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PETER DUFFY Os irmãos Bielski A história real de três homens que desafiaram os nazistas, salvaram 1200 judeus e construíram uma aldeia na floresta Este livro foi digitalizado sem fins comerciais para uso exclusivo de pessoas com deficiência que necessitem de leitores de tela para aceder ao seu conteúdo, não devendo ser distribuído com outra finalidade, mesmo de forma gratuita. Tradução Marcos Padilha COMPANHIA DAS LETRAS

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PETER DUFFY

Os irmãos BielskiA história real de três homens que desafiaram os nazistas, salvaram 1200 judeus e construíram uma aldeia na floresta

Este livro foi digitalizado sem fins comerciais para uso exclusivo de pessoas com deficiência que necessitem de leitores de tela para aceder ao seu conteúdo, não devendo ser distribuído com outra finalidade, mesmo de forma gratuita.

Tradução Marcos Padilha

COMPANHIA DAS LETRAS

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Copyright © 2003 by Peter Duffy

Publicado mediante acordo com HarperCollins Publishers Inc., Nova York.

O autor agradece ao Yivo Institute for Jewish Research, por ter permitido a citação da autobiografia de Tuvia Bielski em língua iídiche, e à University of Chicago Press, por autorizar a citação de Forests: The shadow of civilization, de Robert Pogue Harrison.

Título original

The Bielski brothers: the true story of three men who defied the Nazis, saved 1200 Jews, and

built a village in the forest CapaEttore BottiniFoto da capa© Bettmann/Corbis/Stock Photos , .Preparação:Cacilda Guerra e Maria Cecília CaropresoRevisão: :

Ana Maria Barbosa e Renato Potenza Rodrigues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Duffy, Peter, 1969Os irmãos Bielski: a história real de três homens que desafiaram os nazistas, salvaram 1200 judeus e construíram uma aldeia no meio da floresta / Peter Duffy ; tradução Marcos Padilha. São Paulo : Companhia das Letras, 2004.

Título original: The Bielski brothers ISBN 85-359-0522-7

1. Bielski, Isael 2. Bielski, Tuvia 3. Bielski, Zus 4. Guerra Mundial, 1939-1945 - Judeus-Salvamento - Bielo-Rússia 5. Guerra Mundial 6. 1939-1945 - Resistência judia - Bielo-Rússia Holocausto judeu (1939-1945) - Bielo-Rússia 7. Judeus - Perseguição

- Bielo-Rússia i. Título

Parflmínkatnãeemeupai04-4021CDD-940.53089924índices para catálogo sistemático:1. Judeus: Resistência : Guerra Mundial,1939-1945 : História 940.530899242. Judeus: Salvamento : Guerra Mundial,1939-1945 : História 940.53089924[2004]Todos os direitos desta edição reservados à

EDITORA SCHWARCZ LTDA.

Rua Bandeira Paulista 702 cj. 3204532-002 - São Paulo - SPTelefone (l 1)3707-3500Fax (l 1)3707-3501www.companhiadasletras.com.br

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Havia algo de familiar na floresta, e, na pior das hipóteses, poderíamos escapar por entre as árvores.

Tuvia Bielski, autobiografia inédita, 1955

... as florestas eram foris, ”à margem”, ”o lado de fora”. Nelas viviam os rejeitados, os loucos, os amantes, bandidos, eremitas, santos, leprosos, os maquis, fugitivos, desajustados, os perseguidos, os homens selvagens. Para que outro lugar poderiam ir? A margem da lei e da sociedade humanas estava a floresta. Mas o refúgio da floresta era execrável. Impossível permanecer humano na floresta; tudo que se podia era elevar-se acima da condição humana ou se afundar abaixo dela.

Robert Pogue Harrison, de Forests: The shadow of civilization, 1992

Comparadas aos guetos, eram o paraíso. Nas florestas, éramos livres. É tudo o que posso dizer. Tínhamos liberdade.

Charles Bedzow

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SumárioPrólogo 111. Do Czar ao Führer 192. Junho de 1941 - Dezembro de 1941 43

3. Dezembro de 1941 - Junho de 1942 714. Junho de 1942 - Outubro de 1942 935. Outubro de 1942 - Fevereiro de 1943 1216. Fevereiro de 1943 - Abril de 1943 1437. Maio de 1943 - Julho de 1943 1688. Julho de 1943 - Setembro de 1943 1849. Setembro de 1943 20510. Outubro de 1943 - Janeiro de 1944 217

11. Janeiro de 1944 - Julho de 1944 25012. Para Israel e a América 275Epílogo 288Notas 291Agradecimentos 311

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PrólogoSerei famoso depois de morto. Tuvia Bielski

Três homens, irmãos, salvaram tantos judeus durante a Segunda Guerra Mundial quanto Oskar Schindler. Eles organizaram uma força militar que matou centenas de soldados inimigos, quase tantos quanto os combatentes do levante do gueto de Varsóvia. Seus nomes eram Tuvia, Asael e Zus Bielski. Para os 1200 sobreviventes judeus que deixaram as florestas bielo-russas em julho de

1944, e para as várias gerações de seus descendentes, esses homens se tornaram lendários, reverenciados como heróis. Fora desse grupo, porém, os homens por trás da maior e mais bem-sucedida força judaica de combate e de socorro de guerra permaneceram quase desconhecidos; nos sessenta anos decorridos desde então, apenas uns poucos livros relataram seus feitos e nenhuma placa homenageia seus nomes.

Topei com essa história enquanto fazia uma pesquisa on-line. Uma referência solta a ”Judeus da Floresta” despertou minha

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curiosidade e conduziu-me por um caminho que me mobilizaria pelos três anos seguintes - um caminho que me deu a oportunidade extraordinária de reunir em primeira mão relatos de sobreviventes do Holocausto, em alguns casos apenas meses ou mesmo semanas antes de sua morte.

E assim, depois de inúmeras entrevistas, durante as quais ouvi histórias sobre ávida nas florestas da atual Belarus ocidental, onde a resistência dos Bielski contra os alemães resultou na criação de uma aldeia com oficinas improvisadas e habitações primitivas, em

27 de junho de 2001 encontrei-me no limiar da maior dessas florestas. Tive a oportunidade de imaginar como ela deve ter sido, guiado por uma polonesa idosa chamada Leokadia Lankovich.

Mas nada a respeito daPuschaNaliboki-puscha é uma palavra comum às línguas polonesa, russa, bielo-russa e ucraniana que significa ”floresta densa” - indicava que ela houvesse abrigado alguma coisa fora do comum. Parecia uma floresta qualquer, num país qualquer. Contudo, alguns dos mais extraordinários atos de coragem e engenho demonstrados durante a guerra ocorreram entre esses pinheiros e abetos.

Quando chegou a esses bosques no verão de 1943, o grupo Bielski era integrado pelo espantoso número de oitocentos judeus. Mais de um ano antes, os irmãos tinham estabelecido uma base na floresta, povoada por vários parentes, perto do domicílio da família Bielski. O mais velho e sábio dos três, Tuvia, insistira que o grupo fosse aberto a todos os judeus, pouco importando se jovens ou velhos, saudáveis ou enfermos, soldados ou inválidos. ”Antes salvar a vida de uma anciã judia”, dizia, ”do que matar dez soldados alemães.” Aos poucos, mais pessoas chegavam, muitas resgatadas dos guetos pelos combatentes Bielski, até que a unidade se tornou um enorme ajuntamento de foragidos movendo-se de floresta em floresta, sempre um lance à frente dos alemães.

Em agosto de 1943, Hitler enviou suas tropas mais cruéis e12impetuosas a essa puscha, com o propósito de matar cada integrante do grupo Bielski. Numa tentativa desesperada de sobrevivência, os irmãos conduziram todos os oitocentos membros através de quilômetros de pântanos da puscha, enquanto o tiroteio zunia sobre suas cabeças e os gritos dos soldados inimigos enchiam-lhes os ouvidos. Finalmente alcançaram uma área isolada no interior mais profundo da floresta, onde permaneceram, em silêncio e sem alimento, até os nazistas desistirem de sua caçada. Não se perdeu uma única pessoa. Foi uma fuga de uma audácia assombrosa.

Posteriormente, os três irmãos descobriram um local seguro e seco na puscha, onde determinaram a construção de uma pequena cidade. Tinha alojamentos; oficinas para alfaiates, sapateiros, costureiras e carpinteiros; um rebanho grande de vacas e cavalos; uma escola para sessenta crianças; uma rua principal e uma praça central; um teatro para a apresentação de músicas e peças teatrais; e um curtume que também servia de sinagoga. Para os judeus exaustos que por um triz escapavam da morte, fugidos de guetos e campos de trabalho, aquilo era a visão de um outro mundo, um lugar extraordinário onde eles podiam viver em liberdade no coração da Europa sob domínio nazista.

A sra. Lankovich, uma polonesa atarracada de riso contagiante e tendência para uma tagarelice interminável, prometeu me mostrar a localização precisa da aldeia judaica. Depois dos muitos solavancos em um caminho que conduzia ao interior da floresta, ela ordenou ao

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motorista que parasse o jipe militar russo. ”Esta era a área”, ela disse, saltando do veículo e apontando para as árvores em volta do utilitário.

Não obstante sua idade, a sra. Lankovich, como que revigorada pela memória, começou a caminhar em meio à vegetação espessa tão rapidamente que era difícil acompanhá-la. ”Aqui era um dos lugares onde eles tinham um abrigo”, disse, apontando

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para uma pequena fossa cheia de água da chuva. Não parecia diferente de nenhum outro buraco nos bosques. Mas a sra. Lankovich era insistente.

Ela afastava os galhos do rosto à medida que avançava, parando momentaneamente para colher morangos e apontar vestígios de mais alojamentos dos Bielski. E continuava falando. ”Quando eu vinha ao campo, não podia andar onde eu quisesse. Os guardas me paravam. Eu lhes dizia que queria falar com uma amiga minha chamada Sulia. Eles então mandavam alguém, e Sulia vinha e me conduzia ao campo. Era bonito”, disse. ”Era como Minsk.”

Tentei imaginar essa floresta há mais de meio século. Como seria a cozinha em alvoroço, supervisionada, me contaram, por um homem rude e com um avental perpetuamente ensangüentado, que mexia, frenético, numa série de panelas com uma colher de pau comprida? Sobre o que se conversava nos alojamentos, nos abrigos com teto de madeira, ocupados com freqüência por pessoas da mesma aldeia ou que trabalhavam na mesma profissão? Como procedia o armeiro, cujo martelar podia ser ouvido o dia inteiro, para consertar os fuzis quase destruídos, recuperados dos campos? Depois de tantos anos de crescimento da vegetação, era difícil encontrar indícios da base dos irmãos.

Também os irmãos pareceram sumir depois da guerra. Asael engajou-se no Exército Vermelho e morreu lutando contra os nazistas na Prússia oriental, exatamente sete meses depois de abandonar a floresta. Tuvia e Zus mudaram-se para Israel, onde se dedicaram a trabalhos braçais. Em meados dos anos 1950, ambos viviam num bairro de classe média no Brooklyn, em Nova-York, pais de famílias constituídas com esposas que conheceram enquanto comandavam as tropas da floresta. Zus, o mais bem-sucedido, tornou-se proprietário de uma pequena companhia de caminhões e táxis, enquanto Tuvia, o grande comandante que cavalgara um cavalo branco, passava maiores dificuldades, dirigindo um

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caminhão de entregas e lutando para sustentar a família. Tuvia faleceu em 1987,Zusem 1995. Eram homens esquecidos, imigrantes comuns americanos tentando garantir um futuro sólido para seus filhos.

na busca de uma história que caminhava rápido para o desaparecimento, procurei cada uma das viúvas dos irmãos, guardiãs orgulhosas da memória de seus maridos, e o quarto irmão, Aron (Bielski) Bell, um bravo batedor de doze anos na época da guerra. Entrevistei mais de cinqüenta sobreviventes dos campos dos irmãos e vasculhei cada documento, relatório e fotografia pertencente à experiência da floresta que consegui encontrar. Conversei com guerrilheiros e camponeses gentios, alguns deles aliados dos irmãos, alguns inimigos. Descobri um manuscrito extenso como um livro, redigido por Tuvia Bielski, nunca traduzido para o inglês e desconhecido até mesmo de sua família.

Foi uma viagem extraordinária, que me transformou de observador não envolvido em alguém com um vínculo pessoal profundo com essa comunidade, sua história e seus membros. A tal ponto que, quando seus bravos sobreviventes chegaram a seu fim inevitável, senti uma enorme tristeza, não porque eram fontes importantes, mas porque eu os tinha como amigos.

Assim, sinto-me honrado, ainda que um tanto imerecidamente, de ter estado na enorme puscha, no local do grande triunfo dos irmãos Bielski, um dos lugares mais sagrados da Segunda Guerra Mundial - um lugar não de extermínio para os judeus, mas de celebração da vida. Quando fechava os olhos e ouvia as vozes dos sobreviventes, eu quase podia entrever o

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lugar que tantos deles chamavam Jerusalém.

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/Para Vilna/AA/yAl-IPICHANSKA//AAA PUSCHA/VAAAAMlrVPara SlonimVPara BaranovichA área de Lida-Novogrudek em Belarusocidental, 1941-44.(Cortesia de Jeffrey Cuyubamba/Peter Duffy)

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i. Do Czar ao FührerEm fins de 1800, Elisheva e Zusya Bielski, avós de Tuvia, Asael e Zus, se estabeleceram num love de terra arável na pequenina aldeia de Stankevich, na região bielo-russa do império czarista. Menos que uma aldeia, era um punhado de cerca de uma dúzia de habitações de madeira no cimo de uma colina, numa das regiões mais remotas, mais pobres e mais atrasadas da Europa. A casa dos Bielski ficava separada do núcleo da comunidade, situada vertente abaixo e do outro lado de um pequeno lago alimentado por um rio. E eram forasteiros: os Bielski eram os únicos judeus da região.

A propriedade da família, arrendada de um nobre polonês em dificuldades, com um fraco por bebida e jogo, tinha um moinho d’agua e dois estábulos. Logo que chegaram à aldeia numa carroça puxada por um só cavalo, Zusya e seu filho caçula, David, estabeleceram um pequeno negócio de transformação de grãos em farinha de cereais.

Os demais filhos de Elisheva e Zusya eram casados e moravam, como a maioria dos judeus, em cidades localizadas dentro do imenso território entre o mar Báltico e o mar Negro, região demar19

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cada onde o czar havia ordenado que todos os judeus vivessem. Nesse grande gueto, estavam sujeitos a um número alarmante de decretos discriminatórios, que a todo instante eram alterados, viam-se compelidos a pagar toda espécie de impostos pesados, impedidos de falar em público sua língua nativa, o iídiche, e proibidos de atuar mesmo nos menores postos do serviço público. As restrições czaristas também tornavam difícil para os judeus viver em áreas rurais, mas havia muito tempo Elisheva e Zusya já tinham se habituado a trabalhar a terra longe dos centros urbanos.

Pouco depois de a família haver chegado a Stankevich, o czar promulgou outra série de decretos anti-semitas, entre os quais um que tornava ilegal para os judeus a compra, a venda, a administração ou o arrendamento de propriedade rural. O casal idoso ficou muito aflito com a determinação, temeroso de que em breve seria expulso de sua morada.

Mas, com a flexibilidade necessária a um judeu para sobreviver sob o czar, David arranjou um modo de manter a família em Stankevich. Ele negociou um acordo com um dos vizinhos, um polonês chamado Kushel, que transferia o arrendamento da propriedade para o nome do gentio. O homem concordou que seu envolvimento nos negócios dos Bielski seria apenas nominal e o ajuste possibilitou à família Bielski continuar com sua atividade. A pressão das circunstâncias, porém, somou-se aos males de Elisheva, que sofria de uma enfermidade atrás da outra. David providenciou para que a mãe fosse examinada por vários médicos, mas foi em vão. Ela morreu num hospital em Vilna, a capital lituana, ao norte.

na virada do século, o j ovem David estava pronto para formar sua própria família. Ele se casou com Beyle Mendelavich, filha de um comerciante da localidade vizinha de Petrevich, e estabeleceuse como moleiro, contente por seguir o caminho do pai idoso, este também satisfeito por observar a chegada de uma nova geração. Quando o velho Zusya morreu, em 1912, Beyle já tinha dado à luz

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quatro filhos - Velvel, Tuvia, Taibe e Asael - e outro estava a caminho. Em homenagem ao pai de David, o filho seguinte, um menino, recebeu o nome de Zusya e ficou conhecido como Zusya, Zissel ou Zus.

As crianças levavam uma vida simples de camponeses, bem antes da chegada da eletricidade ou da água corrente numa região bielo-russa que por séculos fora dominada pelos vizinhos mais poderosos da Rússia, Polônia e Lituânia. Era um mundo de casas de madeira primitivas cobertas com telhados de palha, onde o bem mais valioso de um camponês era seu cavalo e a carroça de madeira de quatro rodas. À medida que os anos passavam, a família adquiria animais de toda espécie, inclusive uns poucos cavalos, diversas vacas e algumas ovelhas; todo o alimento que consumiam era fruto de seu próprio trabalho. Os pais tinham um quarto só deles, enquanto as crianças repartiam o espaço restante; várias dormiam na mesma cama ou, no verão, cansadas depois de um longo dia de trabalho, sobre a palha do celeiro.

O grau de educação dos filhos variava, mas em geral eles não avançavam muito em escolas religiosas ou seculares. David às vezes contratava um professor para ir à casa. Em outras ocasiões, mandava uma das crianças a Novogrudek, a cidade mais próxima com considerável população judaica, para morar com um parente e ser educada nas escolas locais. A sinagoga mais próxima também ficava na cidade, uma viagem de quinze quilômetros que levava três horas a cavalo ou em carroça, o que quase sempre impedia a família de assistir aos cultos com regularidade. Alternativamente, uma casa particular servia como local de oração. Aos

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sábados e em dias de festas judaicas importantes, os Bielski visitavam a família Dziencielski, que vivia na aldeia de Grande Izvah, distante dois quilômetros pela vereda no bosque. Como os Bielski, os Dziencielski operavam um moinho e eram os únicos judeus na aldeia.

David às vezes conduzia as orações do grupo, usando o rolo

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da Tora que os Dziencielski mantinham em casa. Ele não tinha muita instrução, mas possuía uma voz melodiosa e um sólido domínio dos textos sagrados.

As crianças falavam as línguas locais - bielo-russo, russo e polonês - com uma fluência raramente vista entre a maioria dos judeus bielo-russos que moravam nos bairros judeus das cidades. Os negócios de David exigiam que a família tivesse contato permanente com seus vizinhos, bielo-russos cristãos ortodoxos e poloneses católicos. Inteiramente ciente de que era um judeu isolado vivendo num tempo no qual a violência anti-semita era um fato corriqueiro, ele desenvolveu uma natureza conciliatória que buscava a paz em vez do confronto.

Quando funcionários do governo czarista chegavam, anunciando a suspeita de que a família administrava a fazenda e violava a ordem do czar, David e Beyle lhes ofereciam um lugar à mesa. O casal manipulava os funcionários com comida e bebida, até eles saírem aos tropeços da casa, depois de beber até o estupor. Os homens do czar não apresentavam seu relatório. Quando bandidos apareciam exigindo dinheiro ou bens, o casal os tratava com igual benevolência, servindo-lhes uma porção especial de vodca.

David Bielski não era um combatente.

Durante o primeiro ano da Primeira Guerra Mundial, quando as crianças eram pequenas - jovens ainda para serem convocadas pelo exército imperial -, o Exército alemão arremessou suas forças contra o império russo. Foi um começo auspicioso de seis tumultuados anos para o povo da região dos Bielski. O exército invasor, como muitos antes dele, tomou a via mais curta para a capital russa, diretamente através do coração de Belarus. A região em volta de Stankevich foi transformada em zona de ocupação durante a ofensiva do verão de 1915.

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Os alemães eram menos ríspidos com a população judaica do que os Romanov haviam sido. O monarca russo, agora Nicolau n, ordenara a expulsão de cerca de meio milhão de judeus de seu território, por duvidar da lealdade deles. Os invasores ofereciam um estilo de governo mais moderado, revogando medidas anti-semitas e chegando a emitir uma proclamação de amizade.

Não muito distante da casa dos Bielski, um grupo de soldados alemães transformara uma casa grande e abandonada num posto militar avançado. O jovem Tuvia, com apenas dez anos, demonstrava pouco interesse por sua instrução; em vez de estudar, travou amizade com os soldados e por ali perambulava todos os dias. Afeiçoados ao menino, os alemães davam-lhe cigarros para que levasse a seu pai e, às vezes, ofereciam-lhe um pedaço de caça. ”Eu não perguntava se aquilo era kosher ou não”, ele dizia. ”Aquilo era a guerra.” Suas visitas duraram dois anos, tempo suficiente para adquirir um born conhecimento da língua alemã.

A Grande Guerra trouxe desordem e penúria para todo o império russo, em escala maciça. Os operários industriais apenas sobreviviam com seus salários minguados, os soldados desertavam em face da luta sangrenta e os camponeses mal conseguiam alimentar-se. O inverno de 1916, um dos mais rigorosos da história russa, contribuiu para a miséria geral. No entanto, graças ao velho moinho, a família Bielski escapou da penúria. Os fregueses ainda necessitavam que seu trigo e centeio fossem transformados em farinha. Muitas vezes os camponeses pagavam com o único bem que possuíam: trigo, centeio ou milho. O que quer que acontecesse, os Bielski sempre teriam o que comer.

As atribulações do império redundaram em inquietação civil, lançando o país em grande

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tumulto. Em fevereiro de 1917, o czar abdicou e um governo provisório, que prometia reformas democráticas, foi estabelecido. Mas não se mostrou melhor que seu predecessor. Em 25 de outubro (7 de novembro no calendário

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moderno), os bolcheviques, liderados por um agitador político de

47 anos, Vladimir I. Ulianov, que adotou o nome de Lênin, derrubaram o instável governo provisório. Lênin lançou-se à tarefa de estabelecer sua havia muito almejada ditadura do proletariado.

Impossibilitados de dedicar muita energia ao combate contra os alemães, os bolcheviques pediram a paz. No Tratado de BrestLitovsk, assinado em 3 de março de 1918, Lênin cedeu Belarus a um governo polonês recém-fundado e controlado pelos alemães. Mas líderes políticos em Minsk ignoraram o tratado e, em 25 de março de 1918, proclamaram ”um estado livre e independente”. Pela primeira vez na história, uma nação ostentou o nome de Belarus. Mas, ao que parece, o país existiu apenas para que seus líderes posassem para os fotógrafos. Quando, mais adiante, os aliados venceram os alemães no mesmo ano, Lênin ignorou tanto o tratado quanto a declaração de independência de Belarus. A região foi incorporada à incipiente União Soviética em janeiro de 1919.

Mais devagar, disseram os poloneses, que, das ruínas da guerra, construíam um estado independente, cem anos após sua extinção.

”Inebriados pelo vinho recente da liberdade”-nas palavras de um estadista -, os poloneses queriam Belarus, juntamente com Lituânia, Galícia e Ucrânia, para proteger as fronteiras orientais, terras que, em séculos anteriores, haviam pertencido à Polônia. Belarus havia muito era habitada por uma classe de ricos senhores poloneses, que constituía a nobreza proprietária da terra de um país pobre, e eles queriam seus domínios de volta.

Comandadas pelo marechal Jozef Pilsudski, que passara o fim da Grande Guerra numa prisão alemã por ter se recusado a jurar lealdade ao cáiser, as tropas polonesas marcharam para Belarus e partes da Lituânia em 1919 e princípio de 1920. Tiveram pouca dificuldade em dominar a região, principalmente porque o grosso do Exército Vermelho estava ocupado em combater numa guerra

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civil mais a leste. Os poloneses tomaram Minsk, a capital de Belarus, em agosto de 1919.

A guerra polaco-soviética foi travada em territórios habitados por uma grande população judaica. A maioria permaneceu neutra, o que encolerizou os poloneses e os fez revidar com ataques anti-semitas em diversas cidades. A família Bielski também evitou tomar partido, mesmo quando as batalhas devastaram as imediações de sua aldeia. Os bolcheviques requisitaram um cavalo e a carroça de propriedade da família. Decidido a não deixar a propriedade se perder, Tuvia, então um jovem adolescente, trabalhou durante seis semanas como tradutor polonês para os russos, antes de voltar para casa em Stankevich com o cavalo e a carroça.

com a vitória no norte, as legiões de Pilsudski, como eram chamadas, marcharam para o sul, tomando Kiev, na Ucrânia, em maio de 1920. Mas o Exército Vermelho, agora vitorioso na guerra civil, organizara suas forças e desencadeara um contra-ataque. Ocupada pelos poloneses por menos de um mês, Kiev foi retomada pela investida bolchevique que no espaço de seis semanas avançou até as portas de Varsóvia. Lênin estava impaciente para disseminar a revolução e introduzir o comunismo em toda a Europa Central. Mas Pilsudski ainda não estava liquidado. Suas tropas ressurgentes atacaram o Exército Vermelho a partir do sul, causando perdas suficientes para forçar Lênin a se sentar à mesa de negociações, triunfo que

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os poloneses passaram a denominar ”o milagre do Vistula”.

Após meses de negociação, o Tratado de Riga foi assinado em

18 de março de 1921.0 acordo cedeu a porção oeste da Bielo-Rússia, inclusive a pequena aldeia onde os Bielski viviam, para a recém-instituída Segunda República da Polônia.

Um tempo estranho, durante o qual Stankevich sentiu-se afastada do tumulto. Era difícil estabelecer conexões telegráficas, mesmo entre as cidades maiores, e os jornais que chegavam ao

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campo eram picados a fim de servir como papel de cigarro. Os Bielski estavam isolados, mas o que precisavam saber? Os novos governantes, como os antigos, com certeza iriam olhá-los com insensibilidade e suspeita.

Durante esses anos de guerra, David Bielski conseguiu pôr fim a sua”sociedade” com o vizinho polonês Kushel e passar a propriedade para seu próprio nome. Ele expandiu seu negócio com a ajuda da mulher e dos filhos e viajava para as cidades da região de Novogrudek e Lida, trinta quilômetros a noroeste, para entregar mercadorias aos fregueses. Os camponeses vizinhos se impressionaram com seu empenho e muitos deles passaram a considerar a família como próspera. Não que ela fosse realmente rica - seus luxos eram poucos -, mas eles estavam em situação muito melhor do que a gente paupérrima dos arredores.

”Tínhamos um moinho pequeno em nossa aldeia, mas não era como o deles”, disse Maria Nestor, uma bielo-russa que nasceu em 1911 e cresceu perto de Stankevich. ”Eles tinham um moinho de verdade e ele era muito popular.”

Beyle Bielski, uma mulher afetuosa, mais tosca e sociável que o marido, continuava a produzir filhos num ritmo regular. Outros quatro nasceram entre 1912el921 - três meninos, um dos quais morreu logo após o nascimento, e uma menina, a segunda do casal. Os filhos mais velhos haviam chegado à adolescência. Velvel, o mais velho, mostrava-se um jovem sério, interessado nos estudos, enquanto Tuvia, nascido em 1906, revelava uma natureza mais aventureira e combativa. Diferentemente do pai, ele não estava inclinado a ignorar as ofensas dos camponeses rudes que tinham especial predileção por atormentar os que demonstrassem fraqueza.

Depois que alguns camponeses locais furtaram uma quantidade de feno dos Bielski, Tuvia os confrontou com firmeza sobre o roubo. ”Corra para casa”, um camponês disse, ”ou lhe darei uma surra.”

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O menino voltou para casa - ”Eu estava sozinho e não queria fazer uma cena” - e contou a Velvel a respeito da ameaça do homem. O irmão mais velho limitou-se a dar de ombros, mas os irmãos mais moços, Asael, dois anos mais jovem, e Zus, seis, se encolerizaram com a história, e os três resolveram ir à forra.

Armaram-se com foices e foram até os inimigos da família. Após uma discussão acalorada, um dos irmãos golpeou um camponês com a foice. O golpe falhou, principalmente porque intimidou o homem de tal forma, que ele, voltando as costas, fugiu, rapidamente acompanhado pelos amigos.

Mais tarde, quando um camponês que alugava parte do campo dos Bielski também foi descoberto roubando feno, Tuvia mais uma vez partiu para um acerto de contas. Novamente armado com uma foice, o adolescente aproximou-se do ladrão, que também estava armado, e de quatro de seus amigos. ”Vá embora daqui ou o matarei”, o camponês gritou.

Tuvia ignorou a ameaça e derrubou-o no chão, socando-o.

Os quatro companheiros gargalharam ao ver o amigo nocauteado. ”Um adolescente judeu acabou com um patife do qual toda a aldeia tinha medo”, disse um deles.

Desse dia em diante, o feno dos Bielski ficou a salvo. Tuvia agora tinha a reputação de

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violento - o primeiro vislumbre do que ele mais tarde chamaria de ”orgulho judeu” havia se revelado.

O novo governo da região dos Bielski não se mostrava particularmente benevolente com os habitantes judeus, e o anti-semitismo institucional era uma realidade explícita. Havia uma taxação punitiva e restrições ao trabalho. Um sistema rigoroso de cotas limitava o ingresso da maioria dos judeus nas universidades polonesas, e os que o conseguiam eram obrigados a se sentar nos cha27

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mados bancos do gueto das salas de aula. (Muitos, em vez disso, permaneciam de pé, em sinal de protesto.)

Mas, de muitas maneiras, a vida era melhor do que na época do czar. Organizações judaicas políticas, culturais, religiosas e educacionais usufruíam de maior liberdade. E elas floresceram em Novogrudek, denominada Navaredok pelos residentes judeus, já que a cidade abrigava uma comunidade judaica desde o século xvi.

A população israelita suportou inúmeras provações ao longo de sua extensa história, inclusive uma tentativa, em meados dos anos 1500, do rei lituano, na época o soberano da região, de agrupar os judeus de Novogrudek num gueto. Eles também ficavam sujeitos aos caprichos das sucessivas levas de exércitos invasoresdepois de desencadeada a guerra russo-polonesa de 1655, Novogrudek foi ocupada e reocupada por cada um desses exércitos duas vezes no decurso de quatro anos, todos eles muitíssimo felizes em saquear e pilhar.

No século xvin, durante um período de domínio polonês, a pobreza da população judaica piorou, em razão dos esforços das autoridades locais para impedi-la de participar dá vida econômica da cidade. A chegada do czar em 1795 trouxe novas aflições. Ainda assim, a comunidade cresceu e serviu de base para alguns rabinos respeitáveis, entre eles Yechiel Michel Epstein, autor de textos sobre a lei judaica, considerado um dos maiores rabinos da Rússia. com seu casaco de cetim e chapéu de abas largas ornado com pele, o rabino Epstein irradiava a graça solene de um monarca quando saía da sinagoga depois dos serviços do sábado, seguido por membros da congregação. ”Meu coração se inflava de orgulho toda vez que o via”, escreveu um contemporâneo seu.

Em 1896, o rabino Joseph Yozel Horowitz, um dos líderes de um movimento ortodoxo que enfatizava o comportamento ético, abriu uma yeshiva - escola ortodoxa - em Novogrudek. Reb Yozel, como era conhecido, desenvolveu o que se conhecia como a

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”escola de Navaredok” do Movimento Musar. Paralelamente ao estudo dos textos, os alunos eram instruídos a lidar com situações públicas desconfortáveis - caminhar em trapos em meio a pessoas bem vestidas, embarcar num trem sem nenhum dinheiro para a passagem, comportar-se estranhamente durante uma conversa de esquina -, na tentativa de desenvolver uma capacidade serena de ignorar o ridículo. Se conseguissem perder seus elos com a vaidade e o orgulho, estariam em melhor posição para advogar mais energicamente sua visão do judaísmo.

Os alunos de Reb Yozel eram tão dedicados que se podia ouvilos cantando os textos sagrados até altas horas da madrugada.

na época em que as crianças Bielski visitavam a cidade, aproximadamente uma década depois, mais da metade da população e a maioria dos comerciantes, dos artesãos e dos lojistas de Novogrudek eram judeus. Seus estabelecimentos localizavam-se em torno da praça do mercado no centro da cidade, toda ela calçada de pedra, em um de seus pontos mais altos, próximo das ruínas de um, castelo multissecular, o ponto mais notável de Novogrudek. (A estrutura de sete torres havia resistido às investidas dos cavaleiros teutônicos e dos tártaros ao longo de sua história, mas invasores suecos destruíram a maior parte do castelo em 1706.) Nos dias de feira, às segundas e quintas-feiras, judeus e gentios de toda a região percorriam as várias estradas que conduziam ao mercado para comprar e vender uma variedade

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abundante de produtos.

”Os agricultores traziam manteiga, batatas, farinha, verduras e frutos”, disse Sonya Oshman, nascida na cidade. ”O que quer que o solo produzisse. Era uma reunião de pessoas simples. Donas de casa e agricultores. Viam-se principalmente mulheres, porque a feira acontecia durante o dia e os homens estavam ausentes, trabalhando.”

”Quando crianças, nós adorávamos aquilo”, disse Morris Schuster, também nascido em Novogrudek. ”Era uma coisa linda.

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Os alimentos eram tão naturais - framboesas, morangos e amoras-pretas. As frutas eram colhidas na floresta. Nada era artificial. Ah, a manteiga! O pão!”

A maior parte das moradias da cidade era úmida e abafada, de um só andar, iluminada por velas ou lâmpadas a óleo e aquecida nas noites frias de inverno por grandes fogões a lenha. Os moradores obtinham água de poços situados em vários pontos da cidade, muitas vezes entregue por um carregador musculoso. Como não havia encanamento doméstico, as latrinas externas eram uma característica de toda propriedade familiar.

Quando os poloneses reassumiram o governo em 1921, a cidade ostentava várias sinagogas, a maioria situada bem perto da praça principal, no local conhecido como o Quarteirão das Sinagogas. Açougueiros, alfaiates, sapateiros e pequenos comerciantes, cada um tinha sua própria shul-sinagoga-e casa anexa de estudos. A maior era a Velha Sinagoga, na qual cabiam centenas de pessoas, embora só oferecesse o serviço do sábado. O prédio, também conhecido como Sinagoga Fria por não ter aquecimento, tinha a fama de ser freqüentado por fantasmas. As crianças tinham medo de passar por ali à noite. Toda manhã o zelador batia na porta três vezes antes de anunciar em voz alta: ”Mortos! Vão para seu repouso!”.

A tolerância do novo governo com a manifestação judaica foi um ganho para o sionismo, influente movimento em ascensão que defendia a volta dos judeus para a terra de Israel. Os sionistas locais dividiam-se em várias correntes, e muitas delas tinham grupos de juventude afiliados. Entre a diversidade de facções religiosas que havia, algumas opunham-se ao sionismo, enquanto entre as facções seculares algumas viam o socialismo como o melhor caminho para o bem1estar dos judeus.

As novas liberdades ocasionaram a fundação de sistemas de escolas judaicas seculares, que rapidamente se difudiram por toda

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a Polônia. Em Novogrudek, a mais popular era a escola Tarbut, especializada em ensino sionista ministrado em hebraico, o que transformou a língua sagrada em uma língua cotidiana. Muitos judeus jovens também freqüentavam as escolas públicas polonesas, que, diferentemente das escolas judaicas seculares e religiosas, eram gratuitas. Um grupo menor freqüentava a exclusiva escola pública secundária, batizada com o nome do filho mais estimado de Novogrudek, o grande poeta polonês Adam Mickiewicz, na qual os estudantes usavam um distinto uniforme preto, com insígnias na manga direita.

As liberdades mais amplas, porém, não se traduziram num padrão de vida melhor. Quando as autoridades polonesas reduziram as restrições de viagem no princípio dos anos 1920, estrangeiros foram autorizados a visitar a cidade e muitos ficaram chocados com a pobreza que encontraram. Os nascidos em Novogrudek que viviam em lugares distantes resolveram ajudar. Alexander Harkavy, escritor e lingüista residente em Nova York, que traduziu para o iídiche Dom Quixote e outras obras literárias, lançou um movimento por meio da sinagoga novogrudekense no Lower East Side de Manhattan, que atendia a 4 mil judeus emigrados de Novogrudek. Ele clamou por doações para os ”desafortunados, empobrecidos, perseguidos e oprimidos” de sua cidade natal. No fim, os mais de 40 mil dólares arrecadados ajudaram a estabelecer uma série de instituições na cidade, inclusive um orfanato, um centro de distribuição de sopa e uma biblioteca.

na cidade de cerca de 10 mil habitantes também residiam poloneses, que constituíam a classe

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governante e proprietária de terras (muitos deles se mudaram para a região numa iniciativa promovida pelo governo para aumentar a população polonesa), bielo-russos, a classe operária, e algumas centenas de tártaros maometanos. Não obstante a considerável população gentia, Novogrudek era um centro dinâmico da vida judaica nos anos

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1920 e 1930, na verdade, ao longo de muito de sua história. Como um antigo morador relembrou, tudo ficava sossegado no sábado. Mesmo os gentios evitavam tumultos no dia sagrado.

Após a instalação do governo polonês, Beyle deu à luz mais dois filhos - Yákov, em 1924, e Aron, em 1930 -, perfazendo o total de doze, dos quais onze sobreviveram. As crianças mais velhas, quando não envolvidas em obrigações no moinho, usufruíam as novas oportunidades da cidade, onde eram consideradas gente pobre do campo, em comparação com os judeus citadinos, mais prósperos. Zus freqüentou a escola Tarbut durante cinco anos e também participou de umas poucas reuniões do Betar, grupo juvenil filiado ao braço militante do movimento sionista. Tuvia aderiu à organização Mizrachi, composta de observantes religiosos sionistas, e por algum tempo pensou em abandonar o país e viver na Palestina. Mas, quando um dos membros da Mizrachi o surpreendeu fumando um cigarro no sábado, foi-lhe solicitado que não comparecesse mais às reuniões.

Embora com um orgulho ardoroso de sua identidade judaica, a maioria dos filhos adotou uma atitude não muito reverente com relação à prática religiosa. David e Beyle mantinham um lar kosher, mas os rapazes muitas vezes escondiam toucinho no estábulo, mascando-o quando os pais não estavam perto. Um dos irmãos mais velhos de David, judeu ultra-ortodoxo, horrorizava-se pela dificuldade em distinguir os Bielski dos camponeses das vizinhanças. ”Cedam-me uma das crianças e eu farei dela um judeu de verdade”, dizia. Então, David ofereceu-lhe um dos filhos mais moços. O menino, loshua, viajou com o tio para Novogrudek, onde lhe foi dada uma educação religiosa completa, e freqüentou as melhores instituições rabínicas. com 22 anos de idade, ele era um rabino. Em 1927, Tuvia, então com 21 anos, mais de um metro e

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oitenta de altura e uma boa aparência morena, também estava pronto para ir embora, ansioso para descobrir o mundo além da pequena aldeia onde havia nascido. Foi convocado para o Exército polonês e designado para Varsóvia, o centro cosmopolita da vida polonesa, onde serviu como membro do 30B Batalhão de Infantaria. Graças a seu ótimo desempenho, depois de seis meses foi indicado para treinar novos recrutas.

Em Varsóvia, ele também experimentou o tipo de anti-semitismo do qual escapara em Stankevich. Quando pediu a um cozinheiro se podia obter um schmeer de gordura de frango para seu pão, o homem respondeu: ”Dê o fora, seu judeu sarnento”. Sem pensar, Tuvia agarrou o homem com a mão direita e o socou com a esquerda. Lançou-o contra urna mesa e pegou uma grande faca mas, apesar da raiva, ele conteve o impulso de usar. Em vez disso, apanhou uma cadeira e a despedaçou no rosto do cozinheiro.

Depois de duas semanas no hospital, o cozinheiro ainda teve audácia suficiente para provocar seu agressor novamente: ”Lembre-se, judeu”, ele disse, ”eu ainda you pegar e matar você.”

”Se você me disser isso outra vez”, Tuvia respondeu, ”you enterrá-lo vivo, não morto.”

O incidente foi objeto de um inquérito rigoroso. Ao se explicar a um oficial superior, Tuvia expôs seu orgulho em servir no Exército e em defender seu país. O insulto do cozinheiro dirigirase não apenas a ele, disse habilmente, mas ao próprio Exército polonês. ”Estou pronto a proteger a honra do meu uniforme.” Nenhuma medida foi tomada.

Depois de dois anos de serviço sem incidentes dignos de nota, ele voltou para casa com o

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posto de cabo. Esperou algum tempo antes de decidir se estabelecer. com a ajuda de um casamenteiro, encontrou uma esposa chamada Rivke e mudou-se de Stankevich para a cidade de Subotniki, cerca de cinqüenta quilômetros ao norte. ”Ela era bonita? Não you mentir”, disse Tuvia. ”Ela não era

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bonita.” Mas sua família possuía uma loja grande, a maior na cidade, e Tuvia repentinamente tornara-se um homem de negócios importante. O amor nunca fizera parte da equação. ”Eu estava pensando em minha própria vida”, admitiu.

Como o serviço militar, seu casamento ofereceu-lhe a oportunidade de conhecer um mundo mais amplo. Viajava com freqüência para Vilna, o grande centro judaico, considerado a Jerusalém da Lituânia, para tratar de negócios para a loja. Numa dessas viagens comprou um rádio, o primeiro na cidade. O casal, habitualmente junto com seus vizinhos, ouvia os programas de Moscou, Berlim e Varsóvia. Tuvia era leitor assíduo de vários j ornais, de uma pluralidade de línguas, e um narrador cativante, que usava histórias dos livros sagrados judaicos para ilustrar os dilemas contemporâneos. O filho bem-apessoado de um moleiro humilde alguns o chamavam o ”Clark Gable dos Bielski” - desenvolvera um carisma simples, uma mente curiosa e uma sofisticação que desmentia sua origem camponesa. Tinha também um ar prudente, dando a sensação de que possuía insondáveis reservas de sabedoria e pensava profundamente sobre as questões da vida. Quem quer que o conhecesse sentia que ele estava destinado a algo maior do que administrar uma loja num fim de mundo rural.

Entre princípio e meados dos anos 1930, a vida em Stankevich começou a mudar. A família Bielski prosperara o bastante para contratar uma criada para o serviço doméstico e um homem para ajudar no moinho. O trabalhador do moinho, Adolph Stishok, era um bielorusso de cabelos e barba louros que, com o tempo, assimilou o iídiche o suficiente para falar com seus empregadores na língua deles.

Tuvia fora embora. Asael, o irmão tranqüilo, dois anos mais novo que ele, envolvera-se completamente com o negócio, que havia se expandido e agora incluía dois moinhos adicionais em aldeias próximas; seu impetuoso irmão Zus, quatro anos mais jovem, ajudava nas atividades do dia-a-dia. ;•;•.,•.•:,;« u >/;•>.”•„•.• -,<•;..

O pai, David, reduzira seu ritmo ao que hoje se chamaria de uma semi-aposentadoria, e os aldeões se lembram dele caminhando com o auxílio de uma bengala. Os demais filhos tomavam rumos diferentes na vida. Velvel e outro irmão mudaram-se para a América. Uma irmã passava a maior parte do ano na escola, em Vilna. Os mais jovens permaneceram em casa e cresceram num lar muito diferente daquele dos mais velhos, com o pragmático Asael no papel de líder da família. Ele se tornou uma figura algo paterna para as crianças, especialmente para Aron, que era pelo menos vinte anos mais moço. Quando o menino fugia da escola, recebia a disciplina severa não do pai, mas do irmão. Asael fazia as vezes de David mesmo com os filhos mais velhos. Quando sua irmã Taibe anunciou a intenção de se casar com um membro da família Dziencielski, o clã de Grande Izvah, os judeus mais próximos dos Bielski durante décadas, ele negociou o dote com o pai do noivo.

Para Aron, Asael era o chefe da casa - aquele que se ocupava dos campos, cuidava dos animais da fazenda, contratava os trabalhadores de verão. Ele se dedicava à família de todas as maneiras.

Asael, cujas sobrancelhas densas e negras sustentavam uma ampla testa, também assumiu a responsabilidade de administrar as finanças da família, com o intento de tomar conta do moinho do pai. Sem nenhum preparo em contabilidade, ele buscou a ajuda de uma adolescente da família Dziencielski, Haya, que era muito esperta, politicamente ativa e falante. Enquanto trabalhavam juntos em assuntos de deficits e despesas, Asael desenvolveu uma afeição pela moça, seis anos mais jovem do que ele. Mas Haya era culta e sofisticada-na

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verdade, uma radical para a época, atraída pelas idéias do Partido Comunista, na ilegalidade - e Asael, apesar de tudo, um simples fazendeiro.

”Ele se apaixonou por mim, mas eu estava interessada em outro”, disse Haya, a adolescente de cabelos escuros, a caçula de onze filhos. ”Havia em Novogrudek um homem muito mais inte34

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ligente do que Asael, e ele era um tipo diferente de pessoa. Eu não me interessava nada por Asael na ocasião. Crescemos juntos e eu não pensava nele dessa maneira.”

Não que ele não tivesse outras escolhas. Popular entre as moças das redondezas, Asael estava sempre disposto a participar das danças locais, nas quais o entretenimento ficava a cargo do empregado dos Bielski, Adolph Stishok, talentoso intérprete no acordeão. Os aldeões gentios lembram-se de que, apesar de suas maneiras reservadas, Asael era um dançarino animado, que gostava de se divertir. Para consternação de seus pais, ele não se inibia de ter escapadas românticas com moças gentias.

Se Asael era afetuoso e dedicado, Zus era extravagante e briguento. Tinha uma voz estrondosa, grave, um riso exuberante e um cantar vigoroso, herança paterna que ele gostava de exibir depois de alguns copos. Mas, contrariamente ao pai, era um cornbatente -quando desafiado, distribuía socos primeiro e fazia perguntas depois.

Devido à ausência de Tuvia, Asael e Zus, que a despeito das diferenças de temperamento eram unidos, foram guindados à posição de principais defensores da propriedade. Eles viam o mundo em termos de preto e branco - eram firmemente leais aos amigos e implacáveis com os inimigos. Como o irmão mais velho, os dois não tinham problema em se confrontar com os que incomodassem a família.

Uma vez, um aldeão que havia emprestado dinheiro à família chegou à casa dos Bielski meio embriagado, exigindo o pagamento da dívida. ”Se você não me der o dinheiro agora”, disse a David, ”you fazê-lo em pedaços.” Zus, ainda adolescente, pulou do cômodo próximo e agarrou o homem, um desordeiro conhecido de Grande Izvah. Somente a intervenção de David impediu um pugilato. Em outro incidente, Zus foi preso por socar um homem que o insultara com um comentário anti-semita numa quitanda. Ele

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agravou o caso ao ameaçar o oficial que o prendeu, dizendo: ”Se eu lhe bater, você vai cagar nas calças”. O resultado foram duas semanas na cadeia, que ele disse não terem sido tão ruins, porque jogava cartas com os outros presos o dia inteiro.

Outro homem envolvido em uma disputa com David ameaçou danificar a parte do moinho que regulava a quantidade de água necessária para girar a roda. Quando ele se dirigia para lá com um machado, Asael furtivamente o seguiu e o jogou no rio, que o carregou correnteza abaixo. ”Nenhum dano lhe foi causado”, disse Aron, ”exceto que ele lembrou até o fim de seus dias de nunca mais provocar os Bielski.”

Aos poucos a reputação deles os precedia: Zus e Asael-e, por extensão, todos os Bielski - não deviam ser desdenhados. ”Cresci com gângsteres”, Zus disse mais tarde. ”Não era mais esclarecido do que eles. Se alguém ataca você, você revida.” Havia até rumores infundados de que Asael e Zus haviam matado um homem.

À medida que os anos 1930 avançavam, a estabilidade política do país atravessava tempos difíceis. O governo polonês, cada vez mais autoritário, manipulava as eleições e suprimia a oposição política. A Grande Depressão agravava o já lamentável padrão de vida polonês, o que ajudou a aumentar o extremismo político. Nos últimos anos da década de 30, os ataques anti-semitas recrudesceram. Poloneses nacionalistas apareciam periodicamente nas ruas de Novogrudek, proclamando slogans sobre a deportação de todos os judeus ou exortando a um boicote de seus negócios. Antes da Páscoa judaica de 1939, circulou na cidade o rumor de

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que ocorreria um pogrom. Bandos errantes surgiram, mas a polícia local impediu qualquer ato de violência.

As coisas não pareciam melhores além das fronteiras da Polônia. A oeste, a Alemanha nazista de Hitler ia consolidando seu

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poder e planejando o domínio do mundo. A leste, a União Soviética havia se transformado numa ditadura total sob a mão de ferro de Joseph Stalin, que passara a década anterior ordenando a prisão, tortura e execução de todo tipo de opositores (reais ou imaginários) do Estado. Embora ambos os líderes não confiassem um no outro - um dos principais objetivos de Hitler era a derrota da Rússia marxista, e Stalin detestava o nazifascismo e seu líder tirânico -, eles firmaram um pacto de não-agressão em agosto de

1939, poucos meses depois de Hitler haver ocupado a Tchecoslováquia. Hitler queria impedir Stalin de se aliar a seus inimigos, e o líder soviético esperava evitar a invasão alemã de seu país.

Sete dias depois de assinado o pacto, em P de setembro de

1939, os nazistas-agora seguros de que a União Soviética se manteria fora do conflito - invadiram a parte oeste da Polônia e derrotaram facilmente o Exército polonês. A invasão desencadeou declarações de guerra da Grã-Bretanha e da França, fazendo da curta batalha da Polônia a primeira escaramuça da Segunda Guerra Mundial. Então, um milhão de soldados soviéticas invadiram a Polônia a partir do leste, entrando nos territórios ocidentais de Belarus e da Ucrânia e apossando-se de terras que haviam perdido na guerra polaco-soviética de 1919-20. na breve operação, a União Soviética se apoderou de 200 mil quilômetros quadrados de novo território e de 13,5 milhões de cidadãos, perdendo apenas cerca de setecentos soldados. Entre os novos residentes da URSS estava a família Bielski, de Stankevich.

Em Novogrudek, os judeus juntaram-se nas ruas para ver o armamento do Exército Vermelho. ”Durante provavelmente duas semanas - dia e noite -, os russos marcharam através de nossa cidade”, contou Jack Kagan, um menino na época. ”Nunca havia visto tantos tanques marchando sobre Novogrudek. Achamos que eles eram tantos que seria impossível algum dia se retirarem.” Em aldeias por todo Belarus, muitos judeus saudaram as tropas com

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flores, beijos e aplausos, felizes por estarem livres de seus algozes poloneses.

A alegria durou pouco. Acompanhando as tropas, vieram membros do Partido Comunista, com discursos enérgicos sobre as glórias do Estado soviético, e então eles se puseram a reorganizar a sociedade de maneira semelhante ao modelo russo. Organizações sionistas politicamente suspeitas foram desmanteladas e foi proibido falar a língua hebraica. As escolas foram fechadas e transformadas em instituições russas administradas por ideólogos do partido. Sedes locais da Komsomol (União Comunista Leninista da Juventude) surgiram, incutindo nas mentes jovens histórias sobre a grandeza de Stalin.

De modo mais sinistro, agentes da NKVD, a agência de serviço secreto predecessora da KGB, começaram a hostilizar aqueles que consideravam inimigos do novo regime, sendo os poloneses um alvo particular de sua ira. Os negociantes judeus foram rotulados de especuladores, e suas lojas pilhadas. Sionistas eram perseguidos e presos. Alguns foram exilados na Sibéria. A prática religiosa, embora não banida de todo, era enormemente cerceada. Várias sinagogas de Novogrudek interromperam seus serviços. A Velha Sinagoga, antes apinhada de fantasmas, transformou-se num depósito de cereais.

”Lembro-me de que estávamos muito felizes porque os russos nos tinham libertado do governo anti-semita da Polônia, e felizes porque os alemães não haviam ocupado nossa área

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de Belarus”, contou Charles Bedzow, de Lida, cidade a nordeste de Novogrudek que também tinha orgulho de sua rica história judaica. ”Mas quando os russos chegaram, eles logo tomaram o negócio de meu pai. Como eu era um adolescente, fui obrigado a ir para uma escola russa, em vez da Tarbut. Os russos forçaram meu pai a trabalhar para eles. Ele limpava o chão porque era um capitalista, um burguês. Ele trabalhava em sua própria loja, como servente. Foi muito duro para ele.” ;.wrK. s:. ;...v ;.”••’•’• OüíiHid -•.;•.•,;•’.. w: •,?*.:•:• .’-v-:..

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Ainda que não tão odiados quanto os negociantes, os judeus artífices-alfaiates, ferreiros, sapateiros, chapeleiros, carpinteiros -também sentiram a cólera do novo governo. Foram compelidos a unir-se em cooperativas e recebiam salários fixos (nada opulentos) . A economia da região foi destruída pelas mudanças, e a escassez de alimentos forçou todo mundo a ficar em filas para receber as minguadas rações fornecidas pelo governo.

Tuvia, que ainda vivia em Subotniki, compreendeu que, como negociante, era um alvo potencial do serviço secreto da NKVD. Depois de liquidar a loja que ajudara a administrar com sua mulher, ele deixou Rivke - com quem não estava mais se dando bem e que se recusava a abandonar a família - e fugiu para a vizinha Lida.

A grande utilidade do negócio da família Bielski protegeu o moinho da avidez da ideologia soviética. Asael permaneceu à frente do moinho e foi até designado chefe de um conselho administrativo estabelecido pelo novo regime para Stankevich e as aldeias próximas. Era um posto que jamais poderia ocupar sob um governo polonês, e ele se comprazia com seu novo prestígio. Zus também ocupava uma posição no conselho, e logo lhe foi dado um emprego numa cooperativa de consumidores de Novogrudek. Lá conheceu uma mulher chamada Cila e eles se casaram.

Agora com 33 anos, Tuvia alugou um quarto em Lida e conseguiu um emprego como auxiliar de contador, ainda que tivesse apenas uma vaga idéia do trabalho a fazer. O contador-chefe ensinoulhe as noções básicas do ofício e ele permaneceu no emprego por um ano. Então, conseguiu um trabalho similar em outra firma em Lida. Ele se manteve discreto e tentou ficar longe das vistas da NKVD.

”Ele morava num quarto na casa de minha amiga e, logo que o vi, fiquei maluca”, disse Lilka Tiktin, então uma adolescente tímida, de olhos de gazela. ”Fiquei doida. Absolutamente doida. Achava que ele era o homem mais bonito do mundo. Foi amor à primeira vista.

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Para mim, não havia outro homem como ele. Mas nossa diferença de idade era grande. Ele era tão bondoso conosco. Minha mãe havia morrido e eu estava ansiosa por gestos de afeto. Ele era atencioso quando ninguém mais era. Levava minha amiga e eu ao cinema russo - histórias de amor. Trazia-nos doces e chocolates. Às vezes eu subia numa escada e olhava pela janela de seu quarto, para ver se ele estava lá, se estava dormindo. Eu enlouqueci.”

A garota era demasiado jovem para atrair o interesse romântico de Tuvia. Mas, numa viagem de negócios, ele conheceu uma mulher da sua idade que lhe agradou. Seu nome era Sônia Warshavsky, ela era alta e loura, uma bela mulher, com uma percepção rápida das coisas, semelhante à de Tuvia. Outros viam nela altivez, até arrogância, mas isso não preocupava Tuvia. Ele estava completamente apaixonado. Sônia era aparentada - embora não consangüínea - com a jovem Tiktin. Depois que ficou sabendo que Lilka visitava Tuvia com freqüência, Sônia pediu que a garota levasse bilhetes para ele e ficasse atenta a suas atividades. Lilka não se opôs. Ela era favorável a qualquer coisa que lhe permitisse ver mais vezes aquele homem vistoso.

A relação de Tuvia com Sônia deu-lhe o pretexto para obter o divórcio da mulher que abandonara em Subotniki, com a qual não tivera filhos. Ele não perdeu tempo em começar sua vida com Sônia. As tensões da época impossibilitaram uma cerimônia oficial de casamento, mas, daí em diante, Tuvia passou a se referir a Sônia como sua esposa.

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A guerra ia lentamente se aproximando. Exercícios de ataque aéreo realizavam-se nas cidades maiores, e aviões militares as sobrevoavam todos os dias. Em Novogrudek, foi montado um hospital improvisado para os soldados do Exército Vermelho feridos durante a invasão soviética da Finlândia em 1940, propiciando aos habitantes locais sua primeira visão de vítimas de guerra.

Por todo o inverno de 1940, refugiados das áreas da Polônia

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ocupadas pelos nazistas afluíram à região, muitos narrando atrocidades cometidas pelos nazistas. Um dos filhos Bielski, Abraham, um ano mais velho do que Zus, casou-se com uma mulher que fugira de Varsóvia. Ela contou à família que os alemães tratavam os judeus ”pior do que cachorros”, como Zus se lembraria depois. ”Nós acreditávamos muito, muito pouco”, ele disse. Controlados pelo governo, os meios de comunicação nada revelavam sobre o que estava acontecendo no oeste, porque, afinal de contas, a Alemanha nazista era aliada da União Soviética. ”Minha mãe recomendava que não déssemos ouvidos àquelas histórias sobre crimes alemães”, disse Sulia Rubin, então uma adolescente moradora de Novogrudek. ”Ela nos dizia que os alemães eram um povo inteligente, culto, e que eles nunca fariam coisas assim.”

No começo de 1941, Zus e Asael foram convocados para o Exército Vermelho. Zus foi designado para servir a mais de cem quilômetros a leste, o que não era longe da fronteira da Polônia sob controle alemão. Asael ficou mais perto de casa, estacionado ao norte de Stankevich, enquanto os pais Bielski permaneceram no moinho para cuidar de Aron, com onze anos, e de Yakov, com dezessete, um rapaz que havia se tornado um sionista engajado, desejoso de fazer a aliyah - imigrar para a Palestina. Abraham, com 38 anos, e sua mulher mudaram-se para Novogrudek.

Então, em 22 de junho de 1941, os nazistas lançaram um ataque-surpresa contra a União Soviética, invertendo subitamente a posição em relação a seu anterior aliado. Foi um dos dias mais ferozes na história das guerras. Como escreveu o historiador Alan Clark: ”Em termos de número de homens, volume de munição, extensão da linha de frente, o crescendo desesperado da luta, não haverá outro dia como o 22 de junho de 1941”. Mais de 3 milhões de homens distribuídos por 1600 quilômetros de fronteira e apoiados por frotas aéreas surpreenderam o Exército Vermelho. A guerra se instalara. •-mvMp- ••••.,-.. :,••••. -,.,., •-.,-, ,.í: . .,„--.,.,,... ..

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2. Junhode 1941-Dezembro de 1941

Tuvia Bielski dormia profundamente em sua casa em Lida quando o ronco estrondoso de um motor o arrancou de seu sono. Correu para a janela, onde, chocado, viu os prédios em chamas e as pessoas correndo desesperadas em busca de abrigo. ”O medo e o pânico eram inacreditáveis, e havia um clima de catástrofe, um sentimento de destruição”, escreveu depois. Dali a poucas horas, ele ouviu, na rádio de Moscou, que os alemães haviam bombardeado as cidades maiores da região.

Foi imediatamente chamado para o serviço de mobilização e designado a ajudar na convocação de outros recrutas. Por volta do meio-dia, dúzias de aviões da Luftwaffe investiram sobre Lida, jogando bombas incendiárias que inflamaram vastas faixas da arquitetura de madeira da cidade. Quarteirões inteiros arderam em segundos. O comandante de Tuvia ordenou aos recrutas que se retirassem para a floresta próxima, mas eles logo sofreram uma segunda investida dos aviões de combate alemães, dessa vez tendo as florestas como alvo. : l .: -.-.>

Foi um pandemônio; netft o comandante sabia <}aal a ação

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correta. ”Camaradas, é cada um por si”, ele disse. ”Vão embora!” Para a maioria-inclusive Tuvia-, isso foi uma autorização para que eles garantissem a segurança de suas famílias.

Tuvia correu para Lida e encontrou sua casa em chamas. Sônia, porém, estava a salvo; então, eles apanharam os bens que puderam e se uniram aos milhares de pessoas que abandonavam a cidade apressadamente. O casal achou um local isolado ao longo do rio Lida, onde escondeu seus pertences e se ocultou. Antes da aurora da manhã seguinte, outra onda de bombardeiros da Luftwaffe despejou sua carga sobre a cidade.

Agora, soldados do Exército Vermelho e funcionários soviéticos, surpreendidos pelo ataque-relâmpago, retiravam-se da área. Rumavam para leste em grandes colunas formadas ao acaso, seguidos por caminhões carregados de mercadorias. No vácuo deixado pelos bombardeios, o sentimento de alguns poloneses rapidamente se fez visível, quando zombaram da população judaica, ressentidos talvez pela acolhida calorosa que ela tinha dado aos soviéticos em 1939. ”Ei, judeuzinhos, onde estão suas grandes divisões blindadas? O dia do Juízo Final está chegando.”

O casal partiu para Stankevich para ficar com os pais de Tuvia e ”partilhar seu destino com eles”. Tuvia sentiu que estaria mais seguro em sua aldeia natal. A viagem levou vários dias e exigiu que Tuvia primeiro se fizesse passar por um fazendeiro gentio, para um oficial alemão, e em seguida, para um funcionário soviético, por um soldado do Exército Vermelho separado de sua unidade.

Zus estava a mais de cem quilômetros, em Tykocin, quando o ataque sobreveio do oeste. Estava encerrando seu turno da meianoite como sentinela num aeroporto que ele e seus companheiros vinham construindo nas semanas precedentes ao ataque. Durante as duas horas seguintes, mais de vinte aviões alemães bombardearam as casernas e o aeroporto, que ficou seriamente danificado.

Os soldados tiveram ordens de se retirar rumo ao leste, para a

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cidade de Bialystok, onde receberiam armas e suprimentos. Depois de marcharem por várias horas, a ordem foi invertida e lhes disseram que retornassem a Tykocin. Zus observou hordas de soldados do Exército Vermelho em retirada e se perguntou por que seu grupo se movia na direção do inimigo. Antes que pudesse ter uma resposta, as ordens mudaram de novo: voltar a Bialystok.

Logo avistaram a cidade e Zus viu que ela queimava descontroladamente. Num instante, aviões da Luftwaffe mergulharam na direção de sua unidade e todo mundo correu para os bosques em busca de proteção. Agachado numa moita, Zus ouviu o som estremecedor do canhoneio. Seriam canhões antiaéreos soviéticos?, pensou consigo. Ou as forças terrestres alemãs já tinham avançado tão longe no interior do país?

Logo que o ataque cessou, os soldados se reagruparam e se deslocaram céleres na direção de Bialystok - onde amistosos habitantes lhes deram cigarros e alimentos enlatados. Depois de uma marcha prolongada e fatigante, encontraram um lugar para acampar, quinze quilômetros a leste da cidade. Supridos com uma nova quantidade de armamentos, os homens travaram algumas escaramuças desorganizadas com o inimigo, que de fato havia avançado até a região. Mas, sem ordens claras de um comando central, o pelotão de Zus lutava às cegas.

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Exasperados, Zus e alguns companheiros abandonaram os uniformes, vestiram roupas civis e fingiram ser poloneses. Eles sabiam que um combatente russo descoberto pelos alemães passaria por piores percalços do que um civil polonês, não obstante a Alemanha houvesse declarado guerra a ambos os países.

Como esperado, foram interpelados por um oficial alemão, que lhes perguntou quem eram.

”Somos prisioneiros dos russos” disse Zus. - v”O que vocês faziam?” o alemão perguntou. ;«=!•-: »’.•”Trabalhos forçados” ele respondeu. n ’a45

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O oficial fez sinal para que se afastassem. ”Vão para casa”, disse.

Poucos momentos depois, eles viram quatro soldados judeus que não haviam abandonado seus uniformes. Um grupo de alemães obrigou esses homens a se ajoelhar e os fuzilou à queimaroupa.

Mais tarde no mesmo dia, Zus se aproximou de um grupo de soldados russos, pensando que ele e seus homens poderiam juntar-se a eles. Um tenente soviético lhes pediu informações sobre seus antecedentes.

”Eu sou judeu”, disse Zus, que sabia ser esta uma resposta melhor do que se declarar polonês.

Cético, o tenente achou que ele podia ser um colaborador nazista tentando infiltrar-se no país-”Nós fuzilamos judeus como esses”, advertiu-e chamou um membro judeu de sua unidade. Este falou com Zus em iídiche, confirmando sua identidade. Mais uma vez, a sagacidade de Zus garantiu-lhe uma passagem segura.

Ao chegar por fim a Novogrudek, Zus encontrou sua mulher, Cila, e descobriu que sua casa havia sido destruída no bombardeio. Em farrapos e faminto, dirigiu-se sozinho a Stankevich para ver os pais, enquanto Cila, que estava grávida de oito meses, ficou com parentes na cidade.

O sempre protetor Asael, cuja unidade também se desintegrara caoticamente após o ataque, teve um percurso muito menor a percorrer para chegar a Stankevich e já se encontrava no moinho. Lá também estavam muitos outros parentes. Em demasia, na verdade, para que coubessem todos na casa, de modo que os estábulos da família foram usados para acomodar o excedente de gente. Mas Stankevich não seria um abrigo seguro por muito tempo. Por volta de P de julho, uma unidade da Wehrmacht chegou à propriedade dos Bielski e um oficial alemão irrompeu casa adentro.

”Quem são todas essas pessoas na casa?”, perguntou em polonês.

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”Este é David Bielski e sua família, os proprietários da casa, dos campos e do moinho”, respondeu Tuvia. ”Estamos aqui dentro por causa da guerra.”

O alemão observou que Tuvia não estava vestido à maneira simples dos camponeses. ”Quem é você?”

”Eu vivia em Lida”, Tuvia respondeu. ”Mas voltei para cá quando a cidade foi bombardeada. Voltei para meu pai.”

”O que você fazia em Lida?” , ;”Era contador, contador-assistente.” ,.: , ’Enquanto isso, a unidade militar estava armando barracas na fazenda e transformando o celeiro num posto de comando improvisado. O alemão anunciou que aqueles que não moravam no moinho tinham quinze minutos para arrumar suas coisas e partir. Quem desobedecesse seria fuzilado.

Os velhos Bielski ficaram arrasados com o desenrolar dos acontecimentos, e Beyle, temerosa, chorava pelo destino dos filhos. O casal estava tão acabrunhado que Tuvia temeu por seu estado mental. A sra. Bielski incitou os filhos a partir e proteger o que ela chamou de honra judaica. ”Vão embora, para o mais longe possível”, disse.

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Em busca de segurança, Tuvia e Abraham, o irmão de trinta anos de idade, se arriscaram em uma viagem a cavalo e carroça até Novogrudek, onde Tuvia pensou poder obter hospedagem com um amigo. na chegada, deram com os alemães marchando pelas ruas da cidade bombardeada, que, ao contrário do que Tuvia imaginara, fora atingida tão duramente quanto Lida. As j anelas da casa do amigo haviam sido destruídas durante o bombardeio, mas ela ainda era habitável. ”Instalem-se, se gostarem”, ele disse aos irmãos. ”E não se preocupem com o aluguel.”

Nesse momento, um polonês que havia sido recrutado pelos alemães para servir numa milícia - ele usava uma braçadeira branca para indicar sua posição - aproximou-se e ordenou aos

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dois Bielski que se apresentassem para trabalhar num prédio no centro da cidade. Quando Tuvia disse que não era morador de Novogrudek, o polonês gritou que ele seria fuzilado se não obedecesse à ordem.

No prédio público anteriormente ocupado por funcionários do governo soviético, os irmãos e um grupo de outros cinqüenta judeus receberam ordem para transferir peças de mobília para outro prédio e lançar retratos de líderes soviéticos numa fogueira. Quando eles terminaram o trabalho, um pequeno grupo de poloneses juntou-se para felicitar o oficial nazista supervisor, agradecendo-lhe por ”livrar-nos do jugo judeu”.

”Sob nosso regime vocês só verão judeus nas telas de cinema”, disse-lhes o alemão. ”Estas são as ordens de Hitler, e nós vamos acertar as contas com eles.”

Encorajados pelos alemães, os poloneses começaram a escarnecer e a bater nos trabalhadores judeus com bastões e cintos de couro. Os dois irmãos apanharam. Tuvia se inflamava de ódio, mas não reagiu. No fim do dia, o grupo foi disposto em fileiras e instruído a marchar até o próximo local de trabalho. Um dos trabalhadores foi obrigado a marchar à frente dos demais carregando um pequeno arbusto - uma zombaria à dignidade do cortejo -, enquanto os alemães e poloneses continuavam a debochar e a agredir os homens.

Protegidos pela escuridão da noite, Tuvia e Abraham fugiram, acharam o cavalo e a carroça e voltaram para Stankevich. Quando encontrar vocês de novo, Tuvia pensou, farei isso com uma

arma na mão.

Quando os dois chegaram ao moinho, os alemães tinham partido. Tuvia resolveu que era melhor esconder-se na floresta nos arredores da casa. Zus e Asael já haviam tomado a mesma decisão; eles também estavam vivendo nos bosques. Nas duas semanas desde a invasão, a vida dos irmãos havia mudado radicalmente, e era preciso decidir como reagir à nova realidade. .-. . .

