1.1. conceitos e factos 1.2. modelo de solow 1.3 ... · a teoria do crescimento económico procura...
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1
Capítulo 1. Crescimento Económico1
1.1. Conceitos e Factos
1.2. Modelo de Solow
1.3. Contabilidade do Crescimento
* 1.4. Crescimento Endógeno
* 1.5. Políticas Estruturais
1.1 Conceitos e Factos
O problema económico consiste em procurar satisfazer as necessidades das pessoas, dados os
escassos recursos disponíveis, e a tecnologia existente. Para o resolver, é essencial ter em conta
que as escolhas presentes condicionam de forma decisiva o bem-estar das gerações futuras.
Vivemos numa era de abundância e prosperidade sem precedentes. O enorme progresso
tecnológico a que assistimos no século XX transformou completamente a economia.
Usufruímos agora de bens como o automóvel, a televisão, o computador e o telemóvel.
Usamos aviões para viajar pelo mundo, e comunicamos através da Internet. Temos cada vez
mais qualidade de vida, e as nossas vidas são cada vez mais longas.
O desenvolvimento económico vai relaxando as restrições que limitam as escolhas e
oportunidades das pessoas, que procuram essencialmente viver bem e por muito tempo. O
conceito de crescimento económico é mais restrito, focando-se no aumento quantitativo da
capacidade produtiva, e não na transformação qualitativa da estrutura da economia.
1 Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2009-10) não dispensa a frequência das aulas e a consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva ([email protected]).
2
A teoria do crescimento económico procura encontrar os factores determinantes da taxa de
crescimento económico, e identificar políticas que fomentem o seu aumento.
A medida de crescimento mais frequentemente utilizada é a taxa de crescimento do Produto
Interno Bruto, que é o valor dos bens e serviços produzidos anualmente. Uma vez que o
horizonte temporal do estudo do crescimento económico é o longo prazo, devemos procurar
ignorar as flutuações de curto prazo (ciclos económicos), e medir o crescimento económico
como a taxa de crescimento do produto natural.
Figura 1.1: “Stag-nation” vs “Speed-nation”.2
O bem-estar social está fortemente associado ao quociente entre a quantidade de bens e
serviços produzidos na economia, e o número de pessoas cujas necessidades é necessário
satisfazer. Assim, utiliza-se o PIB per capita, ou, numa óptica de longo prazo, o PIB natural
per capita, como indicador do bem-estar social. Faz igualmente sentido utilizar o nível de
consumo per capita, em vez do produto per capita, porque é através do consumo que as
pessoas satisfazem as suas necessidades.
2 Fonte: Gordon (2005), “Macroeconomics”, 10th ed., Addison-Wesley.
3
Ao identificarmos o bem-estar social com o produto ou consumo per capita, devemos ter em
conta o facto de a riqueza e os bens materiais serem apenas um meio genérico de as pessoas
perseguirem o tipo de vida que valorizam, e não o fim em si. O mesmo aviso se aplica ao
estudo da importância da formação de capital humano. Avaliar a educação unicamente pelo
aumento da capacidade produtiva que proporciona implica ignorar os efeitos que pode ter na
capacidade das pessoas aumentarem as escolhas reais de que dispõem, e terem a vida que com
razão valorizam.
O carácter exponencial do crescimento económico leva a que pequenas diferenças nas taxas de
crescimento possam ter um enorme efeito acumulado. Em 2007, o PIB de Portugal foi de 163
mil milhões de euros. Se crescer à taxa média anual de 2%, daqui a 20 anos será igual a 242
mil milhões de euros. Se crescesse a 5%, atingiria os 432 mil milhões de euros.
Para estimar o número de períodos necessário para que uma variável duplique, basta dividir o
número 70 pela taxa de crescimento da variável ("lei dos 70"). Se crescer à taxa média anual
de 2%, o PIB per capita da União Europeia demorará 35 anos a duplicar. O PIB per capita da
China tem crescido à taxa média anual de 7%, duplicando, assim, em cada 10 anos.
