o seu conselho ou governo, convivem

    santa e honestamente.

    Booz, nome que traduzido quer dizer `fortaleza de Deus', homem poderoso e degrandes riquezas (Rute 2,1), que possua segadores e de quem era o campo em que Rute colheuespigas (Rute 2,3), significa Cristo. Cremos, de fato, e confessamos com o Apstolo que Cristo virtude de Deus e sabedoria de Deus, e tambm homem poderoso, porque

    "Foi-lhe dado todo poder no Cu e na Terra".

    Mat. 28, 18

    Ele tambm homem de grandes riquezas, porque

    "Nele esto escondidostodos os tesouros da sabedoria

    e da cincia".

    31

  • 7/26/2019 12 Sermes de Hugo de So Vitor

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    Col. 2, 3

    Seu campo a Sagrada Escritura. Este campo possui cevada pelo Velho Testamento e trigo peloNovo Testamento. Os segadores so os pregadores que quotidianamente colhem neste campo assentenas pelas quais alimentam os fiis e os apascentam esplendidamente. J os imperfeitos e os

    enfermos no segam com as foices, mas recolhem as espigas, porque no entendem as coisasmaiores, mas apenas as menores. Os quais fazem bem em permanecer no campo, assim comoRute, desde a manh at tarde (Rute 2,7), pois trabalham virilmente para que, desde o prprioincio possam chegar perfeio. De onde que Booz ordenou aos seus segadores que se estesltimos quisessem colher com eles, isto , investigar e compreender as coisas maiores, no osproibissem;antes, ao contrrio, que lhes oferecessem do trabalho de suas foices (Rute 2,15-16),isto , ordenou-lhes que no os instrussem negligentemente mesmo a respeito de suas sentenas.Ordenou tambm Booz aos seus segadores que ningum molestasse a Rute quando recolhesse asespigas (Rute 2,9), porque deve-se evitar de todos os modos que a alma que se inicia no bem, isto, que se aproxima da f ou recm chegada boa conversao, encontre uma pedra de tropeo.Por isto que nos diz o Salvador:

    "O que receber em meu nomeum pequenino como este,

    a mim que recebe".

    Mat. 18, 5

    "Aquele que, porm,escandalizar um destes pequeninos

    que crem em mim,

    melhor seria para eleque se lhe pendurasse ao pescoo

    uma m de moinhoe que o lanassem ao fundo do mar".

    Mat. 18, 6

    E, logo adiante:

    "Vede, no desprezeis um s destes pequeninos,pois vos declaro que os seus anjos nos cus

    vem incessantemente a face de meu Pai,que est nos cus".

    Mat. 18, 10

    O pequenino aquele que se inicia no bem e que ainda no se elevou fortaleza da virtude ou altura da perfeio. No apenas Jesus, mas tambm o bem aventurado Paulo se refere malcia doescndalo que no deve ser oferecido aos irmos enfermos:

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    "No nos julguemos",

    diz o Apstolo,

    "pois, uns aos outros;

    propondo antes no pr tropeoou escndalo ao vosso irmo".

    Rom. 14, 13

    E tambm:

    "No queiras perder,por causa de teu alimento,aquele por quem Cristo morreu".

    Rom. 14, 15

    E a mesma coisa a repete novamente, quando diz:

    "Se um alimento serve de escndalo a meu irmo,

    nunca mais comerei carne,para no escandalizar meu irmo".

    1 Cor. 8, 13

    E finalmente, concluindo:

    "No sejais motivo de escndalonem para os judeus, nem para os gentios,

    nem para a Ireja de Deus;como tambm eu em tudo procuro agradar a todos,

    no buscando o meu proveito,mas o de muitos, para que sejam salvos".

    1 Cor. 10, 32-3

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    Booz tambm concedeu a Rute que comesse o po com as suas moas, quemolhasse o seu bocado no vinagre (Rute 2,14), e que bebesse da gua que havia nas sarcnulas(Rute 2,9), pequenos recipientes em forma de trouxas ou fardis, pois Cristo, que clementssimopai de famlia, de bom grado concede alma recm convertida o po da s doutrina para que nodesfalea no caminho da virtude e da boa obra, assim como o vinagre do temor amargamente

    pungente, do qual est escrito:

    "Crava pelo teu temoras minhas carnes,

    pois temi os teus julgamentos",

    Salmo 118, 120

    para que no se dissipe na properidade, e a gua da refrescante consolao, para que no se

    quebre na adversidade. De fato, o po sustenta, o vinagre punge, a gua refrigera.

    "Se tiveres sede",

    disse ainda Booz,

    "vai s sarcnulas,e bebe as guas

    de que bebem os meus criados".

    Rute 2, 9

    A respeito desta gua deve-se notar que se lhe ordena procur-la nas sarcnulas, pois ao quelivremente oferecer o ombro para apoiar o fardel da virtude a ser exercida e da boa obra a serexibida se promete o refrigrio da prpria consolao divina. Por isto que diz o salmista:

    "Segundo a multido das minhasdores no meu corao,

    tuas consolaes alegrama minha alma".

    Salmo 93, 19

    E tambm:

    "No dia de minha tribulao busquei a Deus,

    de noite estendem-se

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    as minhas mos para Ele,e no sou enganado.