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O rádio na casa da família transmitia notícias que informavam como o governo soviético queria que pessoas como os irmãos Bielski reagissem. ”Em áreas ocupadas pelo inimigo”, disse Stalin num pronunciamento em 3 de julho, ”unidades de guerrilha, montadas ou a pé, devem ser formadas. Grupos diversionários devem ser organizados para combater as tropas inimigas, fomentar a guerrilha em toda parte, explodir pontes e estradas, danificar linhas telefônicas e telegráficas, incendiar florestas, depósitos e trens. Em territórios ocupados, as condições devem se tornar insuportáveis para o inimigo e todos os seus colaboradores. Eles devem ser perseguidos e aniquilados onde quer que estejam, e todas as suas medidas devem ser neutralizadas.”

Nada avesso ao risco, Zus audaciosamente voltou a Novogrudek para averiguar o que acontecera com sua mulher. Disfarçado de camponês gentio, entrou sorrateiramente na cidade e chegou à casa onde ela estava morando. Os militares alemães tinham agora o controle total da administração da cidade, e Zus soube que eles haviam imposto regulamentos para dominar a população judaica. Nos primeiros dias da ocupação, oficiais nazistas buscaram judeus importantes para servirem no Judenrat (o Conselho dos Judeus). Seus membros ficariam encarregados de comunicar as ordens dos governantes alemães à comunidade judaica e garantir, sob pena de morte, que as exigências fossem cumpridas à risca. O conselho e uma

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força policial judaica para ajudar no trabalho do Judenrat foram constituídos depois de os alemães terem espancado e matado muitos dos primeiros designados. Era evidente que essa ocupação não seria nada parecida com a autoridade mais benevolente do Exército alemão da Primeira Guerra Mundial.

Algumas medidas anti-semitas foram promulgadas. Os judeus foram obrigados a usar uma estrela-de-davi amarela na frente

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e atrás de suas roupas. Eram proibidos de andar na calçada. Eram proibidos de falar com gentios ou de fazer negócios com eles. Estavam sujeitos a um rigoroso toque de recolher. E homens e mulheres, de adolescentes a cidadãos idosos, receberam ordens de se apresentar todas as manhãs para realizar trabalhos forçados.

Os trabalhadores executavam as tarefas mais subalternas e ao

mesmo tempo sofriam humilhações odiosas. Muitos homens foram obrigados a ficar apenas com as peças íntimas e a usar suas roupas para limpar veículos alemães, enquanto nazistas bêbados batiam neles com bastões e os acusavam de haver causado a guerra. Um grupo menor teve de limpar as ruas da cidade com as mãos durante uma grande tempestade. Um homem foi amarrado a um fio elétrico e baixado num poço para recuperar algumas ferramentas que ali haviam caído.

Os alemães eram auxiliados em seu trabalho por uma força policial constituída de voluntários bielo-russos e poloneses que se apresentaram para o serviço. Os habitantes locais eram especialmente úteis em denunciar aqueles judeus que tentavam escapar das novas leis.

Escondido em segurança com a mulher, Zus conseguiu evitar a brutalidade das autoridades, mas em 26 de julho, sábado, ele teve uma amostra de como os nazistas tencionavam governar. Ao caminhar perto do centro da cidade, deparou com várias pessoas fugindo da praça central. Andou até a praça, onde viu um grupo de judeus - muitos deles doutores, advogados e outros profissionais liberais - dispostos em cinco fileiras, cercados por policiais locais e soldados alemães. Os homens estavam enlameados e confusos, com sinais de cruel espancamento. Bem perto, músicos alemães tocavam peças orquestrais, identificadas por pelo menos uma testemunha como alegres valsas de Strauss.

Um carro parou, trazendo um oficial nazista. Ele desembarcou, sacou a pistola e atirou para cima. Os soldados então abriram

fogo contra a primeira fileira de dez judeus, que tombaram ao chão. A ação foi repetida mais de uma vez. Segundos antes de ecoarem os disparos finais, Zus viu um menino na última fileira voltar-se para seu pai e bradar: ”Pai, eles estão nos matando”. Cinqüenta e dois corpos jaziam sem vida na velha praça quando os tiros cessaram.

Um contingente de adolescentes judias recebeu ordens de carregar os corpos em carroças. Uma das garotas, Rae Kushner, viu de relance os rostos sem vida que pendiam das laterais das carroças e reconheceu muitos deles. Elas foram instruídas a esfregar o sangue do calçamento enquanto os assassinos comemoravam. ”Os alemães fizeram um baile”, contou Kushner. ”Eles estavam dançando na praça.”

Os autores da atrocidade eram provavelmente membros de um dos bandos de assassinos que o alto-comando nazista havia recrutado para acompanhar a Wehrmacht na União Soviética. Quatro Einsatzgruppen (grupos de ação) formados por pessoas de várias áreas da temida organização ss (Schutzstaffel, ou guarda de elite) de Heinrich Himmler - incluindo o SD, ou Sicherheitsdienst (serviço de segurança), Orpo ou Ordnungspolizei (polícia da ordem), Gestapo (polícia secreta do Estado), Waffen-ss (Exército ss) e Kripo, ou Kriminalpolizei (polícia criminal) - tinham começado a promover extermínios nos dias subseqüentes à invasão. Os oficialmente visados eram funcionários comunistas, intelectuais poloneses e guerrilheiros, mas foram executados sobretudo civis judeus.

Seis dias antes, um extermínio de líderes da comunidade judaica ocorreu na cidade de Mir, 45

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quilômetros a sudeste, e, nove dias antes disso, um morticínio semelhante foi promovido em Slonim, 55 quilômetros a sudoeste.

Zus havia testemunhado dois atos chocantes cometidos contra judeus - o primeiro, a execução de quatro soldados judeus durante a retirada de Zus de sua posição no Exército Vermelho 50

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e tinha poucas dúvidas de que os nazistas estavam empenhados na destruição de seu povo. Quando um membro do Judenrat lhe pediu que se integrasse a um destacamento de trabalho de 250 judeus, ele se recusou e exortou o homem a fazer o mesmo.

Mais tarde, um jovem primo dos irmãos Bielski contou a Zus que dois policiais locais tinham vindo a sua procura. Evidentemente, não era seguro permanecer ali. Ele então decidiu voltar a Stankevich, enquanto sua mulher, impossibilitada de viajar por causa da gravidez, ficou na cidade, uma decisão que, segundo ele, foi difícil de tomar. No caminho para sair da cidade, evitou chamar a atenção de um morador pró-nazista que ele reconheceu caminhando pelas ruas quase desertas. Mais adiante, um polonês de dez anos o confrontou. ”Você é um judeu indesejável e não está autorizado a andar na calçada!”, gritou o garoto.

Zus deu um tapa no ”pequeno sapo”, como o chamou, e continuou sua viagem para a casa dos pais em Stankevich. Era noite quando chegou. Aproximando-se cautelosamente, olhou através de uma janela e viu que o lugar havia sido saqueado. Lá dentro, encontrou sua mãe sentada sozinha, aterrorizada. Ela disse que a polícia pró-nazista causara o estrago. Mas não era só isso: seu pai fora preso.

Tuvia havia feito a viagem de volta a Lida com sua mulher, Sônia, que estava ansiosa para ficar perto de sua família. Ele constatou que a cidade, assim como Novogrudek, fora ocupada pelas tropas alemãs logo depois do bombardeio inicial e que-a mesma cantilena-medidas anti-semitas tinham sido promulgadas para uma comunidade numerosa. Constituiu-se um Judenrat presidido por um professor, e judeus designados para trabalhos forçados receberam ordens de retirar o entulho de uma cidade praticamente destruída pelas bombas da Luftwaffe. Entre as incumbên52

cias dos trabalhadores estava a demolição das ruínas da maior sinagoga de Lida.

Como acontecera em Novogrudek, um pelotão da morte chegou à cidade para eliminar membros da intelligentsia judaica. Vários elementos do Einsatzkommando 9 (unidade de comando

9), do abrangente Einsatzgruppe B, foram mandados para lá logo que a Wehrmacht assumiu o controle da cidade, em 27 de junho. Chefiado pelo dr. Alfred Filbert, um veterano das ss doutorado em direito e que falava fluentemente inglês e francês, o corpo principal da unidade de comando alcançou a cidade de Varina em P de julho. De lá, Filbert enviou para Lida um Teilkommando (subunidade de comando) com quinze a vinte homens, um amálgama de oficiais das ss, Gestapo, da Kripo e do SD, que chegou em alguns caminhões na manhã de 5 de julho.

Cerca de trezentos judeus foram arrancados de suas casas e conduzidos a um prédio escolar para serem interrogados por membros do Teilkommando. Trabalhadores especializados e artífices, um total de mais de duzentos indivíduos, foram liberados, enquanto aproximadamente noventa com educação mais elevada foram levados a um local fora da cidade. Em grupos de cinco, os judeus foram instruídos a ficar voltados para as grandes crateras abertas pela queda de bombas. Então, atiradores de elite do Teilkommando os fuzilaram pelas costas. Como a maioria dos corpos não caiu nas crateras, o grupo seguinte recebeu ordem de jogar nelas os cadáveres, antes de se alinhar para a própria morte.

No dia seguinte, 6 de julho, um alemão chamado dr. Andreas Hanslmeir, que estivera presente durante a ação, escreveu uma carta a sua mulher na Alemanha. ”Ontem à tarde

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passei por uma experiência que não conseguirei esquecer”, relatou. ”A execução de pessoas. Não desejo escrever mais sobre isso.”

As execuções foram um golpe para a comunidade judaica, mas muitos sentiram que o restante da população estaria em segu53

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rança. Sônia foi para Lida para ficar com os parentes, enquanto Tuvia decidiu permanecer numa aldeia próxima, na casa do jovem Arkady Kissal, cuja vida ele havia salvado quinze anos antes. Arkady, então com dez anos, caíra num rio perto de um dos moinhos dos Bielski. Tuvia, completamente vestido, pulou na água, agarrou pelos cabelos o menino que se afogava e o arrastou para a margem. Agora, a família Kissal o acolhia como um salvador, oferecendolhe uma cama quente. E ele dormiu um dia inteiro.

Tuvia aprendera tudo que precisava saber sobre os alemães durante sua visita a Novogrudek. E tinha jurado que nunca mais seria vítima de suas crueldades.

Graças a contatos com gentios, ele obteve documentos falsos, um que o identificava como bielo-russo, outro como um antigo oficial do Exército polonês chamado Andzoi. Deixou crescer o bigode e passou a se sustentar derrubando árvores e cortando lenha.

Em Stankevich, David Bielski foi solto da cadeia na manhã seguinte a sua detenção. Ele caminhou os poucos quilômetros que separavam o posto policial do moinho e contou à mulher como os guardas o tinham espancado. Mas eles não estavam interessados em David. Procuravam Zus e Asael.

David disse que vários habitantes locais que cooperavam com a polícia pró-nazista estavam promovendo uma campanha para capturar os dois irmãos. Eles haviam contado aos alemães que ambos tinham ocupado cargos na administração soviética e até aludiram à velha acusação de que teriam matado um aldeão. Parecia que qualquer um com ressentimento contra a família podia se dirigir às autoridades anti-semitas, que se compraziam em atormentar judeus individualmente.

Um dos policiais à frente da diligência era Vatya Kushel, um

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morador de Stankevich descendente do polonês que ajudara David Bielski a manter o controle do moinho depois que o czar proibira os judeus de serem proprietários rurais. Kushel havia instigado as autoridades alemãs a prender uma mulher bielo-russa que trabalhara na administração soviética com Zus e Asael. Os irmãos tinham ouvido falar que ele executara pessoalmente a mulher e sua irmã. Agora, o antigo amigo da família voltava suas vistas para os Bielski.

David mandou aos filhos uma mensagem simples: permaneçam nas florestas. A guerra não durará para sempre.

Zus e Asael tinham agora a difícil tarefa de encontrar abrigo, ao mesmo tempo que eram caçados por pessoas que conheciam a área tão bem quanto eles.

Certas noites, iam até a porta dos fundos da casa da família para pegar comida com sua mãe, enquanto estavam acampados na área arborizada perto dali. Em outras ocasiões, os dois, em geral separados, ficavam com amigos gentios que haviam sido fregueses leais do moinho ou cujas filhas tivessem alguma vez atraído seu interesse. Também faziam questão de procurar famílias com filhos que estavam no Exército Vermelho, fazendeiros que provavelmente seriam receptivos aos serviços de homens robustos. E não entravam numa casa sem uma idéia clara de como escapar de volta para a floresta.

Uma vez, Zus estava comendo uma refeição de carne fresca, pão e ervilhas com uma família camponesa, quando percebeu que um grupo de policiais se aproximava. O dono da casa

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sugeriu que ele se escondesse na despensa. A polícia bateu na porta, mas, dessa vez, eles não estavam interessados em Zus. Tinham sido atraídos pelo cheiro da comida. Enquanto os homens se sentavam para comer, Zus fugiu por uma janela dos fundos e desapareceu na floresta.

Asael trabalhou durante uma semana em uma construção numa aldeia próxima. Mas, apesar de sua atitude discreta, não pas55

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sou despercebido e foi denunciado à polícia. Ele deixou a cidade antes que o prendessem.

com onze anos, Aron, que era veloz na corrida e conhecia as sendas da floresta ainda melhor do que seus irmãos mais velhos, servia de mensageiro entre Zus, Asael e seus pais, deslocando-se entre o moinho e os esconderijos deles como um agente secreto. Era quase uma questão de instinto - ele caminhava para um ponto na floresta e simplesmente esperava que um ou ambos passassem por ali. No mais das vezes, um deles aparecia.

Asael e Zus conseguiram evitar sua captura por muitas semanas. Frustrados, os policiais focaram a atenção nos membros da família que podiam encontrar. Abraham, mais delicado do que os irmãos mais velhos, permanecera em casa com Aron e Yakov, de dezessete anos, que sofrerá um ferimento no pé e se tornara um alvo da campanha de terror.

Quando alguns policiais montados cercaram a propriedade, Abraham tentou fugir correndo para os campos, desviando-se das balas enquanto saltava. Os guardas o alcançaram, puseram um revólver em seu pescoço e o arrastaram de volta para a casa. Mas ele se recusou a dar qualquer informação sobre os irmãos. Pouco tempo depois, foi preso e levado ao posto policial. Lá, espancaramno tão violentamente que, após voltar para casa, teve que ficar de cama.

David também foi agredido fisicamente. Um policial bielorusso, que conhecia a família havia anos, empurrou o patriarca semi-inválido contra uma parede e golpeou-o com o cano do fuzil. O jovem Aron observou horrorizado quando o pai se curvou de dor, com várias costelas quebradas.

Então, um grupo de alemães e policiais chegou ao moinho. Eles arrastaram tanto Abraham como Yakov de seus leitos e os levaram para o posto policial em Novogrudek, a uma distância considerável do posto mais próximo da casa dos Bielski. :

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Temendo o pior, a sra. Bielski imediatamente começou a agir para obter a soltura deles. Reuniu assinaturas de gentios importantes, que atestavam a inocência de seus filhos. Também preparou comida para lhes ser entregue, embora ela fosse confiscada antes de chegar a eles.

Ela viajou para Novogrudek e outras cidades com Aron e visitou parentes, membros do Judenrat e outras pessoas que pudessem ajudar. Durante uma dessas viagens, Aron caminhava na calçada (ele não estava usando a estrela-de-davi amarela) enquanto a sra. Bielski, como exigiam as leis raciais nazistas, permanecia na rua. O menino avistou o policial de Stankevich, Vatya Kushel, mais adiante e viu quando o polonês chamou dois soldados alemães e apontou em sua direção.

Os alemães se aproximaram com rapidez, o agarraram e levaram-no para o posto policial, onde ele viu de relance um dos irmãos. Levado para fora por um grupo de soldados alemães, Aron teve que cavar um buraco com as próprias mãos. Enquanto ele se dedicava à tarefa, os soldados manipulavam os fuzis, e os sons ruidosos reverberavam nos ouvidos do menino. ”Conte-nos onde seus irmãos estão ou matamos você”, diziam.

Ele cavou e cavou até que o buraco ficasse grande o suficiente para acomodar seu corpo. Os alemães, então, ordenaram que deitasse na cova improvisada e perguntaram novamente onde Zus e Asael poderiam ser encontrados. Mas ele nada disse. Nem uma palavra.

Finalmente, eles o tiraram do buraco e o levaram até o posto. ”Corra para casa”, um alemão

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rugiu para ele.

Embora a campanha da sra. Bielski para libertar os filhos não mostrasse sinais de êxito, ela não estava disposta a desistir. Como ouvira dizer que o guarda da prisão aceitava suborno, ela lhe levava qualquer coisa que pudesse encontrar em casa - um travesseiro, utensílios de cozinha, calçados de trabalho. Ele, porém, não se inte57

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ressava por bens. Queria ouro. Ela vendeu artigos domésticos e juntou algum dinheiro. Não era o bastante, lhe foi dito.

Semanas se passaram e nada havia dado resultado. O destino dos irmãos estava selado: Abraham e Yakov foram mortos tempos depois, ao tentarem fugir durante a transferência para outra prisão, em outubro.

Tuvia, que permanecia escondido principalmente na área em torno de Lida, ficou abalado ao saber da morte dos irmãos. Não conseguia imaginar o que esses jovens podiam ter feito para merecer um fim tão cruel.

com tais pensamentos perturbando seu espírito, ele se mudava de lugar para lugar, contando com a ajuda de uma rede de gentios que havia conhecido nos anos que vivera em Subotniki, Lida e Stankevich. Como a polícia estava procurando ativamente Asael e Zus, ele se sentia seguro o bastante para viajar de vez em quando até o moinho e verificar como estavam seus pais. Mas as visitas eram sempre fugazes.

Numa ocasião ele ficara face a face com os invasores. Foi salvo por sua habilidade em se fazer passar por cristão. Sua aparência não era tipicamente judaica e ele falava os idiomas dos gentios sem sotaque.

Certa vez, foi dar numa aldeia cheia de soldados alemães, que o notaram antes que ele tivesse oportunidade de fugir. Simulando indiferença, caminhou pela rua, sentindo os olhares fixos nele. Seu coração gelou. Entrou na casa de um amigo bielo-russo, onde dois alemães, sentados à mesa do homem, bebiam leite. O amigo rapidamente saudou Tuvia em bielo-russo e o apresentou aos visitantes como um vizinho.

”Como vão as coisas no fronte?”, Tuvia perguntou aos alemães, depois de se juntar ao grupo à mesa. • ’. ;«’; n ••;.-,.

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”O comandante supremo ordenou que o Exército tome Moscou dentro de catorze dias”, disse um dos soldados.

Tuvia comentou sobre o quanto todo mundo estava feliz por os alemães estarem dando fim ao comunismo russo.

Os alemães acabaram de comer e saíram da casa. Aliviado, o amigo de Tuvia pediu que ele fosse embora, temendo que ambos fossem mortos.

Em outra ocasião, Tuvia bateu à porta de um gentio e ouviu uma voz respondendo em alemão. ”Entre”, gritou a voz. Suando frio, ele entrou e deu com quatro oficiais alemães e quatro mulheres do lugar fazendo uma refeição. Tuvia desejou-lhes born apetite.

”É o seu irmão?”, perguntou um alemão a uma das mulheres.”Sim”, ela respondeu.Depois que Tuvia tirou o casaco e o pendurou na parede, junto com as armas dos alemães, um deles lhe ofereceu um copo de conhaque, que ele aceitou, e todos começaram a brindar à sua ”irmã”. Tuvia sentou-se à mesa e participou da refeição e da conversa.

Em alemão, ele lhes falou de como se lembrava de seus cornpatriotas da Grande Guerra. E então perguntou como as coisas progrediam no fronte.

”Nossos canhões estão bombardeando Moscou”, um deles respondeu. ”Nossos aviões estão

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bombardeando a capital. A cidade está em chamas. A vitória está assegurada. A Rússia está kaput”

”Que born!”, disse Tuvia.

À medida que a conversa avançava e o álcool circulava, Tuvia decidiu abordar o assunto dos judeus. ”Por que os alemães estão perseguindo os judeus?”, perguntou. ”Vocês não poderiam usá-los para produzir artigos para as Forças Armadas?”

A resposta veio repleta de bile anti-semita sobre especuladores e aproveitadores judeus que controlavam a indústria alemã. O homem afirmou que o primeiro-ministro britânico, Winston

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Churchill, era judeu e havia manipulado maciçamente os preços de uma plantação de café que possuía na índia. ”É possível deixar tal especulador viver?”, perguntou o alemão.

Então o homem fez um brinde à morte de todos os judeus. ”A terra queimou sob meus pés”, contou Tuvia. Depois de mais trinta minutos dessa conversa surrealista, ele cumprimentou todos à mesa e fugiu do que chamou ”um covil de víboras”.

Tuvia, contudo, conseguira permanecer calmo e controlado durante essa e outras situações semelhantes. Estava ficando claro que ele possuía dons notáveis de controle, astúcia e autodomínio, não encontrados em homens comuns.

A chegada do outono trouxe uma mudança na administração nazista em Novogrudek. Os comandantes da Wehrmacht foram substituídos por uma administração civil, composta de nazistas leais, ”homens do partido”, aos quais Hitler confiou a supervisão de seu novo território. Os membros do comissariado regional (RC) eram facilmente identificáveis por seus uniformes cor de mel e braçadeiras com a suástica, que inspiraram os soldados alemães e os civis a chamá-los de ”faisões dourados”.

O comissário regional (Gebietskommissar) do RC de Novogrudek, Wilhelm Traub, chegou precipitadamente num dia de outubro. Ele era a nova autoridade máxima nazista na área, o homem que seria responsável pelo governo da cidade e do distrito em volta. Pelos dois anos e meio seguintes, Traub presidiria um reino de terror de uma ferocidade quase inimaginável.

com 31 anos de idade, constituição mediana, um comprido nariz aquilino e cabelo louro-escuro, ele havia nascido numa região próxima a Stuttgart. Completara a escola secundária em Cannstadt e fizera alguns cursos de matemática e ciências numa faculdade politécnica perto de Stuttgart. Mas estava muito ocu6o

pado com o serviço militar para concentrar-se nos estudos. Tinha

22 anos quando entrou para as Sturmabteilung (SÁ, ou tropas de assalto), o esquadrão de terror interno de Hitler, onde serviu até

1937, ano em que foi admitido nas ss. na época em que foi designado para Novogrudek, ele era um ss-Sturmbannführer (major) que havia servido em diversos postos no so e no ramo de inteligência das ss.

Chegou à cidade com sua mulher, Svea Wierss, que, ele se jactou num formulário de casamento preenchido em 12 de setembro de 1940, ”conhece pessoalmente o Reichsführer” Adolf Hitler. ”O casamento”, ele acrescentou, ”já foi pessoalmente aprovado pelo Reichsführer.”

Arrogante e com poder quase ilimitado, Traub inspecionou seu domínio e pôs-se a implementar sua concepção de controle total. Instalou prefeitos pró-nazistas nas comunidades rurais e criou .repartições para coordenar atividades como produção agrícola, arrecadação de impostos e serviços florestais. Estabeleceu um sistema de cortes criminais e organizou gendarmarias alemãs na cidade e nas comunidades afastadas, com quadros preenchidos por pessoal das formações policiais alemãs e voluntários locais.

Tirando partido das tensões imemoriais na cidade, Traub estimulou conflitos entre líderes poloneses e bielo-russos, que esperavam convencer os novos governantes a conferir privilégios a sua gente. Então, ele e seu pessoal voltaram a atenção para a comunidade judaica.

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”Um dos primeiros e principais objetivos das medidas alemãs deve ser a separação rigorosa dos judeus do restante da população”, estabeleciam as diretrizes determinadas para os funcionários do RC, como Traub, em 3 de setembro de 1941. ”A generosidade para com os judeus deve cessar imediatamente. A criação de guetos deve ser empreendida (...), em Belarus isso será facilitado pela presença

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de povoações judaicas mais ou menos fechadas. As forças de trabalho (...) deverão ser utilizadas, sob vigilância, em atividades produtivas, predominantemente de trabalho físico (construção de estradas, ferrovias, canais, agricultura etc.). Artífices judeus, artesãos e produtores domésticos (em unidades de produção) podem continuar a se ocupar de seus ofícios habituais...”

na equipe de Traub, o responsável pela população judaica o Judenreferent - era um oficial ss chamado Wilhelm Reuter. Tinha cerca de trinta anos, era alto, corpulento, com cabelos castanhos e usava óculos. Ele também chegou à cidade com a mulher. Ambos montavam seus cavalos toda manhã antes do desjejum, um passeio feito sem pressa antes de mergulhar nas tarefas do dia.

Alguns judeus tinham esperança de que a nova administração tornasse a vida deles melhor. As autoridades da Wehrmacht tinham

sido simples militares. Os funcionários do RC eram de classe social mais elevada e, com certeza, mais sofisticados. Não demorou muito para que essas esperanças se frustrassem. Um dos primeiros atos dos novos governantes foi a execução de todo o Judenrat, acusado de insubordinação. Depois, reorganizaram o conselho com judeus escolhidos por eles. A rotina diária de tormento e execuções esporádicas passou a fazer parte da vida. As pessoas começaram a notar que judeus adoentados nunca voltavam de suas internações no hospital.

Entre a comunidade, espalhou-se o rumor de que execuções em massa de judeus estavam ocorrendo em outras cidades. com o avanço da Wehrmacht a leste finalmente diminuindo, depois de meses de vitórias, parte considerável dos quadros dos Einsatzgruppen móveis foi designada para repartições em todas as zonas ocupadas, das quais partiriam as ações anti-semitas subseqüentes em cooperação com a polícia local, quadros do RC e a gendarmaria alemã. As unidades eram apoiadas pelo acréscimo de milhares de contingentes ss recentemente designados para a União Soviética.

A repartição mais próxima de Novogrudek e Lida era um62posto avançado do SD estabelecido em Baranovich no outono de

1941, e em breve consistiria de quinze membros da Waffen-ss, uns tantos da Kripo, do SD e pessoal da Gestapo, com equipes de auxiliares lituanos e letões.

Em novembro, circulou entre os judeus de Novogrudek a história sobre um extermínio em Slonim. A ação se deu no dia 14 daquele mês e foi executada por um contingente do posto do SD em Baranovich, ajudado por funcionários nazistas e aliados dos nazistas na cidade. O comissário regional do RC de Slonim, Gerhard Erren, gabou-se de que o morticínio libertara sua jurisdição de ”8 mil bocas famintas desnecessárias”. Também se ouviram rumores

sobre um massacre em Mir. Ele ocorreu em 9 de novembro e foi

perpetrado por uma companhia de soldados da Werhmacht e pela polícia local, ao que consta sem a ajuda dos assassinos veteranos das ss. Mais de 1500 judeus foram mortos.

Os detalhes, naturalmente, eram desconhecidos dos moradores de Novogrudek e, na ausência de provas concretas, muitos acharam difícil acreditar nos relatos. É certo que eles matarão alguns judeus, as pessoas diziam, mas todos os judeus? Não faz sentido. Eles precisam do nosso trabalho. Além disso, outros rumores, mais auspiciosos, se fizeram ouvir durante

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aqueles meses. Sabendo que o avanço alemão na Rússia diminuía, muitos especulavam que os soviéticos logo chegariam para libertar a cidade. Alguns judeus religiosos diziam pressentir sinais de que o Messias surgiria e libertaria os judeus da escravidão aos alemães.

As histórias da opressão na cidade alcançaram até mesmo os esconderijos de Zus e Asael Bielski. Zus torturava-se de preocupação por sua mulher Cila, que, ele soubera, havia dado à luz uma menina. Era obrigado a refletir sobre o futuro de sua filha primogênita enquanto dormia sobre a palha em estábulos de estranhos, escondendo-se de pessoas que desejavam sua morte.

Não obstante a cidade ser evidentemente insegura para os

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judeus, os dois irmãos tinham a esperança de que os judeus das aldeias - David, Beyle e Aron Bielski, e os membros da família Dziencielski que ainda estavam em Grande Izvah - de alguma maneira ficariam livres das brutalidades nazistas. Também esperavam poder continuar nessa vida provisória durante o rigoroso inverno bielo-russo.

Em casa, o jovem Aron fazia o possível para confortar os pais. Sua mãe estava desconsolada com a perda dos filhos. Seu pai, ainda sofrendo dos espancamentos recebidos da polícia, achava-se quase inteiramente confinado ao leito. O trabalho do moinho continuava - era o sustento deles, afinal - e seu moleiro, Adolph Stishok, executava a maior parte das tarefas sem ser molestado pelas novas autoridades.

Então, num dia de dezembro, por volta das três da tarde, quando caía uma nevada suave, Aron ouviu o som de um motor, enquanto caminhava do moinho para o estábulo. Voltando-se, viu que um caminhão alemão havia parado na ponte que conduzia à propriedade da família. Vários soldados nazistas e policiais locais saltaram do veículo e dirigiram-se decididamente para a casa.

Aron livrou-se da carga que trazia, correu para os bosques e, de trás de uma árvore, observou a cena.

Atendendo aos comandos dos soldados, Beyle surgiu com Stishok e ambos ajudaram David a subir na traseira do caminhão. Beyle juntou-se ao marido no veículo, virou-se para Stishok e pediu-lhe para ir até a casa, buscar-lhe um par de galochas.

”Você não precisará de galochas no lugar para onde está indo”, ele respondeu.

Quando o caminhão se afastou, Aron percebeu de imediato o que tinha acontecido. Ele correu para encontrar Asael e Zus que, ele sabia, estavam na casa de um gentio nas proximidades. Zus, de pé perto da porta, viu uma figura ao longe vindo em sua direção. À medida que ela se aproximava, ele percebeu que era o irmão me64

nor, ansioso para lhes dar a notícia. Asael ergueu os olhos do prato em que comia.”Nossos pais foram levados num caminhão”, contou Aron.Os dois irmãos mais velhos se entreolharam sem dizer uma palavra.Ambos rapidamente conferenciaram com vizinhos amigos e souberam que os nazistas não haviam terminado de arrebanhar os judeus das áreas rurais. Depois de Stankevich, dirigiam-se agora para a aldeia de Grande Izvah. Isso significava que eles iriam atirarse sobre a família Dziencielski, os únicos judeus no povoado de cerca de cinqüenta domicílios. com a família, estava morando a irmã mais velha dos Bielski, Taibe, casada com Abraham Dziencielski. O casal, havia pouco, tivera um bebê do sexo feminino.

”Precisávamos agir”, Zus contou mais tarde.

Logo depois da meia-noite, os irmãos despertaram a família e lhes disseram que empacotassem seus pertences. Todos na casa

- do bebê de Taibe ao idoso casal Dziencielski - se reuniram e o grupo se dirigiu para a floresta. Caminharam a maior parte da noite, parando de vez em quando para que Taibe pudesse alimentar o bebê, antes de encontrarem um lugar para acampar junto a um curso d’agua. À volta de uma fogueira, sobreviveram ao frio da madrugada, aterrorizados com o futuro.

”Não se aflijam”, os irmãos os tranqüilizavam. ”Apelaremos para nossos amigos, que,

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seguramente, nos oferecerão abrigo.”

Em Novogrudek, avisos públicos, assinados pelo comissário regional Traub, foram espalhados por toda parte, instruindo os judeus a não se apresentarem para o trabalho no dia seguinte. Um calafrio perpassou a população judaica, especialmente porque houvera rumores de que gentios tinham cavado grandes fossos nos arredores da cidade. Para muitos, ficou claro que uma execução em massa fora planejada. Os soldados da Wehrmacht bloquearam todas as saídas da cidade e muitos dos judeus que tentaram fugir foram fuzilados. - i

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na noite da sexta-feira, 5 de dezembro, funcionários nazistas, junto com a polícia local e membros do Judenrat, foram de casa em casa, ordenando que homens, mulheres e crianças judias se apresentassem no tribunal, que era, na verdade, um conjunto de prédios, ou numa escola de freiras católicas, as Irmãs da Sagrada Família de Nazaré. Cada pessoa estava autorizada a levar uma pequena bagagem. Durante a maior parte daquele dia nevoento, cerca de 6 mil judeus se aglomeraram no pátio do tribunal, antes de serem autorizados a entrar, tarde da noite. Um número bem menor foi admitido na escola católica.

Raya Kaplinski, que tinha dezenove anos, não se apresentou ao tribunal, como fora ordenado. Em vez disso, escondeu-se com vários parentes num cômodo minúsculo de sua casa. Outra família com um filho pequeno escondeu-se no porão. Alguns alemães foram alertados para a presença deles ali quando a criança começou a chorar. ”Saiam ou atiraremos em todos vocês!”, gritaram.

Kaplinski e sua família obedeceram. ”Um alemão golpeou meu tio na cabeça com um cassetete e ele deu um grito tal que pensei que tinha morrido”, ela disse. ”Nós estávamos todos pálidos e apavorados.”

O grupo foi levado ao tribunal, onde milhares estavam apinhados em dependências em que mal cabia toda aquela gente. Poucas pessoas conseguiram dormir naquela noite horrível. Podiam ouvir os alemães do lado de fora conversando, fumando cigarros e urinando nas paredes.

Em 7 de dezembro, um domingo, dia em que os japoneses bombardearam Pearl Harbor, trazendo os Estados Unidos para a guerra, uma centena de judeus foi levada do tribunal e obrigada a desmontar uma cerca que rodeava a praça central. Foi-lhes ordenado que carregassem os pedaços para um bairro em ruínas, com cerca de quarenta casas, conhecido como Pereshika. Soldados da Wehrmacht a cavalo e policiais locais batiam nos trabalhadores

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com barras de ferro, coronhas de fuzis e bastões. Se alguém caísse, era executado na hora e os sobreviventes eram obrigados a carregar o corpo para um local de sepultamento. A aurora estava rompendo quando o grupo voltou ao tribunal, exausto pelos maustratos e pranteando os mortos.

na manhã de segunda-feira, membros do RC, inclusive Reuter e Traub, juntamente com oficiais ss e comandos lituanos e letões, chegaram ao tribunal. Eles invadiram o prédio e deram ordem para que o chefe de cada família falasse com um membro das ss. ”Qual é sua profissão? Quantos filhos tem?”, o nazista perguntava. Então, com um gesto da mão enluvada, mandava cada membro da família para o lado direito ou esquerdo. Os operários especializados iam, na maioria, para a direita. Quase todo o resto ia para a esquerda e era levado para caminhões, que estavam à espera.

”Apenas isso, nós ficávamos em dois grupos e as pessoas começavam a gritar e chorar”, contou Sonya Oshman, na época uma adolescente. ”Os nazistas diziam: ’Não chorem. Só vamos separar vocês por um tempo. Vamos dar-lhes moradia. Terão de tudo. Não se preocupem. As mulheres e crianças serão bem cuidadas’. Era assim que eles faziam a coisa. Os caminhões estavam esperando perto do tribunal.”

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Em grupos de mais ou menos cinqüenta, as pessoas do contingente da esquerda e da escola das freiras eram embarcadas nos caminhões e transportadas uns poucos quilômetros a sudoeste da cidade, até a área adjacente de Skridlevo. Após passar pelas casernas construídas pelos russos, os veículos viravam à direita para fora da estrada e prosseguiam num caminho de curvas, ligeiramente em declive, em meio à floresta, sacolejando nos buracos à medida que avançavam. Depois de chegar a uma clareira pequena, os judeus eram instruídos a sair dos caminhões e então eram insultados e espancados pelos soldados.

com a temperatura oscilando bem abaixo de zero, os judeus

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recebiam ordem de tirar as roupas e ficar de pé de frente para duas covas de quarenta metros por três, que haviam sido cavadas dias antes. Em seguida os atiradores os metralhavam até a morte. A ação se repetiu durante o dia inteiro, com os caminhões voltando ao tribunal para apanhar mais vítimas. Quando o sol se pôs naquela negra segunda-feira, mais de 4 mil judeus haviam sido assassinados. Entre os que jaziam nos fossos estavam David e Beyle Bielski, Cila Bielski e sua filhinha, ainda bebê.

Uma mulher que de alguma forma escapou da morte arrastou-se para fora do fosso tarde da noite e voltou ao tribunal. Paralisada pelo terror, ela não conseguiu falar nada naquela primeira noite, mas, no dia seguinte, contou as cenas horríveis que testemunhara. Os judeus também souberam de detalhes do morticínio por um policial bielo-russo, que descreveu como um barbeiro atacou um oficial ss com uma navalha, antes que vários nazistas massacrassem o homem até a morte com a coronha de seus fuzis.

No tribunal, os que foram poupados - cerca de 1500 pessoas

- foram levados ao bairro Pereshika, que tinha sido isolado com a cerca retirada da praça central. Curiosos, muitos habitantes da cidade se juntaram para observar a soturna procissão para o que agora seria conhecido como o gueto de Novogrudek. A maioria demonstrou ou nenhuma emoção ou o mais completo desdém. Um gentio, comovido, tirou o chapéu enquanto o grupo passava, em sinal de respeito por seu sofrimento.

Depois de passarem aquela primeira noite na floresta, Asael e Zus, que recentemente haviam conseguido pistolas, procuraram casas seguras para os parentes Dziencielski que eles tinham resgatado de Grande Izvah. Os mais vulneráveis do grupo - os parentes idosos e o bebê de Taibe - foram acomodados primeiro. Não houve problema em achar lugares para os idosos. Mais difícil foi

conseguir um local para o bebê, cujos choros atrairiam facilmente a atenção dos vizinhos. Depois de algumas recusas, os irmãos encontraram um casal polonês receptivo à idéia. O casal foi conquistado ao ver a criança, que tinha uma semelhança notável com um filho deles que havia morrido.

Um plano foi concebido: numa noite bem tarde, os Bielski deixariam o bebê na janela dos fundos do casal, e um bilhete com um nome cristão pregado em sua roupa. Depois de encontrar a criança, o casal notificaria as autoridades, que então seriam informadas de sua decisão de cuidar daquela surpresa deixada à sua porta. O casal esperava que isso os livraria de qualquer acusação de abrigar um judeu.

Enrolada em cobertores, Lola foi colocada atrás da casa numa noite fria. Em pouco tempo, como uma de suas cobertas se soltou, ela começou a chorar. Isso é born, pensaram todos que estavam escondidos à beira da floresta, pois apressará a chegada do casal. Mas vários minutos se passaram e ninguém veio. Cada vez mais angustiada, Taibe teve que ser contida para não correr para o bebê, cujo choro estava enfraquecendo. Então o homem apareceu. Ele chamou sua mulher, cujos brados de alegria atraíram uma multidão de vizinhos.

No dia seguinte, o chefe da polícia local foi ver a criança. Como o casal polonês, ele ficou encantado quando viu os bonitos olhos escuros do bebê.

”Eu quero adotá-la”, anunciou. ,.;

A mulher recusou. ”O Senhor enviou esta criança, para mim”, disse. ”Eu não tenho filhos e

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ela é minha!”

O chefe de polícia compadeceu-se e deu permissão para o bebê ficar na casa. Após algumas semanas, a judia Lola foi batizada na fé católica.

Depois que os membros mais vulneráveis foram alojados em casas seguras, os irmãos encontraram abrigo para o resto do grupo. Eles prometeram verificar periodicamente a condição de

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cada um e mudar as pessoas para novos lugares se a situação se tornasse perigosa. Asael se mostrou particularmente preocupado com Haya Dziencielski, agora com 23 anos e ainda objeto de sua afeição. Quando ela se queixou de tosse, ele viajou muitos quilômetros, correndo grande risco, para encontrar um farmacêutico que pudesse fornecer um remédio para ela.

Só depois que todos estavam escondidos em segurança, Zus e Asael puderam refletir sobre os acontecimentos pavorosos de Novogrudek. Seus pais estavam mortos, assassinados de uma maneira perversa, absolutamente contraditória à vida serena que haviam levado. Zus também perdera a mulher, morta juntamente com uma criança que mal andava e que permaneceria para sempre desconhecida do homem que a gerara. Os irmãos compreenderam que a guerra os havia transforamdo irreversivelmente.

Mas repugnava a esses homens duros e dotados de uma incrível capacidade de adaptação admitir fraqueza para aqueles a quem estavam protegendo, e eles tiveram êxito em guardar apenas para si seu sofrimento. A única emoção que demonstravam sem escrúpulo era a cólera. Ao longo de suas vidas, haviam reagido a qualquer agressão retaliando com maior vigor. Seu primeiro impulso foi se vingar dos assassinos e de seus auxiliares, mas ambos sabiam que suas pistolas eram de pouca valia contra um inimigo daquela magnitude. Não podiam comprometer a segurança das pessoas pelas quais zelavam. Qualquer ação teria que esperar.

Em seu refúgio mais ao norte, Tuvia foi informado por camponeses amigos de que um policial espancara seus pais antes de lançá-los no fosso onde foram fuzilados. Como acontecera com seus irmãos, seu desespero transformou-se rapidamente em fúria. Porém sua consciência também o torturava. Por que havia deixado os pais enfrentarem sozinhos os assassinos? Por que não fizera algo mais para salvá-los? E o que faria agora?

3. Dezembro de 1941-Junho de 1942

Durante o inverno de 1941, a guerra não corria bem para Stalin. Os alemães castigavam Leningrado, que se achava quase inteiramente isolada do mundo exterior, e o povo desesperado ia lentamente morrendo à míngua. Hitler esperava que o bombardeio ininterrupto da cidade resultaria em sua destruição completa. Moscou também se dobrava diante da máquina de guerra alemã, e Stalin interrogava seus comandantes para saber se era possível conservar a capital. As perdas sofridas pelo Exército Vermelho durante os seis primeiros meses da guerra foram devastadoras - mais de

2,5 milhões de soldados morreram e 3,5 milhões foram feitos prisioneiros. O Führer estava ansioso para tomar chá no Kremlin.

Seria a última de uma longa série de conquistas. O exército de Hitler havia capturado França, Holanda, Bélgica e Luxemburgo na primavera e princípio do verão de 1940, época em que a Itália, dirigida pelo ditador Benito Mussolini, entrara na guerra do lado da Alemanha. Depois das vitórias na Europa-a bandeira alemã tremulava da Noruega aos Pireneus -, Hitler voltou a atenção para a Grã-Bretanha. Durante todo o verão e o outono, os aviões da Luft71

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rwaffe despejaram toneladas de bombas nos centros populosos britânicos, enquanto os generais alemães preparavam um desembarque. Liderada pelo combativo e eloqüente Winston Churchill, a Real Força Aérea ofereceu enérgica resistência, abatendo duas vezes mais aviões alemães do que perdera. Em setembro de 1940, Hitler abandonou os planos de tomar o país e transferiu sua atenção para a União Soviética.

A Operação Barbarossa, nome-código pelo qual ficou conhecido o ataque à vasta extensão terrestre russa, representou a principal escalada na guerra nazista contra os judeus. As quatro unidades de extermínio dos Einsatzgruppen, no princípio guarnecidas por não mais de 3 mil nazistas, mataram centenas de milhares de judeus desarmados, numa orgia assassina jamais vista nos anais da História. Antes que quaisquer dos grandes campos de concentração estivessem em atividade, os assassinos viajavam em quatro colunas motorizadas, muitas vezes divididas em comandos menores e em subunidades de comando, e utilizavam pistolas, fuzis e metralhadoras para completar sua horripilante tarefa. Entre a população local, pessoas designadas para unidades auxiliares prestavam ajuda eficaz aos assassinos alemães. Como escreveu o historiador French L. MacLean, ”os locais falavam a língua, conheciam o terreno e podiam convencer vizinho a trair vizinho”.

Em 29 e 30 de setembro, mais de 33 mil judeus foram fuzilados por uma unidade de comando do Einsatzgruppe C em Babi Yar, nas cercanias de Kiev, na Ucrânia, num dos maiores massacres da Segunda Guerra Mundial. Em 23 de outubro, mais de 19 mil judeus foram executados perto de Odessa, na Ucrânia; e, em 20 de novembro, mais de 30 mil foram massacrados numa floresta perto de Riga, na Letônia. Em meados de novembro, o comandante do Einsatzgruppe B, um ex-criminologista e autor de histórias de detetive chamado Arthur Nebe, relatou que seus homens haviam

matado 45 467 pessoas desde o início da invasão. Em P de dezembro, Karl Jager, cuja unidade de comando do Einsatzgruppe A avançara pela Lituânia, enviou mensagem de que suas tropas haviam eliminado 137 346 pessoas, a maior parte judeus. ”O objetivo de resolver o problema judaico na Lituânia foi atingido”, ele se vangloriou, exceto pelos judeus que haviam sido poupados para atuar como trabalhadores.

Os nazistas não estavam satisfeitos com esses resultados. na busca de meios mais eficientes para executar judeus em larga escala, vinham havia meses fazendo experimentos com técnicas de envenenamento por gás. Heinrich Himmler, que, como Reichsführer-ss, era o principal arquiteto da ”solução final”, ficara bastante chocado ao testemunhar um fuzilamento coletivo em Minsk, em agosto. Preocupado sobretudo com a saúde mental de seus homens, estimulou o desenvolvimento de uma forma mais impessoal de matar. na primeira semana de dezembro, a primeira experiência de extermínio em massa de judeus com o uso de gás ocorreu em Chelmno, perto de Lodz, na Polônia ocidental.

A entrada dos Estados Unidos na guerra depois de Pearl Harbor significou que Hitler tinha um novo inimigo (o Führer declarara guerra aos Estados Unidos em 11 de dezembro) e que Stalin tinha um novo e poderoso aliado. Mas, do jeito que as coisas se afiguravam na passagem do ano-novo, os alemães estavam vencendo a guerra claramente. Caso a cambaleante União Soviética tornbasse nas mãos deles, como muitos temiam, um fracassado

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pintor de paisagens de 52 anos, dotado de uma personalidade fanática, dominaria uma imensa extensão do mundo.

Considerando o quadro que estava emergindo, Tuvia Bielski concluiu que sua prioridade devia ser resgatar todos os seus parentes que permaneciam sob a autoridade direta dos alemães. Imedia72

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tamente traçou planos para entrar em Lida e de lá retirar sua mulher, Sônia, e a família dela.

Como vinha fazendo havia meses, se fez passar por um camponês durante a viagem. Ao caminhar para a cidade, usava um casaco de pele de carneiro, um chapéu lhe ocultava o rosto e tinha o bigode empastado de neve. Diferentemente de Novogrudek, a comunidade judaica de Lida ainda não havia sido encerrada em um gueto cercado. Em vez disso, a população de aproximadamente 8 mil judeus recebera ordem de se estabelecer em três áreas diferentes da cidade. Não foi difícil para Tuvia passar pelas ruas sem ser notado.

A história judaica de Lida - como aquelas de todos os centros de vida judaica da Europa oriental - é um conto de extremos da vida humana. Ao longo de sua antiga história, a comunidade sofreu epidemias, entre elas uma que dizimou a cidade em 1662; guerras, inclusive a ocupação pelos franceses em 1812, que quase resultou na destruição completa da cidade; e desastres, como um incêndio extenso em fins do século xix, que destruiu várias sinagogas. A monarquia lituana tinha construído o indispensável castelo numa colina, e gerações de crianças ouviram histórias sobre tesouros enterrados em seu solo. Mas eram prevenidas de que o butim era amaldiçoado: quem quer que tentasse desenterrá-lo seria tragado pela terra.

Em meio às mudanças de regime do início do século xx, Lida se transformou em um dinâmico centro industrial e comercial, e a comunidade judaica desempenhou um papel importante nesse crescimento. Uma fábrica de borracha fundada no final dos anos

1920 pelos irmãos Kushelevitz orgulhava-se de ter mil empregados; e duas cervejarias - uma da Pupko, a outra da Papiermeister eram conhecidas em toda a Polônia de antes da guerra. No âmbito espiritual, várias sinagogas se agrupavam numa única região da cidade - a shuldos açougueiros, que exibia murais de um conhecido artista local, era considerada a mais bonita. A maior figura religiosa de Lida era Isaac Jacob Reines, um dos primeiros rabinos a aderir ao sionismo e fundador do movimento Mizrachi, que defendia a aceitação religiosa do sionismo. Depois de sua morte em 1918, seu genro, Aron Rabinowitz, o substituiu como o mais importante rabino da cidade; e ele ainda exercia essa função quando os nazistas marcharam para a cidade.

Como Novogrudek, Lida sempre havia sido uma sede distrital, abrigando todas as entidades governamentais das cidades e aldeias das cercanias. Os alemães a fizeram também sede de um

comissariado regional.

Tuvia chegou a uma cidade onde o poder fora recentemente transferido dos militares para uma administração civil, chefiada pelo comissário regional Hermann Hanweg. com 34 anos, membro do Partido Nazista desde 1928, Hanweg apresentava um início de calvície e era conhecido por sua inclinação por sobretudos de pele russos. Como Wilhelm Traub, que ocupava o mesmo cargo em Novogrudek, Hanweg tinha estabelecido um sistema de governo ferozmente anti-semita.

A população judaica já se familiarizara com os dois sádicos assistentes de Hanweg. Um deles, Leopold Windisch, de 29 anos, subcomissário regional e Judenreferent, era um nazista intransigente, pequeno e alourado. Tinha entrado para a Juventude Hitlerista com catorze anos, passara um tempo na prisão no começo dos anos 1930, por suas atividades policiais nazistas, e se tornara um membro entusiasta das tropas de assalto SÁ. Seus superiores de

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antes da guerra o consideravam ”um nacional-socialista jovem e firme”, cuja ”versatilidade e talento em áreas culturais o tornavam capaz de chefiar grupos numerosos”.

Como Judenreferent, Windisch instalou oficinas operadas por artífices judeus, que forneceriam artigos para a guerra. Tomou a iniciativa de registrar todos os habitantes de proveniência judia

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numa lista principal, anotando o nome, a ocupação e o endereço de cada um. Mas seu dia de trabalho consistia principalmente em instilar terror na população. com a ajuda de gendarmes alemães, realizava investigações sobre todos aqueles que considerasse oponentes dos nazistas, além de supervisionar uma série de execuções em grupo, cujo número variava entre cinco e vinte pessoas.

O outro agente principal do martírio judaico era Rudolf Werner, de 34 anos, funcionário do RC responsável pelos assuntos econômicos e industriais. Como Windisch, ele havia se envolvido em atividades político-nazistas desde a adolescência. Seu passatempo consistia em passear de trenó pelos arredores de Lida, armado com uma espingarda e um chicote, que usava para escarnecer dos judeus envolvidos em suas tarefas de trabalho forçado.

Era lembrado principalmente por seu feroz cão pastor alemão, chamado Donner (Trovão), que ele treinara para atacar quando dissesse as palavras: ”Pegue, Donner, judeu”. Werner gargalhava quando o cão dilacerava as roupas de um judeu ou lhe mordia as nádegas. Pelo menos uma vez, Werner matou um homem que ousara defender-se de um ataque. Em outra ocasião, um trabalhador que teve dificuldade de erguer um barril de aguarrás foi tão gravemente espancado por ele que morreu em conseqüência dos ferimentos.

Assim que chegou à cidade onde esses homens exerciam o poder, Tuvia foi à casa em que Sônia e seus parentes da família Tiktin estavam e verificou que a maioria relutava em abandonar a cidade. Não escutaria uma palavra de protesto de sua mulher, a quem simplesmente ordenou que viesse com ele, mas não conseguiu convencer os outros parentes a saírem do lugar. O marido da irmã de Sônia, Alter Tiktin, argumentou que não queria que sua mulher, Regina, a filha, Lilka, e o enteado, Grisha, assumissem o risco. ”Por que tentar ser mais esperto do que os outros?” disse. ”Não há outra maneira. Afinal, milhares de judeus estão aqui conosco. O que acontecer com todo mundo acontecerá conosco.”

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Tuvia deixou a casa frustrado e tentou prevenir outras pessoas sobre o que ele sentia que o futuro lhes reservava. Falou com membros da família Bedzow, que conhecia havia muitos anos, argumentando que mesmo um inverno na floresta seria preferível a viver sob a opressão daqueles monstros. Mas eles não estavam prontos para acompanhá-lo. Nem os vários negociantes com os quais conversou. ”Você não acha que eles poderão nos encontrar na floresta?”, foi a pergunta de um dos homens.

A decisão de fugir de fato não era fácil. Poucos conheciam os arredores tão bem quanto Tuvia, e poucos poderiam, como ele, se fazer passar por gentios e, assim, evitar a suspeita dos camponeses. ”Havia meios de fuga, se você quisesse”, contou um homem. ”Mas você morreria congelado no inverno. E não havia garantia de que as pessoas o abrigariam em suas casas. Alguns fugiram e depois voltaram, porque não sabiam para onde ir.” Além disso, a total extensão dos propósitos nazistas não era conhecida. Ao contrário de Novogrudek, Lida ainda não experimentara um extermínio em massa. Talvez fosse poupada.

Quando saía do gueto, Tuvia foi reconhecido por um passante, que o chamou em voz alta: ”Bielski, Tuvia, espere um momento!”. Quanto mais alto o homem chamava, mais rápido Tuvia andava, até que ele e sua mulher deixaram os limites da cidade. Dois quilômetros a oeste, visitaram um polonês próspero com o qual Tuvia se dava, chamado Wilmont, que acolheu o casal em sua casa e concordou em abrigá-lo. Sônia assumiu os serviços de costureira doméstica, adaptando-se facilmente à rotina da família. O polonês ainda mostrou-

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se prestimoso de outra maneira: deu a Tuvia uma pistola, uma Browning belga, e quatro balas.

Agora tenho uma arma, pensou Tuvia. Talvez possa encontrar alguns aliados e contribuir de alguma forma, não importa quão insignificante seja, para acabar com o domínio alemão. Ele tinha ouvido transmissões no rádio exortando repetidamente todos os77

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cidadãos atrás das linhas de frente a combater os invasores. Ouvira

até histórias sobre bandos de guerrilheiros formados recentemente, que estavam travando combates com o inimigo.

A busca por compatriotas o levou a procurar um amigo bielorusso chamado Misha Rodzhetsky, um comunista cuja família era cliente regular do moinho dos Bielski e que havia ajudado Tuvia a arranjar trabalho em Lida durante a ocupação soviética de 193941. Informado de que o homem estava escondido, Tuvia inquiriu os camponeses e o encontrou numa fazenda de um amigo comum.

Tuvia respeitava muito a inteligência do amigo e estava ansioso para ouvir o que ele pensava da luta armada. Misha foi receptivo à idéia. Os dois decidiram recrutar alguns combatentes e conseguir um rádio militar para se informarem sobre a situação no fronte. Mas quanto mais planejavam a operação, mais clara se tornava a dificuldade de realizá-la num grupo coeso-isto é, de judeus e gentios. Tuvia mencionou como era tratado com desprezo por um camponês que era cordial com Misha, e se perguntou como Misha e seus camaradas reagiriam numa situação de crise.

Tuvia expressou suas preocupações e os dois amigos concordaram que o plano não funcionaria. Eles se despediram amigavelmente.

Tuvia então caminhou de volta para Lida, atravessando o rio Neman, o ”Rio Pai” do folclore bielo-russo, que corre sob a estrada que conduz de Novogrudek a Lida e assinala o meio do caminho entre as duas cidades. Numa floresta próxima ao rio, ele deparou com três soldados soviéticos, homens que haviam se separado de suas unidades durante a invasão alemã.

Munidos de um único fuzil, os três estavam ansiosos para obter mais armas. Tuvia mencionou sua pistola e sugeriu que eles se unissem para conseguir mais armamento. Os soldados gostaram do plano. Mas seus verdadeiros sentimentos sobre os judeus vieram à tona depois que eles ingeriram álcool em excesso uma noite. Um

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deles puxou uma faca para Tuvia, berrando algo como ”focinho judeu”. Tuvia pegou sua Browning, que, ele percebeu depois, não funcionava, e a empurrou contra a têmpora do homem.

O conflito cessou antes que alguém se machucasse, mas Tuvia compreendeu com admirável clareza que ele não podia depender de pessoas dessa espécie. Se esta é a maneira como meus aliados me tratam, pensou, que posso esperar de meus inimigos? Ele sabia que deveria se juntar àqueles em quem pudesse confiar.

Isso significava uma coisa: que devia se unir a seus irmãos. Se fosse realizar alguma coisa, compreendeu que o fariam juntos.

Partiu para Stankevich com a idéia de formar uma força cornbatente dos Bielski. Numa noite fria de fins de fevereiro ou do

começo de março de 1942, ele caminhava numa trilha da floresta quando ouviu alguém gritar seu nome por trás de uma árvore. Depois de hesitar um momento, compreendeu, aliviado, que eram Asael, Zus e o pequeno Aron. Eles haviam se escondido quando observaram o andarilho solitário se aproximando na escuridão.

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Enquanto os três irmãos mais velhos se cumprimentavam, Aron sentiu uma avassaladora sensação de segurança. Agora não podemos ser atingidos, pensou. Nada pode nos ferir quando estamos unidos.

Mas os três ainda não estavam convencidos de sua própria invencibilidade. Por um lado, Zus e Asael se mostravam cada vez mais preocupados com a segurança de seus parentes escondidos. Os alemães e seus auxiliares policiais tinham divulgado o que fariam com aqueles que abrigassem judeus. Eles os executariam. Afixados em todas as áreas rurais havia avisos assinados pelo comissário regional de Novogrudek, Wilhelm Traub, determinando a captura de ”pessoas sem estrelas [insígnia de identificação dos judeus], mas que, por sua aparência,”são reconhecíveis como judeus”. A mensagem estava penetrando nos espíritos: Asael e Zus reparavam a relutância crescente até dos amigos em ajudá-los com comida e abrigo. ’;::í •<••;’•-,: -’(•••’”<*• .•-•<’<••••’. r? -•,

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As coisas não melhoraram quando um generoso fazendeiro polonês chamado Kot, que acolhera uns poucos parentes dos Bielski, olhou para a janela certa manhã e observou um grupo de policiais locais cercando sua casa. Em segundos eles forçaram a entrada da habitação, bateram no velho fazendeiro com a coronha de um revólver e perguntaram onde os irmãos Bielski estavam escondidos.

”Eles estiveram aqui”, Kot admitiu, ”mas foram embora.””Por que você os abrigou?”, interrogou um policial.”Eles estão armados”, Kot respondeu. ”Eles chegam e levam o que querem.”

Os guardas deram busca na casa e descobriram os fugitivos judeus - inclusive o velho casal Dziencielski -, que Kot logo identificou como parentes seus. Encontraram também a dentadura da sra. Dziencielski, que ela costumava colocar em um copo ao lado da cama todas as noites. ”Esses são os dentes de um judeu?”, berrou o policial, que, aparentemente, achava que somente judeus poderiam dar-se ao luxo de ter dentaduras. ”Talvez de um Bielski?”

Alegando inocência, o sr. Kot foi preso e levado ao posto policial. Espancado e torturado perversamente, ele morreu em razão dos ferimentos.

Os três irmãos sabiam que, por causa de incidentes dessa natureza, seria difícil confiar nos cada vez mais medrosos camponeses. Como Tuvia compreendera em seu encontro com os três soldados soviéticos, os irmãos sabiam que teriam de agir com base na força. Somente dessa maneira poderiam assegurar sua sobrevivência.

Era, pois, simples: precisavam encontrar armas. Mas como? Nada era mais valioso nessa guerra do que armas. Sem dinheiro e dispondo de poucos bens para trocas, suas possibilidades eram mínimas.

Necessitavam de um pouco de sorte, e ela chegou sob a forma

de dois grandalhões guerrilheiros russos. Tuvia e Zus deram de cara com a dupla depois de passarem a noite no celeiro de um camponês; a mulher do dono deu-lhes de comer pela manhã, mas implorou que fossem embora depois de haverem se fartado.

Os guerrilheiros, que estavam armados, caminhavam ao longo do rio que desemboca de Stankevich, acompanhados por um menino pequeno conhecido dos Bielski. O garoto gritou quando viu Tuvia e Zus e os guerrilheiros e seu pequeno assistente caminharam na direção dos desconfiados irmãos.

Os guerrilheiros os saudaram efusivamente e anunciaram: ”Estamos procurando munição para nossos fuzis”.

Se eles precisam de munição e nós de armas, Tuvia pensou, talvez possamos nos ajudar mutuamente. .

”Eu tenho uma idéia”, ele lhes disse.

Depois de visitarem um camponês amigo que ofereceu alguma munição aos homens, os irmãos sugeriram um plano que, sem o poder de fogo dos guerrilheiros, teria sido impossível levar adiante: um ataque a um conhecido policial chamado Kuzmitsky, que, eles sabiam, tinha um estoque de armas.

Os russos, que gostaram da idéia de castigar um colaborador dos nazistas, concordaram com

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entusiasmo.

Enquanto os dois guerrilheiros esperavam do lado de fora, Zus invadiu a cozinha de Kuzmitsky, onde a família fazia uma refeição. ”Ninguém se mexa!”, gritou, colando uma pistola no rosto do policial. Assustado, o homem tentou agarrar uma arma encostada na parede. Antes que pudesse alcançá-la, os guerrilheiros entraram e o contiveram. Os quatro então pegaram as armas escondidas na casa e conduziram Kuzmitsky para a floresta, para ser interrogado pelo comandante dos guerrilheiros.

Seu nome era Vladimir Ugriumov, mas esse velho soldado da Geórgia que servira no Exército Vermelho era conhecido por seu nome de guerra, ”Gromov”. Ele ficou exultante ao tomar conheci*

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mento da ação contra Kuzmitsky e se congratulou com os irmãos pelo êxito do ataque.

Depois que o policial foi conduzido mais para o interior da floresta por um dos homens de Gromov, o comandante voltou-se para os irmãos e contou-lhes como começara sua vida de guerrilheiro. Ele se vira preso na área quando sua unidade se dispersou durante os primeiros dias da invasão nazista. Reunira-se então com alguns poucos soldados - a maioria, como ele, forasteiros na região - e passara a empreender pequenos ataques contra os ocupantes. Haviam recentemente obtido êxito em umas poucas ações, inclusive em um ataque-surpresa a um posto policial isolado, que rendera prisioneiros e armas.

”Temos muitas armas, mas pouca munição”, disse Gromov.

Tuvia estava impressionado. Ele lançou a idéia de participar, com seus irmãos, de ações conjuntas com Gromov e seus homens.

Mas Gromov não estava inclinado a compartilhar da responsabilidade pelas mulheres e crianças da família Bielski. Sugeriu então que os irmãos formassem seu próprio grupo. ”É evidente que vocês sabem o que estão fazendo”, ele disse.

”Nós precisamos de armas”, disse Tuvia.

Gromov respondeu que não havia problema, informandolhes que o código de conduta guerrilheiro determinava que as armas de Kuzmitsky pertenciam ao homem que o havia despojado delas: Zus. Para demonstrar sua boa vontade pela ajuda dos irmãos, ofereceu-lhes vários fuzis em perfeito estado, um com defeito e alguma munição - um imenso presente. ”Boa sorte para vocês”, disse Gromov com um sorriso, antes de desaparecer nos bosques acompanhado por seus homens.

As armas encheram os irmãos de uma súbita confiança, eles agora estavam convictos de que eram guerrilheiros. Os três visitaram os parentes homens que estavam escondidos - inclusive os irmãos adolescentes Pinchas e Josef Boldo e os irmãos Shlomo e

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Abraham Dziencielski (marido de Taibe) - e ofereceram um fuzil a cada um. Eles enterraram o fuzil com defeito, planejando consertá-lo em outra ocasião.

Asael também visitou Haya Dziencielski, a moça por quem era apaixonado desde que ela o ajudara a acertar as contas do moinho, anos antes, e a presenteou com uma pistola. Mas ele não lhe deu a arma apenas para que ela pudesse se proteger. O gesto representava mais uma declaração de amor.

Agora com 34 anos, Asael chegou tarde da noite à casa de campo onde Haya e seus pais estavam escondidos. Sem muito espalhafato, ele se virou para o casal Dziencielski e solicitou permissão para se casar com Haya. Contente por ouvir as novas, o pai de Haya deu seu consentimento. Asael então recitou um verso da cerimônia de casamento em hebraico-”Vê que estás consagrada a mim por esta aliança, de acordo com a Lei de Moisés e de Israel”

- e ofereceu à moça não um anel, mas uma pequena arma portátil, uma Mauser alemã do tipo usado pelos nazistas. Os camponeses poloneses assistiram a toda a cena, embora não entendessem uma palavra do que havia sido dito.

Uma vez que no meio daquela guerra não havia oportunidade para uma cerimônia formal presidida por um rabino, a aceitação de Haya ao pedido de Asael foi considerada por todos,

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particularmente por seus pais, como o equivalente a um casamento de verdade.

”Quando ele me deu a pistola, eu já estava apaixonada”, Haya contou mais tarde. Ela se encantara com a lealdade e o sereno sacrifício pessoal dele a serviço de seus parentes. E também sabia que tinha mais chances de ver o fim da guerra se ficasse ao lado de um homem dotado de tal força.

Os dois, então, foram para o celeiro e Asael mostrou-lhe como disparar a pistola. Mas, como Haya se lembraria mais tarde, ela não sentiu nenhum ímpeto de amor romântico ao empunhar a pistola.

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Pensava apenas que poderia se matar caso os alemães a capturassem - ela estaria capacitada a acabar com a própria vida antes de ser forçada a sofrer as indignidades perpetradas pelos criminosos nazistas. Aquela estava longe de ser uma noite de núpcias feliz.

A boa sorte, porém, não atravessou os muros do gueto de Novogrudek na primavera de 1942. Os judeus que sobreviveram ao massacre de 8 de dezembro foram espremidos em minúsculos compartimentos em Pereshika, nos arredores da cidade, com cerca de vinte pessoas vivendo em um só cômodo. O número de residentes crescia sem parar, à medida que judeus de aldeias e cidades das cercanias eram transferidos para o gueto. Os novos moradores, alguns milhares, foram obrigados a encontrar abrigo em porões e sótãos, em galpões e estábulos.

Toda manhã a população era conduzida ou para o tribunalonde sapateiros, alfaiates, peleteiros e outros artesãos labutavam

- ou para as casernas perto de Skridlevo, onde o grupo de trabalhadores braçais se reunia antes de ser despachado para os locais de trabalho distribuídos pela área. Os operários das casernas tinham de suportar um nazista pavoroso, que eles chamavam de Hazza por ele se assemelhar a um cachorro com esse nome que costumava vagar pelas ruas da cidade antes da guerra. Ele seguia os trabalhadores montado num cavalo, golpeando os mais lentos com um chicote com chumbo na extremidade. Sua presença apavorava tanto os operários que a produção aumentava consideravelmente quando ele estava de serviço.

Reuter, o Judenreferent nazista, reunia periodicamente todo mundo para falar sobre a importância de aumentar a produtividade. Dizia aos judeus que sua diminuta ração de pão seria aumentada se eles mostrassem mais dedicação ao trabalho.

Mesmo que isso fosse verdade, as migalhas adicionais de ali84

mento não teriam surtido muito efeito. As pessoas já estavam morrendo de fome e, todo dia, corpos eram sepultados num campo nas proximidades. Alguns se tornaram hábeis em contrabandear comida, muitas vezes obtida por permuta com os gentios, através dos portões fortemente vigiados do gueto. Mas raramente alguém conseguia o bastante para comer.

Um vislumbre de esperança adveio de rumores sobre o guerrilheiro Gromov, que havia sido de muita valia para os irmãos. Dizia-se que ele se esgueirava pela cidade, visitava um barbeiro para um rápido escanhoar e, então, bradava que o Exército Vermelho logo chegaria para derrotar os fascistas alemães. ”Digam a todos os cidadãos que Gromov está aqui!”, ele clamava. Nazistas furiosos procuravam-no por toda a cidade, mas sempre em vão ou assim diziam as histórias.

Estimulados por esses rumores, jovens conspiravam para unir-se às guerrilhas. Um grupo de dez, com armas pacientemente montadas com peças sobressalentes, conseguiu sair dos limites do gueto. Eles viajaram trinta quilômetros através dos campos, cruzando o braço oriental do rio Neman, e entraram na imensa Puscha Naliboki, que, dizia-se, era território dos guerrilheiros. Pouco depois, chegou a notícia de que os homens haviam sido mortos numa emboscada alemã. Circulavam também boatos de que os guerrilheiros soviéticos se opunham à admissão de judeus em seus grupos e que os fuzilariam, temendo que fossem espiões alemães.

O Judenrat, o conselho judaico que era obrigado a supervisionar o gueto para os nazistas, fazia o que podia para evitar as fugas. Ameaçados pelos alemães de que toda a população seria executada caso um único judeu escapasse, os membros do conselho confiscavam os

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calçados de todos os que eles suspeitavam de estar planejando uma fuga para as florestas. Às vezes, detinham um possível guerrilheiro por uma ou duas noites. Mas suas ações em nada se comâ*

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paravam às punições impostas pelos alemães. Uma jovem atraente que havia sido capturada tentando fugir com um gentio foi enforcada em uma árvore e teve o corpo mutilado pelos soldados, num aviso brutal a todos que buscassem a liberdade.

À medida que os meses decorriam, muitos residentes do gueto pressentiram que os alemães planejavam um novo massacre. Alguns acreditavam que, se obedecessem às ordens, seriam poupados. Outros tentavam inventar esconderijos para, de alguma forma, se ocultarem no dia que os alemães chegassem com seus caminhões.

