1119-3351-1-pb (1)

Upload: patricia-cruz

Post on 09-Mar-2016

215 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

czx

TRANSCRIPT

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    172

    O PATRIMNIO CULTURAL COMO INSTRUMENTO DE

    FORTALECIMENTO DA CIDADANIA

    Daniel Ribeiro Preve1

    Juliano Bitencourt Campos2

    RESUMO

    O presente estudo analisa, a partir de uma pesquisa bibliogrfica, as principais concepes

    relacionadas ao patrimnio cultural imaterial brasileiro e a possibilidade do mesmo atuar como

    instrumento de fortalecimento da cidadania. O arcabouo terico aborda as disposies legais

    previstas na Constituio Federal Brasileira de 1988, bem como nas Convenes da Unesco

    para a manuteno do Patrimnio Cultural dos Povos. Verifica-se que ao longo da histria do

    Brasil a difuso do patrimnio histrico cultural era vinculada somente a elementos da histria

    institucional, os quais valorizavam um iderio de identidade nacional desvinculado da maioria

    da populao, tendo apenas como base os smbolos que caracterizavam e fortaleciam as elites

    dominantes.

    Palavras-chave: Patrimnio histrico cultural. Direito. Cidadania.

    ABSTRACT

    This study examines, from a literature search, the main concepts related to the intangible

    cultural heritage of Brazil and the possibility of it acting as an instrument for strengthening

    citizenship. The theoretical framework discusses the legal provisions in the Federal Constitution

    of 1988 and the UNESCO Convention for the maintenance of the Cultural Heritage of Peoples.

    It appears that throughout history the spread of Brazil's cultural heritage was linked only to

    elements of institutional history, an ideology which valued national identity disengaged from

    the majority of the population, and only based on the symbols that characterized and

    strengthened the ruling elites.

    1 Mestrando em Cincias Ambientais pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC),

    Cricima, SC, Brasil. Ps-graduado latu sensu em Direito Civil e Metodologia do Ensino e da Pesquisa pela Unesc. Professor do Curso de Direito da UNESC, nas disciplinas de Histria do Pensamento e das

    Instituies Jurdicas, Sociologia do Direito e Responsabilidade Civil. Pesquisador do Grupo de Pesquisa

    Arqueologia e Gesto Integrada de Territrio. Chefe de Gabinete da Reitoria da Unesc. Advogado. E-

    mail: [email protected]. 2 Doutorando em Quaternrio, Materiais e Cultura, Universidade Trs-os-Montes e Alto Douro (UTAD),

    Mao, Portugal. Arquelogo Coordenador do Setor de Arqueologia, da Universidade do Extremo Sul

    Catarinense (UNESC), Cricima, SC, Brasil. Professor do Curso de Histria da UNESC, na disciplina de

    Ensino e Pesquisa em Arqueologia. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Arqueologia e Gesto Integrada de

    Territrio. E-mail: [email protected].

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    173

    Keywords: Cultural heritage. Right. Citizenship.

    O patrimnio cultural caracteriza-se como de fundamental importncia para a

    memria, a identidade e a criatividade dos povos e a riqueza das culturas. Conforme a

    Conveno para a Proteo do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural, da Unesco

    (1972), da qual o Brasil signatrio, nosso patrimnio cultural e natural uma fonte

    insubstituvel de vida e inspirao, nossa pedra do toque, nosso ponto de referncia,

    nossa identidade.

    Segundo Lemos3, o Patrimnio cultural mundial composto por monumentos,

    grupos de edifcios ou stios que tenham um excepcional e universal valor histrico,

    esttico, arqueolgico, cientfico, etnolgico ou antropolgico.