Nicholas Kaldor (1961) identificou um conjunto de regularidades empíricas de longo prazo,
hoje conhecidas como factos estilizados de Kaldor:
1. Crescimento do produto per capita.
2. Crescimento do rácio capital-trabalho.
3. Estabilidade do rácio capital-produto.
4. Crescimento dos salários reais.
5. Estabilidade da taxa de lucro.
6. Estabilidade da proporção entre salários e lucros.
4
Estes factos empíricos descrevem uma espécie de crescimento equilibrado da economia, que
se observa na realidade como tendência de longo prazo. O stock de capital e o produto crescem
à mesma taxa (3), que é superior à taxa de crescimento da população (1) e do factor trabalho
(2). Relativamente à remuneração dos factores de produção, observa-se que os salários reais
vão crescendo (4), enquanto que a taxa de lucro é estável (5), mantendo-se constantes as
fracções do rendimento (produto) que remuneram os proprietários dos capitais e os
trabalhadores (6).
1.2 Modelo de Solow
1.2.1 Modelo de Solow sem progresso técnico
O modelo de Solow, ou modelo de crescimento neoclássico, tem como principal objectivo
explicar o papel da acumulação de capital no processo de crescimento. Segundo este modelo, a
economia tende para um estado estacionário (“steady-state”), no qual apresenta um
crescimento equilibrado (“balanced growth”), ou seja, no qual cresce de forma homogénea e
a uma velocidade constante. Na ausência de progresso tecnológico, o crescimento do produto
per capita é nulo.
A função produção de uma economia relaciona as quantidades de recursos utilizados na
produção, normalmente o capital (K) e o trabalho (N), com o volume de produção que se obtém
(Y):
( )NKFY ,= .
5
A produtividade marginal do capital é igual ao aumento de produto que resulta do aumento
de uma pequena unidade de capital. A produtividade média do capital calcula-se como o
quociente entre o produto e o stock de capital utilizado na produção:
K
NKF
K
YPMgK ∂
∂=∂∂= ),(
; ( )
K
NKF
K
YPMdK
,== .
A produtividade marginal do trabalho é igual ao aumento de produto resultante da
utilização de uma pequena unidade de trabalho adicional. A produtividade média do
trabalho é o produto obtido por cada hora de trabalho utilizado:
N
NKF
N
YPMgN ∂
∂=∂∂= ),(
; ( )
N
NKF
N
YPMdN
,== .
A utilização de maiores quantidades de factores produtivos possibilita o aumento do volume de
produção. No entanto, unidades adicionais de factores produtivos proporcionam aumentos do
volume de produção cada vez menores. Assumimos que os factores produtivos têm
produtividades marginais positivas, mas decrescentes:
00 >∂∂⇔>K
YPMgK ; 00
2
2
<∂∂⇔<
∂∂
K
Y
K
PMgK ;
00 >∂∂⇔>N
YPMgN ; 00
2
2
<∂∂⇔<
∂∂
N
Y
N
PMgN .
No modelo de Solow, assume-se que a função produção tem rendimentos constantes à
escala. Apesar de cada factor produtivo ter rendimentos decrescentes, o aumento de ambos os
factores numa dada proporção provoca um aumento do produto na mesma proporção:
),(),( NKFNKF ⋅= λλλ .
6
Este pressuposto de rendimentos constantes à escala permite-nos escrever a função produção
na forma intensiva, relacionando o produto por trabalhador (y=Y/N) com o stock de capital
por trabalhador (k=K/N):
( ) ( )( )
( ).
1,),(
kfy
NKfNY
NKfNNKFNNKFY
=⇔=⇔
⇔⋅=⋅==
Figura 1.2: Representação gráfica da função produção na forma intensiva.
Assumimos que as famílias poupam uma fracção constante, s, do seu rendimento (taxa de
poupança exógena). O equilíbrio no mercado de bens e serviços implica a igualdade entre
investimento e poupança:
YsSI ⋅== .
O desgaste e a obsolescência do capital é descrito por uma taxa de depreciação constante, d.