Em Lida, onde a população judaica estava confinada em três bairros separados, os horrores também aumentaram nos primeiros meses de 1942.

Em fins de fevereiro, o Judenreferent Leopold Windisch, conhecido por atirar em judeus que descobrisse escondendo mesmo algo tão insignificante quanto um pouco de manteiga, recebeu uma oportunidade ainda maior de aterrorizar os judeus sob sua jurisdição. Ele foi informado de que um pequeno grupo do gueto tinha roubado um sacerdote cristão ortodoxo. Confrontou então a liderança do Judenrat e exigiu que lhe entregassem os ladrões. Depois de debater a decisão, o conselho apresentou seis homens.

No interrogatório, os homens negaram que houvessem participado do crime. Temendo por suas vidas-e encolerizados porque o Judenrat os delatara -, passaram a enumerar uma extensa lista das faltas do conselho judaico. Disseram aos alemães que vários judeus de Vilna se escondiam ilegalmente na cidade, depois de obter documentos de identidade forjados pelo Judenrat.

Pouco depois da aurora do dia P de março, toda a população judaica de Lida foi arrebanhada e conduzida a uma área perto da sede do RC. Os alemães fuzilavam qualquer um que resistisse, e mataram até judeus idosos e doentes, que tinham dificuldade de acompanhar a marcha. A multidão de milhares de pessoas

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permaneceu na praça por várias horas, certa de que algo pavoroso ia acontecer.

Então, todos foram instruídos a passar por um portão especialmente construído e cercado pela polícia local e pelos guardas nazistas. Um dos ladrões, parado perto do portão, apontava para as pessoas procedentes de Vilna, que eram arrancadas da fila. Alguns foram fuzilados na hora, enquanto outros trinta ou quarenta foram aprisionados na cadeia de Lida e executados em seguida.

Uma semana depois, os membros do Judenrat foram presos e um colérico Windisch presidiu a investigação sobre o papel deles no caso dos judeus de Vilna. Não havia dúvida sobre o veredicto. Pelo menos sete pessoas foram torturadas & executadas. Kalman Lichtman, que havia sido o presidente do Judenrat, teve os olhos arrancados. Seu rosto ficou de tal forma desfigurado que seus amigos só puderam identificá-lo pela roupa.

Os assassinatos abalaram a população, que considerava os líderes do Judenrat como protetores. Mas muitos agarraram-se à esperança de que, se demonstrassem ser úteis aos alemães, poderiam evitar a morte. Foi proposta a idéia de se estabelecerem oficinas ampliadas, o que, esperavam os novos membros do Judenrat, mostraria aos alemães quão engajados eles estavam no esforço de guerra. O superior de Windisch, comissário regional Hermann Hanweg, gostou da idéia quando ela lhe foi apresentada e deu autorização para que

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algumas oficinas fossem abertas.

Os líderes judeus fizeram de tudo para empregar as pessoas nas oficinas, pensando que isso salvaria suas vidas. Chegaram a mil os que acabaram trabalhando como funileiros, costureiras, encadernadores, fabricantes de brinquedos, eletricistas e carpinteiros. Mas as humilhações não cessaram. Quando veio a primavera, muitos pressentiam que mais calamidades ocorreriam. ”O chão estava queimando sob nossos pés”, contou um homem. O número de exe87

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cuções aleatórias aumentava. Pelo menos oito judeus que trabalhavam num depósito de mercadorias confiscadas foram executados sem nenhuma razão aparente.

No começo de maio, Windisch ordenou que o Judenrat preparasse uma lista de todos os judeus fisicamente sadios. Percebeuse, então, que um contingente do posto de Baranovich, juntamente com equipes de gendarmes alemães e auxiliares lituanos e letões, deslocava-se para a cidade. na noite de 7 de maio, aldeões gentios foram enviados para cavar três grandes trincheiras nas vizinhanças a nordeste da cidade, o que fizeram ampliando crateras abertas por bombas.

Nas horas que antecederam o alvorecer de 8 de maio, os comandos, em grupos de dez ou doze homens, cercaram os bairros judeus da cidade e ordenaram que todo mundo saísse para ter seus documentos examinados. Os soldados não esperaram muito para invadir as casas e impelir as pessoas para fora. Muitas foram empurradas para a rua de camisola ou pijama. Os moradores das três áreas judaicas da cidade foram conduzidos para localidades centrais, onde, como ocorrera na ação de dezembro em Novogrudek, receberam instruções de se apresentar a um alemão que estava à espera deles. Quem se atrasava era fuzilado.

Depois de falar com o alemão, os judeus recebiam ordem de se juntar à esquerda ou à direita. Artífices jovens e suas famílias eram, em geral, mandados para o grupo à esquerda, que seria poupado, enquanto praticamente todos os demais eram encaminhados para a direita, destinados às trincheiras de execução.

Windisch, auxiliado por um intérprete polonês, supervisionou parte da seleção, muitas vezes mandando trabalhadores sadios com autorização de trabalho para a direita. Chegou a censurar seu comandante, Hermann Hanweg, por permitir que muitos judeus fossem poupados. ”Eu exijo que todos os judeus sejam mandados para a direita!”, ele lhe disse.

O rabino Aron Rabinowitz perambulava exaltado, entoando a Shema Yisrael (Ouça, ó Israel!) - um sumário do credo do judaísmo recitado através dos séculos pelos mártires judeus - e bradando aos céus: ”Judeus estão sendo mortos em Seu nome!”.

As pessoas destinadas a morrer foram alinhadas e conduzidas para os limites da cidade.

Um homem fugiu do cortejo quando este se aproximava dos fossos de execução. ”Um membro da guarda correu atrás de mim e derrubou-me no chão”, ele contou mais tarde, num julgamento de crimes de guerra. ”Ele então atirou em mim várias vezes com uma metralhadora portátil... Dois tiros atingiram a parte de trás de minha cabeça. Eu permaneci deitado, coberto de sangue, e me fingi de morto. na verdade, estava tão em choque e enfraquecido que não podia me levantar. Fiquei prostrado ali, a cerca de cem metros do local de execução. No decorrer do dia, de vez em quando olhava brevemente naquela direção.

”Vi que os judeus eram obrigados a se despir a uma distância pequena de onde seriam mortos e, depois, a caminhar sobre tábuas que haviam sido colocadas sobre as covas. Eram então fuzilados por metralhadores fixas... Vi Windisch e Hanweg no local da execução. Não sei se [Rudolf] Werner estava lá ou se atirou em judeus fugitivos. Eu vi como Windisch executou uma criança que foi atirada ao ar por um lituano ou letão...”

Do total de três trincheiras, uma era reservada para crianças, muitas das quais foram arrancadas das mãos dos pais logo antes de serem mortas. Os atiradores, cerca de cem homens, principalmente lituanos e letões, bebiam durante as pausas na barragem, e testemunhas se lembram de que eles estavam visivelmente embriagados.

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Ao entardecer, por volta das cinco horas, perto de 5500 judeus tinham sido mortos, mais da metade dos aproximadamente 8 mil que viviam na cidade. Os embriagados pelotões de fuzilamento

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voltaram para Lida, onde foram providos de suprimento adicional de álcool, e a maior parte do grupo lá permaneceu até além da meia-noite.

Windisch e Werner, juntamente com seis membros do SD de Baranovich, usufruíram o que uma testemunha descreveu como ”uma reunião aconchegante” numa das dependências da sede do comissariado regional. Beberam licor até altas horas, enquanto ouviam um austríaco que tomara parte no morticínio tocar violino com, segundo relatou uma testemunha, um virtuosismo ”notável”.

No dia seguinte, os mesmos funcionários do RC e comandos de execução viajaram para a vizinha Zheludok, onde todo o processo se repetiu, com a execução de pelo menos 1100 judeus. Oitenta e dois trabalhadores especializados foram poupados. Em

10 de maio, os carrascos foram para Vasiliski e promoveram a morte de mais 1800 judeus. Cerca de duzentos judeus foram poupados. Em Voronovo, em 11 de maio, por volta de 2 mil judeus foram exterminados. ”Nós, a nobre raça alemã e nosso Führer, não descansaremos enquanto não eliminarmos vocês”, disse Windisch a um pequeno grupo de sobreviventes. ”Nesse meio-tempo, judeus, poucos escolhidos dentre vocês ainda estão vivos. Se desobedecerem a nossas leis e determinações, não restará um só vestígio de vocês.” Em 12 de maio, em Ivye, 2300 judeus foram mortos. Depois da execução, Windisch observou um destacamento judeu de enterro cobrir as fossas com oxido de cálcio (cal virgem) e terra. ”Rápido, rápido, fora com a merda judaica!”, gritou.

Quando Tuvia soube dos assassinatos em Lida, ele correu para o norte, para a casa onde sua mulher, Sônia, permanecia escondida. Encontrou um emissário gentio para levar uma carta aos membros da família Tiktin, que haviam sobrevivido ao ataque. ”Vocês devem sair daí agora, porque haverá outro massacre”, escreveu. ”Não posso garantir que não enfrentaremos privações na flo90

resta, mas pelo menos temos uma chance de viver. Saiam imediatamente.” na carta ele incluiu informações sobre o local onde ficava seu esconderijo.

Alter Tiktin ainda se mostrava relutante. Todos os judeus sobreviventes de Lida - e das quatro outras cidades em que os massacres tinham ocorrido - haviam sido arrebanhados numa única área da cidade, isolada por uma cerca de arame farpado. Porém, depois de algumas semanas de humilhação contínua, ele compreendeu que Tuvia tinha razão. Não havia futuro no gueto de Lida.

Certa noite, em junho, Alter acordou sua mulher, Regina, o enteado, Grisha, e a filha, Lilka, e lhes disse que fizessem silêncio e o seguissem para fora da casa superlotada em que estavam morando. Devagar, os quatro caminharam pelas ruas desertas do gueto até se aproximarem de uma cerca externa. Todos se deitaram, estômagos colados no chão, e rastejaram lentamente na direção dela. Temerosos de alertar os cães ferozes que periodicamente patrulhavam o perímetro, os Tiktin mal respiravam enquanto deslizavam sob a fria rede de metal.

Continuaram a rastejar até atravessar um campo e ingressar numa área arborizada. Então, seguindo as instruções, chegaram até a casa onde Sônia estava abrigada. Uma vez lá, descansaram por algum tempo, até que Tuvia conduziu todos na longa viagem de volta na direção de Stankevich. Enquanto caminhavam, Tuvia explicou-lhes que ele e seus irmãos, agora suficientemente armados, haviam levado para a floresta dezessete parentes de várias habitações camponesas. Todos estavam juntos agora.

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Viajando a maior parte da noite, Tuvia, Sônia e os quatro Tiktin chegaram a um pequeno acampamento na floresta, que os exmoradores do gueto viram com um misto de alívio e surpresa. Várias pessoas estavam sentadas em volta de uma fogueira pequena, sobre a qual havia dois frangos e uma panela de caldo. O

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parente mais velho dos Bielski, Aron Dziencielski, pai de Haya, atuava como cozinheiro.

”Toda esta comida é kosher?” brincou Tuvia, sabendo que seguramente não era.

”Ah, sim”, respondeu, rindo, o sr. Dziencielski. ”Essa é a minha incumbência.”

Depois de uma refeição agradável, os membros da incipiente comunidade da floresta participaram de uma conversa animada e aos poucos caíram no sono.

4. Junho de 1942 - Outubro de 1942

Nos primeiros dias de maio de 1942, por volta da época em que os alemães procediam à primeira execução em massa em Lida, os irmãos decidiram levar seus parentes para uma pequena floresta perto de Stankevich. Para Tuvia, Asael e Zus, era fácil. Eles tinham morado a poucos metros da floresta por toda a sua vida e haviam passado os primeiros meses da guerra dormindo em meio às árvores. Para os demais, a decisão parecia mais perigosa. Viver em celeiros de feno ou sob as tábuas do chão fora difícil, porém era nada se comparado à exposição aos elementos da natureza.

Mas os irmãos não estavam interessados em discutir o assunto ou em submetê-lo a votação. Simplesmente não havia como zelar por um grupo que vivia disperso em casas próximas ou afastadas. De posse das armas obtidas com Gromov, eles podiam proteger as mulheres e os velhos; e as brisas amenas da primavera significavam que era possível dormir ao relento sem congelar. A hora de tomar a direção das florestas era essa. ”Havia algo familiar na floresta e, na pior das hipóteses, poderíamos escapar em meio às árvores” Tuvia escreveu mais tarde. ?; ’ ; ?’:?

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Assim, eles se aventuraram num mundo de pinheiros, carvalhos e abetos, de trechos eventuais de cogumelos selvagens, de arbustos dispersos com amoras-pretas e mirtilos. Dormiam sob tendas improvisadas, feitas com cobertores presos em galhos de árvores, e postavam uma sentinela armada para proteger o frágil acampamento contra intrusos.

O desafio mais urgente era achar comida suficiente para alimentar uma comunidade que, com o acréscimo dos fugitivos de Lida, incluía agora mais de vinte membros. Antes, os camponeses abrigavam os fugitivos e os abasteciam com todo o alimento de que precisavam. Agora, a ocupação em tempo integral dos irmãos e de seu grupo armado era encontrar e armazenar víveres. A família Bielski tinha muitos aliados, amigos de antes da guerra, mas por quanto tempo poderiam contar com eles? Os camponeses haviam escutado a respeito das execuções em massa e sabiam que os alemães estavam absolutamente determinados em seus planos sobre os judeus. Se os irmãos usassem suas armas para intimidar os aldeões da vizinhança-às vezes não havia outra maneira de obter um frango ou algumas batatas -, eles se arriscariam a estimular os fazendeiros a recorrer aos alemães.

com o grupo tão vulnerável a ataques, os irmãos tentaram criar a impressão de que constituíam uma tropa numerosa e implacável de combatentes, o tipo de gente que trataria duramente qualquer um que lhe negasse suprimentos ou informasse as autoridades a seu respeito. Asael e Zus já tinham a reputação de violentos, mas os três desejavam que o nome Bielski infundisse terror nos aldeões. Sentiam que era a única maneira de conseguirem sobreviver.

Atingiram esse objetivo enviando homens desarmados em missões, equipados com bastões que, ao pálido luar, pareciam fuzis. Usavam cinturões de munição avolumados por cartuchos já usados. Cantavam hinos marciais russos a plenos pulmões, enquanto circundavam repetidamente uma aldeia. Zus, o irmão

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mais belicoso, apelava para ameaças mais explícitas. Em diversas ocasiões, levava o filho de um fazendeiro para fora da casa, afastava-se das vistas de todos, dava um tiro para cima e anunciava ao fazendeiro e a sua família: ”Matamos um filho. Agora vamos matar outro”. O homem, sucumbindo à dor, invariavelmente oferecia armas e alimento.

Aumentar a quantidade de armamento era de importância vital para a segurança do grupo, mas Tuvia sentia uma necessidade crescente de reunir mais gente. ”Tuvia compreendeu a guerra melhor do que ninguém”, disse Pinchas Boldo, um parente da família Dziencielski que fazia parte do contingente inicial. ”Todos imaginavam que se passariam apenas algumas semanas antes que ela terminasse, mas Tuvia compreendeu que a guerra poderia durar anos a fio e que teríamos mais chances de sobreviver se tivéssemos um grupo numeroso.” Asael e Zus estavam inclinados a manter a unidade pequena, mas respeitaram o instinto do irmão mais velho.

à medida que as semanas passavam, eles discutiam o recrutamento de novos membros. Desde o início das execuções em massa, os guetos estavam rodeados de cercas e guardas. Os irmãos precisavam desesperadamente encontrar alguém que pudesse levar urna mensagem aos judeus do gueto de Novogrudek, encorajando-os a fugir e a se juntar aos Bielski.

Eles então decidiram visitar um velho amigo da família, o bielo-russo Konstantin Koslovsky.

Konstantin, conhecido como Kostya ou Kostik, era um homem sossegado, pouco atraente,

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que ganhava a vida viajando pelas áreas rurais numa carroça, vendendo mercadorias baratas-alguém que mal chamava a atenção dos vizinhos enquanto exercia sua atividade. Vivia nas imediações da aldeia de Makrets, um ou dois quilômetros adiante na estrada de Stankevich, e ele e seus irmãos conheciam a família Bielski desde a infância. na verdade, os meninos Koslovsky

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haviam passado tanto tempo com seus vizinhos judeus que assimilaram um conhecimento prático da língua iídiche. Zus brincava que o amigo sabia falar a língua melhor do que ele próprio.

Os irmãos Bielski e Koslovsky não podiam ser mais diferentes em temperamento. Os Bielski valiam por mil para chamar a atenção, mesmo antes da guerra - namoravam as moças da região, tinham problemas com a polícia -, enquanto os Koslovsky contentavam-se em viver num sossegado isolamento. ”Nós éramos todos maçantes, comparados com os Bielski”, contou Irina Koslovsky, sobrinha de Konstantin. Assim, os Koslovsky eram perfeitos para as missões secretas que os Bielski tinham em mente.

na época da guerra, Konstantin e os cinco filhos - a mulher morrera de parto em 1939 - moravam numa propriedade próxima de uma casa que seus irmãos Mikhail e Alexander e as respectivas famílias compartilhavam. As construções ficavam na beira da floresta e eram suficientemente afastadas da principal estrada entre Novogrudek e Lida, de modo que não podiam ser vistas pelos veículos que passavam. Nem os vizinhos mais próximos, que viviam sobre uma colina de inclinação suave em Makrets, conseguiam avistá-las. Um quarto irmão trabalhava para a polícia local, aliada dos nazistas, em Novogrudek.

Konstantin rejubilou-se ao ver os Bielski e logo ofereceu a todos um copo de samogonka, a vodca de fabricação caseira que é a Coca-Cola do meio rural bielo-russo.

”Meu coração me dizia que vocês viriam”, disse Konstantin em iídiche.

Ele então relatou as histórias que tinha ouvido sobre os irmãos. ”Dizem que vocês estão assaltando as pessoas e que sua irmã Taibe Dziencielski e as mulheres estão tomando parte em tudo isso.” Konstatin contou que, de acordo com seu irmão Ivan, os alemães também tinham ouvido rumores a respeito - e que eles estavam tentando recrutar pessoas para capturar os bandidos judeus.

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Sempre precavido, mesmo quando se tratava dos amigos, Tuvia duvidou em voz alta da lealdade de Konstantin. ”Como you

saber que você não está do lado dos alemães?”, perguntou. Konstatin respondeu solenemente, contando tudo o que acontecera aos judeus no último ano. Lágrimas surgiram em seus olhos diante de sua impotência para fazer cessar as execuções. ”Minha relação com sua família não mudou”, ele disse. ”E farei o que puder para ajudá-lo.”

”E Ivan?”, perguntou Tuvia. ”Ele não está trabalhando para os nazistas?”

Konstantin disse-lhe que Ivan havia desenvolvido uma aversão aos invasores e que poderia voluntariamente ajudar os irmãos na procura de armas e suprimentos.

Tranqüilizado, Tuvia pediu que Konstantin fizesse chegar uma mensagem a seu primo Yehuda Bielski, que estava preso no gueto de Novogrudek. Pegou uma folha de papel e escreveu às pressas uma carta, que confiou ao velho amigo.

Caro Yehuda,

Estamos escondidos na floresta e não tencionamos nos submeter aosalemães. Tragasua mulher e alguns homens e realizaremos alguma coisa juntos. Por favor, não hesite. Espero vê-lo logo na floresta.

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Seu primo, Tuvia

Mas teriam os irmãos agido com rapidez suficiente? Os alemães de Novogrudek planejavam a segunda execução em massa para o princípio de agosto de 1942. Muitos moradores do gueto vinham pressagiando a tragédia por todo o verão, pois os assassinos das ss e seus aliados tinham perpetrado matanças em larga escala na região. Como sempre, os sinais reveladores aumentavam a cada dia.

Nos primeiros dias de agosto, os alemães executaram de surpresa todo o Judenrat, composto de doze membros.

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Depois, em 6 de agosto, os funcionários nazistas escoltaram cerca de uma centena de judeus do gueto para o conjunto do tribunal, onde eles eram utilizados em várias oficinas de atividades especializadas. Outros cem foram levados do gueto para uma localidade ao sul da cidade, a caserna militar, onde se reuniam habitualmente toda manhã, antes de serem designados para suas tarefas.

Alguns milhares de judeus permaneceram no gueto.

Nessa noite, os judeus levados ao tribunal e ao quartel não foram autorizados a voltar para o gueto, como normalmente acontecia depois de um dia de trabalho. Isso só fez aumentar o pânico da enorme população trancada no gueto. Muitos tentaram fugir e talvez umas 150 pessoas, entre elas um número grande de crianças, escaparam através das cercas e foram sorrateiramente para o tribunal. Todos acreditavam que seus ocupantes tinham maior probabilidade de sobreviver. Os pais se alvoroçaram para encontrar um esconderijo para os filhos dentro do complexo de prédios, temendo que os alemães os considerassem inúteis e, portanto, sacrificáveis.

No dia seguinte, às quatro da manhã, os comandos nazistas e seus colaboradores reuniram na rua todos os que moravam no gueto. ”Deitem-se!”, um dos alemães berrou. Durante várias horas, todos ficaram estirados, com o rosto voltado para o chão. Os soldados andavam em meio ao ajuntamento, escolhendo alguém aqui e ali para uma execução aleatória.

Então a multidão foi embarcada em caminhões e levada para uma aldeia pequena, logo ao norte da cidade de Litovka. Diferentemente do massacre de 8 de dezembro, os alemães não se preocuparam em tentar disfarçar seu crime conduzindo os veículos floresta adentro. Os fossos de execução tinham sido cavados a não mais de poucos metros da estrada. Da mesma maneira que nos massacres anteriores, os judeus foram retirados dos caminhões, obrigados a se alinhar em frente às trincheiras e, então, fuzilados.

No fim do dia, cerca de 3 mil judeus - as estimativas variam de l a 5 mil - haviam sido mortos, e seus corpos, cobertos com camadas de agentes químicos como cal virgem e enormes quantidades de areia.

Depois, os comandos chegaram em grande número ao tribunal e começaram a procurar as crianças. ”Eles pegaram minha irmãzinha”, contou Lea Berkovsky. ”Eu quis correr atrás dela, mas minha mãe me disse: ’Não faça nada. Eles estão apenas levando as crianças para o gueto’.”

Um grupo de auxiliares vasculhou a propriedade, selvagemente jogando para o andar de baixo as crianças que encontravam. Quando um dos incumbidos da busca tinha dificuldade de abrir uma fechadura enferrujada no porão, ordenava que um faztudo judeu, Shmuel Oppenheim, se encarregasse do trabalho por ele. Depois de manusear a fechadura, Oppenheim sacudia a cabeça. ”Está enferrujada demais”, dizia. ”Impossível abrir.” O soldado seguia adiante e Oppenheim dava um suspiro de alívio. Atrás da porta, como ele sabia muito bem, havia várias crianças.

No dia seguinte, os sobreviventes, cerca de 1200, divididos igualmente nos dois grupos do tribunal e da caserna, receberam ordem de retomar o trabalho. Chegada a noite, os trabalhadores do tribunal foram instruídos a permanecer no conjunto, agora cercado de arame farpado e vigiado por guardas extras. O local havia se tornado o segundo gueto de Novogrudek.

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Os trabalhadores não qualificados, depois de alguns dias vivendo na caserna, foram conduzidos ao gueto original no bairro de Pereshika, agora um lugar vazio. As casas foram revistadas, e suas janelas e portas abertas. As ruas estavam cheias de roupas ensangüentadas; guardas alemães cutucavam os despejos. O Judenreferent nazista Reuter permaneceu à entrada do gueto e ordenou aos trabalhadores que se reunissem numa área central. ”Deste momento em diante”, disse, ”não há mais uma comunidade

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judaica aqui. Temos um campo de trabalho aqui, e os que trabalharem bem continuarão a viver. Mas qualquer atividade ilegal significará morte instantânea.”

Depois do segundo grande massacre, alguns judeus, sobretudo os trabalhadores especializados do gueto do tribunal, artífices talentosos dos quais os alemães precisavam em seu esforço de guerra, acharam que estavam a salvo de males posteriores. Muitos dos trabalhadores não qualificados do primeiro gueto em Pereshika sentiam-se bem mais inseguros. Temiam que fosse apenas uma questão de tempo até todos estarem mortos.

Dias depois do massacre de 7 de agosto, Konstantin Koslovsky chegou a Novogrudek e entregou a carta de Tuvia a Yehuda Bielski no gueto de Pereshika, encorajando-o a fugir logo que possível e caminhar até o marco do quilômetro doze na estrada para Lida. Deveria então virar à esquerda fora da estrada e na direção da floresta, onde, depois de uma pequena distância, encontraria a casa de Konstantin. Novas instruções o esperavam quando chegasse.

Yehuda, filho de um dos irmãos de David Bielski, já vinha pensando em partir. Ele ouvira, de trabalhadores judeus transferidos da pequena cidade de Dzatlavo para Novogrudek, que havia grupos de guerrilheiros judeus em operação na Puscha Lipichanska, uma floresta muitos quilômetros a oeste. Considerou a idéia de fazer a viagem, mas desencorajou-se ao saber que alguns fugitivos do gueto com igual propósito haviam sido mortos por guerrilheiros russos anti-semitas no decorrer da jornada.

Mas, quando Yehuda recebeu o bilhete do primo, não pensou duas vezes. Reuniu um grupo de amigos (e também sua mulher, Ida) e pôs em discussão a idéia de se dirigirem para o refúgio dos irmãos Bielski. Um deles, um ex-barbeiro de 24 anos chamado Pesach Friedberg, externou as preocupações que atormentavam todos os que pensavam em escapar. Como lidar com a polícia judia, cujos guardas continuavam a impedir as fugas? E se a fuga

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resultasse em morte para os que permanecessem ali? Valeria a pena o risco?

Por outro lado, os recentes massacres em Novogrudek tinham causado a morte de mais de 7 mil judeus. A maioria dos remanescentes, sobretudo os que viviam no gueto dos trabalhadores não especializados, estavam claramente destinados aos fossos de execução. Vamos morrer de qualquer jeito, concluiu Pesach; por que não morrermos da nossa própria maneira? O grupo decidiu partir para a floresta numa noite de meados de agosto.

Nos dias que se seguiram, Pesach estudou os movimentos dos guardas do gueto. Ele observou como os colaboradores bielo-russos e poloneses caminhavam ao redor do perímetro do pequeno gueto uma vez em cada poucos minutos, deixando áreas desguarnecidas por curtos intervalos de tempo. Viu também como os poucos guardas alemães ficavam perto da entrada do gueto e raramente faziam inspeções minuciosas de seu perímetro.

Assim, numa noite escura, depois que os guardas tinham feito sua passagem regular, um grupo de oito ou nove quebrou três tábuas na cerca e rastejou através de uma grande abertura. De repente, eles perceberam que um dos guardas havia se virado e estava voltando na direção deles ao longo do lado externo da cerca. Os fugitivos se imobilizaram na escuridão. No último momento, o guarda se virou de costas e voltou a caminhar com seus companheiros.

”Um milagre”, disse Pesach mais tarde.

O grupo rastejou através de um campo aberto e alcançou uma pequena área arborizada, de

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onde começou a caminhar para a casa de Koslovsky, passando por trilhas secundárias durante quase toda a jornada. Como às vezes se perdiam, a viagem levou a maior parte da noite. Quando finalmente chegaram, Yehuda caminhou até a casa de Koslovsky, enquanto os demais se ocultavam nos bosques próximos. ; rã:-”1,-»>,;. í - ’’

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Konstantin saudou efusivamente o fatigado viajante e disselhe que ele acabara de se desencontrar dos irmãos Bielski. ”Mas não se preocupe. Eles vêm com freqüência. Logo estarão aqui.”

Quando Yehuda contou ao bielo-russo sobre os companheiros escondidos nas vizinhanças, Konstantin ofereceu uma lata de leite e pão para o grupo.

Yehuda voltou para os bosques e colocou o alimento no chão. Não era muito, mas teve o gosto de um lauto banquete. Eles conversaram a noite inteira, imaginando a vida nova que estavam iniciando.

na manhã seguinte, um dos fugitivos acordou em pânico. ”Depressa, levantem-se”, gritou. ”Os operários estão esperando, é hora de ir!” O grupo, sonolento, caiu na gargalhada. ”Agora não há mais destacamentos de trabalho”, Yehuda disse com um sorriso. ”Não há mais alemães e não há mais gueto. Estamos na floresta!” Mas, enquanto esfregavam os olhos para espantar o sono, podiam ouvir o ruído das carroças dos camponeses passando na estrada próxima. Os alemães usam esta mesma estrada, Yehuda pensou. Podemos ter escapado do gueto, mas não estamos seguros.

Pouco tempo depois, o som de alguém se aproximando pelo bosque fez com que todos prendessem a respiração. Era Konstantin, que trazia um desjejum de samogonka, pão e salsicha. Ao ir embora, ele aconselhou vigilância. ”Sejam cuidadosos”, disse. ”A floresta tem ouvidos.”

na pequena área enflorestada perto da casa de Konstantin, os homens esperaram pelos irmãos Bielski. Eles observaram veículos alemães passando pela estrada durante o dia e, de vez em quando, disparando armas automáticas nos bosques. Notaram como as noites eram silenciosas, quando poucas patrulhas se aventuravam nos campos ermos. Começaram a ficar cada vez mais inquietos.

>•’ Poucos dias depois, os irmãos Bielski afinal chegaram à casa de Koslovsky. Eles guiaram os novos recrutas através dos bosques

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por diversos quilômetros, para um acampamento recente logo ao sul da aldeia de Butskevich. A chegada deles assinalou uma nova fase no desenvolvimento da organização dos Bielski: ela agora incluía judeus que não eram parentes próximos.

Tuvia, Asael e Zus se defrontaram então com um novo dilema: quantos judeus mais eles poderiam e estariam dispostos a aceitar? Sabiam que, se um número muito grande de pessoas se deslocasse do gueto para a floresta, a possibilidade de serem descobertos aumentaria consideravelmente. Os alemães simplesmente seguiriam os judeus pela floresta até o local da base (ou a casa de Koslovsky). A probabilidade de que isso acontecesse aumentava pelo fato de quase todos os habitantes do gueto não estarem familiarizados com áreas rurais.

Eles também sabiam que, se um número elevado de fugitivos chegasse à floresta, uma responsabilidade maior seria atribuída aos combatentes, que ficariam com o encargo de encontrar mais alimentos. Obter mais alimento significava enfrentar situações mais perigosas e lidar com um círculo maior de gentios. Ou seja, as chances de o acampamento ser descoberto aumentariam.

Os irmãos tinham uma decisão importante a tomar.

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Inicialmente, Asael e Zus achavam que apenas jovens cornbatentes judeus - e poucos-deveriam ser admitidos no grupo. Ambos estavam ansiosos para lutar contra os assassinos nazistas, cujos crimes contra sua família e seu povo os encolerizavam profundamente. Pensavam que seria mais sensato operar de maneira semelhante aos céleres bandos soviéticos que surgiam na região: golpear rápido e ocultar-se num pequeno esconderijo na floresta.

Tuvia balançou a cabeça. ”Sim”, disse, ”nós devemos infligir danos aos que se dedicam a nos matar. Mas não podemos mandar embora os judeus que nos procurarem em busca de abrigo.”

Além disso, Tuvia acreditava que permitir aos judeus ingres103

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sar no acampamento não era suficiente. Desde os massacres de Lida e das cidades próximas e dos dois massacres em Novogrudek, ele sabia que os alemães não tinham intenções de poupar nenhum deles. (A conversa sobre ”judeus úteis” era parte das ”artimanhas sanguinárias alemãs”, ele escreveria mais tarde.)

Logo após a chegada dos novos membros, uma reunião foi realizada para discutir a expansão do grupo. Depois que todos estavam reunidos, Yehuda Bielski se levantou para falar.

”Meus queridos, não viemos para a floresta para comer, beber e nos divertir”, disse. ”Viemos para cá, cada um de nós, para salvar nossa vida.” Ele então delineou um plano simples, que agradou a todos: o objetivo era encontrar mais armas e se lançar contra os invasores. ”Devemos pensar apenas em uma coisa importante: vingança, e mais vingança, contra os assassinos.”

”Devemos escolher um comandante e dar um nome a nossa unidade”, ele continuou. ”Para o posto de comandante, indico meu primo Tuvia Bielski.”

Tuvia levantou-se - alto, ombros largos, claramente preparado para assumir a autoridade que lhe era conferida - e iniciou um discurso inflamado sobre a necessidade de salvar judeus.

”Não podemos simplesmente nos esconder”, disse. ”Devemos fazer alguma coisa por nosso povo. Não podemos nos sentar entre os arbustos e esperar até que o lobo nos alcance. Devemos mandar gente ao gueto para salvar judeus.”

”Você enlouqueceu”, disse Aron Dziencielski, um dos mais velhos presentes. ”Já somos mais de vinte e não resta quase nada para comer. Como faremos se houver mais gente?”

Tuvia não estava interessado em discutir a questão. Quando Asael e Zus, tão teimosos quanto o irmão mais velho, manifestaram sua aceitação do plano, este adquiriu força de lei.

Ainda assim, houve murmúrios de reprovação. * > :

”Perdemos nossas mulheres e filhos, e vocês queremque vol104

temos ao gueto para resgatar estranhos?” perguntou um dos recém-chegados.

Pesach Friedberg, inspirado pelas palavras de Tuvia, não esperou pela resposta dele. ”Que vergonha ter escolhido alguém como você para vir para a floresta”, lamentou. ”Eu tencionava chamar para a floresta um tipo de gente que entendesse por que foi escolhida. Tuvia, sua proposta é de irmos ao gueto, e eu serei o primeiro a cumpri-la!”

Tuvia recusou a sugestão de Pesach. ”Os primeiros a ir serão aqueles que se recusaram”, disse. ”E, se não o fizerem, não terão lugar aqui. Não os queremos conosco. Se não têm nenhum born senso, isso os ensinará a tê-lo.”

Em seguida, Tuvia expôs suas regras de governo. com base em sua experiência no Exército polonês, declarou que o grupo se organizaria como uma unidade militar. Para sobreviver, a unidade deveria operar como uma entidade única, integrada. Todos teriam que obedecer às ordens, concordassem ou não com elas. Ele não tinha paciência com dissidentes.

”Todos devem dizer’Nós faremos e ouviremos’”, ele disse, reproduzindo uma frase do Êxodo, enunciada pelos filhos de Israel depois que Moisés apresentou as palavras e os mandamentos de Deus. Ele sentia claramente a unidade, que com seu novo objetivo de salvar judeus o grupo agiria segundo os elevados princípios de seu povo.

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Se alguém podia convencer o bando exausto a seguir um plano tão arriscado, esse alguém era Tuvia Bielski. Ele transmitia um ar de destemer que, aliado ao apoio dos altivos irmãos, ajudava praticamente todo mundo a confiar, instintivamente, em sua capacidade de comando. Mas ele era mais que um simples guerreiro. Sua convicção entusiasmada a respeito de seus pontos de vista era temperada por seu jeito afetivo, pela habilidade de deixar as pessoas à vontade, de tranqüilizá-las durante os momentos de provação. . .= • > ,,..- ; ...... -.-..,.. . . . ....

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Seu poder de persuasão era, além disso, acentuado por seu vínculo quase místico com o povo judeu. Ele não se envergonhava de dizer que sentia que a mão de Deus dirigia as ações dos irmãos Bielski.

Tinha uma personalidade cheia de contradições. Depois de criticar de forma rude os que ousavam contradizê-lo, Tuvia chorava abertamente na frente dos mesmos homens, enquanto falava da perversidade dos assassinos nazistas. Conseguia ser cruel e terno, carismático e profano, inteligente e impetuoso. Acima de tudo, era arrojado e absolutamente determinado.

Pesach Friedberg apoiou Yehuda Bielski na indicação de Tuvia como comandante do grupo. Todos votaram erguendo as mãos, e a indicação foi unanimemente aprovada. Zus e Asael concordaram, como Zus diria mais tarde, porque haviam sido ensinados a respeitar o irmão mais velho, mas era visivelmente óbvio para todos que Tuvia, então com 36 anos, era o líder natural entre os irmãos.

Asael, com 34 anos, foi nomeado o segundo no comando, e Zus, com trinta e terceiro na hierarquia, foi designado para supervisionar o serviço de inteligência. A Pesach Friedberg foi atribuído o posto de chefe do estado-maior, responsável por organizar os combatentes e prepará-los para as missões.

Tuvia sugeriu que a unidade recebesse o nome do marechal Georgi Zhukov, que ele sabia, pelo noticiário do rádio, ser o supremo comandante militar de Stalin. Sem nenhum contato oficial com qualquer organização guerrilheira, os irmãos não se consideravam membros do crescente movimento de guerrilheiros soviéticos, mas reconheciam, na oposição dos comunistas aos nazistas, as possibilidades de uma aliança que poderia se mostrar útil mais adiante. Os irmãos nunca tiveram real simpatia pelos ensinamentos do Partido Comunista ou pela existência da União Soviética. Foi uma contingência da guerra que os fez se passar por membros dedicados do

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Estado, o que, naturalmente, eles voluntariamente faziam num tempo em que este combatia um inimigo tão feroz do povo judeu. Embora se dedicasse agora a salvar judeus, para todos os efeitos o grupo lutava pela vitória da pátria russa sobre os invasores fascistas, como diziam as mensagens da propaganda.

E foi assim que começou.

Homens do grupo chefiado por Yehuda Bielski e Pesach Friedberg foram enviados a Novogrudek para trazer pessoas para a floresta. No gueto dos operários não especializados já haviam se alastrado rumores - as notícias sempre corriam rápido nos guetos - sobre o abrigo que podia ser encontrado com os irmãos Bielski, de Stankevich. Todo mundo comentava a fuga do primo dos irmãos e muitos estavam ansiosos para seguir o mesmo caminho. Também tinham ouvido falar de Konstantin Koslovsky, cuja casa, dizia-se, estava servindo de base para os que iam partir para a floresta.

Discutia-se acaloradamente sobre os riscos de uma fuga. com um destino claro agora em mente, muitos estavam ansiosos por tentar. No gueto dos trabalhadores não qualificados, os fugitivos tinham apenas que passar por uma única cerca de madeira e evitar os guardas bielo-russos e poloneses.

Pais antes relutantes incitavam os filhos a partir, e alguns membros do Judenrat se prestavam

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agora a ajudar furtivamente os fugitivos. Outros se desencorajavam por causa de rumores de que os irmãos Bielski recusavam abrigo a quem não fosse parente deles ou que relutasse em lhes dar dinheiro.

Mas em fins de agosto de 1942 o êxodo começou. Dois cornbatentes dos Bielski se introduziram no gueto e abordaram Sônia Boldo, uma moça de vinte anos, aparentada dos Dziencielski, e se ofereceram para levá-la para a floresta. Inicialmente relutante, ela

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foi incentivada a partir por seus pais. ”Você tem que ir”, eles disseram. ”É melhor morrer de balas alemãs na floresta do que perecer lentamente no gueto.” Achando que mais tarde poderia ir buscar os pais, ela decidiu fazer a viagem.

Sônia exortou sua amiga Lea Berkovsky, de dezoito anos, a acompanhá-la. A idéia a aterrorizou e ela recusou.

”Não posso fazer isso. Não sem meus pais”, disse Lea. ”Vá você.”

”Eu também tenho medo, mas é nossa única chance.” Quando os pais de Lea souberam do plano, insistiram para que a filha fizesse a viagem, a fim de se salvar. Sua mãe costurou dinheiro nos ombros de seu casaco. ”Este casaco a cobrirá”, disse. ”Você dormirá com ele, e ele a manterá aquecida.”

No dia da fuga, o pai de Sônia deu uma garrafa de bebida aos guardas do gueto, e eles se embebedaram tanto que descuidaram de suas obrigações. Nessa noite, Lea, Sônia, os dois guerrilheiros e alguns outros atravessaram a cerca, desviaram-se dos guardas alcoolizados e começaram a caminhada de doze quilômetros em meio aos campos, rumo ao acampamento dos Bielski na floresta de Butskevich.

Antes de entrar na floresta, os guerrilheiros assobiaram três vezes, um sinal para o guarda do perímetro.

Sônia Boldo e Lea Berkovsky caminharam até o acampamento e ficaram atônitas com o que viram. Havia uma fogueira e os homens perambulavam por ali portando armas de fogo. Mas os alemães estavam tão perto! Como aquilo era possível?

”Eu estava muito amedrontada para olhar para eles”, contou Sônia Boldo mais tarde. ”Não estava acostumada com aquele tipo de gente. Eles viviam na floresta havia meses e pareciam rudes e desgrenhados. Não pareciam citadinos para nós.”

Ela conversou com Haya Dziencielski, uma amiga de antes da guerra. Haya, agitada, contou-lhe que estava noiva - na verdade,

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casada - do encorpado Asael Bielski, um dos comandantes do grupo. Sônia, que não era conhecida pela sutileza, perguntou: ”Não há outro comandante para mim?”.

De fato, havia. Zus, que perdera a mulher e a filha ainda bebê no massacre de dezembro, era o único irmão solteiro, embora não fosse, de modo algum, tímido com as mulheres. Mas quando Sônia bateu os olhos no vigoroso homem com pistolas na cintura e álcool no hálito, ela vacilou. Era uma menina rica, mimada, que havia freqüentado as melhores escolas e sonhava em se matricular numa universidade em Paris, cidade que visitara duas vezes antes da guerra. Enquanto encarava aquela imagem de masculinidade rústica, ela sentiu ruírem seus sonhos de freqüentar os cafés da Europa.

”Quer um pouco de vodca?” Zus perguntou.”Sim”, ela respondeu, hesitante, pois nunca havia provado álcool.”Quer alguma outra coisa?”, ele indagou, i”Não, apenas descansar.” :. /.. /•...Zus tirou seu casaco e o pôs sobre a moça, que rapidamente adormeceu.

Nos dias subseqüentes, Zus a perseguiu, perguntando-lhe várias vezes se ela se tornaria sua

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namorada. Sônia resistia. ”Pensei

comigo: ’Como posso ligar-me a esse homem? Eu não o conheço e não o amo’.”

Além disso, era difícil para ela pensar no próprio prazer enquanto seus pais ainda se encontravam prisioneiros do gueto. Sônia decidiu fazer um acordo com Zus: ”Tire meus pais do gueto e eu concordarei em ficar com você”.

Depois que as fugas começaram, não foi fácil contê-las. Cada vez mais pessoas do gueto dos trabalhadores não especializados de

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Novogrudek chegavam ao acampamento, no fim de agosto e princípio de setembro.

Alguns encontraram por si mesmos o caminho na floresta. Um jovem chamado Michael Lebowitz, que abandonara Novogrudek com seus três irmãos e mais quatro homens, rumou para a casa de um conhecido da época anterior à guerra. Perguntou se havia alguma notícia sobre os Bielski e foi informado de que eles tinham estado na aldeia dias antes.

Outro camponês se ofereceu então para levá-los até perto do acampamento judeu. Não confiando nele completamente, Lebowitz puxou sua arma e a encostou nas costas do homem enquanto caminhavam. ”Nós não confiamos em ninguém”, explicou.

Depois de terem avançado um quilômetro no interior dos bosques, o camponês sacou uma pistola e sinalizou com um tiro para o ar. Logo após, um segundo tiro foi ouvido a certa distância.

”Ali”, disse o camponês, apontando através das árvores. ”Vocês vêem a pequena fogueira? Eles estão lá.”

Outro jovem de Novogrudek, Ike Bernstein, chegou à casa de Konstantin Koslovsky, embora não tivesse noção de como encontrá-la. Ele transpôs discretamente a cerca do gueto tarde da noite e passou a madrugada inteira vagando com dois companheiros. Quando deram com a casa, o bondoso bielo-russo os saudou com um sorriso. ”Vocês têm sorte”, disse. ”Vocês irão viver.”

Ele ofereceu-lhes um esconderijo em seu celeiro de feno, onde os três mal dormiram, após as tensões da fuga. No dia seguinte, Koslovsky preparou um banho para seus hóspedes e serviu-lhes uma refeição de pão e batatas. À noite, quatro homens armados do acampamento dos Bielski chegaram e os sete viajaram para a base na floresta.

Uma moça de vinte anos, Raya Kaplinski, que mesmo escondida em sua casa não conseguira evitar a captura em dezembro de

1941, decidiu abandonar o gueto de Novogrudek depois de rece110

ber um convite por carta de um guerrilheiro Bielski. Mas, na hora em que seu grupo de onze amigos estava pronto para partir, os guardas aumentaram a vigilância sobre as cercas do gueto. Ainda assim, eles decidiram arriscar. Passaram por um buraco na cerca, mas foram vistos por vários policiais locais e alemães que estavam sentados numa colina distante. Os soldados atiraram. Os fugitivos cruzaram um campo aberto, sãos e salvos.

Finalmente, chegaram à propriedade dos Koslovsky, onde por acaso estavam Pesach Friedberg e o jovem Aron Bielski, que os acolheram.

”Amigos, não temam” Friedberg disse. ”Vocês agora estão livres, ninguém os perseguirá aqui.”

No caminho para o acampamento da floresta, um cão latiu alto, fazendo os fugitivos agacharem-se, com medo. Os guerrilheiros Bielski riram. ”Eles não podem fazer nada a vocês agora”, disseram.

Durante essas poucas semanas extraordinárias, o tamanho do grupo mais que dobrou. Entre os fugitivos, encontravam-se os pais de Sônia Boldo. Zus havia cumprido sua promessa à mulher que agora era sua namorada - e que afinal tornou-se sua esposa.

Muitos reclusos do gueto, porém, não demonstravam interesse em sair. Alguns haviam

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perdido pessoas queridas nos massacres e se sentiam tão transtornados que não viam muita razão para viver. ”Para que ir embora do gueto?”, disse um homem que perdera a filha. ”Se vamos morrer em breve, por que não morrer logo aqui?” Outros temiam passar o inverno na floresta. Para alguns, a decisão ficou nas mãos dos alemães. Eles reforçaram a segurança depois que o grupo Kaplinski escapou, o que reduziu o número de fugitivos.

A admiração pelos Bielski não era unânime. Em fins de agosto, contatos gentios dos irmãos os preveniram da agitação de um grupo de russos, causada por relatos de

vá.

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que membros da unidade dos Bielski estavam roubando os camponeses.

Era inevitável que histórias como essas surgissem. Tuvia recomendara prudência a seus homens, para evitar um antagonismo excessivo com um grupo de pessoas das quais eles dependiam. As regras eram simples. Tomar só o que fosse necessário para sobreviver e deixar o resto. Mas, como judeus, eles sabiam que qualquer coisa que fizessem seria julgada de maneira diferente, quando comparada com o mesmo procedimento dos gentios. Um camponês zangado, encolerizado pela idéia de ceder seu alimento a um bando de judeus, seguramente se queixaria dos ”ladrões”. (Alguns integrantes do movimento guerrilheiro admitiram isso. Num documento datado de 11 de novembro de 1942, uma autoridade soviética observou que a ”população daqui [oeste de Novogrudek] não gosta dos judeus. Eles os chamam de Yids. Se um judeu chega a uma casa e pede comida, o camponês diz que foi roubado pelos judeus. Quando um russo acompanha um judeu, tudo corre facilmente”.)

O que se dizia era que esses guerrilheiros queriam a eliminação do grupo judeu. A primeira ameaça séria à existência da unidade não veio dos camponeses ou dos alemães, mas de guerrilheiros que lutavam do mesmo lado dos Bielski. Os irmãos sentiram que não podiam se arriscar a uma confrontação violenta com os guerrilheiros, presumivelmente bem armados. Depois de deliberar entre si, decidiram argumentar com eles.

Emissários foram enviados, o contato se fez e uma reunião foi marcada. Bem armados, os irmãos se aventuraram não sem alguma hesitação, temendo a possibilidade de um enfrentamento.

Depois de chegarem à fazenda onde ocorreria o encontro, foram apresentados a um jovem russo chamado Viktor Panchenkov.

A poucos meses de seu aniversário de 21 anos, Viktor era consideravelmente mais jovem do que os três irmãos Bielski. Mesmo

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assim, tinha muita experiência militar. Formado numa academia militar, ele servira durante a invasão da Finlândia pelo Exército Vermelho em 1940. Fora então promovido a tenente e posto no comando de um batalhão de metralhadoras, localizado na fronteira ocidental da União Soviética. Sua unidade foi devastada quando da invasão dos nazistas em junho de 1941, embora os membros sobreviventes tivessem continuado a lutar por vários dias. Ele então fugiu para a área de Novogrudek, longe de sua cidade natal, na região de Smolensk, a leste, e se disfarçou de trabalhador rural.

Após o inverno de 1941-42, Viktor se juntou a outros soldados dispersos e pessoas do lugar, e formou uma unidade guerrilheira. Em abril, o grupo somava trinta homens. Como os irmãos Bielski, os guerrilheiros florescentes estabeleceram uma hierarquia de comando e adotaram um nome para a unidade. Viktor foi eleito comandante, e o grupo recebeu o nome de Unidade n- 96.

O jovem sério era também muito bonito e as mulheres da região estavam sempre atrás dele. Mesmo passado meio século, algumas mulheres proclamavam com orgulho terem sido sua namorada durante a guerra.

Ao vê-lo, porém, Tuvia não sentiu o mesmo efeito inebriante. Rodeado por diversos guardas armados, Viktor parecia preparado para um confronto.

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”Por que a população local chama sua gente de uma quadrilha judia?”, Viktor perguntou, indo direto ao assunto. ”Por que vocês pilham?”

Tuvia respondeu que ele não era líder de uma ”quadrilha judia”, mas comandante do grupo guerrilheiro Marechal Zhukov. ”Como cidadãos soviéticos, vocês deveriam saber que a pátria precisa de nós para lutar o combate comum contra os fascistas alemães”, explicou. ”A pátria não faz distinção entre judeus e não-judeus, mas apenas entre cidadãos leais e a canalha que cria distúrbios.”M3

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Não era uma posição imprudente de assumir perante Viktor, que, sob qualquer avaliação, era um comunista leal, um integral observador das ordens do partido. Ele crescera numa região controlada pelos soviéticos desde 1917 e seu pai tinha sido dirigente de uma fazenda coletiva. Acreditava que no paraíso do proletariado o anti-semitismo seria inexistente. Ainda assim, tinha lá

suas reservas.

”Mas os camponeses insistem que vocês são ladrões”, ele disse.

Tuvia sugeriu que a única maneira de resolver a questão era investigar as acusações. Os dois então concordaram em viajar para a aldeia de onde provinham as queixas.

Várias noites depois, homens de ambos os grupos chegaram à aldeia de Negrimovo e se dirigiram à casa onde, segundo Viktor, um dos acusadores morava.

Tuvia bateu na janela e solicitou ao camponês que lhe desse um pouco de comida.

”Não tenho nada”, o homem disse. ”Os Yids me roubaram. Eles levaram tudo, até a toalha da mesa.”

Uma moça fez coro com ele, dizendo que os Yids mereciam ser mortos. ”Não agüentamos mais”, ela disse. ”Para nossos russos nós cederíamos tudo. Os alemães tomam as coisas à força. Mas os Yids...”

Viktor ficou indignado com o que ouviu. Sua cólera aumentou quando ele entrou na casa e encontrou estoques de comida e bebida. Ele pegou sua arma e ameaçou fuzilar o homem.

Mas Tuvia intercedeu. Depois de se identificar como comandante da unidade Marechal Zhukov, ele repreendeu o agora trêmulo camponês por suas mentiras, ameaçando executá-lo se ele repetisse a calúnia. ”Enquanto durar esta guerra”, disse, ”você não deve jamais fazer distinção entre guerrilheiros. Alguém que anda armado e chega pedindo comida, seja judeu, polonês, russo, bielo114

russo ou cigano, é um guerrilheiro. Se não aprender esta lição de mim, saiba que uma bala lhe ensinará.”

Tuvia reiterava a linha do partido, fazendo coro com os boletins de rádio de Moscou-uma tática sensata para convencer Viktor. Tuvia e Viktor repetiram a ação nas casas de outros denunciantes, o que serviu para livrar os Bielski de todas as acusações.

A investigação estreitou a relação entre Viktor e os irmãos Bielski, e eles concordaram em juntar forças para a ação guerrilheira.

com a chegada da época da colheita, os silos e celeiros estavam recheados de cereais prontos para ser transportados para a cidade e, de lá, para a Alemanha ou para as tropas na área das linhas de frente. Viktor e Tuvia arquitetaram um plano para incendiar a safra e atirar em quem viesse apagar as chamas.

Os dois distribuíram seus homens em pequenas unidades, dando a cada uma a incumbência de acender o fogo precisamente à meia-noite de P de setembro de 1942. O plano funcionou brilhantemente. O fogo, que, na estimativa de Tuvia, destruiu milhares de toneladas de trigo, iluminou o céu por quilômetros ao redor.

Quando os homens celebravam à distância, perceberam que aviões do Exército Vermelho

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sobrevoavam a região, aparentemente voltando de missões de bombardeio mais a oeste. Então, uma coisa estranha e providencial aconteceu. Os aviões lançaram bombas nos incêndios, aumentando-os consideravelmente.

”Apreciamos um belo espetáculo”, Viktor escreveu mais tarde. ”O pão dos fascistas queimava em toda parte, enquanto os aviões soviéticos roncavam no céu.”

O bombardeio aumentou enormemente o prestígio dos dois grupos guerrilheiros. De acordo com os rumores que circulavam, eles tinham se tornado tão poderosos que agora estavam em contato com Moscou. Dizia-se até que o comissário regional Wilhelm Traub ficara desconcertado com a ação e temia que Novogrudek

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fosse invadida pelos guerrilheiros. Era uma notícia maravilhosa para os irmãos Bielski. Haveria maneira melhor de convencer os camponeses da importância de fornecer suprimentos aos guerrilheiros judeus?

Para Tuvia, era um sinal de Deus de que ele estava no caminho certo.

A ação com Viktor correu tão bem que os dois grupos discutiram a possibilidade de outras operações conjuntas. Mas os irmãos e os demais na floresta ainda estavam receosos de uma aliança com os gentios.

Por que os homens de Viktor permaneceriam leais a eles?, perguntavam-se. O que os impediria, caso fossem capturados, de denunciar os judeus? Embora Viktor parecesse ser um homem born, seus associados eram diferentes. Zus os caracterizou como ”bandidos e anti-semitas”.

Viktor, sempre um idealista do comunismo, apressou-se em tranqüilizar seus temores. Explicou que o anti-semitismo era estranho à maneira de pensar soviética. Qualquer um que expressasse ódio aos judeus era inimigo do povo soviético, afirmou, e merecia nada menos do que ser fuzilado como traidor. ”Dispararei a arma com satisfação”, acrescentou.

Viktor também era um líder militar talentoso, como se tornou claro quando os dois grupos se uniram para outra ação.

A idéia era atacar os alemães que estavam confiscando alimentos dos camponeses, numa tentativa de desencorajá-los a se apossar de suprimentos que eram tidos como propriedade dos guerrilheiros. Os dois grupos conceberam um plano para emboscar um comboio de suprimentos na estrada que ia do sudoeste de Novogrudek à aldeia de Novoyelna.

Os combatentes Bielski, cerca de doze homens, se posicionaram num trecho da estrada em que os veículos eram forçados a diminuir a velocidade. Uns dez integrantes do grupo de Viktor se

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esconderam no outro lado, imediatamente atrás dos homens do grupo Bielski. Uma jovem de uma aldeia próxima foi instruída a avisar os guerrilheiros quando um comboio suficientemente pequeno para ser atacado se movesse naquela direção.

Os homens ficaram à espera, até que extensas filas de veículos bem guardados passaram pela curva da estrada. Finalmente, a jovem informante chegou com a notícia de que dois veículos - um carro pequeno, cheio de oficiais alemães, e um caminhão repleto de carga - estavam a caminho em alta velocidade. Os combatentes se agacharam em suas posições.

Depois de uma espera que pareceu interminável, o primeiro carro apareceu e os guerrilheiros disparam uma barragem de artilharia. Mas o carro se movia muito velozmente para ser atingido. Os homens tiveram apenas tempo de ajustar mira, antes que o segundo veículo se fizesse visível. Dessa vez, a descarga atingiu o alvo. Os pneus do caminhão foram destruídos, e o motorista foi atingido, o que o fez tombar no assento.

Vários alemães e policiais locais saltaram do carro e começaram a atirar nos guerrilheiros. Mas ao perceberem que estavam em número inferior correram na direção oposta, para dentro da floresta, deixando para trás alguns companheiros mortos. Os guerrilheiros subiram no caminhão, radiantes com a visão de tal abundância de armas e comida. Antes de voltarem

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para os bosques, incendiaram o veículo.

”Pegamos tanta comida e suprimentos quanto podíamos carregar nos ombros”, rememorou Michael Lebowitz, integrante do grupo Bielski. ”Mais tarde, os alemães voltaram para buscar os mortos e procurar pelas pessoas que lhes haviam causado esses danos. Eles pegaram um sujeito que estava cortando lenha. Pensaram que haviam encontrado Tuvia Bielski. Mas ele não era um guerrilheiro. Levaram-no para Novogrudek e o enforcaram na praça.”

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Os dois grupos dividiram o butim, que incluía umas poucas metralhadoras, alguns fuzis, centenas de cartuchos e barris de comida fresca. Depois de transferir o acampamento mais para o interior da floresta, a fim de garantir sua segurança nessa noite, o grupo Bielski regalou-se com uma refeição festiva, uma celebração animada de sua primeira vitória sobre alemães armados.

O êxito encheu de confiança os dois grupos. Eles agora se mostravam um pouco mais arrogantes ao perambular pelas minúsculas aldeias a oeste de Novogrudek.

Mas a vida era cheia de imensos desafios, para dizer o mínimo. No princípio de setembro, alguns membros do grupo Bielski tentaram observar o Rosh Hashana e, dez dias depois, o Yom Kippur, o período de auto-avaliação e arrependimento que assinala a época mais sagrada do ano judaico. As emoções profundas despertadas pelos dias santos fizeram com que todos relembrassem o sofrimento dos massacres. A enormidade das perdas tornou-se quase insuportável.

O Rosh Hashana, o ano-novo judeu, é tradicionalmente um tempo para refletir sobre tudo que aconteceu no ano precedente, para avaliar como cada um correspondeu ou não às expectativas de Deus. Alter Tiktin, cunhado de Tuvia, decidiu dirigir os serviços com um livro de orações que ele havia contrabandeado no gueto

- para desafiar os alemães e afirmar sua identidade de judeu.

As pessoas se reuniram a sua volta quando ele, junto a uma árvore, começou a leitura. No fim, ele chegou à poderosa oração Unetaneh Tokef, escrita no século xi pelo rabino Amnon, a quem o bispo católico de Mogúncia, na Alemanha, ordenou que renunciasse ao judaísmo, para não ter todos os seus membros amputados. Conforme a tradição, o rabino se recusou, recitou a oração enquanto lhe infligiam a tortura e lentamente morreu. Quando Alter Tiktin leu o emocionante trecho - ”Quem viverá e quem morrerá? Quem pela água e quem pelo fogo, quem pela espada,

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quem pelas feras, quem pela fome, quem pela tempestade, quem pela peste, quem pelo estrangulamento?” -, ele foi tomado pelo desespero. Desmaiou. Muitos minutos se passaram antes que conseguissem reanimá-lo.

Os combatentes dos grupos Bielski e Panchenkov também experimentaram juntos seu primeiro malogro. Tinham planejado um ataque à estação de Yatsuki, controlada pelos alemães, um pequeno posto isolado da estrada de ferro Lida-Baranovich. Cercada pela floresta e situada perto do acampamento dos Bielski, era guarnecida por quarenta homens e protegida por três ninhos de metralhadoras.

Numa noite fria de outono, bem tarde, três pelotões de homens dos dois grupos assumiram posição ao redor da estação e esperaram até amanhecer antes de iniciar o ataque. O sinal de fogo foi dado às seis da manhã. Inicialmente surpreendidos pela fuzilada, os alemães depois se recuperaram e lançaram um contra-ataque que lhes permitiu rastejar até as plataformas.

com os guerrilheiros sob o fogo pesado das metralhadoras, um trem aproximou-se da estação e passou por ela sob forte proteção. Os atacantes aproveitaram a oportunidade para fugir, impossibilitados de destruir a estação ou mesmo de apreender quaisquer armas dos inimigos. ”Não conseguimos nenhum troféu”, disse Zus. Por outro lado, nenhum dos guerrilheiros foi

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ferido.

Depois do combate, os alemães destacaram mais soldados para proteger o posto isolado da ferrovia. Os recém-chegados cavaram uma trincheira em volta da estação e cercaram a área com arame farpado. Também desmaiaram parte da floresta vizinha, na tentativa de limitar as possibilidades de os guerrilheiros desferirem outro ataque-surpresa.

Os irmãos estavam preocupados com os desafios que enfrentariam a seguir. Devido à rápida aproximação do inverno, eles se perguntavam como evitariam que mais de cem pessoas morresÍÍ9

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sem congeladas. com os camponeses espalhando rumores de uma possível ofensiva alemã nos bosques, eles se indagavam como poderiam se defender de uma incursão maior. E seus pensamentos se voltaram para os guetos, onde os judeus continuavam a sofrer. Eles tinham que resgatar mais pessoas antes de um novo massacre. Ainda assim, era difícil para eles conter a sensação de terem realizado algo importante. Nos dois meses que haviam decorrido desde que Tuvia enviara a carta ao primo no gueto, primeiro ato verdadeiro da expansão do grupo, a unidade crescera; de um pequeno grupo familiar, se transformara numa força combatente judaica que desferia ataques contra os nazistas. Os irmãos agora lideravam uma resistência em condições de inferioridade contra um inimigo temível, que se valia de todos os recursos para eliminar os judeus. Como poderiam não se orgulhar?

”Era satisfatório em um sentido mais amplo, um sinal de real elevação espiritual, que o mundo soubesse que ainda havia judeus vivos e, especialmente, combatentes judeus”, Tuvia escreveu mais tarde sobre aqueles dias. ”Queríamos persuadir os anti-semitas que viviam na opulência e no luxo, por conta de nosso sofrimento, de que a doentia profecia de Hitler - que os judeus seriam vistos apenas nas telas de cinema - era uma escandalosa mistificação.”

1205.Outubro de 1942-Fevereiro de 1943Quando o ar frio do outono chegou em 1942, a guerra brutal conflagrava o mundo inteiro.A”solução final” de Hitler avançava num ritmo feroz. Grande parte do extermínio fazia-se agora nas câmaras de gás dos campos de concentração e morte, uma inovação sinistra destinada a aumentar o número de execuções. Num único mês, de fins de julho aos últimos dias de agosto de 1942, mais de 200 mil judeus foram mortos no inferno de Treblinka, a maioria dos quais oriunda do imenso gueto de Varsóvia. O historiador Martin Gilbert o designou como ”o maior extermínio de uma única comunidade, judia ou não, na Segunda Guerra Mundial”. O mesmo tipo de coisa vinha acontecendo em outros lugares. Mais de 145 mil judeus foram assassinados durante aproximadamente o mesmo período no campo de extermínio de Belzec, a cerca de cem quilômetros de Treblinka.

O trabalho das unidades de extermínio dos Einsatzgruppen na União Soviética ocupada havia desacelerado, principalmente porque elas já haviam massacrado um número imenso dos judeus121

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da região-mais de l milhão, de acordo com algumas estimativas. Mas ainda não era o bastante para os assassinos nazistas. As autoridades alemãs exigiam um ritmo mais rápido nas operações de extermínio, pressionando para que se realizassem mais deportações de judeus da Europa oriental e ocidental para os centros de matança e para a execução dos judeus remanescentes da União Soviética ocupada.

Embora o Exército Vermelho tivesse heroicamente impedido os nazistas de capturar Moscou e Leningrado, ele ainda combatia um inimigo implacável. na primavera, Stalin ordenara algumas contra-ofensivas, e todas malograram, enfraquecendo uma força já extenuada. O líder soviético revelava-se um comandante militar medíocre. No verão de 1942, Hitler estava se sentindo mais confiante. Em julho, os alemães voltaram as vistas para Stalingrado, cidade do rio Volga a cerca de 2 mil quilômetros de Berlim.

O ataque começou no fim de agosto, quando uma força de seiscentos aviões da Luftwaffe despejou bombas na cidade, matando um número estimado de 40 mil habitantes. Os alemães se prepararam para uma vitória rápida, mas o Exército Vermelho resistiu. O ataque veloz por ar e por terra continuou durante todo o mês de setembro, arrasando Stalingrado e causando imensa quantidade de baixas civis e militares. Os nazistas sentiam que não demoraria até eles marcharem pelas ruas da cidade designada pelo nome do líder soviético.

Os aliados ocidentais da União Soviética, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, empenhados em seus próprios esforços contra as potências do Eixo, estavam impossibilitados de atacar o continente europeu e abrir uma frente ocidental. No outono de 1942, os americanos uniram-se ao Exército britânico no Norte da África, onde ele vinha combatendo os alemães e os italianos desde 1940. Em novembro, o 8ª Exército britânico obteve uma vitória triunfante contra o Afrika Korps do marechal Erwin Rommel, na

122segunda batalha de El Alamein, no Egito. Mas a campanha africana estava longe do fim.A guerra no Pacífico também não estava decidida.Após o ataque-surpresa a Pearl Harbor, os japoneses, tencionando destruir rapidamente o poder naval de americanos e ingleses, obtiveram uma série de vitórias espetaculares na primeira metade de 1942. Eles tomaram a Birmânia, Guam, Filipinas, Hong Kong, Malásia e Cingapura. Então, em junho, a Marinha imperial japonesa atacou uma frota americana menor nas ilhas Midway. Auxiliados pelas informações obtidas por meio da decifração do código japonês, os americanos afundaram os quatro maiores porta-aviões do inimigo, abateram mais de 250 aviões e mataram mais de 2500 marinheiros nipônicos. Os Estados Unidos perderam 307 vidas, mais de cem aviões e um único porta-aviões (o Yorktown). Em agosto, os fuzileiros navais desembarcaram em Guadalcanal. Logo ficou evidente que um esforço maior seria exigido para subjugar os japoneses e tomar a ilha.

Para os irmãos Bielski, a rápida expansão do grupo em agosto e setembro significou uma transformação considerável em sua estrutura.

Para começar, os jovens dos guetos tinham que ser distribuídos por pequenos pelotões para atingir os principais objetivos da organização - obter alimento, participar de ações contra os alemães, a polícia local ou colaboradores e resgatar judeus reclusos na cidade.

Os três irmãos, que agora cavalgavam em animais obtidos dos camponeses, estavam indubitavelmente no comando. Tuvia prosperava em seu papel de líder e símbolo do grupo. ”Antes salvar a vida de uma anciã judia do que matar dez soldados alemães”, dizia. Zus e

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Asael, longe de serem visionários idealistas, deixavam de

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born grado as orações para o irmão mais velho. Ambos preferiam dirigir as tropas.

Asael tornou-se um especial favorito dos jovens combatentes, revelando o julgamento seguro e a confiança natural tão vitais para rapazes sem experiência de guerra. Liderava-os de born grado em situações perigosas, sendo o primeiro, por exemplo, a entrar na casa de um camponês desconhecido. E como era uma pessoa informal, os combatentes o consideravam um amigo. Perto dele, não sentiam necessidade de policiar o que falavam. Se Tuvia era respeitado e reverenciado, Asael era amado.

O insolente e turbulento Zus era mais exibido do que o introvertido Asael, mais inclinado a andar pelo campo com um jeito arrogante e propenso a reprimir aqueles cujo desempenho considerasse fraco. Usava uma pistola metida ostensivamente num cinto, num ângulo de 45 graus, como um pistoleiro da fronteira ávido por combate. Não tinha nada da generosidade natural de Tuvia ou da cordialidade simples de Asael. Mas ninguém o superava no reconhecimento do terreno, no qual ele poderia caminhar vendado. Não se podia imaginar um camarada melhor numa retirada aflitiva após um ataque a um posto policial.

Durante aqueles meses, o comando geral foi favorecido pela chegada de Layzer Malbin, de Novogrudek. Era um homem robusto, de 41 anos, que havia perdido cinco parentes no massacre de

7 de agosto de 1942, entre os quais duas filhas, de sete e onze anos. Gago, Malbin estava longe de ser loquaz, mas era um exemplo de ordem e disciplina, alguém que, segundo Tuvia, ”não conhecia o significado do medo”. Ex-oficial do Exército polonês, Malbin rapidamente ascendeu ao topo da estrutura de comando, tornando-se chefe do estado-maior no lugar de Pesach Friedberg, que assumiu o posto de intendente, supervisionando o depósito e a distribuição de víveres e suprimentos. Por ser um estrategista com conheci124

mento de tática militar, Malbin estava perfeitamente qualificado para ajudar a preparar as unidades combatentes para as missões.

Quando os homens chegavam ao acampamento, porém, era Tuvia quem definia a missão do grupo.

Como soldados iniciantes, eles recebiam ordem de se alinhar para a revista. Depois que todos estavam em posição, os três irmãos chegavam, imponentes em suas longas capas de couro e botas militares de cano alto. Um homem lembrou-se de Tuvia retirando a

luva da mão direita e cumprimentando cada homem, antes de se virar para apresentar seus irmãos.

