1133 areas de preservacao ambiental em zona de fronteira 23-10-2015

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    REAS DE PRESERVAOAMBIENTAL EM ZONA

    DE FRONTEIRASugestes para uma cooperao internacionalno contexto da Amaznia

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    MINISTRIO DASRELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Mauro Luiz Iecker VieiraSecretrio-Geral Embaixador Srgio Frana Danese

    FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

    Presidente Embaixador Srgio Eduardo Moreira Lima

    Instituto de Pesquisa deRelaes Internacionais

    Diretor Embaixador Jos Humberto de Brito Cruz

    Centro de Histria eDocumentao Diplomtica

    Diretor Embaixador Maurcio E. Cortes Costa

    Conselho Editorial daFundao Alexandre de Gusmo

    Presidente Embaixador Srgio Eduardo Moreira Lima

    Membros Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg Embaixador Jorio Dauster Magalhes e Silva Embaixador Gonalo de Barros Carvalho e Mello Mouro Embaixador Jos Humberto de Brito Cruz Embaixador Julio Glinternick Bitelli Ministro Lus Felipe Silvrio Fortuna

    Professor Francisco Fernando Monteoliva Doratioto Professor Jos Flvio Sombra Saraiva Professor Eiiti Sato

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada aoMinistrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobrea realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promovera sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para apoltica externa brasileira.

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    Braslia, 2015

    Pedro de Castro da Cunha e Menezes

    REAS DE PRESERVAOAMBIENTAL EM ZONA

    DE FRONTEIRASugestes para uma cooperao internacionalno contexto da Amaznia

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    Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de Gusmo

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 BrasliaDFTelefones:(61) 2030-6033/6034Fax:(61) 2030-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Equipe Tcnica:Eliane Miranda PaivaFernanda Antunes SiqueiraGabriela Del Rio de RezendeLuiz Antnio GusmoAndr Luiz Ventura Ferreira

    Projeto Grfco e Capa:Yanderson Rodrigues

    Programao Visual e Diagramao:Grfca e Editora Ideal

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei no10.994, de 14/12/2004.

    Brasil 2015

    M543 Cunha e Menezes, Pedro de Castro da.reas de preservao ambiental em zona de fronteira : sugestes para uma cooperao

    internacional no contexto da Amaznia / Pedro de Castro da Cunha e Menezes. Braslia :FUNAG, 2015.

    374 p. (Coleo CAE).

    ISBN 978-85-7631-571-1

    Trabalho apresentado originalmente como tese, aprovada no LVI Curso de AltosEstudos do Instituto Rio Branco, em 2011.

    1. rea de preservao ambiental. 2. Fronteira - Brasil. 3. Amaznia. 4. Polticaambiental - Brasil. 5. Proteo ambiental. 6. Cooperao ambiental. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD 333.72

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    Apresentao

    O trabalho apresentado pelo conselheiro Pedro daCunha e Menezes ao Instituto Rio Branco comoconcluso do Curso de Altos Estudos em Diplomacia do

    Itamaraty, denominadoreas de preservao ambiental emzonas de fronteira: sugestes para uma cooperao internacionalno contexto da Amaznia, constitui -se em rica e inditacontribuio sobre as estratgias a serem adotadas pelo Brasilem relao ao tema.

    Nesse trabalho, Pedro da Cunha e Menezes conjuga suaexperincia diplomtica como conselheiro do Itamaraty, j

    tendo servido em postos em vrias partes do mundo, com

    uma trajetria dedicada s reas protegidas, que o tornouum dos maiores conhecedores do tema no Brasil.

    O interesse pelas unidades de conservao e o fato

    de ter servido ao Itamaraty em postos no exterior, alm

    de lhe permitir acompanhar o contexto da discusso sobre

    o tema nos fruns internacionais, criaram condies para

    que visitasse e conhecesse em detalhe parques e reservas domundo inteiro, em especial no que diz respeito s estratgias

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    de gesto adotadas pelos pases que mais se destacam nessa

    rea, tanto no que diz respeito conservao quanto sestratgias de uso pblico.

    Alm disso, o autor traz na bagagem sua experincia

    como diretor de uma das mais relevantes unidades de

    conservao do pas, o Parque Nacional da Floresta da Tijuca,no Rio de Janeiro, e mais recentemente, ocupou a Diretoriade Criao e Manejo de Unidades de Conservao do InstitutoChico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio)

    no perodo de 2012/2013. Essa trajetria, e sua dedicao anlise do tema, fazem de Pedro Menezes um dos principaisespecialistas em estratgias de uso pblico de unidades de

    conservao no pas.Como base para o desenvolvimento do trabalho, o texto

    traa a linha evolutiva do pensamento conservacionista nocontexto internacional, nas ltimas dcadas, e a importantecontribuio do Brasil nesse processo, como detentor no s

    da maior biodiversidade do planeta, mas de uma das maiorescoberturas de reas protegidas.

    Ao avaliar o contexto brasileiro, o trabalho refere

    ao mesmo tempo uma significativa evoluo no contexto

    institucional relacionado ao tema e a construo de um

    modelo que superou a histrica diferena entre o pensamentoconservacionista e o socioambientalismo, com a criao, no

    mbito do Sistema Nacional de Unidades de Conservao,de um conjunto de categorias que articulam desde as reas deproteo integral at as unidades de uso sustentvel, onde

    se enquadram as reservas extrativistas, que tiveram origemna luta dos povos da Amaznia, em especial sob a lideranade Chico Mendes.

    O ineditismo do trabalho apresentado inicia-se pela

    correlao entre a evoluo do conceito de reas protegidas no

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    mbito das Convenes multilaterais e as discusses relativas

    s reas de proteo adjacentes em zonas de fronteira entredois ou mais pases. Trata -se de uma esfera bastante sensvel,pois trabalha com a necessidade do dilogo sobre a soberaniados pases na gesto dos seus territrios e a necessidade dese construir modelos que possibilitem estratgias de gestoque permitam uma sintonia de objetivos, trabalhando sob algica ecossistmica. Um desafio que exige necessariamenteum processo de interao entre as Chancelarias e os rgos

    voltados gesto das reas protegidas no mbito dos governosnacionais. A situao ainda mais complexa quando essas

    zonas de fronteira so marcadas por conflitos de territrio

    entre os pases, ou ameaas como presena de guerrilhas,

    trfico de drogas, contrabando, entre outros conflitos, em

    geral combinados com a baixa presena do Estado nessas

    reas.Aps uma avaliao mais conceitual sobre o contexto

    internacional, o trabalho prossegue em seu ineditismo ao

    apresentar experincias concretas sobre o manejo e gesto

    de reas protegidas em zonas de fronteira em todos os

    continentes. Nesse ponto, conjugam-se um amplo trabalho depesquisa do autor com a experincia concreta de ter conhecidoas estratgias de gesto e visitado as principais reas

    protegidas na maioria dos pases referidos no documento.

    A partir da, o texto se debrua sobre o seu objetocentral: a reflexo sobre a importncia do Brasil, detentor

    da maior parte da floresta amaznica e da maior rea de

    fronteira com os demais pases que compe esse bioma,

    ter uma estratgia para a cooperao na gesto das reas

    protegidas situadas em suas reas limtrofes.Como bases concretas para essa reflexo, o autor

    apresenta o conjunto de reas de proteo ambiental

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    situadas em zonas de fronteira com a Bolvia, Peru, Colmbia,

    Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa, abrangendotodas as variantes possveis, seja em termos de dimensesterritoriais quanto das categorias de conservao, bem

    como um breve panorama das condies institucionais de

    gesto dessas reas e as diferentes nuances das polticas

    de conservao de cada pas.O autor apresenta claramente uma opinio de que o

    Brasil deve ser protagonista nas discusses sobre o tema na

    relao com os pases fronteirios e no contexto internacional,seja pela importncia objetiva que a regio da Amaznia temno contexto das fronteiras do Brasil, seja pela importncia

    estratgica da regio para a segurana nacional (e as ameaasdecorrentes de uma eventual baixa presena do Estado nessasreas), ou pelo fato de o Brasil ser detentor da maior parte doterritrio amaznico, detentor da maior biodiversidade

    do planeta. O grau de ateno dado Amaznia nos fruns

    multilaterais e sua importncia na discusso sobre o futurodas mudanas climticas tambm so elementos que

    justificam a relevncia a ser dada pelo pas a essa discusso.Por outro lado, no captulo sobre capacidade insti-

    tucional de manejo e gesto do Estado brasileiro sobre as

    reas protegidas, verifica-se que, embora o Brasil tenha

    avanado significativamente em termos institucionais, com

    o incremento na criao de parques e reservas, em sintoniacom as metas internacionais, e na criao de um rgoespecfico, no mbito do Ministrio do Meio Ambiente, o

    ICMBio, em 2007, deixa ainda muito a desejar em termos

    de implementao, como mostram vrios estudos referidospelo autor no mbito desse trabalho.

    Em termos de capacidade de gesto, inclusive, o

    Brasil demonstra desvantagem em relao a vrios pases

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    fronteirios, onde as unidades de conservao tm estratgias

    de uso pblico mais consolidadas e as reas protegidas estoinseridas como ativos importantes das polticas de atraoturstica.

    Embora esse no seja o objeto do trabalho, o texto

    trata das carncias de capacidade institucional como uma

    questo bastante relevante para o desenho da estratgia decooperao do Brasil com os pases fronteirios.

    Entre os principais problemas aparecem o financiamento

    e a alocao de pessoal nas unidades de conservao. Apesardas carncias em termos oramentrios, o Brasil tem acessodiferenciado a fundos com recursos externos, como o Fundo

    Amaznia, e tem um dispositivo na Lei do SNUC (Sistema

    Nacional de Unidades de Conservao) que obriga as empresasa destinarem percentual dos seus investimentos em todos oslicenciamentos de empreendimentos de significativo impactoambiental, de carter extraoramentrio, que garante um

    padro significativo de ingresso de meios especificamente

    destinados criao e estruturao de UCs.Esse contexto suscita uma reflexo sobre at onde nossos

    problemas se devem falta de recursos, e at onde se devem aomodelo de gesto adotado, que estabelece limitaes bastantesignificativas ao desenvolvimento de estratgias de uso pblicodas reas protegidas.