A variação do stock de capital é igual à diferença entre o investimento e a depreciação do
capital existente:
KdYsKdIdt
dK ⋅−⋅=⋅−= .
y=Y/N
k=K/N
( )kfy =
y=Y/N
k=K/N
( )kfy =
7
Se o investimento for superior (inferior) à depreciação do capital, o stock de capital aumenta
(diminui). Se o investimento coincidir com a depreciação, então o stock de capital mantém-se
constante.
A força de trabalho pode variar ao longo do tempo. Assume-se que a sua taxa de crescimento,
n, é constante.
A principal variável do modelo é o stock de capital por trabalhador. A sua evolução depende
das taxas de poupança, da taxa de depreciação do capital e da taxa de crescimento da força de
trabalho:
.)(
12
kndysdt
dk
nkkdysN
dtdN
N
K
N
KdYs
dt
dkdt
dN
N
K
dt
dK
Ndt
dN
N
k
dt
dK
K
k
dt
dk
N
Kk
⋅+−⋅=⇔
⇔⋅−⋅−⋅=⋅−⋅−⋅=⇔
⇔⋅−⋅=⋅∂∂+⋅
∂∂=⇒=
Na presença de crescimento populacional (em rigor, aumento da força de trabalho), para que
se mantenha o rácio capital-trabalhador, o investimento deve ser suficiente não só para
compensar as depreciações, mas também para fornecer capital aos trabalhadores adicionais que
surgem na economia.
.)(0 kndysdt
dk ⋅+=⋅⇔=
8
Figura 1.3: Estado estacionário no modelo de Solow sem progresso técnico.
Quando o stock de capital por trabalhador é inferior (superior) ao nível de “steady-state” (k*),
o investimento é superior às necessidades de formação de capital, de modo que o stock de
capital por trabalhador aumenta (diminui). A economia converge, assim, para a situação de
equilíbrio.
Figura 1.4: Convergência para o estado estacionário.
Uma maior taxa de crescimento populacional (da força de trabalho) conduz a um equilíbrio
(estado estacionário) no qual o stock de capital por trabalhador e o produto por trabalhador são
inferiores. Um aumento da taxa de depreciação tem o mesmo efeito.
(d+n)·k
s·y
y=f(k)y
k
y*
k*
s·y*
E*
(d+n)·k
s·y
y=f(k)y
k
y*
k*
s·y*
E*
(d+n)·k
s·y
y=f(k)y
k
y*
k*
E*
ka< k*
s·yb < (d+n)·kb
K b> k*
s·ya > (d+n)·ka
9
Figura 1.5: Efeito do aumento da taxa de depreciação ou da taxa de crescimento populacional.
Uma taxa de poupança mais elevada significa que é investida uma maior fracção do produto, o
que permite manter um nível mais elevado de stock de capital por trabalhador.
Figura 1.6: Efeito do aumento da taxa de poupança.
O facto de um aumento da taxa de poupança conduzir a um aumento do produto per capita de
equilíbrio não significa que seja sempre desejável. Poupar (investir) permite produzir mais no
futuro, mas implica abdicar de consumir no presente.
s·y
y=f(k)y
k
y*
k*
s·y*
E*
(d+n)·k
s·y
y=f(k)y
k
y*
k*
s·y*
E*
(d+n)·k
s0·y
y
y
k
y*
k*
s·y*
E*
(d+n)·ks1·y
s0·y
y
y
k
y*
k*
s·y*
E*
(d+n)·ks1·y
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Figura 1.7: Repartição do produto entre consumo e poupança.
Considerando como indicador do bem-estar o nível de consumo per capita, verificamos que
existe uma taxa de poupança óptima, isto é, que maximiza o bem-estar em equilíbrio. A
chamada golden rule indica-nos qual é essa taxa.
O ponto de equilíbrio que resulta da aplicação da golden rule pode determinar-se traçando uma
linha paralela à linha de depreciações e tangente à função produção. A taxa de poupança
óptima é aquela que induz este ponto de equilíbrio. Em termos económicos, a golden rule
iguala os benefícios marginais associados ao investimento e ao consumo.