Depois começava a falar. ”Precisamos de mais gente com fuzis. Mais homens virão dos guetos e temos que estar prontos para eles. O comandante Viktor [Panchenkov] é digno de confiança e nos ajudará o quanto puder. Os inimigos estão a nossa volta. Temos que lutar junto com a unidade de Viktor contra os alemães”, dizia Tuvia.

Os jovens soldados, homens de ação, eram os membros mais valiosos para essa nova comunidade. Eles davam o torn do grupo, com seu andar seguro, bebendo samogonka obtida dos camponeses e falando numa linguagem rude. A floresta dava a impressão, nada surpreendente, de ser um quartel militar. ”Foi duro”, contou Sulia Rubin, que tinha dezoito anos quando chegou. ”Foi difícil me acostumar com aquilo, porque era completamente diferente de um lar protegido e pais maravilhosos.”

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Apesar das agruras por que todos tinham passado, era inevitável que romances se iniciassem na floresta. Casais se afastavam em busca de um local privado, enquanto no acampamento bisbilhoteiros sussurravam sobre o que estava acontecendo. Muitas mulheres acreditavam que teriam mais chances de sobreviver se mantivessem um relacionamento com um jovem combatente. Mas várias uniões se revelaram estáveis e mais profundas do que aquele impulso inicial de atração. ’•’’->•<••••• w • ? - a

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Se os homens de ação tinham mais prestígio, os desarmados, que representavam a maioria, eram os menos valorizados - a despeito do que Tuvia decretara sobre a importância de proteger os judeus mais vulneráveis. Eles eram chamados zombeteiramente de malbushim, palavra hebraica que significa roupas, no sentido de que eram tão inúteis para a sobrevivência da base quanto um par de calças. As pessoas resmungavam quando velhos, doentes e jovens fracos chegavam, como contou Lilka Tiktin, a adolescente que havia escapado do gueto de Lida com o pai, a madrasta e o meio-irmão. ”As pessoas diziam: ’Não precisamos deles. Não precisamos deles’.”

À medida que o tempo esfriava, os irmãos tiveram que conceber um jeito de manter o grupo protegido das intempéries. Eles decidiram criar duas pequenas bases de inverno nas florestas vizinhas, perto da velha propriedade da família em Stankevich. Alguns do grupo seriam enviados para uma floresta conhecida como Perelaz, enquanto outros foram designados para a floresta de Zabelovo, não muito distante da primeira.

Mas era claro que o grupo não podia dormir no chão ou sob cobertores presos em galhos de árvores. Era preciso criar estruturas termicamente isoladas. Sob a orientação de Yehuda Levin, um carpinteiro que chegara ao campo em fins de agosto, iniciou-se a construção de quatro grandes abrigos de terra e madeira - dois em Perelaz, dois em Zabelovo -, que abrigariam de vinte a quarenta pessoas cada um.

Empregando serras e machados obtidos com os camponeses, os trabalhadores derrubaram árvores e fincaram postes ao longo do perímetro de um buraco de poucos metros de profundidade. Os espaços entre os postes foram preenchidos com pedaços menores de madeira para escorar a terra. Então, postes mais altos foram

enfileirados ao longo do meio do buraco, para sustentar o teto. As tábuas que formavam a superfície plana do teto eram presas, de um lado, nesses postes centrais e, do outro, no chão. A superfície do teto foi coberta com terra, galhos e vegetação para camuflar as estruturas.

Os ocupantes do abrigo entravam e saíam por meio de uma pequena escada, situada numa das extremidades. Depois da descida até o chão de terra, viam-se duas filas de beliches de madeira, em geral cobertos com ”colchões” de palha, em cada lado da estreita passagem que dava acesso à extremidade oposta do abrigo. A luz não penetrava muito na área, mas tiras úmidas de casca de pinheiro, que podiam arder por horas, produziam uma pálida iluminação. Embora a maior parte dos abrigos fosse alta o bastante para permitir que uma pessoa ficasse em pé na área da passagem, o espaço era exíguo. Se alguém se virasse à noite, toda a fila dos que dormiam tinha que se virar também.

Quando os abrigos de Perelaz e Zabelovo ficaram prontos, outro foi construído numa terceira localidade próxima. Servia como uma espécie de hospital, apesar de haver poucos suprimentos médicos. Também foram cavadas valas para estocar batatas e outros gêneros alimentícios perecíveis.

O empreendimento dos irmãos foi favorecido por seu forte vínculo com o guerrilheiro Viktor Panchenkov.

O jovem russo compartilhava informações com Tuvia e o consultava antes de executar ações militares. Os dois também dividiam as aldeias vizinhas entre si e combinavam de dirigir, cada um, expedições para obter víveres apenas em zonas específicas. Mas a ajuda mais importante de Panchenkov era sua boa vontade em encaminhar judeus perdidos para o acampamento dos

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Bielski; muitos deles fugiam dos guetos sem uma idéia clara sobre aonde ir. O guerrilheiro os acompanhava até um ponto onde eles pudessem ver o local à distância, ou os confiava a um camponês amigo

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que lhes mostraria o caminho. Tal ajuda nem sempre era motivada pela bondade. Refletia a relutância dele em tolerar qualquer pessoa que pudesse perturbar os camponeses dos quais dependia. Mas, diante das histórias que circulavam, sobre guerrilheiros soviéticos que matavam judeus arbitrariamente, a cooperação de Panchenkov era uma dádiva divina.

Os dois grupos também se encontravam em ocasiões sociais. Membros das duas unidades celebraram o aniversário da Revolução de Outubro em 7 de novembro de 1942. Ouviram patrióticas transmissões radiofônicas de Moscou, que, como sempre, exortava os cidadãos soviéticos a hostilizar os invasores alemães. Em 16 de novembro, data do 2 P aniversário de Viktor, eles se encontraram novamente para cantar hinos guerrilheiros e se entupir de comida camponesa.

Durante essas semanas de paz relativa, os irmãos ficaram mais confiantes em sua capacidade de proteger seu povo. Também sentiram que poderiam permanecer nos bosques de Zabelovo e Perelaz indefinidamente.

Estavam errados. <

Nos primeiros dias de dezembro de 1942, com o solo agora coberto de neve, os alemães desencadearam uma grande ofensiva na floresta, que começou muitos quilômetros a oeste, na Puscha Lipichanska, um reduto de guerrilheiros da resistência soviética e domicílio de grupos guerrilheiros judeus formados por fugitivos dos guetos em Dzatlavo e outras cidades pequenas.

Dias depois, os irmãos ouviam os relatos angustiantes da carnificina. Judeus que haviam escapado da luta contaram que os nazistas estavam esquadrinhando cada centímetro da floresta, queimando casas e executando camponeses desarmados; e descreveram como eles lançavam barragens de artilharia indiscrimina128

damente, sem revelar clemência pelos que eram capturados. Entre os mortos, figuravam o dr. Yeheskel Atlas, um corajoso líder guerrilheiro a quem foi postumamente outorgado o título de herói da União Soviética, e Hirsch Kaplinski, um fugitivo de gueto que tinha formado um grupo de combatentes j udeus no verão de 1942.

A ferocidade do ataque levou os irmãos a pôr todo mundo em estado de alerta máximo. com os campos dos Bielski abrigando agora mais de cem judeus, planos de evacuação foram discutidos, e os combatentes fizeram exercícios de defesa das bases.

Mas com o som do bombardeio cada vez mais próximo os irmãos resolveram que era tempo de se mudar. Decidiram abandonar os abrigos cuidadosamente construídos e dirigir-se para o norte, região que julgaram ser mais segura. Eles tinham obtido carroças dos camponeses, nas quais foram transportados o material de cozinha e as ferramentas. O comboio seguiu por veredas na floresta que os Bielski conheciam muito bem.

Em poucos dias, chegaram a uma floresta junto à minúscula aldeia de Zuravelnik. Grandes fogueiras foram acesas, enquanto tendas improvisadas eram montadas. Todos se envolveram em peles de animais e cobertores e se reuniram perto das chamas.

Mas os irmãos ainda temiam a possibilidade de um ataque inimigo. Receavam que espiões da polícia os tivessem seguido até a nova localidade. Quando uma mulher suspeita foi encontrada vagando nas redondezas - ela alegou estar colhendo cogumelos -, eles perceberam que teriam de se mudar de novo. A procissão continuou sua marcha para o norte por uns

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poucos quilômetros mais, dessa vez parando na floresta junto à aldeola de Chrapinyevo.

Foi uma viagem penosa. Mas, na primeira noite, alguns entre os mais jovens sentiram-se bem o bastante para cantar suavemente junto à fogueira. Uma das canções mais populares cantadas naquela noite foi uma velha melodia cigana que fala de ”como o

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campo dorme e o fogo lentamente se apaga, enquanto tudo em volta é silêncio”.

”Venha querido, desperte-me”, diz um verso, ”venha e cure minha angústia. Sempre por você, meu amigo, eu esperarei. Sempre por você.”

Poucos dias depois, alguns, mesmo silenciosamente, celebraram a festa de Chanuca. Ela comemora o milagre do óleo que durou oito dias no menorah do Templo, por ocasião da vitória dos macabeus sobre os ocupantes helenísticos de Jerusalém e profanadores do Templo. Após narrar a bem conhecida história, um dos homens mencionou que ouvira dizer que os soviéticos tinham finalmente obtido vitórias no leste. Alguém predisse que o Exército Vermelho iria empurrar os nazistas de volta a Berlim por ocasião da Páscoa, na primavera.

Mas momentos de otimismo como esse eram poucos. A maioria estava sofrendo terrivelmente no novo local, sobretudo porque não mais podia dormir no conforto relativo dos abrigos recentemente abandonados. Alguns combatentes, cansados do aborrecimento de sustentar os desarmados e inúteis malbushim, falavam em deixar o grupo e formar suas próprias unidades.

Os dissidentes mais exaltados eram dois irmãos de Novogrudek - Aron e Mordechai Lubchansky -, que declaravam alto e born som sua intenção de prosseguir por conta própria.

Esse era exatamente o tipo de agitação contra o qual Tuvia se prevenira em agosto, quando o grupo se organizara formalmente. Asael e Zus queriam agredir os dois, mas Tuvia resolveu lidar com o assunto de maneira mais moderada. Ele instruiu todos do grupo a se reunirem numa espécie de formação militar. Denunciou uma ”certa anarquia” que começara com os irmãos Lubchansky.

”Nosso objetivo, como sempre declarei, é trazer mais judeus para nossas fileiras e recebê-los em nossa família de braços abertos”, disse. ”Prosseguimos nessa missão sagrada com verdadeiro sacri130

fício. Agora, recebemos a ’recompensa’ dos irmãos Lubchansky. Pergunto aos próprios irmãos: quem lhes ensinou a atirar? E de quem vocês obtiveram suas armas?”

Então, sem hesitar, ordenou que os irmãos Lubchansky e seus aliados fossem expulsos do grupo - mas não antes de terem suas armas confiscadas. Deu-lhes 24 horas para partir e ameaçou mandar fuzilá-los caso se atrasassem.

Era um sinal claro para todos de como Tuvia tencionava tratar aqueles que o desafiassem. Ele sentia que o grupo era mais forte quando unido e queria frear qualquer movimento que provocasse sua divisão. Sabia que suas idéias precisavam ser sustentadas pela força.

Os Lubchansky recuaram. Eles se retrataram de suas ameaças e pediram para ser reintegrados ao grupo. Tuvia concordou em deixá-los ficar, com a condição de que suas armas só seriam devolvidas quando provassem sua lealdade.

Após uma semana ou duas, o temor de um ataque alemão arrefeceu e os irmãos concluíram que o perigo passara. Começaram a enviar pequenos grupos, escoltados por combatentes, de volta aos abrigos originais nas florestas de Perelaz e Zabelovo, ao sul.

Os irmãos Bielski permaneceram na retaguarda, para ajudar um grupo de judeus que fugira de um pequeno gueto perto de Lida. Mas eles não foram os únicos membros do grupo a não voltar para as bases seguras. Um pequeno contingente do alto escalão da unidade (cerca de

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doze pessoas) buscou abrigo em duas casas de camponeses perto de Chrapinyevo, ocupadas por poloneses idosos. Isso se revelaria um erro trágico.

A mulher de Tuvia, Sônia, que sofria muito com o frio, entrou numa casa com a irmã, Regina Tiktin, e o enteado desta, Grisha Mites, que tinham sido retirados do gueto meses antes por Tuvia. Uns poucos combatentes armados os acompanhavam. A mulher de Zus, também chamada Sônia, ficou em outra casa com Haya, mulher de Asael, e Israel Kotler-um combatente implacável que,

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ironicamente, tinha o mesmo apelido de Salanter, o nada implacável fundador do Movimento Musar, o rabino Israel Salanter.

Não podiam ter escolhido pior lugar para se esconder. No começo da tarde de 5 de janeiro de 1943, um grupo de policiais locais e alemães, vestidos com longos casacos brancos, que os camuflavam na neve, marchou para as casas. Eles surpreenderam o único guarda que os guerrilheiros tinham destacado para ficar na estrada, matando-o imediatamente, e se dirigiram para onde os guerrilheiros exaustos e doentes estavam.

Dois combatentes russos que transitavam nas cercanias viram o que estava para acontecer e entraram na casa onde se encontravam Salanter, a mulher de Zus e a de Asael. ”Saiam já!”, disse um deles. ”Os alemães estão vindo!”

Os três fugiram da casa tão rápido quanto puderam e avançaram na neve, afundados até os quadris. De repente, a mulher de Zus, Sônia, caiu abaixo da superfície de neve pulverizada, aparentemente precipitando-se num buraco usado para estocar batatas. ”Haya, continue você”, ela disse à mulher de Asael. ”Diga a meus pais e a Zus que estou liquidada.”

Haya e Salanter se recusaram a abandoná-la. Agarraram Sônia, primeiro pelos cabelos e depois pelos braços, e a arrancaram do buraco. Os três então caminharam pesadamente na direção da área arborizada, alcançando por fim a segurança da floresta.

Eles foram os afortunados. Os soldados inimigos lançaram uma granada através de uma janela da outra casa e abriram fogo sobre os que tentaram escapar. Todos os que estavam na casa foram mortos.

Instantes depois, os alemães descobriram Lev Vulkin, que se escondera na latrina atrás da habitação principal. Ele foi levado com eles e interrogado sobre a localização do acampamento dos irmãos. Como se recusou a fornecer qualquer informação, o jovem foi violentamente torturado - Haya ouviu dizer que lhe arranca132

ram os olhos - e mais tarde enforcado na praça central em Novogrudek.

Apesar de estarem a alguma distância dali, Tuvia, Zus e Asael ouviram o som da fuzilaria e galoparam na direção das casas. Mas chegaram muito tarde. Ambas estavam totalmente destruídas e havia corpos por toda parte. ”Foi algo indescritível”, disse Tuvia. Os três presumiram que suas mulheres tinham morrido no combate.

Pelo menos nove judeus morreram na tragédia perto de Chrapinyevo, as primeiras perdas sofridas pela unidade dos Bielski desde que ela fora oficialmente constituída, seis meses antes. Os três poloneses proprietários das casas, que se arriscaram tanto para abrigar os Bielski, também foram mortos.

Naquela noite, um grupo de homens de Chrapinyevo, que tinha sido recrutado pelo comandante da polícia local, chegou: para sepultar os corpos.

”Cerca de quinze dos nossos se foram”, contou mais tarde Ivan Koreniuk, umbielo-russo residente na aldeola.’As pessoas aqui se interessam quando alguma coisa acontece. Nós os enterramos. Todos estavam despidos. A polícia - provavelmente, não os alemães -tomou-lhes todas as roupas. Depois, eles foram colocados numa cova sem nenhuma identificação.”

Os três irmãos estavam consternados. Viajaram para a casa de Konstatin Koslovsky e ali prantearam os mortos - em especial, é claro, suas jovens esposas. na manhã seguinte,

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contudo, viram um cavalo e um trenó se aproximando. Milagrosamente, Sônia Boldo, Haya e Salanter estavam vivos. Asael e Zus ficaram atônitos. ”Era como se eles chegassem de um outro mundo”, disse Zus.

Mas a mulher de Tuvia, Sônia, não estava com eles. Tuvia não se conformava. na manhã seguinte, ele e Zus montaram em seus cavalos e partiram para os campos cobertos de neve.

Cavalgaram durante dias, sem destino. Finalmente, voltaram para as bases de Perelaz e Zabelovo, onde decidiram aprimorar as

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técnicas de obtenção de informações e aumentar as medidas de segurança do perímetro. O ataque de Chrapinyevo havia sido um golpe desconcertante no sentimento de segurança de todos. Qualquer sensação de que eles eram invulneráveis desapareceu por completo.

Como sempre, a comunidade continuava a crescer. Judeus chegavam a toda hora, de dia e de noite, às vezes em grupos, às vezes sozinhos. Os residentes do campo invariavelmente os interrogavam sobre as condições nos guetos e a saúde dos reclusos sobreviventes. Como era difícil obter armas, o surgimento de um fugitivo judeu era uma ocasião particularmente festiva. Os irmãos viviam ansiosos por acrescentar combatentes que pudessem defender o acampamento.

Um homem que chegou em janeiro, Isak Nowog, de trinta anos de idade, fugitivo do campo de trabalhos forçados nazista de Dvorets, pequena cidade poucos quilômetros ao sul de Novogrudek, contou a Tuvia sobre um grupo de vinte fugitivos da mesma localidade. Eles estavam escondidos numa fazenda isolada, perto da aldeia de Abelkevitch, não muito distante de Dvorets, e alguns tinham armas.

Tuvia, que já ouvira Viktor Panchenkov falar desse grupo, perguntou a Nowog se ele sabia como encontrá-lo. Ele respondeu que sim.

”Então, iremos visitá-los”, disse Tuvia. ”É uma grande oportunidade de aumentar o número de homens armados em nossa unidade.”

Tarde da noite, os irmãos Bielski e mais uns doze combatentes partiram em cavalos e trenós. Quando passaram pelo posto avançado dos alemães, na estação ferroviária de Yatsuki, saltaram dos cavalos e caminharam através da zona de perigo. ”Os alemães

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estavam aninhados em seus abrigos, aquecendo-se perto dos fogões”, Tuvia escreveu posteriormente. Depois da viajar toda a noite pelos campos, com Nowog servindo de guia, os homens chegaram um pouco antes da aurora a uma fazenda com um celeiro. Ambas as construções estavam quase enterradas na neve.

Guardas foram distribuídos em volta da propriedade, com a promessa de que logo seriam substituídos, por causa das baixas temperaturas. Os demais avançaram em direção à casa da fazenda, onde o fazendeiro os saudou e ofereceu-lhes um desjejum. Depois da refeição, os guerrilheiros mencionaram os rumores de que havia judeus escondidos na casa. ”O quê? Nada sei sobre judeus”, disse o homem, benzendo-se. Ele foi pressionado novamente. Negou tudo, até que Tuvia apontou-lhe uma pistola.

”Procurem no celeiro”, disse o fazendeiro.

O grupo entrou no celeiro e chamou seus camaradas judeus. Não houve resposta. Os homens procuraram algum sinal de que o local era habitado e encontraram, sob um fardo de palha, o que parecia ser uma entrada para um celeiro subterrâneo. Ben-Zion Gulkowitz, da unidade dos Bielski, abriu a porta e gritou em iídiche: ”Judeus! Não temam! Saiam!”. Nenhuma resposta.

Gulkowittz, empunhando sua pistola, desceu no compartimento e descobriu vários guerrilheiros com as armas ao alcance da mão. ”Camaradas, Bielski, o comandante guerrilheiro judeu, gostaria de falar com vocês. Por que não sobem?”

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Sonolento, o líder do grupo, Israel Kessler, apresentou-se e aceitou a sugestão.

Depois que os dois homens trocaram gracejos - Kessler tinha ouvido falar sobre Bielski e sua unidade -, Tuvia foi convidado a descer ao celeiro, para conhecer o restante do grupo. Vários beliches se alinhavam em duas fileiras nos cantos do aposento. No centro, havia uma mesa

rodeada de cadeiras. A movim

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mentação sacudira todos de seu sono e eles agora estavam agitados e confusos.

Kessler acendeu uma lâmpada de querosene e Tuvia distinguiu alguns rostos que o olhavam.”Sou Tuvia Bielski”, disse, ”organizador de um grupo judeu guerrilheiro.””Diga-me, camarada, você é filho de David, de Stankevich?”, perguntou um homem.”Sim. E quem é você?””Sou Avremel, o irmão de Mishke, de Butskevich.””Ah, sim!”, exclamou Tuvia.Eles passaram uma manhã agradável, conversando animadamente. Alguns do grupo Bielski se acomodaram para dormir um pouco. Mais tarde, depois que todos estavam descansados, Tuvia falou de assuntos mais sérios.

”Este lugar não é seguro”, começou.

Contou-lhes que, a qualquer hora, fazendeiros da região poderiam informar os alemães sobre esse esconderijo. Algumas granadas bem lançadas matariam todo mundo.

”Eu tenho um grupo grande e quero que vocês se juntem a nós”, disse. ”Tragam suas mulheres e crianças, todos os seus suprimentos, e seremos livres como passarinhos. Não há gueto nem medo.”

Então, Tuvia ofereceu um incentivo adicional: nosso amigo russo Viktor Panchenkov decidiu matar todos vocês.

Kessler zombou: ”Nós também temos fuzis!”

”Chega de viver desse jeito”, retrucou Tuvia. ”Peguem tudo o que é de vocês e vamos embora!”

Kessler perguntou se ele podia discutir o assunto com seus homens. Então voltou com uma contraproposta. Quatro de seus homens iriam até a base dos Bielski e decidiriam se valeria a pena mudar todo mundo para o novo local.

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”Vocês estudaram a Bíblia?”, perguntou Tuvia. ”Josué mandou espiões a Jerico e eles caíram numa armadilha. Tiveram que se valer da ajuda de uma prostituta para escapar. Comigo, vocês não conquistarão Jerico. Vocês vão unir-se a nós. Temos regras e ordem, e vocês viverão como nós. Não há necessidade de negociar.”

Os dois conversaram a sós novamente, e afinal entraram num acordo sobre a mudança. ”Será mais seguro lá”, Kessler disse a seu pessoal. ”Bielski tem razão.”

Kessler perguntou a Tuvia se seu grupo poderia permanecer unido, num abrigo à parte na base dos Bielski. Tuvia deu de ombros: ”Por que não? A floresta é grande o bastante para mais um abrigo”.

Dissipada a tensão, trocaram-se apertos de mão e foram ditos alguns gracejos. Kessler então pediu silêncio. Falou sobre um homem da localidade que era responsável por entregar muitos judeus, homens, mulheres e crianças, aos alemães. Sua casa ficava perto, Kessler acrescentou, e provavelmente estava cheia de armas. Todos compreenderam o que ele estava sugerindo. Tuvia gostou da idéia de se unir aos novos companheiros num ataque contra o inimigo.

Saindo sob o abrigo da escuridão, o grupo se dirigiu à aldeia de Abelkevitch. Ao chegarem,

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os guerrilheiros pararam na primeira casa que encontraram. Fizeram ao gentio algumas breves perguntas logísticas - sobre a localização dos alemães e das forças guerrilheiras, sobre as estradas e para onde levavam -, nada revelando a respeito da natureza da operação. Depois caminharam pela aldeia escura, que parecia um quadro da idílica e sonolenta vida campestre. É como se não houvesse uma guerra em andamento, Tuvia pensou. Parece que nada jamais perturbou este lugar.

O grupo então rumou para a casa do informante, que ficava nas cercanias da povoação. Após encontrá-la, os guerrilheiros distribuíram sentinelas em volta dela e escolheram alguns homens para falar com o dono da propriedade. Eles vestiram braçadeiras

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vermelhas, nas quais haviam desenhado suásticas pretas, e dirigiram-se para a entrada.

Ben-Zion Gulkowitz bateu várias vezes, antes que um bielorusso de meia-idade e calvície incipiente gritasse através da porta: ”Por que todo esse barulho? Estou indo”.

”Há algum estranho na casa?”, os combatentes perguntaram.”Não.” .Eles entraram. Pesach Friedberg sentou-se na cama junto ao homem.”Como vão as coisas?”, perguntou.O homem respondeu com um mote anti-semita que dizia ”estamos vivos e matando judeus”.

”Nós também estamos apanhando judeus”, disse Pesach. ”Mas eu quero saber por que você está agindo de forma tão relutante. Há tantos judeus pelas estradas. Por que não capturou mais judeus do que tem feito?”

”Agarrei muitos”, o homem insistiu. ”Há poucos dias, entreguei duas mulheres, duas crianças e dois homens. Eu os amarrei como carneiros e os deixei presos no celeiro a noite toda. Eles quase morreram congelados. Depois, eu os levei até o posto policial. Há poucas semanas encontrei, acho, umas onze pessoas. Depois, capturei mais dois-um tinha um revólver-e os entreguei à polícia.”

Enquanto o homem falava, sua mulher permaneceu a seu lado, mostrando-se orgulhosa dos feitos do marido.

Pesach olhou para Tuvia e percebeu que ele estava nervoso. O comandante andava compassadamente pela sala.

”É o nosso homem”, Pesach disse a Tuvia, chamando-o por um primeiro nome russo. ”Veja o trabalho imenso que realizou.”

Pesach perguntou se o informante tinha armamento suficiente para cumprir com seus deveres. ”Ah, sim”, foi a resposta. O homem pediu ao filho que fosse buscar a metralhadora e o revólver. Quando as armas foram exibidas, Pesach olhou para Ben-Zion

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Gulkowitz, que estava de pé perto da porta. Ele viu a impaciência em seus olhos.

”Mas como você pode fazer isso?”, perguntou Tuvia. ”Como pode um homem, em sã consciência, entregar pessoas para serem mortas? Por que está fazendo isso?”

”O que o senhor quer dizer?” replicou o homem. ”É a lei. Temos que obedecer à lei.””Você sabe quem eu sou?”, Pesach perguntou, incapaz de conter-se por mais tempo.”Quem?””Eu sou um judeu.” Esbofeteou o homem no rosto. O resto do grupo, encolerizado, revelou sua identidade judaica e, como classificou Tuvia, ”um concerto sangrento” teve início na casa do camponês.

A família inteira, obrigada a se deitar no chão, foi crivada de balas. ”A família foi morta”, Tuvia contou mais tarde. ”Não sobrou alma viva, nem mesmo um cão ou um gato.”

Os homens revistaram a casa e encontraram roupas que exibiam estrelas amarelas. Depois de confiscar o cavalo do informante e tomar suas armas, os guerrilheiros incendiaram a casa. na frente da estrutura em chamas, Tuvia colocou uma placa grande, na qual escreveu uma mensagem explicando que a família fora executada por ajudar os alemães a capturar judeus, e

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que um destino semelhante esperava qualquer um que fizesse o mesmo.

A casa incendiada iluminava toda a área. Quando se preparavam para partir, Tuvia sugeriu que evitassem o centro da aldeia: um caminho de volta em meio à floresta seria mais seguro, disse. Asael rejeitou a idéia. ”Iremos direto através da aldeia!”, anunciou.

Os cavalos e trenós foram carregados e a procissão se deslocou pelo lugarejo. Logo que o trenó da Asael, que ia na frente, ultrapassou os limites da aldeia, um grupo de moradores abriu fogo contra o grupo. O cavalo do informante foi atingido e o animal e

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Iseu trenó foram abandonados. O demais trenós prosseguiram rápido, numa tentativa desesperada de evitar os tiros.

Pesach e Zus, que ocupavam o último veículo, fizeram algumas descargas de metralhadora e atiraram granadas na direção dos atacantes, usando quase toda a munição de que dispunham. Velozes, os trenós se afastaram da cidade com apenas dois homens feridos levemente.

”O sangue escorria por toda parte”, lembrou Michael Lebowitz, que fora atingido na mão e no peito. ”Eu disse a eles: ’Deixemme aqui, estou perdido. Meu coração está liquidado. Eles me atingiram no coração!’.”

Asael não precisou nem olhar para os ferimentos para saber que Lebowitz ficaria bem. ”Se o tivessem atingido no coração”, disse, ”você estaria morto.” Afinal, regressaram ao acampamento tendo insulado o medo em qualquer colaborador nazista na área de Abelkevitch, além de terem aumentado o tamanho da unidade judaica em vinte membros. Os irmãos concordaram que fora uma excursão bem-sucedida.

Nas primeiras semanas de fevereiro, um cavaleiro da unidade de Panchenkov chegou ao acampamento dos Bielski trazendo uma carta dirigida ao líder da unidade. Enviada por Fyodor Sinitchkin, que foi identificado como o comandante da Brigada de Guerrilheiros Lênin, ela convidava os irmãos e seus principais comandantes para uma reunião perto da aldeia de Butskevich.

Oito homens dos Bielski, inclusive os três irmãos, cavalgaram até uma pequena clareira perto dos limites da floresta, onde encontraram um grupo numeroso de combatentes de várias unidades, entre os quais Viktor Panchenkov e Fyodor Sinitchkin em pessoa.

”Trago saudações da pátria!”, disse Sinitchkin. Era óbvio para os irmãos o que ele significava: um líder guerrilheiro estreitamente ligado a Moscou havia chegado.

Sinitchkin, de 42 anos, era um capitão do Exército Vermelho de origem camponesa, que havia se engajado nas Forças Armadas em 1919 e servido durante a guerra polaco-soviética de 1920-21. Desde sua designação pelas autoridades soviéticas como comandante da Brigada Lênin, em dezembro de 1942, ele vinha organizando unidades guerrilheiras em redes integradas que poderiam atender às ordens de um comando central. Agora, ele estava expandindo a influência de sua brigada-sua central de comando ficava na Puscha Lipichanska - na região oeste de Novogrudek.

Ele elogiou os irmãos, mencionando estar ciente de suas atividades.

”Nosso plano é desarticular o inimigo continuamente”, disse, voltando-se para toda a assembléia. ”Vamos destruir o sistema ferroviário, cortar as linhas telegráficas e telefônicas e incendiar pontes. Desorganizaremos os suprimentos de víveres. Tentaremos salvar tantas vidas quantas estejam a nosso alcance.”

Sinitchkin explicou que cada unidade seria agora designada como um destacamento (otriad, em russo) de sua brigada e, assim, se tornaria responsável pelas ordens de seu comando. A Brigada Lênin, por sua vez, estava subordinada aos líderes da Subdivisão Baranovich do

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Estado-Maior Central do Movimento Guerrilheiro, comandada pelo general-de-divisão Vasily Chernyshev, conhecido pelo nome de guerra de ”general Platon”.

Ele então pediu que cada comandante fornecesse uma descrição minuciosa do contingente de sua unidade, armamento e provisões de boca.

Tuvia, falando russo fluente e usando o jargão do partido, relatou que seu grupo, Marechal Zhukov, tinha 250 membros e que menos da metade deles eram combatentes aptos; depois fez o relato pormenorizado de seu estoque de bens. Salientou que se tivesse mais armas poderia enviar mais homens para os combates.

Depois que os demais comandantes terminaram seus relatos,140i*

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Ambos acreditavam que os alemães não tinham a intenção de matar profissionais especializados, que trabalhavam incessantemente a fim de evitar o fosso de execução. na oficina de carpintaria, os homens passaram a fazer brinquedos para os filhos dos nazistas, entre os quais um trenzinho para os garotos do comissário regional Hermann Hanweg. Peleteiros confeccionavam cintos, bolsas e carteiras, itens que recebiam elogios entusiásticos das funcionárias do RC. Hanweg comentou várias vezes com Altman e Alperstein o quanto ele estava satisfeito com a aplicação dos judeus. ”Nada de mau acontecerá com vocês, mesmo que todos os judeus nos outros guetos sejam exterminados”, dizia. ”Aqui, vocês permanecerão vivos.”

Nem todo mundo estava convencido disso. Muitos jovens se esforçavam para conseguir armas, geralmente por meio do escambo clandestino com camponeses gentios. Armas danificadas eram consertadas nas oficinas de metalurgia, nas barbas dos membros do RC. E esporadicamente alguém tentava fugir para unir-se aos guerrilheiros. Mas a maioria ainda estava hesitante, especialmente por causa das histórias que circulavam, sobre judeus que eram emboscados por guerrilheiros russos, ou delatados por fazendeiros em busca de uma recompensa dos alemães.

Qualquer que fosse a vida no gueto de Lida, seus habitantes não tinham mais que se haver com os dois nazistas mais violentos que serviam na cidade: Rudolf Werner, que gostava de atiçar seu cão pastor contra os judeus, e o fanático subcomissário regional, Leopold Windisch, que promovera os massacres de maio de 1942. Werner foi transferido para um posto na Estônia, e Windisch para Riga, na Letônia.

Os judeus dos guetos de Novogrudek não tiveram alívio igual nem menor. Pessoas eram mortas por diversão - um guarda do gueto do tribunal atirou num homem que acendeu um cigarro tarde da noite, apontando a arma na direção da chama alaranjada.

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(A vítima sobreviveu.) O pessoal do RC, especialmente Reuter, o feroz Judenreferent, exigia dos trabalhadores cada vez mais enfraquecidos uma produção maior. Apesar das ameaças de retaliação, havia freqüentes tentativas de fuga, em geral quando os alemães permitiam que os reclusos do tribunal visitassem a bomba d’agua fora dos muros do gueto.

No inverno, os judeus da cidade souberam que haviam perdido aliados valiosos. Os alemães executaram um casal polonês os Bobrovsky, apanhadores de cachorros antes da guerra -, depois de descobrir que eles vinham ajudando fugitivos do gueto. O marido e a mulher foram fuzilados, sua casa incendiada e os filhos do casal deportados para um campo de concentração na Alemanha.

O irmão mais novo de Konstantin Koslovsky, Ivan, também pereceu no decorrer daquelas semanas. Ele vinha se aproveitando de sua função de policial de Novogrudek para ajudar nas tentativas de fuga e para passar armas e informações aos irmãos Bielski. Em seus últimos dias, ele sentiu que seu fim se aproximava. Ficava sentado em silêncio na casa do irmão durante horas, contemplando o vazio. Certo de que seus superiores tinham descoberto seu estratagema, ele tentou fugir para as florestas e unir-se aos guerrilheiros. Foi capturado, fuzilado e cremado em um depósito na estrada para Lida.

Em 4 de fevereiro de 1943 - dias depois de o l- Exército alemão ter se rendido formalmente ao Exército Vermelho, pondo fim à sangrenta batalha de sete meses por Stalingrado -, o

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comissário regional Wilhelm Traub decidiu que não precisava mais dos serviços dos trabalhadores judeus do gueto de Pereshika. A população inteira, de mais ou menos quatrocentos judeus, foi transportada para Litovka, perto do local do extermínio de 7 de agosto de 1942, e executada.

Nessa noite, o Judenreferent Reuter visitou o gueto do tribu,j$f

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nal, que continha cerca de seiscentos judeus, e anunciou que os trabalhadores tinham sido executados por deixarem de cumprir sua cota de trabalho. ”Não serviam para nada”, disse. ; ,

Para a União Soviética, a vitória de Stalingrado significou uma reviravolta na guerra. Os alemães, que haviam perdido mais de 100 mil homens durante a campanha, de repente pareciam menos indestrutíveis. A coragem extraordinária dos defensores de Stalingrado deu à nação um orgulho renovado; e o Exército Vermelho, reorganizado, estava ansioso para empurrar o inimigo para o oeste. Mas os alemães até então não haviam sido derrotados; eles ainda controlavam porções imensas do território soviético.

A campanha inglesa e americana contra as forças alemãs e italianas no Norte da África pendia agora a favor dos Aliados. O 8e Exército britânico tomou Tripoli em janeiro e então prosseguiu para a Tunísia, a oeste. Aparentemente, os fascistas não resistiriam mais do que alguns meses. Mas os submarinos alemães a espreitar no Atlântico ainda devastavam as embarcações dos Aliados. Em quatro dias no mês de março, os nazistas afundaram 27 navios mercantes.

Batalhas árduas ainda eram travadas no Pacífico. Tropas americanas na minúscula ilha de Guadalcanal finalmente derrotaram os japoneses em fevereiro de 1943, depois de seis meses de intensa luta. Foi um dos combates mais penosos da guerra. Os americanos perceberam que seu inimigo no Pacífico não seria derrotado facilmente. Eles se prepararam para muitos meses mais de embates difíceis.

Enquanto a guerra começava a se voltar contra os alemães e os outros países do Eixo nos primeiros meses de 1943, a tarefa de eliminar judeus se tornava uma prioridade cada vez mais urgente para os nazistas. Eles estavam dispostos até a desviar trens necessá146

rios na guerra contra os Aliados para o transporte de mais judeus para as câmaras de gás. Em 20 de janeiro de 1943, Heinrich Himmler enviou a famosa carta ao ministro dos Transportes do Reich: ”Sei o quanto a situação das estradas de ferro está sobrecarregada e que exigências lhe são feitas constantemente”, escreveu. ”Não obstante, devo lhe fazer este apelo: ajude-me a obter mais trens.” No tocante a isso, os alemães estavam conseguindo um êxito pavoroso: em meados de março de 1943, cerca de 80% de todas as vítimas do Holocausto já tinham sido exterminadas.

O grupo Bielski era agora uma multidão de aproximadamente trezentos judeus vivendo em duas florestas contíguas Zabelovo e Perelaz -, a curta distância do lar de infância dos irmãos. Ele estava se tornando uma sociedade de criatividade e resiliência excepcionais, um dos poucos lugares em toda a Europa ocupada onde os judeus viviam com algum grau de liberdade.

Vários abrigos adicionais de terra e madeira - as estruturas mais vitais da comunidade - haviam sido erguidos para acomodar a população em constante crescimento. Um dos mais agradáveis, construído pelo grupo de Israel Kessler, de Abelkevitch, era provido de aconchegantes cobertores e travesseiros de penas, itens muito apreciados raramente vistos nos bosques. As dependências se estendiam sobre uma área considerável da paisagem coberta de neve, e eram tão bem ocultas que os recém-chegados tinham que ser escoltados até elas.

Perto de cada estrutura havia uma fogueira para aquecer os corpos enregelados e cozinhar a comida. Batatas, a dieta básica da floresta, eram assadas diretamente nas brasas e comidas, num dia born, com sal. Grandes tinas trazidas das aldeias eram usadas para todo tipo de

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necessidade-banhos, lavagem da roupa, preparo da sopa. Uns poucos médicos resgatados de Novogrudek ajudavam a

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cuidar dos doentes e feridos, mas muitas vezes o melhor e único remédio contra os calafrios de uma noite de inverno era um copo cheio de samogonka.

Os irmãos Bielski ficavam agora mais afastados da massa da população, líderes distantes que transmitiam uma atmosfera de autoridade absoluta. Podiam ser vistos galopando seus cavalos pelos bosques ou a caminho das aldeias. Poucos dos refugiados da vida miserável dos guetos se esqueceriam da primeira visão desses homens com submetralhadoras pendentes dos ombros e um casquete soviético repousando atrevidamente na cabeça. ”Quem visse como os irmãos saíam em seus cavalos pensaria tratar-se de Stalin e seus assistentes”, disse Ike Bernstein, um dos combatentes. ”A terra tremia.”

Mas, imponente como era, Tuvia não negligenciava seus deveres para com os mais desprotegidos da comunidade. Tinha o hábito de visitar cada um dos abrigos, onde perguntava sobre a saúde e o bem-estar de todo mundo ou conversava a respeito de assuntos correntes. Revelava especial solicitude para com o número crescente de crianças. Suas lágrimas legendárias se derramavam muitas vezes quando abraçava uma delas, tão comovido ficava pelos sofrimentos que haviam passado. Era como um pai para todos.

A maior prioridade do acampamento ainda era a tarefa perigosa de obter alimento. Os jovens combatentes, que só podiam agir protegidos pela escuridão, passavam às vezes várias noites nas estradas, na tentativa de completar sua tarefa. Era um trabalho sujo, que exigia a disposição de sustentar as ameaças com a possibilidade de violência real. Não sobreviveriam muito tempo se hesitassem em tratar com severidade qualquer um que lhes ameaçasse a existência. Os camponeses tinham que compreender que sua vida estaria em perigo caso denunciassem que havia judeus na floresta.

A capacidade do grupo de induzir ao medo os aldeões mais148próximos de suas bases se acentuou com a captura de dois informantes dos alemães, homens da região que haviam tentado ativamente capturar os irmãos Bielski.

O primeiro foi Vatya Kushel, um polonês de Stankevich, cuja família havia sido próxima dos Bielski no passado. Durante os tempos do czar, o pai de Vatya tinha ajudado David Bielski a manter a posse do moinho, quando os judeus eram proibidos de ser proprietários rurais. com a chegada dos nazistas, Vatya unira-se à força policial pró-nazista e, em um de seus muitos atos antiBielski, apontara o jovem Aron aos alemães nas ruas de Novogrudek, o que quase o levara à morte.

Certa noite, alguns combatentes Bielski entraram na casa de duas irmãs polonesas e, como de costume, perguntaram se havia pessoas estranhas vivendo na propriedade.

”Vatya Kushel, de Stankevich, está aqui, e dormindo”, respondeu uma das irmãs.

Os guerrilheiros arrastaram o homem da cama, amarraramno e o levaram até Asael, que se preparava para queimar uma pequena ponte de madeira - uma tentativa, sem muita amplitude, de danificar as vias de transporte dos alemães.

”Temos um presente para você”, disseram os homens.

Asael interrogou seu antigo vizinho por longo tempo e, sem hesitar, ordenou sua execução.

”Um dos camaradas decepou sua cabeça com um machado”, contou Aron. ”Lembro-me como se fosse ontem. Estava a cerca de

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quatro metros de distância. Cortou a cabeça com um único golpe.”

Os homens então jogaram o corpo sem vida na ponte, e a seguir a incendiaram.

O segundo informante era Aloysha Stishok, o filho do antigo moleiro da família Bielski, Adolph Stishok, que zombara de Beyle e David Bielski quando os alemães os levaram para Novogrudek. Ambos os homens haviam começado a trabalhar para os ocupan149

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tes logo após a chegada destes. Mas o velho Stishok não fora encontrado em parte alguma e parecia ter fugido da área definitivamente. Aloysha, porém, tinha sido descoberto por um outro grupo de combatentes Bielski.

O jovem foi abordado e escoltado para o acampamento. Durante o interrogatório, admitiu que, uma vez, liderara um grupo de 25 auxiliares lituanos nas florestas, à procura do esconderijo dos irmãos. ”Levei-os ao lugar errado de propósito”, defendeu-se. ”Fui forçado a cooperar com os alemães. Eu não queria fazer isso.” Deram-lhe uma farta refeição, durante a qual ele falou para tentar furtar-se a sua sorte. Quando ela se tornou evidente, ele chorou, balbuciou e implorou por sua vida.

Quando Aron apareceu, Aloysha identificou o menino que conhecia desde a infância e ficou animado. Mas Aron não estava inclinado nem em condições de salvar um homem a quem via com desprezo. Tuvia ordenou que alguns combatentes levassem Aloysha mais para dentro da floresta, e lá ele foi enforcado numa árvore.

Apesar de todo o empenho dos irmãos, eles sabiam que era quase impossível manter os inimigos à distância, especialmente agora, com tanta gente vivendo na floresta. E, em fevereiro de 1943, o infortúnio chegou às florestas de Zabelovo e Perelaz. Um simples erro humano conduziu o inimigo diretamente ao refúgio dos Bielski.

Logo cedo no dia 15 de fevereiro, depois de uma noite de buscas nos campos por comida e suprimentos, um grupo dos guerrilheiros Bielski regressou à base de Zabelovo. Fora uma missão bem-sucedida, e o butim se amontoava nas carroças de madeira. Mas, na escuridão, os homens não perceberam que um animal que eles haviam confiscado de um fazendeiro e matado antes do início da viagem de regresso estava sangrando na neve. O trabalho da polícia pró-nazista naquela manhã fria não podia ser mais fácil.

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Tudo o que tinham a fazer era seguir um rastro de sangue para encontrar uma base dos guerrilheiros.

E foi o que fizeram. Mais tarde naquela manhã, um contingente inimigo, em trenós puxados a cavalo, entrou na floresta de Zabelovo e chegou a uma distância visível de um dos guardas Bielski do perímetro, Shmuel Oppenheim, fugitivo de Novogrudek, que estava a cerca de um quilômetro da base. Ele deu uma olhada no cortejo que se aproximava e presumiu que Tuvia Bielski e outros líderes do destacamento estavam voltando ao acampamento. Num instante, um policial saltou de uma viatura e abriu fogo sobre o guarda vencido.

Atingido na face, Oppenheim caiu de bruços na neve, produzindo uma poça de sangue em volta de sua cabeça. Um dos homens da força atacante junto ao corpo chutou-o com a bota. ”Morreu”, disse. Outro vasculhou os bolsos de Oppenheim, procurando coisas de valor.

O resto da tropa prosseguiu rumo ao esconderijo dos guerrilheiros. Mas, antes que pudessem alcançá-lo, uma segunda sentinela apareceu e imediatamente começou a atirar. O tiroteio entre a sentinela solitária e a força policial, composta de uns cem homens, sinalizou para todo mundo no acampamento distante que um ataque estava em curso. Layzer Malbin, a autoridade mais graduada em Zabelovo, impeliu todos a correr para o interior da floresta.

Mais ao longe, os guardas que protegiam a segunda base Bielski, em Perelaz, onde Tuvia e os irmãos realizavam uma inspeção, ouviram as descargas de armas de fogo e compreenderam o

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que estava acontecendo. Foi dada uma ordem de evacuação imediata, as pessoas agarraram o que puderam-um pedaço de carne seca, uma peça de roupa íntima - e fugiram em todas as direções.

A força policial matou facilmente os heróicos guardas. Não encontrando resistência adicional, os policiais entraram na base

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de Zabelovo, que estava agora completamente deserta. Sem algo melhor para fazer, procederam à pilhagem do lugar, lançando granadas nos abrigos e entornando caldeirões de sopa. na saída, pegaram coisas de valor, inclusive vários animais domésticos e cavalos.

Depois que a polícia se retirou, Tuvia e seus irmãos chegaram para avaliar o estado do acampamento, agora destruído. Então correram para a terceira base da floresta, o centro de primeiros socorros, o qual, por milagre, não fora visto pelos policiais. Os irmãos surpreenderam-se com outra descoberta fortuita. Descansando entre os feridos, estava Shmuel Oppenheim. Ele contou que, como o tiro apenas lhe raspara a carruagem do nariz, conseguira rastejar para o abrigo afastado, onde um reforço recente da unidade, o dr. Henrik Isler, tratava os doentes.

A ausência de baixas representou um lance de sorte maior do que qualquer um que os irmãos já tivessem experimentado. Mas eles tinham pouco tempo para pensar nisso. Passaram o dia procurando os membros dispersos do grupo. Temendo outro ataque iminente, decidiram remover todo mundo para a velha base de verão da floresta de Butskevich - local da primeira reunião da organização, em agosto de 1942. Partiram com tudo que podiam levar e no percurso seguiam abalados e em silêncio. Ao raiar o dia, com os caminhantes exaustos chegando em número cada vez maior, o desjejum foi preparado em fogueiras rapidamente improvisadas. Estava tão frio naquele dia, um homem se lembrou, que a sopa quente congelava nas tigelas.

Os doentes e feridos foram levados para casas de camponeses, para que tivessem maior conforto. Tuvia também foi para uma das casas, a fim de passar a primeira noite com sua nova esposa, Lilka Tiktin, com a qual ficaria até o fim da vida.

Semanas após a morte de sua mulher, ele se sentira atraído pela moça de dezessete anos, considerada por muitos a mais bela da floresta. Tuvia a conhecera antes da guerra, quando ela servira

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de mensageira para sua então namorada, e depois esposa, Sônia, entregando os bilhetes românticos em seu apartamento em Lida. Mas ele começou a olhá-la de um modo diferente.

Os sentimentos de Lilka por Tuvia também se modificaram. Ela se apaixonara por ele à primeira vista, mas, no decurso da guerra, veio a respeitá-lo. Sua madrasta, Regina, morta em Chrapinyevo com a mulher de Tuvia, a havia tratado cruelmente, e ele compreendeu o trauma pelo qual a moça passava. Ele sabia, sem que ela lhe dissesse, que ela ainda se afligia pela perda da mãe, que morrera em 1938.

Quando Tuvia lhe revelou o que sentia por ela, Lilka não resistiu a suas investidas. Seu pai, Alter Tiktin, apenas alguns anos mais velho que Tuvia, opôs muita resistência. ”Ele achou que Tuvia estivesse me querendo para amante, para joguete”, ela disse mais tarde. ”Meu pai temia que eu fosse maltratada ou, talvez, que depois da guerra ele me deixasse.” Os dois sempre festejariam seu aniversário de casamento em 15 de fevereiro, o dia do primeiro ataque inimigo a uma base Bielski.

Nos dias subseqüentes, os irmãos e seus principais comandantes discutiram o próximo passo do grupo. Decidiram adotar uma estratégia semelhante à que salvara tanta gente durante o ataque a Zabelovo. A unidade se subdividiria em pequenos grupos afinal, algumas divisões distintas haviam se formado espontaneamente nos últimos meses - e se dispersaria em áreas

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mais extensas das florestas. Como antes, as reuniões seriam realizadas regularmente para coordenar missões de abastecimento e discutir as atividades do inimigo. Os irmãos Bielski continuariam responsáveis pela segurança de todos.

Embora provavelmente não fosse necessário numa atmosfera tão carregada como aquela, os irmãos renovaram seu apelo por uma vigilância crescente. As gotas de sangue do animal na neve de

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Zabelovo haviam ensinado a eles que não era preciso muito para serem descobertos.

Mas os irmãos tinham agora de enfrentar problemas de outra origem. Como se os camponeses informantes, a polícia local e os alemães não fossem ruins o suficiente, os Bielski precisavam lidar com a interferência de soviéticos.

Uma vez que o grupo participava oficialmente do esforço de guerra soviético - a Segunda Companhia do Destacamento de Outubro dentro da Brigada Lênin do Distrito de Lida da Subdivisão Baranovich do Estado-Maior Central do Movimento Guerrilheiro -, ele teria que demonstrar mais sua lealdade para com a causa comunista. Apesar de saudados na propaganda soviética como bravos guerreiros em defesa da pátria, Stalin olhava os guerrilheiros com grande suspeita. Não confiava naquilo que não podia controlar. E era difícil para ele controlar a grande massa de combatentes da guerrilha, homens e (algumas) mulheres com talento para subverter a autoridade estabelecida, dispersos por um imenso território. Eles o deixavam nervoso.

Stalin fez tudo a seu alcance para estabelecer um sistema de regularização. Decretou que todo destacamento guerrilheiro deveria incluir em seu comando um comissário, que seria um agente do cumprimento da doutrina do partido, e urna ”seção especial” (osobyi otdel, em russo) da NKVD para supervisionar a segurança interna. Ele queria que esses adeptos intransigentes do partido se assegurassem de que todos estavam agindo do modo adequado para um comunista leal, ou, mais precisamente, para um stalinista leal. Desde a chegada do capitão Fyodor Sinitchkin, representante de Stalin nas florestas de Novogrudek, os irmãos Bielski sabiam que teriam que transformar seu grupo em alguma coisa que correspondesse mais estreitamente ao modelo comunista. , : ,:

Temeroso de que um comissário’fosse escolhidas sua rsvelifti

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Tuvia nomeou para o posto Layzer Malbin, chefe do estado-maior do grupo. Todos sabiam que Malbin não tinha interesse em favorecer a causa soviética.

Tuvia também criou uma sede da Komsomol (União Comunista Leninista da Juventude) para membros futuros do Partido Comunista. Para chefiar a sede, designou o primeiro membro gentio da unidade Bielski, Grigori ”Grisha” Latij, que fora autorizado a unir-se ao destacamento por ser casado com uma judia.

A célula da Komsomol rapidamente se tornou uma colméia de oposição à liderança dos Bielski. Em vez de se dedicarem ao propósito maior e mais grave de salvar judeus proposto por Tuvia, seus membros se concentraram em solapar a liderança dos irmãos, tentando desmascarar a falta de pureza ideológica do comandante. Se agiam por um genuíno sentimento partidário ou por ressentimento contra a autoridade dos Bielski, não se sabe. Tuvia sentia que eles eram motivados por simples ciúme.

Os mais destacados oponentes eram o gentio Grisha Latij e os irmãos Lubchansky (que já haviam expressado sua insatisfação com o estilo de liderança). Embora sem ser membro, Israel Kessler, líder dos guerrilheiros de Abelkevitch, era simpático às idéias do grupo.

O primeiro tiro de advertência foi um protesto contra a nomeação de Layzer Malbin para comissário. Eles achavam que ele não podia estar numa posição ideológica tão importante tendo sido membro do Betar, o grupo revisionista da juventude sionista. Também acusaram

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os irmãos de permitir que especuladores capitalistas operassem no grupo, entre os quais um homem que, alegavam, fazia tráfico de vodca.

Os rebeldes apresentaram suas denúncias a Fyodor Sinitchkin, quando ele chegou com alguns de seus ajudantes. Foi um ato sério de oposição, que poderia acarretar a retirada do grupo judeu dos bandos politicamente mais confiáveis dos soviéticos. Os ju155

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deus seriam então obrigados a arcar com o endêmico anti-semitismo de muitos destacamentos russos.

Sinitchkin, porém, não estava interessado nas queixas e rejeitou-as de pronto. Frustrados, os membros da Komsomol levaram suas reclamações para um dos superiores de Sinitchkin, um oficial que servia no estado-maior do general Platon, o guerrilheiro de posto mais elevado em toda a região de Baranovich. Foi convocada uma reunião com os membros da Komsomol e Tuvia, para discutir as denúncias.

Como fizera em reuniões anteriores com líderes guerrilheiros, Tuvia expressou-se no jargão doutrinário do partido, empenhando sua lealdade à causa soviética e ao próprio e grande Stalin. Defendeu sua decisão de indicar Malbin para o posto de comissário. Discutiu com cada um dos homens do grupo de Grisha, salientando suas fraquezas como guerrilheiros e sugerindo que talvez eles devessem constituir sua própria unidade.

”Fomos informados de que você tem 40 mil rubles”, disse o oficial russo. ”Não sabe que esse dinheiro pertence à União Soviética?”

Tuvia ficou chocado com a pergunta.

Explicou que o dinheiro fora obtido por meio de negócios feitos com os camponeses e que era destinado à compra de armas e outros suprimentos. Então fez uma descrição de todas as despesas do grupo, detalhando até a quantia que havia sido usada para cornprar uma submetralhadora. Salientou que a unidade sempre oferecia recibos aos camponeses depois das transações, como exigiam as normas dos guerrilheiros.

Sem conseguir conter a cólera, Tuvia acusou os informantes, como os chamou, de caluniar duramente seu grupo. ”Estamos lutando contra os fascistas muito antes de receber qualquer ordem de Moscou”, disse. ”Já causamos baixas e tomamos butins. Atacamos postos isolados dos alemães e punimos colaboradores. E continuaremos até a vitória final.”

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O russo se satisfez com suas palavras. Mas sugeriu que Tuvia operasse com o grupo rebelde, para assegurar que alegações desse tipo não surgissem de novo. Quando deixou a reunião, Tuvia sentiu que um desastre de grandes proporções havia sido evitado e se perguntou como poderia conter a ameaça. Se os membros da Komsomol não tivessem envolvido os soviéticos nas questões internas do grupo, ele simplesmente os teria expulsado.

Nas semanas posteriores, Tuvia encontrou um aliado forte nessa luta interna. Um grupo de judeus pleiteou o ingresso na unidade Bielski, depois de haver sido dispensado de um destacamento soviético, e seu líder era Solomon Wolkowyski.

Wolkowyski era um advogado de 31 anos que se diplomara na escola de direito de Vilna e trabalhara em Lodz e em Baranovich

antes da guerra. Tinha sido aceito no destacamento dos guerrilheiros de Grozny, depois de fugir com a irmã e vários outros judeus de um caminhão alemão que se dirigia aos fossos de execução. O comandante russo, impressionado com sua sagacidade e erudição, escolhera-o para uma posição importante no grupo, a redação dos relatórios da inteligência. Ele e seu grupo de judeus desarmados permaneceram lá por alguns meses, até que o comandante anunciou que deveriam deixar o destacamento.

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Calmo e seguro de si, o advogado tinha grande familiaridade com a feição administrativa da vida guerrilheira soviética. Mas também era dedicado ao princípio de Tuvia de preservar a vida judaica. O comandante achou que ele era a pessoa perfeita para chefiar a ”seção especial”, responsável pela segurança interna, a outra posição ideologicamente importante que ainda estava vaga. O advogado aceitou a nomeação com entusiasmo.

Tuvia tinha agora dois amigos nos postos ”comunistas” do grupo - Layzer Malbin como comissário e Solomon Wolkowyski como chefe da seção especial. Ao menos por enquanto, sentia-se protegido dos desafios a sua liderança por parte da célula da Komsomol.

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Ele tinha uma tarefa para o mais novo membro de seu estadomaior: ficar de olho no grupo rebelde. .

Os irmãos Bielski estavam no meio de pelo menos quatro guerras diferentes - tinham que se defender da possibilidade de ataque dos alemães e da polícia local; tinham que conseguir alimento com camponeses que poderiam facilmente delatá-los; tinham que apaziguar a estrutura de comando dos soviéticos, quase sempre desconfiada de judeus; e tinham que ficar atentos a dissensões internas que pudessem prejudicar a continuidade de um grupo grande e integralmente judaico. Era um esforço hercúleo, que exigia que os irmãos e sua cúpula trabalhassem no limite das forças-Asael, Zus e Layzer Malbin dirigiam os combatentes na estratégia e abastecimento, enquanto Tuvia, agora auxiliado por Solomon Wolkowyski, enfrentava os soviéticos e mantinha a ordem interna.

Porém, exatamente quando uma dessas quatro frentes parecia se estabilizar, outra se manifestava, trazendo consigo um potencial para o desastre.

Em meados de março, um grupo de dez judeus, entre os quais Alter Tiktin, pai de Lilka, a nova mulher de Tuvia, partiu em busca de alimento uns poucos quilômetros ao norte de Novogrudek.

Antes de sair, Alter aproximou-se de Lilka, que estava sentada perto de uma fogueira com algumas amigas.

Por causa da idade (perto dos cinqüenta) e de seu vínculo com o comandante, Alter não era obrigado a participar das expedições perigosas, usualmente efetuadas por homens muito mais jovens. Além disso, estava de luto pela mulher e pelo enteado, perdidos havia dois meses em Chrapinyevo. Mas, como disse à filha naquela noite, ele estava determinado a ser útil ao grupo. Cansarase de ver outros arriscando a vida em seu benefício. Queria ser um membro ativo do destacamento.

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Lilka implorou-lhe que reconsiderasse a decisão. ”Pai, por favor”, pediu. ”Tuvia não foi informado e não gostaria que você fosse. Tudo o que temos é um ao outro. Quer me deixar sozinha no mundo?”

O homem, orgulhoso, não mudou de idéia. ”Preciso fazer isso.” Despediu-se dela e desapareceu na noite.

Poucos minutos depois, ele voltou. Ao vê-lo, Lilka começou a soluçar. ”Minhas palavras o impressionaram”, ela disse. ”Você resolveu ficar.”

”Não, preciso ir”, ele respondeu. ”Mas me esqueci de lhe dar um beijo.”

Ele inclinou-se e abeijou na testa. ”Adeus”, disse. E então partiu.

Depois de uma noite ou duas arranjando as provisões necessárias, dois membros do grupo de Alter Tiktin - os irmãos Abraham e Ruben Polonski - sugeriram que procurassem abrigo durante o dia com dois irmãos bielo-russos que conheciam de antes da guerra. Eles seguramente ofereceriam refúgio até que o anoitecer lhes permitisse voltar a uma das bases Bielski.

Os guerrilheiros guiaram os cavalos e trenós pela neve em direção à aldeola de Dobreya Pole, um pequeno conjunto de mais ou menos vinte casas, próximo o bastante de Novogrudekpara que seus choupos altos pudessem ser vistos da colina do castelo.

Vladimir e Galiyash Belous e suas famílias - ao todo dezoito pessoas - compartilhavam a maior casa do lugarejo, cada família com sua própria entrada. Eram fazendeiros simples que, por causa da prole numerosa, trabalhavam desde as primeiras horas da manhã até a noite avançada apenas para alimentar todas as bocas.

Ao verem os Polonski e os demais guerrilheiros judeus, os irmãos Belous ofereceram uma acolhida calorosa e lhes prometeram um lugar para repousarem durante o dia. Por trás dos gestos amistosos, porém, ocultava-se uma motivação mais sinistra. O que os Polonski desconheciam é que os irmãos podiam ser tudo,

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menos amigos dos judeus, desde que os alemães tinham ocupado a área. O filho de Vladimir Belous, Nikolai, era um membro orgulhoso da força policial em Novogrudek que colaborara nos massacres de judeus.

Exaustos da marcha, os guerrilheiros se acomodaram na casa aquecida e logo caíram num sono profundo. Então Pavel, o filho de quinze anos de Vladimir, escapuliu da casa, arrumou um cavalo com um vizinho e galopou a distância de cinco quilômetros até Novogrudek. Ele encontrou Nikolai e contou-lhe sobre os judeus que estavam descansando em Dobreya Pole.

Horas depois naquela tarde, um contingente motorizado de cinqüenta policiais e vários gendarmes alemães chegaram aos arredores da aldeola. Desligaram o motor dos veículos e se aproximaram da casa a pé.

Os guerrilheiros perceberam o ataque iminente - talvez por terem escutado o som dos veículos ou, quem sabe, porque um membro da família Belous inadvertidamente os fez saber da aproximação do perigo. Eles fugiram da casa antes que os soldados chegassem à soleira da porta e correram na direção do agrupamento de árvores mais próximo, cerca de trezentos metros dali. Para alcançar o bosque, tiveram que descer por uma pequena colina e subir pelo outro lado, antes de chegarem a um lugar seguro.

No momento em que os guerrilheiros alcançaram o topo do aclive, no lado oposto do pequeno vale, os soldados estavam em posição de atirar. na esmagadora barragem de artilharia que se seguiu, nove dos dez judeus foram mortos - entre eles, o pai de Lilka. Somente Abraham Polonski sobreviveu ao morticínio.

Mas, em vez de voltar à floresta, Polonski fez algo imprevisível. Ele esperou que os alemães e a polícia deixassem a aldeia e voltou à casa dos Belous. Chamou Vladimir e Galiyash, perguntando como puderam fazer uma coisa tão horrível a seus amigos. Antes

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de receber uma resposta, foi golpeado por trás com um machado e morto instantaneamente por um dos irmãos.

Os dez judeus do grupo original estavam todos mortos agora. Os corpos foram colocados numa carroça por moradores do lugarejo elevados para a floresta que eles tão ansiosamente tinham tentado alcançar. Uma sepultura coletiva foi escavada na terra fofa e seus contornos permaneceram visíveis durante décadas.

Quando viu que a equipe demorava a voltar, Tuvia ordenou que um contingente explorasse a área, a fim de descobrir o que pudesse sobre os homens desaparecidos.

Entrementes, com as temperaturas começando a se elevar, os irmãos decidiram reunir todo mundo novamente numa única floresta. Uma vez que não podiam retornar aos abrigos descobertos de Zabelovo e Perelaz, encontraram um novo local em outra pequena floresta, Stara-Huta, que, como as demais bases, não ficava longe de Stankevich. Em 15 de abril, uns quatrocentos judeus, entre os quais cerca de cem combatentes armados, viajaram para o novo ponto, através da neve que derretia.

O grupo vinha se tornando cada vez mais conhecido na região. A lenda se espalhava. Os judeus que escapavam de outros guetos, que não de Novogrudek e Lida, marchavam muitos quilômetros para encontrar esse lugar da libertação judaica. Guerrilheiros soviéticos e camponeses aldeões comentavam sobre os três irmãos que velavam por todos os judeus - e

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que puniam tão brutalmente os que os contestassem. A polícia local e os alemães pouco a pouco se davam conta da multidão de pessoas cuja mera existência representava uma afronta a sua estratégia de guerra.

A nova base logo começou a se assemelhar bastante a uma pequena aldeia judaica. Os fugitivos dos guetos que eram artífices hábeis continuaram exercendo seu ofício. Sapateiros, utilizando

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ferramentas que os guerilheiros obtinham dos camponeses, consertavam calçados, selas e arreios, às vezes em troca de um pouco de vodca. Alfaiates emendavam camisas rasgadas dos soldados e casacos puídos. Uma equipe de metalúrgicos, dirigida por Shmuel Oppenheim, ex-proprietário de uma oficina de conserto de bicicletas em Novogrudek, que tinha se ferido durante o ataque de 15 de fevereiro a Zabelovo, trabalhava com pistolas e fuzis quebrados. Até uma barbearia foi aberta. Mostrou-se muito popular, com as pessoas esperando em fila para ser atendidas.

Os homens armados, cuja importância para a sobrevivência do grupo crescia a cada novo membro que chegava, foram reorganizados em pelotões combatentes de oito a dez homens cada um. Apesar de segundo na hierarquia, Asael Bielski assumiu pessoalmente o comando de um dos pelotões, pois preferia estar fora, em ação, a permanecer na segurança (relativa) do acampamento. Ele não tinha interesse em deslindar os problemas da burocracia soviética. Nem Zus Bielski, que dirigia a atividade dos grupos de reconhecimento montados, constituídos para galopar pelas aldeias à caça de inimigos.

Muitas ações guerrilheiras foram desencadeadas nas primeiras semanas da primavera. Os combatentes queimaram uma série de pontes de madeira situadas em estradas ao norte de Novogrudek. Linhas de telefone e telégrafo foram interrompidas quando eles derrubaram os postes que as mantinham suspensas.

Tuvia também pediu um esforço renovado para a libertação dos que ainda estavam nos guetos. Como o gueto de Lida tinha alguns milhares de reclusos - bem mais do que os seiscentos de Novogrudek-, os combatentes foram instruídos a verificar se era possível trazer judeus de Lida para as florestas.

Os combatentes Bielski com parentes ainda presos na cidade freqüentemente chefiavam as missões. Um caminho consistia em entrar furtivamente na cidade pela cervejaria Pupko, ainda em

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funcionamento - ela produzia um suprimento regular de cerveja para os nazistas -, situada numa rua adjacente a uma área enflorestada. Operada por vários judeus que recebiam permissão especial para morar em seu interior, a cervejaria oferecia aos guerrilheiros um local de descanso enquanto se disfarçavam vestindo roupas que exibiam a estrela amarela. Depois eles entravam no gueto, agindo como se estivessem voltando de uma jornada de trabalhos forçados.

Um guerrilheiro chamado Moshe Manski chefiou uma das operações de salvamento. Depois de passar despercebido pelos guardas num dia quente de abril, teve pouco trabalho para encontrar pessoas desejosas de fazer a viagem de volta para as florestas. Entre elas, um jovem chamado Eliahu Damesek, que, com grande tristeza, decidiu abandonar a mãe idosa. Ele arrumou um saco contendo roupas e várias granadas de mão, que estivera juntando durante meses. Tarde da noite, saiu furtivamente da casa e dirigiuse sorrateiro ao local perto da cerca onde os fugitivos se reuniriam. Entre as várias pessoas que compunham o grupo, havia cinco mulheres que não tinham sido convidadas para a viagem por Manski.

Mas não havia volta. Os homens cavaram um pequeno buraco sob o arame farpado e, depois que todos haviam passado, taparam o buraco com terra, na esperança de que os guardas não o notassem. Após saírem da cidade, caminharam pelos campos, passando às vezes por pântanos

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nos quais quase submergiram. Mas Damesek não se sentiu nada cansado, tão revigorado estava por se livrar do domínio alemão.

Então, uma voz atravessou a escuridão. ”Alto! Quem vem lá?”, alguém berrou em russo.”Somos parte do grupo guerrilheiro comandado por Bielski”, respondeu um dos judeus.Em segundos, vários guerrilheiros soviéticos cercaram os163

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fugitivos e os saudaram com entusiasmo. Eram membros de um destacamento que fazia parte da Brigada Lênin, de Fyodor Sinitchkin, e sabiam tudo sobre os irmãos Bielski. ”Venham, nós os ajudaremos a atravessar o rio”, disse um dos guerrilheiros, referindo-se ao rio Neman.

Os viajantes percorreram os campos por duas outras noites

- escondendo-se na floresta durante as horas do dia - antes de chegarem a uma casa camponesa, conhecida como um posto avançado guerrilheiro.

Asael Bielski, que estava visitando a casa com alguns camaradas, saudou a chegada dos refugiados de Lida. O casal camponês preparou uma refeição de coalhada e batatas para os fatigados fugitivos. Depois eles foram escoltados através da floresta para a base Bielski, uma caminhada de uma hora mais ou menos, onde encontraram algumas centenas de pessoas despreocupadas, entregues a seus afazeres cotidianos. Os combatentes estavam descansando em tendas e abrigos após uma longa noite em busca de comida. As mulheres preparavam refeições numa cozinha primitiva, onde algumas panelas grandes eram aquecidas em fogueiras.

Damesek olhou ao longe e discerniu o que descreveu como ”a figura imponente de Tuvia Bielski em pessoa, de largas espáduas, um gigante”. Tuvia se aproximou dos recém-chegados, deu a mão a cada um e apresentou-se com breves palavras.

