1.1. conceitos e factos 1.2. modelo de solow 1.3 ... · a teoria do crescimento económico procura...

21
1 Capítulo 1. Crescimento Económico 1 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3. Contabilidade do Crescimento * 1.4. Crescimento Endógeno * 1.5. Políticas Estruturais 1.1 Conceitos e Factos O problema económico consiste em procurar satisfazer as necessidades das pessoas, dados os escassos recursos disponíveis, e a tecnologia existente. Para o resolver, é essencial ter em conta que as escolhas presentes condicionam de forma decisiva o bem-estar das gerações futuras. Vivemos numa era de abundância e prosperidade sem precedentes. O enorme progresso tecnológico a que assistimos no século XX transformou completamente a economia. Usufruímos agora de bens como o automóvel, a televisão, o computador e o telemóvel. Usamos aviões para viajar pelo mundo, e comunicamos através da Internet. Temos cada vez mais qualidade de vida, e as nossas vidas são cada vez mais longas. O desenvolvimento económico vai relaxando as restrições que limitam as escolhas e oportunidades das pessoas, que procuram essencialmente viver bem e por muito tempo. O conceito de crescimento económico é mais restrito, focando-se no aumento quantitativo da capacidade produtiva, e não na transformação qualitativa da estrutura da economia. 1 Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2009-10) não dispensa a frequência das aulas e a consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva ([email protected]).

Upload: others

Post on 21-Jul-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

1

Capítulo 1. Crescimento Económico1

1.1. Conceitos e Factos

1.2. Modelo de Solow

1.3. Contabilidade do Crescimento

* 1.4. Crescimento Endógeno

* 1.5. Políticas Estruturais

1.1 Conceitos e Factos

O problema económico consiste em procurar satisfazer as necessidades das pessoas, dados os

escassos recursos disponíveis, e a tecnologia existente. Para o resolver, é essencial ter em conta

que as escolhas presentes condicionam de forma decisiva o bem-estar das gerações futuras.

Vivemos numa era de abundância e prosperidade sem precedentes. O enorme progresso

tecnológico a que assistimos no século XX transformou completamente a economia.

Usufruímos agora de bens como o automóvel, a televisão, o computador e o telemóvel.

Usamos aviões para viajar pelo mundo, e comunicamos através da Internet. Temos cada vez

mais qualidade de vida, e as nossas vidas são cada vez mais longas.

O desenvolvimento económico vai relaxando as restrições que limitam as escolhas e

oportunidades das pessoas, que procuram essencialmente viver bem e por muito tempo. O

conceito de crescimento económico é mais restrito, focando-se no aumento quantitativo da

capacidade produtiva, e não na transformação qualitativa da estrutura da economia.

1 Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2009-10) não dispensa a frequência das aulas e a consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva ([email protected]).

Page 2: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

2

A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de

crescimento económico, e identificar políticas que fomentem o seu aumento.

A medida de crescimento mais frequentemente utilizada é a taxa de crescimento do Produto

Interno Bruto, que é o valor dos bens e serviços produzidos anualmente. Uma vez que o

horizonte temporal do estudo do crescimento económico é o longo prazo, devemos procurar

ignorar as flutuações de curto prazo (ciclos económicos), e medir o crescimento económico

como a taxa de crescimento do produto natural.

Figura 1.1: “Stag-nation” vs “Speed-nation”.2

O bem-estar social está fortemente associado ao quociente entre a quantidade de bens e

serviços produzidos na economia, e o número de pessoas cujas necessidades é necessário

satisfazer. Assim, utiliza-se o PIB per capita, ou, numa óptica de longo prazo, o PIB natural

per capita, como indicador do bem-estar social. Faz igualmente sentido utilizar o nível de

consumo per capita, em vez do produto per capita, porque é através do consumo que as

pessoas satisfazem as suas necessidades.

2 Fonte: Gordon (2005), “Macroeconomics”, 10th ed., Addison-Wesley.

Page 3: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

3

Ao identificarmos o bem-estar social com o produto ou consumo per capita, devemos ter em

conta o facto de a riqueza e os bens materiais serem apenas um meio genérico de as pessoas

perseguirem o tipo de vida que valorizam, e não o fim em si. O mesmo aviso se aplica ao

estudo da importância da formação de capital humano. Avaliar a educação unicamente pelo

aumento da capacidade produtiva que proporciona implica ignorar os efeitos que pode ter na

capacidade das pessoas aumentarem as escolhas reais de que dispõem, e terem a vida que com

razão valorizam.