    A prpria Constituio Federal do Brasil de 1988 aprofundou e ampliou o tema

    referente proteo ao Patrimnio Cultural. Tal tratamento deveu-se s mobilizaes da

    sociedade civil organizada frente ao tema, o qual foi definido no artigo 216 e incisos:

    Constitui o patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material

    e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

    referencia identidade, ao, memria dos diferentes grupos

    formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de

    expresso, os modos de criar, fazer e viver, as criaes cientificas,

    artsticas e tecnolgicas,- as obras, objetos, documentos, edificaes e

    demais espaos destinados as manifestaes artstico-culturais, os

    conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico,

    arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientifico4.

    Desta feita, os estudos que tm abordado a presente temtica apresentam, em sua

    maioria, conforme Lemos5, duas linhas de anlise. A primeira versa sobre o Patrimnio

    Material ou Tangvel, o qual composto por um conjunto de bens culturais classificados

    segundo sua natureza em: arqueolgico, paisagstico e etnogrfico; histrico; belas

    artes; e das artes aplicadas. Eles esto divididos em bens imveis (como os ncleos

    urbanos, stios arqueolgicos e paisagsticos e bens individuais); e bens mveis (como

    colees arqueolgicas, acervos museolgicos, documentais, bibliogrficos,

    arquivsticos, videogrficos, fotogrficos e cinematogrficos)6.

    A segunda abordagem versa sobre o Patrimnio Imaterial ou Intangvel, o qual foi

    3 LEMOS, C. A. C., O que patrimnio histrico, 2000.

    4 BRASIL, Constituio da Repblica Federativa do Brasil [1988], 2011.

    5 LEMOS, C. A. C., op. cit., 2000.

    6 SILVA, Daisy Rafaela da., Patrimnio cultural imaterial a tutela em face do direito ambiental

    brasileiro, 2008.

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    174

    definido pelo artigo segundo da Conveno para a salvaguarda do patrimnio imaterial

    da Unesco, de 2003, como sendo constitudo pelas prticas, representaes, expresses,

    conhecimentos e tcnicas e tambm os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que

    lhes so associados e as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivduos que

    se reconhecem como parte integrante de seu patrimnio cultural.

    Neste sentido, o Patrimnio Imaterial pode ser transmitido de gerao em gerao

    e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em funo de seu ambiente,

    interao com a natureza e sua histria, gerando um sentimento de identidade e

    continuidade, contribuindo, assim, para promover o respeito diversidade cultural e

    criatividade humana.7

    Choay8 aponta que o conceito de Patrimnio Histrico evoluiu a partir da

    concepo de Patrimnio Imaterial, ao considerar este

    [...] um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se

    ampliou a dimenses planetrias, constitudo pela acumulao

    contnua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu

    passado comum: obras-primas das belas artes e das artes aplicadas,

    trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres

    humanos.9

    Consoante est o disposto pelos antroplogos Flvio Leonel Abreu da Silveira e

    Manuel Ferreira de Lima Filho10

    , os quais afirmam ser impossvel abordar os bens

    materiais como se eles estivessem desvinculados dos bens imateriais, sendo estes

    distintas manifestaes da ao humana. necessrio observar a alma nas coisas e a

    materializao do imaginrio, das lendas, das festas, dos saberes, entre outros

    conhecimentos, apontam os referidos antroplogos.

    Lemos afirma que devemos, ento, de qualquer maneira, garantir a compreenso

    de nossa memria social preservando o que for significativo dentro de nosso vasto

    repertrio de elementos componentes do Patrimnio Cultural11. Assim, o fez a Unesco

    em 2008 ao proclamar as Expresses Orais e Grficas dos Wajpis do Amap e o

    Samba de Roda do Recncavo Baino como Obras Primas do Patrimnio Oral e

    Imaterial da Humanidade, figurando na Lista Representativa do Patrimnio Intangvel

    7 SILVA, Daisy Rafaela da., op. cit., 2008.

    8 CHOAY, Franoise, A alegoria do patrimnio, 2001.

    9 ______, op. cit., 2001, p.11.

    10 SILVEIRA, Flvio L. A.; LIMA FILHO, Manuel F., Por uma antropologia do objeto documental:

    entre a alma nas coisas e a coisificao do objeto, 2005. 11

    LEMOS, C. A. C., op. cit., 2000, p. 29.