    Minha alma recusa-sea ser consolada,

    recordei-me de Deus e fui consolado",

    Salmo 76, 3-4

    Quando ele diz que sua alma recusava-se a ser consolada, refere-se consolao terrena;acrescentando, porm, que ao recordar-se de Deus foi consolado, nos mostra ter aceito aconsolao divina. QuAqueles que, portanto, se afastam do piedoso nus da virtude e da boaobra, defraudam-se a si prprio do refrigrio da consolao do alto. De onde que corretamente sediz da Sabedoria que

    "No se encontra na terrados que vivem nas suavidades".

    Jo. 28, 13

    Quem quer que deseje, portanto, beber a gua da sabedoria da salvao, dirija-se para os fardis,isto , aos exerccios e ao trabalho da virtude e da boa obra.

    Booz, porm, fala de sarcnulas, e no de sarcinas, o que est de acordo com apalavra do Senhor, quando diz:

    "O meu jugo suave,e o meu peso leve".

    Mat. 11, 30

    O mesmo tambm no-lo diz o bem aventurado Joo:

    "Seus mandamentos no so pesados".

    1 Jo. 5, 3

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    De fato, os mandamentos divinos, que para os rprobos parecem impossveis de cumprir, para osprincipiantes e os enfermos so um pouco pesados, mas para os perfeitos so comprovadamenteleves. Para os que amam perfeitamente a Deus o salmista no-los demonstra serem leves, ao dizer:

    "Corri pelo caminho dos teus mandamentos,pois dilataste o meu corao".

    Salmo 118, 32

    Rute tinha, deste modo, junto aos criados de Booz, po, vinagre e gua, porque a almaverdadeiramente penitente possui com as almas puras e eleitas dos que crem em Cristo o po nadoutrina, o vinagre na repreenso e a gua na visitao. Este po confere a virtude dosustento;ovinagre! a salubridade do temor; a #gua! o refrigrio da consola$%o&

    Os restos de comida guardados por Rute (Rute 2,14) podem ser entendidos comoalgumas palavras menores da sagrada doutrina que os perfeitos deixam aps si, na medida em queexercitam a si mesmos nas maiores e as distribuem aos outros. As quais menores Rute guardou deboa vontade, porque para a alma faminta as coisas mnimas e tambm amargas parecem grandes edoces.

    Booz disse ento a Rute:

    "No vs respigar em outro campo,

    nem te afastes deste lugar,mas junta-te com as minhas moas,e segue-as por onde tiverem segado".

    Rute 2, 8

    O outro campo, o campo alheio, todo livro dos hereges, no qual Booz dissuade Rute de colherespigas, pois Cristo adverte a alma que se converteu a Ele que no receba as ms asseres doshereges. A qual alma verdadeiramente se junta s suas moas e as segue para onde tiverem segadoquando, fielmente unida s almas santas, as imita nas sagradas lies.

    Rute, uma estrangeira, colhe portanto espigas no campo de Booz quando a almapecadora, mas convertida, estuda atentamente a palavra de Deus.

    Prossegue a narrativa declarando que Rute

    "Bateu, depois, com uma varae sacudiu as espigas".

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    Rute 2,17

    Rute bate e sacode as espigas com uma vara na medida em que, por uma perspicaz meditao,naquilo em que estuda das Escrituras, distingue corretamente o verdadeiro do falso e a

    inteligncia espiritual da letra. Colhidas e sacudidas as espigas, estas so conduzidas at a casa(Rute 2,18), quando aquilo em que Rute l e medita no interior de sua santa conversao preparao efeito da boa obra. A casa em que vivemos, de fato, significa a nossa conversao. De onde quecerto sbio nos diz:

    "Se no te mantiveres firmemente no temor do Senhor,depressa a tua casa ser arruinada",

    Ecl. 27, 4

    isto , ser arruinada a casa da tua boa conversao. Pode-se entender tambm que conduzir amesse colhida e batida para dentro de casa significa que as coisas conhecidas e comprovadas peloestudo e pela meditao como sendo boas so colocadas no interior da conscincia pelo afeto epelo efeito da virtude e da boa obra.

    Feitas todas estas coisas, vendo Noemi a grande graa que sua nora havia encontrado junto aBooz, d-lhe o conselho pelo qual poderia encontrar junto a este homem graa ainda maior. Istosignifica que todo bom pastor, quando adverte que a alma que a si lhe foi confiada se robustecepela graa de Cristo, empenha-se cuidadosamente para que possa conseguir junto a Ele aindamaior graa. movida por estas intenes que diz, portanto, Noemi a Rute:

    "Minha filha, procurarei para ti descanso,e providenciarei para que fiques bem.

    Este Booz, com cujas moas estiveste junto no campo, nosso parente prximo,

    e esta noite padejar a cevada na sua eira.Lava-te, pois, e unge-te,

    toma os teus melhores vestidose desce eira.

    No te veja este homemat que tenha acabado de comer e beber.

    Quando for dormir,observa o lugar em que dorme.

    Irs, levantar-lhe-s a capacom que se cobre da parte dos ps,

    e ali te colocars e deitars.Ele mesmo te dir o que deves fazer".

    Rute 3, 1-4

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    Ora, sendo Noemi o pastor da Igreja, Rute o seu sdito e Booz o Cristo, a parentela prxima abondade. Esta proximidade de parentesco no resultado da relao do sangue e da carne, mas daafinidade da santidade. Por isto que nos diz o Salvador:

    "Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai,que est nos cus,

    esse meu irmo e irm e me".