”Onde vocês estavam esse tempo todo?”, disse, com seu jeito desinibido. ”Por que demoraram para vir? Por que esperaram até que todos os membros de suas famílias fossem exterminados?”

Depois do almoço, os recém-chegados ficaram observando os demais receberem suas incumbências para aquela noite. Os guardas do perímetro foram mandados para seus postos, os grupos de combatentes receberam instruções sobre seus destinos noturnos e os não-combatentes foram enviados para cuidar de doentes e feridos. Quando a noite chegou, as famílias e os amigos

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dos jovens combatentes mostraram-se mais preocupados com a segurança deles. A agitação cresceu até o momento em que todos voltaram para o acampamento na manhã seguinte (ou duas ou três manhãs desde a partida) - se tivessem tido sorte, com uma carroça cheia de suprimentos ou com uma história sobre um ato de sabotagem bem-sucedido para contar.

Em meados de abril, combatentes haviam regressado de Dobreya Pole com notícias sobre os dez judeus desaparecidos. A história brutal que os homens tinham ouvido dos contatos camponeses foi transmitida aos irmãos, que se decidiram por uma reação rápida e impiedosa. Uma decisão que pouco tinha a ver com a estratégia de guerra cuidadosamente programada. Os irmãos estavam encolerizados e queriam vingança. Sentiam que aquelas pessoas deveriam aprender que o sangue judeu não custa barato.

”Vingaremos a morte de nossa gente”, disse Tuvia, que perdera seu sogro, Alter Tiktin. ”Mas esse é nosso único objetivo. Não peguem nada daqueles irmãos. Não quero que ninguém nos acuse de banditismo. Não lhes dêem pretexto para nos chamarem de ladrões judeus.” Aquela, ele disse, era uma ”missão sagrada de sangue por sangue”.

Asael reuniu um grupo de trinta homens. O dr. Henrik Isler, um dos poucos médicos do destacamento, pediu para participar da missão, de forma a poder atestar oficialmente a morte

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dos assassinos. A unidade chegou ao vilarejo na noite de 23 de abril, uma sexta-feirapor coincidência, dia em que os cristãos ortodoxos comemoravam a morte de Cristo (e a época do ano em que cristãos, através dos séculos, encolerizados depois de ouvir mais uma vez a história da morte de seu Salvador, incitavam pogroms contra os ”assassinos de Cristo”, os judeus). O dia santo era uma garantia de que um grande número de membros da família Belous estaria em casa. ;

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Eles chegaram a Dobreya Pole por volta de meia-noite. Asael os instruiu a cercarem a casa e a se prepararem para entrar assim que ele desse o sinal.

Asael então apeou e aproximou-se a pé. Ele esmurrou a porta e invadiu a casa por uma das entradas com Pesach Friedberg, Michael Lebowitz e mais alguns guerrilheiros.

Enquanto a família, atordoada, saltava da cama para verificar o porquê daquela agitação, um dos irmãos Belous - não se sabe qual - tentou fugir por uma porta do porão. Lebowitz, que tinha pouco mais de um metro e meio de altura, pulou e agarrou o homem antes que ele escapasse. Os dois lutaram no chão, cada um tentando desesperadamente vencer o outro, enquanto os combatentes Bielski faziam pontaria.

”Não atirem”, Lebowitz berrou. ”Vocês vão me acertar.”

Asael ignorou o aviso e disparou, acertando o sr. Belous no pescoço. Seus tiros foram seguidos por muitos outros. Estava acontecendo um massacre.

Agindo rapidamente, os homens deram uma busca na casa, à procura de membros da família escondidos. Não encontraram ninguém. Lebowitz, que mal havia escapado do projétil de Asael, achou um casaco preto de lã. Desafiando a ordem de Tuvia, decidiu usá-lo na volta ao acampamento.

Os guerrilheiros incendiaram a casa e colocaram um sinal em frente, prometendo um tratamento igual para qualquer um que os traísse.

O fogo destruiu várias construções na propriedade dos Belous, lembraram mais tarde os vizinhos gentios, chegando a se propagar para algumas casas vizinhas. Dez membros da família morreram naquele dia, enquanto cinco escaparam por uma passagem no teto, disseram. A conflagração também matou cavalos, bois e outros animais.

Concluída a brutal missão, o grupo Bielski regressou àbase de

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Stara-Huta. No caminho, Michael Lebowitz encontrou, no casaco que havia confiscado, uma carta escrita em alemão. Ele a meteu no bolso e não pensou mais no assunto até voltarem à base.

na chegada, Lebowitz entregou a carta a Tuvia, que também identificou a escrita em alemão. Passou-a para o advogado Solomon Wolkowyski, que traduziu a mensagem. Escrita por Wilhelm Traub, o comissário regional nazista de Novogrudek, a carta agradecia aos irmãos Belous por entregarem os bandidos da floresta e oferecia aos dois homens cinqüenta marcos por sua cooperação. ”Quando nos ajudarem novamente”, dizia, ”ganharão mais.”

A carta se revelou bastante útil ao destacamento poucos dias depois, quando Viktor Panchenkov confrontou Tuvia sobre a missão de vingança em Dobreya Pole. O russo, irado, salientou que as normas guerrilheiras exigiam que acusados de colaboração fossem levados a julgamento para que se determinasse sua culpa. ”Não se pode executar ninguém sem causa justa”, falou.

”Eles mataram dez dos nossos”, explicou Tuvia.”Você deve obedecer aos procedimentos”, disse o outro.Tuvia exibiu a carta, que serviu para amainar os protestos de Viktor. Tuvia então abriu uma garrafa de vodca e os homens usufruíram alguns goles juntos, em paz.

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/. Maio de 1943 - Julho de 1943

Mesmo com a chegada de cerca de cem novos judeus ao campo dos Bielski em Stara-Huta nos meses da primavera, muitos deles provenientes de Lida, permaneceu no gueto da cidade um contingente numeroso que acreditava que os fugitivos (e os guerrilheiros que os ajudavam) estavam pondo em risco a vida de toda a população. Um ano se passara desde os extermínios em massa de maio, quando aproximadamente 13 mil judeus tinham sido assassinados em cinco dias de massacre. Talvez isso significasse que já não haveria tais massacres - contanto que os judeus não piorassem a situação.

”Judeus, vocês mesmos estão atraindo a catástrofe para seu povo”, disse o comissário regional Hermann Hanweg num discurso que fez aos operários das oficinas, depois de ser informado de uma onda de fugas. ”Querem passar fome e frio, quando isso é desnecessário? Afinal, vocês são um povo sábio. Pensam que, com seus fuzis enferrujados, serão capazes de sabotar o Exército alemão, que conquistou a Europa inteira?”

”Posso lhes prometer que, na cidade de Lida, não tombará168sequer um fio de cabelo de uma cabeça judia. Os que tinham que ser liquidados já foram. Eu o fiz de maneira humanitária. Por que irritar os judeus tantas vezes, executando um grupo em seguida a outro? Eu me desincumbi do programa de uma só vez, e agora vocês podem viver tranqüilos. Construirei uma cozinha grande. Prepararei um banheiro no gueto e organizarei um banho ritual para os judeus religiosos, de modo que vocês possam viver higienicamente.

”Só exijo uma coisa: que trabalhem direito e com diligência. A fim de provar como sou amigo de vocês, estou disposto a perdoar os judeus que voltarem da floresta.”

Discursos dessa natureza teriam sido menos persuasives para os seiscentos judeus que viviam no gueto do tribunal de Novogrudek. Grandes massacres haviam ocorrido a cada seis meses na cidade, o primeiro deles em 8 de dezembro de 1941, matando entre

8 e l O mil judeus.

Então, na manhã de 7 de maio de 1943, bem cedo, os judeus de Novogrudek se reuniram no pátio do prédio do tribunal para a chamada, uma rotina diária. Uma equipe incomumente grande de gendarmes alemães, comandos nazistas e policiais locais estava presente no pátio. Eles caminhavam por entre a multidão, batendo nos reclusos com as armas e berrando imprecações.

Reuter, o Judenreferent nazista, auxiliado por um ajudante bielo-russo, selecionou cerca de metade do grupo, os artífices mais necessários, e ordenou que se dirigissem para as oficinas do tribunal. Depois que eles se retiraram, os judeus remanescentes foram obrigados a se deitar de bruços no chão, compreendendo então a sorte que lhes estava reservada. ”Corram!”, gritou um homem. Alguns o fizeram, unicamente para serem atingidos por uma rajada de metralhadora.

Quando a ordem foi restabelecida, os alemães se aproximaram dos judeus restantes e, aos pontapés, forçaram-nos a se levanI«9

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tar. Então, em grupos de 25, foram levados para fora do conjunto do tribunal. Andaram uma distância curta pela estrada e a seguir subiram até uma elevação suave num dos lados do caminho. Lá, tiraram as roupas e as ataram em trouxas, após o que foram empurrados em direção a um grande fosso. Eles se alinharam em frente ao buraco, e um pelotão de execução os metralhou até a morte. O processo durou quatro ou cinco horas. Os tiros eram facilmente ouvidos pelos que ainda permaneciam no gueto.

Mais tarde, vários homens das ss entraram no tribunal e um deles agarrou uma mulher de Lodz, na Polônia. Quando ela tentou libertar-se, ele a segurou pelos cabelos e a arrastou para o fosso, onde foi morta. Quando a filha da mulher, de cinco anos, chorou chamando pela mãe, os outros soldados ss lhe disseram: ”Venha, venha, sua mãe está aqui”. A menina foi atraída para fora e levada ao fosso, onde também foi executada.

Reuter apareceu nas oficinas para falar aos sobreviventes. ”Vocês permanecerão vivos”, disse. ”Vocês são trabalhadores imprescindíveis.”

O massacre deixou o gueto com aproximadamente 250 habitantes. Os sobreviventes tiveram suas porções diárias de comida reduzidas para o equivalente a rações de fome: um pedaço de pão (misturado com palha) e uma tigela de sopa aguada. Poucos acreditaram na promessa de Reuter de que lhes seria permitido viver, e um comitê foi organizado para planejar uma fuga em massa para a floresta. . ... . .. . . .......

Seis semanas depois de instalado o acampamento de StaraHuta, a minialdeia dos Bielski compreendia agora a espantosa população de setecentos judeus, e, exatamente como Tuvia Bielski havia decretado nove meses antes, era um grupo variado de jovens e velhos, doentes e sadios, armados e desarmados. E, de acordo

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com a filosofia de Tuvia, o número de mulheres idosas excedia o número de soldados alemães mortos.

Tuvia enfrentava agora um novo desafio diplomático: como governar uma multidão tão heterogênea, cheia de gente que trouxera consigo uma diversidade de crenças religiosas, políticas e sociais para a floresta. ”Você acha que não existia política nas florestas?”, disse um sobrevivente anos depois da guerra. ”Certamente que existia.” Alguns se queixavam entre si sobre a maneira de governar dos irmãos - eles eram ávidos de poder, bebiam muita vodca, favoreciam suas famílias e amigos e não distribuíam a comida com justiça suficiente -, sem reconhecer inteiramente o extraordinário aparato de sobrevivência que os três haviam criado.

Mas Tuvia, sobretudo desde o desafio explosivo dos membros da Komsomol, mantinha zelosamente um estilo militar rigoroso de organização do grupo. Era uma estrutura que naturalmente valorizava os que estavam envolvidos nas missões de buscar víveres e de sabotagem. Eles usufruíam comida e acomodações de melhor qualidade do que dispunham os membros mais vulneráveis, da mesma forma que, num exército, aos de maior graduação cabem maiores privilégios do que se concedem aos simples soldados. A sociedade criada pelos Bielski de forma alguma era uma comunidade utópica de governo esclarecido democrático e igualitário.

na verdade, os irmãos procuravam dirigir o grupo de maneira mais similar a um destacamento típico do movimento guerrilheiro soviético. Tuvia observava de perto como seu aliado Viktor Panchenkov, o jovem idealista comunista, dirigia sua unidade, como ele não hesitava em

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impor punição severa a qualquer de seus homens que violasse as regras da vida guerrilheira. Quando dois combatentes do grupo de Viktor foram descobertos roubando bens de um camponês, o russo reuniu sua unidade, leu uma ordem sobre a natureza do crime e, então, ordenou que fossem fuzilados.

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üiEra um sistema duro, que mostrava pouca tolerância para com os que não se conformavam com o regulamento.

Apesar das diferenças marcantes entre o grupo dos irmãos e a unidade dos guerrilheiros, Tuvia compreendia a necessidade de administrar a base com mão firme e segura. ”Tem que haver disciplina”, dizia. ”Você deve obedecer, mesmo que saiba que morrerá. Se receber ordem de fazer algo, você faz. É proibido dizer não.” Quando um jovem combatente judeu, Peretz Shorshaty, abandonou a unidade sem permissão para ingressar numa unidade soviética, porque queria se concentrar mais em lutar do que em encontrar alimento, ele foi capturado pelos soldados Bielski, interrogado pelos comandantes e acorrentado a uma peça de máquina agrícola que havia sido arrastada até a floresta. Estava certo de que planejavam executá-lo. Depois de dois dias sem comida, foi finalmente solto - e se curou de qualquer vontade de se juntar a outra unidade.

Para Tuvia, essa espécie de controle total mantinha o grupo unido em seu propósito e dava aos membros maior probabilidade de sobreviver à guerra. E se ele e os irmãos transmitiam um ar de ameaça, bem, isso só tornava a tarefa mais fácil. O estigma de autoridade dos irmãos se destinava a criar atrito. Mas reclamações e desafios à liderança eram sempre silenciados quando o perigo rondava.

Enquanto maio de 1943 prosseguia, os irmãos mais uma vez se preocupavam com a segurança do acampamento - sobretudo porque o rápido crescimento da população tornara sua localização amplamente conhecida. Primeiro, um avião alemão mergulhou baixo e disparou uma torrente de projéteis. Depois, um dos guardas montados chegou galopando ao acampamento e anunciou que caminhões alemães estavam entrando na floresta. Tuvia imediatamente instruiu os não-combatentes a se retirarem mais para o interior dos bosques, enquanto os combatentes assumiram posições de defesa contra a força inimiga.

Sem aviso - e sem disparar um tiro -, os caminhões subitamente pararam longe da base e inverteram a direção, abandonando a floresta pelo mesmo caminho que haviam chegado.

Era um sinal claro para Tuvia e seus irmãos que estava na hora de se mudarem novamente. Quanto tempo restaria até que os alemães percebessem seu erro e retornassem aos bosques de StaraHuta?

Todos se juntaram em volta dos comandantes e Tuvia deu um passo à frente para proferir algumas palavras. ”Não posso prometer nada”, disse. ”Poderíamos viver um dia. Poderíamos viver mais. Mas temos que ir para outra floresta, porque eles descobriram que estamos aqui. Não temos que ser heróis. Temos apenas que nos manter vivos durante esta guerra. Quem quer que o faça, este é o maior herói.”

Anos depois, uma das jovens do grupo, Leah Kotler, se lembrou de que o líder foi se emocionando cada vez mais à medida que falava. ”Lágrimas correram pela face daquele gigante”, contou ela.

Tudo o que podia ser empacotado foi colocado em carroças puxadas por cavalos, e urna procissão lenta teve início, rumo a uma pequena floresta chamada Yasinovo, a poucos quilômetros dali. Eles avançaram em uma única fila enquanto a noite caía; cada pessoa fora instruída a seguir a que estava imediatamente a sua frente. A fila se estendia por mais de um

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quilômetro. Um ajuntamento de cavalos e vacas marchava ao lado do cortejo.

Depois que chegaram a uma floresta densa, cheia de choupos jovens, várias cozinhas comunitárias foram instaladas para alimentar a multidão. Elas consistiam principalmente de fogueiras que aqueciam uma profusão de panelas. Grupos menores puseram-se a criar abrigos temporários, usando lona e madeira, mas muitos simplesmente encontraram um arbusto e tentaram adormecer sob sua proteção. A perspectiva de construir outra base a partir da madeira bruta era desanimadora para a maioria. O

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campo de Stara-Huta começara a dar a impressão de ser alguma coisa parecida com um lar. Agora deveriam fazer tudo novamente, eles perceberam, exaustos. Mas por quanto tempo mais, até que os alemães os encontrassem ali?

Não muito, do jeito que as coisas ocorreram.

Dias depois da chegada ao novo local, Tuvia e seus irmãos ouviram, dos contatos camponeses, rumores sobre a possibilidade de mais excursões alemãs nas florestas. Até quando poderemos continuar com isso?, Tuvia se perguntava. Até quando seremos capazes de proteger uma massa tão grande de pessoas? Quando ficaram sabendo da possibilidade de outro ataque, eles tinham uma única opção - era tempo de se mudarem de novo, mais para o interior da floresta.

No momento em que tomaram a decisão, Tuvia recebeu uma mensagem instruindo-o a viajar para participar de uma reunião coordenada por Fyodor Sinitchkin, o comandante da Brigada Lênin, à qual pertencia o destacamento dos irmãos.

Tuvia montou em seu cavalo de manhã cedo e se preparou para cavalgar até o local do encontro, a vários quilômetros dali.

”Vocês dois devem remover todo mundo daqui amanhã pela manhã”, Tuvia disse para Asael e Zus. ”Acho que não devemos mais protelar a mudança.” Eles concordaram que era uma boa idéia.

Depois que Tuvia deixou o acampamento, Zus, Asael e vários homens partiram a cavalo para patrulhar a região. Voltaram tarde da noite, decididos a ter algumas horas de sono antes de tratar dos planos de evacuação na manhã de 9 de junho de 1943.

Cerca de meia hora depois de adormecer, Zus percebeu que Asael sacudia seu pé.

”O que é?” rosnou. ;”Os alemães estão vindo”, Asael disse abruptamente.Sem perder um segundo, Asael se afastou do irmão e correu pelo acampamento, aos gritos, avisando sobre a chegada iminente

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do inimigo. Vários guardas montados galoparam para a base, exatamente quando o roncar dos veículos começava a ser ouvido à distância.

Só então Zus foi arrancado de seu sono. Ele pulou e gritou para Asael: ”Isto é jeito de dar o alarme?!”.

Mas o acampamento de centenas de pessoas já estava tomado pela confusão e histeria extremas. Asael tentou organizar algo como uma evacuação coordenada, exortando o cunhado Abraham Dziencielski a conduzir um grupo grande floresta adentro. Gritos enchiam o ar enquanto as pessoas se esforçavam para obedecer às ordens. Uma retirada organizada era impossível.

Zus e os combatentes agarraram suas armas e se alinharam para constituir uma barreira de defesa, embora o inimigo ainda não estivesse visível através da vegetação da floresta. Então o ronco dos caminhões alemães deu lugar ao fragor do tiroteio. Num instante, um dos guardas montados teve o cavalo abatido e ambos tombaram ao chão num baque violento.

Zus correu na direção do homem. No exato momento em que chegou perto dele, uma

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barragem trovejante de fogo de metralhadora e explosões de granadas de morteiro explodiram sobre a base. Impossibilitado de ver os alemães em meio às árvores, Zus calculou que a força atacante devia contar com mais de cem homens. Eles se aproximavam rapidamente da posição dos irmãos.

”Todos devem se retirar!”, gritou Asael. ”Saiam daqui agora!”

Centenas de residentes do acampamento correram para o interior da floresta, para longe do som do ataque alemão, abandonando cavalos, vacas, utensílios de cozinha e tudo o mais que haviam reunido nos últimos meses. Depois de alguns minutos, o som das armas de fogo cessou, mas a fuga para a segurança continuou. Durante uma hora ou duas, a multidão aterrorizada de alguma forma se organizou em diversos grupos grandes, espalhados numa área extensa das florestas.

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Zus e Asael procuraram cada grupo pelos bosques e por fim conseguiram encontrar quase todo mundo. Depois de interrogar os líderes de cada grupo, descobriram que cinco ou seis homens haviam sido mortos durante a investida e que três mulheres e uma criança tinham sido atingidas enquanto tentavam fugir. A força judaica, eles sabiam, não matara nenhum alemão.

Dez baixas - uma tragédia, mas poderia ter sido muito pior. Os irmãos Bielski sabiam que tinham impedido mais um desastre.

Zus, porém, estava zangado. A desorganização dos não-combatentes havia atrapalhado uma defesa militar coordenada da base, ainda que a força inimiga fosse muito superior. Percebeu que chegara a hora de os irmãos dividirem o grupo em dois - o dos não-combatentes e o dos guerrilheiros. Era preciso que os soldados tivessem alguma oportunidade de lutar sem ter que se preocupar constantemente com a segurança dos civis. Vamos ser mortos se continuarmos agindo dessa maneira, pensou.

Como estava distante vários quilômetros durante o momento do ataque, Tuvia não teve conhecimento do que estava acontecendo. Um mensageiro interrompeu sua reunião com Fyodor Sinitchkin com as notícias e o comandante soviético instou Tuvia a voltar para sua gente de imediato.

Ele galopou de volta para a base e a encontrou deserta. Apenas um único homem permanecera, o que estava escalado para cuidar dos cavalos. Seu nome era Lippa Kaplan, embora todos o conhecessem como ”Lippa, o Preto”, assim chamado porque raramente tomava banho. Ele havia subido num abeto alto e, lá de cima, vira quando os alemães entraram na área procurando por judeus remanescentes. Tuvia e o pequeno grupo, após encontrarem uns poucos extraviados, passaram a noite na floresta antes de patirem para o local, perto do rio Neman, onde Zus e Asael haviam reunido o grupo.

Depois de consultar os irmãos, Tuvia falou sobre o novo176plano de ação. Ele se opôs à idéia de Zus de dividir o grupo. Em vez disso, sentia que era tempo de se mudarem para um local distante, uma Terra Prometida para os guerrilheiros, onde a unidade pudesse viver como no último ano - todos juntos.

”Um grupo assim grande não pode se esconder dessa maneira”, disse para toda a comunidade. ”O último ataque não foi tão desastroso, mas ouvimos falar que o Exército alemão está trazendo reforços para lutar contra os guerrilheiros. Logo estarão procurando por nós. Assim, decidimos mudar para a Puscha Naliboki.”

A puscha ficava cerca de trinta quilômetros a leste de Novogrudek - uma floresta antiga cheia de canais e pântanos que era uma colméia de atividade guerrilheira desde os primeiros dias da guerra. Por centenas de anos, rebeldes e prescritos tinham usado a puscha como base para ações de uma ou outra espécie contra quem quer que estivesse governando a cidade. E por uma boa razão: é difícil entrar nela e, uma vez lá dentro, encontrar o caminho de volta.

Para alcançarem a grande floresta, teriam de fazer uma viagem perigosa em território ocupado, mas os irmãos achavam que lá estariam mais seguros do que nas pequenas florestas em que tinham vivido no último ano. A transferência também significava abandonar uma área já muito familiar para eles, uma região onde haviam estabelecido alianças com gentios e intimidado potenciais informantes. Mas os alemães pensariam duas vezes antes de penetrar

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numa floresta tão fortemente guarnecida. Talvez ali o grupo pudesse finalmente encontrar um mínimo de segurança.

Tuvia cavalgou à frente do grupo e vadeou o rio para medirlhe a profundidade. Encontrou um trecho que pareceu raso o bastante para ser atravessado e, lentamente, encaminhou seu cavalo para dentro do rio, que fluía lentamente. O resto do grupo formou uma corrente humana e o seguiu. As crianças foram carregadas

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nos ombros dos pais, enquanto os guerrilheiros ajudavam os idosos a transpor a corrente. Tuvia gracejou, dizendo que ele estava conduzindo seu povo através do rio Neman.

Mas ninguém tinha ânimo para gracejos, como Tuvia se recordou mais tarde. Alimentos e armas eram escassos e muitas pessoas estavam adoecendo pela constante exposição às forças da natureza. Grande parte do que tinham acumulado se havia perdido em Yasinovo. Agora, teriam que atravessar um território desconhecido, numa época em que corriam rumores sobre mais caçadas humanas levadas a cabo pelos alemães.

Enquanto a marcha prosseguia, pequenos grupos de guerrilheiros foram despachados para procurar extraviados que pudessem ter se perdido após o ataque. Depois de quatro ou cinco dias caminhando à noite e descansando durante o dia, quase todos os integrantes do grupo chegaram a uma aldeia na beira norte dapuscha. Várias unidades russas estavam baseadas lá e seus membros olharam com simpatia o grupo maltrapilho que entrava claudicante na aldeia. ”Não se preocupem”, disse-lhes um líder guerrilheiro. ”Os líderes estão pensando em vocês. Todos iremos sobreviver a isso.”

Após alguns dias, a unidade se pôs em marcha novamente, com destino a uma localidade na parte sul da puscha, o lago Kroman, uma viagem que os conduziu através do coração da grande floresta. Para a unidade Bielski, era uma experiência completamente diferente das mudanças anteriores. Até então, os irmãos tinham montado seus acampamentos perto o suficiente de alguma aldeia que pudesse ser facilmente alcançada por seus combatentes. Mas esse ermo era muito mais amplo, com pouquíssimas trilhas e raros vestígios de vida camponesa. Os caminhantes sentiam como se tivessem ingressando em outro mundo, um lugar intocado pela malignidade da ocupação alemã. Enquanto avançavam, escutaram os lobos uivar ao longe e foram prevenidos sobre os ursos

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negros. Um rapaz de Lodz tentou levantar o ânimo de todos cantando e contando piadas.

Finalmente chegaram à beira do lago Kroman e ali caíram, prostrados de cansaço. Como sempre, a alimentação era a principal preocupação. Entrementes, uma unidade russa que se encontrava nas proximidades deu aos judeus várias sacas de centeio. Eles misturaram o centeio com farinha e água e prepararam uma papa que era cozida duas vezes por dia para alimentar a unidade. Embora insossa, ela livrou oitocentas pessoas de morrerem de fome.

Os combatentes agora teriam que fazer a viagem de volta para a antiga área da unidade. Fyodor Sinitchkin, o comandante da brigada à qual o destacamento dos irmãos pertencia, havia determinado antes que o grupo Bielski só confiscasse alimentos de aldeias especificadas. Os irmãos sabiam que, se obtivessem víveres das aldeias que circundavam a puscha, a liderança guerrilheira os acusaria de roubo e, possivelmente, os destituiria do comando. Assim, os combatentes - Asael liderou um grupo de cinqüenta homens

- foram enviados de volta sem demora.

Mal chegara à puscha, Tuvia foi informado de que deveria se apresentar no quartel-general do guerrilheiro que ocupava o posto mais elevado de hierarquia num raio de centenas de quilômetros, o general Platon.

Os irmãos chamavam o russo corpulento e calvo de ”supremo comandante guerrilheiro”, mas seu título oficial era secretário do Comitê Distrital Secreto de Baranovich do Partido

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Comunista de Bolcheviques em Belarus. Ele tinha sido lançado de pára-quedas na região vários meses antes, para assumir o comando de todas as operações guerrilheiras na área compreendida entre Lida, ao norte, e Baranovich, ao sul, e de Ivenets, a leste, até Shchuchin, a oeste - um imenso terreno de florestas, campos e pequenas cidal?9

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dês que se estendiam por 135 quilômetros de leste a oeste e cem quilômetros de norte a sul. No final do ano, a região de Platon fora dividida em quatro distritos, que contavam com um total de 23 brigadas, compostas de 116 destacamentos (sendo um deles a unidade dos irmãos).

Dois anos mais velho do que Tuvia, Platon era membro do Partido Comunista desde que saíra da escola militar, no final dos anos 1920, e ocupara algumas posições no partido antes da deflagração da guerra. Em assuntos marciais, era conhecido por sua estrita objetividade. Em todas as demais áreas, era jovial e alegre.

”Ele tinha um estômago saliente”, contou Grigori Shevela, um comandante guerrilheiro russo, camarada de Platon. ”Sempre tentava encolher a barriga, para fingir que ela não existia. Tinha um talento especial para o chiste. Lembro-me de que, uma vez, dois homens que estavam de sentinela atiraram num avião alemão que voava baixo. De alguma maneira, acertaram o tanque de gasolina e o avião caiu. Foi um milagre. Quando lhes deu uma medalha, Platon disse: ’Como se atreveram a abater um avião alemão, quando deviam estar de sentinela?’. Os homens riram e prometeram: ’Nunca mais’. Ele era um homem divertido. Receptivo a todo mundo.”

Mas Platon também tinha um registro desfavorável em sua carreira militar. Em 1937, um acusador anônimo o denunciou por alguma falta observada contra o Estado e, como punição, ele foi exilado para o extremo oriente da União Soviética. Durante os seis últimos anos, ele pouco a pouco reconquistara a confiança de seus superiores. Sua posição elevada em Belarus ocidental representava uma reabilitação considerável de sua reputação.

com uma pequena escolta, Tuvia galopou para um local na parte norte àapuscha, onde o centro de comando de Platon estava situado. Ele esperava causar uma boa impressão no general. Queria comunicar-lhe a importância da contribuição dos judeus na

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luta guerrilheira e convencê-lo de que sua luta puramente judaica era também um combate soviético. Mas, além disso, queria registrar uma queixa sobre o número crescente de histórias que ouvia sobre ataques de bandos soviéticos a grupos reduzidos de judeus. Estes eram forçados a entregar suas armas, o que efetivamente os deixava impotentes diante dos alemães e outros inimigos.

Os guerrilheiros judeus chegaram com estrépito à base. Depois de passar por uma barreira, Tuvia foi levado ao estado-maior do general Platon, que não se assemelhava a nada que Tuvia já tinha visto na floresta. Era um gabinete de um oficial do Exército de verdade, cheio de mapas e jornais, com paredes forradas com seda de pára-quedas-um artigo caro e difícil de obter. Binóculos, bússolas, pistolas e outras peças da parafernália bélica estavam espalhados ao redor e rádios emitiam ruídos de estática na comunicação com unidades combatentes distantes.

Platon acolheu Tuvia na sala e o apresentou a alguns de seus comandantes subordinados.

Depois que as preliminares terminaram, Platon disse: ”Por favor, conte-nos sobre seu destacamento”.

Tuvia descreveu em linhas gerais como o grupo havia surgido, como operava para salvar cidadãos ”soviéticos” dos guetos, como punia colaboradores e atacava a infra-estrutura alemã

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e postos isolados. Disse que a unidade agora tinha oitocentos membros bem maior do que um destacamento médio de guerrilheiros, de

150 membros -, mas observou que muitos deles estavam desarmados.

Platon teve uma boa impressão do relato. ”Você é um combatente determinado e um born bolchevique”, elogiou, o que fez Tuvia se sentir como se tivesse conquistado um aliado precioso. ”Os demais comandantes deveriam seguir sua linha. Precisamos conservar as forças combatentes vivas para executar as ordens do camarada Stalin.” •’.••>•••.’••. - ; . í, >: ;r

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O comandante judeu mencionou então as denúncias sobre ataques anti-semitas contra grupos judeus. Platon concordou que era um assunto muito sério e comprometeu-se a investigá-lo em breve.

O general então contou a Tuvia que o destacamento dos irmãos passaria por algumas mudanças cosméticas. Dali por diante, se chamaria Destacamento Ordzhonikidze, em homenagem a Grigori Ordzhonikidze, um antigo líder soviético e comandante do Exército Vermelho morto em circunstâncias misteriosas em 1937.

O nome da brigada de Fyodor Sinitchkin também estava sendo mudado de Lênin para Kirov. Seus quadros continuariam a abranger a unidade dos irmãos, o Destacamento de Outubro, de Viktor Panchenkov, e três outros grupos.

O general, porém, tinha assuntos muito mais urgentes para discutir com Tuvia e os demais comandantes. Os alemães se aproximavam. Estavam vindo para a Puscha Naliboki e chegando em número nunca visto na região.

”É hora de nos prepararmos para um imenso ataque”, disse.

Platon passou a palavra a um de seus auxiliares mais graduados, um russo alto, barbudo, de olhar feroz, chamado Yefim Gapayev e conhecido pelo nome de guerra de ”Sokolov”.

Ele esboçou um plano para fortificar a floresta. As brigadas receberiam a incumbência de defender seções, e os destacamentos dessas brigadas deveriam defender partes de cada seção. Depois que Sokolov acabou de falar, Tuvia observou que, como seu destacamento tinha uma grande população de idosos e crianças, precisaria de ajuda para defender sua seção. Sokolov então designou combatentes de outra unidade russa para dar assistência ao grupo judeu.

Tuvia deixou a reunião chocado com a idéia de enfrentar

outro ataque, que faria todas as outras incursões contra sua unidade parecerem brincadeira de criança. Em vez de encontrar um

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refúgio seguro napuscha, acabara conduzindo seu grupo para um local que oferecia riscos ainda mais sérios.

Ele e seus homens se apressaram a regressar àbase. Depois de chegar, Tuvia destacou um grupo para cortar árvores, a fim de bloquear o acesso dos alemães à floresta. Trincheiras foram cavadas nas bordas da floresta e minas - construídas por um membro do grupo Bielski, que aprendera a arte com um combatente soviético

- foram colocadas ao longo das trilhas.

O moral do grupo judeu desceu a seu ponto mais baixo. ”O que poderemos fazer com tão poucas armas contra um inimigo tão forte e terrível?”, alguém perguntou a Tuvia. A verdade era que ele não sabia.

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8. Julho de 1943 - Setembro de 1943

O ataque alemão estava assumindo as dimensões de tudo o que Tuvia temia.

O general nazista Curt von Gottberg enviara um enorme grupo de combatentes veteranos antiguerrilha para suprimir todos os ”bandidos” numa extensa área de território, da Puscha Lipichanska à Puscha Naliboki. ”Grupos guerrilheiros devem ser aniquilados, seus acampamentos e abrigos destruídos e suas provisões confiscadas”, lia-se em uma ordem de 7 de julho, distribuída aos comandantes nazistas que participavam da Operação Hermann, o nome em código da ação prestes a iniciar-se. O ataque também abrangeria incursões nas aldeias consideradas simpáticas aos guerrilheiros, durante as quais criações de animais, mercadorias e produtos deveriam ser confiscados, e os camponeses executados ou enviados para a Alemanha a fim de reforçar a força de trabalho escravo. Seria, como as ordens nazistas declaravam, ”uma concentração implacável de forças”.

As unidades combatentes nazistas haviam passado boa parte do ano anterior esquadrinhando os territórios ocupados e diri184

gindo campanhas de terra arrasada contra todos os que elas decidiram rotular como guerrilheiros. Muitos dos integrantes das tropas já tinham participado de extermínios anteriores de judeus em Belarus, Lituânia e Ucrânia como membros de formações ss-Einsatzgruppen. Depois que a tarefa de eliminar os judeus da União Soviética tinha sido quase inteiramente completada, os assassinos foram transferidos para batalhar contra os guerrilheiros.

A mais notória dessas formações era uma unidade ss-Sonderkommando (comando especial), chefiada pelo ss-Obersturmbannführer (tenente-coronel) Oskar Dirlewanger. com cerca de novecentos homens divididos em seis companhias, havia sido constituída em!941por ordem de Heinrich Himmler, o Reichsführer-ss, e seu contingente foi formado com homens por ele libertados de prisões alemãs. Dirlewanger era tão sinistro quanto qualquer um deles. Mesmo Himmler o considerava ”um tanto excêntrico”.

com olhos encovados, malevolentes, Dirlewanger era um veterano da Primeira Guerra Mundial que se engajara no Partido Nazista, tornando-se por fim membro das tropas de assalto SÁ em

1934. Mais tarde, foi preso por ter relações sexuais com uma menor, infração que o levou a ser expulso do Partido Nazista, devido à ”natureza baixa dos crimes” e ao ”caráter inferior demonstrado

por suas ações”. Depois de cumprir vinte meses de prisão, passou dois anos combatendo com uma unidade alemã na Guerra Civil Espanhola.

Em 1940, após uma campanha bem-sucedida para a revisão de sua condenação, Dirlewanger foi aceito nas ss e encarregado do comando do regimento criminal de Himmler. No princípio de

1942, depois de servir por algum tempo na Polônia, a unidade foi transferida para a União Soviética, onde começou a lutar contra guerrilheiros e não teve escrúpulos em se voltar contra civis. Dirlewanger prendia mulheres e crianças e as forçava a marchar sobre

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campos minados. Incendiava aldeias inteiras e massacrava sua população civil, muitas vezes depois da mais leve insinuação de que os residentes eram simpáticos ao inimigo. Por tudo isso, ele foi elogiado em Berlim. No decorrer do ano, Dirlewanger recebeu quatro medalhas por seu valor, e vários de seus homens foram recompensados com promoções.

Durante a primeira metade de 1943, Dirlewanger e seus comandados promoveram pilhagens, incêndios e assassinatos ao longo de sua marcha através de Belarus, numa campanha que levou à morte dezenas de milhares de camponeses bielo-russos e poloneses, e à destruição de centenas de aldeias, muitas delas jamais reconstruídas. Em dois dias do mês fevereiro, a unidade destruiu quatro aldeias é, num único dia em março, ”purificou”, na linguagem eufemística de um relatório de combate, outras três. Em princípios de maio, Dirlewanger relatou que havia exterminado 386 guerrilheiros e 294 civis, enquanto apenas três de seus homens tinham sofrido ferimentos-o tipo de cifra que levou historiadores como French MacLean a concluir que a unidade estava simplesmente realizando massacres.

A Operação Hermann seria sua 16s campanha antiguerrilha de larga escala. À sua unidade somaram-se outras, de reputação igualmente cruel. Uma delas, o Regimento 2 de Polícia ss, já havia se unido a Dirlewanger em duas grandes operações realizadas em abril, uma delas para erradicar combatentes hostis da cidade de Minsk. A Operação Hermann incluía ainda uma brigada de infantaria SS, um regimento de fuzileiros, pelotões de gendarmes, uma unidade de atiradores poloneses, unidades do comando SD, regimentos da polícia lituana e frotas aéreas da Luftwaffe.

Esperava-se que as tropas seguissem os guerrilheiros para onde quer que eles fugissem, o que significava marchar por florestas e pântanos, expondo-se ao risco de minas e armadilhas.

”Deve-se observar, particularmente de encontros anteriores186com guerrilheiros, (...) que, logo que perceberem que estão sendo atacados pelos alemães, [eles tentarão] ocultar-se em pântanos intransitáveis ou se disfarçar de pacíficos habitantes locais”, declaravam as ordens da Operação Hermann. ”Neste território cortado por pântanos e cursos d’agua de todas as dimensões, as tropas devem estar preparadas para usar as vias aquáticas e a construção de pontes auxiliares.”

As forças alemãs marcharam para a batalha em 15 de julho. Transcorreriam ainda vários dias até que o inimigo se aproximasse do grupo Bielski, acampado perto do lago Kroman, na Puscha Naliboki.

Os irmãos e seus combatentes ouviram os sons trovejantes da batalha muito antes de presenciarem qualquer ação. Os alemães empregaram máquinas pesadas para pôr de lado as árvores tornbadas que bloqueavam as precárias trilhas que conduziam ao interior da puscha. O acesso foi liberado nos últimos dias de julho, e veículos blindados roncaram bosques adentro. Os não-combatentes Bielski foram enviados para o interior da floresta, enquanto cerca de cem guerrilheiros judeus, junto com duzentos aliados russos, ficaram à espera para lançar um ataque-surpresa contra o inimigo que se aproximava vindo do leste.

Antes, porém, que os alemães estivessem ao alcance do fogo, um guerrilheiro russo - um traidor, como se soube mais tarde detonou um único tiro de fuzil, alertando-os sobre a emboscada iminente. Os nazistas saltaram dos caminhões e atiraram em todas

as direções, enquanto os guerrilheiros abandonavam suas posições e corriam para o interior

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da floresta.

Os combatentes Bielski voltaram ao local onde se encontravam os não-combatentes. A disposição de ânimo de todos era, compreensivelmente, tensa. Logo chegou a informação de patrulhas soviéticas de que apuscha-naturalmente, um território não familiar para os irmãos - estava sendo completamente cercada.

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Os alemães ocupavam todas as pequenas aldeias que circundavam os limites da grande floresta. Primeiro, a cidade de Naliboki, poucos quilômetros a leste, tombou aos invasores. Depois, o lugarejo de Kletischa, uns poucos quilômetros ao norte da posição dos irmãos, foi tomado. O cerco se fechava.

As forças alemãs começaram então a penetrar na floresta, e os guerrilheiros do general Platon ofereceram uma defesa enérgica. Mas, depois de algumas horas, ficou claro que as tropas nazistas não encontrariam muita dificuldade em se mover mais para o interior dos bosques. Os guerrilheiros se retiravam para mais longe a cada hora.

com os combates ainda ecoando à distância, um comandante guerrilheiro polonês cavalgou até o acampamento dos irmãos com novidades sobre os alemães: eles estavam agora a apenas dois quilômetros dali.

”Seja bravo, senhor”, disse o polonês, estendendo a mão para Tuvia. ”Estamos cercados por todos os lados.” Então ele voltou às pressas para seus homens, enquanto os irmãos meditavam sobre sua próxima ação.

Mas eles estavam em dúvida sobre como reagir. Depois de algumas horas, Tuvia e Asael galoparam para uma unidade russa próxima, na esperança de obter mais informações a respeito dos movimentos alemães. Foram informados que o grupo do comandante polonês já havia sido desbaratado e que os alemães eram esperados na área da base dos Bielski na manhã seguinte.

”O que você vai fazer?” Tuvia perguntou ao comandanterusso. .”Precisamos sair daqui!”, disse o homem.”Mas para onde?”, Tuvia perguntou. O homem não deu nenhum conselho a Tuvia, dizendo por fim que agisse ”como achar melhor”.

Tuvia e Asael voltaram ao campo, onde um ajuntamento ner188

voso de oitocentas pessoas - combatentes e não-combatentes aguardava instruções. Os guerrilheiros russos a cavalo passavam a galope pelo acampamento, numa sugestão de que uma batalha era iminente. Tuvia sabia que todos esperavam que ele apresentasse algum tipo de plano. Mas ele não tinha nenhum. Em vez disso, tentou mostrar-se controlado. Não podia permitir que o grupo embarcasse na histeria.

Anunciou que era possível se esquivar dos alemães. Era possível sobreviver a essa provação. ”O que precisamos é de coragem serena”, disse.

Nem todo mundo se sentiu tranqüilizado. Grisha Latij, o gentio que era líder da célula rebelde da Komsomol, juntou alguns aliados e se retirou da base. Tinham decidido lutar por sua própria conta e risco. A atitude provocou pânico imediato. Uma grande multidão tentou acompanhar Grisha e seus homens, uma vez que eles de fato pareciam saber o que estavam fazendo.

Desconcertado pela agitação, Tuvia percebeu que ele precisava deter esse ato de insurreição. Ele correu para diante do grupo de Grisha e ordenou a todos que voltassem para o acampamento. ”A noite está chegando”, gritou. ”Os alemães não atacarão durante a noite. É quando nós escaparemos! Todo mundo deve voltar!”

Milagrosamente, todos o obedeceram.

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Nas poucas horas seguintes, grupos guerrilheiros continuaram a passar por perto, em direção a posições mais profundas na floresta. À medida que a noite caía, os sons da fuzilaria foram cessando. Como Tuvia tinha previsto, os alemães estavam se acomodando para um repouso noturno.

Tendo prometido um plano de fuga, Tuvia sabia que agora teria que apresentar um. Sentia-se cada vez mais embaraçado por sua falta de imaginação. Então, dois homens se chegaram a ele com uma idéia. Diferentemente de tantos outros no grupo Bielski, Michel Mechlis e Akiva Shemonovich tinham um conhecimento

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profundo do terreno da puscha. Mechlis fora inspetor florestal antes da guerra e Akiva era um negociante que exercia sua atividade perto da puscha.

”Sabemos para onde ir”, Mechlis disse a Tuvia. ”É um caminho difícil, através dos pântanos. Mas se alcançarmos uma ilha, Krasnaya Gorka, poderemos sobreviver.”

”Como você pode ter certeza de que os alemães não chegarão lá também?”, Tuvia perguntou.

”Não há garantia”, respondeu Mechlis.

Não havia outra opção. A decisão de viajar à noite através dos pântanos de Krasnaya Gorka foi tomada. Tuvia se dirigiu ao grupo.

”O inimigo está muito próximo, mas decidimos nos embrenhar ainda mais no interior da floresta”, disse. ”Nós atravessaremos um terreno difícil e lamacento. Devemos manter absoluto

silêncio e todos devem obedecer às ordens. Deixem todos os objetos não essenciais para trás - não queremos abandonar coisas ao longo da marcha que sirvam de pista para o inimigo. Carreguem tanta comida quanto conseguirem e isso basta.”

Todos entupiram os bolsos com grãos de trigo e centeio, punhados de ervilhas secas e rabanetes mofados. Vacas e cavalos que eles tinham obtido nas últimas semanas foram abandonados nos ermos da puscha. Então, essa massa extraordinária de gente seguiu Mechlis através dos pântanos. Muitos tiraram os sapatos, pensando que seria mais fácil avançar pela lama descalços. As crianças foram carregadas nos ombros dos pais.

Devagar e em silêncio, numa noite sinistra sem vento, o grupo de oitocentas pessoas se moveu pelos pântanos, uma atrás da outra. Os únicos sons vinham do chapinhar dos pés descalços afundando na lamaceira e do mugido das vacas que vagavam em algum lugar ao longe. A água às vezes chegava à altura do peito, enquanto em outras ocasiões mal alcançava os tornozelos dos caminhantes. ....... ; ; *

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Por volta da meia-noite, o som de um alto-falante ecoou ao longe. As palavras chegaram primeiro em russo, depois em polonês. ”Guerrilheiros! Vocês sabem que não podem lutar uma guerra contra nossos tanques e canhões. Quando o dia amanhecer, abandonem suas armas e rendam-se.”

Pouco antes da aurora, o grupo chegou a um lugar seco entre arbustos, e muitos tombaram ao chão, exaustos. Mas ainda não haviam chegado à ilha de Krasnaya Gorka. A provação estava longe do fim. Mesmo assim, alguns adormeceram. Qualquer um que roncasse era acordado, para impedir a difusão de sons desnecessários. Sentado em silêncio em meio a sua gente, Tuvia se lembrou dos primeiros dias em que o grupo fora para a floresta, quando tinham que se preocupar com qualquer som que fizessem.

Quando o sol nasceu, Tuvia, Asael e o guia Mechlis encontraram um caminho seco, que os levaria de volta ao acampamento que haviam abandonado na noite anterior. Decidiram ver onde os alemães estavam.

Furtivamente, seguiram para o antigo acampamento e, por um instante, Tuvia pensou que talvez o perigo tivesse passado e que

- quem sabe? - os alemães houvessem partido. Então, de repente, o som de fuzilaria pesada

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vibrou no ar. Os três mergulharam nos arbustos e esperaram o tiroteio acabar.

Era evidente para Tuvia que os tiros vinham de alemães que estavam na base ou muito perto dela. Logo que as descargas cessaram, os três se lançaram às pressas de volta para o grupo.

Quando tinham avançado umas poucas centenas de metros, o fogo recomeçou. ”Pensei que estávamos acabados”, disse Tuvia. Ele calculou que os alemães estavam a cerca de meio quilômetro e teve certeza de que haviam sido notados.

Mais uma vez se atiraram ao chão, de onde ouviram os berros dos voluntários bielo-russos que serviam na vanguarda dos alemães. ”Peguem os animais!”, eles gritavam. ”Peguem os animais!”

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De algum modo evitando serem descobertos, eles correram de volta ao grupo, que, mais uma vez, entrou em pânico. Uma mãe implorava à filha pequena que parasse de chorar; um ancião murmurava orações em voz quase inaudível. As granadas dos morteiros alemães atingiam o topo das árvores próximas, fazendo as fagulhas se espalharem em todas as direções.

Tuvia impeliu todos para o pântano. A tensa caminhada para Krasnaya Gorka recomeçava.

Estavam com sorte. A parte do pântano que o grupo vadeava tinha um capinzal alto, permitindo que as pessoas se ocultassem. Aviões da Luftwaffe sobrevoaram a área, mas nenhum conseguiu localizar a comprida fila de caminhantes. As vozes alemãs podiam ser ouvidas ao longe - ”Heinz, segure o cavalo!”, um homem gritou -, mas nenhum soldado enxergou as centenas de fugitivos passando em meio à vegetação.

com o passar das horas, a fadiga fez com que alguns caminhantes vacilassem, e eles tiveram que ser incitados a continuar. Os suprimentos escassos de víveres se aproximavam do fim e todos sofriam a agonia da fome. As mulheres se inclinavam sobre os homens a sua frente e os combatentes tinham que amparar os idosos, para que não caíssem na água.

Ao anoitecer, a unidade chegou a uma área enflorestada que, apesar de submersa na água, fornecia proteção razoável. ”Emendei meu cinto e o cinturão da arma juntos, atei-me a um tronco de árvore e dormitei intermitentemente”, contou Tuvia. ”Logo a maioria seguiu meu exemplo, enquanto outros subiram nas árvores, em busca de uma posição mais confortável.”

Entre os que não dormiram, houve quem procurasse por alimento e conseguisse achar alguns pés de framboesa. ”Não tínhamos absolutamente nada para comer”, contou Leah Johnson, nascida Bedzovsky. ”Quando encontramos os bagos nas árvores, não sabíamos se eram apropriados para comer. Foi terrível.” A noite

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passou devagar e - extraordinariamente-em silêncio. As crianças permaneceram quietas durante toda a provação.

na manhã seguinte, a neblina tinha se dissipado e o grupo se pôs de pé para continuar a marcha rumo ao norte, na direção de Krasnaya Gorka. A sorte mais uma vez os favoreceu: a ilha ficava a apenas uns cem metros dali e, logo depois, oitocentas pessoas estavam numa área mínima de terra, cercada de pântano por todos os lados.

Mas os sons do fogo de artilharia continuavam a se propagar no ar. Mesmo com a chegada do grupo ao que parecia um refúgio seguro, o perigo ainda não havia passado.

E agora? O plano de Tuvia era permanecer nessa ilha no meio dos pântanos, no interior da imensa puscha, até que os alemães suspendessem o cerco. Mas quanto tempo isso levaria? E, mais urgente, como fariam para obter comida? Tinham poucos víveres no começo da viagem para Krasnaya Gorka. Agora, não restava quase nada.

Depois que todos se acomodaram, os irmãos fizeram uma chamada e descobriram que estavam faltando seis pessoas, entre elas um pai e seus dois filhos e um velho chamado Shmuel Pupko. Três homens concordaram em procurá-los. Voltaram à noite, com todos os que haviam se perdido.

Um dia se passou, depois outro, e o problema da alimentação se agravou. Mesmo uma fatia de pão mofado se tornara uma iguaria para ser comida por seu possuidor atrás de uma árvore

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ou arbusto, longe de olhos curiosos e mãos ávidas. Alguns começaram a perder as forças e, exaustos, ficavam prostrados no chão. Começaram a aparecer sinais de inanição, como o inchaço ao redor dos olhos e a descamação da pele. ”Ela simplesmente se desprendia do nosso corpo”, contou Murray Kasten. ”Descascava como papel.”

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O ataque alemão prosseguia por toda parte ao redor do grupo, seus sons ecoando sobre o pantanal. Os combatentes ainda não podiam arriscar-se a viajar para as aldeias em volta da puscha.

Depois que mais um dia se passou, Tuvia decidiu enviar uma patrulha - Akiva Shemonovich e mais alguns combatentes para verificar se era possível chegar até a aldeia mais próxima, Kletischa. Horas depois, eles voltaram com a notícia de que os alemães estavam por toda parte.

Após uma semana, as pessoas começaram a perder as esperanças, e muitos temeram que Krasnaya Gorka pudesse ser o lugar de seu último repouso.

Alguns combatentes passaram a falar em romper o bloqueio, não importando onde os alemães estivessem situados. Vociferante, Zus insistiu que era hora de arriscar uma surtida através das posições nazistas. ”Permanecer ali e morrer de fome não era o que eu queria”, diria mais tarde.

”Ele me disse: ’Não posso suportar a fome. Não posso. Quem vem comigo?’”, contou Sônia, sua mulher.

Oitenta combatentes partiram com Zus, que ameaçou atirar em quem os seguisse. Seu plano era passar furtivamente através das linhas de ataque alemãs e percorrer toda a distância de volta até o teatro de operações anterior dos irmãos, na região de Stankevich, onde ele sabia que poderiam encontrar víveres. Se Zus e seus homens vissem que era impossível passar pelas posições nazistas, ele mandaria um patrulheiro a Krasnaya Gorka, para instruir todos a permanecerem na ilha. Mas se dentro de dois dias não houvesse mensagem alguma, o grupo deveria presumir que a unidade encontrara uma passagem segura. Todos então deveriam seguir por um caminho semelhante de volta para a área de Stankevich.

Era um plano muito arriscado. Se os alemães aniquilassem o grupo de Zus, impedindo-o de enviar um patrulheiro, a unidade de Krasnaya Gorka caminharia para uma armadilha mortal. Mas

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os irmãos sentiram que não tinham outra escolha. Ou saíam logo, ou morreriam de qualquer jeito.

Depois de dois dias sem notícia dos homens de Zus, teve início o pequeno êxodo de grupos de vinte ou trinta pessoas, cada um liderado por guerrilheiros experientes, como Yehuda Bielski, Pesach Friedberg e Yehuda Levin. O último grupo a deixar a ilha foi chefiado por Tuvia, Asael e Layzer Malbin, e incluía os mais fracos e doentes entre os não-combatentes.

Os grupos percorreram o território com todo o cuidado, atravessando os pântanos em direção à beira da puscha. Encontraram pacotes de cigarros alemães jogados fora, montes de cartuchos usados e até jornais alemães amassados. Era como se os alemães houvessem abandonado, pelo menos parcialmente, suas posições.

Por fim, as pequenas unidades Bielski chegaram ao rio que marcava a fronteira ocidental da puscha. Um homem afogou-se; os demais conseguiram sair da Puscha Naliboki em segurança. Poucos tiveram ânimo para comemorações, mas eles sabiam que uma façanha fora realizada. Durante cerca de duas semanas, um grupo fatigado e faminto de oitocentas pessoas tinha se esquivado das tropas mais impetuosas que Hitler jamais lançara na batalha. Era uma

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das grandes fugas da Segunda Guerra Mundial, uma evasão de tal audácia e sorte que fazia todas as outras escapadas milagrosas dos Bielski parecerem meros ensaios.

Mas ninguém estava pensando muito nisso enquanto o grupo regressava à região próxima a Stankevich. Afinal, eles retornavam a uma área de onde haviam fugido dois meses antes por ela haver se tornado demasiadamente perigosa. Muitos acharam que estavam voltando para os braços da morte. ,

Uma das pequenas unidades Bielski, composta de cerca de trinta pessoas, decidiu não retornar à área de Stankevich. Os ho195

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mens permaneceram na puscha com planos de preparar uma base para o grupo maior, na eventualidade de que o território do esconderijo anterior ainda fosse inseguro. A unidade era liderada por Israel Kessler, o homem que fora descoberto pelos irmãos escondendo-se com diversos seguidores perto de Abelkevitch e que tinha se aliado ao grupo rebelde da Komsomol. Ele era nativo da aldeia de Naliboki e se sentia à vontade nas imediações da puscha.

Os irmãos se preocupavam cada vez mais com Kessler, que, de acordo com rumores, fora ladrão antes da guerra, tendo mesmo cumprido pena na prisão. Mas, até então, ele se revelara uma aquisição importante para a unidade e teve autorização dos irmãos para permanecer na puscha. Tuvia ordenou que, por volta de P de setembro, ele mandasse um mensageiro com um relatório dos progressos da preparação da base para a sede do comando dos irmãos, ainda a estabelecer-se.

A unidade de Kessler vagueou pelo interior da puscha, esquivando-se de forças alemãs perdidas, em busca de qualquer espécie de alimento. Encontraram um cavalo que havia levado um tiro. ”Famintos e com medo de acender uma fogueira, cortamos a carne e a comemos crua”, escreveu IsakNowog. Depois, um grupo de oito homens se aproximou de uma casa camponesa e, apesar de ser alvejado e atacado por um cão, fugiu carregando um suprimento proveitoso de víveres.

Poucos dias depois, enquanto o grupo repousava, Kessler levantou-se de um salto, dizendo que sentia cheiro de fumaça. Rapidamente subiu numa árvore para ter uma visão melhor dos arredores.

”Tudo está em chamas!”, gritou lá de cima.

Era evidente que Kletischa, Naliboki e várias outras comunidades em volta da puscha estavam sendo pilhadas e incendiadas pelas forças nazistas em retirada. Os camponeses locais estavam sendo mortos ou colocados à força em caminhões com destino à Alemanha.

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O grupo de Kessler deixou o interior da floresta, a fim de explorar as aldeias. Em todas, os combatentes depararam com a mesma cena. Nenhuma estrutura sequer fora deixada de pé e nenhum habitante vivo pôde ser encontrado. Parecia que os alemães, na impossibilidade de eliminar tantos guerrilheiros quanto esperavam, transferiram sua cólera para os camponeses.

Embora catastrófica para a população camponesa, a destruição das aldeias foi um golpe de sorte para os homens de Kessler. Não apenas significava o fim de qualquer informante potencial ou real, mas também que eles podiam confiscar os víveres e suprimentos que os alemães não tinham conseguido carregar. Um verdadeiro prêmio.

Nas aldeias em ruínas, os guerrilheiros encontraram frangos, porcos e vacas andando a esmo. Recolheram favos nas colméias e vasculharam porões em busca de batatas. Descobriram legumes nos roçados e trigo nos campos, prontos para ser colhidos. Havia carroças, máquinas de costura, ferramentas de sapateiro e debuIhadoras para quem quisesse. Muito do que haviam perdido nas fugas dos ataques alemães durante os dois últimos meses podia agora ser substituído.

No decurso de alguns dias, tudo foi levado para uma pequena base que os combatentes estabeleceram perto da ilha de Krasnaya Gorka. Eles se alimentaram como reis da floresta e

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dançaram em volta da fogueira, carregando Kessler nos ombros. Numa das viagens ao quartel-general guerrilheiro, ofereceram a um dos subcomandantes de Platon uma provisão de cerejas conservadas em mel.

Mas um membro da unidade de Kessler, Abraham Weiner, estava começando a se sentir pouco à vontade com o modo de agir do líder. Ele reparou como Kessler pilhava as casas camponesas em busca de jóias, relógios e outros objetos de valor, em vez de confiscar apenas os itens necessários para a sobrevivência do grupo. Era

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o tipo de comportamento que poderia causar problemas com os guerrilheiros russos.

”Kessler voltou a sua antiga profissão”, Weiner disse mais tarde. ”O ladrão que cumprira pena na prisão e apenas aprendera a escrever o próprio nome em letras maiúsculas na floresta estava fora de controle.”

Sem suspeitar da boa fortuna de Kessler e de seus homens, as pequenas unidades Bielski fizeram a viagem de mais ou menos quarenta quilômetros de volta à antiga área. Depois que o grupo de Tuvia, Asael e Layzer Malbin chegou às proximidades de Stankevich - tinha sido o último a deixar a puscha -, os comandantes tentaram entrar em contato com as demais unidades. No calor de

agosto, os grupos dispersos haviam montado seus próprios acampamentos, que consistiam em abrigos sob lona, como barracas, e uma fogueira, nas florestas pequenas onde os irmãos haviam estacionado antes da viagem para a puscha.

Os combatentes logo procuraram obter alimento com os antigos aliados camponeses e descobriram que a Operação Hermann causara muita destruição na região. A população estava atordoada com a violência, e muitos destacamentos de guerrilheiros soviéticos haviam se desorganizado depois das batalhas. Criou-se um clima altamente carregado nas áreas rurais e os cornbatentes tinham trabalho para assegurar seu sustento. Em vez de trazer itens comparativamente ”de luxo”, como vacas e frangos, eles retornavam aos acampamentos com grandes quantidades de batatas. Depois de tanto tempo com tão pouco no estômago, muitos tinham dificuldade de digerir até uma comida leve como essa.

No caos desses dias pós-Hermann, começaram a vir à tona histórias sobre guerrilheiros soviéticos indisciplinados, muitos dos quais haviam se separado de suas unidades durante os ataques.

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Os judeus conheceram com freqüência a força de sua brutalidade. Num desses casos, um guerrilheiro matou um membro do grupo Bielski que se recusou a lhe entregar suas armas. Depois, um grupo de combatentes soviéticos roubou o jovem Aron Bielski e outros homens da unidade, tomando-lhe as armas, relógios e algumas moedas de ouro.

Encolerizados, os três irmãos imediatamente organizaram uma força de setenta combatentes armados. ”Lutaremos contra eles se as armas não forem devolvidas”, Tuvia disse à tropa. ”Isso está acontecendo com excessiva freqüência para que o ignoremos.”

Os combatentes invadiram o campo russo e Tuvia, Zus e Asael dirigiram-se à cabana do comandante. Como ele estava dormindo, sob o efeito de uma bebedeira, seu substituto perguntou o que significava toda aquela confusão. ”Vocês pretendem nos atacar?”, indagou.

”Sim, seu filho-da-puta”, respondeu Tuvia. ”Se necessário, vamos lutar contra vocês. Quem deu ordens para desarmarem minha gente e meu irmão?” prosseguiu o comandante judeu. ”Sabe quem é Aron Bielski? Sabe o que esse moço já fez pela pátria?”

O russo tentou acalmar Tuvia, mas em vão, pois este estava fora de si de tão enraivecido.

”Quero nossas armas agora!” disse Tuvia. ”Onde elas estão?”

”Calma! Não sei nada sobre isso”, respondeu o outro. ”Espere, espere, you chamar nosso líder.” Ele então acordou o comandante.

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Depois de levantar-se da cama, o russo, cambaleante, ouviu Tuvia lhe contar a história do confisco e exigir que tudo fosse devolvido. ”Se um único cartucho estiver faltando, mataremos todo mundo”, interveio Asael.

O comandante se comprometeu a fazer o que pudesse para resolver o impasse. Saiu da cabana e ordenou a sua tropa que se alinhasse. Os homens se arrastaram às posições e Aron identificou os

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ladrões, onze no total. Então o comandante russo falou: ”Dou-lhes cinco minutos para mostrarem as armas”. Imediatamente, tudo foi devolvido e os irmãos Bielski se acalmaram.

Quando Tuvia estava prestes a deixar a base, o comandante russo o censurou por ter se exaltado tanto. ”Podíamos ter resolvido isso calma e amigavelmente”, disse.

”Sim, eu estava um pouco nervoso”, Tuvia admitiu, apertando-lhe a mão. ”Mas devo lutar pelo que acredito que é direito.”

A cólera dos Bielski, tão enérgica quando despertada, podia também dirigir-se àqueles que faziam parte do próprio grupo, e, durante esses dias tensos, Zus voltou seu temperamento feroz para outro judeu.

Ele se enraiveceu quando ficou sabendo de histórias sobre um homem chamado Kaplan, líder de uma das pequenas unidades Bielski. Dizia-se que ele dava permissão para que seus comandados roubassem os camponeses - um combatente, por exemplo, tinha levado um casaco de pele. Zus também ouviu dizer que Kaplan batera numa mulher do grupo e a obrigara a ficar para trás com o filho quando o líder e sua gente se mudaram para uma nova localidade. Zus apressou-se em confrontar o homem que, no seu entender, estava manchando a reputação dos irmãos.

Seguiu-se uma discussão entre os dois, durante a qual Zus repreendeu Kaplan por tratar mal a tal mulher. Kaplan acusou os irmãos de estarem mais interessados em ouro do que em ajudar pessoas. Zus partiu para cima dele, a fim de agredi-lo. Quando Kaplan virou-se para fugir, Zus apontou sua arma e ordenou-lhe queparasse. v ’ •• > > ’

Kaplan o ignorou.”Não faça isso!” Asael gritou para o irmão.Mas Zus atirou e matou Kaplan. O corpo foi enterrado onde caiu.

• < Para muitos, foi um incidente perturbador. A idéia de umjudeu matando outro judeu, sobretudo numa época em que a vida de seu povo corria tanto perigo, era difícil de aceitar. Aqueles que já desconfiavam da liderança dos Bielski consideraram o episódio um ato escandaloso de criminalidade.

Mas os irmãos sentiram que a execução se justificava, devido à participação do homem em atividades que punham em risco a unidade. Era o tipo de ato brutal que, até então, tinha funcionado em favor do grupo - um dos instrumentos que permitiam que uma multidão tão numerosa continuasse a existir num mundo tão

feroz. na prática, porém, o estilo de comando cada vez mais rigoroso dos irmãos podia ser uma coisa repulsiva de contemplar. A maioria do grupo, grata por ser protegida pelos irmãos, preferia não pensar muito no assunto. : ” ;; ; j i • ?’ :

No fim de agosto, Tuvia reuniu os oitocentos membros do grupo - com exceção da unidade de Kessler, que permanecia na puscha-e contou-lhes as novidades que alterariam para sempre a história do destacamento, uma mudança perturbadora em sua maneira de operar.

Fyodor Sinitchkin, o comandante da Brigada Kirov e comandante imediato dos irmãos, havia sido substituído por um de seus subcomandantes, Sergei Vasilyev, um antigo comandante de tanque do Exército Vermelho, com cara de buldogue, que fugira do cativeiro alemão em agosto de 1942.0 russo de 39 anos planejava dividir a grande unidade em duas seções - uma para os combatentes e outra para homens desarmados, mulheres e crianças.

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A idéia era sediar o grupo combatente dos irmãos na área ao redor de Stankevich. O grupo manteria o nome Ordzhonikidze e seria comandado por um guerrilheiro russo. Zus seria o subcomandante e chefe de reconhecimento. A unidade não combatente, que se basearia na distante Puscha Naliboki, conservaria Tuvia

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como comandante, Layzer Malbin como chefe do estado-maior, Pesach Friedberg como intendente e Solomon Wolkowyski como chefe da seção especial. Seria conhecida oficialmente como Destacamento Kalinin, assim batizada em homenagem a um dos líderes imediatos de Stalin, M. I. Kalinin, presidente do Soviete Supremo da URSS.

Asael não foi designado para nenhuma das duas unidades. Enviaram-no para o estado-maior da Brigada Kirov de Sergei Vasilyev, onde serviria como oficial de reconhecimento.

Não apenas o grupo estava sendo dividido, como os três irmãos foram obrigados a se separar.

Tuvia se opôs vigorosamente ao plano de divisão, quando Vasilyev lhe falou a respeito. Desde os primeiros dias da guerra, ele argumentara que, quanto maior fosse, mais forte se tornaria o grupo judeu. Agora, por causa da interferência dos soviéticos, tudo estava comprometido. Sem seus protetores armados, o grupo dos não-combatentes ficaria vulnerável a ataques. com um comandante soviético, o grupo combatente não mais se dedicaria ao compromisso de preservar a vida dos judeus. E ainda perderiam Asael, o líder de confiança dos jovens soldados, para a burocracia guerrilheira.

na percepção de Tuvia, a unidade agora seria obrigada a agir em maior conformidade com os objetivos de guerra soviéticos. E os judeus não estavam exatamente no topo da lista de prioridades do movimento guerrilheiro, a despeito das declarações públicas de Stalin sobre o papel de cada cidadão na batalha pela pátria.

Tuvia pelejou para apresentar um plano alternativo que fosse satisfatório para os soviéticos. Chegou a considerar a idéia de remover toda a unidade do controle de Vasilyev e reposicioná-la numa nova zona de operação, longe da área de Lida-Novogrudek. Mas, depois de consultar os irmãos e os principais assistentes, admitiu que precisava obedecer ao comando. Ele disse a Vasilyev

202que era ”um verdadeiro e leal cidadão soviético”, pronto a acatar ordens.O novo comandante da brigada deu a Tuvia cinco dias para efetuar a mudança.”O quê?”, ele disse. ”Não é possível deslocar centenas de pessoas sem preparativos adequados, sem víveres e uma estrutura de comando.”

Quando Tuvia sugeriu que a mudança levaria duas semanas, Vasilyev retrucou que ele tinha uma semana para completar a tarefa.

Imediatamente, membros da unidade foram escalados para reunir víveres e suprimentos para a grande viagem de volta à puscha. Muitos dos combatentes juntaram seus pertences, na expectativa de se unirem a seu novo comandante, um capitão ucraniano chamado Mikhail Lushenko. Tuvia não conseguia se conformar com a idéia de perder todos os seus combatentes. Assim, discretamente, exortou-os a desafiarem as ordens e a permanecerem com a unidade não-combatente. A maior parte deles concordou.

Cerca de metade dos combatentes Bielski, mais ou menos uma centena de soldados, apresentaram-se para a primeira reunião do Destacamento Ordzhonikidze. com o capitão Lushenko estava um russo chamado Vasily Kian, que fora nomeado comissário para assuntos políticos, e outro russo, Petr Podkovzin, chefe do estadomaior. Os comandantes soviéticos dividiram os combatentes judeus em duas seções, a dos solteiros e a dos casados, e designaram comandantes e subcomandantes para ambas. Entre os soldados da nova unidade, havia alguns agitadores do contingente rebelde da Komsomol, inclusive Grisha Latij,

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nomeado comissário substituto.

