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Apresentação de Harald Høffding 1 1 Agradeço ao Prof. Rui Moreira (Universidade de Lisboa) que gentilmente me enviou seu livro Psicologia, filosofia e fí- sica quântica: o princípio de complementaridade no sécu- lo de Bohr, auxiliando-me na tradução e na redação desta apresentação. Contudo, como é de praxe, suas eventuais in- coerências são de minha inte- gral responsabilidade. Harald Høffding nasceu em 1843, em Copenhague, cidade onde iniciou seus estudos de teologia. O aprofundamento na obra de seu conterrâneo Søren Kierkegaard o conduziu à tênue fronteira entre teologia e filosofia. Em 1870, doutorou-se com uma tese sobre a con- cepção grega da vontade humana, passando então a lecionar sobre filosofia contemporânea na Alemanha e na Inglaterra, até retornar em 1880 à sua cidade natal, ao ser aceito como professor universitá- rio. Em 1882 publicou o influente Esboço de uma psicologia fundada sobre a experiência, logo traduzido para o alemão, o inglês, o russo, o polonês e o francês. Em 1887, publicou Moral, também traduzi- do para o inglês e o francês, obra em que buscou encontrar uma matriz comum entre a filosofia transcendental alemã e a psicologia experimental inglesa, o que marcaria todo o seu pensamento. Sua obra compreende ainda o volume enciclopédico História da filosofia moderna, traduzido para o inglês, o francês, o alemão e o espanhol, além de outros cinco volumes que compõem sua obra principal: O pensamento humano (1910); Totalidade como categoria (1925); Re- lação como categoria (1925); Teoria do conhecimento e concepções de vida (1927); e O conceito de analogia (1931). Além disso, publicou livros sobre moral, filosofia da religião e também sobre filósofos em particular, como Kierkegaard, Pascal, Nietzsche, Rousseau, Bergson, Spinoza, e o volume Filósofos contemporâneos (1924). Seu epistolá- rio compreende importante troca de correspondências com É. Meyer- son (1939). Bergson (1917) também lhe enviou uma conhecida carta, como resposta ao livro em que Høffding examina sua obra. Outros intelectuais célebres também comentaram ou prefaciaram seus livros, como fizeram Boutroux, Janet, Delbos e William James. Høffding admitia ter sido influenciado diretamente por Spinoza, Kant e Scho- penhauer, mas também reconheceu a importância de muitos filósofos e psicólogos contemporâneos para seu pensamento, como Spencer, Bergson, Wundt e William James. Høffding faleceu no ano de 1931, em Copenhague. O texto “O conceito de vontade” foi publicado em francês como o primeiro artigo da edição n° XV (1) da Revue de métaphysique et de morale, no ano de 1907. Seu autor, quase desconhecido no Brasil, onde nenhum de seus numerosos trabalhos se encontra traduzido, foi um dos protagonistas da querela envolvendo a relação entre psico- logia e filosofia na virada do século XIX para o XX. Dinamarquês, Høffding acompanhou com a postura peculiar ao estrangeiro as pu- blicações de pensadores franceses, ingleses, americanos e alemães, expressando-se nas línguas mais correntes do pensamento ocidental, que conhecia bem, e nas quais teve seus textos, quando escritos em seu idioma natal, com frequência traduzidos. A Revue de métaphysi- que et de morale, fundada em 1893 por um grupo de pensadores que constituiria alguns anos depois a Société française de philosophie, Caio Souto UFSCar, São Carlos, SP, Brasil. Doutorando em Filosofia pela UFSCar. Bolsista CAPES. [email protected] Ipseitas, São Carlos, vol. 1, n. 2, p. 142-143, jul-dez, 2015

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  • Apresentao de Harald Hffding1

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    Agradeo ao Prof. Rui Moreira (Universidade de Lisboa) que gentilmente me enviou seu livro Psicologia, filosofia e f-sica quntica: o princpio de complementaridade no scu-lo de Bohr, auxiliando-me na traduo e na redao desta apresentao. Contudo, como de praxe, suas eventuais in-coerncias so de minha inte-gral responsabilidade.

    Harald Hffding nasceu em 1843, em Copenhague, cidade onde iniciou seus estudos de teologia. O aprofundamento na obra de seu conterrneo Sren Kierkegaard o conduziu tnue fronteira entre teologia e filosofia. Em 1870, doutorou-se com uma tese sobre a con-cepo grega da vontade humana, passando ento a lecionar sobre filosofia contempornea na Alemanha e na Inglaterra, at retornar em 1880 sua cidade natal, ao ser aceito como professor universit-rio. Em 1882 publicou o influente Esboo de uma psicologia fundada sobre a experincia, logo traduzido para o alemo, o ingls, o russo, o polons e o francs. Em 1887, publicou Moral, tambm traduzi-do para o ingls e o francs, obra em que buscou encontrar uma matriz comum entre a filosofia transcendental alem e a psicologia experimental inglesa, o que marcaria todo o seu pensamento. Sua obra compreende ainda o volume enciclopdico Histria da filosofia moderna, traduzido para o ingls, o francs, o alemo e o espanhol, alm de outros cinco volumes que compem sua obra principal: O pensamento humano (1910); Totalidade como categoria (1925); Re-lao como categoria (1925); Teoria do conhecimento e concepes de vida (1927); e O conceito de analogia (1931). Alm disso, publicou livros sobre moral, filosofia da religio e tambm sobre filsofos em particular, como Kierkegaard, Pascal, Nietzsche, Rousseau, Bergson, Spinoza, e o volume Filsofos contemporneos (1924). Seu epistol-rio compreende importante troca de correspondncias com . Meyer-son (1939). Bergson (1917) tambm lhe enviou uma conhecida carta, como resposta ao livro em que Hffding examina sua obra. Outros intelectuais clebres tambm comentaram ou prefaciaram seus livros, como fizeram Boutroux, Janet, Delbos e William James. Hffding admitia ter sido influenciado diretamente por Spinoza, Kant e Scho-penhauer, mas tambm reconheceu a importncia de muitos filsofos e psiclogos contemporneos para seu pensamento, como Spencer, Bergson, Wundt e William James. Hffding faleceu no ano de 1931, em Copenhague.