    Mat. 12, 50

    O que tambm no-lo diz o bem aventurado Joo:

    "A todos os que o receberam,deu-lhes o poder de se tornarem

    filhos de Deus,aos que crem no seu nome,

    os quais no do sangue,nem da vontade da carne,

    nem da vontade do homem,mas de Deus nasceram".

    Jo. 1, 12-13

    A noite em que Booz padejaria a cevada a vida presente, na medida em que sob o vu dosmistrios e dos sacramentos que nos damos conta da graa dos dons celestes. noite tambmporque entre ns um no pode enxergar a conscincia do outro, e cada um ignora o que o outropensa de si. noite, porque

    "Vemos como por um espelho e em enigma,no ainda face a face;

    caminhamos pela f,

    no ainda a descoberto".

    1 Cor. 13, 12

    Nesta noite Booz padejar a cevada na sua eira porque Cristo no apenas purga diligentemente asanta Igreja de seus perseguidores ou dos homens de m vontade, como tambm purifica cadauma das almas fiis de seus maus pensamentos e da inteligncia falsa e carnal das SagradasEscrituras. Rute se lava para encontrar a Booz (Rute 3,3) quando a alma fiel e obediente pelas

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    suas lgrimas se purifica da imundcie da antiga culpa. por isto que Jeremias nos aconselha,dizendo:

    "Derrama como que

    uma torrente de lgrimas,dia e noite,no te ds descanso,

    nem repousea pupila dos teus olhos".

    Lam. 2, 18

    Os ungentos de que Rute se utilizou aps lavar-se (Rute 3,3) so os diversos dons espirituais.Assim como os ungentos aliviam as feridas e as dores dos corpos, assim tambm pelos dons

    sagrados as feridas ou as dores das almas so curadas e aliviadas. Destes dons o Apstolo assimnos fala:

    "A cada um dadaa manifestao do esprito

    para utilidade;

    a um dado pelo Espritoa linguagem da sabedoria,

    a outro a linguagem da cincia,a outro a f, a outro o dom das curas,

    a outro o dom de operar milagres,a outro a profecia,

    a outro o discernimento dos espritos,a outro a variedade das lnguas,

    a outro a interpretao das palavras".

    1 Cor. 12, 7-10

    Deles tambm Isaas nos fala, dizendo:

    "E repousar sobre Ele o Esprito do Senhor,Esprito de sabedoria e de entendimento,

    Esprito de conselho e fortaleza,Esprito de cincia e de piedade,

    e ser cheio do Esprito de temor do Senhor".

    Is. 11, 2-3

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    Estes dons, irmos, so verdadeiramente ungentos, e receb-los a verdadeira uno. Mastambm as virtudes que se originam destes dons so chamados no inconvenientemente deungentos, porque o seu exerccio a uno perfeita que em ns consome os vermes dos vcios erestitui sade os afetos feridos pelos pecados.

    Os melhores vestidos com que Rute se dirige eira de Booz (Rute 3,3) so asprincipais boas obras, as seis obras de misericrdia, que consistem em dar po aos que tm fome,dar de beber aos que tm sede, recolher os peregrinos, vestir os nus, curar os enfermos e visitar ospresos (Mat. 25,35-36). Quando algum algum se reveste com estas obras, espiritualmenteprocede como se se ornamentasse com vestidos puros e preciosos.

    Rute, portanto, depois de colher e bater as espigas, lava-se, unge-se e veste-se(Rute 3,6) porque a alma fiel, depois de ter recebido o conhecimento da verdade pelo estudo epela meditao das Sagradas Escrituras, lava-se pela compuno, unge-se pela emulao doscarismas espirituais e pelo exerccio das virtudes, e veste-se pela boa ao. Assim ornamentada,Rute desce eira (Rute 3,6), o que significa humilhar-se a si mesma, depois dos benefcios

    recebidos, na plancie do corao. Se, de fato, pelo orgulho o homem se eleva sobre si mesmo,pela humildade retorna e desce para si mesmo. H uma outra humildade que precede a esta, pelaqual nos so conferidos primeirosbenefcios;por esta da qual tratamos agora nos so aumentadosestes benefcios.

    Noemi pede a Rute que levante a Booz a capa da parte dos ps e que ali secoloque e se deite (Rute 3,4). Levantar a capa da parte dos ps significa considerar, investigandohumildemente, o mistrio da nossa'eden$%o;ali co,ocar-se e deitar-se significa pedir humilde eincessantemente a perptua unio com Cristo pela f em sua Encarnao. Que a alma, porm, nopresuma de modo algum tanta proximidade e familiaridade se antes Booz no tiver se satisfeitocom a comida e a bebida e no tiver se deitado no leito da paz e da quietude. Ora, a comida e a

    bebida de Cristo , conforme Ele prprio no-lo diz, fazer a vontade de seu Pai. Isto o que Elemesmo declarou aos seus discpulos:

    "Tenho um alimento para comerque vs no sabeis".

    Jo. 4, 32

    "A minha comida fazer a vontadedaquele que me enviou

    e cumprir a sua obra".

    Jo. 4, 34

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    Portanto, nenhuma alma ouse de modo algum discutir, tratar ou compreender o mistrio de Cristoou pedir-lhe a felicidade que dEle emana se primeiro, exibidas santas obras, no o reconhecercontente e pacfico para consigo. De fato, assim diz a Escritura:

    "Que comunicar o caldeiro para a panela?Quando se colidirem, ela quebrar".