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    175

    do mundo.

    Assim, hoje, o conceito de patrimnio cultural no est mais restrito ao dito

    patrimnio edificado a chamada pedra e cal constitudo de bens imveis,

    representados por edifcios e monumentos de notvel valor esttico e artstico e que

    foram preservados ou at mesmo tombados pelo poder pblico. O adjetivo cultural vem

    em substituio de histrico, artstico, paisagstico, espeleolgico ou outros, pois a

    palavra abrange os demais com a vantagem de no limitar o bem sua relao com

    fatos histricos, com critrios estticos, etc.12

    Para Leff13

    a concepo de cultura e suas respectivas manifestaes, constituem-

    se no conjunto de valores que decorrem da relao e da ao social e que tornam

    diferente e singular cada indivduo do grupo social, e nesse jogo esto contidos

    interesses econmicos e sociais, costumes, poltica e muitos outros elementos que vo

    se somar para construir o patrimnio cultural e de acordo com as caractersticas do

    lugar. Desta forma, podemos considerar que o patrimnio cultural brasileiro ao englobar

    os bens imateriais, passa a valorizar a diversidade cultural de seu povo, expressa nos

    modos de criar, fazer e viver do mesmo.

    Ao positivar tal conduta, o legislador constitucional de 1988 possibilitou ao povo

    brasileiro a ser protagonista e participar de sua memria histrica social. O patrimnio

    cultural figura, assim, enquanto fonte de conhecimento e enriquecimento individual,

    como meio para levar as pessoas a um processo ativo de apropriao e valorizao de

    uma tradio, de uma herana cultural que, juntamente com outras tradies locais,

    compe uma identidade local e nacional.

    indispensvel, para a preservao sustentvel de seus bens, o conhecimento e a

    apropriao do seu patrimnio. Esse conhecimento e apropriao tambm so

    indispensveis para o fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania.

    Consoante dispe Le Goff14

    , a memria, onde cresce a Histria, que por sua vez a

    alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar

    de forma a que a memria coletiva sirva para a libertao e no para a servido dos

    homens.

    A Constituio Federal brasileira de 1988 assegura no somente o direito vida,

    igualdade, dignidade, segurana, honra, educao, moradia e sade para todos

    12

    SOUZA FILHO, Carlos Frederico Mars de, Bens Culturais e Proteo jurdica, 1997. 13

    LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder, 2001. 14 LE GOFF, J. Documento/ Monumento, 2003, p. 477.

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    176

    os brasileiros; assegura tambm o direito ao pleno exerccio dos direitos culturais. Neste

    sentido, os direitos culturais foram elevados categoria de direitos fundamentais da

    pessoa humana, expresso nos artigos 215 e 21615

    .

    Estabelecida uma nova abordagem constitucional para o Patrimnio Cultural

    Imaterial, verificaremos a relao deste como instrumento de resgate e exerccio da

    cidadania por parte dos brasileiros. Inicialmente verificamos esta relao na

    consagrao de dois princpios constitucionais basilares que devem nortear a poltica de

    preservao de nosso patrimnio histrico-cultural.

    O primeiro deles o princpio da cidadania cultural, no qual o Estado garantir a

    todos o pleno exerccio dos direitos culturais e acesso s fontes da cultura nacional, e

    apoiar e incentivar a valorizao e difuso das manifestaes culturais.

    Todavia, o segundo consagra o princpio da diversidade cultural, previsto no 1

    do art. 215, da Constituio Federal, ao estabelecer que o Estado tem a obrigao

    constitucional de proteger as manifestaes culturais populares, indgenas e afro-

    brasileiras, bem como de outros grupos participantes do processo civilizatrio nacional.

    Mais adiante, determina tambm que lei especfica dispor sobre a fixao de datas

    comemorativas de alta significao para os diferentes segmentos tnicos nacionais (art.