    Por outro lado, como os estudos demonstram queem um modelo tradicional, onde todos os servidores dos

    parques e reservas sejam funcionrios pblicos, avalia-se

    que seria necessrio um efetivo de aproximadamente dez

    mil servidores no mbito do ICMBio para o funcionamentoadequado de todas as unidades de conservao federais, o queaparentemente uma meta bastante difcil de ser alcanada,visto que atualmente o Instituto tem em torno de dois mil

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    colaboradores efetivos. Essa limitao deveria fazer com

    que o governo brasileiro avaliasse a possibilidade de buscaroutros mecanismos, como as parcerias com a sociedade civile a concesso de servios, como alternativas para minimizaresse problema e estabelecer uma meta progressiva e realistapara diminuir a defasagem entre reas protegidas formais ereas efetivamente implementadas no pas.

    As limitaes apresentadas devem ser enfrentadas

    no mbito do processo de amadurecimento institucional e

    definio de conceitos estruturantes a serem adotados peloICMBio, que ainda um rgo em processo de estruturaocom menos de uma dcada de existncia.

    Esse contexto, que, de um lado, marca a importncia

    estratgica de o Brasil liderar o processo de cooperao paraa gesto dos parques e reservas na zona de fronteira, e, de

    outro, deixa evidente nossa limitao na implementao dasreas protegidas, o que embasa o captulo de concluso do

    trabalho.Face influncia do Grupo de Especialistas em reas

    Protegidas Transfronteirias constitudo no mbito da UICN,no contexto das discusses globais sobre o tema nos frunsmultilaterais bastante adequada a recomendao do autorde que o Brasil tenha maior acompanhamento e presena nasdiscusses, atravs dos tcnicos vinculados aos Ministrios

    do Meio Ambiente e de Relaes Exteriores.Ao mesmo tempo, as recomendaes do autor a respeitodo caminho a ser trilhado pelo Brasil vo em sentido de umaposio de cautela que equilibre o interesse geopoltico com acapacidade instalada de gesto nas Unidades de Conservaoamaznicas, ainda bastante dbil. na busca desse equilbrioque a concluso do trabalho aponta que o Brasil deveria buscarintensificar projetos de cooperao em torno de projetos

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    pontuais, priorizando as unidades nas quais temos maior

    capacidade instalada e presena de Estado, ao mesmo tempoem que se prepara estrategicamente para, no futuro, buscarno mbito da cooperao com os pases da regio experinciasmais abrangentes de manejo internacional de mosaicos de

    reas protegidas.Tendo acompanhado diretamente o debate das

    estratgias de conservao do Brasil ao longo das ltimasduas dcadas, estou certo de que o trabalho apresentado

    constitui significativa e indita contribuio para o Pas,tanto no plano das relaes internacionais, quanto na

    discusso sobre as polticas pblicas relacionadas gestodas reas protegidas, constituindo-se em importante

    referencial nesse tema.

    Claudio Langone1

    1 Engenheiro qumico e consultor em sustentabilidade, foi secretrio municipal de Meio Ambiente de PortoAlegre, secretrio estadual de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul e secretrio-executivo do Ministriodo Meio Ambiente de 2003 a 2007, durante a gesto da ministra Marina Silva. Foi tambm coordenador daAgend a de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Copa do Mundo Fifa 2014 pelo Ministr io do Esporte.

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    Sumrio

    Siglas e abreviaturas .....................................................17

    Introduo ....................................................................21O que so reas protegidas? ...............................................21

    1. A evoluo do conceito de reas protegidas luz das convenes multilaterais ..................................37

    1.1 O iderio ambientalista para a gestoe o manejo de reas de proteo ambientalcontguas em zona de fronteira ....................................38

    1.2 As tentativas de criao de um conjunto de

    diretrizes categorizando os diferentes nveisde cooperao em reas de proteo adjacentes,ainda que localizadas em diferentes pases .................40

    2. A realidade atual do manejo e gesto de reasde proteo ambiental em zonas de fronteira nomundo em geral ............................................................63

    2.1 Amrica do Norte ....................................................76

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    2.2 Amrica Central ......................................................83

    2.3 Europa .....................................................................932.4 frica .....................................................................109

    2.5 sia ........................................................................126

    2.6 Amrica do Sul ......................................................130

    3. As reas de proteo ambiental em zona defronteira na Amaznia brasileira................................143

    3.1 Relevncia estratgica ..........................................202

    3.2 Riscos e oportunidades: as reas de proteoambiental em zona de fronteira na Amazniabrasileira como plataforma possvel de projeoda soberania ................................................................210

    3.3 O papel das reas de proteo ambientalem zona de fronteira na Amaznia nas polticasde integrao do Brasil com seus vizinhos .................216

    3.4 Capacidade institucional de manejo egesto que o Estado brasileiro tem sobreas reas protegidas ......................................................222

    4. Possibilidades externas luz dascapacidades internas ..................................................241

    Concluso ...................................................................255

    Referncias .................................................................269

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    Anexos

    Anexo I - Acordos de Cooperao entre reas protegidasinternacionalmente contguas em zona fronteira ...........311

    1.1. Memorandum of Understanding betweenthe National Park Service of the Departmentof the Interior of the United States of Americaand Parks Canada of the Department of CanadianHeritage of the Government of Canada,on cooperation in management, research,protection, conservation, and presentation ofNational Parks and National Historic Sites(May 1998) ..................................................................311

    1.2. Acordo de Cooperao entre o ParqueNacional da Peneda Gers e o Parque Naturalda Baixa Limia - Serra do Xurs ..................................318

    1.3. Memorando de Entendimento sobreColaborao ransfronteria entre o Ministriodo Ambiente, Ordenamento do erritrio e doDesenvolvimento Regional de Portugal e oMinistrio do Meio Ambiente, Meio Rural eMarinho de Espanha para reas ClassificadasSitas no ejo Internacional .........................................322

    1.4. Bilateral Agreement Between the

    Government of the Republic of Botswanaand the Government of the Republic ofSouth Africa on the Recognition of theKlagadi ransfrontier Park .........................................328

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    1.5. reaty Between the Government of the

    Republic of Mozambique, the Government ofthe Republic of South Africa and the Governmentof the Republic of Zimbabwe on the Establishmentof the Limpoporansfrontier Park ................................... 339

    1.6. Memorandum of Understanding Betweenthe Government of Southern Sudan and theGovernment of Uganda on the Managementof ransboundary Conservation Landscapesfor Peace ......................................................................355

    1.7. Joint Statement of Representatives ofthe Governments of the Republic of Albania,Bosnia and Herzegovina, the Republicof Croatia, Montenegro, the Republicof Serbia and the Republic of Slovenia ......................358

    Anexo II - Fotografias ilustrativas de algumasunidades de conservao com limites coincidentescom fronteira internacional, visitadas pelo autorem viagens de campo. ........................................................361

    2.1. Marco fronteirio Brasil, Guiana,Venezuela dentro do Parque Nacional doMonte Roraima ...........................................................361

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    Siglas e abreviaturas

    Abin Agncia Brasileira de Inteligncia

    APA rea de Proteo Ambiental (categoria de unidade

    de conservao prevista no SNUC)

    Arpa Programa reas Protegidas da AmazniaCDB Conveno da Diversidade Biolgica

    Conama Conselho Nacional do Meio Ambiente

    COP Conferncia das Partes

    CI Conservation International

    Cirad Centre de Coopration Internationale en Recherche

    Agronomique pour le Dveloppement

    Dema Diviso do Meio Ambiente (do MRE)DPF Departamento de Polcia Federal

    EPA Environmental Protection Authority (Guiana)

    Esec Estao Ecolgica

    Europark Federation Europark Federation of National

    and Nature Parks

    FAN Friends of Nature Foundation

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    Pedro de Castro da Cunha e Menezes

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    FAP Fundo de reas Protegidas do Programa reas

    Protegidas da AmazniaFlona Floresta Nacional

    G Grupo de rabalho

    G Deutsh Gesellshaff fr echnishe Zusammenarbeit

    (agncia de cooperao tcnica alem)

    Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

    ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da

    BiodiversidadeICNB Instituto da Conservao da Natureza e da

    Biodiversidade de Portugal

    IIRSA Iniciativa para Integrao da Infraestrutura Sul

    Americana

    Imaflora Instituto de Manejo e Certificao Florestal e

    Agrcola

    Imazon Instituto do Homem e Meio Ambiente daAmaznia

    Inderena Instituto Nacional de los Recursos Naturales

    Renovables (Colmbia)

    Inparques Instituto Nacional de Parques (Venezuela)

    Inrena Instituto de Recursos Naturales (Peru)

    IRF International Ranger Federation

    KFW Kreditanstalt fr Wiederaufbau (banco de fomento

    alemo)

    KWS Kenya Wildlife Service

    MMA Ministrio do Meio Ambiente

    Nuruc Ncleo Regional de Unidades de Conservao

    Federais do Estado do Rio de Janeiro

    OEA Organizao dos Estados Americanos

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    Siglas e abreviaturas

    OIM Organizao Mundial de Madeiras ropicais

    ONG Organizao No GovernamentalOCA Organizao do ratado de Cooperao Amaznica

    PAG Parc Amazonin de Guyane (Guiana Francesa)

    Parna Parque Nacional

    PNM Parque Nacional das Montanhas do

    umucumaque

    Pnuma Programa das Naes Unidas para o Meio

    Ambiente e DesenvolvimentoRamsar Conveno Sobre as Zonas midas de

    Importncia Internacional, Especialmente como Habitat

    de Aves Aquticas

    Rebio Reseva Biolgica

    Resex Reserva Extrativista

    Sivam Sistema de Vigilncia da Amaznia

    SNUC Sistema Nacional de Unidades de ConservaoCA ratado de Cooperao Amaznica

    NC Te Nature Conservancy

    UICN Unio Internacional para a Conservao da

    Natureza

    Usaid United States Agency for International

    Development (agncia de cooperao tcnica norte-

    -americana)

    UWA Uganda Wildlife Authority

    Unesco Organizao das Naes Unidas para a Educao,

    a Cincia e a Cultura

    WWF World Wide Fund for Nature

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    Introduo

    O que so reas protegidas?

    a. Delimitao do tema e relevncia

    O estudo destina-se anlise da questo da administraodas unidades de conservao2 brasileiras localizadas nas fronteirasamaznicas luz do interesse nacional permanente, com o objetivo desubsidiar linhas de ao a serem desenvolvidas pelo governo nos tratosdomstico, bilateral e multilateral do tema. Sempre com o intuito deapontar alvos de oportunidades externas, desde que devidamentelastreados nas capacidades de manejo, gesto e fiscalizao internas.