O carácter exponencial do crescimento económico leva a que pequenas diferenças nas taxas de

crescimento possam ter um enorme efeito acumulado. Em 2007, o PIB de Portugal foi de 163

mil milhões de euros. Se crescer à taxa média anual de 2%, daqui a 20 anos será igual a 242

mil milhões de euros. Se crescesse a 5%, atingiria os 432 mil milhões de euros.

Para estimar o número de períodos necessário para que uma variável duplique, basta dividir o

número 70 pela taxa de crescimento da variável ("lei dos 70"). Se crescer à taxa média anual

de 2%, o PIB per capita da União Europeia demorará 35 anos a duplicar. O PIB per capita da

China tem crescido à taxa média anual de 7%, duplicando, assim, em cada 10 anos.

Nicholas Kaldor (1961) identificou um conjunto de regularidades empíricas de longo prazo,

hoje conhecidas como factos estilizados de Kaldor:

1. Crescimento do produto per capita.

2. Crescimento do rácio capital-trabalho.

3. Estabilidade do rácio capital-produto.

4. Crescimento dos salários reais.

5. Estabilidade da taxa de lucro.

6. Estabilidade da proporção entre salários e lucros.

Page 4: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

4

Estes factos empíricos descrevem uma espécie de crescimento equilibrado da economia, que

se observa na realidade como tendência de longo prazo. O stock de capital e o produto crescem

à mesma taxa (3), que é superior à taxa de crescimento da população (1) e do factor trabalho

(2). Relativamente à remuneração dos factores de produção, observa-se que os salários reais

vão crescendo (4), enquanto que a taxa de lucro é estável (5), mantendo-se constantes as

fracções do rendimento (produto) que remuneram os proprietários dos capitais e os

trabalhadores (6).

1.2 Modelo de Solow

1.2.1 Modelo de Solow sem progresso técnico

O modelo de Solow, ou modelo de crescimento neoclássico, tem como principal objectivo

explicar o papel da acumulação de capital no processo de crescimento. Segundo este modelo, a

economia tende para um estado estacionário (“steady-state”), no qual apresenta um

crescimento equilibrado (“balanced growth”), ou seja, no qual cresce de forma homogénea e

a uma velocidade constante. Na ausência de progresso tecnológico, o crescimento do produto

per capita é nulo.

A função produção de uma economia relaciona as quantidades de recursos utilizados na

produção, normalmente o capital (K) e o trabalho (N), com o volume de produção que se obtém

(Y):

( )NKFY ,= .

Page 5: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

5

A produtividade marginal do capital é igual ao aumento de produto que resulta do aumento

de uma pequena unidade de capital. A produtividade média do capital calcula-se como o

quociente entre o produto e o stock de capital utilizado na produção:

K

NKF

K

YPMgK ∂

∂=∂∂= ),(

; ( )

K

NKF

K

YPMdK

,== .

A produtividade marginal do trabalho é igual ao aumento de produto resultante da

utilização de uma pequena unidade de trabalho adicional. A produtividade média do

trabalho é o produto obtido por cada hora de trabalho utilizado:

N

NKF

N

YPMgN ∂

∂=∂∂= ),(

; ( )

N

NKF

N

YPMdN

,== .

A utilização de maiores quantidades de factores produtivos possibilita o aumento do volume de

produção. No entanto, unidades adicionais de factores produtivos proporcionam aumentos do

volume de produção cada vez menores. Assumimos que os factores produtivos têm

produtividades marginais positivas, mas decrescentes:

00 >∂∂⇔>K

YPMgK ; 00

2

2

<∂∂⇔<

∂∂

K

Y

K

PMgK ;

00 >∂∂⇔>N

YPMgN ; 00

2

2

<∂∂⇔<

∂∂

N

Y

N

PMgN .

No modelo de Solow, assume-se que a função produção tem rendimentos constantes à

escala. Apesar de cada factor produtivo ter rendimentos decrescentes, o aumento de ambos os

factores numa dada proporção provoca um aumento do produto na mesma proporção:

),(),( NKFNKF ⋅= λλλ .