    O texto O conceito de vontade foi publicado em francs como o primeiro artigo da edio n XV (1) da Revue de mtaphysique et de morale, no ano de 1907. Seu autor, quase desconhecido no Brasil, onde nenhum de seus numerosos trabalhos se encontra traduzido, foi um dos protagonistas da querela envolvendo a relao entre psico-logia e filosofia na virada do sculo XIX para o XX. Dinamarqus, Hffding acompanhou com a postura peculiar ao estrangeiro as pu-blicaes de pensadores franceses, ingleses, americanos e alemes, expressando-se nas lnguas mais correntes do pensamento ocidental, que conhecia bem, e nas quais teve seus textos, quando escritos em seu idioma natal, com frequncia traduzidos. A Revue de mtaphysi-que et de morale, fundada em 1893 por um grupo de pensadores que constituiria alguns anos depois a Socit franaise de philosophie,

    Caio Souto

    UFSCar, So Carlos, SP, Brasil.

    Doutorando em Filosofia pela UFSCar. Bolsista CAPES. [email protected]

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    centrado nas figuras de Xavier Lon, Elie Halvy e Lon Brunschvicg, foi um veculo de circulao de ideias criado com o objetivo de com-bater o positivismo cientfico e o misticismo religioso ento triunfan-tes na Frana, com vistas a recolocar a metafsica e a moral na pers-pectiva de um racionalismo intelectualista. Os debates que a tiveram lugar produziram um embate entre temas filosficos, psicolgicos e sociolgicos, do qual participaram intelectuais notveis da poca (Boutroux, Bergson, Durkheim, Lvy-Bruhl, Poincar, entre outros), o que elevou rapidamente o peridico ao primeiro plano da vida filos-fica francesa e europeia. Nesse panorama, inscreveu-se parte da obra de Harald Hffding, que teve seis de seus artigos impressos naquela revista, j que sua temtica corresponde, em algum aspecto, quela que animou a atmosfera fin-de-sicle francesa, com a contraposio entre o neo-kantismo e a nova filosofia de Bergson.

    Contudo, sua contribuio no se circunscreve apenas aos de-bates proporcionados por essa revista francesa. Sua produo de arti-gos teve ampla repercusso tambm em outras naes. Na Alemanha, publicaria dois artigos no abrangente peridico Archiv fr Geschichte der Philosophie (fundado em 1888), alm de outros quatro no Kant--Studien (fundado em 1896) que, apesar da especialidade sugerida por seu ttulo, veiculava certa diversidade de temas e de reas do pen-samento, orientando-se sobretudo para a lgica e para a teoria das cincias. Nos EUA, a International Journal of Ethics contou com trs escritos do autor, j desde seu primeiro nmero de 1890; a The Monist (fundada em 1888) tambm publicaria outros dois de seus artigos; o Journal of Philosophy, Psychology and Scientific Method (fundado em 1905) teve a ocasio de v-lo entre seus colaboradores ao menos uma vez; assim como o American Journal of Sociology (fundado em 1895). Na Inglaterra, a Mind (fundada em 1876, refundada em 1891) fez conhecer dois dos trabalhos do autor. O que todos esses respei-tveis peridicos tm em comum que, alm de sua contempornea fundao, provenientes de uma iniciativa editorial correlata em di-versos pases ocidentais, propem todos, em sua temtica, uma inter-disciplinaridade, estimulando o entrecruzamento dos problemas da filosofia, da epistemologia, da psicologia e da moral. Hffding pde ver frequentemente suas ideias ocupando pginas contguas s das maiores personalidades intelectuais em suas lnguas, o que faz dele uma figura de extrema importncia no cenrio intelectual da poca. Assim como ele, muitos autores importantes deixaram de ser lidos, em grande medida por conta da crescente especializao pela qual passaram os j mencionados peridicos, aos quais vieram se acrescer muitos outros em torno de questes cada vez mais especficas. Obras como a de Hffding foram preteridas pelas que se limitam a discutir pontos especficos de disciplinas cada vez mais restritas a pequenos domnios, tanto no mbito da psicologia quanto no da filosofia.

    Ipseitas, So Carlos, vol. 1, n. 2, p. 142-143, jul-dez, 2015