    Ecle. 13, 3

    E tambm o Apstolo:

    "Aquele que come e bebe indignamente,

    come e bebe para si a condenao".

    1 Cor. 11, 29

    Daqui tambm ocorreu que Moiss, aps a morte de Nadab e Abiu, repreendendo a Eleazar eItamar por no terem comido o bode que havia encontrado queimado, respondeu-lhe Aaro:

    "Hoje foi oferecida a vtima pelo pecado,e o holocausto diante do Senhor.

    ! mim, porm, aconteceu-me o que tu vs;como podia eu comer desta vtima,

    ou agradar ao Senhor nas cerimnias,com o esprito entristecido?"

    Lev. 10, 19

    E da orao tambm est escrito que

    "Aquele que afasta o seu ouvidopara no ouvir a Lei,

    sua orao ser execrvel".

    Prov. 28, 9

    Quem quer que, portanto, de algum modo queira aproximar-se de Deus, ou pedir-lhe algo, necessrio que cuide primeiro de sua conscincia, exercitando-se, em sua presena, nas boas

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    obras e serenando-se a si mesmo pela humildade. Por meio destas coisas Cristo como que sealimentar e saciar pela comida e pela bebida e ento poderemos encontra-Lo descansado paraconosco. A comida e a bebida que Booz tomou, porm, no lhe foram dadas por Rute, mas eramdo prprio Booz, j que nossas obras so um dom de Cristo, e no pertencem nossa faculdade,mas graa celeste, conforme mensina a Epstola aos Romanos, quando nos diz:

    "No depende do que quer,nem do que corre,

    mas de Deus,que usa de misericrdia".

    Rom. 9, 16

    Deitada aos ps de Booz, "ele mesmo", explica Noemi a Rute,

    "te dir o que deves fazer".

    Rute 3, 4

    Isto se repete sempre que, fazendo obedientemente aquilo que nosso prelado nos preceitua,quanto ao demais a uno de Cristo

    "nos ensina de todas as coisas".

    I Jo. 2, 27

    Vendo Rute deitada aos seus ps, Booz louva-a por no ter buscado os jovens (Rute 3,10). assim tambm que Cristo louva a alma que com fidelidade se lhe aproxima, no seguindo osdemnios ou os homens rprobos, hbeis e prontos para o mal.

    Agora, portanto, irmos carssimos, retornemos a ns mesmos e de tudo istoprocuremos diligentemente aprofundarmo-nos no conhecimento da verdade, inflamarmo-nos aoamor da bondade, incentivarmo-nos ao exerccio da virtude e formarmo-nos ao efeito da boaobra, para que possamos merecer o prmio da salvao pela renncia de nossas maldadespassadas e das sugestes do demnio.

    Sigamos nosso pastor, imitando-o nas coisas que ele fizer com retido. Unamo-nos a ele, amando-o verdadeiramente. Obedeamo-lo, cumprindo com empenho tudo o que elenos preceitua. Habitemos com ele em Belm, honestamente convivendo com ele na santa Igreja.

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    Colhamos a batamos as espigas no campo de Booz, e levemo-las nossa casa,estudando, meditando e recordando em nossa memria ou nossa conscincia, conforme dissemosacima, as palavras de nosso Salvador. No respiguemos em campo alheio, repelindo as msasseres dos hereges.

    Lavemo-nos, ento, deplorando nossos crimes; unjamo-nos, emulando os donsespirituais e seguindo as virtudes, principalmente a caridade, conforme no-lo ensina o Apstolo.Vistamo-nos, entregando-nos execuo das seis obras de misericrdia. Desamos, finalmente, eira, humilhando-nos em nosso corao.

    Levantemos a capa com que Booz se cobre da parte dos ps investigando, poruma humilde considerao, o mistrio de nossa'eden$%o;e ali, pela Paixo que foi o seu fim,nos coloquemos e deitemos, pedindo-lhe humildemente e sem cessar que nos conceda que nosunamos a Ele. Insistindo deste modo dEle obteremos, assim como Rute o obteve de Booz, receberprimeiro, pela f na santa e indivdua Trindade, trs mdios de cevada (Rute (!)*+;depois, pelaperfeio de toda santidade, mais seis mdios (Rute 3,15), e finalmente nos ser concedido que

    nos unamos a Ele no tlamo nupcial (Rute 4,13), no mundo pelo gozo da doura interior, no cupela glria da bem aventurana.

    E que para tanto se digne vir em nosso auxlio Jesus Cristo, Nosso Senhor, que Deus, bendito pelos sculos.

    Amn.

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    SERMO LVII

    Sobre os Prelados e osDoutores da Igreja, segundo

    o mesmo Livro de Rute.

    Carssimos, lemos nas Sagradas Escrituras como, no tempo dos Juzes (Rute 1,1),faleceu Maalon, marido de Rute, a moabita, deixando-a viva e sem descendncia. Aconselhada

    por Noemi, sua sogra, Rute deitou-se aos ps de Booz (Rute 3,7), seu parente prximo, rogando-lhe humildemente que lhe concedesse unir-se a ele pelo matrimnio, para no deixar semdescendncia a casa de seu esposo (Rute 3,9). Disse ento Booz a Rute:

    "No nego que sou teu parente prximo,mas h outro mais prximo do que eu.