Page 6: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

6

Este pressuposto de rendimentos constantes à escala permite-nos escrever a função produção

na forma intensiva, relacionando o produto por trabalhador (y=Y/N) com o stock de capital

por trabalhador (k=K/N):

( ) ( )( )

( ).

1,),(

kfy

NKfNY

NKfNNKFNNKFY

=⇔=⇔

⇔⋅=⋅==

Figura 1.2: Representação gráfica da função produção na forma intensiva.

Assumimos que as famílias poupam uma fracção constante, s, do seu rendimento (taxa de

poupança exógena). O equilíbrio no mercado de bens e serviços implica a igualdade entre

investimento e poupança:

YsSI ⋅== .

O desgaste e a obsolescência do capital é descrito por uma taxa de depreciação constante, d.

A variação do stock de capital é igual à diferença entre o investimento e a depreciação do

capital existente:

KdYsKdIdt

dK ⋅−⋅=⋅−= .

y=Y/N

k=K/N

( )kfy =

y=Y/N

k=K/N

( )kfy =

Page 7: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

7

Se o investimento for superior (inferior) à depreciação do capital, o stock de capital aumenta

(diminui). Se o investimento coincidir com a depreciação, então o stock de capital mantém-se

constante.

A força de trabalho pode variar ao longo do tempo. Assume-se que a sua taxa de crescimento,

n, é constante.

A principal variável do modelo é o stock de capital por trabalhador. A sua evolução depende

das taxas de poupança, da taxa de depreciação do capital e da taxa de crescimento da força de

trabalho:

.)(

12

kndysdt

dk

nkkdysN

dtdN

N

K

N

KdYs

dt

dkdt

dN

N

K

dt

dK

Ndt

dN

N

k

dt

dK

K

k

dt

dk

N

Kk

⋅+−⋅=⇔

⇔⋅−⋅−⋅=⋅−⋅−⋅=⇔

⇔⋅−⋅=⋅∂∂+⋅

∂∂=⇒=

Na presença de crescimento populacional (em rigor, aumento da força de trabalho), para que

se mantenha o rácio capital-trabalhador, o investimento deve ser suficiente não só para

compensar as depreciações, mas também para fornecer capital aos trabalhadores adicionais que

surgem na economia.

.)(0 kndysdt

dk ⋅+=⋅⇔=

Page 8: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

8

Figura 1.3: Estado estacionário no modelo de Solow sem progresso técnico.

Quando o stock de capital por trabalhador é inferior (superior) ao nível de “steady-state” (k*),

o investimento é superior às necessidades de formação de capital, de modo que o stock de

capital por trabalhador aumenta (diminui). A economia converge, assim, para a situação de

equilíbrio.

Figura 1.4: Convergência para o estado estacionário.

Uma maior taxa de crescimento populacional (da força de trabalho) conduz a um equilíbrio

(estado estacionário) no qual o stock de capital por trabalhador e o produto por trabalhador são

inferiores. Um aumento da taxa de depreciação tem o mesmo efeito.

(d+n)·k

s·y

y=f(k)y

k

y*

k*

s·y*

E*

(d+n)·k

s·y

y=f(k)y

k

y*

k*

s·y*

E*

(d+n)·k

s·y

y=f(k)y

k

y*

k*

E*

ka< k*

s·yb < (d+n)·kb

K b> k*

s·ya > (d+n)·ka

Page 9: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

9

Figura 1.5: Efeito do aumento da taxa de depreciação ou da taxa de crescimento populacional.

Uma taxa de poupança mais elevada significa que é investida uma maior fracção do produto, o

que permite manter um nível mais elevado de stock de capital por trabalhador.

Figura 1.6: Efeito do aumento da taxa de poupança.

O facto de um aumento da taxa de poupança conduzir a um aumento do produto per capita de

equilíbrio não significa que seja sempre desejável. Poupar (investir) permite produzir mais no

futuro, mas implica abdicar de consumir no presente.

s·y

y=f(k)y

k

y*

k*

s·y*

E*

(d+n)·k

s·y

y=f(k)y

k

y*

k*

s·y*

E*

(d+n)·k

s0·y

y

y

k

y*

k*

s·y*

E*

(d+n)·ks1·y

s0·y

y

y

k

y*

k*

s·y*

E*

(d+n)·ks1·y

Page 10: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

10

Figura 1.7: Repartição do produto entre consumo e poupança.