    Assim, trata de discutir oportunidades, benefcios e riscos dos

    diferentes nveis de cooperao com os pases limtrofes para as reasde preservao ambiental localizadas na fronteira comum. O trabalho desenvolvido com foco prtico. em por pressupostos a infraestruturaexistente, a presena e a densidade institucional do Estado brasileiro nasregies objetos de estudo. So passadas em revista as possibilidades de

    2 Ao longo do texto os termos rea protegida e unidade de conservao sero usados como sinnimos.

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    Pedro de Castro da Cunha e Menezes

    ao e projeo externas advindas de tal cooperao, sempre vinculadas

    s capacidades da mquina administrativa do Estado brasileiro.O trabalho discute as oportunidades e os riscos de se gerir asunidades de conservao ambiental fronteirias de forma isoladaou de maneira integrada s suas reas contguas alm-fronteira,passando por situaes intermedirias submetidas a diferentesnveis de cooperao e contatos internacionais. Busca mostrar opotencial que uma poltica de cooperao executada a partir das reasprotegidas em zona de fronteira tem para as iniciativas de integrao

    do Brasil aos seus vizinhos e para a poltica externa brasileira na regioamaznica. A anlise leva em considerao as condicionantes externas(convenes ambientais, tratados multilaterais, pases vizinhos,organizaes no governamentais etc.), as condicionantes internas(burocracia do Ministrio do Meio Ambiente e de outras instituiesoficiais, organizaes no governamentais, opinio pblica etc.) e ascapacidades institucionais de gesto, manejo e controle do territrio.O autor no discutir em profundidade o tema da integrao fsica da

    Amrica do Sul, embora seja sua inteno apontar os pontos de contatoentre o objeto do trabalho e o tema supracitado, buscando mostrarcomo a cooperao executada a partir das reas protegidas em zonade fronteira pode servir de instrumento ancilar para a Poltica ExternaBrasileira no que tange integrao do continente.

    No se busca um tratamento demasiado abrangente do objeto dotrabalho. Pelo contrrio, busca-se um enfoque direcionado anlise

    do manejo e das possibilidades de cooperao nas reas de proteoambiental em zona de fronteira no contexto da Amaznia. O trabalhoprocura apresentar as oportunidades de projeo internacional doBrasil por meio dessas unidades de conservao, luz da sua baixaimplementao institucional, e analisa as diversas implicaes dessasoportunidades. Para tanto, necessrio esmiuar as realidades nocampo do manejo e da gesto exercidos em ambos os lados da fronteira.

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    reas de preservao ambiental em zona de fronteira

    A relevncia do tema se manifesta na medida em que est

    cada vez mais presente na agenda das instncias responsveis pelaimplementao das convenes ambientais internacionais. Conta,ademais, com a simpatia dos profissionais e autoridades da rea deconservao ambiental no Brasil, bem como da imprensa especializada.al alinhamento ideolgico tem provocado pequenos movimentosno sentido de tentar legitimar a gesto integrada de unidades deconservao em zona de fronteira, como se verificou com determinao,publicada pelo Ibama, em 2002, no Roteiro Metodolgico de

    Planejamento de Parques Nacionais, Reservas Biolgicas e EstaesEcolgicas de que os planos de manejo das unidades de conservaofederais devero situar a rea protegida no contexto internacional(quando couber), fazendo uma anlise da regio ou do entorno darespectiva unidade de conservao3. Quatro anos mais tarde o temacooperao internacional entre reas protegidas internacionalmenteadjacentes foi includo como um dos objetivos do Plano Nacional dereas Protegidas, publicado em 2006, que em seu Objetivo 1.2, prega:

    Estabelecer e fortalecer redes de colaborao, atravs das fronteirasnacionais, entre unidades de conservao e demais reas protegidascontguas ou prximas. Como metas, o documento almejava: At2007 propor acordos internacionais com todos os pases vizinhospara gesto colaborativa das unidades de conservao e demais reasprotegidas e at 2007 estabelecer a estratgia de participao do Brasilnas redes de colaborao regionais contguas ou prximas, atravs das

    fronteiras nacionais. Para atingir o objetivo, o documento recomenda:Propor polticas e desenvolver programas com pases adjacentes,

    com a cooperao de parceiros interessados no estabelecimento de

    redes de colaborao regionais de unidades de conservao e outras

    reas protegidas, particularmente em reas identificadas como de

    prioridade comum para fins de conservao e uso sustentvel dos

    3 Vide Roteiro Metodolgico de Planejamento Parques Nacionais, Reservas Biolgicas e Estaes Ecolgicas.

    Braslia: IBAMA, 2002, p. 136.

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    recursos naturais. Propor aos pases vizinhos a gesto colaborativa

    das unidades de conservao e demais reas protegidas contguas ou

    prximas, atravs das fronteiras nacionais. Propor aos pases vizinhos

    a criao conjunta, onde necessrio, de novas unidades de conservao

    e outras reas protegidas contguas ou prximas, atravs das fronteiras

    nacionais, e a criao de reas protegidas contguas nos pases

    adjacentes confrontadas quelas existentes no Brasil para garantir

    a conectividade; e estabelecer acordos de colaborao com ao menos

    cinco unidades de conservao e demais reas protegidas contguas

    ou prximas, atravs das fronteiras nacionais, visando promover a

    conservao e o uso sustentvel da diversidade biolgica at 20084.

    Exemplo mais recente ocorreu em agosto de 2007, quandoo Secretariado da Organizao do ratado de CooperaoAmaznica (OCA) realizou o Seminrio Para Formulao doPrograma Regional Para Gesto Sustentvel das reas ProtegidasAmaznicas. O evento, organizado com base no item Florestas,Solos e reas Naturais Protegidas do Plano Estratgico da OCA

    para 2004-2012, dedicou dois de seus trs dias e meio de durao discusso do tema reas Protegidas Adjacentes em Zona deFronteira.

    A relevncia do tema se manifesta, ainda, na medida em queos passos dados pelo Ministrio do Meio Ambiente e respectivasautarquias no sentido de implantar uma gesto integrada nasunidades de conservao em zona de fronteira no parecem levar em

    considerao as carncias de implementao das reas protegidasbrasileiras nem a baixa presena institucional do Estado dentrodessas mesmas unidades, ensejando assim que eventuais acordosde cooperao possam atrair mais riscos do que oportunidadese possam implicar na prtica cesso voluntria do exerccio dasoberania plena.

    4 VidePlano Nacional de reas Protegidas. Braslia: Ministrio do Meio Ambiente, janeiro de 2006, p. 27.

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    b. Breve viso histrica

    O estudo trata unidades de conservao como as define o artigo2 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservao de 18 dejulho de 2000 (Lei do SNUC):

    Unidade de conservao: espao territorial e seus recursos ambientais,

    incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais

    relevantes, legalmente institudo pelo Poder Pblico, com objetivos de

    conservao e limites definidos, sob o regime especial de administrao,

    ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo;

    Analogamente, para a compreenso dos conceitos de zona deamortecimento, mosaico e corredores, o estudo se baseia na Lei doSNUC, que os disciplina em seus Artigos 25 e 26:

    Art. 25. As unidades de conservao, exceto rea de Proteo Ambiental

    e Reserva Particular do Patrimnio Natural, devem possuir uma zona

    de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecolgicos. 1 O rgo responsvel pela administrao da unidade estabelecer

    normas especficas regulamentando a ocupao e o uso dos recursos da

    zona de amortecimento e dos corredores ecolgicos de uma unidade

    de conservao.

    2 Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecolgicos

    e as respectivas normas de que trata o 1 podero ser definidas no

    ato de criao da unidade ou posteriormente.

    Art. 26. Quando existir um conjunto de unidades de conservao de

    categorias diferentes ou no, prximas, justapostas ou sobrepostas,

    e outras reas protegidas pblicas ou privadas, constituindo um

    mosaico, a gesto do conjunto dever ser feita de forma integrada

    e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de

    conservao, de forma a compatibilizar a presena da biodiversidade,

    a valorizao da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentvel no

    contexto regional.

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    Para a anlise do tema proposto importante, ainda, compreender

    o processo formador do conceito de unidade de conservao. Desdeos primrdios, e durante a quase totalidade da existncia da espciehumana, sua relao com o meio ambiente foi marcada pelo conflito.Na Histria ocidental, a natureza figura protagonicamente comoadversrio a ser temido, domado e, em muitos casos, destrudo. O medoque atualmente se reserva aos maremotos e furaces equivalenteao que se tinha em tempos no to pretritos com relao floresta, aooceano, escurido e aos grandes predadores.

    Milnios vividos sob o domnio do medo marcaram a culturaocidental e legaram traos fortes ao idioma portugus. Em plenosculo XXI, ainda contamos s crianas que o caador herico vemsalvar chapeuzinho vermelho do lobo mau. Por outro lado, se noachamos mais o mar tenebroso, ainda dizemos que um problema dedifcil soluo coloca quem o enfrenta num mato sem cachorro eque um sujeito mal educado um selvagem. O desenvolvimento daespcie humana e sua supremacia sobre as demais foram se dando

    na medida em que aprendemos a controlar a natureza, utilizando-apara nossos prprios objetivos. Nesse contexto, o domnio da tcnicade fazer fogo, a domesticao dos primeiros animais e a agriculturaforam etapas decisivas na relao com o meio ambiente, que passoucrescentemente a ser pautada pelo controle do espao necessrio satividades vitais de um determinado grupo. A dimenso do espaoconcebida na razo direta do tamanho do grupo. al controle dava-

    -se, via de regra, pela interao predatria do Homem com a naturezaque o cercava, pelo desmatamento para dar lugar agricultura eao pastoreio ou pela caa, pesca e coleta de frutos e vegetais. Comfrequncia todas essas atividades exercidas simultaneamente.