    Se ele te quiser receberpelo direito de parentela, est bem.

    Se, porm, no o quiser,eu sem dvida te receberei".

    Rute, 3, 12-13

    Rute, nome que traduzido significa `a que se apressa', retamente figura a santa Igreja, que seapressa para cumprir com toda a devoo os preceitos que lhe so dados do cu. Seu maridoentende-se no inconvenientemente ser Cristo, do qual est escrito:

    "# que tem a esposa o esposo";

    Jo. 3, 29e do qual o bem aventurado Apstolo diz:

    "Cristo amou a Igrejae por ela se entregou a si mesmo,

    para a santificar,purificando-a no Batismo da gua

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    na palavra da vida,para apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa,

    sem mcula nem ruga,mas santa e imaculada".

    Ef. 5, 25-27

    Para esta esposa seu esposo de certo modo est morto, na medida em que Cristo, enquantohomem, cessou de estar e de conviver entre os homens, conforme diz o Apstolo:

    "Humilhou-se a si mesmo,feito obediente at morte,

    e morte de cruz".

    Fil. 2, 8

    Cristo, de fato, ainda que tenha ressuscitado entre os mortos, ainda que j no morra e que amorte no mais domine sobre Ele, pois Ele

    "vive, e vive para Deus",

    Rom. 6,10

    dirigiu-se, porm, para uma regio longnqua, para receber para si o Reino. Por este motivo estcorporalmente ausente e est, de certo modo, como se estivesse morto. Seu parente prximo, oumelhor, seu parente mais prximo, agora a assemblia dos prelados da Igreja. Embora,efetivamente, todos os verdadeiros cristos possam retamente ser ditos parentes prximos deCristo, conforme Ele prprio no-lo atesta, dizendo:

    "Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai,que est nos cus,

    esse o meu irmo e irm e me";

    Mat. 12, 50

    so, todavia, os pastores da Igreja, a cujo ministrio pertence ensinar, batizar, instruir nos demaissacramentos, confirmar os que crem e gerar para Cristo a descendncia espiritual, os quemaximamente lhe so mais prximos.

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    Isaas nos fala da descendncia de Cristo com as seguintes palavras:

    "Se oferecer a sua alma pelo pecado,ver uma descendncia perdurvel,

    e a vontade do Senhorem sua mo ser governada".

    Is. 53, 10

    Cabe ao parente prximo de Cristo, isto , ao coro dos santos prelados, providenciar de todosmodos para que, atravs do ensino, em nenhum tempo lhe falte esta descendncia. De fato,quando os santos doutores ensinam, no geram para si, mas para o Senhor, porque ao gerarem aprole espiritual atravs do ensino, no buscam o seu louvor, mas o de Cristo. E j que todas ascoisas que fazem, o fazem para a glria de Deus, verdadeiramente podem dizer:

    "No a ns, Senhor,no a ns,

    mas ao teu nome d a glria".

    Salmo 113, 9

    Assim como o parente mais prximo de Rute (Rute 4,8), os santos prelados ou doutores da Igrejatambm possuem dois calados interiores, pelo conhecimento da verdade e pelo amor da virtude,

    e dois calados exteriores, pela palavra do ensino e pelo exemplo da boa obra. Quem estiverdesprovido de um ou de ambos destes calados no ser idneo para suscitar a descendncia paraCristo.

    Para que nos utilizemos no de nossas palavras, mas das dos santos padres, odoutor da Igreja deve resplandecer tanto pela vida como pela doutrina, pois a doutrina sem a vidao torna arrogante, e a vida sem a doutrina o torna intil. O ensino do sacerdote deve serconfirmado pelas obras, para que aquilo que ensina pela palavra o demonstre pelo exemplo. verdadeira, de fato, aquela doutrina qual se segue a forma de viver, e nada mais torpe do que odesprezo em cumprir pela obra o bem que se ensina. O ensino aproveita com utilidade quando efetivamente cumprido.

    Cada doutor, portanto, deve dedicar-se para que possua tanto os bens da obracomo os bens do ensino, pois qualquer uma destas coisas sem a outra no produz aproveitamento.De fato, assim como a doutrina sem a vida, tambm a vida sem a doutrina no suficiente. Osprelados devem viver santamente por causa do exemplo e ensinar piedosamente por causa doofcio que lhes foi confiado, na certeza de que no se salvaro apenas pela sua prpria justia,

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    pois de suas mos lhes ser exigida tambm a alma de seus sditos. De que lhes aproveitar noserem punidos pelos seus pecados se forem punidos pelos alheios? Estaramos mentindo, falandodeste modo, se o prprio Senhor, em uma terrvel ameaa, no no-lo tivesse comunicado peloprofeta, dizendo:

    "Filho do homem,se, dizendo eu ao mpio:`Infalivelmente morrers',

    tu no lho anunciares e no lhe falares,para que ele no se retire

    de seu caminho mpio e viva,este mpio morrer na sua iniquidade,

    mas eu requererei de tua mo o seu sangue.Se, porm, avisares o mpio,

    e ele no se converter de sua impiedadee de seu mau caminho,

    morrer ele por certo na sua iniquidade,mas tu livraste a tua alma.Do mesmo modo,

    se o justo deixar a sua justia,e cometer a iniquidade,

    eu porei diante dele uma pedra de tropeo;

    ele morrer, porque tu no lhe advertiste;

    morrer no seu pecado,mas eu requererei de tua mo o seu sangue.