Considerando como indicador do bem-estar o nível de consumo per capita, verificamos que

existe uma taxa de poupança óptima, isto é, que maximiza o bem-estar em equilíbrio. A

chamada golden rule indica-nos qual é essa taxa.

O ponto de equilíbrio que resulta da aplicação da golden rule pode determinar-se traçando uma

linha paralela à linha de depreciações e tangente à função produção. A taxa de poupança

óptima é aquela que induz este ponto de equilíbrio. Em termos económicos, a golden rule

iguala os benefícios marginais associados ao investimento e ao consumo.

Figura 1.8: Estado estacionário correspondente à golden rule.

s·y0s·y

y

y

k

y0

k0

consumo por trabalhador

investimento por trabalhador

s·y0s·y

y

y

k

y0

k0

consumo por trabalhador

investimento por trabalhador

s·y

y

y

k

y0

k0

consumo por trabalhador

investimento por trabalhador

sGR·y

y=f(k)y=Y/N

k=K/N

yGR

kGR

(d+n)·k

sGR·yGR

EGR

sGR·y

y=f(k)y=Y/N

k=K/N

yGR

kGR

(d+n)·k

sGR·yGR

EGR

Page 11: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

11

Analiticamente, a igualdade entre os declives da função produção e da linha de depreciações é

dada por:

ndkf GR +=)(' .

Suponhamos que a economia se encontra inicialmente em equilíbrio. A alteração de uma das

suas características estruturais (função de produção, taxa de poupança, etc.) faz com que o

ponto de equilíbrio se modifique, e que a economia inicie um movimento no sentido desse

novo equilíbrio. A dinâmica de transição do stock de capital por trabalhador e do produto real

por trabalhador consiste numa convergência gradual para os novos valores de equilíbrio.

Figura 1.9: Dinâmica de transição do produto por unidade de trabalho.

Verificamos que o modelo de Solow sem progresso técnico não prevê crescimento

continuado nem do produto por trabalhador, nem do stock de capital por trabalhador, nem dos

salários. Sugere, portanto, que a acumulação de capital não é suficiente para gerar

crescimento continuado da economia. Para que o modelo de Solow esteja de acordo com estes

factos estilizados de Kaldor, é necessária a consideração de progresso técnico.

y

tempo

*1y

*0y

y

tempo

*1y

*0y

Page 12: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

12

1.2.2 Modelo de Solow com progresso técnico

O progresso técnico reflecte-se no aumento da produtividade dos factores de produção,

permitindo que se obtenha um maior produto para um mesmo nível de utilização dos factores

produtivos. Existem três formulações elementares, que têm em comum a presença de um

parâmetro de produtividade, A:

( )NKAFY ,,= .

O progresso técnico à Hicks faz aumentar a produtividade total dos factores, isto é, afecta de

igual forma a produtividade do capital e do trabalho:

( )NKFAY ,⋅= .

O progresso técnico à Harrod aumenta apenas a produtividade do trabalho:

),( ANKFY = .

O progresso técnico à Solow proporciona aumentos da produtividade do capital:

),( NAKFY = .

No modelo de Solow com progresso técnico, a função produção incorpora progresso técnico

à Harrod. Assume-se que o parâmetro de produtividade do factor trabalho cresce a uma taxa

constante, a:

),( ANKFY = , com ateAA ⋅= 0 .

Definem-se como variáveis principais do modelo o stock de capital por unidade de trabalho

eficiente, (kA=K/AN) e o produto real por unidade de trabalho eficiente (yA=Y/AN). A função

produção na forma intensiva obtém-se da seguinte forma:

Page 13: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

13

( ) ( )( )

( ).

1,),(

AA kfy

ANKfANY

ANKfANANKFANANKFY

=⇔=⇔

⇔⋅=⋅==

Com progresso técnico, a equação de acumulação de capital fica dada por:

.)(

122

AAA

AAAAA

A

A

AAAAA

kandysdt

dk

nkakkdysdt

dkN

dtdN

AN

K

A

dtdA

AN

K

AN

KdYs

dt

dkdt

dN

AN

K

dt

dA

NA

K

dt

dK

ANdt

dkdt

dN

N

k

dt

dA

A

k

dt

dK

K

k

dt

dk

AN

Kk

⋅++−⋅=⇔

⇔⋅−⋅−⋅−⋅=⇔

⇔⋅−⋅−⋅−⋅=⇔

⇔⋅−⋅−⋅=⇔

⇔⋅∂∂

+⋅∂∂

+⋅∂∂

=⇒=

No estado estacionário, são agora constantes o stock de capital por unidade de trabalho

eficiente, (kA=K/AN) e o produto real por unidade de trabalho eficiente (yA=Y/AN).