Os combatentes foram informados de que o destacamento operaria de maneira semelhante a um típico grupo soviético. Durante a noite, os homens se ocupariam de atividades de guerrilha e, durante o dia, descansariam na casa de camponeses amistosos. A unidade também continuaria com sua aliança ocasional

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com o Destacamento de Outubro, de Viktor Panchenkov, o mais antigo aliado guerrilheiro dos irmãos, que permanecera na área durante os distúrbios de julho e agosto.

Ao contrário de seu irmão mais velho, Zus aprovou o plano de dividir o grupo principal em dois. Ele já pensara nisso após a retirada desordenada durante o ataque alemão na floresta de Yasinovo, em 9 de junho. Sentira que os não-combatentes tinham atrapalhado um contra-ataque organizado, prejudicando a segurança de todos. Mas, uma vez que em assuntos de organização ele se submetia à opinião de Tuvia, seu ponto de vista não causou divergências com o irmão. Ele jamais apoiaria a divisão do grupo enfrentando a oposição de Tuvia ou Asael. Mas, quando os soviéticos ordenaram a mudança, ele não apresentou nenhuma objeção.

A nova unidade também lhe conferiu um forte papel de liderança, maior do que lhe fora atribuído no grupo mais amplo. O capitão Lushenko e os russos não podiam rivalizar com suas qualificações de liderança ou com seu conhecimento da região. ”No papel, apenas Lushenko era o líder”, contou Zus muitos anos depois. ”na verdade, o líder era eu.”

O mundo dos irmãos tinha se transformado de forma notável em apenas algumas semanas. O novo grupo de Zus estava se preparando para as primeiras ações com supervisão soviética, enquanto Asael se apresentava para exercer suas funções no posto de comando de Sergei Vasilyev; e Tuvia e o grupo não-combatente começavam sua jornada de volta para a Puscha Naliboki. Cerca de setecentos judeus estavam retornando ao lugar onde haviam esperado encontrar um refúgio seguro dois meses antes. Depois de uma exaustiva fuga dos alemães e tendo que se submeter às ordens dos soviéticos, eles rezavam para poder encontrá-lo.

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9. Setembro de 1943

No verão de 1943, a guerra evoluía a favor das forças aliadas. Os alemães haviam se recuperado depois de Stalingrado e obtiveram uma vitória em Kharkov, mas depois foram batidos numa batalha gigantesca em Kursk, onde 1,3 milhão de soldados do Exército Vermelho enfrentou cerca de l milhão de combatentes

alemães, no que o historiador Richard Overy descreveu como ”a maior batalha planejada da História”.

Logo depois que os soviéticos venceram em Kursk, forças inglesas e americanas invadiram a Itália, após derrotar as forças do Eixo no Norte da África. A campanha anglo-americana provocou a queda de Mussolini, mas não foi de forma alguma uma vitória fácil para os Aliados. Enquanto avançavam na direção de Roma, enfrentaram poderosos contra-ataques alemães e o avanço se desacelerou. Entrementes, os nazistas passavam por outras dificuldades, entre elas um esforço bem-sucedido das potências ocidentais para diminuir substancialmente a eficácia dos submarinos alemães no Atlântico Norte.

No Pacífico, os japoneses estavam na defensiva, tendo se reti205

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rado das ilhas Aleutas e sofrido derrotas na Nova Guiné e na Nova Geórgia.

A destruição do povo judeu na Europa prosseguiu sem interrupção, mesmo quando muitas tentativas heróicas de resistência foram empreendidas. A mais famosa, o levante do gueto de Varsóvia, começou em abril de 1943, quando mais de setecentos judeus, com armamento improvisado, lutaram heroicamente contra 2 mil soldados alemães e seus respectivos aliados durante 28 dias. Finalmente, em 16 de maio, depois de uma luta brutal de casa em casa, os alemães anunciaram que haviam dominado a rebelião. Vários milhares de judeus morreram durante o combate, enquanto mais de 50 mil capitularam e foram fuzilados ou enviados para campos de extermínio. Os alemães alegaram que só perderam dezesseis homens, embora muitos acreditem que o número tenha sido bem mais elevado, chegando a algumas centenas.

Mas nada conseguia deter os assassinos. Em junho de 1943, depois que uma quarta câmara de gás foi instalada em Auschwitz, Himmler deu ordem para que todos os guetos da Polônia e da União Soviética evacuassem judeus logo que possível. Hitler, agora era certo, estava destinado a perder a guerra contra União Soviética, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Mas estava determinado a não perder a guerra contra os judeus.

Qualquer tentativa de fuga dos guetos de Lida e Novogrudek foi suspensa durante as grandes batalhas da Operação Hermann, em julho e agosto de 1943. Porém, no começo de setembro, pequenos grupos, particularmente no gueto de Lida, estavam se arriscando a viajar até os guerrilheiros. Muitas das pessoas jovens, inspiradas pelas fugas bem-sucedidas do ano anterior, se empenhavam em localizar armas e convencer os parentes idosos a fazer a viagem. .;:.,. ,’r:..,;-.”•; ti ••-,--. -v;.-’ -.;,.. f. • : •--. :x-;

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Layzer Stolicki, comandante da força policial judaica de Lida, ajudava os fugitivos dobrando os guardas gentios com vodca e indicando a potenciais guerrilheiros o caminho para as florestas. Outros continuavam a resistir às exortações para escapar, acreditando nas mentiras dos nazistas de que nenhum dano adviria para os que trabalhassem lealmente para o Reich. ”Para as pessoas mais velhas, era mais fácil pensar que um milagre seguramente aconteceria do que erguer-se e fugir na maior pobreza para a floresta desconhecida”, escreveu Liza Ettinger. E havia outros que, acreditando que o fim era iminente, se preparavam para o dia inevitável em que os nazistas viriam para o próximo extermínio em massa.

Essa ocasião logo chegaria. Em 17 de setembro, os nazistas e seus colaboradores cercaram o gueto de Lida - cuja população era de ”mais de 2 mil”, de acordo com um documento alemão de dois meses antes-e transmitiram uma mensagem por alto-falantes. ”Vocês não serão maltratados. Precisamos de trabalhadores

para o esforço de guerra. Vocês têm duas horas para empacotar seus pertences.” Então, as tropas invadiram o gueto e instruíram todo mundo a se alinhar em grupos de cinqüenta. Alguns tentaram esconder-se, certos de que outro morticínio era iminente.

Liza Ettinger, carregando um pão, fósforos e algumas moedas de ouro, entrou num abrigo sob uma casa com uma amiga. De onde estava, pôde ouvir os gritos dos reclusos do gueto quando os alemães começaram a atirar para cima e a gritar ordens a plenos pulmões.

Os alemães conduziram os internos através dos portões. ”Era o mesmo caminho de 8 de maio”, disse Willy Moll, com treze anos na época, referindo-se ao massacre dos judeus em 1942. ”Enquanto passávamos, muita gente da cidade, gentios, poloneses, paravam para nos

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observar. Alguns tinham sorrisos nos rostos e alguns estavam muito tristes.”

Enquanto a marcha prosseguia, Moll fugiu da formação.

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”Caminhei por meio quarteirão, mais ou menos, e uma mulher me reconheceu e começou a gritar: ’Um judeu! Um judeu!’.” Alertado pelos gritos, um soldado alemão correu atrás do menino, que disparou em direção a uma viela e pulou para dentro de uma latrina externa. ”Por uma rachadura, eu podia ver o nazista correndo de um lado para outro”, disse. Um moço polonês que estava observando a cena se desenrolar contou ao alemão onde o jovem judeu se refugiara.

”Ele abriu a porta violentamente, me puxou e me colocou contra a parede do compartimento”, contou Moll. ”Nunca esquecerei o céu, porque eu estava muito acovardado para olhar para o soldado, ali, com sua arma. Então olhei para o alto. Era um dia tão bonito, ensolarado, e o céu parecia tão formoso. Estava certo de que ele me fuzilaria, mas, em vez disso, ele me empurrou e me mandou andar. Então, andei.”

Os dois voltaram para o cortejo. ”Devemos ficar de olho neste judeuzinho”, disse o alemão. Quando o grupo repousava mais adiante na estrada, o jovem Willy afastou-se furtivamente uma segunda vez e, então, não foi capturado. Escondeu-se num campo até a noite, quando começou sua viagem para o acampamento guerrilheiro sobre o qual ouvira falar, organizado pelos irmãos Bielski.

Os demais caminhantes logo ficaram cientes de que não estavam sendo escoltados para os fossos de execução de 8 de maio. Em vez disso, estavam sendo conduzidos para a estação ferroviária, parte de um processo de evacuação que continuou nos dois dias seguintes, 18 e 19 de setembro.

Quando Mike Stoll, de dezessete anos, chegou com vários membros da família, viu que os judeus estavam sendo despachados em quinze a vinte vagões. ”Eles nos atiraram num vagão e ficamos lá congelando, imaginando o que fazer em seguida”, contou. ”Sabíamos que nos matariam. Sabíamos que iríamos diretamente

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do trem de carga para os fornos. Havia todo tipo de rumores. Algumas pessoas não acreditavam no que estava para acontecer. Diziam que havia campos onde a gente trabalharia e sobreviveria. Eu sabia que tinha que achar um jeito de sair dali.”

Stoll e os outros no vagão se apressaram em tramar um plano de fuga. Sua irmã, Bella, avistou um auxiliar iugoslavo com quem havia travado camaradagem durante a ocupação e perguntou se ele lhe daria um machado, que o grupo esperava usar para fazer um buraco no chão de madeira do vagão. ”Uma idéia maluca, mas que talvez resultasse em alguma coisa”, contou Bella. ”Ele disse: ’Você vai me matar?’. Eu respondi: ’Por que ia querer matar você? Queremos nos salvar. Você sabe que não estamos indo para nenhum lugar onde nos deixarão viver’. Ele resmungou um pouco e então disse que procuraria no galpão.” Finalmente, o homem apareceu com um machado cujo cabo fora removido. Outras pessoas que estavam no vagão falaram com um policial local, que, depois de receber jóias e relógios de todo mundo, concordou em deixar a porta do trem destrancada.

Logo que o trem deixou a estação no final da tarde, descobriuse que a porta estava firmemente trancada. O grupo abandonou o plano de abrir um buraco no chão, por considerá-lo muito perigoso. Em vez disso, as atenções se voltaram para uma janela pequena e gradeada, perto do teto do vagão. Usando o machado de Bella, os homens conseguiram remover as barras e, depois de uma discussão, Stoll arrastou-se para fora da janela.

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”Eu não podia falhar, porque meu pai e minha irmã estavam no vagão”, contou. ”Desci e me virei. Caminhei até o fecho da porta. Lá havia um arame e, até hoje, não sei como encontrei forças, mas, mexendo nele, finalmente consegui abrir o trinco.”

Ele entrou novamente no vagão e todos se prepararam para saltar. Depois que três pessoas saltaram, os sons de tiros cortaram o ar noturno. Stoll recolocou a porta na posição e todos no carro

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começaram a rezar. Então passaram a discutir sobre o que fazer em seguida. Antes que pudessem chegar a uma resolução, a velocidade do trem diminuiu, enquanto ele entrava numa estação.

Assim que o trem parou, os policiais realizaram uma inspeção e descobriram a porta destrancada. ”Quem está faltando?”, um deles perguntou.

”Estamos todos aqui”, alguém disse. ”Quem iria saltar de um trem?”

Os policiais praguejaram e gritaram, prometendo executar todos. Mas, no fim, simplesmente fecharam a porta, assegurandose de que estava firmemente trancada.

”Isso não me intimidou”, disse Stoll. ”Eu parecia um animal selvagem. Tinha que sair.”

na escuridão, os soldados não viram que as barras da janela haviam sido removidas. Assim, depois que o trem partiu novamente, Stoll saiu e se equilibrou em frente à porta.

”A essa altura, eu já era um acrobata”, contou. ”Sabia o que fazer. Assim, cheguei até a porta, arranquei o arame, abri a porta e pulei para dentro. Eu disse: ’Vamos’.”

Várias pessoas saltaram do trem, entre elas Stoll, seu pai e sua irmã, Bella. ”Saltamos e rolamos de lado, vertente abaixo”, Stoll disse. Eles conseguiram escapar em segurança e sem ouvir tiros. ”Tudo que me lembro é que minha boca ficou cheia de cascalho”, contou Bella. ”Estava apavorada. Fiquei lá deitada até o trem se afastar. Ele fazia muito barulho. Pensei que nunca acabaria de passar.” Eles começaram a caminhar de volta para Lida e para a base dos Bielski.

Stoll e seus companheiros de fuga foram afortunados, alguns dos poucos judeus na história da guerra a escapar de um trem cujo destino era um campo de concentração. Os trens se dirigiam para as câmaras de gás do campo de concentração de Maidanek, situado perto da cidade polonesa de Lublin. No decurso de quase três anos,

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mais de 300 mil pessoas foram mortas no campo. Entre elas, os últimos moradores da centenária comunidade judaica da cidade de Lida.

Em Novogrudek, que anteriormente tivera dois guetos habitados por milhares de judeus, o único gueto do tribunal continha agora cerca de 250 residentes. Vários deles começaram a traçar um plano de fuga desesperado e engenhoso, após o massacre de 7 de maio, o quarto maior extermínio da cidade.

Um plano de tomar de assalto os portões do gueto, com armas compradas da polícia local, foi abandonado por ser muito arriscado. Então, um homem chamado Berl Yoselovitch, que fora fotógrafo antes da guerra e que agora trabalhava como serralheiro, surgiu com a idéia de cavar um túnel para a liberdade. A novidade foi ocultada de um judeu austríaco, pois temia-se que fosse um informante.

O buraco começava no alojamento dos judeus mais próximo do muro norte do gueto. Sabendo que os guardas raramente visitavam aquele local infestado de piolhos, os conspiradores cavaram verticalmente para baixo por um metro e meio e, então, começaram a escavar uma longa passagem na direção da cerca do gueto. A terra era escondida nos caibros do alojamento.

”Eu era um dos escavadores mais vigorosos”, contou Eliahu Berkowitz, que usava

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ferramentas especiais de escavação contrabandeadas das oficinas do gueto. ”Por quê? Quando já havíamos chegado a dois metros de profundidade, havia escassez de ar. Os homens de constituição mais robusta tiveram dificuldade de prosseguir com o trabalho porque precisavam de mais ar e nós cavávamos deitados. Eu era um dos menores escavadores e a falta de ar

não me incomodava. Tínhamos que trabalhar nus ou com uma roupa feita especialmente para cavar.”

A cada dia o túnel avançava cerca de dois metros e logo o teto

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de terra ameaçou desabar. Pranchas foram retiradas das oficinas e usadas como colunas de reforço, para mantê-lo no lugar. As pranchas também eram usadas para construir espaços adicionais dentro do alojamento, para ocultar a crescente quantidade de terra.

À medida que o túnel se alongava, os trabalhadores perceberam como era difícil transportar a terra até o alojamento. Os carpinteiros, então, construíram trilhos de madeira, sobre os quais um carrinho podia se deslocar, puxado por uma corda feita de trapos atados uns aos outros. Lanternas de querosene eram usadas para iluminar o túnel, mas a falta de oxigênio fazia com que apagassem com freqüência. O problema foi resolvido abrindo-se pequenos orifícios até a superfície a cada poucos metros, permitindo que o ar circulasse no espaço úmido.

Um eletricista chamado Rakovski elaborou então um plano para substituir as lâmpadas de querosene. Ele fez uma ligação com uma corrente ativa que encontrou no gueto e puxou um fio elétrico até o interior do túnel. As novas lâmpadas foram enfileiradas a poucos metros umas das outras por toda a extensão da galeria.

Em julho, após dois meses de trabalho, o túnel se prolongara algumas centenas de metros. Mas as fortes chuvas de verão o inundaram parcialmente. Os carpinteiros, então, acrescentaram mais vigas de madeira para impedir o desmoronamento e túneis adicionais foram escavados a partir da passagem principal, para escoar a água. ”Rezávamos pedindo a Deus que os alemães não decidissem nos matar antes que acabássemos”, disse Sonya Oshman.

Não era um temor infundado. Em 9 de julho, um SS-Hauptsturmführer (capitão) adjunto ao posto isolado do SD em Baranovich chegou com um pelotão de 36 homens, a maior parte auxiliares letões. Devido a uma falha nas comunicações, Wilhelm Traub, o comissário regional de Novogrudek, não estava esperando o esquadrão de comandos na cidade.

Traub, que, segundo o homem das ss, estava ”atônito” com a

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chegada da unidade, não obstante mencionou uns poucos ”assuntos de segurança policial” que exigiam imediata atenção. Um tinha a ver com guerrilheiros poloneses. O outro dizia respeito ao gueto. Ele queria a remoção dos judeus.

Traub disse temer que os judeus estivessem planejando uma fuga, apesar de não saber nada sobre o túnel. ”Ele acreditava que podia assumir como certo que os guerrilheiros pretendiam tentar uma libertação em massa no campo”, escreveu o ss-Hauptsturmführer, Artur Wilke, em seu relatório de 11 de julho. Traub sugeriu que os judeus fossem transferidos para o gueto de Baranovich um pedido que Wilke rejeitou por termer que os judeus de Lida, que ainda não tinham sido transportados para Maidanek, ao saberem da mudança pelos camponeses, a interpretariam como ”uma execução”. ”Cerca de mil judeus em Lida iriam ao encontro dos guerrilheiros na floresta, isso é certo”, explicou ele a Traub.

Nas semanas seguintes, os nazistas de Novogrudek deixaram de lado a questão dos judeus e focaram sua atenção nos poloneses que eles consideravam problemáticos. na noite de 17 de julho, muitos poloneses foram presos, visivelmente contra os desejos de Traub. Uma semana depois, ele ordenou que muitos fossem soltos, enquanto os demais foram mandados para a Alemanha, para trabalhos forçados. Em 31 de julho, onze freiras católicas foram presas. Diziase que elas tinham ajudado os guerrilheiros, uma história desmentida pelo reverendo Aleksander Zienkiewicz, seu capelão. No dia seguinte, às quatro da manhã, elas foram

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fuziladas perto de Skridlevo, o local do massacre dos judeus de 8 de dezembro de 1941.

Em setembro, chegavam ao gueto de Novogrudek rumores de que os alemães estavam planejando outro extermínio de judeus. Uma versão dizia que os nazistas queriam eliminar todos, exceto vinte artífices altamente qualificados. Depois, circulou a notícia de que os judeus de Lida tinham sido removidos da cidade. com certeza os judeus de Novogrudek seriam os próximos.

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Uma reunião foi realizada em 19 de setembro, para sondar os sentimentos dos reclusos do gueto a respeito de uma fuga pelo túnel quase concluído. Mais ou menos 20% das 250 pessoas se manifestaram contra a idéia de partir, segundo Jack Kagan, um garoto de catorze anos na época. As razões variavam. Um homem achava que o túnel, que agora se estendia por 250 metros, iria desabar. Outros tinham certeza de que os alemães descobririam a conspiração. ”A atmosfera estava carregada”, disse Kagan. ”Quando o comitê da fuga revelou que o túnel estava pronto, foi um raio de esperança.”

Os conspiradores decidiram partir numa noite chuvosa. Quando uma tempestade desabou num domingo, 26 de setembro, a decisão foi tomada. No começo da noite, o eletricista Rakovski cortou a corrente dos holofotes, o que fez com que as torres dos guardas ficassem às escuras, enquanto as lâmpadas no túnel continuavam acesas. Os pregos no teto de zinco do alojamento foram soltos, permitindo que a torrente provocasse uma enorme barulheira.

”Reunimo-nos em uma longa fila, de acordo com as instruções recebidas”, escreveu Kagan em suas memórias sobre a guerra. ”Esperamos por mais ou menos uma hora. Estavam todos em silêncio e mal se podia ver os rostos na semi-escuridão. Sentei-me quieto... e pensei em minha família e no que nos havia acontecido em um tempo tão curto. Meu único desejo era não ser apanhado vivo pelo inimigo.”

Muitos dos que tinham se manifestado contra o plano mudaram de idéia nos últimos minutos, o que elevou o número de conspiradores para cerca de 240. Só dez permaneceram no gueto. ”Filhos, vão vocês”, disse um ancião. ”Eu não tenho razão para ir.”

Então teve início o longo rastejar pelo túnel, com uma pessoa seguindo a outra. Um homem de uns cinqüenta anos amarrou uma corda entre ele e as duas filhas, de forma a não perdê-las no outro lado.

Quando Kagan, um dos últimos a deixar o gueto, estava pres214

tes a adentrar o túnel, ouviu o som de tiros. ”Parar estava fora de questão”, escreveu. ”Tínhamos que ir em frente. Ao sair do túnel, pude ver todo o campo iluminado pelas balas que passavam.”

”Chovia forte e trovejava”, contou Rae Kushner, que também estava no final da fila. ”Todos tinham saído do túnel. Ficaram confusos e começaram a correr em diferentes direções. Talvez tenha sido a excitação da liberdade ou o instinto de sobrevivência que os fez correr, em vez de permanecerem juntos. Eles se perderam uns dos outros.”

A claridade das lâmpadas do túnel fez com que os fugitivos tivessem dificuldade de se adaptar à escuridão. Muitos, confusos, correram na direção da cerca do gueto. Cerca de noventa foram mortos pelos guardas, que provavelmente pensaram que estava em curso a tentativa de libertação dos guerrilheiros que Traub tanto temia. Entre ps mortos, estava Berl Yoselovitch, que idealizara o plano.

Mais tarde naquela noite, policiais revistaram os prédios, mas não encontraram ninguém. Os dez judeus que haviam decidido ficar estavam escondidos em fendas nas estruturas dos edifícios.

No dia seguinte à fuga, alemães chegaram ao gueto em caminhões e carregaram as ferramentas e máquinas da oficina. Depois, uma afluência de camponeses visitou o conjunto do tribunal, para ver o local da extraordinária fuga dos judeus.

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Os 150 que sobreviveram vagaram pelos campos em busca de alimento e abrigo. Sonya Oshman e alguns outros foram expulsos por alguns fazendeiros, antes que um ancião bielo-russo meio amalucado concordasse em recebê-los em sua casa. ”Eu sei que vocês escaparam do gueto”, disse. ”Acabei de ouvir no rádio. Não tenham medo. Eu you ajudá-los.” Kagan e outro menino caminharam por várias noites, até ouvirem alguns guerrilheiros que passavam falando em iídiche. Eles se apresentaram como membros do Destacamento Ordzhonikidze, de Zus Bielski. Logo, Oshman,

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Kagan e Kushner - e na verdade muitos dos fugitivos do túnel caminhavam para a segurança do grupo da família Bielski.

Escondidos num sótão no gueto quase deserto, Eliahu Berkowitz, um dos primeiros escavadores do túnel, e alguns poucos parentes seus ali permaneceram por vários dias, sem serem descobertos. Por fim, decidiram fugir para os bosques, em outra noite chuvosa. Depois de dias vagando, descobriram a casa de Konstantin Koslovsky, o fiel aliado dos irmãos. Ele lhes ofereceu pão e um lugar para dormir e depois os encaminhou para a unidade Bielski, que, a essa altura, fazia sua viagem de volta para a Puscha Naliboki.

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lO.Outubro de 1943-Janeiro de 1944

Quando os irmãos partiram para suas diferentes missões, como determinado pelos soviéticos, o pensamento de muitos, tanto do grupo combatente quanto do não-combatente, voltou-se para os grandes dias santificados que se aproximavam. O Rosh Hashana cairia em 30 de setembro e o Yom Kippur, o Dia da Expiação, a comemoração mais sagrada do ano judeu, em 9 de outubro de 1943. No contingente Bielski, porém, não eram poucos os que não se interessavam pela expressão dos ritos religiosos. Preocupavam-se mais com a mera sobrevivência. E, revoltados, perguntavam-se onde estava o Criador benevolente enquanto os nazistas comandavam as execuções?

Outros não conseguiam esquecer. Diante do extermínio, tinham que reafirmar quem eram.

na véspera do Yom Kippur, um grupo de moças e rapazes da unidade não-combatente de Tuvia aproximou-se de uma casa camponesa, com a intenção de preparar a refeição tradicional do dia santo, uma ocasião festiva que precede a solenidade da chegada do Yom Kippur (e o respectivo dia inteiro de jejum) no pôr-do-sol.

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Um dos homens encontrou um frango e o entregou a Raya Kaplinski, que estava com os irmãos desde agosto de 1942, dizendo-lhe que preparasse o festim. Embora ela não fosse uma cozinheira de mão-cheia, começou a preparar a comida com a ajuda das amigas.

Então eles ouviram os alemães se aproximando. Todos saíram correndo da casa e se esconderam atrás de arbustos. Pouco depois, quando ficou claro que os alemães tinham se afastado, o grupo voltou para a casa. A comida ficou pronta e eles usufruíram uma refeição lauta, de frango e sopa de batata.

Posteriormente, deixaram a casa e começaram a caminhar pela floresta. ”Lembro-me de que estava muito frio”, disse Kaplinski. ”O céu estava claro e havia estrelas muito, muito grandes.” Como o cair da noite indica a chegada do Yom Kippur, alguém sugeriu que todos recitassem a Kol Nidre, a oração que dá início ao serviço, introduzindo o dia santo. Um cantor da congregação canta a persistente melodia, repetindo suas palavras em aramaico três vezes, cada vez com maior intensidade.

”Não nos lembrávamos das palavras”, ela contou. ”Mas todos conheciam a melodia da oração e a cantamos de memória, enquanto pensávamos em nossas famílias. Lembro-me de olhar para o cimo das árvores, e era como se elas estivessem cantando conosco.”

na base que Israel Kessler estabelecera na Puscha Naliboki, um membro do grupo com uma voz melodiosa fez as vezes do cantor durante a recitação da oração Kol Nidre. O homem conduziu a assembléia usando um xale de oração que havia sido encontrado em Krasnaya Gorka, no auge da caçada humana empreendida pelos alemães. Foi uma descoberta que pasmou a todos. Por qual obra do destino uma peça tradicional do culto judaico tinha ido parar no canto mais isolado de um pântano impenetrável durante os dias terríveis de uma guerra mundial? . ,,.,,..; ,,-.

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Quarenta combatentes do Destacamento Ordzhonikidze, de Zus Bielski, não conseguiram observar o dia santo - que requer que os judeus se abstenham de comer, beber, lavar-se, usar couro e manter relações sexuais - em qualquer modalidade tradicional. Em vez disso, eles prepararam uma emboscada para os alemães na estrada que ligava Novogrudek a Lida. Em vão. A estrada estava vazia e eles voltaram sem atacar o inimigo. ; ,• - ,

O grupo não-combatente de Tuvia, que após a divisão instituída pelos soviéticos iniciara a viagem de volta da região de Stankevich rumo à Puscha Naliboki, começou a chegar muito perto de seu destino na segunda semana de outubro. Carneiros, vacas e cavalos seguiam ao lado das frágeis carroças de madeira que transportavam sacas de cereais, farinha e outros tipos de carga. Os viajantes encontraram um local a poucos quilômetros da base de Kessler e o comandante ordenou a todos a imediata construção de uma nova base. Uma vez que seria utilizada no próximo inverno, ela necessitaria de abrigos de madeira, como aqueles em que o grupo sobrevivera no inverno anterior. Seria necessário construir muitos mais, para abrigar confortavelmente um grupo bem maior de judeus.

Os combatentes foram escalados para obter ferramentas e equipamentos com os camponeses, e os carpinteiros incumbidos de construir abrigos provisórios até que habitações mais permanentes pudessem ser edificadas. Tuvia também determinou a construção de um segundo campo, para a armazenagem de víveres e suprimentos. Mas, como todos estavam exaustos devido aos meses de vida nômade, o trabalho prosseguia lentamente.

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Tuvia visitou o campo de Israel Kessler, que tinha entre cinqüenta e sessenta membros. Concordou em permitir que o campo se tornasse um satélite de sua base, bem maior, apesar dos relatos

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preocupantes que ouvira de membros do grupo de Kessler e de guerrilheiros soviéticos, de que ele roubava os camponeses.

Tuvia passou semanas percorrendo a região, a fim de localizar grupos judeus perdidos e traze-los de volta para o novo acampamento. Chegou a viajar até os arredores de Stankevich, para buscar não-combatentes que não tinham conseguido fazer a primeira viagem. Uma vez que a base agora estava oficialmente designada como um lugar para judeus desarmados, membros do estadomaior do general Platon também encaminhavam pequenos grupos judeus para lá.

Os recém-chegados encontravam uma atividade febril. Trabalhadores tentavam concluir a construção dos abrigos, destinados a acomodar cinqüenta pessoas cada um, antes da chegada do inverno. O intendente Pesach Friedberg supervisionava as obras, prometendo rações extras e roupas aos trabalhadores. Cavalos transportavam bigornas de ferreiros e máquinas de costura improvisadas, trazidas de aldeias camponesas incendiadas, para os lugares onde as oficinas estavam sendo montadas. E, apesar das instruções do comandante da Brigada Kirov, Sergei Valilyev, de que a base da puscha estava destinada a não-combatentes, os combatentes a quem Tuvia exortara a ignorar as ordens soviéticas foram designados para novos pelotões.

Apesar de ainda estar aborrecido com a divisão involuntária do grupo, Tuvia começava a se sentir mais confiante a respeito da nova base. na improbabilidade de os alemães desencadearem outra ação em larga escala como a Operação Hermann, a Puscha Naliboki podia finalmente oferecer a proteção que ele e o grupo haviam esperado, quando para lá se dirigiram da primeira vez.

Em 7 de novembro, a base estava suficientemente apresentável para sediar uma celebração da Revolução de Outubro, à qual compareceram guerrilheiros de toda a puscha. Os comandantes fizeram discursos sobre a coragem de seus camaradas, enquanto os

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guerrilheiros bebiam o conteúdo de um barril de samogonka. Depois de um brinde ao Exército Vermelho, todos cantaram vibrantes canções guerrilheiras e dançaram animadamente em torno da fogueira. . •.

De volta à região onde os irmãos haviam vivido na infância, em Stankevich, a unidade combatente Bielski - raramente chamada por seu título oficial de ”Ordzhonikidze” - começou imediatamente a participar de ações guerrilheiras. Livre da obrigação de obter quantidades enormes de víveres, podia concentrar todas as suas energias em ataques ao inimigo. Zus Bielski, em particular, desfrutava a oportunidade de ser um soldado em tempo integral. Era o que sempre tinha desejado. Agora, podia se dedicar inteiramente à vingança.

Os homens atuavam sob as ordens diretas de Sergei Vasilyev, que também supervisionava a ação de outros quatro destacamentos em sua Brigada Kirov. O estado-maior de Vasilyev fornecia ao grupo judeu explosivos e armas para completar as missões e apresentava relatórios da inteligência que ajudavam nas decisões sobre quando e onde atacar.

Mas, de modo geral, os soldados judeus agiam de acordo com seu próprio entendimento da luta guerrilheira. Zus estabeleceu uma relação funcional equilibrada com seus chefes nominais. ”O que eu dizia a ele nunca era contestado”, contou, referindo-se ao comandante do destacamento, Mikhail Lushenko. ”Ele sempre concordava comigo. Mesmo quando havia uma diferença de opinião durante uma reunião com os guerrilheiros russos, ele sempre ficava

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do meu lado, e não contra mim.”

Como o grupo Bielski original havia feito em seus primeiros dias de atividade guerrilheira, a unidade Ordzhonikidze agiu nas áreas a oeste e noroeste de Novogrudek. O destacamento concen-m

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trou atenção, particularmente, na ferrovia que corria na direção norte, de Baranovich a Lida, e na estrada que seguia rumo noroeste, de Novogrudek a Lida.

com a unidade agora mais formalmente atrelada à estrutura soviética, cada uma de suas ações era zelosamente registrada nos relatórios enviados ao comando guerrilheiro. Num dos primeiros relatórios, Zus informou que três grupos pequenos de combatentes judeus haviam sido enviados para minar trechos da estrada de ferro perto da estação de Yatsuki. Cada grupo executou sua tarefa como determinado, e um total de 260 metros de linha férrea foi destruído. Poucos dias depois, dois grupos, chefiados pelo gentio Grisha Latij, plantaram sete minas ao longo de um trecho da linha, o que resultou na destruição de oitenta metros. Três dias após essa ação, outra operação removeu 130 metros de trilhos.

As minas eram fabricadas de maneiras diversas. ”Fazíamos minas de caixas de charuto”, contou Murray Kasten, um combatente Ordzhonikidze, descrevendo um dos métodos. ”Pegávamos um estopim de granada e o introduzíamos em quatro bastões de dinamite. Quando era detonado, os quatro bastões explodiam. Plantávamos as minas nas estradas. Lembro-me de que cavamos um buraco numa estrada, uma estrada de cascalho, pusemos as minas dentro, e usamos galhos dos pinheiros para cobrir o buraco, para camuflá-las.”

A unidade também requisitava víveres dos camponeses ”missões econômicas”, segundo os relatórios - e se reunia com a população local para discutir assuntos políticos - ”trabalho de propaganda” que enfatizava a importância de apoiar os soviéticos contra os fascistas. ”Conversamos com os camponeses das aldeias de Stankevich, Grande Izvah e Pequena Izvah sobre assuntos como salvar bens - cereais, roupas, gado e assim por diante dos ocupantes alemães e como evitar que sejam levados como trabalhadores escravos para a Alemanha”, dizia um relatório. Muitas

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vezes, um grupo de combatentes forneceria víveres para a base Bielski na puscha.

Durante setembro e outubro, o destacamento participou de várias ações econômicas, visitas de propaganda e expedições furtivas de destruição. Mais raros eram os confrontos diretos com os alemães ou a polícia local. com o número crescente de guerrilheiros operando na área, os alemães agora quase nunca viajavam entre as cidades sem um contingente significativo de escolta armada. Em muitas ocasiões, os combatentes Ordzhonikidze abandonaram emboscadas preparadas na estrada Novogrudek-Lida, porque, como dizia o relatório, ”as forças inimigas excediam as nossas”. Os alemães também aumentaram a vigilância nas estradas de ferro.

Então, em 2 de novembro, um grupo anti-soviético de guerrilheiros poloneses atacou uma pequena unidade de combatentes Ordzhonikidze chefiados por Grisha Latij, enquanto eles atravessavam o rio Neman para executar uma missão de sabotagem numa estrada de ferro. Surpreendido, o grupo judeu tentou responder ao fogo, mas, acossado, teve que se retirar. Um dos combatentes judeus foi ferido, e Latij, o gentio que instigara as rebeliões da Komsomol meses antes, foi morto instantaneamente. Seu corpo foi colocado numa carroça e levado até a aldeia mais próxima, onde foi enterrado com todas as honras militares. Muitos dos aliados dos irmãos, porém, ficaram aliviados por ele ter perecido. Agora, ele não poderá mais nos causar problemas, pensaram.

Asael estava conhecendo um tipo diferente de vida no centro de comando supervisionado por

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Sergei Vasilyev, o comandante da Brigada Kirov. Como Zus, ele estava sendo utilizado pelos soviéticos por seu conhecimento amplo da região e por suas evidentes qualificações como chefe guerrilheiro. Mas, em vez de participar

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da guerra contra os alemães e seus colaboradores, como acontecia com seu irmão mais moço, sua função era proteger guerrilheiros soviéticos de alta patente. Ele detestava isso.

Logo que se apresentou para servir, foi enviado para uma ação. Quando se descobriu que um contingente da polícia local se dirigia ao quartel-general de Vasilyev, Asael rapidamente organizou a retirada de todo o pessoal graduado, escoltando-o pelas florestas até um local seguro. Escaparam por um triz, e todas as autoridades saíram ilesas. Vasilyev, encantado, deu-lhe o crédito de haver salvado todo o seu comando.

Asael, entretanto, detestou a idéia de ser um segurança de luxo dos guerrilheiros soviéticos. E odiou estar longe de seus cornbatentes e de sua mulher. Sabia que Tuvia, que não estava tão perto dos homens armados quanto ele, precisava de sua liderança militar na puscha. Sentia-se como um chefe de família arrancado dos seus.

Quando Sergei Vasilyev ordenou que supervisionasse a construção de uma nova base, ele achou que bastava. Não iria criar abrigos para um grupo de pessoas que não estimava, especialmente quando aqueles de quem gostava precisavam muito mais de sua ajuda. Sem falar com ninguém, abandonou o centro de comando guerrilheiro e viajou até a nova base de Tuvia, na Puscha Naliboki.

Os combatentes e sua mulher, Haya, ficaram exultantes ao vêlo, assim como Tuvia, que compreendia a importância do irmão para as operações de luta e de abastecimento. Ele foi imediatamente reconduzido ao posto de segundo no comando e escalado para as expedições militares.

Mas seu súbito aparecimento causou preocupações graves. Asael agira impulsivamente, com o típico desdém dos Bielski por todos os que ousavam dizer-lhes o que fazer.

Tuvia sabia dos riscos de desafiar a ordem de um líder da estatura de Vasilyev. Guerrilheiros eram executados por infrações bem

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menos graves, como adormecer na sentinela ou contrair uma doença venérea. A deserção era considerada uma ofensa tão séria que alguns destacamentos mantinham uma lista de membros das famílias dos guerrilheiros, para que eles fossem ameaçados de execução caso um soldado desaparecesse.

Ele precisava fazer o possível para conservar seu irmão livre de perigo. Isso exigiria uma nova e intensa iniciativa diplomática com os russos. Mas era algo a que estava disposto para ter o irmão de volta ao acampamento.

A princípio, Tuvia agiu delicadamente. Em 23 de novembro, escreveu uma carta a Vasilyev, informando-o do progresso no acampamento, que, ele contou, tinha 804 residentes. ”Agora, o trabalho está justamente no começo e o pessoal é muito pouco, e eis por que lhe peço... que autorize meu irmão Asael, um patrulheiro de que preciso muito, aqui no... comando”, escreveu Tuvia.

Aos poucos, a base tomava a forma de uma shtetl da floresta, uma aldeia judaica no coração da Europa ocupada pelos nazistas. Pela primeira vez desde que os irmãos haviam começado a se esconder nos bosques, o grupo não se preocupava o tempo todo com a possibilidade de ser atacado, protegido como estava pela força crescente do movimento guerrilheiro de Platon. Tal grau de estabilidade deu aos oitocentos habitantes a liberdade de construírem uma

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minicivilização, uma réplica em pequena escala do que os nazistas tinham conseguido destruir em todas as comunidades de Belarus ocidental - na verdade, na maior parte da Europa.

Enquanto os abrigos iam sendo concluídos, os trabalhadores dedicavam-se à construção das estruturas necessárias. A cozinha era uma prioridade. Sua peça central era um gigantesco caldeirão em que continuamente se cozinhava sopa de batata, a dieta básica

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do acampamento. O fogo debaixo dele era conservado aceso por vários jovens escalados para o serviço. A cada refeição, as pessoas competiam por um lugar na frente da fila, onde teriam mais chances de serem servidas de uma porção que contivesse realmente pedaços de batata, mais do que o simples caldo.

Depois que alguns combatentes encontraram uma máquina de moer carne em uma das aldeias, foi montada uma instalação para a produção e defumação de salsichas, dirigida por dois açougueiros rituais, que se esforçavam para manter as normas kosher. Guerrilheiros soviéticos traziam animais à instalação, para serem processados em produtos industrializados de carne.

Um pequeno moinho foi construído para moer trigo e outros cereais. Em vez de ser movida pela água corrente, como no velho moinho dos Bielski em Stankevich, a mo era movimentada por um cavalo andando em círculos. A farinha produzida pelo moinho era levada a uma padaria, equipada com um forno construído com tijolos trazidos das aldeias. Operada por um homem áspero que, dizia-se, era rude com seus jovens auxiliares, a padaria produzia pão de diversas qualidades.

O rebanho de vacas fornecia o suprimento de leite do acampamento. Vários adolescentes cuidavam dos animais, levando-os para pastar toda manhã num campo próximo. Às vezes, à noite, lobos se arriscavam a chegar bem perto do gado e os guardas do perímetro atiravam para o alto, para afugentá-los. A água do campo era obtida de um poço cavado no solo da floresta e protegido por urna cerca de madeira.

O produto de consumo mais popular entre os combatentes era um tanto mais forte: samogonka. Obtida durante as missões normais de abastecimento, a bebida era carregada em garrafas velhas de variadas formas e tamanhos.

”Nós bebíamos samogonka como água”, contou Michael Lebowitz. ”Antes de partirmos para uma missão, a fim de que per226

déssemos o medo. Tuvia costumava chegar e me dizer: ’Michael, você tem um pouco de samogonka?’. E costumávamos nos sentar e beber.”

Os combatentes inventaram maneiras de ludibriar os fazendeiros, para que revelassem onde os lotes de alta qualidade estavam escondidos. Um guerrilheiro cambaleava até a porta de um camponês, fingindo estar gravemente ferido, e pedia alguma coisa para aliviar a dor. Seus camaradas, então, observavam quando o homem se dirigia para o lugar onde guardava seu suprimento pessoal de bebida, que invariavelmente era melhor do que o tipo mais fraco que ele dava aos guerrilheiros.

Uma casa de banho foi construída perto do moinho, para garantir a higiene dos habitantes do acampamento. Sua finalidade principal era livrar todo mundo dos piolhos, que transmitiam a temida doença infecciosa do tifo. ”Era como uma sauna”, contou Peretz Shorshaty, que conseguiu chegar à puscha depois de uma longa viagem desde Varsóvia. ”Aqueciam pedras e despejavam água sobre elas. Pegávamos pequenos galhos e os usávamos para matar os piolhos.” Toda manhã bem cedo, às seis horas, as pessoas se punham em fila, aguardando a vez. Às vezes se lavavam com um sabão escuro, com a consistência de massa de pão, feito por um dos residentes do campo. Os atendentes em geral davam prioridade aos combatentes, que em troca lhes ofereciam artigos obtidos durante suas viagens.

Dois serviços médicos separados foram montados - um pequeno, clínico, para os doentes e

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feridos, e uma cabana de quarentena para os que sofriam de tifo. Um doutor chamado Hirsch assumiu a função de médico do acampamento, em substituição ao dr. Henrik Isler, que se engajara no Ordzhonikidze. Ele era urna figura familiar, andando pelo acampamento com sua maleta médica, roupas amarrotadas e um sorriso permanente no rosto.

com especialidade em obstetrícia e ginecologia, o doutor,

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sempre de óculos, foi solicitado a realizar vários abortos, uma vez que muitas mulheres ficavam horrorizadas pela expectativa de trazer urna criança a um mundo em guerra. (Ele também fez alguns partos.) Aceitava qualquer tipo de pagamento por seu trabalho, especialmente daqueles que, ele sabia, podiam pagar. Tuvia se lembrou de que o médico uma vez se recusou a fazer um aborto até receber um novo par de sapatos.

Mas, sem muitos medicamentos, o doutor e seus pacientes com freqüência tinham que improvisar. ”Lembro-me de muitas pessoas com bolhas entre os dedos”, disse Jack Kagan. ”A coceira era de enlouquecer, e muito fácil de passar para outras pessoas. Então descobriram um remédio. Tiramos as rodas das carroças e espalhamos a graxa nas mãos. Fedia, mas resolvia o problema.” O doutor também criou um ungüento, uma mistura pútrida de gordura de porco e o enxofre da dinamite, para ser esfregada na pele infectada por ácaros e outros parasitas.

Uma dentista de Minsk uniu-se ao dr. Hirsch no corpo médico da floresta. ”Meus dentes estavam caindo”, contou Murray Kasten, que ocasionalmente visitava a puscha com outros combatentes do Ordzhonikidze. ”Não havia muito sal. E, se você não come sal, seus dentes caem. Eles apodrecem. Então a dentista nos disse para cozinhar castanhas e usar o suco para lavar a boca. Depois de cozidas, a água fica azulada, azul-escura.” E funcionou.

Enquanto as instalações para a saúde e o bem-estar dos residentes eram concluídas, continuava a construção de oficinas, que tornariam o nome da base Bielski amplamente conhecido nos círculos guerrilheiros.

A maior edificação foi destinada a abrigar várias atividades de indústria leve. com tetos altos, janelas amplas e alguns fogões, a estrutura servia de sede para mais de uma centena de trabalhadores. Cercas de madeira separavam o espaço reservado a cada ofício.

Dezoito alfaiates trabalhavam sob a direção de Shmuel Ka228

gan, de Novogrudek. Os homens remendavam roupas velhas e confeccionavam novas peças. Guerrilheiros soviéticos apareciam regularmente para solicitar algum serviço, muitas vezes em troca de armas ou alimentos. Doze mulheres trabalhavam como costureiras em duas máquinas de costura que representavam o auge da tecnologia da floresta. Elas transformavam material de algodão rústico, encontrado nas aldeias, em artigos preciosos, como roupa de baixo.

No setor em frente ao dos alfaiates ficavam os sapateiros, cuja importância para a qualidade de vida no campo não pode ser subestimada. Mais de vinte operários trabalhavam para consertar os calçados do campo inteiro, muitos dos quais pertenciam a residentes que haviam passado mais de dois anos caminhando pelas florestas usando o que quer que pudessem atar aos pés. Longas filas de pessoas esperavam para falar com os remendões, que se queixavam constantemente do número de encomendas que recebiam. Para os que podiam pagar, o serviço era entregue com maior rapidez.

Em outro setor, coureiros fabricavam bridas, cinturões de munição e selas para os combatentes e cavaleiros. Nas imediações, três barbeiros realizavam cortes de cabelo e faziam a barba de residentes hirsutos do acampamento. A barbearia tornou-se um local de encontro, onde as pessoas trocavam mexericos e contavam piadas pesadas. As navalhas dos barbeiros, porém, eram cegas, tornando o barbear da floresta uma experiência não muito agradável. na carpintaria, esquadrias de janelas e coronhas de fuzis eram produzidas. Um

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carpinteiro idoso mantinha seu fuzil por perto o tempo todo, na expectativa de precisar usá-lo em defesa própria.

Próximo à entrada da edificação ficavam os relojoeiros, que se ocupavam de consertos, e os chapeleiros, cujos serviços mostravam-se especialmente vitais com a aproximação do inverno. Era

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um recanto de exaltadas discussões políticas, onde o chefe dos relojoeiros, Pinchik, e o chapeleiro, Lebowitz, travavam freqüentes debates. Antigo membro do partido socialista judeu Bund, Pinchik achava que emigrar para a Palestina depois da guerra não resolveria o problema do povo judeu, enquanto Lebowitz, um pessimista inveterado, sentia que os russos perderiam a guerra e que não haveria futuro para os judeus em lugar nenhum.

Outras oficinas foram montadas fora do campo principal. Construiu-se um curtume para produzir o couro necessário para sapateiros e coureiros. As peles de animais dadas aos curtidores pelos açougueiros eram mergulhadas em seis tanques de madeira. Muitos dos curtidores eram hassídicos e o curtume tornou-se uma

sinagoga de facto, onde as pessoas realizavam o culto entre as peles postas para secar.

Shmuel Oppenheim, o homem de Novogrudek que tinha sido atingido no nariz por um tiro no ataque a Zabelovo e Perelaz, em 15 de fevereiro, instalou uma oficina metalúrgica perto da casa de banho. Ele supervisionava o conserto de armas danificadas e a fabricação de novas com peças reaproveitadas. ”Ele tinha mãos de ouro”, contou Jack Kagan. ”Suas criações eram às vezes melhores do que as originais.” A oficina era particularmente popular entre os soviéticos, que gostavam de trocar armas excedentes pelo conserto de alguma arma de fogo de valor. Oppenheim parecia estar sempre em meio a intensas negociações.

Perto dali havia uma forja, onde os trabalhadores faziam toda espécie de trabalho de fundição, inclusive a ferragem dos cavalos para os combatentes montados. As batidas de seus martelos podiam ser ouvidas em todos os cantos do acampamento.

Além das oficinas, outras instituições de uma sociedade civil foram criadas. Duas professoras, uma delas chamada Tsaysha Genish, davam aulas para as numerosas crianças do campo num abrigo-escola, que evitava assuntos não-comunistas, como o sio230

nismo. ”Ela nos ensinou todas as canções russas que eram populares naquele tempo”, contou Ann Monka, então com treze anos. Ela também orientava as crianças em jogos, acompanhando-as em pequenas excursões e fornecendo-lhes copos de leite. Mais do que instruir, o objetivo da escola era manter as crianças ocupadas e livres de complicações.

O acampamento tinha até sua própria cadeia, construída perto da ferraria. Era um abrigo escuro e mal arejado, vigiado por um guarda armado. O advogado Solomon Wolkowyski era responsável pela investigação dos crimes e pela prescrição das sentenças de prisão. Algumas faltas leves, como ordenhar vacas sem permissão, podiam acarretar alguns dias de detenção.

Perto do centro da aldeia ficava o escritório dos comandantes, o shtab-estado-maior em russo -, como todo mundo o chamava. Tuvia, Asael, Layzer Malbin, Pesach Friedberg, Solomon Wolkowyski e Tanchum Gordon, um fugitivo recente do gueto de Shchuchin, que tinha sido nomeado comissário substituto em exercício pelo general Platon, se reuniam ali diariamente. A secretária do acampamento, Raya Kaplinski, auxiliada por duas assistentes, fazia as atas das reuniões, minutava cartas aos chefes guerrilheiros e datilografava relatórios das ações de combate numa máquina de escrever recuperada de uma das aldeias.

”Consistia em duas salas”, contou Kaplinski a respeito do shtab, ”A maior tinha uma mesa grande, onde ficava minha máquina de escrever. na parede, havia um retrato de Stalin, desenhado por uma menina do acampamento, de uns catorze ou quinze anos. Os guerrilheiros russos achavam o retrato maravilhoso. Um lado do rosto estava inchado, e um russo perguntou por quê. A menina explicou que era de alegria, porque ele estava expulsando os

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alemães.”

Todo o seu trabalho de escritório era feito em três vias uma para os arquivos da base, outra para o estado-maior de Pla231

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ton e a terceira para ser enterrada no chão. Kaplinsky também ajudava Malbin a preparar as extensas listas dos membros da unidade que eram fornecidas aos soviéticos. Chamavam-na jocosamente de ”o rabino”, porque ela registrava casais como casados, mesmo que não o fossem oficialmente. Todos os documentos eram assinados por Tuvia e Malbin, e levavam o carimbo do Destacamento Kalinin.

Bem em frente ao shtab ficava a praça da povoação, que servia como local de reunião para a comunidade. Ali os combatentes se reuniam antes de sair em missões e os comandantes faziam pronuciamentos importantes. As delegações de visitantes guerrilheiros soviéticos também eram recebidas na praça, tanto em celebrações de feriados comunistas como em outras ocasiões festivas.

”Tuvia disse que seria born se, durante as visitas dos russos, pudéssemos oferecer-lhes algum tipo de entretenimento”, contou Sulia Rubin, que tinha sete anos de aprendizado de bale antes da invasão soviética em 1939. Sob sua direção, foi formada uma trupe para fazer apresentações. Ela concebeu um espetáculo de variedades que incluía danças folclóricas, canções populares e peças teatrais ligeiras. Não havia uma edificação para teatro; os espectadores sentavam-se no chão.

”As peças eram, em geral, sobre libertação, sobre luta, sobre amor”, disse Rubin. ”Eu encenava Shakespeare. Quem ligava? Fazíamos qualquer coisa. Cantávamos canções guerrilheiras, canções russas. Tocávamos acordeão, às vezes colheres e apitos. Fazíamos flautas de madeira! Contávamos anedotas. O espetáculo às vezes era oferecido pelos visitantes, porque havia muita gente talentosa entre os russos. Eles tinham belas vozes e conheciam canções diferentes. Eles precisavam rir e nós também.”

Rubin traduzia canções do hebraico para o russo e as ensinava aos espectadores guerrilheiros, que nunca souberam que estavam cantando canções judaicas. s;

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”Era arrebatador, absolutamente arrebatador”, contou Ann Monka, uma das cantoras. ”Naturalmente, antes do espetáculo os russos se imbuíam do espírito da coisa. Eram cheios de energia e esperança e, creio, a bebida ajudava.”

Rubin encontrou um homem com uma linda voz que havia passado um tempo na cadeia do acampamento e o recrutou para cantar solos durante os espetáculos. Também insistiu para que Sol Lapidus, um jovem guerrilheiro judeu que servia numa unidade russa e era um dançarino talentoso, se apresentasse para a multidão.

Raramente os espetáculos eram planejados. Rubin e sua equipe iniciavam uma apresentação sempre que houvesse gente bastante para assistir. Alguém começava tocando acordeão e Sol Lapidus se punha a dançar com Rubin. Depois da dança, uma ou duas músicas eram cantadas e, então, alguém podia contar uma história.

As crianças da escola formavam um grupo coral e muitas vezes eram a atração principal dos espetáculos. ”Lembro de cantarmos uma canção russa que conta a história de uma mulher fazendo contato com um guerrilheiro e sentindo-se grata por estar entre eles”, disse Monka. ”Perto dos russos, tínhamos que cantar músicas sobre Stalin. Mas, quando estávamos só entre nós, as canções eram outras. Por exemplo, há uma canção em iídiche chamada ’A criança judia’, sobre uma mãe que quer salvar o filho dos massacres. Ela decide entregá-lo a uma família cristã, para escondê-lo entre crianças cristãs. Então, explica ao menino que ela o está

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escondendo porque, por ser judeu, a vida dele está ameaçada; e que ele precisa se comportar da melhor maneira possível e não revelar de forma alguma que é judeu. Naturalmente, o filho chora, mas ela não tem escolha e vai embora. É uma canção muito popular. Uma canção triste.”

Os visitantes se admiravam com essa aldeia movimentada no

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coração de Naliboki, e ela era assunto de muitas conversas entre os camponeses. Alguns gentios a chamavam desdenhosamente de ”Jerusalém”, uma descrição usada pelos ”grandes anti-semitas”, de acordo com Tuvia, porque implicava que eles não estavam cornprometidos em combater na guerra. Mas muitos judeus se orgulhavam dessa designação e até se sentiam consolados por ela.

”Parecia uma fantasia de outro mundo”, escreveu Liza Ettinger sobre sua chegada à base. ”As mesmas pessoas - carne e sangue -, mas mais fortes e livres. Uma espécie de abandono alegre invadia o ar; conversa mordaz e franca, temperada por imprecações indecorosas; cavalos galopando e o riso das crianças. Tudo parecia suspenso no ar, confuso. De repente, eu me via como uma figurante num filme de faroeste, com muitos participantes. Não sabia se devia rir com todo mundo ou chorar sozinha.”

Os alojamentos para o imenso grupo ainda estavam sendo concluídos quando começou a nevar. Os abrigos se alinhavam dos dois lados da rua principal, que se estendia aproximadamente de uma extremidade a outra do acampamento, atravessando a área central, onde ficavam as principais oficinas e a praça. A avenida passou a se assemelhar a qualquer via importante de uma comunidade. Os combatentes que voltavam de missões desfilavam com armamento russo (ou alemão, às vezes) recém-obtido. As moças com bastante sorte para conseguir um novo par de botas ostentavam suas aquisições diante de vizinhas invejosas.

Os abrigos eram numerados e divididos segundo os mesmos critérios sociais do resto do acampamento. Pessoas oriundas das mesmas aldeias ou da mesma profissão às vezes viviam juntas. O abrigo nü 11 era reservado para a ” intelligentsia”, que incluía, entre outros, Solomon Wolkowyski e o dr. Hirsch. As acomodações dos comandantes, como era de se esperar, eram incomparáveis. Tuvia

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e Asael tinham, cada um, um abrigo privativo, que eles compartilhavam com as esposas, Lilka e Haya. O abrigo de Tuvia era suficientemente confortável para receber visitantes russos, e nessas ocasiões sua mulher servia refeições leves e bebidas.

Diariamente, um homem chamado Max Potashnik percorria o setor dos abrigos e, em linguagem rude, ordenava que as fogueiras fossem apagadas, para impedir que a base fosse descoberta pelos aviões alemães. Aviões inimigos sobrevoavam o campo, mas, com as estruturas bem escondidas sob a vegetação densa, nada resultava desses vôos. A floresta era tão densa que, para se vislumbrar um pouco de luz solar durante o dia, era necessário virar a cabeça para o alto.

com o tempo, cada residente descobriu uma colocação adequada na estrutura da base. Os que tinham poucas habilidades atuavam como sentinelas ou eram escalados para catar lenha. As mulheres jovens muitas vezes recebiam armas, eram enviadas para áreas externas do acampamento e instruídas a ficar atentas a qualquer atividade inimiga.

Shmuel Amarant, um especialista em história judaica e sionismo que concluíra o doutorado com apenas 23 anos, foi nomeado historiador do campo e incumbido de recolher informações sobre a vida no gueto e na floresta. Todos os dias ele realizava entrevistas com membros da unidade em seu abrigo, reunindo, por fim,

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assuntos relacionados com a guerra.

Entre os mais inquietos habitantes do campo estavam os adolescentes. Embora fossem designados para uma série de tarefas, entre elas trabalhar nas oficinas como aprendizes, os rapazes encontravam tempo para perambular com os combatentes ou acompanhar os visitantes em suas andanças. Não havia um canto do acampamento que não lhes fosse familiar ou um mexerico que não tivessem ouvido em várias versões diferentes. Eles também

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adotaram a gíria vulgar dos combatentes, que, para horror de muitos, se tornou a língua franca da vida do acampamento.

Um adolescente solitário chamado Yankel era tido como a

única pessoa mentalmente doente da base. Sua enfermidade fora causada por um espancamento selvagem sofrido dos alemães. Ele vagava pelo acampamento com roupas esfarrapadas e um olhar vago. ”Yankele, por que não remenda sua manga?”, alguém perguntava. ”Eu quero sacudir você para fora da minha manga”, ele dizia. ”Como posso fazer isso com a manga costurada?”

As pessoas mais velhas - e havia residentes de até oitenta anos - faziam o possível para contribuir nas áreas em que eram competentes. Mas, na maioria dos casos, eram sustentadas pelo trabalho de outros. O mesmo se dava com as crianças pequenas, de três e quatro anos, que eram cuidadas por suas mães.

”Eu passava muito tempo com meu bebê”, contou Fay Druck, uma fugitiva do gueto de Lida. ”Passeávamos pelos bosques. Procurávamos mirtilos para comer. Havia cogumelos e os comíamos.”

Em dezembro, Tuvia soube que Sergei Vasilyev não se esquecera de que Asael tinha abandonado o quartel-general da Brigada Kirov sem permissão. O russo estava furioso com a insubordinação. Para ele, Asael não passava de um desertor e exigia que fosse executado.

Apavorado com a segurança do irmão, Tuvia escreveu ao general Platon, o superior de Vasilyev, solicitando que o grupo judeu fosse desligado da brigada deste último, o que o livraria de qualquer ordem relacionada com a situação de Asael. Argumentou que, como a unidade dapuscha ficava muitos quilômetros distante dos demais destacamentos da Brigada Kirov de Vasilyev (que incluía a unidade Ordzhoníkidze, de Zus), ela deveria ser posta sob a jurisdição de um comandante soviético localizado nas imediações.

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Antes de obter uma resposta, Tuvia recebeu uma intimação de Vasilyev que o enfureceu. O russo exigia que cinqüenta dos melhores combatentes de Tuvia deixassem a base da puscha e se apresentassem para serviço no quartel-general da Brigada Kirov.

Tuvia e vários homens saltaram sobre seus cavalos e galoparam para o posto de comando do general Platon, muitas milhas através dapuscha. O comandante judeu estava esperançoso de que Platon o ouviria com simpatia sobre sua difícil situação. Não podia permitir que Vasilyev rachasse seu grupo novamente.

”Se eu aquiescer à ordem de Vasilyev”, Tuvia falou ao comandante russo, depois de sua chegada, ”ficarei mais uma vez sem defesa. Não terei meios de manter a coesão do grupo e serei obrigado a me exonerar. O plano de Vasilyevnão corresponde aos objetivos da pátria, e as centenas de pessoas-que estão comigo finalmente sucumbiriam.”

Platon deu um risinho de satisfação, aceitando o argumento de Tuvia. Ele concordou em revogar as ordens de Vasilyev a respeito da execução de Asael e do pedido de cinqüenta homens.

Aliviado, Tuvia regressou à base e enviou a declaração de Platon a Vasilyev por intermédio de dois cavaleiros. Os dois retornaram depois de vários dias, com a informação de que

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Vasilyev estava indignado com a ordem do general e que reiterava sua asserção, em linguagem venenosa, de que Asael merecia ser morto. Tuvia também soube que o russo se apropriara de víveres de um grupo de combatentes Bielski.

Mais uma vez horrorizado pelo comportamento de Vasilyev, Tuvia saiu em disparada para outro encontro com Platon, levando comida que havia sido preparada na cozinha da base. Falou que seus problemas com o comandante dabrigada continuavam, mencionando sua exigência implacável da cabeça de Asael e seu confisco de artigos destinados a ”cidadãos soviéticos” desarmados.

Mas Platon não estava interessado em emitir nenhuma ordem

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nesse dia. Em vez disso, mostrou-se animado para visitar pessoalmente a base Bielski, para ver como a vida progredia no grupo judeu. Ele chegaria, avisou, em 31 de dezembro de 1943.

Ao notar que o general usava calças puídas e botas em péssimo estado, Tuvia comentou que um homem de sua importância merecia indumentária muito melhor. ”Posso ajudá-lo”, Tuvia propôs. ”E o senhor ficará satisfeito.”

Platon gostou do oferecimento.

”Está em nossa Tora: ’Não aceite suborno’”, Tuvia disse mais tarde. ”Mas não está escrito que não se pode dar suborno.”

Depois que Tuvia retornou à base, ele ordenou uma campanha de embelezamento do campo, como preparativo para a chegada do general. Era uma grande oportunidade de provar a utilidade do acampamento no apoio aos objetivos de guerra soviéticos.

No dia combinado, ”o chefe de todos os bosques”, como Tuvia se referia a ele, cavalgou campo adentro, acompanhado por quarenta guerrilheiros equipados com o que havia de mais moderno em armamentos. Platon foi escoltado até o shtab, onde lhe serviram uma refeição principesca de salsichas, carnes em conserva, repolho recheado e muita samogonka.

Finda a refeição, Tuvia conduziu o general para uma visita às instalações. Quando entraram na edificação destinada às atividades de indústria leve, um trabalhador comandou os demais à posição de sentido. Platon pediu que todos ficassem à vontade e continuou a percorrer o local, parando em cada uma das oficinas. Comentou com um dos coureiros que cada sela produzida na base era o equivalente a uma emboscada contra os alemães. Para um dos barbeiros, mencionou que os guerrilheiros de seu quartel-general estavam precisando cortar o cabelo e o convidou para uma visita no futuro.

Antes de sair da edificação, Platon cumprimentou os alfaiates por seu trabalho e manifestou surpresa pela proficiência dos relo238

joeiros. Em seguida, Tuvia e o general caminharam em direção à oficina de metalurgia de Shmuel Oppenheim, antes de se deslocarem para o curtume. O russo observou que vários judeus religiosos estavam absortos em suas orações da tarde. Ele parou. ”O que é isso?”

”Não sabe?”, disse Tuvia. ”Eles estão aprendendo a história do partido.”

Os dois homens gargalharam com entusiasmo e continuaram andando na direção da forja. Um dos trabalhadores executava o difícil trabalho de fabricar uma culatra de fuzil. Platon ouviu o artífice explicar o que estava fazendo.

”Muitas culatras para atacar os fascistas alemães!”, exclamou o russo. Ele ficou igualmente impressionado com o setor de fabricação de salsichas. ”Visite-nos com freqüência”, Tuvia disse, ”e ficaremos felizes em repartir nossa abundância com o senhor.”

O passeio prosseguiu: a cadeia, a padaria, a área de armazenamento de víveres, a oficina de fabricação de sabão e o moinho. O general visitou a enfermaria com o dr. Hirsch, que se queixou da falta de remédios.

Uma vez terminada a inspeção, os dois guerrilheiros voltaram ao shtab. Durante trinta minutos, Platon falou sobre a importância do trabalho do campo e prometeu ajuda nas dificuldades da unidade com outros grupos de guerrilheiros. Anunciou que abase serviria como ”corpo de intendência” para os guerrilheiros da puscha, um depósito que supriria as

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necessidades dos combatentes. ”É do que todo exército necessita”, disse.

Para Tuvia, foi um momento de triunfo. Se Platon apoiava o trabalho do campo judeu e compreendia sua utilidade para a luta dos guerrilheiros, seguramente ele o protegeria de guerrilheiros soviéticos como Vasilyev, que viam os judeus não-combatentes como inúteis na luta contra os alemães. E se a base se achava a salvo da interferência soviética e do ataque alemão, duas das grandes batalhas na guerra dos Bielski estavam quase ganhas. Estariam

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dando certo todos os seus esforços diplomáticos no relacionamento com a liderança guerrilheira?

Mas Platon ainda não decidira se o grupo de Tuvia permaneceria sob a jurisdição de Sergei Vasilyev.

Depois de sua palestra, o russo pediu que Tuvia e alguns de seus homens viajassem com ele para alguns acampamentos guerrilheiros das vizinhanças.

O grupo partiu naquela tarde e logo chegou a uma base que estava se preparando para uma celebração da véspera de anonovo. Deixando de lado as obrigações oficiais, os homens se entregaram à festividade, regada a muitas rodadas de vodca. Acordaram na manhã seguinte, beberam mais algumas doses e partiram para visitar um dos comandantes de confiança de Platon, Yefim Gapayev, conhecido como Sokolov.

Chegaram à base de Sokolov à tarde e se entregaram a outra festa. Já era noite alta quando todos se sentaram para discutir assuntos oficiais, e a reunião se prolongou até a manhã de 2 de janeiro.

Durante a discussão, Tuvia reiterou seu desejo de ter a unidade familiar removida da jurisdição de Vasilyev. Sugeriu também que ela fosse renomeada ”Platon”, em honra a seu comandante. Platon recusou a idéia do nome, mas consentiu que a unidade fosse retirada da supervisão de Vasilyev.

Tuvia falou sobre seu irmão Asael, destacando seus dotes como líder militar e sua importância para a operação tranqüila das forças combatentes. ”Sem essa força”, prosseguiu Tuvia, ”não posso manter a integridade de nosso grupo, e sabemos como é importante que ele continue a existir. Nossos cidadãos produtivos e leais são certamente dignos de ser preservados.”

Platon concordou em emitir uma nova ordem, cancelando qualquer ato a respeito da execução de Asael.

No dia seguinte, 3 de janeiro de 1944, Platon assinou uma240declaração datilografada que retirava formalmente a unidade da Brigada Kirov. Em vez de se reportar a Vasilyev, Tuvia agora se subordinaria a Sokolov. A unidade foi retirada da estrutura da brigada e constituída como um destacamento ”independente”.

O parágrafo final do despacho ”estritamente confidencial” esboçava como Platon considerava o funcionamento do grupo judaico:

Atribuo a seguinte tarefa ao estado-maior do destacamento: Prover a população no destacamento com provisões e guardas armados. Encontrar meios para armar os que são capazes de combater. Envolver os que estejam armados na destruição de comunicações, pontes, estradas e no desempenho de funções de reconhecimento. Formar, no mínimo, dois ou três grupos diversionários, dentre os 150 membros armados do destacamento, a fim de explodir ferrovias, trens militares, caminhões e outros meios técnicos militares. Armar emboscadas para destruir a força de combate do inimigo.

O Destacamento Ordzhonikidze de Zus, com 117 guerrilheiros a partir do ano-novo, oito dos quais eram gentios, teve uma tarefa mais fácil para provar sua utilidade para os embates da guerra: golpear o inimigo responsável por muitos milhares de mortes de judeus. Um trabalho

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que eles executaram com prazer.

Em novembro e dezembro, enquanto a base da Puscha Naliboki estava sendo construída, o contingente de Zus participou de missões típicas de guerrilha. Em 7 de novembro, quatro homens demoliram uma ponte ferroviária e incendiaram uma ponte de madeira. Em 12 de dezembro, um grupo de combatentes pôs fogo em duas casas perto da estrada de ferro Lida-Baranovich e, em 19 de dezembro, alguns guerrilheiros emboscaram um veículo inimigo na estrada que ligava Novogrudek a Lida, matando o motorista.

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lna manhã de 21 de dezembro, após uma forte nevasca, o grupo de Zus se reuniu com homens do Destacamento de Outubro, chefiado por um dos antigos aliados dos irmãos, o jovem russo Viktor Panchenkov. Eles atacaram um pequeno comboio na estrada Novogrudek-Novoyelna, matando quatro alemães, dois policiais e um colaborador civil. A força alemã, porém, era numerosa e desencadeou um contra-ataque vigoroso, forçando os guerrilheiros a fugirem para a floresta.

Um combatente judeu morreu e outro foi ferido. O dr. Isler tratou do ferido, mas suas lesões eram muito graves e ele não resistiu. Ainda sob ataque, os guerrilheiros não tinham outra escolha a não ser fugir. No dia seguinte, muitos homens voltaram para a cena do combate e encontraram o corpo do morto nu, apoiado a uma árvore, com uma garrafa de vodca congelada na mão, colocada ali pelos alemães.

Mas a sorte do destacamento logo mudou. O Ordzhonikidze uniu-se aos homens de Viktor Panchenkov para duas missões bem-sucedidas nas semanas seguintes.