    Assim parece ter evoludo a Humanidade. Inicialmente, contudo,essa relao conflituosa e predatria no afetava demasiadamente aabundncia de recursos naturais, j que os homens eram poucos, noviviam at idades longevas e eram desprovidos de tecnologia avanada.

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    Para usar a terminologia ambiental contempornea, embora fosse

    nociva ao meio ambiente, a populao humana estava dentro doslimites da capacidade de suporte do planeta e por isso mantinha comele uma relao sustentvel.

    medida que os homens se multiplicaram e novas ferramentase implementos foram inventados, a degradao ganhou novoscontornos. Madeira comeou a ser derrubada para a construo decasas e muralhas, montanhas foram cavoucadas para a extraode minerais, pntanos drenados para criar espaos cultivveis e assim

    por diante. Quanto mais se multiplicavam as populaes, sobretudona Europa e no leste da sia, mais era necessrio tomar espao natureza para aumentar o rebanho e incrementar a agricultura. Umefeito colateral nesse momento foi o expressivo crescimento da caaaos grandes predadores, agora menos pelo perigo que representavampara as pessoas do que pelo estrago que faziam ao gado, abatendo maiscabeas do que seria aceitvel para o fazendeiro. Os carnvoros do topoda cadeia alimentar no velho continente, como o leo europeu, esto

    entre as primeiras extines de espcies animais causadas pela aoconsciente do Homem.

    Essa relao predatria, entretanto, durante muitos sculoscontinuou a ser de certa forma sustentvel. Sua face mais impactanteao meio ambiente afetava, sobretudo, a Europa. Mesmo l, devido aorelativo atraso tecnolgico, provocava impactos que, em grande parte,a prpria natureza era capaz de absorver. O frgil equilbrio at ento

    constitudo rompeu-se quando dois acontecimentos histricos sejuntaram para disseminar pelo mundo e acelerar o ritmo da utlizaodos recursos naturais pela espcie humana, levando o planeta a viver,quinhentos anos mais tarde, uma situao preocupante do pontode vista da sua prpria sustentabilidade. Foram eles os avanos nanavegao, que permitiram aos povos europeus chegar a todos oscantos do globo e a Revoluo Industrial que modificou radicalmenteos padres de produo e consumo ento vigentes.

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    Assim, ao tempo em que os europeus desembarcavam nas

    Amricas e encontravam o caminho martimo para as ndias, os inventosda era manufatureira permitiam a produo em srie de diversos benspor mquinas que demandavam crescentes quantidades de matria--prima. J em princpios do sculo XIX alguns efeitos deletrios daRevoluo Industrial comearam a se fazer sentir. O inchamentodas cidades a velocidades mais rpidas que a criao de um sistemaeficiente de recolhimento de lixo, a falta de esgotamento sanitrio eobras de urbanizao aqum das necessidades tornaram insalubre a

    vida em muitas capitais da Europa. No campo, o desmatamento paraa produo agrcola e para o uso do carvo, ento principal fonte deenergia, devastou quase tudo o que sobrara de pristino na naturezaeuropeia.

    Problemas semelhantes se fizeram sentir no que era ento aprincipal cidade brasileira, o Rio de Janeiro. O desmatamento paraplantio do caf nos morros que flanqueavam a capital do Imprio cedocobrou seu preo. Os mananciais assorearam-se e, sem ter as copas das

    rvores para amortecer a queda dos pingos de chuva, a eroso do soloaumentou muito, carreando barro para os crregos e rios e fazendochegar aos chafarizes na cidade uma gua cada vez mais turva, cheiade impurezas e menos potvel.

    Em 1824, uma forte seca atingiu a antiga Corte. Repetiram-seproblemas de abastecimento dgua em 1829, 1830, 1833 e 1834,ensejando a edio de leis para obstar o corte de rvores. No adiantou.

    Em 1844, outra estiagem causou transtornos populao. A remooda cobertura florestal da Floresta da ijuca, cujas guas fluam para oprincipal aqueduto de abastecimento do Rio, era sempre apresentadacomo a grande vil. A soluo apontada pelos estudiosos de ento foi oreflorestamento das cabeceiras dos cursos dgua.

    Em 1856, o Imperial Instituto patrocinou reflexo intelectualentre a elite brasileira acerca da serventia das florestas comomantenedoras dos mananciais, reguladoras do clima, fontes de saber

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    botnico e reas de lazer. Seu presidente, Luiz Pedreira do Couto Ferraz,

    mais tarde sucessivamente agraciado com os ttulos de baro e viscondedo Bom Retiro, era um homem sintonizado com seu tempo. Seguiauma corrente de pensamento em voga na Europa, que estava pondo emquestionamento as consequncias negativas da Revoluo Industrialsobre a qualidade de vida. Na Alemanha, surgia o movimento defensorda identidade cultural germnica, que clamava pela destruio dascidades e pela volta aos campos. Espalhavam-se, ento, parques pelascapitais do mundo civilizado como forma de tornar a vida urbana mais

    saudvel. a poca de ouro dos paisagistas que remodelam o Bois deBoulogne em Paris, criam o Central Park em Nova Iorque e desenhamdezenas de novos espaos verdes em Manchester, Liverpool, Cardiff eoutros polos industriais da Gr Bretanha.

    A viso hegemnica entre as classes pensantes e, pela primeiravez na Histria ocidental, trata a natureza como algo mais que umestorvo a ser removido ou apenas um ativo econmico. A ideia de queuma floresta um bem coletivo a ser preservado por razes ligadas

    recreao absolutamente nova, mas ganha rapidamente fora,mesmo fora da Europa.

    Nos Estados Unidos, sob a liderana intelectual do arquitetoFrederick Law Olmstead, acaba por desembocar, em 1872, noestabelecimento do primeiro parque nacional do mundo, Yellowstone.Na Austrlia, em 1879, criado o Royal National Park que, na visodo ento primeiro-ministro da Provncia da Nova Gales do Sul, John

    Robertson, era uma necessidade para que os habitantes de Sydneypudessem escapar das agruras da vida urbana e ter acesso recreaoem um ambiente natural5.

    importante notar, entretanto, que as primeiras intervenesnesse parque australiano seriam inaceitveis em dias atuais: manguezaisforam aterrados para o plantio de gramados e animais exticos

    5 FAIRLEY, Alan. Discovering Royal National Park on Foot. 2 ed. Sydney: Envirobook, 2000, p. 14.

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    coelhos, raposas e veados foram introduzidos para proporcionar ao

    visitante oportunidades de visualizao de fauna. Outras unidades deconservao criadas em fins do sculo XIX foram o Parque Nacionalde Banff, no Canad, em 1885, o Parque Nacional de ongariro, na NovaZelndia, em 1887, e o Parque Nacional Kruger, na ento Repblica doransvaal, incorporada Unio Sul-africana aps a Guerra Anglo-Boer(1899-1902). Estabelecido com o nome de Reserva de Sabi, em 1898,ao redor da pequena vila de Skukuza, o futuro Parque Kruger tinhacomo principal atividade abrigar turistas em busca da oportunidade

    de ver em seu ambiente natural os Big Five leo, leopardo, elefante,bfalo e rinoceronte.

    Nessa mesma linha, como demonstra a pesquisadora CludiaHeynemann, tambm a Floresta da ijuca nasceu em 1861 com adupla funo de preservar os mananciais e de funcionar como reade lazer para os cariocas, elevando a capital do Imprio categoria demetrpole civilizada. Para o prprio Bom Retiro essa ideia estavamuito clara, como descortina Heynemann ao reproduzir relatrio do

    Baro sobre o replantio de mudas de mata nativa na ijuca, naquelemomento, j em curso: [quando estiver concludo o reflorestamento]nossas florestas ocuparo uma rea assaz extensa, tornando-se aomesmo tempo excelentes lugares de recreio e passeio pblico [...]6.

    Durante cerca de sessenta anos aps a criao de Yellowstone,com raras excees, como foi o caso de Itatiaia, inicialmente preservadopara a pesquisa botnica, a razo principal para se criar uma unidade

    de conservao era salvaguardar intocadas para futuras geraes reasnaturais escolhidas por sua extrema beleza ou grande importnciacomo protetoras de mananciais hdricos. Essa mesma concepofoi abraada pelo engenheiro e abolicionista Andr Rebouas e umpunhado de outros intelectuais que, como ele, foram os pioneiros

    6 FERRAZ , Luiz Pedreira do Couto. In:HEYNEMANN, Cludia. Floresta da ijuca, Natureza e Civilizao. Rio de

    Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1995, p. 61.

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    da preservao ambiental no Brasil7. Em 1876, apenas quatro anos

    depois da criao de Yellowstone, Rebouas iniciou uma campanhapara o estabelecimento de parques nacionais na Ilha do Bananal eem Sete Quedas. No foi completamente bem-sucedido. As dezenovecachoeiras de Sete Quedas acabaram submersas sob o lago de Itaipu,desaparecendo para sempre. J o Parque Nacional da Ilha do Bananalfoi criado em 1959, mais de meio sculo aps o suicdio, na Ilha daMadeira, de seu idealizador. Por outro lado, os esforos do grupode Rebouas formaram o alicerce do movimento conservacionista

    brasileiro. Graas a seus estudos e presses polticas, em 1937 o pasinaugurou seu sistema de reas protegidas com o estabelecimento doParque Nacional de Itatiaia. Dois anos depois, em 1939, foram criadosos parques nacionais da Serra dos rgos e do Iguau, este ltimoutilizando parcialmente a proposta de Rebouas para a proteo daregio de Sete Quedas e das Cataratas do Iguau.

    De acordo com essa corrente ideolgica, as unidades deconservao tinham valores modulares, divorciados de um conjunto

    maior do que cada uma delas. A ideia de que as reas protegidas tmum papel sistmico instrumental na preservao da biodiversidade svai comear a ganhar fora a partir da segunda metade do sculo XX,quando conclaves de pesquisadores em biologia, veterinria e zoologiada conservao reunidos, sobretudo, ao redor da Unio Internacionalpara a Conservao da Natureza (UICN)8 chegaram ao consenso de

    7 No documento de 112 pginas que publicou em defesa do estabelecimento de um Parque Nacional na regiode Sete Quedas, Rebouas escreveu: Desde a foz do r io Iva at a do Iguau, o r io Paran rene toda a gradaopossvel do bel ao sublime, do pitoresco ao assombroso! Formando uma prodigiosa escala de menor a maior ede maior a menor at o magnfico salto do Iguau.