    215, 2). Reconhece-se, assim, a pluralidade tnico-cultural de nossa formao

    histrica.

    Nessa linha, observamos tambm a conceituao estabelecida no documento

    organizado e publicado pela Unesco, em 1989, com o ttulo Recomendao sobre a

    Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, sobre a cultura tradicional e popular:

    A cultura tradicional e popular o conjunto de criaes que emanam

    de uma comunidade cultural fundadas na tradio, expressadas por um

    grupo ou por indivduos e que reconhecidamente correspondem s

    expectativas da comunidade como expresso de sua identidade

    cultural e social; as normas e valores se transmitem oralmente, por

    repetio ou outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras,

    a lngua, a literatura, a msica, a dana, os jogos, a mitologia, os

    rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes.16

    Numa tradio positivista legalista-normativista, a cidadania considerada como

    uma simples relao legal que se estabelece entre o indivduo e o Estado, ao configurar

    que aquele est na plena posse de seus direitos polticos, cumprindo seus deveres de

    15

    BRASIL, op. cit., 2011. 16

    Conferncia Geral da UNESCO 25 Reunio. Recomendaes sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular, 2012, p. 2.

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    177

    cidado. Entretanto, para Marshall17

    a cidadania formada pelo conjunto de direitos

    civis, direitos polticos e direitos sociais, que corresponderia cada um desses conjuntos

    de direitos cidadania civil, cidadania poltica e cidadania social, respectivamente.

    A filsofa alem Hannah Arendt18

    define cidadania como o direito a ter direitos,

    nas mais diversas esferas da vida humana. Por fim, o filsofo francs Claude Lfort19

    ,

    considera que o cidado o agente reivindicante possibilitador da florao de novos

    direitos.

    Com base neste referencial terico, podemos considerar que o cidado constitui-se

    em sua dimenso dialtica, no apenas como um sujeito histrico, mas sim um sujeito

    ativo responsvel pela Histria que o envolve. Um indivduo ativo no cenrio poltico,

    reivindicador ou provocador da transformao social.

    Os direitos culturais, a partir da anlise de Marshall, podem ser considerados

    como direitos sociais, voltados cidadania social. Desta forma, os direitos culturais so

    aqueles que garantem o acesso cultura, produo cultural e, principalmente, a

    memria cultural histrica.

    As discusses em torno da preservao do patrimnio cultural esto ligadas

    diretamente cidadania e ao direito ao acesso informao. Os indivduos tm o direito

    de ter acesso sua prpria cultura, sua histria, memria coletiva e social. Ao

    definirmos a poltica cultural como Cidadania Cultural e a cultura como direito, estamos

    operando com os dois sentidos da cultura: como um fato ao qual temos direito como

    agentes ou sujeitos histricos; como um valor ao qual todos tm direito numa sociedade

    de classes que exclui uma parte de seus cidados do direito criao e fruio das

    obras de pensamento e das obras de arte.20

    Fonseca21

    tambm argumenta nesse sentido e fala da democratizao nesse

    campo, que implica aes visando desprivatizar o patrimnio e a cultura, adequar

    perspectivas e (...) tentar vislumbrar possibilidades de participao social ainda no

    exploradas22.

    Ao verificarmos historicamente, o direito ao patrimnio cultural surgiu com a

    terceira gerao de direitos fundamentais, no final do sculo XX, tambm conhecidos

    17

    MARSHALL, T.H., Cidadania, Status e Classe Social, 1967. 18

    ARENDT, Hannah, A Condio Humana, 1987. 19

    LEFORT, Claude, A Inveno Democrtica, 1981. 20

    CHAU, Marilena, Poltica Cultural, Cultura Poltica e Patrimnio Histrico, 1992. 21

    FONSECA, Maria Ceclia Londres, O Patrimnio em processo: trajetria da poltica federal de

    preservao no Brasil, 2005. 22

    FONSECA, op. cit., 2005.