Em 5 de janeiro, dias depois da proeza de Tuvia na negociação com Platon, Viktor dirigiu duas unidades do Ordzhonikidze e do Destacamento de Outubro numa ação contra a estrada de ferro Lida-Baranovich. Quando a noite caiu, alguns combatentes soltaram os trilhos de seu leito, tornando impossível a passagem de trens. Então, os homens esperaram por várias horas agachados na neve, até que uma locomotiva rebocando sete vagões avançou veloz, vindo do leste. Depois que o maquinista observou que havia um problema na linha, o trem desacelerou até parar.

”Eu dei ordem para atirar”, Viktor escreveu depois, ”e o tiroteio começou. Mas, quando ouvimos, de dentro do trem, o som dos gritos de mulheres e crianças, ordenei o cessar-fogo.”

Um oficial nazista, que mais tarde foi identificado como um dos substitutos do comissário regional Wilhelm Traub, surgiu de

um dos carros e gritou alguma coisa para os guerrilheiros. Viktor pediu que um de seus homens traduzisse os gritos do alemão, que, como ele verificou, estava xingando os guerrilheiros de ”corja”. O russo ordenou que o fogo recomeçasse.

Os guerrilheiros forçaram os soldados alemães a recuar e ocuparam os vagões. Viktor relatou que quarenta civis foram capturados e depois soltos, enquanto quatro soldados foram feitos prisioneiros. O relatório do Ordzhonikidze mencionou dois alemães mortos e treze feridos. Ninguém entre os guerrilheiros foi morto. O butim foi considerável, já que o trem transportava quarenta motocicletas, três automóveis e cargas de munição e fuzis. Em seguida, o trem foi incendiado.

Uma semana depois, Sergei Vasilyev, que permanecia no comando da brigada de Zus, embora tendo perdido o papel de supervisor do grupo não-combatente de Tuvia, emitiu um relatório que parecia aumentar bastante o número de baixas inimigas. Ele escreveu que 21 alemães tinham sido mortos na ação. (Mais tarde, Zus também reivindicaria uma contagem de mortos ainda maior, observando que cinqüenta alemães foram assassinados.) De qualquer forma, a emboscada foi um grande sucesso e tornouse o assunto de artigos ardorosos nos jornais guerrilheiros e de conversas exaltadas dos camponeses da região. Os comandantes de

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ambos os destacamentos receberam distinções do comandante da Brigada Kirov.

Poucas semanas depois, em 28 de janeiro, outra operação foi realizada - que, como os guerrilheiros esperavam, superaria o descarrilhamento do trem. O estado-maior de Vasilyev traçou um plano de emboscada que utilizava homens de quatro destacamentos da Brigada Kirov. Dez guerrilheiros do grupo judeu desempenhariam um papel-chave no ataque.

Ao entrar na aldeia de Vasilevitch, os guerrilheiros judeus gritaram, praguejaram e deram tiros de pistolas para o ar. CarregaV»

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Ivam garrafas de vodca e bebiam seu conteúdo em grandes tragos. Os camponeses ficaram cada vez mais agitados com o comportamento dos homens, sem desconfiar de que tudo não passava de uma dissimulação. A verdade é que os guerrilheiros estavam cornpletamente sóbrios. Os recipientes continham água.

Enquanto a cena se desenrolava, mais de 150 guerrilheiros, inclusive dez homens do Ordzhonikidze, cercaram os acessos da aldeia e aguardaram qualquer sinal do inimigo. Como esperavam, um camponês de Vasilevitch correu até um posto alemão e informou os nazistas sobre o tumulto causado pelos judeus bêbados. Finalmente, vários veículos surgiram, trazendo um total de 34 homens, entre os quais oito oficiais nazistas.

”Estávamos deitados no chão”, contou Sergei Zhigalo, um dos homens de Viktor. ”Quando os vi vindo em nossa direção, assobiei para o resto dos homens.”

O comboio parou na entrada da aldeia e os policiais saíram dos veículos para falar com o comandante nazista. com o inimigo em posição tão vulnerável, a força guerrilheira precipitou-se sobre ele, desencadeando uma ofensiva estrondosa. Embora os alemães e seus colaboradores tenham conseguido disparar alguns tiros, matando quatro guerrilheiros e ferindo três, foram esmagados rapidamente. Em minutos, havia cadáveres por toda parte. Todos os oficiais nazistas e 22 policiais morreram. Quatro policiais, três dos quais feridos, foram feitos prisioneiros.

Entre os mortos estava Kurt Fidler, tenente nazista que comandava o posto avançado alemão. ”Ele não era um homem, mas uma besta-fera”, escreveu Viktor. ”Tanto os habitantes locais como a polícia lutavam contra ele.”

Zus examinou o corpo massacrado e tirou-lhe o uniforme. ”Servia perfeitamente em mim”, contou mais tarde. ”Acabei a guerra com esse uniforme.” Foi um de seus momentos mais gloriosos - um homem cujos pais, dois irmãos, mulher e filho tinham

sido mortos pelos assassinos nazistas estava agora usando a vestimenta do inimigo odiado. Nada que fizesse jamais traria de volta os membros de sua família, mas pelo menos ele podia humilhar os responsáveis por sua dor.

A cooperação entre o grupo judeu e os guerrilheiros soviéticos nem sempre era tão produtiva. Os homens de Zus estavam bastante conscientes da necessidade de permanecerem vigilantes em relação a todos, inclusive seus aliados. Os russos ameaçavam com freqüência os combatentes judeus e divulgavam histórias de que eles acumulavam ouro e outras coisas de valor. Mas a unidade Bielski adquirira uma reputação de retaliar rapidamente qualquer afronta. Zus mais de uma vez empunhou sua arma contra soldados ostensivamente amigos.

Naturalmente, os homens de Zus tinham muitos outros inimigos, e o número deles parecia aumentar a cada dia.

Os principais entre eles eram as unidades de guerrilheiros poloneses anti-soviéticos, cujo contingente havia crescido na área de Lida-Novogrudek durante fins de 1943 e começo de 1944. Os combatentes do Armia Krajowa (AK), ou exército territorial, eram conhecidos como Poloneses Brancos, e os irmãos Bielski sabiam que eles eram inimigos ferozes do povo

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judeu. na verdade, o general Bor-Komorowski, comandante-geral do AK, emitiu uma ordem em 15 de setembro de 1943 requerendo o extermínio de grupos guerrilheiros judeus, os quais ele considerava bandidos.

Alguns guerrilheiros poloneses cooperaram com os combatentes soviéticos nos primeiros anos da ocupação, mas os soviéticos respondiam com ”uma pistola engatilhada” quando os poloneses resistiam a se incorporar a um movimento que exigia lealdade a Stalin e ao comunismo, de acordo com a narrativa de um Polonês Branco da área de Novogrudek. A disposição dos poloneses em combater os guerrilheiros soviéticos produziu alianças entre o AK e os alemães, que lhes forneceram armas, munição e assistência

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médica. A cooperação entre as partes era um segredo de polichinelo na região, e um documento escrito pelo comissário regional nazista em Novogrudek fala dos ”nossos acordos com os guerrilheiros poloneses”.

Outro grupo também voltava seu poder armado contra os guerrilheiros judeus e soviéticos na região dos Bielski.

Milhares de cossacos pró-alemães e suas famílias convergiram para a área no outono de 1943, fugindo de seus territórios no Cáucaso, depois das vitórias do Exército Vermelho sobre as tropas da Wehrmacht. Famosos defensores das estepes russas, protetores impiedosos dos czares e flagelo dos judeus, os cossacos são um povo de origem mista turca, tártara, russa e ucraniana. Distinguiam-se pelo gorro de pele, as calças largas enfiadas em botas de cano alto e a capa comprida de pele de carneiro. Os nazistas recompensaram sua lealdade à causa permitindo que chefiassem seus próprios regimentos militares e instituíssem ”regiões de autogoverno”, onde tinham liberdade para estabelecer seu próprio sistema de governo.

na área de Novogrudek, um cossaco carismático chamado Sergei Pavlov liderou uma iniciativa para construir uma escola, um hospital e uma igreja ortodoxa. Por fim, 25 mil cossacos se mudaram para a região. Vários regimentos cossacos, de mil homens cada um, engajaram-se na luta contra os inimigos da ocupação alemã.

Como se isso não bastasse, uma unidade de cavalaria bielorussa pró-alemães, comandada por Boris Ragula, um colaborador nazista de Novogrudek, achava-se agora em atividade na área.

Ragula, um homem ambicioso de 23 anos, originário de uma família de bielo-russos nacionalistas, fora preso e torturado pelas autoridades soviéticas antes da invasão alemã. Falava alemão fluentemente e se aliou aos ocupantes logo que chegaram, na esperança de convencê-los a dar maior autonomia ao povo bielo-russo.

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Ele serviu como tradutor do comissário regional Wilhelm Traub durante o primeiro e sangrento ano da ocupação.

No fim do verão de 1943, foi chamado à residência pessoal de Traub para discutir a formação de uma força antiguerrilheira. O nazista se desculpou pela falta de disposição dos alemães para atender aos sonhos nacionalistas bielo-russos. ”Você ainda quer formar uma unidade para combater os guerrilheiros?”, Traub perguntou, prometendo fornecer cavalos e munição. Ragula concordou. Foi transportado de avião para Minsk, onde um general alemão o instruiu sobre a missão.

Após algumas semanas, Ragula comandava uma unidade de

150 homens trajando uniformes nazistas com as cores nacionais de Belarus na gola.

A profusão de combatentes pró-alemães não alterou a opinião de muitos sobre os alemães estarem fadados a perder a guerra. Contribuindo para a confusão no campo de batalha, policias locais aliados aos alemães começaram a desertar para o lado dos guerrilheiros, ao perceberem que o futuro era mais promissor com as guerrilhas. O próprio Zus estava mandando mensagens a Volodiya Picta, o chefe de polícia de Novogrudek, um bielo-russo natural de Grande Izvah que, no passado, fora próximo da família Bielski. ”Traga vinte ou trinta homens e junte-se a nós”, Zus lhe escreveu. ”E tudo será esquecido.”

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Picta, que antes comunicara aos irmãos que, sempre que deparava com o grupo judeu, errava os tiros deliberadamente, chegou a se encontrar com Zus num local neutro fora da cidade. Nada resultou das conversas.

As mensagens também chegavam de outra direção. O nazista mais graduado de Novogrudek mandou um recado a Viktor Panchenkov, prometendo anistia a seu grupo se ele se engajasse na luta ao lado dos nazistas. A resposta de Panchenkov, que, de acordo

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com Zus, foi concebida por um doutor judeu associado à unidade, não foi nada ambígua.

Panchenkov dirigiu-se a ele como ”Sr. Comissário Regional Temporário” e o repreendeu por ousar mandar-lhe tal carta. ”Pense... Você não pode sair da cidade sem uma escolta de um veículo blindado ou tanques. Quando estava em Novogrudek, não podia usar um telefone, e seus trens e vagões foram descarrilhados às centenas, de forma que os trens não circulam à noite. Você não controla as aldeias e, a cada dia, tem mais e mais sepulturas.”

Quando Tuvia achou que havia isolado o grupo de qualquer dificuldade com os soviéticos, novos problemas surgiram para causar-lhe dores de cabeça. A hora não podia ser pior. Ele tinha pelejado para escapar das mãos de Sergei Vasilyev e para estabelecer um elo positivo de trabalho com o general Platon. Agora precisava lidar com a dissensão interna, que, ele sentiu, ameaçava arruinar todo o seu trabalho.

Os problemas estavam sendo causados por Israel Kessler, que ainda operava a pequena base satélite a uma pequena distância do acampamento principal. Ele vinha criticando os irmãos havia muito tempo, mas sua oposição tinha aumentado desde que a nova base da puscha fora construída. Ele se uniu a outros descontentes com a liderança dos Bielski e começou a se queixar com comandantes soviéticos.

A atividade do grupo rebelde ficou comprovada quando um dos substitutos do general Platon intimou Tuvia a responder a um informe sobre um grupo de combatentes Bielski que teria agido de forma descontrolada ao voltar de uma missão. ”Não há disciplina e até sua gente está afirmando isso!”, disse. Tuvia considerou a referência sobre ”sua gente” como um sinal preocupante de que sua autoridade estava sendo solapada.

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Depois, Sokolov, que era o responsável direto pelo acampamento Bielski, falou com Tuvia a respeito do assunto. Ele também recebera relatórios do grupo Kessler sobre a liderança dos Bielski.

”Por que não vem ao acampamento e investiga o assunto pessoalmente?”, Tuvia sugeriu-lhe.

O russo, um homem imponente de barba dourada, que Tuvia louvava como ”a antítese do típico russo anti-semita”, chegou poucos dias depois e teve uma boa acolhida, semelhante à que Platon desfrutara. Tuvia perguntou se ele estaria interessado em assistir à apresentação da trupe de entretenimento da base. Sokolov disse que sim. Ele e sua comitiva sentaram-se no chão na área de reunião, enquanto um grande número de residentes do acampamento juntou-se aos visitantes.

O espetáculo teve canções soviéticas, danças folclóricas e um quadro que imitava um filme mudo de Charlie Chaplin. Então, uma jovem de dezoito anos cantou uma música que impressionou muito o comandante russo. Ele a cobriu de beijos e prometeu mandá-la de avião até Moscou para estudar música. Uma promessa que ele cumpriu nas semanas seguintes: ela acompanhou alguns guerrilheiros feridos enviados para um hospital na capital.

Sokolov, em seguida, encontrou-se com Kessler e seus aliados, que silenciaram sobre as críticas que tinham entregue por escrito ao comando guerrilheiro. O russo deixou a base impressionado com suas instalações e despreocupado com as queixas contra a liderança de Tuvia.

Mas o drama parecia não ter fim. Kessler e seus camaradas continuaram a escrever cartas aos

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soviéticos, e algumas pessoas no acampamento suspeitaram que ele estava mexendo os pauzinhos para ocupar a posição de Tuvia.

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n. Janeiro de 1944 - Julho de 1944

”Quando vi Tuvia Bielski pela primeira vez, ele usava um casaco de couro e levava uma metralhadora a tiracolo. Estava cercado de homens e cavalos”, contou Charles Bedzow, que chegou à puscha vindo do gueto de Lida. ”Para mim, ele era o maior herói do mundo. Depois do gueto e das execuções, depois de viver hora após hora sem saber quando os alemães nos levariam embora, era incrível. Era a liberdade.”

A movimentada aldeia da floresta era, na verdade, uma visão emocionante para os judeus que, aos poucos, continuavam a chegar lá, e seus guerrilheiros imponentes transmitiam um alívio profundo depois de tudo o que haviam passado. Alguns, fugitivos dos guetos e dos campos de trabalhos forçados, tinham caminhado durante semanas até encontrar a base. Outros eram combatentes judeus de bandos russos, cansados da intolerância que seus camaradas manifestavam contra eles. Alguns eram, ainda, integrantes de grupos menores que tentavam viver isolados, a quem os soviéticos haviam ordenado que se mudassem para o lugar de residência permitida aos judeus.

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Todos eles viajavam por uma paisagem devastada pela guerra. Passavam por aldeias repletas de casas incendiadas, de corpos humanos e de animais em decomposição, de gatos selvagens rapinando alimento. Alguns ouviam zombarias dos combatentes russos, que lhes perguntavam por que tinham trabalhado tanto tempo para os alemães nos guetos, ou insultos de camponeses desdenhosos, que lhes recusavam alimento.

Então, entravam num refúgio onde seu povo estava vivendo em segurança e alimentando-se fartamente. Vezes seguidas, os recém-chegados choravam, incrédulos; os rumores que tinham ouvido, as histórias que lhes foram relatadas sobre o reino dos judeus dos irmãos Bielski eram reais! Ali ninguém se curvava sob o látego dos sicários nazistas. Ninguém sussurrava, rezando para não ser escutado. Não era um conto de fadas. Era um lugar de verdade.

Muitos descreviam o que viam numa linguagem colorida com imagens religiosas. Um oásis no meio do inferno, diziam; e Tuvia Bielski, que de fato cavalgara um cavalo branco por algum tempo, era um messias salvando seu povo do mal. ”Considero que ele foi enviado por Deus para salvar os judeus”, disse Beryl Chafetz, que antes da guerra estudava para rabino e que depois veio a sê-lo. ”Ele não era um homem, era um anjo”, disse Isaac Mendelson.

Mas, desde a extinção dos guetos de Lida e Novogrudek - à parte a povoação dos Bielski, essas eram as maiores concentrações de vida judaica na região -, poucos grupos numerosos chegavam ao acampamento. O último grande influxo constou de sessenta ou setenta judeus que tinham fugido do campo de trabalho de Koldechevo, perto de Baranovich, em março. A terrível verdade é que não restavam muitos.

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Durante os primeiros meses de 1944, a comunidade progrediu. Apesar do frio rigoroso e da neve, os residentes faziam aprimoramentos em seus abrigos - havia agora umas vinte estruturas comunais grandes, que abrigavam cinqüenta pessoas cada-e construíam suas próprias cozinhas.

Um grupo de seis pessoas, entre as quais o historiador do campo, dr. Shmuel Amarant, e sua mulher, construiu novas dependências em solo mais alto e seco, depois de receber permissão do comando da base para a iniciativa. O pequeno domicílio dos Amarant tinha tocos de árvores que serviam como cadeiras, uma janela grande voltada para a floresta e uma pequena banheira usada para cozinhar, banharse e lavar roupas. Não muito tempo depois, outros estavam construindo a casa dos seus sonhos na vizinhança exclusiva.

As esposas e as namoradas dos combatentes e comandantes preparavam a comida em fogueiras perto de seus abrigos, o que os tornava menos dependentes do suprimento de alimentos da comunidade. Panelas eram forjadas pelos ferreiros com material retirado dos tetos de casas abandonadas das aldeias de Naliboki. A cozinha da base continuava a fornecer comida para os que não tinham outra escolha, mas de modo geral a qualidade de vida tinha melhorado consideravelmente, e a proporção de residentes que dependiam dela nunca fora tão baixa.

Durante o dia, grupos pequenos caminhavam pela neve à procura de vidoeiros, que cortavam, serravam em pedaços e transportavam de volta para o acampamento. A madeira queimava nos fogões dos abrigos, trazendo calor para os interiores úmidos. As pessoas passavam o tempo conversando sobre assuntos corriqueiros ou contemplando as flamas ardentes.

Os habitantes do acampamento se recolhiam ao leito geralmente às nove da noite. Havia permissão para que poucas fogueiras continuassem acesas, para impedir que os que ficavam de sentinela congelassem. ”Se alguém quisesse atacar, teria que passar por

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nós primeiro”, contou Meyer Bronicki, um fugitivo do campo de trabalhos forçados de Dvorets que se uniu ao grupo Bielski em abril de 1943. ”Mas não tivemos nenhum problema naqueles dias, provavelmente porque a neve chegava a três metros de altura e estávamos bem no interior da floresta.”

O mês de fevereiro foi particularmente frio, com tempestades de neve que cegavam e cobriam a puscha de um branco pulverizado. As baixas temperaturas agravaram os problemas de saúde, sobretudo porque remédios ainda eram escassos. com previsível amargor, as pessoas brincavam que o dr. Hirsh só tinha dois diagnósticos: você vai viver e você vai morrer.

Todos temiam contrair tifo, que era transmitido pelos piolhos e cuja eliminação total da base se revelava impossível. Os insetos se aninhavam nas costuras de camisas e calças; nem mergulhando os tecidos em água fervente se conseguia expulsar a praga. Uma epidemia de tifo surgiu quando um grupo soviético entregou suprimentos à unidade Bielski e algumas pessoas apresentaram sintomas da doença logo que as roupas, os alimentos e as armas chegaram. Um homem foi escalado para transportar os doentes da base para a cabana de quarentena num trenó puxado por um cavalo.

Os que contraíam a doença eram obrigados a ficar em isolamento por 21 dias. A maior parte sobrevivia à provação, voltando ao campo num estado penoso de enfraquecimento. Pelo

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menos uma pessoa morreu. A morte, juntamente com outras baixas por doença ou ferimentos, levou à criação de outro elemento essencial à vida de qualquer comunidade: um cemitério.

Apesar da neve profunda e dos problemas de saúde, a unidade manteve suas responsabilidades para com o esforço guerrilheiro mais amplo. Tuvia foi instruído pelo estado-maior do general Platon a enviar uma equipe de trabalhadores para um lugar onde estava sendo construída uma pista para a aterrissagem de aviões.

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Era um sinal de quanto os guerrilheiros de Platon tinham crescido nos últimos meses - eles agora sentiam que os alemães não tentariam uma nova incursão napuscha.

Distante um dia de viagem do acampamento, a instalação precisava de abrigos para o pessoal do aeroporto e para os combatentes feridos à espera de transporte aéreo para hospitais no leste. Entre os trabalhadores, havia guerrilheiros de um destacamento de poucas centenas de judeus comandado por um carpinteiro de Minsk, Shalom Zorin. Ele tinha estabelecido uma base napuscha a alguns quilômetros da unidade Bielski e, além desta, era o único acampamento judeu de tamanho significativo.

O ”aeroporto” primitivo não passava de uma clareira nos bosques. Depois que os abrigos foram construídos e uma pista aplainada, os aviões do Exército Vermelho começaram a chegar durante a noite. Eles eram guiados até aquela posição por fogueiras enormes, situadas no perímetro do campo. Para impedir um embuste dos alemães, o número de fogueiras era comunicado pelo rádio. Os aviadores só aterrissariam se avistassem o número combinado de fogueiras.

Os pilotos traziam consigo itens extremamente necessários, como armas e remédios, e também os menos desejáveis panfletos de propaganda e livros de canções. Traziam ainda histórias do fronte distante, narrativas de vitórias do Exército Vermelho sobre uma Wehrmacht cada vez mais sitiada. A conversa se animava: estaria a guerra chegando ao fim?

Os comandantes dos grupos judeus foram instruídos a enviar tantos combatentes para a ação quanto possível.

A força dos combatentes, que incluía uma unidade de dez a vinte homens comandados por Asael Bielski, estava continuamente em ação. O comando guerrilheiro do general Platon ordenou que eles executassem missões de subsistência e combate na área ao redor de Stankevich, o que os punha na vizinhança dos

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combatentes de Zus. Os homens às vezes passavam uma semana ou duas viajando para completar todo o seu trabalho, o que afastava Asael cada vez mais das operações cotidianas da base.

O ataque de maior êxito contra o inimigo aconteceu em 4 de fevereiro, quando um grupo de oito combatentes Bielski golpeou os alemães com sucesso equivalente ao do Ordzhonikidze no mês anterior. Os homens colocaram uma mina, fabricada pelo especialista em explosivos Lev Ferdman, na estrada de ferro Lida-Baranovich, não distante da estação de Yatsuki. Por volta de oito e meia da noite, um trem que viajava para noroeste na direção de Lida foi pelos ares na explosão. Sete vagões foram destruídos e quatro danificados. O tráfego ferroviário ficou paralisado por quinze horas. Não houve baixas entre os guerrilheiros.

À medida que as semanas passavam, Tuvia ficava mais preocupado com as atividades de Israel Kessler. Liderando agora mais de novecentas pessoas, ele se inquietava com a idéia de ter um oponente ativo em suas fileiras. Embora a ameaça de uma rebelião desestabilizadora parecesse afastada nos últimos meses, Tuvia temia que a oposição de Kessler pudesse resultar em sua destituição do comando pelos soviéticos. Se eles dessem crédito às acusações de Kessler e Tuvia se tornasse suspeito de ter sido desleal à causa soviética, poderia enfrentar uma execução.

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Kessler sentia que os votos de lealdade de Tuvia ao comunismo não passavam de uma artimanha - o que era verdade. Também dizia acreditar que Tuvia era realmente um especulador capitalista - uma acusação absurda. Uma coisa era clara: o rebelde estava procurando ativamente outros homens que se opunham à liderança Bielski.

A situação chegou ao ponto de ebulição quando Tuvia soube que Kessler havia se ausentado da base sem autorização, uma vio255

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lação de protocolo - ironicamente, a mesma violação que quase levara à execução de Asael. O advogado Solomon Wolkowyski, diretor da ”seção especial” responsável pela investigação interna, disse achar que Kessler estava se encontrando com o estado-maior de Sokolov, enchendo-lhes os ouvidos com suas queixas sobre Tuvia.

Quando Kessler afinal voltou ao campo, ele e sua mulher receberam ordem de se apresentar ao shtabpara falar com o líder. Kessler mostrou uma nota escrita por Sokolov, que explicava que ele estivera no quartel-general da brigada para discutir ”assuntos de serviço”.

Depois de mandar desocupar a sala, na qual permaneceram apenas alguns homens, Tuvia perguntou a Kessler: ”Quem lhe deu permissão para deixar o campo e visitar Sokolov?”.

”Não vejo razão para explicações”, Kessler respondeu. ”Eu trouxe uma nota de Sokolov. Isso é suficiente.”

Tuvia não disse uma palavra e bateu com a coronha de seu revólver no rosto de Kessler, que sangrou. Marido e mulher, ambos portando revólveres, foram desarmados, e Kessler foi escoltado para o abrigo-prisão. Sua mulher, Rachel Rieff, recusou-se a sair do lado dele e também foi encarcerada.

No acampamento satélite de Kessler, um de seus subcomandantes, que o ajudara a escrever as cartas aos soviéticos, agitou-se com a notícia da prisão de seu líder. Para os demais integrantes da base de Kessler, ele pareceu mais temeroso por sua própria segurança, agora que o chefe estava em dificuldades.

Logo depois, Asael e seus combatentes voltaram de uma missão bastante animados. Eles se divertiram à noite, cantando e dançando em volta da fogueira. Mas, quando o segundo comandante foi informado da notícia sobre Kessler, seu born humor se transformou em irritação.

”Devemos executá-lo agora!”, disse.256Tuvia recomendou paciência. Enviou Wolkowyski ao quartelgeneral guerrilheiro para discutir as denúncias feitas por Kessler e seus aliados. Ao advogado, foi mostrada uma petição assinada pelos rebeldes e seus aliados, alegando que a liderança não era suficientemente comunista e que os comandantes estavam interessados em vantagens pessoais, mais do que no bem geral da população.

Wolkowyski retornou ao acampamento num estado de ansiedade. Disse a Tuvia que a liderança da base estaria ameaçada caso se permitisse que a rebelião continuasse. Ele então recomendou que Israel Kessler fosse executado. Os demais comandantes concordaram com seu julgamento.

Os homens caminharam até a prisão e ordenaram que os prisioneiros formassem uma fila. Usando uma técnica que aprendera no Exército polonês, Tuvia pediu que cada um deles explicasse por que estava preso. O último a ser interrogado foi Kessler. ”Você sabe por que estou na prisão”, ele disse. ”Não é justo.”

Asael sacou sua pistola e atirou nele ali mesmo. Teve que ser contido para não atacar a mulher de Kessler.

”Deixe-a em paz”, Tuvia disse ao irmão.

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Pouco tempo depois, foi realizado o julgamento de um dos aliados de Kessler, um barbeiro que, conforme a acusação, tinha colaborado com os nazistas de Lida. Ele também foi julgado culpado e sentenciado à morte.

Tuvia estava convencido da necessidade de eliminar os homens que considerava tão perigosos para o grupo quanto os inimigos externos. Em todos os seus escritos e entrevistas, ele nunca expressou dúvida sobre a legitimidade da ação. Muitos concordaram que a situação na floresta era excessivamente plena de riscos para admitir essa dissensão aberta. ”Ele era um encrenqueiro”, contou Jack Kagan. ”Se Kessler tivesse êxito e um comandante russo assumisse a liderança, surgiriam problemas. Tuvia sabia disso. Nós todos tínhamos sobrevivido à ocupação russa, quando

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o maior temor era o de informantes. Podia-se ser mandado para a prisão e jamais saber por que isso acontecera.”

”Não se pode baixar a guarda”, disse Beryl Chafetz. ”É preciso mostrar o poder que se tem. Era muito arriscado deixar essas coisas acontecerem.”

Os partidários de Kessler ficaram furiosos. Acharam que os irmãos estavam tão embriagados com o poder que eliminariam qualquer um que os desafiasse. Muitos se exasperaram em silêncio com os métodos violentos de Tuvia e Asael. A viúva de Kessler, Rachel Rieff, consideraria ambos como monstros para sempre. ”Não tenho nada born para dizer sobre eles”, afirmou ela décadas depois.

Mas, ainda que chocante, a execução pôs fim a qualquer problema com os soviéticos. Solomon Wolkowyski viajou para o quartel-general guerrilheiro para explicar o incidente a Sokolov. Nenhuma ação disciplinar foi adotada contra Tuvia.

Para os combatentes Ordzhonikidze, os desafios chegaram principalmente na forma de inimigos externos, durante fevereiro, março e abril. O grupo alcançava cada vez mais sucesso como uma unidade de combate, tornando-se um dos poucos destacamentos judeus a operar em pé de igualdade com as unidades soviéticas. Os homens de Zus estavam participando de um número crescente de emboscadas de larga escala e exterminavam cada vez mais soldados inimigos.

Em 5 de março, a unidade participou de um ataque conjunto com contingentes russos que eliminou 47 Poloneses Brancos e feriu outros vinte. Mais adiante, no dia 22, cerca de vinte combatentes judeus armaram uma emboscada para um comboio nazista e conseguiram matar doze alemães.

Mas os perigos ainda espreitavam. Cinco guerrilheiros foram258mortos durante ações em março, e camponeses aparentemente amistosos às vezes causavam dificuldades. Numa noite de abril, vários membros da unidade encontravam-se na casa de um polonês nas cercanias de um vilarejo. Como de hábito, sentinelas foram colocadas ao redor da propriedade, de prontidão contra qualquer atividade inimiga. Nas primeiras horas da manhã, Avram Movshovich, uma das sentinelas, foi encontrado morto, aparentemente golpeado com um cano de aço.

Membros do comando da brigada de Sergei Vasilyev realizaram uma investigação e concluíram que o proprietário da casa e seu filho nada sabiam do crime. Insatisfeito com o veredicto, Zus pediu autorização para interrogar os poloneses, tendo os homens de Vasilyev como testemunhas. Finalmente a verdade surgiu: o velho confessou que seu filho havia assassinado o judeu.

Vasilyev ordenou a execução do homem, de seu filho e de um terceiro cúmplice. A sentença foi cumprida em 27 de abril, na frente de toda a unidade.

Zus e seus homens continuavam também a depender da ajuda do melhor e mais antigo aliado dos irmãos Bielski, Konstantin Koslovsky, que vinha se mantendo um apoiador vital desde o primeiro encontro, no verão de 1942. Ele contribuíra para o salvamento de talvez mais de uma centena de judeus - possivelmente mais - que tinham fugido de Novogrudek em busca do campo dos irmãos, ocultando-os em sua propriedade ou atrás da casa, servindo-lhes comida e vodca em sua cozinha e oferecendo-lhes vestimentas de seu guarda-roupa. Era um

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homem quase santo, que nunca falava de suas boas ações e que nunca procurou recompensa pelos riscos que correra junto com seus filhos. Sua ajuda não esmorecera mesmo depois que seu irmão policial, Ivan, foi assassinado por ajudar os judeus do gueto e da floresta.

na primavera de 1944, porém, informações sobre suas atividades chegaram aos ouvidos do inimigo.

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Um contingente da polícia local foi até a casa de Konstatin, perto de Makrets. O bielo-russo de 47 anos tinha saído, mas alguns de seus filhos estavam presentes e rapidamente encontraram um lugar para se esconder.

Os homens invadiram a casa, chamando por Konstantin aos gritos. Como não o acharam, destruíram os bens da família. A filha de Konstantin, Taisija, então com seis anos, se lembrou de como eles quebraram a mesa da cozinha em dois pedaços.

Os policiais saíram da casa, se dirigiram ao celeiro e passaram a enfiar varas nas pilhas de feno, a fim de descobrir se havia alguém oculto ali. Taisija correu para uma casa próxima, onde viviam os dois irmãos de Konstantin, Mikhail e Alexander, e as respectivas famílias. Ela se escondeu sob a cama de um dos primos.

Konstantin Jr., o filho mais velho de Konstantin, então com vinte anos, e uns poucos adultos permaneceram visíveis.

Sem sorte no celeiro, a polícia forçou a entrada na casa de Mikhail e Alexander, perguntando ao jovem Konstantin sobre o paradeiro do pai. Quando ele se recusou a responder, os homens o colocaram de bruços sobre um banco e começaram a surrá-lo com as varetas de limpeza de seus fuzis. Mas o filho de Konstantin continuou se recusando a dizer uma palavra. Finalmente, ele perdeu os sentidos.

Um dos policiais viu as menininhas escondidas sob a cama. Puxando uma delas de seu esconderijo, perguntou: ”Então, vocês são as crianças judias?”.

”Elas são nossas filhas”, disse um dos parentes mais velhos dos Koslovsky. ”Não toque nelas.”

”São apenas crianças”, um policial disse a seu camarada. ”Você também tem filhos. Deixe-as ficar.”

O homem soltou a menininha e ajudou os colegas a arrastarem Konstantin Jr. da propriedade. Eles atiraram o jovem numa carroça e o conduziram à aldeia mais próxima, onde o jogaram na

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beira da estrada. Encontrado por um amigo, ele voltou para casa e passou meses se recuperando dos ferimentos.

Mas o incidente impediu que a família Koslovsky continuasse a oferecer um refúgio seguro aos irmãos Bielski ou a qualquer outro judeu. Os filhos de Konstantin e mais alguns parentes mudaram-se para as florestas próximas, por medida de segurança. Konstantin também procurou abrigo nos bosques, escondendo-se ele próprio nos mesmos lugares onde havia deixado os judeus fugidos dos guetos.

Em 17 de abril de 1944, Tuvia relatou a seus superiores guerrilheiros que o acampamento agora continha 941 pessoas, 162 das quais eram combatentes armados. As oficinas estavam sendo aprimoradas e desenvolvidas, e as visitas de soviéticos eram agora uma ocorrência tão banal que eles quase passavam despercebidos. Usando os pára-quedas de seda jogados de aviões soviéticos de suprimentos, os alfaiates confeccionavam camisas e roupas íntimas de uma qualidade nunca vista antes nos bosques. Os aviões de suprimentos também traziam jornais, que, somados a um crescimento no número de aparelhos de rádio e publicações dos

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guerrilheiros, davam à população uma boa idéia do andamento da guerra. As estratégias dos campos de batalha eram discutidas vivamente na praça central.

O tempo ameno facilitou os melhoramentos dos abrigos antigos e a construção de novos. A ”reserva intocável” - a área de armazenamento de víveres e suprimentos que só poderiam ser usados no caso de um ataque - parecia conter cereais e batatas suficientes para uma nova guerra. O rebanho de vacas era cornposto por cerca de sessenta animais e o número de cavalos aumentou para mais de trinta. Aron Bielski, agora com catorze anos, costumava reunir alguns garotos de sua idade e escapar para o campo para ensiná-los a montar.

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A maioria da população tinha como propósito contribuir para a vitória sobre os alemães dedicando-se com afinco a seu trabalho. Mesmo os residentes mais jovens queriam participar. Willy Moll, o garoto de treze anos que fugira do gueto de Lida em seus dias finais, em setembro de 1943, trabalhava como aprendiz de carpinteiro, apesar de não ter muita noção do que fazer. Até crianças menores queriam ser incluídas entre as tropas. O filho de quatro anos de Carmela Shamir fazia continência para Tuvia toda vez que o comandante passava, empenhando silenciosamente sua fidelidade à causa.

O general Platon despachou Ivan Shematovich, um gordo bielo-russo de Minsk, para ocupar o posto de comissário, que tinha ficado vago desde que o grupo fora dividido, no final do verão de 1943. com essa designação, os soviéticos esperavam manter a base firmemente comunista e assegurar-se contra qualquer problema semelhante ao ocorrido com Kessler. Mas Tuvia ficou contente em descobrir que Shematovich, que era casado com uma judia, estava mais interessado em beber samogonka do que em garantir a pureza doutrinária do destacamento. Ainda assim, os residentes do acampamento evitavam manifestações muito ostensivas de sentimentos judeus políticos ou religiosos. As canções ao redor do fogo mudavam de temas soviéticos para judaicos apenas quando todos estavam certos de que não havia russos nas proximidades. As orações dos que tinham inclinação religiosa eram feitas discretamente no curtume.

Como sempre, Asael estava ocupado na primavera, chefiando várias missões em regiões distantes. Num período de três dias, em abril, comandou uma razia extraordinária nos campos das imediações de Novogrudek. No dia 27, os guerrilheiros judeus explodiram dois veículos inimigos com minas de sua própria fabricação, matando três alemães e dois policiais. No dia seguinte, ele e seus homens descarrilharam um trem na ferrovia Lida-Barano262

vich, paralisando o tráfego por nove horas. No dia 29, explodiram um caminhão na estrada que ligava Lida a Novogrudek, matando um alemão e dois policiais. Os homens de Asael, todos fugitivos de guetos, eram agora os guerrilheiros mais temidos da região.

Para muitos residentes da puscha, a visão de Asael andando a cavalo pela base depois de suas excursões era singularmente tranqüilizadora. Ele não era tão complexo quanto Tuvia, um homem que parecia carregar fardos muito pesados. O segundo irmão Bielski se deslocava com segurança e desenvoltura e, apesar de reservado, transmitia uma sensação de receptividade. Não era preciso muito para fazê-lo sorrir. Depois de tantas missões sob circunstâncias tão tensas, os homens de Asael o idolatravam. Onde quer que ele decidisse ir, eles o seguiriam.

Em 1ª de maio, todos se reuniram napusc/iapara uma grande celebração da data, realizada num belo dia de primavera que inspirou otimismo na população cansada da guerra. Depois de um almoço em que cada um recebeu uma ração de salsichas, o grupo inteiro se dirigiu para a praça central, decorada com muitas bandeiras vermelhas tremulando ao vento. Os combatentes entraram em forma da maneira militar, enquanto os não-combatentes, homens e mulheres, jovens e velhos, também ficaram em posição de sentido.

De frente para a multidão estavam os comandantes - Tuvia, Asael, Layzer Malbin, Ivan Shematovich, Solomon Wolkowyski e Pesach Friedberg. Segurando uma mensagem do governo soviético, Tuvia adiantou-se para falar. Ele anunciou que o Exército Vermelho tinha retomado a região do Cáucaso e que os alemães estavam se retirando, uma notícia saudada com aplausos prolongados.

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”Em breve esta guerra atingirá o coração da Alemanha e lá o monstro nazista será finalmente esmagado”, ele disse. ”A frente de batalha se aproxima rapidamente e podemos esperar dias difíceis. Devemos estar prontos para eles. A vitória está visivelmente diante de nós!”

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O grupo de Zus também notava sinais da derrota iminente dos alemães. A unidade judaica continuava a atacar o inimigo Zus dirigiu uma emboscada que matou oito cossacos e feriu dois em maio -, mas, no fim do mês, as estradas estavam cheias de grandes comboios de veículos, protegidos por cossacos e às vezes por Poloneses Brancos, retirando-se para o Reich alemão. Zus e seus homens foram instruídos a se deslocar para a floresta e esperar pelo Exército Vermelho. As poucas missões que realizaram se relacionavam com a obtenção de víveres. As ordens eram claras: ocultar-se.

Os alemães vinham se retirando continuamente pelas vastas planícies da União Soviética desde a derrota de Kursk, em julho de

1943. Hitler, não desejando render-se, insistia que suas tropas continuassem lutando. Mas as derrotas eram muitas e se sucediam com regularidade. Em novembro de 1943, o Exército Vermelho tinha recapturado a capital ucraniana de Kiev-na verdade, uma grande parte do território que os alemães ocupavam desde junho de 1941. Durante todo o inverno e a primavera, seis grandes exércitos blindados de Stalin continuaram a avançar para o oeste.

Em maio de 1944, a última grande concentração de forças alemãs, o Grupo de Exércitos do Centro, comandado pelo marechalde-campo Ernst von Busch, se concentrava em Belarus. Stalin estava planejando um assalto em larga escala para meados de junho, chamado Operação Bagration, em honra do herói geórgio da guerra contra Napoleão. Ao mesmo tempo, as forças inglesas e americanas preparavam sua havia muito esperada invasão anfíbia da França, alcunhada de Operação Overlord, que prometia desviar grandes quantidades de tropas alemãs da frente soviética.

Em 6 de junho de 1944, os Aliados desembarcaram uma força substancial na Normandia, França, aumentando consideravelmente o esforço de guerra das tropas alemãs. Então, em 22 de junho, três anos e um dia depois do início da guerra germano-sovié264

tica, o Exército Vermelho, na ofensiva, desencadeou a Operação Bagration.

na puscha, os residentes Bielski podiam ouvir os sons da batalha distante, o troar das explosões, que soavam aos judeus da floresta como uma bela sinfonia.

Tuvia foi convocado a se apresentar com seus combatentes armados num local nos limites da puscha. Ao chegarem, ele e seus homens encontraram muitas centenas de guerrilheiros aguardando as ordens de oficiais de alta patente de Moscou. Um general soviético cavalgou para a frente do grupo, acompanhado por alguns oficiais de seu estado-maior. Ele permaneceu montado enquanto fazia seu discurso.

”Camaradas! Em 1941, o Exército alemão destruiu nossa frente ocidental”, disse em voz alta. ”Eles bombardearam nossas fábricas e queimaram nossas cidades e aldeias. O povo soviético sofreu terrivelmente. Mas em breve a vitória será nossa!”

Fez uma pausa. ”Viva o Exército Vermelho!”Os guerrilheiros explodiram num coro de vivas.O general tirou o boné e o ergueu acima da cabeça.”O Exército soviético cercou uma grande força alemã perto de Minsk”, gritou. ”Temos certeza de que os alemães tentarão escapar de nossa armadilha em pequenos grupos no seu caminho para o oeste na direção das florestas! Nosso dever, camaradas e guerrilheiros, é impedir que eles alcancem as florestas! Estou certo de que vocês conseguirão desempenhar essa missão completamente.”

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Os guerrilheiros foram organizados em forças defensivas e posicionados ao longo da borda oriental da puscha. Cavaram trincheiras, que foram camufladas com galhos e vegetação, e esperaram por sinais da aproximação dos nazistas. Eles sabiam que não demoraria muito. O rádio relatava os surpreendentes êxitos soviéticos. Os alemães estavam sendo derrotados tão completamente quanto os soviéticos haviam sido durante a Operação Barbarossa,

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três anos antes. Em 3 de julho, o Exército Vermelho capturou Minsk. A Wehrmacht, derrotada, estava se deslocando rapidamente para a região de Novogrudek-Lida.

Depois de um dia ou dois de espera, uni grupo de combatentes judeus obteve a primeira visão de um pequeno grupo de soldados alemães se dirigindo para a segurança dos bosques. Num segundo, os judeus abriram fogo. Confusos, os alemães se jogaram ao chão, sem saber de onde vinham os tiros.

Para um dos soldados alemães, foi a gota d’agua. ”Eu não quero guerra!”, ele gritou desesperado, preparando-se para se render. ”Quero viver!”

Mas não lhe seria permitido render-se. Seu oficial comandante levantou a arma e o atingiu mortalmente. E então voltou a arma contra si próprio.

Os guerrilheiros judeus pularam das trincheiras e ordenaram que os alemães sobreviventes erguessem as mãos para o alto. Imediatamente os soldados imploraram para ser poupados. ”Nunca quisemos esta guerra!”, disse um deles.

Ouvindo os gritos deles, Isak Nowog, que estava com o grupo Bielski desde o princípio de 1943, recordou-se de como os judeus haviam implorado por suas vidas antes de serem arrastados para os fossos de execução. Mas sua amargura não lhe permitiu exigir vingança nesse caso. Os homens foram feitos prisioneiros e encaminhados para uma área de triagem.

A maioria dos soldados alemães, porém, não teve tanta sorte. Os guerrilheiros foram impiedosos com qualquer nazista que não abandonasse sua arma de imediato e se rendesse. Simplesmente o fuzilavam. Em poucos dias, milhares de corpos alemães delineavam a beira da Puscha Naliboki.

na base Bielski, no coração da floresta, o caos das batalhas lançou o campo numa grande confusão. Muitos combatentes,

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ansiosos por enfrentar as forças alemãs em retirada, deixaram a base para caçar o inimigo. O pandemônio chegou ao auge quando quatro soldados alemães foram capturados. Depois que o advogado Solomon Wolkowyski e outros comandantes interrogaram os homens no shtab, eles foram soltos na praça central do campo.

Uma multidão furiosa se juntou ao redor deles. ”Olhem para nós, somos judeus!”, um homem gritou. ”Vocês sabem o que fizeram conosco?”

As crianças cuspiram e, aos berros, falaram sobre seus pais mortos. Mulheres aos prantos os esbofeteavam e maldiziam. Shmuel Pupko, de oitenta anos, bateu neles seguidamente com um grande bastão. Depois de cada golpe, ele anunciava que a pancada era por seu irmão, por sua irmã, por seu filho.

Três dos soldados imploraram que suas vidas fossem poupadas, esforçando-se por convencer os judeus de que eles não eram assassinos. O quarto, em vez disso, ficou em posição de sentido e disse que os judeus tinham tido o que mereciam.

O espancamento durou duas horas; depois os quatro foram jogados num fosso. Eles morreram em meio a uma saraivada de balas.

As execuções se revelaram emocionalmente explosivas, liberando uma fúria que mal vinha sendo controlada. As pessoas bebiam grandes quantidades de vodca e começaram a

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esquadrinhar os bosques em busca de alemães, ansiando por urna vingança tardia por tudo que lhes havia acontecido. Tuvia e seus ajudantes temiam que aquela atmosfera carregada comprometesse a segurança da base. Ele exortou as pessoas a ficarem vigilantes. ”A guerra não acabou! ”bradou.

na manhã seguinte, 9 de julho, por volta das sete horas, um contingente de cerca de duzentos alemães penetrou na beira da puscha e correu com ímpeto para a base Bielski. Abriram fogo con267

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tra os poucos guardas do perímetro e arremeteram entre as árvores na direção dos abrigos. Os sons de tiros arrancaram os residentes do campo de seu sono, e vários combatentes iniciaram imediatamente um contra-ataque.

Compreendendo que seus homens não tinham nenhuma chance contra a força inimiga, Tuvia ordenou que todos se dispersassem. Centenas de pessoas correram à procura de um lugar para se esconder nas florestas e nos pântanos das redondezas. Foi o caos absoluto.

Os alemães, enfurecidos, entraram no acampamento atirando a esmo e lançando granadas nos abrigos. Procuravam por comida, buscavam qualquer coisa que lhes aliviasse a fome. Não tiveram muito tempo para isso. Alertados pelo tiroteio, bandos guerrilheiros das proximidades atacaram, forçando os soldados a correr. Vários deles foram mortos durante o combate que se seguiu.

Quando voltaram de seus esconderijos, os membros Bielski verificaram que nove pessoas tinham sido mortas, inclusive o subcomandante Tanchum Gordon, atingido por um estilhaço de granada enquanto estava agachado no shtab. O corpo médico socorreu cerca de uma dúzia de feridos, enquanto muitos dos sobreviventes circulavam em volta, atordoados e abatidos.

Foi um dos piores dias do destacamento. Mas seria também um dos últimos. Apenas algumas horas depois do ataque, notícias que chegaram à base informavam que tropas do Exército Vermelho estavam atravessando os bosques. Os alemães haviam sido sobrepujados.

Muitos correram até uma estrada próxima para ver os cornbatentes soviéticos, uma procissão interminável de jovens soldados, cobertos de poeira após marcharem por quilômetros. Era uma visão irresistível para muitos judeus, e suas emoções reprimidas vieram à tona - lágrimas ou risos, ou ambos -, enquanto o

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refrão ”a guerra acabou” ecoava. Os soldados russos aceitavam ávidos os beijos das moças.

”Vocês podem voltar para casa!” berrou um dos soldados.Então, acabou.na manhã seguinte, depois que tudo havia sido embalado e colocado nos cavalos e carroças, o grupo inteiro se reuniu na praça central. Cada um carregava um pequeno volume de pertences.

Tuvia se pôs diante da unidade pela última vez. A comunidade, que começara como um ajuntamento de parentes nos bosques perto do moinho da família Bielski, era agora uma minicidade de mil judeus vindos de toda parte de Belarus e da Polônia, criada pelos sobreviventes do mais feroz morticínio de um único povo em séculos. Durante mais de dois anos nas florestas de Belarus ocidental, os judeus do grupo Bielski haviam suportado adversidades causadas por vários inimigos. Tinham sido obrigados a abandonar uma série de acampamentos em fugas alucinadas dos ataques nazistas e da polícia. Tinham enfrentado esses desafios e muitos outros com energia e vitalidade. Esse lugar, esse refúgio nos bosques, era o símbolo vivo de sua bravura, um lugar onde haviam rezado, trabalhado, cantado e amado.

Em 10 de julho de 1944, Tuvia Bielski fez seu último discurso

a seu povo:

”Meus queridos irmãos e irmãs”, começou. ”Sofremos tempos muito difíceis juntos. Fomos

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atacados e sitiados. Passamos frio e fome. Vivemos em constante temor por nossa vida. Agora, iremos contar ao mundo que nós, um vestígio ínfimo de um povo, estivemos lutando para nos salvar e a nossos irmãos atormentados. Somos testemunhas do que Hitler e seus assassinos fizeram. Prestaremos nosso testemunho sobre o morticínio e a destruição, sobre o sofrimento que os nazistas causaram ao povo judeu.”

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Então o comboio começou a longa viagem para Novogrudek. Alguns guerrilheiros ficaram para trás, para destruir o campo, pois os soviéticos temiam que ele pudesse ser usado por grupos insurgentes que se opunham a seu governo. Asael e outros comandantes inspecionaram a coluna enquanto ela passava. Lentamente, a procissão de judeus caminhou em direção a uma vida nova.

Mais para o fim da coluna estava um homem que havia entulhado sua carroça com artigos e provisões, a despeito da ordem de que somente objetos pessoais deviam ser levados do campo. Tuvia interpelou o homem, que respondeu xingando-o e declarando-lhe num torn de desafio: ”Estamos liberados agora, e você não é mais meu comandante”.

Tuvia ficou furioso. No último dia na Puscha Naliboki, ele sacou sua arma e atirou no homem. Foi um ato de pura ferocidade que atordoou os caminhantes, que gelaram ao ouvir os soluços histéricos da mulher do morto.

Em anos posteriores, Tuvia nunca falou sobre esse ato, e da mesma maneira procedeu em relação à execução de Kessler. Em

1946, apenas mencionou que matara o homem ”sem hesitação”, e não forneceu mais detalhes. Muitos suspeitaram de que ele considerou o ocorrido como um erro causado pelas tensões dos dias finais da vida na floresta, e talvez mesmo por sua súbita perda de poder.

Até Shmuel Amarant, o cronista judicioso da vida na floresta e grande admirador das realizações dos irmãos, expressou consternação pelo incidente. ”Foi um final trágico para um esforço para salvar judeus das garras dos nazistas”, escreveu. ”O acampamento encerrou sua existência com a perda de uma vida judia e a destruição de uma família.”

No fim do dia, o grupo chegou à beira da puscha, e ali decidiu descansar e pernoitar. Muitos se precipitaram para o rio Neman e, pela primeira vez em três anos de guerra, banharam-se sem a preo270

cupação de ser emboscados. Nessa noite, cozinharam os peixes que haviam pegado atirando granadas na água.

na manhã seguinte, encontraram uma porção rasa do rio para atravessar-as pessoas mais frágeis foram transportadas em balsas

- e depois continuaram a caminhada pelos campos verdej antes. A fila se estendia por mais de um quilômetro. Quando o grupo passava por pequenas aldeias, a população gentia saía de casa e, atônita, contemplava a enorme aglomeração de judeus. ”Como vocês sobreviveram?”, perguntavam. ”Vocês são fantasmas?”

Depois de mais alguns dias de viagem, o comboio avistou a colina do castelo de Novogrudek. na entrada da cidade, os viajantes montaram um acampamento temporário num love de terra de um fazendeiro.

Entrementes, a unidade Ordzhonikidze, de Zus, tinha viajado para Lida, onde ajudara a apagar os incêndios e a manter a ordem civil na cidade.

Ambos os grupos foram então dispensados do serviço do movimento guerrilheiro. Tuvia relatou a seus superiores guerrilheiros que a contagem final de sua unidade da puscha era de 991 membros. Zus informou que o Ordzhonikidze tinha 149membros. O destacamento dos irmãos Bielski somava então 1140 judeus no dia de sua dispensa, o que, de longe, fazia dele a

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maior unidade guerrilheira judaica na União Soviética - e em todo o território ocupado pelos nazistas. (Dois anos depois, Tuvia fixou o número em

1230, provavelmente levando em conta membros que deixaram o grupo antes de a contagem final ter sido submetida aos soviéticos.) Foi o maior salvamento de judeus por outros judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Todos então receberam um documento certificando sua condição de membros do movimento guerrilheiro. com exceção dos combatentes (cerca de um terço do Ordzhonikidze) que foram integrados ao Exército Vermelho, eles agora estavam livres para partir.

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Mas partir para onde? Os judeus do destacamento Bielski sabiam que não tinham um lar para onde voltar. Seu único lar era um acampamento no meio da floresta. Tudo o mais em suas vidas havia sido destruído.

Depois de visitar os mortos sepultados em massa nas redondezas de Dvorets, sua cidade natal, Isak Nowog caminhou furioso até a praça, a qual estava cheia de pessoas que imediatamente o reconheceram. Ele reparou que no meio do ajuntamento estava um homem que o salvara da morte no começo da ocupação. Silenciando a multidão, louvou publicamente o homem e sua mulher pela ajuda recebida.

Então, repreendeu os demais por se absterem enquanto os judeus eram massacrados, por se comportarem de maneira insensível com pessoas que eles haviam conhecido por gerações.

”Mas eu dei pão para os trabalhadores do gueto”, argumentou um aldeão.

”Eu lhes ofereci batatas”, disse outro.

”Aqueles que vocês odiavam estão agora em suas sepulturas”, Nowog disse, depois de pedir silêncio novamente. ”Só Deus sabe o que cada um de vocês fez durante esses tempos. O julgamento está agora em Suas mãos.”

Raya Kaplinski, a secretária da base que tinha escapado do gueto de Novogrudek em agosto de 1942, voltou a sua antiga casa na cidade e a encontrou guardada por um soldado do Exército Vermelho. Ela pediu permissão para entrar. Ele lhe disse que fosse embora, mas ela não se conformou.

”Quero apenas uma lembrança da minha família - um retrato ou qualquer outra coisa”, explicou. ”Eu não tenho nada.”

Ao ouvir a discussão, um comandante russo saiu da casa e perguntou qual era o motivo do alarido. Raya explicou o que queria.

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O homem disse que na casa não havia mais nenhum pertence de sua família. ”Não há absolutamente nada aí”, disse. ”Entre e veja você mesma”.

Raya entrou na casa onde havia crescido. Exatamente como o homem dissera, estava vazia. Então ela reparou numa mesa no meio da sala. Pertencera a seu avô. Raya percebeu que faltava uma parte de uma das pernas e que a mesa estava apoiada num pedaço de madeira. Ela imediatamente rompeu em pranto.

”Foi um choro sem fim”, lembrou. ”Um general idoso me perguntou como eu estava me sentindo. Eu não conseguia falar.”

A irmã dos Bielski, Taibe, que sobrevivera na floresta com o marido, Abraham Dziencielski, viajou para urna pequena aldeia onde sua filhinha, Lola, tinha passado a maior parte do período da ocupação. Os irmãos haviam deixado a menina de nove meses com um casal polonês durante o primeiro inverno do cativeiro. Agora com quase quatro anos, ela não tinha nenhuma lembrança dos pais ou de uma educação judaica. Falava polonês fluentemente, freqüentava a igreja católica como membro batizado e até papagueava as opiniões anti-semitas que ouvia a sua volta.

No dia em que seus pais chegaram, a menina brincava com outras crianças no jardim, enquanto os pais adotivos estavam ocupados, longe da casa.

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Taibe e Abraham, num carro, falaram com um adulto que se encontrava nas imediações. O assunto da conversa, Lola soube por uma das amiguinhas, era o bebê que tinha sido deixado com o casal polonês durante o inverno de 1941.

”É ela!” disse uma das crianças, quando o casal judeu pediu para ver a menina.

Os dois perguntaram à filha se ela entraria no carro para lhes mostrar como chegar a Novogrudek, forçados a seqüestrar uma criança que não se lembrava deles. Ela teria apenas que passear um

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pouquinho com eles, Taibe prometeu, e ganharia um pacote de doces por sua ajuda.

Um dos vizinhos incitou Lola a fazer o que lhe pediam.

A menininha entrou no carro, mas, à medida que o veículo se afastava, começou a se sentir inquieta. Começou a chorar e, batendo nos pais, exigiu que a deixassem sair.

Lola foi levada para Novogrudek, onde o casal encontrou um lugar para morar. Por várias semanas, ela lutou para se ajustar à vida sem os pais adotivos. Punha-se de joelhos quando ouvia o sino da igreja e implorava que lhe permitissem assistir aos serviços católicos.

Desesperados, os Dziencielski fizeram um acordo com os pais adotivos, segundo o qual a mulher polonesa poderia ficar com Lola algumas noites, um arranjo que diminuiu bastante a ansiedade da menina. Mas o acordo preocupava Taibe, que temia que os poloneses fugissem com sua filha. Depois que os Dziencielski obtiveram os documentos que os autorizavam a deixar o país, pegaram a menina e partiram sem se despedir.

com o tempo, a garotinha descobriu sua verdadeira identidade judia. Aprendeu a língua de seus pais e encontrou suas raízes religiosas. Mas durante anos se lembraria dos sons horripilantes das bombas alemãs e das botas reluzentes dos temíveis soldados

nazistas que visitavam sua casa. Ela acordava no meio da noite gritando que os nazistas tinham chegado para levá-la. Como todos os que tinham sobrevivido com os irmãos Bielski, agora era livre; mas nem ela nem nenhum dos 1200 judeus se libertariam das lembranças dos três anos terríveis de junho de 1941 a julho de 1944.

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12. Para Israel e a América

Para os irmãos Bielski, as grandes provações da guerra pareciam terminadas. Os três arrumaram emprego no recém-empossado governo soviético local e se mudaram para dependências separadas num mesmo prédio em Lida com as mulheres com que tinham se casado na floresta.

Tuvia foi nomeado para um cargo na empresa de eletricidade, responsável por restaurar a energia elétrica numa Lida devastada. Zus foi encarregado de obter carne e cereais para o Exército, enquanto Asael ajudou a organizar um restaurante para os guerrilheiros e soldados que permaneceram na área. O jovem Aron, com apenas catorze anos e sem pai nem mãe, foi matriculado numa escola local. Foi o período mais triste de sua vida. Seus irmãos tinham as esposas e o trabalho. Ele era um menino solitário e órfão.

Quase todos os que tinham ocupado posições de liderança na unidade dos irmãos foram designados para tarefas que ajudassem a estabilizar a região. Layzer Malbin trabalhou como contador em Lida e Pesach Friedberg, como funcionário para assuntos econômicos em Novogrudek. Solomon Wolkowyski voltou para Bara275

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novich e retomou suas atividades de advogado. Os mais importantes aliados russos do grupo também permaneceram na retaguarda. Viktor Panchenkov, que licenciou seu destacamento com 298 membros, assumiu um cargo importante no partido em Novogrudek. Ele soube que os alemães haviam matado seu pai e dois irmãos em sua casa, na região de Smolensk. Vasily Chernyshev, que não precisava mais usar seu nome de guerra, ”general Platon”, foi para Baranovich, para ocupar um posto igualmente importante no partido.

Os irmãos continuaram responsáveis, perante o governo, pelas atividades de seu destacamento. Tuvia foi criticado por desmobilizar sua força antes de receber a devida permissão, tornando difícil (exatamente como ele tencionava) que muitos combatentes fossem convocados para o Exército Vermelho. Quando interrogado a respeito pelos soviéticos, deu uma resposta simples: ”Eu não pedi permissão para formar o grupo; assim, também não a pedi para dissolvê-lo”.

Tanto Tuvia como Zus receberam ordem de ir a Minsk, para fazer um relato completo aos soviéticos sobre o que acontecera durante a guerra. Acompanhado por seu chefe do estado-maior, Layzer Malbin, Tuvia chegou à capital bielo-russa em setembro. No dia 15, apresentou um relatório manuscrito com o título ”História da origem do Destacamento Guerrilheiro Kalinin, zona de Lida, distrito de Baranovich”, a primeira história minuciosamente contada da vida do grupo. Ele descreveu as missões de sabotagem da unidade, as execuções de informantes aliados dos nazistas, a criação de oficinas na floresta e os esforços dos combatentes para salvar ”cidadãos soviéticos” dos guetos.

Ele estimou que, naqueles anos na floresta, sessenta crianças sobreviveram, duzentas pessoas formaram o quadro das oficinas e

20% da população era do sexo feminino. na esfera militar, descreveu como as tropas Bielski destruíram 34 vagões ferroviários,

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dezoito pontes e oito depósitos de suprimentos rurais alemães. Um total de 261 combatentes inimigos foi morto, escreveu. Outros estimariam mais tarde que cerca de cinqüenta judeus da unidade foram mortos durante aquele período.

A história do Ordzhonikidze detalhou suas ações militares do outono de 1943 ao verão de 1944. Desempenhara um total de 33 missões de combate - tanto sozinho como com outros destacamentos -, que resultaram na morte de 120 combatentes inimigos. Os guerrilheiros judeus destruíram duas locomotivas, 23 vagões,

32 postes telegráficos e quatro pontes. Zus apresentou seu arquivo pessoal, no qual anotara que ele próprio eliminara catorze nazistas, dezessete policiais e 33 espiões e provocadores pró-nazistas.

Ambos receberam recompensas dos superiores guerrilheiros. E ambos voltaram a Lida com o sentimento crescente de que era hora de deixar o país. Eles sabiam que não havia futuro para os judeus na União Soviética.

na mesma época, Asael recebeu uma espécie diferente de honraria do governo soviético - um aviso de convocação para servir no Exército Vermelho.

Houve quem dissesse que Sergei Vasilyev, ainda ressentido por Asael ter escapado da pena de morte, era o responsável; não obstante, Asael não estava interessado em que a ordem fosse

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revogada. Como soldado leal que sempre fora, ele disse à mulher, Haya, que não iria fugir. ”Um Bielski não foge de uma luta”, explicou.

A notificação chegou pouco depois de sua mulher ter descoberto que estava grávida, e o futuro pai estava emocionado com a novidade. Haya jurou-lhe que teria o bebê e que iria esperá-lo em Belarus até que ele voltasse da guerra.

Tuvia, Zus, suas esposas e Aron aos poucos iam tomando providências para abandonar a União Soviética e ir para a Palestina

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controlada pelos britânicos. ”Nossos pensamentos estavam voltados para a terra de Israel”, contou Zus, que teve uma altercação com funcionários soviéticos depois de surpreendê-los inspecionando seu quarto. ”Por que construir aqui uma coisa que não é minha? Vamos juntar-nos aos nossos irmãos”, dizia na época. Tuvia recebia solicitações para se encontrar com funcionários soviéticos para mais interrogatórios e distinções, todos os quais ele ignorou. Executava suas tarefas cotidianas ”cuidadosamente”, como se expressou, para não chamar muita atenção sobre si.

No inverno, alguns funcionários soviéticos o acordaram tarde da noite e pediram para ver seus documentos. Depois de examiná-los, os homens, que Tuvia conhecia dos tempos da floresta, bruscamente deixaram a casa. Ele teve certeza de que a visita era um prenuncio de sua prisão. Pela manhã, todos estavam prontos para correr para a fronteira. O rádio ainda estava ligado quando Lilka fechou a porta de seu quarto pela última vez.

Os cinco pularam num trem de carga que se dirigia para Vilna, ao norte, num dia frígido de dezembro, carregando pouco mais do que as roupas do corpo. Depois de chegarem à cidade, Tuvia localizou um conhecido seu, um judeu que então trabalhava com o governo soviético. O homem conseguiu um lugar para a família e se pôs a providenciar documentos que permitissem aos Bielski viajar para a Polônia. Alguns dias depois, os papéis estavam em ordem e a família tomou o próximo trem para o sudoeste.

Graças aos documentos, passaram pela inspeção soviética sem problema. Depois de uma parada em Bialystok, chegaram à cidade polonesa de Lublin, onde estavam vários membros do grupo Bielski. Eles fizeram uma dolorosa visita ao campo de concentração de Maidanek, já liberado, e ouviram histórias sobre Poloneses Brancos que continuavam a atacar judeus. Um combatente judeu disse que guerrilheiros estavam procurando por Tuvia.

Foi o que bastou para convencê-los a abandonar a Polônia. A

família conseguiu documentos falsos com uma organização secreta judaica cujo trabalho era facilitar a imigração de sobreviventes do Holocausto para a Palestina. Identificados como cidadãos da Grécia, eles tomaram um trem que os levaria para o sul, na direção da Hungria.

Quando confrontados por funcionários que tentavam examinar os documentos, os Bielski repetiram versos das Escrituras em hebraico, que eles esperavam soassem como grego aos ouvidos pouco cultivados dos gentios. Céticos, os funcionários encontraram um grego e pediram-lhe que traduzisse as palavras. ”Eu não os compreendo”, ele disse. ”Eu sou da Grécia oriental e eles da Grécia ocidental.” A família foi autorizada a seguir viagem.

na Hungria, ao desembarcarem do trem, os Bielski encontraram uma cautelosa população judaica local. A despeito da fluência deles em iídiche, os húngaros queriam provas de que os Bielski eram realmente judeus. Depois de uma semana, a família retomou a viagem, rumo ao leste, para Bucareste, na Romênia. Tuvia, Zus e suas mulheres foram admitidos num campo par a os que buscavam ingresso na Palestina, enquanto Aron, embora só tivesse quinze anos, foi enviado sozinho para uma entidade para jovens refugiados em Trieste, na Itália.

Seis meses depois, documentos legais chegaram, permitindo aos quatro adultos entrar na Palestina. Eles viajaram de navio pelo Mediterrâneo, chegando a Haifa em outubro de 1945. O navio aportou num sábado à noite e os passageiros não foram autorizados a desembarcar até que o dia santo acabasse. Aron seguiu logo depois e entrou na Palestina ilegalmente, após uma viagem de três semanas num rebocador.

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Haya permaneceu em Lida, grávida e sozinha, sentindo-se sem nenhum amigo no mundo. Nos primeiros meses depois que Asael foi para a frente de combate, os dois se escreviam com freqüência, às vezes discutindo planos para o futuro. Ela sonhava em

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mudar-se para a terra de Israel, enquanto ele dizia não estar particularmente preocupado sobre onde iriam se estabelecer.

Então as cartas cessaram. Desvairada, Haya fez tudo para descobrir o destino do marido. Ela procurou todas as autoridades soviéticas que pudessem lhe dar alguma informação. Embrulhada num casaco de pele, viajou para diversas cidades em busca de pistas de seu paradeiro. Ninguém parecia saber qualquer coisa. Frustrada, voltou para casa. Foi lá que descobriu a verdade.

”Procurei um oficial para perguntar o que acontecera a meu marido”, ela contou. ”Ele pegou um papel que dizia que ele tinha sido morto em 7 de fevereiro, em Marienburg. Nem sei dizer o que aconteceu depois. Não me lembro de como consegui chegar em casa.”

Asael participou do grande cerco do Exército Vermelho de Kõnigsberg, a antiga cidade prussiana, que começou em janeiro. Sua unidade foi uma das muitas que seguiram os alemães em retirada para a área de Marienburg a sudoeste, onde combates acirrados ocorreram no fim de janeiro e fevereiro. O corpo fora enterrado num cemitério militar, juntamente com milhares de outros soldados.

Profundamente abatida, Haya empacotou seus pertences e se mudou de Lida para Novogrudek, onde ainda tinha alguns parentes. Por ocasião da mudança, achava-se prestes a ter o bebê. Sob os cuidados de uma enfermeira que tinha estado no grupo Bielski, Haya deu à luz em 7 de abril de 1945. Foi um parto difícil.

Nos primeiros segundos de vida, o bebê lutou para respirar, ficando azulado pela falta de oxigênio. Trabalhando furiosamente, a equipe médica induziu a criança a inspirar e, finalmente, o perigo passou. A viúva de 26 anos tinha tido uma menina. Ela recebeu o nome de Asaela, em homenagem ao pai.

Alguns meses depois, Haya e seu bebê deram início a sua viagem para a Palestina, uma jornada angustiante que as levou atra280

vês do centro de uma Europa devastada. Num trem, no começo da peregrinação, ela e a criança foram obrigadas a se esconder entre os porcos, num vagão de carga. Toda vez que a polícia procurava por clandestinos, Haya chutava os porcos, fazendo-os guinchar para abafar o choro da pequena Assi.

A guerra tinha acabado. Os alemães, esmagados pelos russos vindos do leste e pelos americanos e britânicos vindos do oeste, renderam-se em 8 de maio de 1945 - dia do 39aaniversário de Tuvia Bielski. Os japoneses, após serem completamente derrotados nas ilhas do Pacífico, concordaram em se render incondicionalmente em 14 de agosto de 1945, depois que bombas atômicas foram lançadas nas cidades de Hiroxima e Nagasaki. Antes da derrota alemã, porém, Hitler aniquilara séculos de vida judaica na Europa oriental. Seis milhões de judeus tinham morrido.