    8 A UICN () a rede ambientalista internacional mais antiga do mundo. Fundada em1948, a instituio funciona como uma confederao que congrega 82 pases e cerca de mil organizaesno governamentais e da sociedade civil organizada em 160 pases, incluindo cerca de duzentos rgosgovernamentais (ministrios de meio ambiente, departamentos de parques nacionais, agncias ambientaisetc) e aproximadamente oitocentas organizaes no governamentais (entre as quais se destacam o WorldWide Fund for Nature WWF, a Conservation International CI, a BirdLife International e a Funatura).Alm disso, conta com um quadro de 1.100 funcionrios lotados em 60 escri trios ao redor do mundo e comuma rede de 11.600 pesquisadores e profissionais da rea ambiental, que trabalham voluntariamente paraalguma das suas seis comisses temticas (reas Protegidas, Legislao Ambiental, Educao Ambiental eComunicao, Poltica Social, Econmica e Ambiental, Sobrevivncia das Espcies e Manejo Ecossistmico).

    A UICN observadora of icial da Assembleia Geral das Naes Unidas. Seu trabalho utilizado com frequncia

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    que seria preciso proteger in situpercentuais relevantes de cada um

    dos ecossistemas conhecidos na erra. Desde ento, o debate sobreconservao ambiental tem evoludo muito. Aps a Segunda GrandeGuerra (1939-1945), o aumento exponencial da populao provocousignificativa reduo de regies pristinas para dar lugar a agricultura,pecuria e urbanizao. Logo ficou patente para a comunidadecientfica que a criao aleatria e no sistematizada de unidadesde conservao no constituiria poltica suficiente para garantir apreservao saudvel dos diferentes ecossistemas naturais. Sobretudo

    desde o incio da dcada de 1970, h uma mudana no paradigma.reas protegidas deixam de ser exclusivamente sinnimos de parquese reservas intocveis e passam a significar tambm espaos passveis deatividades extrativistas conducentes ao desenvolvimento sustentvel.

    No Congresso Mundial de Parques, que a UICN organizou emCaracas, em 1992, o documento final incluiu moo propondo queos pases assegurassem at 2010 a proteo de pelo menos 10% decada bioma conhecido em uma combinao de parques e reservas

    com reas protegidas onde extrativismo permitido. Acreditava-seque dessa forma seria possvel salvaguardar o pleno funcionamentodas dinmicas biticas e abiticas e garantir a preservao dasespcies contidas em todos os biomas terrestres. al recomendao,paulatinamente incorporada s polticas governamentais de vriospases, desencadeou uma onda de atos legais mundo afora criandouma srie de novas unidades de conservao, que nos ltimos

    anos multiplicaram exponencialmente a rea protegida nos cincocontinentes.Em abril de 2002, na Haia, dez anos aps o Congresso de

    Caracas, a 6 Conferncia das Partes da Conveno da Diversidade

    para subsidiar documentos e discusses de acordos ambientais multilaterais como a Conveno Ramsar, aConveno da Diversidade Biolgica, a Conveno das Espcies Migratrias e a Conveno do Combate Desertificao entre outros. A UICN reconhecida pela Conveno do Patrimnio Mundial, desde suaentrada em vigor, como o principal rgo tcnico de assessoria Unesco nos processos de avaliao edesignao dos stios naturais do patrimnio mundial da humanidade. ambm cabe UICN a elaborao

    e atualizao do Livro Vermelho das Espcies Ameaadas de Extino.

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    Biolgica CDB, incorporou o consenso cientfico mediante a deciso

    VI/9, que estabeleceu para 2010 o objetivo de que no mnimo 10% decada ecossistema estivessem protegidos in situ, ou seja, no interiorde unidades de conservao9.

    Em outra frente de pesquisas, principalmente a partir da dcadade 1960, estudos botnicos e zoolgicos demonstraram que a prtica decriar unidades de conservao por si s insuficiente para garantir apreservao dos ecossistemas de forma ntegra, isto , sem a extinode vrias de suas espcies. reas protegidas isoladas transformam-se

    em ilhas ecolgicas dificultando a troca gentica e, dessa maneira,no conseguem impedir o enfraquecimento do material genticodas espcies que encerram, tornando-as mais vulnerveis a pragas edoenas novas, o que em alguns casos leva extino. Alm disso, com afragmentao, as bordas das unidades de conservao ficam expostasa um ambiente modificado pelo Homem e se tornam mais suscetveis aimpactos danosos.

    Os limites externos de uma unidade de conservao so reas

    mais expostas a efeitos deletrios exgenos, tais como contato comespcies vegetais domesticadas, geneticamente modificadas ouestranhas quele habitat, que podem se tornar invasoras, proximidadecom predadores exticos a exemplo de gatos e ces, maior exposio luminosidade, ventos e calor e maior ressecao com consequenteincremento do risco de incndios. Baseada nessas premissas, acomunidade ambientalista passou a defender que mais importante que

    a quantidade de reas protegidas o tamanho da superfcie protegida

    9 arget 4: At least 10 per cent of each of the worlds ecological regions effectively conserved: About 10% of theland surface is currently covered by protected areas. In general, forests and mountain areas are well representedin protected areas, while natural grasslands (such as prairies) and coastal and estuarine ecosystems, includingmangroves, are poorly represented. he target would imply: (i) increasing the representation of differentecological regions in protected areas, and (ii) increasing the effectiveness of protected areas. Since someecological regions will include protected areas covering more than 10% of their area, the qualifier at leastis used. In some cases, ecosystems restoration and rehabilitation may be necessary. Effective conservation isunderstood to mean that the area is managed to achieve a favorable conservation status for plant speciesand communities. Various approaches are available for use in the identification of ecological regions, basedon major vegetation types. Further targets may be agreed in the future. O objetivo foi alcanado em 2003,quando o mundo atingiu a marca de cem mil reas protegidas, cobrindo 11,5% da superfcie terrestre, em 227

    pases e territrios autnomos.

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    contnua, ainda que sob diferentes regimes jurdicos de conservao

    ou, na impossibilidade disso, a garantia de que haja conectividade entrereas protegidas permitindo o trnsito de espcies e a consequentetroca gentica. Em outras palavras: reas protegidas agrupadas somelhores que reas protegidas distantes umas das outras e reasprotegidas conectadas por corredores de habitat(ainda que estreitos)so mais efetivas do que aquelas no ligadas por tais conexes.

    Chegou-se concluso de que reas protegidas so entidadespoltico-administrativas cujo planejamento e manejo devem levar

    em conta os ecossistemas em que esto inseridas. A esse tipo depensamento convencionou-se chamar de abordagem ecossistmica.De nada adianta constituir um parque nacional se este abriga um rio comatividades poluidoras a montante. Analogamente, h pouca serventiaem proteger uma determinada regio se no territrio imediatamenteadjacente existem plantaes de espcies exticas potencialmenteinvasoras. Assim, embutido no ideal de preservao, ganha curso ateoria da gesto por mosaicos. O conceito foi aceito internacionalmente

    na 5 Conferncia das Partes (COP) da CDB, que se reuniu em Nairobi noano 2000. A deciso 6 daquela COP recomendou s Partes da Convenoa aplicao dos princpios da abordagem ecossistmica.

    No Brasil, o raciocnio foi incorporado na legislao sobre reasprotegidas desde 1967, quando a Lei n 5.197, em seu artigo 10,determinou que a utilizao, perseguio, destruio, caa ou apanhade espcimes da fauna silvestre so proibidas nos estabelecimentos

    oficiais e audes do domnio pblico, bem como nos terrenos adjacentes,at a distncia de cinco quilmetros. Em 1981, a Lei n 6.902 disps,em seu artigo 3, que as reas vizinhas s estaes ecolgicas deveriamestar sujeitas a cuidados a serem estabelecidos em regulamentovisando proteo da biota local. Por fim, o Decreto n 99.274/90,estabeleceu em seu artigo 27 que nas reas circundantes das Unidadesde Conservao, em um raio de dez quilmetros, qualquer atividadeque possa afetar a biota ficar subordinada s normas editadas pelo

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    Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). O regulamento deste

    Decreto, publicado na Resoluo n 13 do Conama, de 6 de dezembrode 1990, determinou que

    qualquer atividade potencialmente impactante ao meio ambiente

    desenvolvida em um raio de 10 km de uma unidade de conservao,

    estar sujeita licena ambiental, concedida pelo rgo responsvel

    pela administrao da unidade de conservao concernente.

    Alguns estados amaznicos tambm incluram a noo em seu

    arcabouo legal subnacional. O Roteiro Metodolgico para Elaboraode Planos de Manejo das Unidades de Conservao do Par determinaque todos os Planos de Manejo devem considerar um enfoqueecossistmico, que a Secretaria de Meio Ambiente daquela unidadeda federao assim define:

    O enfoque ecossistmico defende que os limites da Unidade

    de Conservao ou sua zona de amortecimento no limitam os

    ecossistemas objeto de sua proteo, e que os processos ecolgicos,assim como os habitats e a maioria das populaes das espcies

    apresentam forte interao biolgica com seu entorno10.

    Como visto anteriormente, a entrada em vigor da Lei do SistemaNacional de Unidades de Conservao, em 18 de julho de 2000,consagrou definitivamente o conceito de zona de amortecimento e foimais longe ao criar a figura jurdica dos mosaicos, que so unidades de

    conservao contguas, cujo manejo deve ser feito de maneira integrada.A determinao legal de que se faa a gesto integrada de reasprotegidas que formam mosaicos nada mais que o reconhecimentode que uma medida implementada em uma determinada rea terimpactos sobre outra inserida no mesmo ecossistema, ainda quesubmetida a jurisdio poltica ou administrativa diversa. Exemplos

    10 VERSSIMO, Alberto et al. reas Protegidas da Amaz nia Brasi leira : Avanos e Desafios. Belm: Imazon; So

    Paulo: Instituto Scio Ambiental, 2011, pp. 29 e 30.