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    178

    como direitos de solidariedade e fraternidade. So os chamados direitos

    transindividuais, de titularidade coletiva e difusa, podendo ser vislumbrada uma escala

    mundial de esforos para sua efetivao, uma vez que se relaciona com a proteo da

    dignidade da pessoa humana23

    .

    No entanto, as aes preservacionistas, anteriores a Constituio de 1988, estavam

    vinculadas sobre os bens culturais ligados aos setores dominantes da sociedade, na

    tentativa de se forjar uma identidade nacional homognea e unvoca para o pas. Neste

    sentido, preservaram-se as igrejas barrocas, as casas-grandes, os fortes militares, as

    casas de cmara e cadeia, em detrimento de outros bens reveladores de outros

    segmentos tnico-culturais, a exemplo de senzalas, quilombos, vilas operrias, cortios

    etc.

    Para tanto, essencial para o desenvolvimento de uma cidadania cultural plena,

    que o patrimnio cultural imaterial brasileiro cresa distante do diletantismo mrbido de

    elites que desconhecem os rostos mltiplos e diferenciados do pas, ligadas apenas ao

    poder institucional excludente.24

    Portanto, com essa nova conceituao abrangente de patrimnio cultural, objetiva-

    se romper com a viso elitista de considerar objeto de preservao apenas as

    manifestaes e bens da classe historicamente dominante, ao incorporar os diferentes

    grupos tnicos que contriburam na formao da sociedade brasileira (ndios, brancos,

    negros e outros imigrantes de origem europeia e asitica).

    Consoante Pelegrini e Funari25

    , afirma que a valorizao do patrimnio cultural

    imaterial na contemporaneidade provm das acepes do conceito de cultura e

    patrimnio. Estando, assim,

    [...] relacionada s transformaes das formas de convvio social e aos

    padres culturais que regem a existncia humana. A prpria dinmica

    cultural expressa nos movimentos que deram origem discusso sobre

    a necessidade de salvaguarda do patrimnio materializa as mais

    diversas formas de cultura e que, portanto, se constitui em mais uma

    esfera de embates sociais.26

    Nesse contexto, o resgate da cidadania, por meio de valorizao do patrimnio

    cultural imaterial, enquanto fonte de conhecimento e enriquecimento individual,

    objetiva desenvolver nas pessoas o sentimento de apropriao e valorizao de uma

    23

    SARLET, Ingo Wolfgang, A eficcia dos direitos fundamentais, 1998. 24 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Mars de, op. cit., 1997. 25

    PELEGRINI, Sandra C. A.; FUNARI, Pedro Paulo, O que patrimnio cultural imaterial?, 2008. 26

    PELEGRINI, Sandra C. A.; FUNARI, Pedro Paulo, op.cit., 2008, p. 31.

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    179

    tradio, de uma herana cultural que, juntamente com outras tradies locais, compe

    uma identidade local e nacional.

    Esse conhecimento e apropriao so indispensveis para o fortalecimento dos

    sentimentos de identidade e cidadania. A sociedade que no reconhece e no se apropria

    de seu patrimnio, tem seus valores enfraquecidos. Sua participao na construo e

    fortalecimento de seu patrimnio cultural garante a sensao de pertencimento.

    importante salientar-se que enquanto o patrimnio natural garantia de sobrevivncia

    fsica da humanidade, que necessita do ecossistema ar, gua e alimentos para viver,

    o patrimnio cultural garantia de sobrevivncia social dos povos, porque produto e

    testemunho de sua vida27

    .

    O reconhecimento desse patrimnio, seja ele local, regional ou nacional, fonte

    inesgotvel de aprendizado e enriquecimento, tanto do indivduo, quanto da sociedade

    na qual ele est inserido. Reconhecendo a si mesmo, o que j tarefa bastante difcil,

    que segundo Oliveira28

    , o fenmeno sociocultural denominado identidade est

    escondido, escamoteado, no s ao homem da rua, como tambm, ao antroplogo e ao

    socilogo, mas, vencida essa primeira etapa, o reconhecimento do alter se d com

    maior facilidade, assim como a valorizao de si prprio e o crescimento de sua

    autoestima enquanto cidados daquele lugar, convergiro em uma maior participao

    nas questes locais, sejam questes de cunho religioso, artstico, poltico, incluindo as

    questes voltadas para a preservao de sua cultura, identidade e bens comuns.