    Se, porm, avisares o justo para que no peque,e ele no pecar, viver a verdadeira vida,

    porque tu o advertiste,e assim livraste a tua alma".

    Ez. 3, 17-21

    , portanto, evidente que nem a doutrina sem a vida, nem a vida sem a doutrina suficiente paraque o prelado possa gerar para Cristo a prole espiritual. Se, porm, suceder que falte uma destasduas coisas, entre as duas alternativas imperfeitas ser melhor possuir uma santa rusticidade doque uma eloqncia pecadora. Se, porm, faltarem ambas, este prelado no somente ser intilpara suscitar a descendncia para Cristo, como tambm, como rvore infrutfera que ocupa aterra, ser prejudicial para os que lhe forem confiados. De onde que a Santa Igreja com mrito

    no reconhece como parente prximo de Cristo semelhante pastor que somente de nome, e notambm de fato, preside pelo poder e no pela utilidade, e humildemente pede a Booz, isto , aqualquer doutor da Igreja, rico pela palavra de sabedoria e de cincia e forte pelo vigor dasvirtudes, que suscite a descendncia espiritual para conservar a perenidade do nome cristo (Rute3,9). De fato, o doutor da Igreja parente prximo de Cristo pela graa da doutrina, mas h ainda

    "outro parente mais prximo do que ele",

    Rute, 3, 12

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    que o pastor, a quem foi confiado o cuidado das almas, que ainda mais prximo pelo dever epela obrigao do cuidado pastoral. Este, reverentemente advertido diante dos ancios de Belm(Rute 4,2), isto , diante dos homens mais perfeitos da santa Igreja, para que se empenhe noofcio de que incumbido, na medida em que se recusa em cumpri-lo (Rute 4,6), como que perde,

    freqentemente pela providncia da graa divina, ambos os calados (Rute 4,8), na medida emque recusa a solicitude de reger pela qual deveria fecundar a santa Igreja por uma prole espiritual.Em seu lugar, o doutor da Igreja recebe ambos os calados (Rute 4,10), na medida em que,substituindo-o, instrui incessantemente a santa Igreja pela palavra e pelo exemplo para que, para ahonra de Cristo, seja ela fecundada pela descendncia espiritual. Foi assim que, para o lugar deJudas, o snodo dos apstolos escolheu Matias, e no lugar dos judeus entrou a plenitude dosgentios, conforme o prprio Senhor o havia predito aos judeus:

    "O Reino de Deus vos ser tirado,e ser dado a um povo

    que produza os seus frutos".

    Mat. 21, 43

    Daqui procede tambm ter sido dito ao bispo de Filadlfia:

    "Guarda o que tens,para que ninum tome a tua coroa";

    Apoc. 3, 11

    e igualmente, ao bispo de feso:

    "Tenho contra tique deixaste a tua primeira caridade.

    Lembra-te pois de onde caste,arrepende-te e volta s tuas primeiras obras,

    do contrrio virei a tie removerei o teu candelabro do teu lugar".

    Apoc. 2, 4-5

    De fato, o candelabro de qualquer pastor rprobo removido de seu lugar quando, por exignciade seus pecados, a dignidade eclesistica que lhe foi concedida lhe retirada como a um intil eindigno e transferida a outro digno e capaz de produzir frutos. Tal o que vemos acontecer com

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    freqncia, isto , que os rprobos, afastados de seus cargos, so substitudos por outros pelosquais os deveres da Igreja so exercidos conforme devido.

    Semelhante pastor, finalmente, merecidamente chamado descalo, na medidaem que, no que diz respeito ao ministrio eclesistico, espoliado das vestimentas da palavra e

    do exemplo, e tambm despojado tanto do mrito como do prmio. Na medida em que amougerar e propagar a famlia de seus vcios, abandonou ao outro os calados do ensino e da obra,pelos quais deveria ter fortalecido aos seus, que lhe haviam sido confiados, em preparao aoEvangelho da paz. Oxal que ento se cumpra a imprecao do salmista:

    "Seja exterminadaa sua posteridade,

    e que em uma geraose apague o seu nome".

    Salmo 108, 13

    Lemos tambm no livro de Rute que, com a recusa do parente mais prximo, todas as coisas quehaviam sido do defunto passaram por privilgio para a posse de Booz, que se tornou seu novousurio (Rute 4,9). Isto significa que, principalmente no que diz respeito aos santos e aosperfeitos reitores de almas, eles mesmos fazem, conforme no-lo ensina o Evangelho, as mesmasobras que Cristo fz, e ainda

    "as fazem maiores do que estas".

    Jo. 14,12

    Entende-se tambm que eles, assim como Booz, comprem todas as coisas "da parte do campo deElimelec que estava para ser vendido"(Rute 4,2), na medida em que renunciam s suas coisas es suas vontades para obedecerem divina vontade. por isto que o bem aventurado Pedro diza Cristo:

    "Eis que ns abandonamos tudo,e te seguimos".

    Mat. 19, 27

    Assim fz tambm o mercador prudente, que

    "encontrando uma prola preciosa de grande valor,vende tudo o que tem e a compra".