Figura 1.8: Estado estacionário correspondente à golden rule.
s·y0s·y
y
y
k
y0
k0
consumo por trabalhador
investimento por trabalhador
s·y0s·y
y
y
k
y0
k0
consumo por trabalhador
investimento por trabalhador
s·y
y
y
k
y0
k0
consumo por trabalhador
investimento por trabalhador
sGR·y
y=f(k)y=Y/N
k=K/N
yGR
kGR
(d+n)·k
sGR·yGR
EGR
sGR·y
y=f(k)y=Y/N
k=K/N
yGR
kGR
(d+n)·k
sGR·yGR
EGR
11
Analiticamente, a igualdade entre os declives da função produção e da linha de depreciações é
dada por:
ndkf GR +=)(' .
Suponhamos que a economia se encontra inicialmente em equilíbrio. A alteração de uma das
suas características estruturais (função de produção, taxa de poupança, etc.) faz com que o
ponto de equilíbrio se modifique, e que a economia inicie um movimento no sentido desse
novo equilíbrio. A dinâmica de transição do stock de capital por trabalhador e do produto real
por trabalhador consiste numa convergência gradual para os novos valores de equilíbrio.
Figura 1.9: Dinâmica de transição do produto por unidade de trabalho.
Verificamos que o modelo de Solow sem progresso técnico não prevê crescimento
continuado nem do produto por trabalhador, nem do stock de capital por trabalhador, nem dos
salários. Sugere, portanto, que a acumulação de capital não é suficiente para gerar
crescimento continuado da economia. Para que o modelo de Solow esteja de acordo com estes
factos estilizados de Kaldor, é necessária a consideração de progresso técnico.
y
tempo
*1y
*0y
y
tempo
*1y
*0y
12
1.2.2 Modelo de Solow com progresso técnico
O progresso técnico reflecte-se no aumento da produtividade dos factores de produção,
permitindo que se obtenha um maior produto para um mesmo nível de utilização dos factores
produtivos. Existem três formulações elementares, que têm em comum a presença de um
parâmetro de produtividade, A:
( )NKAFY ,,= .
O progresso técnico à Hicks faz aumentar a produtividade total dos factores, isto é, afecta de
igual forma a produtividade do capital e do trabalho:
( )NKFAY ,⋅= .
O progresso técnico à Harrod aumenta apenas a produtividade do trabalho:
),( ANKFY = .
O progresso técnico à Solow proporciona aumentos da produtividade do capital:
),( NAKFY = .
No modelo de Solow com progresso técnico, a função produção incorpora progresso técnico
à Harrod. Assume-se que o parâmetro de produtividade do factor trabalho cresce a uma taxa
constante, a:
),( ANKFY = , com ateAA ⋅= 0 .
Definem-se como variáveis principais do modelo o stock de capital por unidade de trabalho
eficiente, (kA=K/AN) e o produto real por unidade de trabalho eficiente (yA=Y/AN). A função
produção na forma intensiva obtém-se da seguinte forma:
13
( ) ( )( )
( ).
1,),(
AA kfy
ANKfANY
ANKfANANKFANANKFY
=⇔=⇔
⇔⋅=⋅==
Com progresso técnico, a equação de acumulação de capital fica dada por:
.)(
122
AAA
AAAAA
A
A
AAAAA
kandysdt
dk
nkakkdysdt
dkN
dtdN
AN
K
A
dtdA
AN
K
AN
KdYs
dt
dkdt
dN
AN
K
dt
dA
NA
K
dt
dK
ANdt
dkdt
dN
N
k
dt
dA
A
k
dt
dK
K
k
dt
dk
AN
Kk
⋅++−⋅=⇔
⇔⋅−⋅−⋅−⋅=⇔
⇔⋅−⋅−⋅−⋅=⇔
⇔⋅−⋅−⋅=⇔
⇔⋅∂∂
+⋅∂∂
+⋅∂∂
=⇒=
No estado estacionário, são agora constantes o stock de capital por unidade de trabalho
eficiente, (kA=K/AN) e o produto real por unidade de trabalho eficiente (yA=Y/AN).
Figura 1.10: Estado estacionário no modelo de Solow com progresso técnico.