    REFERNCIAS

    ARENDT, Hannah. A Condio Humana. RJ: Forense Universitria, 1987.

    BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil.

    Braslia, DF, Senado, 2011.

    CHAU, Marilena. Poltica Cultural, Cultura Poltica e Patrimnio Histrico. In:

    CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.). O direito memria: patrimnio cultural e

    cidadania. So Paulo: DPH Departamento do Patrimnio Histrico da Secretaria Municipal da Cultura, 1992.

    CHOAY, Franoise. A alegoria do patrimnio. Traduo de Luciano Vieira Machado.

    So Paulo: Estao Liberdade; Editora UNESP, 2001.

    27

    SOUZA FILHO, Carlos Frederico Mars de, op. cit., 1997. 28

    OLIVEIRA, Roberto Cardoso, Os des(caminhos) da identidade, 2000.

  • Revista Tempos Acadmicos, Dossi Arqueologia Histrica, n 10, 2012, Cricima, Santa Catarina. ISSN 2178-0811

    180

    ________. Uma opo radical e moderna: democracia cultural. (Dossi sobre

    Experincia de Gesto Democrtica). IN: Plis n. 12, 1993.

    Conferncia Geral da UNESCO 25 Reunio. Recomendaes sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular. Paris, 15 de novembro de 1989. Disponvel em:

    http://cvc.instituto-

    camoes.pt/cpc2007/patrimonio/bloco2/recomendacao_%20sobre_a_salvaguarda_da_cul

    tura_tradicional.pdf. Acesso em: 04 de nov. 2012.

    FONSECA, Maria Ceclia Londres. O Patrimnio em processo: trajetria da poltica

    federal de preservao no Brasil. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC

    Iphan, 2005.

    LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder.

    Petrpolis, RJ: Vozes, 2001.

    LEFORT, Claude. A Inveno Democrtica. SP: Brasiliense, 1981.

    LE GOFF, J. Documento/ Monumento. In: ______. Histria e Memria. 3. ed.

    Campinas: Editora da Unicamp, 2003.

    LEMOS, C. A. C. O que patrimnio histrico. So Paulo: Brasiliense, 2000.

    MARSHALL, T.H. Cidadania, Status e Classe Social. RJ: Zahar Editores, 1967.

    OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Os des(caminhos) da identidade. Revista Brasileira de

    Cincias Sociais. 2000; 15 (42) 3-12.

    PELEGRINI, Sandra C. A. FUNARI, Pedro Paulo. O que patrimnio cultural

    imaterial? So Paulo: Brasiliense, 2008.

    SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. Livraria do Advogado,

    1998.

    SILVA, Daisy Rafaela da. Patrimnio cultural imaterial a tutela em face do direito ambiental brasileiro. In: MARQUES, Jos Roberto (Org.). Leituras Complementares de

    direito ambiental. Jus Podvm, 2008. p. 57/85

    ______. Direito ambiental constitucional. So Paulo: Malheiros, 2002.

    SILVEIRA, Flvio L. A.; LIMA FILHO, Manuel F. Por uma antropologia do objeto

    documental: entre a alma nas coisas e a coisificao do objeto. Porto Alegre, Horizontes Antropolgicos, v. 11, n. 23, jun. 2005.

    SOUZA FILHO, Carlos Frederico Mars de. Bens Culturais e Proteo jurdica.

    Unidade editorial, Porto Alegre, 1997.

    ______. Introduo ao direito socioambiental. In: LIMA, Andr (Org.). O direito para o

    Brasil socioambiental. Porto Alegre: Fabris, 2002.