    Mat. 19, 27

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    Feitas estas coisas, felicitaram ento os ancios de Belm a Booz, dizendo-lhe:

    "Faa o Senhor que esta mulher,que entra na tua casa,

    seja como Raquel e Lia,que edificaram a casa de Israel".

    Rute 4, 11

    Os ancios de Belm oram por Booz em favor de Rute, o que significa que na santa Igreja osperfeitos auxiliam por suas contnuas oraes ao prelado eclesistico e a toda a congregao quelhe confiada. E assim como Raquel e Lia edificaram a casa de Israel, assim tambm Rute edificaa casa de Booz, na medida em que a santa congregao confiada ao prelado fiel, fecundada adescendncia espiritual pelo seu ministrio, multiplica-lhe a posteridade que so os homens

    espirituais, alguns dos quais se dedicam contemplao, enquanto outros se ocupam com a ao.

    "Que ela seja um exemplo de virtudeem frata",

    Rute 4,11

    resplandecendo na Igreja universal pela sua obedincia.

    "Que ela tenha um nome clebreem Belm",

    Rute 4,11

    difundindo-se e celebrando-se a sua boa fama por toda a Igreja.

    E, finalmente,

    "que a tua casa se tornecomo a casa de Fars,

    que Tamar deu luz de Jud,pela descendncia que o Senhor te der desta jovem".

    Rute 4,12

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    Isto ocorrer sempre que muitos entre os que dela forem gerados pelo ensino, purificados dosantigos pecados pelo amargor de uma salutarssima confisso e, em seguida, escolhidos edivididos entre vrios outros principalmente pelo dom da cincia e da virtude, meream algumasvezes ser exaltados culminncia de reger a Igreja. Tamar, efetivamente, significa `amargor',Judas significa `o que confessa', e Fars significa `diviso'. E nisto a descendncia de Fars, a

    quem Tamar deu luz, teve uma diviso mais duradoura do que a das demais tribos de Israel, poisdela procedeu, com a linhagem de Davi, a dignidade real, conforme tambm se declara no livrode Rute, onde est escrito:

    "Estas so as geraes de Fars:Fars gerou a Esron,Esron gerou a Aram,

    Aram gerou a Aminadab,Aminadab gerou a Naason,

    Naason gerou a Salmon,Salmon gerou a Booz,

    Booz gerou a Obed,Obed gerou a Isa,tambm conhecido como Jess,

    e Isa gerou a Davi".

    Rute, 4, 18-22

    Agora, portanto, irmos carssimos, retornando a ns mesmos, desejemos queeste Booz espiritual sempre nos presida, e temamos que aquele intil parente prximo reine sobrens. Quando dado Igreja um bom pastor, ele provm do dom de Deus. Quando, porm, umrprobo que preside, isto ocorre porque assim o exigem os pecados do povo, pois, conforme o

    declaram as Escrituras, Deus faz reinar o hipcrita sobre os homens por causa dos pecados dopovo (J 36,8-9). O reitor desordenado, portanto, na medida em que os homens reconheamterem recebido o regime de um pontfice perverso por causa de seus prprios mritos, no deveser julgado pelo povo. Deus, efetivamente, dispe a vida dos governantes de acordo com osmritos do povo, como manifesto no exemplo do pecado de Davi, o qual pecou semelhanados prncipes que prevaricam por causa do mrito do povo. Se o reitor exorbitar da f dever serrepreeendido pelos sditos, mas pelos costumes rprobos mais dever ser tolerado pela plebe doque desprezado. Agora, portanto, carssimos, no presumamos despedaar temerariamente osprelados naquilo em que eles tenham procedido desordenadamente. Segundo a sentena do bemaventurado S. Gregrio, nenhum de ns, mesmo que injustamente ordenado, repreeendatemerariamente a sentena de seu pastor, para que no ocorra que, ainda que injustamente

    ordenado, pela soberba de uma repreenso inchada surja uma culpa que antes no existia. Se,porm, virmos um verdadeiro Booz solicitamente suscitar a descendncia espiritual para propagaro nome de Cristo pela palavra do ensino e pelo exemplo da boa obra, alegremo-nos. E nsmesmos, bem vivendo, e admoestando-nos um ao outro, empenhemo-nos em ser seus consortesno mrito, para que mereamos tornar-nos tambm seus consortes no prmio.

    E que para tanto se digne vir em nosso auxlio Nosso Senhor Jesus Cristo, que ,em tudo, Deus bendito, pelos sculos dos sculos.

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    Amn.

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    SERMO LX

    Sobre todos os Santos.

    Diletssimos irmos, Cristo Jesus, Nosso Salvador, esposo da santa Igrejauniversal, louva elegantemente no Cntico dos Cnticos o variado e mltiplo fruto de sua esposa.Ele deseja, por meio deste louvor, incentiv-la e inflam-la a coisas ainda maiores. Dela Ele diz,

    em algum lugar, o seguinte:

    "Jardim fechado s,irm minha esposa,

    jardim fechado, fonte selada.Tuas procedncias so um paraso de roms

    com rvores frutferas.Os cipres com o nardo,

    o nardo com o aafro,a cana aromtica e o cinamomo,

    com todas as rvores do $%bano;a mirra e o alos,com todos os primeiros ungentos".