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    claros so, entre outros, a gesto de bacias fluviais, em que a construo

    de uma barragem provocar alteraes no vale a jusante e a montante,a introduo de espcies exticas que podero passar para o territriocontguo carregando consigo patologias indesejadas e tambm o usode queimadas prescritas para preveno de incndios florestais, quemuitas vezes fogem ao controle e ardem em regies adjacentes quelasque se pretendia manejar.

    A gesto de mosaicos de unidades de conservao no Brasilainda est em seus primrdios. As normas emanadas do Instituto

    Chico Mendes para sua administrao prevem reunies peridicasentre os responsveis pelas reas protegidas envolvidas, com vistasa harmonizar os planos de manejo11, estratgias de reflorestamento,fiscalizao, preveno e combate a incndios, monitoramento defauna e flora, bem como polticas conjuntas de visitao. ambmvisam a otimizar o emprego de recursos humanos e materiais escassos,utilizando o mosaico para obter ganhos de escala. Como tratadoadiante com mais cuidado, contudo, ainda so tmidas as iniciativas de

    gesto integrada de unidades de conservao que formam mosaicos,sobretudo quando subordinadas a rgos distintos.

    11 Segundo a Lei do SNUC plano de manejo o documento tcnico mediante o qual, com fundamento nosobjetivos gerais de uma unidade de conservao, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devempresidir o uso da rea e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantao das estruturas fsicasnecessrias gesto da unidade. J segundo a Aliana para a Conservao da Mata Atlntica: O Corredorde Biodiversidade uma rea estrategicamente destinada conservao ambiental na escala regional. Elecompreende uma rede de reas protegidas, entremeada por reas com variveis graus de ocupao humana.O manejo integrado para ampliar a possibilidade de sobrevivncia de todas as espcies, a manuteno deprocessos ecolgicos e evolutivos e o desenvolvimento de uma economia regional baseada no uso sustentveldos recursos naturais.

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    Captulo 1

    A evoluo do conceito de reas protegidas luz das convenes multilaterais

    relativamente recente a incluso do tema reas protegidas nocontexto das relaes internacionais. A prpria discusso de questesambientais, moldura em que o assunto se insere, nova no cenriointernacional. At a dcada de 1970, com raras excees, o debate serestringiu basicamente gesto de bacias hidrogrficas compartilhadas,da qual so paradigmticos o tratado assinado em 1929 pelo Egitoe as potncias europeias detentoras de colnias ribeirinhas ao Nilo eseus tributrios e, mais recentemente, os arranjos diplomticos quelevaram construo da usina hidreltrica de Itaipu. interessantenotar, contudo, que o avano das discusses sobre o manejo e gesto dereas protegidas sobretudo aquelas localizadas em zona de fronteira

    se deu lastreado em subsdios provenientes de reunies de tcnicosda rea de conservao da natureza, que tendem a planejar a gestodo territrio sobre uma base geogrfica. A unidade do pensamentoambiental ou a bacia hidrogrfica, ou o bioma, ou o ecossistema.

    Por esse raciocnio, fronteiras polticas constituem umimpedimento ao bom manejo de ecossistemas que se espraiampor mais de um pas. O contraponto a essa linha de pensamento dado pela Diplomacia, que tem por paradigma o interesse nacional

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    permanente. Seu corolrio em termos de soberania pode ser traduzido

    pela exclusividade de poder decisrio sobre a totalidade do territrionacional; territrio este demarcado por fronteiras polticas que nonecessariamente coincidem com a rea de uma bacia, bioma ouecossistema.

    1.1 O iderio ambientalista para a gesto e o manejo de reas deproteo ambiental contguas em zona de fronteira

    Nos ltimos quarenta anos de debates sobre o manejo de reasprotegidas, as negociaes internacionais tm se movido na direo deassegurar a preservao in situ de fragmentos significativos dos diversosecossistemas. Nesse contexto, nota-se crescente avano das posiestcnicas que propugnam a gesto integrada do territrio geogrfico(em oposio ao territrio poltico), sempre matizadas por ressalvas,cujo objetivo garantir o direito das naes de gerir soberanamente atotalidade do territrio inserido em suas fronteiras. O resultado temsido uma linguagem que clama por cooperao, compatibilizao deplanos de manejo e troca permanente de informaes. Do ponto de vistados profissionais e militantes da rea ambiental o objetivo final pareceser a gesto unificada, ou pelo menos integrada, das reas de proteoambiental que constituem um mosaico. Mesmo ambientalistas quetm noo das implicaes para a soberania da gesto integrada deunidades de conservao contguas em zona de fronteira defendem o

    princpio da gesto ecossistmica. O caso do gegrafo Carlos Minc, ex--ministro do Meio Ambiente durante parte do segundo mandato dopresidente Luiz Incio Lula da Silva, exemplar. Em discurso proferidopara uma plateia de ambientalistas portugueses, em Lisboa, em abrilde 2009, Minc afirmou que

    a ona, o tamandu, o tucano no conhecem as fronteiras geogrficas

    arbitrariamente desenhadas pelo Homem. A biodiversidade uma s.

    Se os nossos vizinhos [...] no fizerem a sua parte, no conseguiremos

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    reas de preservao ambiental em zona de fronteira

    sozinhos preservar a biodiversidade da Amaznia. com esse esprito

    que devemos pensar em uma gesto conjunta e participativa entre o

    Brasil e seus vizinhos para o patrimnio amaznico12.

    Quando se trata de unidades de conservao contguas inseridasem mais de um pas, os ambientalistas tm defendido o uso dotermo rea protegida transfronteiria, que d a ideia de unidadegeogrfica a um territrio que, na realidade, est submetido a maisde um ordenamento jurdico e administrado por dois ou mais rgosnacionais distintos e pertencentes a pases diferentes. Do ponto de vistadas naes hegemnicas, o termo conveniente. Fornece pretexto aoEstado mais forte para ter ingerncias sobre a projeo ecossistmicade parcela de seu prprio territrio. Assegura-se assim um mecanismolegtimo de presso para que o manejo alm-fronteira seja executadode acordo com princpios e tcnicas compatveis com aquelas adotadaspelas autoridades ambientais do lado de c da fronteira poltica.

    Embora em grande parte dos pases em desenvolvimento

    registre-se a tendncia a aceitar-se a argumentao tcnica dagesto por ecossistemas, houve cuidado com o linguajar utilizadopara legitim-la. Nesse sentido, a expresso rea protegidatransfronteiria no tem alcanado unanimidade justamente pelainterpretao de unicidade que lhe subjacente. Pases como Brasil, ElSalvador e Chile tm favorecido antes o uso de frmula que d a ideiade cooperao internacional e manejo integrado, mas que salvaguardea inviolabilidade das fronteiras nacionais. O resultado, at agora, tem

    se consubstanciado em resolues que clamam pela gesto de reasprotegidas de acordo com o princpio ecossistmico, com ressalvas

    12 Em entrevista concedida ao autor em 16 de dezembro de 2010, Minc, conquanto tenha sido cauteloso comrelao forma em que a gesto integrada deve ser feita, reiterou seu apoio ao conceito. Para ele, a ideia podeser aplicada, s dependendo de acordos governamentais calcados em mecanismos como convnios entreministrios ou outras instncias de governos [...] a ona no sabe em que pas est, ela precisa circular no seuhabitate certamente este ultrapassa fronteiras. Perguntado se, em algum momento, a cooperao poderiadesembocar em um parque binacional gerido em forma de consrcio em modelo semelhante ao de Itaipu,Minc respondeu que mais difcil, mas pode evoluir se houver entendimento entre os ministrios, entrepases. necessrio primeiro um amadurecimento, ensaiar convnios entre os ministrios, ganhar escala e

    conhecimento e a ir avanando.

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    que asseguram aos Estados o exerccio pleno e soberano da gesto da

    totalidade do territrio inserido em suas fronteiras polticas, mesmoquando parte desse territrio constituir projeo ecossistmica deregies localizadas sob jurisdio estrangeira.

    1.2 As tentativas de criao de um conjunto de diretrizescategorizando os diferentes nveis de cooperao em reasde proteo adjacentes, ainda que localizadas em diferentespases

    Do ponto de vista da diplomacia multilateral, somente a partir dadcada de 1970 que se nota um adensamento do temrio ambientalno que toca a reas protegidas. Em 1971, foi assinada em Ramsar, noIr, a Conveno Sobre as Zonas midas de Importncia Internacional,especialmente como Habitat de Aves Aquticas, considerada o primeirogrande acordo multilateral a disciplinar internacionalmente o uso e omanejo de reas protegidas. No caso especfico da Conveno Ramsar,essas reas so normalmente designadas para proteger pntanos,manguezais, lagoas, brejos e outros stios midos utilizados porpssaros migratrios. Ou seja, a proteo de um determinado local emum pas tambm serve para preservar espcies de aves que invernamem outro pas o que, em tese, cria um potencial de ingerncia de umanao sobre outra.

    J nesses primrdios da discusso do tema se fez sentir o

    embate que, desde ento, tem enquadrado as premissas da gestoecossistmica dentro do princpio da intocabilidade do direito dos povosa exercer soberania exclusiva sobre a totalidade de seus territrios.As Diplomacias de diversos pases protestaram contra a possibilidadede cesso de soberania e lograram a insero da seguinte salvaguardano artigo 1 da Conveno: A incluso na Lista da Zona mida no

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    reas de preservao ambiental em zona de fronteira

    prejudica os direitos soberanos exclusivos da Parte Contratante em

    cujo territrio a mesma se encontre situada13

    .Em 1972, um ano aps a assinatura da Conveno Ramsar,teve lugar em Estocolmo, na Sucia, a Conferncia das Naes Unidassobre o Meio Ambiente Humano. Foi a primeira vez na histria dadiplomacia mundial que o meio ambiente foi discutido de formaholstica, com suas implicaes tangenciais, seja com relao aodesenvolvimento, aos direitos humanos ou qualidade de vida.Os princpios consagrados na Declarao de Estocolmo explicitam

    conceitos bastante genricos, mas tambm constituem um marcoque sinaliza o novo papel que o meio ambiente passaria a ter, desdeento, nas relaes internacionais: reconhecem a transnacionalidadedos efeitos deletrios de alguns impactos ambientais (consagrandoo direito indenizao ao Estado atingido por aquele que provocou oimpacto) e clamam por um esforo internacional de conservao dosecossistemas terrestres e das espcies neles contidas. A Declaraoincluiu tambm uma ressalva em que reconhecido o direito dos

    Estados de gerir soberanamente seus prprios recursos naturais.Entre os 26 princpios da Declarao de Estocolmo, quatro forneceramo arcabouo sobre o qual se desenvolveria at nossos dias o debate emtorno das unidades de conservao cuja gesto pode, de alguma forma,provocar impactos sobre parcelas de territrio estrangeiro, tema noqual as reas de proteo ambiental em zona de fronteira se inseremcom proeminncia. So eles:

    Princpio 2: Os recursos naturais da terra includos o ar, a gua, a

    terra, a flora e a fauna e especialmente amostras representativas

    dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefcio das

    geraes presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificao ou

    ordenamento.