Figura 1.10: Estado estacionário no modelo de Solow com progresso técnico.

E*

kA*

s·yA

(d+n+a)· kA

yA=f(kA)

yA*

s·yA*

AN

YyA =

AN

KkA =

E*

kA*

s·yAs·yA

(d+n+a)· kA

yA=f(kA)

yA*

s·yA*

AN

YyA =

AN

KkA =

Page 14: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

14

O modelo de Solow admite duas formas distintas de crescimento. Na ausência de progresso

técnico, apenas pode existir crescimento transitório, na convergência para um novo

equilíbrio. Na presença de progresso técnico, a economia tende a apresentar um crescimento

continuado tanto do produto por trabalhador como do stock de capital por trabalhador, a uma

taxa que coincide com a taxa de progresso técnico. Pode verificar-se que esta evolução verifica

os factos estilizados de Kaldor.

O modelo de Solow sugere, portanto, que um processo de crescimento assente na acumulação

de capital não é sustentável. O crescimento económico continuado só pode resultar do

progresso técnico permanente.

1.3 Contabilidade do Crescimento

A contabilidade do crescimento estuda a contribuição de diferentes factores para o

crescimento económico. O crescimento do produto resulta, essencialmente, do crescimento do

stock de capital, da força de trabalho, e da produtividade.

A função de produção relaciona estes três factores com o volume de produção. No âmbito da

contabilidade do crescimento assume-se habitualmente que o progresso técnico consiste no

aumento da produtividade total dos factores, ou seja, que afecta de igual forma a produtividade

do capital e do trabalho:

( )NKFAY ,⋅= .

A partir da função de produção agregada podemos obter a equação fundamental da

contabilidade do crescimento:

Page 15: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

15

.

1111

),(

),(

nEgEag

N

dtdN

NY

NY

K

dtdK

KY

KY

A

dtdA

Y

dtdYdt

dN

N

Y

Y

N

Ndt

dK

K

Y

Y

K

Kdt

dA

A

Y

Ydt

dY

Y

dt

dN

N

Y

dt

dK

K

Y

dt

dANKF

dt

dYdt

dN

N

Y

dt

dK

K

Y

dt

dA

A

Y

dt

dYNKFAY

YNK

YKY ⋅+⋅+=⇔

⇔⋅∂∂

+⋅∂∂

+=⇔

⇔⋅∂∂⋅⋅+⋅

∂∂⋅⋅+⋅⋅=⋅⇔

⇔⋅∂∂+⋅

∂∂+⋅=⇔

⇔⋅∂∂+⋅

∂∂+⋅

∂∂=⇒⋅=

A equação fundamental da contabilidade do crescimento relaciona as diferentes taxas de

crescimento: do produto natural, gY, do stock de capital, gK, da quantidade de trabalho, n, e da

produtividade dos factores, a.

Os dois parâmetros da equação são as elasticidades do produto em relação à utilização de

capital, EKY, e à utilização de trabalho, EN

Y. Podem ser aproximados pela proporção das

respectivas remunerações no rendimento, com base na hipótese de que tanto o capital como o

trabalho são remunerados de acordo com as suas produtividades marginais:

Y

Kr

KY

PMg

KY

KYE KY

K

⋅==∂∂

= ;

Y

Nw

NY

PMg

NY

NYE NY

K

⋅==∂∂

= .

Os factos estilizados de Kaldor indicam que as proporções dos salários e dos lucros no produto

são estáveis. Tendo em consideração apenas estas duas categorias de factores produtivos, a

soma das proporções é necessariamente igual a 1. Designando por b a proporção dos

rendimentos do capital no rendimento:

( ) nbgbag KY ⋅−+⋅+= 1 .

Page 16: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

16

Depois de estimadas as proporções das remunerações dos factores, e as taxas médias de

crescimento do produto, do stock de capital, e da quantidade de trabalho, podemos obter uma

estimativa, recorrendo à equação fundamental da contabilidade do crescimento, da taxa

média de crescimento da produtividade total dos factores.