E*
kA*
s·yA
(d+n+a)· kA
yA=f(kA)
yA*
s·yA*
AN
YyA =
AN
KkA =
E*
kA*
s·yAs·yA
(d+n+a)· kA
yA=f(kA)
yA*
s·yA*
AN
YyA =
AN
KkA =
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O modelo de Solow admite duas formas distintas de crescimento. Na ausência de progresso
técnico, apenas pode existir crescimento transitório, na convergência para um novo
equilíbrio. Na presença de progresso técnico, a economia tende a apresentar um crescimento
continuado tanto do produto por trabalhador como do stock de capital por trabalhador, a uma
taxa que coincide com a taxa de progresso técnico. Pode verificar-se que esta evolução verifica
os factos estilizados de Kaldor.
O modelo de Solow sugere, portanto, que um processo de crescimento assente na acumulação
de capital não é sustentável. O crescimento económico continuado só pode resultar do
progresso técnico permanente.
1.3 Contabilidade do Crescimento
A contabilidade do crescimento estuda a contribuição de diferentes factores para o
crescimento económico. O crescimento do produto resulta, essencialmente, do crescimento do
stock de capital, da força de trabalho, e da produtividade.
A função de produção relaciona estes três factores com o volume de produção. No âmbito da
contabilidade do crescimento assume-se habitualmente que o progresso técnico consiste no
aumento da produtividade total dos factores, ou seja, que afecta de igual forma a produtividade
do capital e do trabalho:
( )NKFAY ,⋅= .
A partir da função de produção agregada podemos obter a equação fundamental da
contabilidade do crescimento:
15
.
1111
),(
),(
nEgEag
N
dtdN
NY
NY
K
dtdK
KY
KY
A
dtdA
Y
dtdYdt
dN
N
Y
Y
N
Ndt
dK
K
Y
Y
K
Kdt
dA
A
Y
Ydt
dY
Y
dt
dN
N
Y
dt
dK
K
Y
dt
dANKF
dt
dYdt
dN
N
Y
dt
dK
K
Y
dt
dA
A
Y
dt
dYNKFAY
YNK
YKY ⋅+⋅+=⇔
⇔⋅∂∂
+⋅∂∂
+=⇔
⇔⋅∂∂⋅⋅+⋅
∂∂⋅⋅+⋅⋅=⋅⇔
⇔⋅∂∂+⋅
∂∂+⋅=⇔
⇔⋅∂∂+⋅
∂∂+⋅
∂∂=⇒⋅=
A equação fundamental da contabilidade do crescimento relaciona as diferentes taxas de
crescimento: do produto natural, gY, do stock de capital, gK, da quantidade de trabalho, n, e da
produtividade dos factores, a.
Os dois parâmetros da equação são as elasticidades do produto em relação à utilização de
capital, EKY, e à utilização de trabalho, EN
Y. Podem ser aproximados pela proporção das
respectivas remunerações no rendimento, com base na hipótese de que tanto o capital como o
trabalho são remunerados de acordo com as suas produtividades marginais:
Y
Kr
KY
PMg
KY
KYE KY
K
⋅==∂∂
= ;
Y
Nw
NY
PMg
NY
NYE NY
K
⋅==∂∂
= .
Os factos estilizados de Kaldor indicam que as proporções dos salários e dos lucros no produto
são estáveis. Tendo em consideração apenas estas duas categorias de factores produtivos, a
soma das proporções é necessariamente igual a 1. Designando por b a proporção dos
rendimentos do capital no rendimento:
( ) nbgbag KY ⋅−+⋅+= 1 .
16
Depois de estimadas as proporções das remunerações dos factores, e as taxas médias de
crescimento do produto, do stock de capital, e da quantidade de trabalho, podemos obter uma
estimativa, recorrendo à equação fundamental da contabilidade do crescimento, da taxa
média de crescimento da produtividade total dos factores.
Pelo facto de a taxa de crescimento da produtividade, a, não ser passível de observação directa
(sendo deduzida a partir da observação das restantes variáveis), designa-se por resíduo de
Solow. Este parâmetro corresponde à fracção do crescimento económico que não é explicada
pelo crescimento do stock de capital e da quantidade de trabalho. De certa forma, mede a nossa
ignorância relativamente às causas do crescimento económico.