    13 Disponvel em: .

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    Princpio 4: O homem tem a responsabilidade especial de preservar e

    administrar judiciosamente o patrimnio da flora e da fauna silvestres

    e seu habitat, que se encontram atualmente em grave perigo, devido

    a uma combinao de fatores adversos. Consequentemente, ao

    planificar o desenvolvimento econmico deve-se atribuir importncia

    conservao da natureza, includas a flora e a fauna silvestres.

    Princpio 21: Em conformidade com a Carta das Naes Unidas e

    com os princpios de direito internacional, os Estados tm o direito

    soberano de explorar seus prprios recursos em aplicao de sua

    prpria poltica ambiental e a obrigao de assegurar-se de que asatividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdio, ou sob seu

    controle, no prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de

    zonas situadas fora de toda jurisdio nacional.

    Princpio 22: Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo

    o direito internacional no que se refere responsabilidade e

    indenizao s vtimas da poluio e de outros danos ambientais que

    as atividades realizadas dentro da jurisdio ou sob o controle de taisEstados causem a zonas fora de sua jurisdio.

    Somente vinte anos depois, com a realizao no Rio deJaneiro da Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente eDesenvolvimento, em 1992, o tema reas protegidas ganhar relevoacentuado, sobretudo no contexto de uma das trs Convenesassinadas naquela ocasio: a Conveno da Diversidade Biolgica. Em

    um prenncio do caminho que ser trilhado mais tarde em relao sreas protegidas adjacentes em zona de fronteira, entre outras normas,a CDB requer troca de informaes e colaborao em pesquisas emconservao entre Estados adjacentes.

    No mbito da CDB, o tema da gesto de reas protegidasadjacentes evoluiu lentamente at ganhar relevncia especial a partirde 2004, em Kuala Lumpur, na Malsia, durante a COP 7, quandoconstou do Programa de rabalho Sobre reas Protegidas autorizao

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    reas de preservao ambiental em zona de fronteira

    para que o Secretariado elaborasse um inventrio de reas adjacentes

    que se encontrassem sob proteo em mais de um lado de umadeterminada fronteira. No ano seguinte o tema reapareceu com forana COP 9 da Conveno Ramsar, em Kampala, Uganda.

    Em ambos os casos, como se v adiante ainda neste captulo,os projetos de resoluo apresentados s Partes foram largamenteinfluenciados por um longo esforo engendrado, sob a coordenaode algumas organizaes no governamentais, para discutir oproblema da gesto de reas protegidas contguas em dois ou mais

    lados de uma fronteira internacional. O esforo, liderado pela UICN,incluiu a realizao de reunies e oficinas tcnicas, a publicao dediretrizes e compilaes de melhores prticas e culminou com arealizao de um seminrio sobre o tema no Congresso Mundial dereas Protegidas, realizado em Durban, na frica do Sul, em 2003.As concluses do seminrio foram incorporadas ao relatrio doCongresso e encaminhadas aos secretariados das duas convenes,que as utilizaram na preparao de projetos de resolues sobre reas

    Protegidas ransfronteirias, encaminhadas respectivamente COP 7da CDB e COP 9 da Conveno Ramsar.

    No caso da Conveno da Diversidade Biolgica, o temaveio inserido na proposta de criao de uma Rede Global de reasProtegidas. ratou-se de um dos debates mais controversos da COP deKuala Lumpur, pois enquanto a Unio Europeia propugnava que a redefosse fsica e estabelecida entre reas protegidas, pases como o Brasil

    preferiam uma rede virtual, cujo vnculo existisse somente entre asPartes Contratantes e no entre as prprias unidades de conservao.Ao final ficou definido que

    a rede ser estabelecida entre as Partes da Conveno, com a

    colaborao de outros (trata-se de referncia no explcita s grandes

    organizaes no governamentais internacionais, sobretudo a UICN)

    para a troca de ideias e experincias, cooperao tcnica e cientfica,

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    capacitao e ao cooperativa que apie mutuamente os sistemas

    nacionais e regionais de reas protegidas14.

    Os defensores da cooperao entre reas protegidas adjacentesem zona de fronteira tambm conseguiram que outros conceitos poreles defendidos fossem reconhecidos pela COP 7. Lograram inserir noobjetivo 1.3 do Programa de rabalho Sobre reas Protegidas a previsode diversos tipos diferentes de cooperao a serem realizados entre asPartes, tais como redes regionais, reas protegidas transfronteirias

    e a colaborao atravs das fronteiras nacionais entre reas protegidascontguas. O objetivo 1.3 foi mais longe e chegou mesmo a estabelecercomo meta para 2010/2012 que reas protegidas transfronteirias eoutras formas de colaborao entre unidades de conservao adjacentesem zona de fronteira deveriam ser estabelecidas e fortalecidas demodo a incrementar os esforos de conservao e o uso sustentvelda biodiversidade de maneira a implementar o manejo ecossistmicoe melhorar a cooperao internacional. Nos subitens do objetivo,

    a linguagem se repete e reitera a ideia do manejo ecossistmico.O subitem 1.3.3 clama pelo estabelecimento, onde apropriado, denovas reas protegidas transfronteirias com pases adjacentese pelo reforo do manejo colaborativo entre as reas protegidastransfronteirias j existentes. O subitem 1.3.4 pede colaboraoentre reas protegidas atravs das fronteiras nacionais. O subitem1.3.5 aponta na direo da criao e legitimao de diretrizes paraas reas protegidas transfronteirias. Nesse sentido, sugere que haja

    colaborao e consultas com organizaes e instituies relevantespara o desenvolvimento de diretrizes para o estabelecimento de reasprotegidas transfronteirias e para o manejo colaborativo que, uma vezpublicadas, devero ser disseminadas entre as Partes da Conveno.O subitem 1.3.6 clama pela compilao e posterior distribuio entreas Partes de informaes sobre redes regionais de reas protegidas e

    14 Vide.

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    reas protegidas transfronteirias, incluindo, sempre que possvel,

    suas coordenadas geogrficas, o histrico de seu estabelecimento eo papel de cada uma das Partes envolvidas. O subitem 3.1.11 pede acooperao entre pases vizinhos para criar um ambiente favorvelao estabelecimento de reas protegidas transfronteirias e para acolaborao entre reas protegidas adjacentes atravs de fronteirasinternacionais. Por fim, o objetivo 4.2 estabelece a meta de criao deferramentas para o monitoramento, avaliao e redao de relatriossobre o manejo e a eficincia das reas protegidas e das redes nacionais

    e regionais de reas protegidas, bem como de reas protegidastransfronteirias criadas pelas Partes.

    Como se v, os negociadores encontraram uma linguagem finalque contemplou tanto as aspiraes da Unio Europeia (e das grandesONGs ambientalistas) como das delegaes que temiam o uso do termotransfronteirio e todas suas implicaes para o exerccio pleno dasoberania. A diferena no sutil. O termo transfronteirio, cunhado,sobretudo, a partir da UICN como se v mais adiante, pressupe uma

    nica rea de preservao ambiental que se espraia por mais de umpas. J a sentena colaborao atravs das fronteiras nacionaisentre reas protegidas contguas, defendida pelo Brasil, explicita esalvaguarda a autonomia administrativa e jurdica de cada uma dasunidades de conservao, assegurando sua completa independnciapoltica em relao ao vizinho, ainda que implicitamente aceitando acomplementaridade ecolgica das reas protegidas contguas.

    A posio do Brasil foi reforada na COP 8, que se realizou emCuritiba em 2006, quando se acordou que a Rede Global de reasProtegidas no tem mandato sobre os sistemas nacionais ou regionaise que nenhuma ferramenta de monitoramento da gesto de unidadesde conservao pode se sobrepor s legislaes nacionais. ratou--se de resposta clara e preventiva a possveis interpretaes quepoderiam ser dadas ao mandato concedido ao Secretariado da CDBpor meio dos objetivos 1.3.5 e 4.2 do Programa de rabalho Sobre

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    reas Protegidas aprovado na COP anterior, para o desenvolvimento

    de ferramentas para o monitoramento e avaliao de reas protegidastransfronteirias.Independentemente do que se discute no mbito das convenes

    ambientais multilaterais, essas ferramentas tm sido gestadaspaulatinamente em reunies e oficinas tcnicas conduzidas com opatrocnio da UICN, de onde acabam migrando para as subcomissesda prpria CDB. Sob o prisma do pensamento ambientalista, tm sidoconcebidas para atender aos desafios do Programa de rabalho Sobre

    reas Protegidas, que j em sua introduo deixa bem claro que:

    O estabelecimento e o manejo de sistemas de reas protegidas

    no contexto da abordagem sistmica no devem simplesmente

    ser considerados em termos nacionais, mas tambm em termos

    ecossistmicos e biorregionais, at onde cada ecossistema se

    estender para alm das fronteiras nacionais. Isso, alm de agregar

    complexidade, constitui um forte argumento para o estabelecimento

    de reas protegidas transfronteirias e de reas protegidas marinhasalm dos limites das jurisdies nacionais15.