Pelo facto de a taxa de crescimento da produtividade, a, não ser passível de observação directa

(sendo deduzida a partir da observação das restantes variáveis), designa-se por resíduo de

Solow. Este parâmetro corresponde à fracção do crescimento económico que não é explicada

pelo crescimento do stock de capital e da quantidade de trabalho. De certa forma, mede a nossa

ignorância relativamente às causas do crescimento económico.

Obtêm-se, normalmente, estimativas muito significativas para o valor de a, o que evidencia a

importância do progresso técnico para o crescimento económico.

O crescimento da produtividade não é explicado pelo modelo de Solow (é um dado exógeno).

Assim sendo, o passo seguinte na teoria do crescimento económico consiste na busca de

explicações para a origem do crescimento da produtividade dos factores (endogeneização do

progresso técnico).

* 1.4 Crescimento Endógeno

1.4.1 Convergência absoluta e condicional

Uma dos temas fundamentais da teoria do crescimento é a questão da convergência. É de

esperar, que, no longo prazo, o produto per capita seja semelhante nas diferentes economias?

Page 17: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

17

Se assim for, dizemos que há convergência absoluta – todos os países convergem para o

mesmo nível de produto per capita.

No modelo de Solow, a convergência absoluta ocorre se todas as economias tiverem a mesma

função de produção (é necessário que a tecnologia seja comum a todas as economias), e iguais

taxas de depreciação, de poupança, e de crescimento populacional.

A convergência absoluta não implica que todas as economias tenham o mesmo produto per

capita no presente. Podem existir países-líder (no “steady-state” ou mais perto dele) e países

atrasados (mais longe do “steady-state”), mas todos em processo de convergência para o

mesmo “steady-state”.

Se um país resolver dedicar uma maior fracção da sua produção ao investimento, abdicando de

algum consumo, irá convergir para um “steady-state” diferente, com um nível superior de

capital por trabalhador, e de produto per capita.

Também segundo o modelo de Solow, se um país tiver uma taxa de crescimento populacional

superior, irá convergir para um equilíbrio com menos capital por trabalhador e menos produto

per capita.

Surge assim, naturalmente, o conceito de convergência condicional – países com condições

estruturais e factores de crescimento semelhantes (por exemplo, os parâmetros s, n e d)

convergem para o mesmo “steady-state”.

Observa-se empiricamente convergência entre alguns países, por exemplo, entre os países

industrializados (convergência condicional). No entanto, entre o conjunto dos países ricos e

alguns dos países mais pobres observa-se divergência.

Page 18: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

18

1.4.2 Limitações do modelo de Solow

O modelo de Solow tem vindo a ser posto em causa como modelo explicativo das diferenças

entre o crescimento económico dos diferentes países, por não explicar uma série de factos

empíricos.

Puzzle nº 1

Os países têm níveis de produto per capita demasiado díspares relativamente ao que seria de

esperar com base nas diferenças entre as respectivas taxas de poupança, depreciação e

crescimento populacional.

Puzzle nº 2

Como o rácio capital-trabalho é mais baixo nos países atrasados, a produtividade marginal do

capital é supostamente superior nestes países. Assim sendo, o investimento deveria ter um

retorno maior, levando à concentração do investimento nos países atrasados. No entanto, não

se observam maiores taxas de rentabilidade do capital nos países pobres.

Puzzle nº 3

O modelo de Solow não explica a variação da produtividade (o progresso técnico é

exógeno), que é um factor de crescimento crucial. Quais são os determinantes do progresso

técnico?

Page 19: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

19

1.4.3 Crescimento endógeno

A solução para estes puzzles parece estar na explicação do progresso técnico, e das diferenças

entre os níveis tecnológicos das diferentes economias. É este o objectivo dos modelos de

crescimento endógeno.

Uma forma de incorporar o progresso técnico no modelo de crescimento baseia-se na ideia de

que a utilização do capital envolve um processo de aprendizagem. O progresso técnico é, em

certa medida, um subproduto do processo produtivo. Esta externalidade3 positiva gera

rendimentos crescentes à escala, e, assim, a possibilidade de crescimento económico

permanente.

Outra possibilidade é considerar que a evolução tecnológica resulta de actividades de

investigação deliberadas e onerosas, levadas a cabo com o objectivo de obtenção de um

lucro. Esta perspectiva está associada à ideia de “destruição criativa” (Schumpeter, 1942). As

empresas procuram desenvolver novos produtos, que lhes permitam ultrapassar as concorrentes

e conquistar poder de mercado (requer, portanto, que ponhamos de parte o pressuposto de

concorrência perfeita).