Obtêm-se, normalmente, estimativas muito significativas para o valor de a, o que evidencia a
importância do progresso técnico para o crescimento económico.
O crescimento da produtividade não é explicado pelo modelo de Solow (é um dado exógeno).
Assim sendo, o passo seguinte na teoria do crescimento económico consiste na busca de
explicações para a origem do crescimento da produtividade dos factores (endogeneização do
progresso técnico).
* 1.4 Crescimento Endógeno
1.4.1 Convergência absoluta e condicional
Uma dos temas fundamentais da teoria do crescimento é a questão da convergência. É de
esperar, que, no longo prazo, o produto per capita seja semelhante nas diferentes economias?
17
Se assim for, dizemos que há convergência absoluta – todos os países convergem para o
mesmo nível de produto per capita.
No modelo de Solow, a convergência absoluta ocorre se todas as economias tiverem a mesma
função de produção (é necessário que a tecnologia seja comum a todas as economias), e iguais
taxas de depreciação, de poupança, e de crescimento populacional.
A convergência absoluta não implica que todas as economias tenham o mesmo produto per
capita no presente. Podem existir países-líder (no “steady-state” ou mais perto dele) e países
atrasados (mais longe do “steady-state”), mas todos em processo de convergência para o
mesmo “steady-state”.
Se um país resolver dedicar uma maior fracção da sua produção ao investimento, abdicando de
algum consumo, irá convergir para um “steady-state” diferente, com um nível superior de
capital por trabalhador, e de produto per capita.
Também segundo o modelo de Solow, se um país tiver uma taxa de crescimento populacional
superior, irá convergir para um equilíbrio com menos capital por trabalhador e menos produto
per capita.
Surge assim, naturalmente, o conceito de convergência condicional – países com condições
estruturais e factores de crescimento semelhantes (por exemplo, os parâmetros s, n e d)
convergem para o mesmo “steady-state”.
Observa-se empiricamente convergência entre alguns países, por exemplo, entre os países
industrializados (convergência condicional). No entanto, entre o conjunto dos países ricos e
alguns dos países mais pobres observa-se divergência.
18
1.4.2 Limitações do modelo de Solow
O modelo de Solow tem vindo a ser posto em causa como modelo explicativo das diferenças
entre o crescimento económico dos diferentes países, por não explicar uma série de factos
empíricos.
Puzzle nº 1
Os países têm níveis de produto per capita demasiado díspares relativamente ao que seria de
esperar com base nas diferenças entre as respectivas taxas de poupança, depreciação e
crescimento populacional.
Puzzle nº 2
Como o rácio capital-trabalho é mais baixo nos países atrasados, a produtividade marginal do
capital é supostamente superior nestes países. Assim sendo, o investimento deveria ter um
retorno maior, levando à concentração do investimento nos países atrasados. No entanto, não
se observam maiores taxas de rentabilidade do capital nos países pobres.
Puzzle nº 3
O modelo de Solow não explica a variação da produtividade (o progresso técnico é
exógeno), que é um factor de crescimento crucial. Quais são os determinantes do progresso
técnico?
19
1.4.3 Crescimento endógeno
A solução para estes puzzles parece estar na explicação do progresso técnico, e das diferenças
entre os níveis tecnológicos das diferentes economias. É este o objectivo dos modelos de
crescimento endógeno.
Uma forma de incorporar o progresso técnico no modelo de crescimento baseia-se na ideia de
que a utilização do capital envolve um processo de aprendizagem. O progresso técnico é, em
certa medida, um subproduto do processo produtivo. Esta externalidade3 positiva gera
rendimentos crescentes à escala, e, assim, a possibilidade de crescimento económico
permanente.
Outra possibilidade é considerar que a evolução tecnológica resulta de actividades de
investigação deliberadas e onerosas, levadas a cabo com o objectivo de obtenção de um
lucro. Esta perspectiva está associada à ideia de “destruição criativa” (Schumpeter, 1942). As
empresas procuram desenvolver novos produtos, que lhes permitam ultrapassar as concorrentes
e conquistar poder de mercado (requer, portanto, que ponhamos de parte o pressuposto de
concorrência perfeita).