    Cabe ainda mencionar que, tambm no contexto do Programade rabalho Sobre reas Protegidas, foi aprovada mais uma metaconsistente com a ideia de que reas protegidas adjacentes devem sergeridas de forma integrada. O objetivo 1.2 estabelece para 2015 quetodas as reas protegidas estejam integradas [] por meio da aplicao

    da abordagem ecossistmica [] pelo estabelecimento e manejo de []corredores ecolgicos e/ou zonas de amortecimento16. A no menoa reas protegidas transfronteirias d margem interpretao deque elas esto includas no esprito do objetivo, j que a presenade uma fronteira internacional no fator que separe fisicamenteduas unidades de conservao adjacentes.

    15 Idem.

    16 Idem.

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    No mbito da Conveno Ramsar deu-se processo semelhante,

    pois o tema s ganhou relevo em 2005, durante a COP 9, realizadaem Kampala, Uganda, ocasio em que vrios projetos de resoluesforam redigidos com base em subsdios emanados do 5 CongressoMundial de reas Protegidas, organizado pela UICN em Durban, nafrica do Sul, em 2003. Na ocasio, o Secretariado daquela Convenoapresentou, no item XV da Agenda, o projeto de resoluo DR 6,intitulado Designao e Manejo de Stios Ramsar ransfronteirios.O documento, supostamente baseado em critrios tcnicos compilados

    no s pela UICN, mas tambm pela Federao de Parques Europeus(Europark Federation of National and Nature Parks ou simplesmenteEuropark Federation), propunha o manejo de stios Ramsar adjacentes(internacionalmente ou no) de maneira integrada e respeitando aabordagem ecossistmica. Mais do que isso, o projeto de resoluochegava a propor, em seu anexo, uma moldura para a identificao,designao e manejo de reas midas e stios Ramsar transfronteirios,bem como sugeria passos para o estabelecimento e criao de reas

    midas transfronteirias e critrios para o reconhecimento de stiosRamsar transfronteirios manejados de forma transnacional.

    O projeto de resoluo contou com o apoio da maioria dos pasespresentes e forte lobbydos representantes da UICN enviados COPde Kampala, mas gerou descontentamento em algumas delegaescomo a nicaraguense, a turca e a brasileira. No caso especfico doBrasil, os subsdios encaminhados pelo Ministrio do Meio Ambiente

    ao Itamaraty explicavam que o setor ambiental do governo no seopunha ao

    pressuposto de que a gesto de recursos naturais deva ser sempre feita

    de forma compatvel entre duas naes, j que os sistemas naturais

    no obedecem a fronteiras e apresentam uma dinmica que deve ser

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    mantida da forma mais equilibrada possvel, com a gesto dos recursos

    realizada na rea integral e no em parte dela17.

    Por outro lado, reafirmavam o receio de que o uso do termotransfronteirio implicasse o comprometimento de parte da soberanianacional. J as instrues encaminhadas pela Secretaria de Estado nodeixavam equvoco quanto posio do Brasil. Instruam a Delegaoa se opor proposta de introduzir a nomenclatura stios Ramsartransnacionais e lembravam que a tipologia no aceita na CDB, em

    razo de suas implicaes para o princpio da soberania. Determinavamainda que a Delegao informasse COP 9 que a gesto compartilhadade reas protegidas incompatvel com a legislao brasileira e queo Brasil era a favor de alternativa de linguagem no sentido de prevermecanismos de consultas tcnicas entre reas protegidas adjacentes,a exemplo do que ocorre no Parque Nacional do Iguau.

    O item XV da agenda foi o mais polmico da COP 9. Nem aformao de um Grupo de Amigos do presidente foi capaz de encontrar

    uma redao aceitvel para todas as Partes. Ao fim, a pedido do Brasil,acordou-se suspender a anlise do projeto de resoluo DR 6 at aCOP 10 e solicitar ao Secretariado que preparasse uma lista com osmodelos existentes de cooperao entre stios Ramsar adjacentesem zona de fronteira, de modo a melhor balizar a futura discussodo tema. Uma nica meno ao conceito de manejo transfronteirioconstou na Declarao de Kampala, que em seu item oitavo advogouthe development of approaches to the management of wetland

    ecosystems which cross national boundaries18.Entre a COP 9 e sua sucessora, em 2008, em Changwon na Coreia,

    o Secretariado preparou a lista pedida e a publicou no stio eletrnicoda Conveno (). O inventrio,

    17 Vide subsdios encaminhados pelo Ministrio do Meio Ambiente ao Itamaraty para a COP 9 da ConvenoRamsar, arquivados na Assessoria Internacional do Ministrio do Meio Ambiente.

    18 Vide .

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    que consta de apenas dez stios transfronteirios (nove na Europa),

    envolvendo somente quinze pases19

    , vem precedido de um avisodestinado a mitigar os receios de que o vocbulo transfronteiriopossa levantar objees relativas a assuntos de soberania nacional20.A prpria dinmica dos debates, no contexto de diversas reuniesregionais preparatrias COP 10, levou concluso de que o tema nodeveria voltar discusso em Changwon na forma de um projeto deresoluo e assim hoje o assunto se encontra em suspenso no Contextoda Conveno Ramsar.

    As decises emanadas das Convenes Ambientais encontramparalelo em aes e decises anlogas de outros rgos e reuniesmultilaterais. Na Cpula das Amricas sobre DesenvolvimentoSustentvel, realizada na Bolvia em 1996, foram aprovados a Declaraode Santa Cruz de la Sierra e o Plano de Ao para o DesenvolvimentoSustentvel das Amricas (Plano de Ao de Santa Cruz). O Plano deAo sugeriu uma srie de iniciativas a serem implementadas pelosgovernos dos Estados membros da OEA, individual e coletivamente.

    Nesse sentido, decidiu-se que a OEA ofereceria cooperao solidriapara:

    i. Realizar projetos regionais e em zonas transfronteiriaspara a gesto e uso sustentvel da biodiversidade,incluindo a fauna silvestre e as florestas, e formularestratgias e planos de ao coordenados para a gestode ecossistemas naturais e recursos biolgicos entredois ou mais pases.

    ii. Apoiar os pases e grupos de pases que de comumacordo o solicitarem na formulao de planos para a

    19 Informao vlida para 2 de dezembro de 2010.

    20 ransboundary Ramsar Sites, are an ecologically coherent wetland extending across national bordersand the Ramsar site authorities on both or all sides of the border have formally agreed to collaborate inits management, and have notified the Secretariat of this inten. (Ramsar Manual). his is a cooperative

    management arrangement and not a distinct legal status for the Ramsar sites involved.

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    Pedro de Castro da Cunha e Menezes

    gesto de reas protegidas transfronteirias e zonas

    tampo com caractersticas semelhantes para oestabelecimento, a reconstituio ou a consolidao decorredores biolgicos transfronteirios21.

    J no mbito da Organizao do ratado da CooperaoAmaznica OCA, seu Plano Estratgico para 2004-2012, no itemprogramtico Florestas, Solos e reas Naturais Protegidas prev odebate sobre a gesto de reas protegidas. Baseado nisso, o Secretariado

    da OCA realizou, em agosto de 2007, o Seminrio Para Formulaodo Programa Regional Para Gesto Sustentvel das reas ProtegidasAmaznicas. Dois dos trs dias e meio de durao do evento foramdedicados discusso do tema reas Protegidas Adjacentes em Zonade Fronteira. No terceiro captulo do presente trabalho, o papel daOCA na questo das reas protegidas adjacentes em zona de fronteira discutido com maior profundidade.

    Ainda no contexto multilateral, importante tecer comentrios

    sobre trs iniciativas relacionadas com o tema reas protegidasadjacentes em zona de fronteira tomadas por rgos da ONU. Umadelas resultado da COP 7 da CDB, que autorizou o Secretariado daConveno a elaborar uma lista de reas protegidas internacionalmenteadjacentes. O Secretariado encomendou esse trabalho ao CentroMundial de Monitoramento da Conservao, instituio ligada aoorganograma do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente(Pnuma), que desde ento mantm o inventrio atualizado e o publicana pgina eletrnica . Valesublinhar que o trabalho feito em parceria com a UICN, calcado emmetodologia desenvolvida por esta ltima, o que refora a impressode que a agenda da gesto e manejo integrados de reas protegidasadjacentes tem sido influenciada em grande medida por organizaes

    21 Vide .

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    reas de preservao ambiental em zona de fronteira

    no governamentais, tcnicos e militantes da rea ambiental. As

    outras duas iniciativas importantes no contexto das Naes Unidasencontram-se sob o guarda-chuva da Unesco. So o reconhecimento deReservas ransfronteirias da Biosfera pelo Programa O Homem e aBiosfera e a inscrio de stios transfronteirios na lista do PatrimnioMundial da Humanidade22.

    Em 1992 a Unesco reconheceu formalmente o conceito decooperao transfronteiria para a gesto de Reservas da Biosferaao declarar as duas primeiras Reservas ransfronteirias da

    Biosfera. Desde 1995, quando foi aprovada a declarao de Sevilha(objetivo IV.2, 16), a Unesco encoraja o estabelecimento de Reservasransfronteirias da Biosfera23. Reservas da Biosfera no so unidadesde conservao ambiental, mas compem-se de ecossistemas queincluem grandes extenses de terreno manejadas de forma sustentvelem torno de reas-ncleo, normalmente ancoradas em unidades deconservao. Em suma, as Reservas da Biosfera so, na prtica, o idealdo manejo ecossistmico posto em funcionamento. Diferentemente

    de um parque nacional ou outra categoria de unidade de conservao,uma Reserva da Biosfera no administrada por uma entidadeespecialmente encarregada da manuteno da biodiversidade, como o caso do Instituto Chico Mendes no Brasil. O seu tamanho econcepo fazem com que sua gesto seja o resultado da cooperaoentre diversas entidades tais como prefeituras, rgos provinciais efederais, institutos de proteo ambiental e proprietrios de terras

    privadas, entre outros. Essa cooperao, normalmente, se d no nvelem que as polticas de zoneamento e manejo so decididas, buscando--se um conjunto nico de diretrizes a serem implementadas. A Unescosugere que exista um secretariado unificado com oramento nico.

    22 Embora o tema reas protegidas transfronteirias esteja restrito a um pequeno conjunto de fora dasNaes Unidas, o adjetivo transfronteirio, sobretudo quando relacionado a rios e bacias hidrogrficas, corriqueiro no mbito de diversos Acordos e fora internacionais, como o Pnuma