    Cant. 4,12-13

    Em todas estas coisas o esposo se alegra e se congratula com a esposa, e o bem da esposa louvado com elegncia pelo esposo. A prpria santa Igreja no Cntico dos Cnticos chamadapor vrios nomes. Algumas vezes, efetivamente, chamada de esposa, outras de amiga, de irm,de pomba, de bela ou de formosa. Ela , de fato, esposa pela f, amiga pelo amor, irm pela

    participao da herana celeste, pomba pela simplicidade, formosa pela doura da justia.

    "Jardim fechado s,irm minha esposa,

    jardim fechado".

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    Pelo jardim da santa Igreja entendemos a sua santa conversao, da qual incessantemente vemosoriginar-se o rebento das virtudes e das boas obras. Corretamente este jardim dito fechado, porser defendido em toda a sua volta pela forte guarnio da disciplina, para que no acontea que oinimigo traioeiro irrompa em algum lugar e arranque e leve a plantao da justia. Este jardim nomeado abertamente por duas vezes, para com isto designar manifestamente seu duplo fruto, a

    saber, a f e a obra, ou os casados e os continentes, ou tambm a distino de Deus e do povo, oucertamente a vida ativa e a contemplativa. Est, portanto, escrito:

    "Jardim fechado s,irm minha esposa,

    jardim fechado, fonte selada".

    Cant. 4, 12

    Pela fonte deste jardim entende-se a sabedoria celeste. Esta fonte, como para irrigar o paraso,divide-se em quatro rios, na medida em que a divina sabedoria se estende sobre toda a Igreja pelapregao dos quatro evangelhos. Este jardim tambm no-lo corretamente apresentado comoselado, porque a sabedoria de Deus est velada nas Sagradas Escrituras por muitos e diversosenigmas. Por isto que o Apstolo Paulo diz:

    "Pregamos a sabedoria de Deus no mistrio,que est encoberto,

    que Deus predestinou antes dos sculospara a nossa glria".

    I Cor. 2, 7

    Este aquele livro selado, do qual diz Isaas:

    "Quando o derem a um homem que sabe ler,e lhe disserem& '$ este livro(;

    ele responder: `No posso, porque est selado'".

    Is. 29, 11

    Trata-se tambm do mesmo livro da vida, aquele sobre o qual o bem aventurado Joo afirma tervisto

    "Na mo direita do que estava sentado sobre o trono,

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    um livro escrito por dentro e por fora,selado com sete selos,que ningum podia,

    nem no cu, nem na terra,nem debaixo da terra,

    abr-lo, nem olhar para ele,seno o leo da tribo de Jud,a estirpe de Davi,

    que venceu e era como um Cordeiroque parecia ter sido imolado,

    o qual tinha sete chifres e sete olhos,que so os sete espritos de Deus

    mandados por toda a terra".

    Apoc. 5, 1-6

    Somente Ele pde abrir esta fonte ou este livro. Somente Ele pde tambm, com todo o direito,dizer aos seus discpulos:

    "A vs concedido conhecero mistrio do Reino dos Cus".

    Mt. 13, 11

    Por isto que est tambm escrito em outro lugar dEle e de seus discpulos:

    "Abriu-lhes o entendimento,para que compreendessem as Escrituras".

    Luc. 24, 45

    Ningum, portanto, poder provar o gosto desta fonte salutar seno aquele a quem o Salvador, onico que a abre a a fecha, dignar-se abrir o seu selo. Mas no poder tambm possuir os frutos

    deste jardim aquele a quem esta fonte no fornecer uma salutar irrigao, o prprio Salvadordemonstrando que abre a alguns e fecha a outros o rio desta fonte, quando diz aos seus discpulos:

    "A vs concedido conhecero mistrio do Reino dos Cus,

    mas a eles no lhes concedido;

    por isso lhes falo em parbolas,para que vendo no vejam,

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    e ouvindo no ouam".

    Mat. 13, 11-13

    E, em outro lugar, diz ao Pai:

    "Graas te dou, Pai,Senhor do cu e da terra,

    porque escondestes estas coisasaos sbios e aos prudentes,

    e as revelaste aos pequeninos".

    Mat. 11, 25

    O jardim, portanto, fechado, e a fonte selada. O jardim fechado pela disciplina, a fonte selada pela alegoria. O jardim fechado para que nela no irrompa o inimigotrai$oeiro;a fonte selada para que o estranho no beba dela. O jardim a justi$a;a fonte, a sabedoria. O esposo falaprimeiro do jardim florescente e da fonte irrigante. Depois expe mais amplamente o fruto doflorescimento e da irrigao, dizendo:

    "Tuas procednciasso um paraso de roms

    com rvores frutferas".

    Procedem da santa me Igreja os seus partos espirituais. Nesta passagem, porm, mencionam-seprincipalmente os mrtires, designados pelo nome de roms, os quais so admitidos no cu saindodo mundo e procedendo da Igreja. A Igreja no os perde, mas os envia e confia ao Cristo. Asroms, pelo seu suco, so azedas em seu interior e contm sementes rubras. So, por isto, figurasdos mrtires, os quais podem ser ditos rubros no apenas exteriormente, como tambminteriormente, porque h dois gneros de martrio, um interior e outro exterior, um no corao eoutro na carne, e de nada vale o que exterior se falta o que deve ser interior. De fato, de nadaaproveita a paixo da carne a quem falta a compaixo do corao, conforme est escrito:

    "Toda a glria do rei provm do interior".

    Salmo 44, 14

    As roms