Em ambos os casos, o capital humano, visto como o conjunto das habilitações e
competências produtivas das pessoas, traduz o progresso técnico. Para medir estatisticamente
a importância do Capital Humano no processo de crescimento, podemos recorrer a uma versão
aumentada da decomposição de Solow, que incorpora o capital humano (H) como factor
produtivo, estimado com base nas diferenças entre as remunerações dos trabalhadores
qualificados e dos trabalhadores não qualificados (N):
3 Quando uma actividade económica provoca um custo ou benefício a agentes que não participam nela, estamos na presença de uma externalidade. Exemplos comuns de externalidades positivas e negativas são, respectivamente, o ensino básico e a poluição.
20
),,( NHKFAY ⋅= .
Esta versão aumentada da decomposição de Solow conduz a uma reformulação da equação
fundamental da contabilidade do crescimento:
.
1
),,(
),,(
nEgEgEag
N
dtdN
NY
NY
H
dtdH
HY
HY
K
dtdK
KY
KY
A
dtdA
Y
dtdYN
dtdN
N
Y
Y
N
H
dtdH
H
Y
Y
H
K
dtdK
K
Y
Y
K
dt
dA
A
Y
YY
dtdYdt
dN
N
Y
dt
dH
H
Y
dt
dK
K
Y
dt
dANHKF
dt
dYdt
dN
N
Y
dt
dH
H
Y
dt
dK
K
Y
dt
dA
A
Y
dt
dYNHKFAY
YNH
YHK
YKY ⋅+⋅+⋅+=⇔
⇔⋅∂∂
+⋅∂∂
+⋅∂∂
+=⇔
⇔⋅∂∂+⋅
∂∂+⋅
∂∂+⋅⋅=⇔
⇔⋅∂∂+⋅
∂∂+⋅
∂∂+⋅=⇔
⇔⋅∂∂+⋅
∂∂+⋅
∂∂+⋅
∂∂=⇒⋅=
Novamente, as diferentes elasticidades podem estimar-se a partir das fracções do rendimento
que correspondem às remunerações de cada factor produtivo:
.)1( 2121 nbbgbgbag HKY ⋅−−+⋅+⋅+=
Estimando novamente a contribuição para o crescimento destes factores produtivos,
verificamos que grande parte da componente anteriormente não explicada (resíduo de Solow)
era devida ao crescimento do capital humano.
* 1.5 Políticas Estruturais
Para além do capital humano, há outros factores que influenciam o crescimento de uma
economia, como por exemplo: (1) infra-estruturas; (2) inovação, investigação e
21
desenvolvimento; (3) regime e estabilidade política; (4) liberalização e abertura da economia;
(5) sistema judicial e direitos de propriedade; (6) situação geográfica.
Se dispusermos de formas adequadas de medição destes factores, podemos introduzi-los na
equação fundamental da contabilidade do crescimento de modo a estimar a sua contribuição
para o crescimento económico:
....321 nbjbgbgbag nHKY ⋅++⋅+⋅+⋅+=
A partir do conhecimento dos factores que determinam o crescimento económico, o sector
público pode levar a cabo políticas que estimulem o processo de crescimento económico,
designadas por políticas estruturais.
Exemplos de políticas estruturais são:
1. Promoção de um nível de poupança apropriado – fixar um défice orçamental
público adequado e introduzir incentivos à poupança ou ao consumo privado.
2. Formação de capital humano – promover o ensino e formação profissional, a saúde
pública, e reter o capital humano existente (evitar a chamada “fuga de cérebros”).
3. Apoio à inovação e difusão tecnológica – incentivar a investigação e
desenvolvimento, a inovação, a criação de redes empresariais e a divulgação da informação.
4. Investimento em infra-estruturas públicas – construir escolas, hospitais e estradas, e
fornecer bens públicos que contribuam para a competitividade das empresas ou que reduzam os
seus custos.
5. Regulação dos mercados – definir políticas de concorrência e proteger os direitos de
propriedade.