Em ambos os casos, o capital humano, visto como o conjunto das habilitações e

competências produtivas das pessoas, traduz o progresso técnico. Para medir estatisticamente

a importância do Capital Humano no processo de crescimento, podemos recorrer a uma versão

aumentada da decomposição de Solow, que incorpora o capital humano (H) como factor

produtivo, estimado com base nas diferenças entre as remunerações dos trabalhadores

qualificados e dos trabalhadores não qualificados (N):

3 Quando uma actividade económica provoca um custo ou benefício a agentes que não participam nela, estamos na presença de uma externalidade. Exemplos comuns de externalidades positivas e negativas são, respectivamente, o ensino básico e a poluição.

Page 20: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

20

),,( NHKFAY ⋅= .

Esta versão aumentada da decomposição de Solow conduz a uma reformulação da equação

fundamental da contabilidade do crescimento:

.

1

),,(

),,(

nEgEgEag

N

dtdN

NY

NY

H

dtdH

HY

HY

K

dtdK

KY

KY

A

dtdA

Y

dtdYN

dtdN

N

Y

Y

N

H

dtdH

H

Y

Y

H

K

dtdK

K

Y

Y

K

dt

dA

A

Y

YY

dtdYdt

dN

N

Y

dt

dH

H

Y

dt

dK

K

Y

dt

dANHKF

dt

dYdt

dN

N

Y

dt

dH

H

Y

dt

dK

K

Y

dt

dA

A

Y

dt

dYNHKFAY

YNH

YHK

YKY ⋅+⋅+⋅+=⇔

⇔⋅∂∂

+⋅∂∂

+⋅∂∂

+=⇔

⇔⋅∂∂+⋅

∂∂+⋅

∂∂+⋅⋅=⇔

⇔⋅∂∂+⋅

∂∂+⋅

∂∂+⋅=⇔

⇔⋅∂∂+⋅

∂∂+⋅

∂∂+⋅

∂∂=⇒⋅=

Novamente, as diferentes elasticidades podem estimar-se a partir das fracções do rendimento

que correspondem às remunerações de cada factor produtivo:

.)1( 2121 nbbgbgbag HKY ⋅−−+⋅+⋅+=

Estimando novamente a contribuição para o crescimento destes factores produtivos,

verificamos que grande parte da componente anteriormente não explicada (resíduo de Solow)

era devida ao crescimento do capital humano.

* 1.5 Políticas Estruturais

Para além do capital humano, há outros factores que influenciam o crescimento de uma

economia, como por exemplo: (1) infra-estruturas; (2) inovação, investigação e

Page 21: 1.1. Conceitos e Factos 1.2. Modelo de Solow 1.3 ... · A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de crescimento económico, e identificar

21

desenvolvimento; (3) regime e estabilidade política; (4) liberalização e abertura da economia;

(5) sistema judicial e direitos de propriedade; (6) situação geográfica.

Se dispusermos de formas adequadas de medição destes factores, podemos introduzi-los na

equação fundamental da contabilidade do crescimento de modo a estimar a sua contribuição

para o crescimento económico:

....321 nbjbgbgbag nHKY ⋅++⋅+⋅+⋅+=

A partir do conhecimento dos factores que determinam o crescimento económico, o sector

público pode levar a cabo políticas que estimulem o processo de crescimento económico,

designadas por políticas estruturais.

Exemplos de políticas estruturais são:

1. Promoção de um nível de poupança apropriado – fixar um défice orçamental

público adequado e introduzir incentivos à poupança ou ao consumo privado.

2. Formação de capital humano – promover o ensino e formação profissional, a saúde

pública, e reter o capital humano existente (evitar a chamada “fuga de cérebros”).

3. Apoio à inovação e difusão tecnológica – incentivar a investigação e

desenvolvimento, a inovação, a criação de redes empresariais e a divulgação da informação.

4. Investimento em infra-estruturas públicas – construir escolas, hospitais e estradas, e

fornecer bens públicos que contribuam para a competitividade das empresas ou que reduzam os

seus custos.

5. Regulação dos mercados – definir políticas de concorrência e proteger os direitos de

propriedade.