Tuvia, Zus e suas mulheres estavam ansiosos para participar do renascimento judaico. Eles se esforçaram para se estabelecer numa terra nova. Depois de se mudarem de um lugar para outro, decidiram ficar em Holon, uma comunidade nascente nas imediações de Tel Aviv, onde passaram a partilhar uma pequena casa.

Os irmãos trabalharam com um escritor profissional para registrar suas experiências de guerra, e o resultado foi um livro fino escrito em hebraico. Ele chamou a atenção de Moshe

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Shartok, um líder na luta pelo estabelecimento de um Estado judeu, que o leu quando foi preso pelas autoridades britânicas durante o verão e o outono. Após sua libertação, ele procurou os Bielski e prometeu ajudá-los da maneira que pudesse. Tuvia, que tinha se esquivado de propostas para participar dos conflitos militares e políticos que se desencadeavam na região, abriu uma pequena quitanda com a ajuda de Shartok. Ele queria apenas uma vida sossegada.

Zus continuou a dirigir um caminhão de entregas, de que ele

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era proprietário, entre Jerusalém e Tel Aviv. Os dois casais Bielski, cada um com uma criança agora, mudaram-se para residências separadas em outro subúrbio de Tel Aviv, Ramat Gan.

Quando a violência cresceu entre residentes judeus e árabes palestinos, Tuvia e Zus participaram da luta de modo restrito. Mas seu envolvimento se aprofundou acentuadamente quando os países árabes vizinhos invadiram o Estado de Israel, logo depois de sua criação, em maio de 1948. Tuvia, Zus e Aron, então com dezoito anos, ofereceram-se como voluntários para o serviço militar. Cada um deles viveu situações tensas, que podiam ser comparadas às dificuldades da Segunda Guerra Mundial. Tuvia chegou a ser dado como desaparecido e presumivelmente morto. Após se perder de sua unidade, ele reapareceu vários dias depois, ileso.

Em seguida à guerra, Shartok (que tinha mudado seu nome para Sharett e sido nomeado primeiro-ministro do Exterior do governo israelense) novamente fez o que pôde para ajudar os irmãos. Como tivera pouca sorte com a quitanda e, durante algum tempo, como motorista de caminhão, Tuvia pediu a Sharett que lhe conseguisse uma licença difícil de obter para operar um táxi. Zus também pediu uma licença de táxi, embora estivesse em boa situação como motorista de caminhão, tendo até comprado sua casa. Ambos receberam carros da marca De Soto do irmão mais velho, Velvel (agora conhecido como Walter), que havia emigrado para a América antes da guerra, e os carros foram convertidos em táxis.

Como em iniciativas anteriores, Zus se revelou um homem de negócios mais hábil do que seu irmão mais velho. ”Quantas vezes meu marido apanhou passageiros e não aceitou um tostão”, contou a mulher de Tuvia, Lilka. ”Então, ele não tinha dinheiro para voltar para casa e alimentar a família.”

À medida que os anos passavam, Tuvia lutava para equilibrar suas despesas e, no princípio dos anos 1950, sua saúde se deterio282

rou. Foi diagnosticada uma úlcera de estômago - ”Eu estava doente do estômago e doente dos nervos”, disse. Em 1955, ele viajou sozinho para os Estados Unidos, para receber o tipo de assistência médica que não estava disponível no nascente Estado de Israel. No ano seguinte, a mulher e a filha foram a seu encontro em Nova York, assim como Zus com a mulher e as crianças. Os casais logo encontraram lugar para morar nas imediações de Midwood, no bairro nova-iorquino do Brooklyn, apenas a alguns quarteirões um do outro. E cada qual se dedicou a suas famílias num ambiente afastado dos campos de batalha da Europa e do Oriente Médio.

A trajetória do pós-guerra da maior parte dos guerrilheiros Bielski seguiu um padrão semelhante. Poucos se animaram a permanecer na União Soviética, preferindo começar uma vida nova em Israel, nos Estados Unidos ou na Europa ocidental. Muitos passaram anos em campos para deslocados de guerra em países como Alemanha ou Itália, antes de serem autorizados a entrar nas nações que seriam seus lares.

Pesach Friedberg e sua mulher chegaram à cidade de Nova York, onde ele, então conhecido como Paul, abriu a Paul’s Luncheonette, na rua 35 oeste, 147, em Manhattan. Layzer Malbin chegou a Israel e se estabeleceu no deserto de Negev, onde, solteiro e solitário, trabalhou durante anos como administrador de construção de estradas. O advogado Solomon Wolkowyski criou um novo lar no Brooklyn, onde se casou e se tornou um especialista em finanças para uma organização que fornecia ajuda a Israel. Shmuel Amarant, o historiador do acampamento, chegou a Israel depois de haver sido preso pelas autoridades soviéticas por

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ajudar sobreviventes judeus a fugir do país. Seus carcereiros confiscaram 65 cadernos que continham todo o material que ele reunira durante as entrevistas na floresta. Eles nunca mais apareceram.

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Haya Bielski casou-se novamente depois de se estabelecer em Israel. A pequena Assi não soube da identidade de seu pai até a idade de sete anos, quando a mãe, sentada com ela no cais de Haifa certo dia, contou-lhe toda a história. Mas isso não conseguiu abalar a crença da menina de que ele ainda estava vivo. Em 1957, quando uma leva de imigrantes chegou da Polônia, ela foi ao encontro do grupo com flores nas mãos, pensando que o pai desaparecido seguramente a reconheceria.

Depois estabelecidos no Novo Mundo, a maior parte dos sobreviventes se dedicou a sustentar suas famílias, e muitos fundaram negócios bem-sucedidos, começando com quase nada. A maioria manteve-se em contato através de chamadas telefônicas transatlânticas ou pelas celebrações ocasionais de um bar mitzvah, um casamento ou um aniversário. Esses eventos eram particularmente comoventes para Tuvia, que se emocionava demais simplesmente por ver os filhos dos guerrilheiros chegando à adolescência e à idade adulta. Não era preciso muito mais que isso para que seus olhos ficassem marejados.

Em meados dos anos 1960, alguns membros do grupo Bielski viajaram para a Alemanha, para testemunhar contra Leopold Windisch e Rudolf Werner, os dois nazistas que tinham desempenhado papéis centrais nos massacres de maio de 1942 na área de Lida. Manobras legais prosseguiram durante anos, até que Werner fosse declarado incapaz para julgamento por razões médicas, e Windisch, um nazista orgulhoso até o fim, fosse sentenciado à prisão perpétua. Werner morreu em 1971, Windisch em 1985. O comandante dos dois, Hermann Hanweg, foi considerado pelos promotores alemães como morto em combate durante os meses finais da guerra.

Nenhuma prestação de contas judicial, mesmo que inadequada, ocorreu no caso dos dois nazistas odiados de Novogrudek, o comissário regional Wilhelm Traub e o Judenreferent Wilhelm

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Reuter. Traub morreu em 1946, num campo de prisioneiros de guerra na Iugoslávia. O destino de Reuter não é conhecido.

Como os sobreviventes Bielski, os russos das florestas se reuniram periodicamente nos anos seguintes, em geral durante as celebrações soviéticas da grande guerra patriótica. Fotografias os mostram caminhando, altivos, nas paradas de veteranos, mais calvos e obesos do que em seus dias de guerrilheiros, com medalhas no peito. Yefim Gapayev (Sokolov), que passou a viver em Lida depois da guerra, às vezes marchava com Viktor Panchenkov e seus homens. Vasily Chernyshev (Platon) e Fyodor Sinitchkin, que serviu como o primeiro comandante da brigada dos irmãos, receberam a mais alta honraria militar do Estado, a medalha de Herói da União Soviética. Chernyshev morreu em 1969. Uma escola técnica e uma rua de Baranovich ganharam seu nome. Sinitchkin morreu em 1962. Uma rua em Slonim tem seu nome.

Sergei Vasilyev passou os anos do pós-guerra trabalhando como administrador de uma fábrica. Panchenkov, que supervisionou obras em Lida por muitos anos, teve um câncer diagnosticado em 1976, o que marcou o início de um longo período de problemas de saúde. Morreu da doença em 1996.

Mesmo depois do desmantelamento da União Soviética, ele continuou sendo um comunista firme. Em suas memórias não publicadas, Panchenkov escreveu que a guerra tinha sido travada por duas razões: para proteger a URSS e impedir o ”chauvinismo e o racismo contra

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os judeus”. Ele louvou o partido por possuir ”gênio organizacional e perseverança” e por ter uma ”ligação profunda com o povo”. Sua mulher, Nadezhda, uma cristã devota, não cornpartilhava seu entusiasmo. Depois de sua morte, ela providenciou para que o ateu vitalício fosse enterrado como um crente cristão ortodoxo. Em vez de pôr uma estrela vermelha em sua sepultura, como ele desejava, ela a ornou com uma cruz.

Konstantin Koslovsky retomou seu trabalho depois da guerra

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e nunca falou sobre sua caridade para com os judeus. Sua filha caçula, Taisija Dorozhkina, nunca o ouviu pronunciar uma palavra a respeito. Ele morreu em 1982. Anos depois, sobreviventes judeus da área de Novogrudek tomaram a iniciativa de homenageá-lo. O Yad Vashem, o memorial do Holocausto em Jerusalém, outorgou-lhe o título de Gentio Justo Entre as Nações do Mundo, em 1994.

Quando a independência chegou para Belarus, em 1991, alguns sobreviventes Bielski fizeram a emocionante viagem de volta ao velho país, muitas vezes apenas para homenagear parentes mortos. Foram organizadas iniciativas para instalar lápides nos locais das execuções em cada uma das cidades e viagens para trazer descendentes das famílias ao país, para atos rememorativos.

O mais moço dos irmãos Bielski, Aron, que mudou seu nome para Bell depois de chegar aos Estados Unidos, aventurou-se a voltar a Stankevich, mesmo antes da extinção da União Soviética. Ele descobriu que a minúscula aldeia de sua infância tinha desaparecido, restando apenas o pequeno curso d’água que movia o moinho. ”Eu lhe digo que se pudesse viver naquele chão perto do lago em Stankevich, eu iria agora mesmo, no meio do dia ou da noite”, disse. ”Mas apenas se soubesse que ninguém tocaria em mim. A maioria do povo me odiaria. Não há judeus lá. Mas aquele é meu lar para o resto da minha vida.”

Em seus últimos anos, Tuvia só falava em voltar a Israel, onde esperava ser enterrado. Ele trabalhava como motorista de caminhão, apenas mais um imigrante anônimo cruzando as vias da área metropolitana de Nova York. As dores da guerra pesavam-lhe enormemente e ele nunca se referiu às realizações na floresta de uma forma triunfante. Estava paupérrimo quando morreu, em

1987. Um ano depois, seu corpo foi exumado de um cemitério em Long Island e sepultado no cemitério Har Hamenuchot, com vista para Jerusalém, com honras militares israelenses.

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O último dos três irmãos, Zus, que nos Estados Unidos passou a se chamar Alexander, operava um posto de gasolina no Brooklyn, antes de vender o negócio para fundar uma empresa de caminhões e táxis. Ele morreu em 1995, não muito depois de ter concedido uma entrevista a representantes do recém-criado United States Holocaust Memorial Museum. com 82 anos, bastante envelhecido, teve dificuldade em acompanhar o curso das perguntas. Mas, quando lhe perguntaram do que ele se lembrava sobre os alemães, respondeu com a característica franqueza: ”Eu me lembro que eram uns bastardos”.

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Epílogo

É difícil calcular quantas pessoas estão vivas hoje por causa das ações dos irmãos Bielski. Muitos dos 1200 sobreviventes que saíram dos bosques no verão de 1944 morreram desde então. Mas seus filhos geraram filhos, que, por sua vez, também geraram filhos. Milhares de pessoas que residem nos Estados Unidos, Israel, Grã- Bretanha, França, Alemanha, Áustria e Rússia devem sua existência à decisão dos irmãos, à insistência de Tuvia de abrigar cada judeu que chegasse ao acampamento da floresta.

O Talmud diz: ”Quem quer que salve uma vida salva o mundo inteiro”. No entanto, o audacioso feito dos irmãos nunca lhes deu em vida a espécie de reconhecimento que se atribui hoje a pessoas bem menos significativas. Tuvia sentia uma mágoa discreta, quando se sentava ao volante de um caminhão a fim de entregar suprimentos plásticos para empresas no Queens ou no Brooklyn, por jamais ter sido reconhecido por ninguém no mundo além dos sobreviventes do grupo da floresta e seus filhos. Se ele era alguém idealmente apto para liderar pessoas desesperadas pelas florestas de Belarus, faltava-lhe, no entanto, o dom para a autopromoção,

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para discursos incisivos e enérgicos ou para a prosa fluida. Onde quer que falasse a grupos de estudantes americanos - na língua inglesa que ele nunca dominou tão bem como o iídiche, o hebraico, o polonês e o russo -, inevitavelmente caía no choro, dominado pelo pensamento dos sofrimentos de seu povo. Muitas vezes não conseguia continuar.

Poucos meses antes de sua morte, em 6 de dezembro de 1986, um jantar patrocinado pelo Touro College e por vários sobreviventes da floresta foi realizado em sua honra no New York Hilton, e é fácil perceber, na fita de vídeo, como ele ficou emocionado por ser o centro das atenções. Trajando um smoking com uma rosa na lapela, caminhou ligeiramente curvado até encontrar seu lugar no palco. Depois que seu nome foi anunciado pelo mestre-de-cerimônias, seiscentas pessoas se puseram de pé e encheram a sala com uma tempestade de aplausos. Erguendo a mão direita, Tuvia Bielski agradeceu à multidão com um girar de pulso que fazia lembrar um monarca altivo.

Um após o outro, oradores subiram ao palco nas poucas horas seguintes para proferir testemunhos inflamados em louvor do homenageado, que, nervosamente, remexia migalhas de pão em seu prato, manuseava a placa com seu nome e fumava uma sucessão de cigarros. Não conseguiu conter as lágrimas e chorou pelo menos uma vez em cada discurso, o que mal foi notado pelos presentes, exceto por sua protetora mulher, Lilka. O velho leão estava recebendo uma pequena dose do que merecia.

Perto do fim da noite, depois que os convidados no salão de baile cantaram a saudação de aniversário, ele pegou o microfone para dizer algumas palavras. na floresta, seus discursos emocionados, pronunciados depois de um ataque ou antes de uma longa marcha para um novo local, davam a seu povo sua única dose de confiança. Mas, nessa ocasião, Tuvia transmitiu pouco do carisma que fez dele um dos grandes líderes naturais da Segunda Guerra

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Mundial. na verdade, ele simplesmente manifestou sua gratidão num inglês com sotaque carregado.

”Estou muito feliz nesta noite de ouvir de cada um de vocês o melhor que tencionaram dizer” disse. Ele mencionou sua alegria por ver todos os descendentes das pessoas que viveram com ele durante a guerra. ”Vejo pessoas que não encontro há mais de vinte ou trinta anos. Graças a Deus elas estão vivas, vivendo e crescendo. Estão crescendo cada vez mais. Eis aqui uma bela família - uma mãe, uma filha, dois filhos. Isso são quatro pessoas.”

Ele se referiu a outra família presente, admirando o tamanho do grupo, antes de terminar sua breve fala com uma inclinação de cabeça. Quando largou o microfone, muitos membros idosos da brigada correram para abraçá-lo. O contato físico funcionou como um choque de rejuvenescimento, e a aparência sombria que permanecia tão fixada em sua expressão deu lugar à luminosidade. A carga de energia que seu sorriso transmitia sugeriu por um instante o poder que ele outrora possuíra, o carisma natural e a generosidade de espírito que o tornaram um homem amado e admirado pelas centenas de pessoas suficientemente afortunadas por havê-lo conhecido. Era a face de um líder.

Notas

PRÓLOGO [pp. 11-5] ’

A maior parte das fontes credita a Oskar Schindler a salvação de mil a 1200 judeus. Sua lápide no cemitério de Monte Zion, em Jerusalém, registra que ele salyou 1200. Os combatentes do levante do gueto de Varsóvia mataram dezesseis soldados inimigos e feriram 85, de acordo com a contagem oficial alemã citada em The destruction of the European Jews: revised and definitive editon, de Raul Hilberg (1985, Holmes and Meier), p. 513. Algumas fontes polonesas mencionam um número maior, chegando a setecentos inimigos mortos, segundo The Warsaw ghetto revolt, de Reuben Ainsztein (1979, Holocaust Library), pp. 167-71.

As unidades Kalinin e Ordzhonikidze dos irmãos Bielski totalizavam 1140

membros quando desmobilizadas em julho de 1944, de acordo com os documentos do arquivo do Comando Bielo-Russo do Movimento Guerrilheiro, no Arquivo Nacional da República de Belarus, em Minsk (Fond 3500; Opus 4; Arquivo

241/2; pp. 287-8). Os documentos estão também disponíveis nos arquivos do Yad Vashem, em Jerusalém (M.41/124, pp. 28-9). Os combatentes Bielski de ambas as unidades, de acordo com a documentação dos guerrilheiros, mataram um total de 381 combatentes inimigos, às vezes durante operações com os grupos soviéticos. Os números são citados nas histórias dos guerrilheiros Ordzhonikidze (Fond

3618; Opus 1; Arquivo 23) e Kalinin (Fond 3500; Opus 4; Arquivo 272) nos arquivos de Minsk. A história do destacamento Kalinin acha-se também disponível no Yad Vashem (M.41/120).

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O livro mais importante a salientar a realização dos irmãos é Defiance: the Bielski partisans, da socióloga Nechama Tec (1993, Oxford University Press). Muito espaço é também dedicado aos irmãos em Fugitives of the forest: the heroic story of Jewish resistance and survival during the Second World War, de Allan Levine (1998, Stoddart),e The Jewish resistance: the history of the Jewish partisans in Lithuania and White Russia during the Nazi occupation 1940-1945, de Lester Eckman e Chaim Lazar (1977, Shengold).

1. DO CZAR AO FÜHRER [pp. 19-42]O autor se baseou primeiramente em três fontes para palavras, pensamentos e ações de Tuvia Bielski. A primeira fonte são as memórias do próprio Tuvia, Yerushlayim in Vald (Jerusalem in the forest: memoirs of the stormy days of the partisan in the forests of Western White Russia during World War II), escritas em 1955 (Yivo Institute for Jewish Research, #RG 104, Eyewitness Accounts, Series m [Partisaner 2 ]), e traduzidas do iídiche para o autor por David Goldman e James Loeffler. A segunda fonte é a entrevista de Tuvia de 1970 a Yitzhak Alperovitz (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, 03/3607), traduzida do iídiche para o autor por Tina Lunson. A terceira fonte é o testemunho da história oral dos Bielski em Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollection of Tuvia and Zusya Bielsky, Sonia and Lilka Bielski and Abraham Weiner as recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen.

Outras fontes incluem a transcrição da entrevista de 1986 do sr. Bielski pelo filho de Tuvia, Michael Bielski, emprestada ao autor por Michael Bielski, e uma entrevista em fita de vídeo, realizada pelos drs. Lester Eckman e Monty Noam Penkower, do Touro College, em 19 de maio de 1987, cedida ao autor pelo dr. Eckman.

O autor usou três fontes principais para palavras, pensamentos e ações de Zus Bielski. Elas são seu testemunho da história oral em Yehudai Yaar, sua entrevista de 1980 com Yitzhak Alperovitz (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém,

03/4165), traduzida do iídiche para o autor por Judie Ostroff-Goldstein, e sua entrevista de 1988 com íris Berlitzki (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém,

03/4165), traduzida do hebraico para o autor por Charles Ronen. Outras fontes incluem uma entrevista em fita de vídeo, realizada pelos drs. Lester Eckman e Monty Noam Penkower, do Touro College, em 25 de junho de 1987, emprestada ao autor pelo dr. Eckman.

O material sobre a história antiga da família Bielski se origina de entrevistas com Estelle (Bielski) Hershthal (Pompano Beach, Flórida, 9 de janeiro de

2000), Aron (Bielski) Bell (várias entrevistas na cidade de Nova York e em Palm

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Beach, Flórida), Haya (Bielski) Dziencielski (5 e 12 de maio de 2001, em Haifa, Israel, e várias trocas de correspondência, traduzidas por sua filha, Assi Weinstein) e Lilka Bielski (várias entrevistas no Brooklyn, Nova York, e em Hallandale, Flórida). Entrevistas com as bielo-russas Maria Nestor (26 de junho de 2001, em Kaminke, Belarus) e Yulia Tishuk (10 de julho de 2001, em Grande Izvah, Belarus) também foram proveitosas.

O material sobre a história da área de Novogrudek em Belarus contemporâneo provém de várias fontes, entre as quais Belarus: ata crossroads in history, de Jan Zaprudnik (1993,

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Westview Press), A history of twentieth century Russia, de Robert Service (1997, Harvard University Press), Belorussia: the making of a nation, de Nicholas P. Vakar (1956, Harvard University Press), e Byelorussian statehood: reader and bibliography, editado por Vitaut Kipel e Zora Kipel (1988, Byelorussian Institute of Arts and Sciences). Foram também proveitosas as conversas com Tamara Vershitskaya, diretora do Museu de Estudos Regionais, em Novogrudek, Belarus.

O material sobre o Movimento Musar e o rabino Joseph Yozel Horowitz provém primeiramente do ensaio ”The Musar Movement in interwar Poland”, de David E. Fishman, reunido em The Jews of Poland between the two world wars, editado por Yisrael Gutman, Ezra Mendelsohn, Yehuda Reinharz e Chone Smeruk (1989, University Press of New England), pp. 248-51. Uma descrição de instituições políticas e educacionais judaicas na Polônia entre as duas guerras é fornecida por God’s playground: a history of Poland volume II: 1795 to present, de Norman Davies (1984, Columbia University Press), pp. 407-9. Os sofrimentos dos judeus nos anos entre as duas guerras na Polônia são descritos em A people apart: a political history of the Jews in Europe, 1789-1939, de David Vital (1999, Oxford University Press), pp. 769-74.

O material sobre a história judaica de Novogrudek e áreas circundantes vem de vários artigos contidos em Pinkas Navaredok (Livro Memorial de Novogrudek), editado por E. Yerushalmi (1963, Alexander Harkavy Navareder Relief Committee in the USA and Israel), incluindo ”Old Navaredok”, de Shimon Yosefon, ”The history of the Jews of Navaredok”, de Yaakov Goldberg, e ”The history of Navaredok”, de autor anônimo. Os artigos foram traduzidos do iídiche e do hebraico para o autor por David Goldman. O autor também aprendeu sobre Novogrudek entre as duas guerras durante entrevistas com naturais da cidade, entre os quais Sonya Oshman (várias entrevistas em Hillside, New Jersey), Jack Kagan (várias entrevistas na cidade de Nova York e em Londres, Inglaterra, e uma considerável correspondência por e-mails), Raya (Kaplinski) Kalmonovitz (3 e 7 de maio de 2001, em Kfar Sabá, Israel) e Morris Schuster (entrevista telefônica, 16 de agosto de 2001). Também de valia foi o livro do sr. Kagan em co-autoria com

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seu primo Dov Cohen, Surviving the Holocaust with Russian Jewish partisans (1998, Vallentine Mitchell and Co.).

As informações sobre a ocupação soviética de 1939-41 foram obtidas durante entrevistas com várias testemunhas, entre elas Charles Bedzow (11 de janeiro de 2001, em Miami Beach, Flórida) e Bella Goldfischer (14 de outubro de

2001, no Queens, Nova York). Textos úteis foram Revolution from abroad: the Soviet conquest of Poland’s Western Ucraineand Western Belonissia, de Jan T. Gross (1988, Princeton University Press), pp. 17-70, e Collaboration in the Holocaust: crimes of local police in Belorussia and Ucraine, 1941 -44, de Martin Dean (2000, St. Martin’s Press), pp. 1-16. A citação do autor Alan Clark a propósito da invasão alemã aparece em Barbarossa: the Russian-German conflict, 1941-45 (1965, Quill), pp. 44-6.

2. JUNHO DE 1941 DEZEMBRO DE 194! [pp. 43-70] ; ’ ,As ações de Asael Bielski após a invasão foram relatadas por Tuvia e Zus em Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollections of Tuvia and Zusya Bielski, Sonia andLilka Bielski and Abraham Weineras recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen e discutido com o autor pela viúva de Asael, Haya (Bielski) Dziencielski, e pelo irmão Aron (Bell) Bielski.

O discurso de Joseph Stalin pelo rádio de 3 de j ulho de 1941 foi reimpresso em parte em The Soviet partisan movement, 1941-1944, de Leonid Grenkevich (1999, Frank Cass and Co.), p. 75.

O material sobre os primeiros tempos da ocupação nazista em Novogrudek provém de várias fontes, entre as quais entrevistas com os sobreviventes Jack Kagan, Raya (Kaplinski) Kalmanovitze Sonia Bielski (várias entrevistas na cidade de Nova York e em Hallandale, Flórida). Também úteis foram as transcrições de entrevistas com os sobreviventes Pesach Friedberg (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, 3/3780) e Eliahu Berkowitz (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém,

03/2774), ambas realizadas por Yitzhak Alperovitz. Elas foram traduzidas do iídiche para o autor por Judie Ostroff-Goldstein. Igualmente proveitosa foi uma entrevista com a sobrevivente Rae Kushner, realizada pelo Kean College of New Jersey Holocaust Resource Center e disponível nos arquivos do United States Holocaust Memorial Museum, em Washington, D.c. (RG-50.002*0015). Entre as fontes publicadas se inclui Partizanim (Partisans: the story of a Jewish partisan brigade in the forests of White Russia), de Yehoshua Yaffe (1952, N. Tabarsky Books Inc.), cap. 1. Foi traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen.

A descrição do massacre de 52 judeus na praça central de Novogrudek pro294

vêm de diversas fontes, entre as quais Surviving the Holocaust with Russian Jewish partisans, de Jack Kagan e Dov Cohen (1998, Vallentine Mitchel and Co.), p. 140; o testemunho de Rae Kushner ao USHMM; e os comentários de Zus Bielski em Yehudai Yaar. No greater love, livro escrito pelo rev. Aleksander Zienkiewicz, um padre católico polonês que passou anos em Novogrudek também descreve o massacre (1968, Franciscan Publishers), p. 18.

Os pormenores sobre as execuções de julho em Mir e Slonim foram encontrados em Collaboration in the Holocaust, de Martin Dean (2000, St. Martin’s Press), pp. 28-9. Os

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detalhes sobre as execuções em novembro em Mir e Slonim também foram encontrados em Collaboration in theHolocaust, pp. 46-50 (Mir) e pp. 50-1 (Slonim).

Os detalhes sobre o massacre de 5 de julho de 1941 em Lida advêm da acusação por crimes de guerra aos tribunais da Alemanha Ocidental contra Kurt Schultz-Isenbeck em 30 de junho de 1970, pelo diretor do Escritório Central em Norte-Reno Vestfália para a Investigação de Crimes em Massa dos NacionalSocialistas (documentos 45 Js 15/62, conservados em Zentrale Stelle der Landesjustizverwaltungen, Ludwigsburg, Alemanha), traduzida do alemão por Irene Newhouse. A tradução acha-se disponível no site da sra. Newhouse: www.shtetlinks.jewishgen.org/Lida-District/si-toc.htm.

As informações sobre o comissário regional de Novogrudek, Wilhelm Traub, provêm de várias fontes, entre elas entrevistas com os sobreviventes Murray Kasten (6 de fevereiro e 9 de outubro de 2001, em Hollywood, Flórida), Sonya Oshman (várias entrevistas em Hillside, New Jersey) e Boris Ragula, um tradutor bielo-russo para Traub (23 de junho de 2002, Londres, Ontario, Canadá). Informações também foram obtidas das memórias não publicadas do sr. Ragula, Reflections from my past, uma cópia da qual foi fornecida ao autor. Os pormenores pessoais sobre Traub vêm de documentos que ele remeteu ao ”Departamento Central das SS para Raça e Povoamento” em junho de 1940, que estão arquivados sob seu nome no Centro de Documentação de Berlim, em Berlim, na Alemanha.

A citação sobre as diretrizes para os funcionários do RC foi tirada da acusação por crimes de guerra contra Leopold Windisch e Rudolf Werner, apresentada em Landericht, Mainz, na Alemanha Ocidental, em 15 de dezembro de 1966 (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, TR-10/646), traduzida do alemão por Irene Newhouse. A tradução está disponível no site da sra. Newhouse: www.shtetlinks.jewishgen.org/Lida-District/winwer-tit.htm.

As execuções de 8 de dezembro de 1941 em Novogrudek foram narradas ao autor pelos sobreviventes Raya (Kaplinski) Kalmanovitz, Jack Kagan, Sonya Oshman, Sulia Rubin (6 de dezembro de 2000, em Fort Lee, New Jersey) e outros. O número de 4500 mortos se origina de um documento escrito em 20 de março

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de 1942 por três proeminentes membros da comunidade judaica, e confiado à guarda de um gentio, para preservação segura. Acha-se conservado no Museu de Estudos Regionais, em Novogrudek, Belarus. Também foi consultado o veredicto de 11 de janeiro de 1966,no julgamento de crimes de guerra de Johannartmann, um primeiro-tenente da Wehrmacht (documento 202 AR-Z 94C/59, Zentrale Stelle der Landesjustizverwaltungen Ludwigsburg, Alemanha). Parte dele está reimpressa em Surviving the Holocaust with Russian Jewish partisans, de Jack Kagan e Dov Cohen (1998, Vallentine Mitchell and Co.), pp. 142-7. A reação da população gentia ao massacre e à criação do gueto foi detalhada no livro de Sulia Rubin Against the tide: the story of an unknown partisan (1980, Posner and Sons Ltd.), p. 74.

3. DEZEMBRO DE 1941 JUNHO DE 1942 [pp. 71-92]As informações sobre a situação da guerra germano-soviética no inverno de 1941 são oriundas de Russia’s war, de Richard Overy( 1997, Penguin), pp. 1148, e de Penguin history of the Second World War, de Peter Calvocoressi, Guy Wint e John Pritchard (1972, Penguin), pp. 479-512. As execuções por gás em Chelmno são narradas em The Holocaust: a history of the Jews of Europe during the Second World War, de Martin Gilbert (1985, Henry Holt and Co.) pp. 239-40. A jactância de Karl Jager e a presença de Himmler durante as execuções de Minsk são narradas em Masters of death: the SS-Einsatzgruppen and the invention of the Holocaust, de Richard Rhodes (2002, Knopf), pp. 152 e 215. A citação de French MacLean figura em seu livro The field men: the SS officers who led the Einsatzkommandosthe Nazi mobile killing units (1999, Schiffer Publishing Co.), pp. 19-20.

As informações sobre a história judaica de Lida advêm em primeiro lugar dos artigos publicados em Sefer Lida (Book of Lida), editado por Alexander Manor, Yitzhak Ganuscovitz e Aba Lando (1970, Former Residents of Lida in Israel and the Committee of Lida Jews in USA), inclusive ”Jewish business life before World War n”, de Abraham Gelman, ”Memories”, de Yakovilitowitz, e ”The Lida rabbi Aron Rabinowitz”, de Henia Rabinowitz. Os pormenores sobre a administração civil alemã de Lida (chefiada pelas autoridades nazistas Hermann Hanweg, Leopold Windisch e Rudolf Werner) e os acontecimentos de 8-12 de maio de 1942 foram obtidos da acusação por crimes de guerra formulada contra Leopold Windisch e Rudolf Werner. Foi apresentada em Landericht, Mainz, na Alemanha Ocidental, em 15 de dezembro de 1966 (arquivos do YadVashem, Jerusalém, TR- 10/646), traduzida do alemão por Irene Newhouse e disponível em seu site: www.shtetlinks.jewishgen.org/Lida-District/winwer-tit.htm. ;, r-,.,• < ?.v

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O guerrilheiro citado como Gromov foi identificado como Vladimir Ugriumov por Tamara Vershitskaya, do Museu de Estudos Regionais, em Novogrudek, Belarus. A reputação de Gromov é discutida em Partizanim (Partisans: the story of a Jewish partisan brigade in the forests of White Russia), de Yehoshua Yaffe (1952, N. Tabarsky Books Inc.), cap. 1. De acordo com a sra. Vershitskaya, Ugriumov foi morto em junho de 1942, ao lado de muitos de seus homens, o que levou à dissolução de seu destacamento.

A ocupação nazista de Lida e os massacres da primavera foram narrados ao autor, entre outros, pelos sobreviventes Lilka Bielski, Charles Bedzow, Bella Goldfischer, Mike Stoll (12 de janeiro de 2001, em Fort Lauderdale, Flórida), Ann Monka (10 de janeiro de 2001,

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em Fort Lauderdale, Flórida), Fay Druck (27 de janeiro de 2001, em Toronto, Ontario, Canadá). Outra fonte importante foram os escritos de Shmuel Amarant reunidos em Sefer Lida, inclusive o artigo ”Dafilda

- Before the slaughter”, que narra os acontecimentos que levaram ao 8 de maio. Os artigos foram traduzidos do hebraico para o autor por David Goldman.

O cartaz descrevendo os esforços nazistas para caçar judeus na área rural está reimpresso em Surviving the Holocaust with Russian Jewish partisans, de Jack Kagan e Dov Cohen (1998, Vallentine Mitchell and Co.), pp. 156-8. Os primeiros dias da vida na floresta foram contados ao autor pelos sobreviventes Haya (Bielski) Dziencielski, Aron (Bielski) Bell, Lilka Bielski e Pinchas Boldo (3 de maio de

2001, em Haifa, Israel).

4. JUNHO DE 1942 OUTUBRO DE 1942 [pp. 93-12º]As informações pessoais sobre Konstantin Koslovsky e sua família se originam de entrevistas do autor com a filha de Konstantin, Taisija Dorozhkina (5 de julho de 2001, em Grodno, Belarus), sua neta, Svetlana Koslovsky (5 de julho de

2001, em Grodno, Belarus), e sua sobrinha Irina Koslovsky (2 e 7 de julho de 2001, em Makrets, Belarus). Svetlana Koslovsky forneceu ao autor memórias das atividades de Konstantin durante a guerra, escritas sob a assistência de seu pai, Vladimir Koslovsky, filho de Konstantin. As informações sobre as relações entre a família Koslovsky e a família Bielski foram pormenorizadas nos testemunhos de Zus Bielski, no YadVashem, em todos os escritos de Tuvia e nos testemunhos e entrevistas do autor com Aron (Bielski) Bell.

O primeiro encontro dos irmãos Bielski com Konstantin Koslovsky e o conteúdo da carta que Tuvia escreveu a Yehuda Bielski encontram-se narrados em Yerushalayim in Vald (Jerusalem in the forest: memoirs of the stormy days of the partisan in the forests of Western White Russia during World War II), as memórias de

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Tuvia Bielski, escritas em 1955 (Yivo Institute for Jewish Reasearch,#RG 104,Eyewitness Accounts, Series in [Partisaner 2]), p. 96. O autor editou a carta ligeiramente, para maior clareza.

Entre os que forneceram ao autor informações sobre o segundo massacre de Novogrudek estão os sobreviventes Lea (Berkovsky) Friedberg (várias entrevistas em Flushing, Nova York), Jack Kagan, Sonya Oshman e Raya (Kaplinski) Kalmanovitz.

Informações sobre a fuga do gueto de Yehuda Bielski e Pesach Friedberg foram colhidas do testemunho da história oral de Yehuda Bielski em Partizanim (Partisans: the story of a Jewish partisan brigade in the forests of White Russia), de Yehoshua Yaffe (1952, N. Tabarsky Books Inc.), cap. l, e da entrevista de Pesach Friedberg no Yad Vashem (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, 03/2774).

Detalhes sobre os sentimentos de Zus e Asael a propósito da expansão do grupo judeu foram obtidos durante entrevistas com as testemunhas oculares Aron (Bielski) Bell e Pinchas Boldo. Disse o sr. Bell: ”Asael e Zus nunca aceitariam os velhos e as mulheres. Eles teriam suas mulheres e namoradas, mas de maneira alguma receberiam toda aquela gente”. Em sua entrevista de 1970 ao Yad Vashem, Tuvia menciona a oposição de seus irmãos quanto a aumentar o tamanho do grupo (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, 03/3607). ”Nenhum dos dois podia imaginar isso”, ele disse. ”Como poderíamos viver na floresta com um grande número de pessoas?” Os pormenores sobre a reunião organizacional vêm da entrevista de Pesach Friedberg ao Yad Vashem, do testemunho de Yehuda Bielski no cap. l de Partizanim e, principalmente, de Tuvia Bielski em Yerushalayim in Vald,cap.25.

Informações sobre fugas dos guetos foram dadas ao autor durante entrevistas com os sobreviventes Lea (Berkovsky) Friedberg, Sônia (Boldo) Bielski, Michael Lebowitz (várias entrevistas em Sunrise, Flórida) e Ike Bernstein (várias entrevistas telefônicas de sua casa em Winnipeg, Alberta, Canadá). A fuga de Raya (Kaplinski) Kalmanovitz é narrada em sua entrevista a Yitzhak Alperovitz (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, 03/4055), traduzida para o autor por Judie Ostroff-Goldstein.

Os rumores sobre fugitivos obrigados a pagar em espécie para entrar no acampamento Bielski são narrados em Defiance: the Bielski partisans, de Nechama Tec (1993, Oxford University Press), pp. 181-2. A sra. Tec sugere que alguns combatentes Bielski que entraram no gueto solicitaram dinheiro dos fugitivos contra a vontade de Tuvia. Ela também observa que a maioria dos que chegavam ao acampamento Bielski não tinha dinheiro algum.

As informações pessoais sobre Viktor Panchenkov (muitas vezes chamado de Panchenko pelos sobreviventes Bielski) provêm de entrevistas do autor com a

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viúva do sr. Panchenkov, Nadezhda Panchenkov (6 de julho de 2001, em Lida, Belarus), e sua irmã Tatiana Panchenkov (30 de junho de 2001, em Novogrudek, Belarus). A viúva do sr. Panchenkov forneceu ao autor vários textos dos escritos de seu marido, entre os quais seu artigo ”October Detachment”, inserido no livro Vprinemanskikh lesakh (In the forests along the Neman river): memoirs of partisans and the underground (1975, Belarus Publishing), e as memórias sem data e título de seus anos como guerrilheiro.

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O documento em que a liderança guerrilheira fala da duplicidade de critérios envolvendo os guerrilheiros judeus pode ser encontrado nos arquivos do Yad Vashem, em Jerusalém (arquivo M.41/250).

As ações conjuntas das unidades Bielski e Panchenkov foram narradas em todos os escritos de Tuvia e no artigo do sr. Panchenkov em Vprinemanskikh lesakh. Também foram obtidas informações durante entrevistas com os sobreviventes Michael Lebowitz e Pinchas Boldo.

A tentativa de Alter Tiktin de celebrar o Rosh Hashana foi narrada no artigo ”Rosh Hashanah in the woods”, de Israel Yankelevich, contido em Lubtsch veDelatitsh; SeferZikaron (Lubtsch andDelatich; in memory of the Jewish community), editado por K. Hilel (1971, Former Residents of Lubtsch-Delatitsh in Israel), traduzido para o autor por David Goldman.

A citação de Tuvia que finda o capítulo é oriunda de suas memórias Yerushalayim in Vald, cap. 31.

5- OUTUBRO DE 1942 FEVEREIRO DE 1943 [pp. 121-42J

A citação de Martin Gilbert provém de The Holocaust: a history of the Jews of Europe during the Second World War (1985, Henry Holt and Co.), p. 389.0 sr. Gilbert também mostra a contagem das mortes no campo de execução de Belzec na p. 417. Os pormenores sobre a batalha de Stalingrado se originam principalmente de Russia’s War, de Richard Overy (1997, Penguin), cap. 6. Informações sobre a guerra no Pacífico foram coligidas de Penguin history of the Second World War, de Peter Calvocoressi, Guy Wint e John Pritchard (1972, Penguin), pp. 1030-72.

As informações pessoais sobre Layzer Malbin vêm de sua entrevista com Yitzhak Alperovitz (arquivos do Vad Yashem, Jerusalém, 03/3549), traduzida para o autor por Judie Ostroff-Goldstein, e seu testemunho de história oral impresso em Publication of the Museum of the combatants and partisans (v. 9, dezembro de 1989).

A situação da mulher no acampamento Bielski é discutida detalhadamente em Defiance: the Bielski partisans, de Nechama Tec (1993, Oxford University Press), particularmente no cap. 12.

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Os detalhes sobre a construção de um abrigo de terra-chamado de ziemlanka em russo - foram fornecidos ao autor pelo sobrevivente Meyer Bronicki (em 15 de janeiro de 2001, em Marco Island, Flórida, e em várias entrevistas telefônicas feitas de sua casa em Indianapolis, Indiana). Ele foi um dos trabalhadores que ajudaram a construir as estruturas.

As informações sobre o ataque alemão à Puscha Lipichanska foram encontradas em Jewish resistance in Nazi-occupied Eastern Europe, de Reuben Ainsztein (1974, Paul Elek), pp. 321-5. Informações adicionais sobre os guerrilheiros do gueto de Dzatlovo (também chamado Zhetel) foram obtidas de Jack Kagan. Ele forneceu ao autor uma tradução do artigo ”The partisans of Zhetel” de Avram Alpert, Lipa Glickman, Avrom Magid e Yichiel Yoselevitz, de Book of Zhetel (1957, Zhetel Association of Israel).

Os detalhes sobre a celebração da festa de Chanuca e sobre a canção em torno da fogueira do acampamento foram extraídos de Partizanim (Partisans: the story of a Jewish partisan brigade in the forests of White Russia), de Yehoshua Yaffe (1952, N. Tabarsky Books Inc.), cap. 3.

As particularidades sobre o confronto com os irmãos Lubchansky são descritas minuciosamente por Tuvia Bielski tanto em Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollections of Tuvia and Zusya Bielski, Sonia and Lilka Bielski and Abraham Weiner as recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), cap. 10, traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen, como em Yerushalayim in Vald (Jerusalem in the forest: memoirs of the stormy days of the partisans in the forests of Western White Russia during World War II), escrito em 1955 (Yivo Institute for Jewish Research, #RG 104, Eyewitness Accounts, Series in [Partisaner 2]), caps. 38,

39. Zus Bielski também discutiu o assunto em sua entrevista ao Yad Vashem. Sonia (Boldo) Bielski também forneceu memórias do incidente.

As informações sobre o ataque de 5 de janeiro de 1943 foram reunidas durante entrevistas com Sonia (Boldo) Bielski, Haya (Bielski) Dziencielski, Ike Bernstein (cujo irmão foi morto durante o incidente) e um bielo-russo morador do lugarejo, Ivan Koreniuk (2 de julho de 2001, em Chrapinyevo, Belarus).

As particularidades sobre a descoberta do grupo Kessler e a morte dos informantes bielo-russos foram conhecidas durante entrevistas com as testemunhas Michael Lebowitz, Isak (Nowogrudsky) Nowog (26 de agosto de 2001, em Los Angeles, Califórnia) e a viúva de Israel Kessler, Rachel (Reiff) Zyskind (entrevista telefônica em 26 de julho de 2001, de sua casa em Israel; Daphne Algom serviu de tradutora. O sr. Nowog também escreve pormenorizadamente sobre o incidente em suas memórias não publicadas, Experiences of a Jewish partisan: my journal 1941-1945, uma cópia das quais foi fornecida ao autor. Pesach Friedberg e Zus Bielski falaram minuciosamente sobre sua experiência em suas entrevistas

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ao Yad Vashem. Tuvia Bielski conta as experiências em cada um de seus escritos ou entrevistas.

As informações pessoais sobre Fyodor Sinitchkin são oriundas de Navyechno v syerdtse narodnom (Forever in the heart of the people) (1984, Enciclopédia Soviética Bielo-

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Russa), p. 474. Este livro contém informações biográficas sobre os que foram homenageados com o prêmio Herói da União Soviética.

A citação de Stalin sobre incluir todos os ”cidadãos honrados, homens e mulheres” na luta contra os alemães advém do artigo ”The Soviet partisan movement and the Holocaust”, de Kenneth Slepyan, na publicação Holocaust and Genocide Studies, v. 14, n” l, primavera de 2000, p. 11.

6. FEVEREIRO DE 1943 ABRIL DE 1943 [??• 143-6/]O panfleto alemão oferecendo uma recompensa pela captura de Tuvia Bielski é mencionado no artigo de Eliahu Damesek ”The German occupation”, em SeferLida (Book of Lida), editado por Alexander Manor, Yitzhak Ganuscovitz e Aba Lando (1970, Former Residents of Lida in Israel and the Committee of Lida Jews in USA), p. viu. Os detalhes sobre os líderes do gueto Altman e Alperstein são analisados em ”Our life in the ghetto”, de Sefer Lida, p. 288, de Shmuel Amarant, traduzido para o autor por David Goldman. As tentativas de fuga são tratadas em The Jews of Belorussia during World War II, de Shalom Cholawsky (1998, Harwood Academic Pub.), pp. 120-1,129-30.

Os detalhes sobre a família Bobrovsky provêm de entrevistas com os sobreviventes Jack Kagan e Sulia Rubin e uma enteada de uma das filhas dos Bobrovsky, Anya Voronovich (4 de julho de 2001, em Novogrudek, Belarus). As informações sobre a morte de Ivan Koslovsky originam-se de entrevistas com Irina Koslovsky, sua sobrinha.

A citação de Himmler sobre a necessidade de mais trens para a deportação dos judeus apareceu em Holocaust: a history of the Jews in Europe during the Second World War, de Martin Gilbert (1985, Henry Holt and Co.), p. 526. A parte referente a 80% das vítimas do Holocausto terem sido mortas nos primeiros meses de

1943 é mencionada em Ordinary men: reserve police battalion 101 and the final solution in Poland, de Christopher Browning (1992, HarperCollins), p. xv.

As execuções de Vatya Kushel e Aloysha Stishok são abordadas em detalhes por Tuvia Bielski em Yerushalayim in Vald (Jerusalem in the forest: memoirs of the stormy days of the partisans in the forests of Western White Russia during World War II), escrito em 1955 (Yivo Institute for Jewish Research, #RG 104, Eyewitness

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Accounts, Series in, [Partisaner 2]), cap. 33. Foram também narradas para o autor pelas testemunhas Aron (Bielski) Bell e Haya (Bielski) Dziencielski.

Alguns sobreviventes do grupo Bielski relataram o ataque de 15 de fevereiro de 1943, entre eles Sulia Rubin, Ike Bernstein e Raya (Kaplinski) Kalmanovitz. Ele também é narrado em detalhes em Partizanim (Partisans: thestoryofajewishpartisan brigade in the forests of White Russia), de Yehoshua Yaffe (1952, N. Tabarsky Books Inc.), cap. 3, e em todos os escritos e testemunhos de Tuvia Bielski. Os ferimentos de Shmuel Oppenheim foram descritos ao autor por Miriam Stepel, filha de Oppenheim (entrevista telefônica em 20 de maio de 2001). O animal que sangrou na neve é descrito por vários sobreviventes como um porco, uma vaca, um boi e um frango.

A opinião de Stalin sobre os guerrilheiros está registrada em várias fontes, entre as quais Russia’s War, de Richard Overy (1997, Penguin), pp. 142-50.0 conflito com os membros da Komsomol é exposto no testemunho de Tuvia Bielski em Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollections of Tuvia and Zusya Bielski, Sonia and Lilka Bielski and Abraham Weiner as recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), cap. 10, traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen, e em sua entrevista ao Yad Vashem (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, 03/3607).

A história pessoal de Solomon Wolkowyski foi obtida durante uma entrevista com a irmã do sr. Wolkowyski, Genia Pinski (30 de junho de 2002, no Bronx, em Nova York).

Os detalhes sobre o massacre em Dobreya Pole cometido pelos irmãos Belous foram obtidos durante várias entrevistas com antigos residentes gentios do lugarejo. O autor falou com Anna e Vladimir Oleshkevich, Yevgeny e Ivan Shulak e Vladimir Karavajski. Todos viviam em Dobreya Pole na época do incidente e agora vivem em aldeias das redondezas.

O estabelecimento do acampamento na floresta de Stara-Huta é narrado em vários lugares, inclusive em Partizanim, de Yaffe, cap. 5. A fuga de Eliahu Damesek do gueto para a floresta é contada no artigo ”The German occupation”, em SeferLida, p. VTII. O ataque de represália a Dobreya Pole foi descrito ao autor pelos gentios residentes na aldeola e também por Michael Lebowitz e Isak Nowog. É abordado, ainda, em todas as entrevistas e memórias de Tuvia e Zus Bielski.

7. MAIO DE 1943 JULHO DE 1943 [pp. 168-83]Detalhes sobre o gueto de Lida foram transmitidos durante entrevistas com os sobreviventes Willy Moll (3 de dezembro de 2000, em Toronto, Ontario, Canadá), Charles Bedzow, Fay Druck e outros. Informações também foram obtidas

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das memórias não publicadas From the Lida ghetto to the Bielski partisans, de Liza Ettinger, mantidas nos arquivos do United States Holocaust Memorial Museum (RG-02.133,1984). A citação de Hermann Hanweg é oriunda de The Jews from Belorussia during World War II, de Shalom Cholawsky (1998, Narwood Academic Pub.), p. 129.

. Os detalhes das execuções de 7 de maio de 1943 em Novogrudek provêm de várias fontes, inclusive de entrevistas com os sobreviventes Jack Kagan e Sonia Oshman. Também foram obtidas informações do testemunho anônimo-prestado em 1945 num campo de deslocados de guerra na Alemanha-de um sobrevivente do gueto de

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Novogrudek, incluído em Jewish responses to Nazi persecution, de Isaiah Trunk (1979, Stein and Day), pp. 252-3. Igualmente úteis foram as declarações de testemunhas admitidas como provas no julgamento de crimes de guerra em 1964 contra o tenente da Wehrmacht Johann Artmann (documento

202 AR-Z 94C/59, Zentrale Stelle der Landesjustizverwaltungen Ludwigsburg, Alemanha), traduzidas para o autor por Rita Falbel.

O tipo de disciplina utilizado por Viktor Panchenkov foi descrito ao autor por três guerrilheiros que serviram em seu destacamento - Nikolai Kostriminov (30 de junho de 2001, em Novogrudek, Belarus), ValentinaNerovnaya (26 de junho de 2001, em Novogrudek, Belarus) e Sergei Zhigalo (2 de julho de 2001, em Butskevich, Belarus). O estilo disciplinar de Tuvia foi discutido com vários entrevistados, inclusive o sobrevivente Peretz Shorshaty (15 de maio de 2001, em Eliat, Israel).

A punição de guerrilheiros é narrada em Soviet partisans in World War II, editado por John A. Armstrong (1964, University of Wisconsin), pp. 191-4.

O discurso pronunciado por Tuvia antes da mudança para Stara-Huta foi transmitido ao autor pela sobrevivente Leah Kotler (14 de novembro de 2000, Brooklyn, Nova York). Stara-Huta é às vezes mencionada pelos sobreviventes Bielski como Huta-Sklana, o nome polonês da floresta.

O ataque a Yasinovo foi narrado ao autor por várias testemunhas, entre elas Michael Lebowitz e sua mulher, Naomi Lebowitz. O relato mais completo está incluído em Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollections of Tuvia and Zusya Bielski, Sonia and Lilka Bielski and Abraham Weiner as recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), cap. 12, traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen. Os sobreviventes Bielski se referem à floresta de Yasinovo às vezes como Zuravelnik. As duas são próximas uma da outra.

As informações pessoais sobre o general Platon derivam do livro Navyechno v syerdtse narodnom (Forever in the heart of the people) (1984, Enciclopédia Soviética Bielo-Russa), p. 568. Este livro reúne informações biográficas sobre os que foram homenageados com o prêmio Herói da União Soviética. O tamanho e alcance de seu comando é pormenorizado nas memórias de guerra

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não publicadas de Viktor Panchenkov, p. 19, fornecidas ao autor pela viúva do sr. Panchenkov, Nadezhda. Foi também abordado no artigo escrito por Yefim Gapayev (Sokolov) e incluído no livro Vprinemanskikh lesakh (In the forests along the Neman river): memoirs of partisans and the underground (1975, Belarus Publishing), pp. 63-73.

O autor conversou com russos que atuaram com o general Platon, inclusive um amigo próximo, Gregori Shevela (21 de junho de 2001, em Minsk, Belarus). Foi Shevela quem informou sobre o banimento de Platon para as terras orientais da União Soviética em 1937.

8. JULHO DE 1943 SETEMBRO DE 1943 [pp. 184-204] , ,.’• .As informações sobre Oskar Dirlewanger provêm de The cruel hunters: SSSonderkommando Dirlewanger, Hitler’s most notorious anti-partisan unit, de French L. MacLean (1998, Schiffer Military History). As ordens alemãs para a Operação Hermann se acham disponíveis no Bundesarchiv, Berlim, Alemanha (grupo de documentos R70 su/14). Documentos seletos da coleção foram traduzidos para o autor por Irene Newhouse.

O ataque à unidade na Puscha Naliboki e a fuga subseqüente para Krasnaya Gorka foram narrados ao autor por vários sobreviventes, entre os quais Murray Kasten, Lilka Bielski, Sônia Bielski, Meyer Bronicki, Isak Nowog, Leah Johnson (10 de janeiro de 2001, em Hallandale, Flórida) e Frieda Feit (28 de novembro de

2000, no Brooklyn, Nova York). Informações adicionais foram obtidas em Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollections ofTuvia and Zusya Bielski, Sonia and Lilka Bielski and Abraham Weiner as recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), cap.

13, traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen; e na entrevista de Tuvia Bielski ao Yad Vashem.

Os movimentos da unidade Kessler foram relatados por Isak Nowog, um membro da unidade, durante entrevistas com o autor, e ainda em suas memórias não publicadas. Útil também foi a entrevista do autor com a sobrevivente Rachel Rieff, viúva de Israel Kessler; e o testemunho do sobrevivente Abraham Weiner em Yehudai Yaar, cap. 16.

Depois da divisão do grupo Bielski entre o Destacamento Ordzhonikidze de Zus Bielski e o Destacamento Kalinin, de Tuvia Bielski, ambas as unidades foram obrigadas a enviar relatórios expondo todas as suas atividades. O autor se baseou nesses dados para determinar o tamanho dos grupos, suas atividades de combate e seus movimentos. Os documentos estão disponíveis no arquivo do Comando Bielo-Russo do Movimento Guerrilheiro no Arquivo Nacional da

304ÀRepública de Belarus. Alguns dos documentos também foram obtidos do arquivo do Yad Vashem, em Jerusalém, Israel.Os relatórios de campo, registros e diários de reconhecimento do Destacamento Odzhonikidze de Zus Bielski se encontram disponíveis nos arquivos de Minsk (Fond 3618; Opus l; Arquivos 23,28,30,90 e 91). O arquivo pessoal de Zus Bielski está disponível em Minsk (Fond 3500, Opus l, Arquivo 20).

Os relatórios do Destacamento Kalinin, de Tuvia Bielski, também estão localizados no arquivo de Minsk. Neles se encontra a história abrangente do destacamento submetida por

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Tuvia Bielski à liderança guerrilheira em 15 de setembro de 1944 (Fond 3500; Opus 4; Arquivo 272), uma lista minuciosa de todos os membros do destacamento (Fond 3617; Opus 1; Arquivo 20), relatórios operacionais (Fond 3623; Opus 6; Arquivo 6) e arquivos pessoais (Fond 3500; Opus 7; Arquivo 300). Cada um dos documentos precedentes acha-se também disponível no Yad Vashem - arquivos M.41/120; M.41/200; M.41/156; M.41/225, respectivamente. Arquivos adicionais dos Bielski sobre atividades militares estão disponíveis nos arquivos de Minsk (Fond 3500; Opus 4, Arquivo 60; e Fond 3500; Opus 4; Arquivo 251).

Traduções foram fornecidas ao autor por David Goldman e Tamara e Olga Vershitskaya.

A morte de Kaplan é narrada em Yehudai Yaar, cap. 14, e em Partizanim (Partisans: the story of a Jewish partisan brigade in the forests of White Russia), de Yehoshua Yaffe (1952, N. Tabarsky Books Inc.), cap. 6. Foi também descrita para o autor por Sonia (Boldo) Bielski.

9. SETEMBRO DE 1943 [pp. 2º5-16]O autor sebaseou no relato do levante do gueto de Varsóvia contido em The destruction of the European Jews: revised and definitive edition, de Raul Hilberg (1985, Holmes and Meier), pp. 500-15.

A história de Layzer Stolicki ajudando fugitivos de Lida é narrada em Judenrat: the Jewish councils in Eastern Europe under Nazi occupation, de Isaiah Trunk (1972, University of Nebraska Press), p. 523.

O documento em que um funcionário nazista declara que ”mais de 2 mil” judeus permaneceram no gueto de Lida se encontra no Bundesarchiv, Berlim, Alemanha (documento R70 SU/14, pp. 76-8).

As fugas do gueto de Lida foram relatadas durante as entrevistas com os fugitivos Willy Moll, Mike Stoll e Bella Goldfischer. O testemunho da fugitiva Liza Ettinger se origina de suas memórias não publicadas, From the Lida ghetto to the

:m

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Bielskipartisans, conservadas nos arquivos do United States Holocaust Memorial Museum (RG-02.133,1984).

A fuga pelo túnel de Novogrudek foi contada ao autor pelos fugitivos Jack Kagan, Sonya Oshman e Aaron Oshman. Kagan também escreve amplamente sobre essa experiência em Surviving the Holocaust with Russian Jewish partisans (1998, Vallentine Mitchell and Co.), pp. 172-83. A fugitiva Rae Kushner fala da fuga em sua entrevista, realizada pelo Kean College of New Jersey Holocaust Resource Center e disponível nos arquivos do United States Holocaust Memorial Museum em Washington, D.C. (RG-50.002*0015). Informações de grande valor foram obtidas na entrevista do sobrevivente Eliahu Berkowitz com YitzhakAlperovitz (arquivos do Yad Vashem, Jerusalém, 03/2774). Também foram obtidas informações do testemunho anônimo - prestado em 1945 num campo de deslocados de guerra na Alemanha - de um sobrevivente do gueto de Novogrudek e incluído em Jewish responses to Nazi persecution, de Isaiah Trunk (1979, Stern and Day), pp. 252-3.

Os pressentimentos de Wilhelm Traub a respeito da possibilidade de uma fuga do gueto estão expostos num documento alemão no Bundesarchiv, Berlim, Alemanha (documento R70 SU/14,pp. 76-8).

As ações contra as freiras e a população polonesa são narradas em No greater love, do rev. Aleksander Zienkiewicz, um padre católico polonês que passou os anos da guerra em Novogrudek (1968, Franciscan Publishers), pp. 23-36. As onze freiras, disse o padre Zienkiewicz, rezaram para serem presas pelos nazistas no lugar dos poloneses da cidade. ”Oh, Deus, se sacrifício de vida é necessário, aceitai-o de nós, que somos livres de obrigações de família, e poupai aqueles que têm mulheres e filhos a seus cuidados”, uma das freiras contou ao padre. ”Estamos até rezando por isso.” Em 1991, um processo teve início para declarar santas essas mulheres da Igreja católica. Em 5 de março de 2000, o papa João Paulo n beatificou as onze mulheres durante uma celebração em Roma, o penúltimo passo antes da canonização.

10. OUTUBRO DE 1943 - JANEIRO DE 1944 [pp. 217-49]O acampamento dapuschaíoi descrito no artigo de Shmuel Amarant”The Tuvia Bielski partisan company”, incluído em PinkasNavaredok (Livro Memorial de Novogrudek), editado por E. Yerushalmi (1963, Alexander Harkavy Navareder Relief Committee in the USA and Israel), p. 333. A tradução foi fornecida ao autor por Charles Ronen. Útil também foi Partizanim (Partisans: the story of a Jewish partisan brigade in the forests of White Russia), de Yehoshua Yaffe (1952, N.

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J

Tabarsky Books Inc.), cap. 8, e Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollections of Tuvia and Zusya Bielski, Sonia and Lilka Bielski and Abraham Weiner as recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), caps. 19 e 20, traduzidos do hebraico para o autor por Charles Ronen. Entrevistas com os sobreviventes Carmela Shamir (13 de maio de 2001, em Tel Aviv, Israel), Sol Lapidus (16 de janeiro de 2001, em Fort Lauderdale, Flórida), Moshe e Pesia Beirach (13 de maio de 2001, em Tel Aviv, Israel), Gregori Chasid (10 de julho de 2001, por telefone, de Grodno, Belarus) e Isak Pitluk (18 de maio de 2001, em Netanya, Israel) também foram úteis.

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Os detalhes sobre a vida do Destacamento Odzhonikidze estão incluídos em Yehudai Yaar, cap. 17, e em ambos os testemunhos de Zus Bielski ao Yad Vashem. Murray Kasten, um combatente Odzhonikidze, também proporcionou informações valiosas. O autor contou ainda com os substanciais relatórios operacionais mencionados nas notas relativas ao capítulo 8.

O detalhe sobre a deserção do guerrilheiro que resultou em represália contra a família do soldado ausente é narrado em Soviet partisans in World War II, editado por John A. Armstrong (1964, University of Wisconsin), p. 193.

As relações de Tuvia Bielski com a liderança dos guerrilheiros soviéticos são descritas com grandes detalhes em Yehudai Yaar, caps. 20 e 21. Muitas de suas ações são corroboradas por documentos soviéticos citados nas notas do capítulo

8. As opiniões de Platon sobre a utilidade da base Bielski como um ”corpo de intendência” figuram em The Minsk ghetto: Soviet-Jewish partisans against the Nazis, de Hersh Smolar, um guerrilheiro judeu que trabalhou junto com o general Platon (1989, Holocaust Library), p. 129.

O documento de 3 de janeiro de 1944, assinado pelo general Platon, se encontra disponível nos arquivos de Minsk (Fond 3500; Opus 1; Arquivo 244). Está também disponível nos arquivos do Yad Vashem em Jerusalém (documento M.41/126).

O ataque alemão à aldeia de Vasilevitch foi narrado ao autor por diversas fontes, entre as quais os guerrilheiros do destacamento de Viktor Panchenkov, Sergei Zhigalo e Nikolai Kostriminov. Viktor Panchenkov escreve sobre o ataque em seu artigo ”The October Detachment”, impresso no livro Vprinemanskikh lesakh (In the forests along the Neman river): memoirs of partisans and the underground (1975, Belarus Publishing). O relatório operacional para o comando guerrilheiro foi também de grande utilidade, particularmente por citar o oficial alemão Kurt Fidler, cujo uniforme Zus confiscou. Ele se acha nos arquivos de Minsk (Fond

3618; Opus l; Arquivo 30, p. 100). Zus fala do incidente em Yehudai Yaar, cap. 17.

A citação do general Bor-Komorowski é oriunda de The Holocaust in historical perspective, de Yehuda Bauer (1978,University of Washington, Seattle), p. 58. O relato sobre os Poloneses Brancos que serviram em Novogrudek pode ser

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encontrado em The unseen and silent: adventures from the underground movement narrated by paratroops of the Polish Home Army, traduzido do polonês por George Iranek-Osmecki (1954, Sheed and Ward), pp. 141-57.0 documento alemão que fala de ”nosso acordo com os guerrilheiros poloneses” se inclui nos relatórios finais do comissário regional de Novogrudek, escritos em 27 de julho e 3 de agosto de 1944. Eles se encontram disponíveis no Bundesarchiv, Berlim, Alemanha (documento R93 13, pp. 138-48).

A presença de cossacos na área de Novogrudek é narrada em Cossaks in the German Army 1941-1945, de Samuel J. Newland (1991, Frank Cass and Co.), pp.

127-37. As informações sobre Boris Ragula foram obtidas em uma entrevista com o sr. Ragula e em suas memórias não publicadas, Reflections from my past, cedidas por empréstimo ao autor pelo sr. Ragula.

A carta de Viktor Panchenkov ao comissário regional de Novogrudek está arquivada no Museu de Estudos Regionais, em Novogrudek, Belarus. A tradução foi fornecida para o autor por David Goldman.

11. JANEIRO DE 1944 - JULHO DE 1944 [pp. 250-74] , iA citação de Isaac Mendelson provém de uma entrevista gravada em fita de vídeo, realizada pelo dr. Lester Eckman e Monty Noam Penkower, do Touro College. A fita foi emprestada ao autor pelo dr. Eckman.

A execução de Kessler foi descrita ao autor por vários sobreviventes da floresta, entre eles Lilka Bielski, Haya (Bielski) Dziencielski, Beryl Chafetz (30 de outubro de 2000, em Brighton, Massachusetts), Chaim Basist (9 de maio de 2001, em Tel Aviv, Israel), Meyer Bronicki, Jack Kagan e a viúva de Kessler, Rachel (Rieff) Zyskind. Testemunhos dos partidários de Kessler estão contidos em SeferHapartizanim Hayehudim (The Jewish partisan book) (1958, Sifraith Poalim, Hashomer Hatzair), pp. 457-60, traduzido do hebraico para o autor por Rana Samuels. Entre os que descreveram a atmosfera do acampamento de Kessler, antes e depois de sua morte, estão os sobreviventes Isak e Genia Nowog.

O espancamento do filho de Konstantin Koslovsky foi narrado ao autor pelas testemunhas Irina Koslovsky e Taisija Dorozhkina.

O documento guerrilheiro no qual Tuvia menciona o grupo como totalizando 941 pessoas se encontra nos arquivos de Minsk (Fond 3500; Opus 4; Arquivo

241/2) enos arquivos do YadVashem, em Jerusalém (M.41/124).Acelebração de 1ª de maio na puscha é narrada com pormenores pela testemunha Shmuel Amarant em ”The Tuvia Bielski partisan company”, incluído em Pinkas Navaredok (Livro Memorial de Novogrudek), editado por E. Yerushalmi (1963, Alexander Harkavy

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Navareder Relief Committee in the USA and Israel). A idéia de que Ivan Shematovich foi enviado à base Bielski por causa de preocupações dos soviéticos sobre a situação Kessler é mencionada em The Minsk ghetto: Soviet-Jewish partisans against the Nazis, de Hersh Smolar (1989, Holocaust Library), p. 129.

O discurso do comandante guerrilheiro em preparação para a retirada nazista foi relatado

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por Isak Nowog durante as entrevistas com o autor e em suas memórias não publicadas.

A morte dos alemães capturados no acampamento Bielski foi narrada ao autor por várias pessoas presentes, entre outras Genia Pinski, Leah Johnson (10 de janeiro de 2001, em Hallandale, Flórida), Frieda Feit, Willy Moll e Meyer Bronicki. O discurso final de Tuvia Bielski foi citado por Isak Nowog em suas memórias não publicadas.

A frase de Tuvia Bielski a respeito do assassinato no último dia na floresta

- ”Eu atirei nele sem hesitação” - aparece em Yehudai Yaar (Jews of the forest): the recollections of Tuvia andZusya Bielski, Sonia andLilka Bielski and Abraham Weiner as recorded by Y. Ben-Dor (1946, Om Oved), cap. 21, traduzido do hebraico para o autor por Charles Ronen. A citação de Shmuel Amarant vem de seu artigo ”The Tuvia Bielski partisan company”, em Pinkas Navaredok.

A contagem final dos sobreviventes do Destacamento Kalinin, de Tuvia, e do Destacamento Ordzhonikidze, de Zus, pode ser encontrada nos documentos soviéticos nos arquivos de Minsk (Fond 3500; Opus 4; Arquivo 241/2, pp. 287-8) e nos arquivos do Yad Vashem, em Jerusalém (M.41/124, pp. 28-9).

Os detalhes sobre a vida de Lola (Dziencielski) Kline foram obtidos durante uma entrevista com a sra. Kline (6 de agosto de 2001, em Freehold, New Jersey).

12. PARA ISRAEL E A AMÉRICA [pp. 275-87]A história do Destacamento Ordzhonikidze se encontra nos arquivos de Minsk (Fond 3618; Opus 1; Arquivo 23). O arquivo pessoal de Zus também está localizado nos mesmos arquivos (Fond 3500; Opus 8; Arquivo 20). A história do Destacamento Kalinin (o grupo de Tuvia na puscha) está disponível em Minsk (Fond 3500; Opus 4; Arquivos 272) e nos arquivos do Yad Vashem (M.41/120).

O número de cinqüenta mortos durante o período nas florestas foi citado em Defiance: The Bielski partisans, de Nechama Tec (1993, Oxford University Press), pp. 207-8.

A vida pós-guerra dos chefes guerrilheiros Chernyshev e Sinitchkin está narrada no livro Navyechno v syerdtse narodnom (Forever in the heart of the people) (1984, Enciclopédia Soviética Bielo-Russa). Esse livro reúne informações

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biográficas sobre os que foram homenageados com o prêmio Herói da União Soviética. A vida pós-guerra de Gapayev, Vasilyev e Panchenkov foi contada para o autor pela viúva de Viktor Panchenkov, Nadezhda.

A data da morte de Wilhelm Traub foi fornecida ao autor pelo dr. Stefan Klemp, que mantém um pequeno arquivo interligado ao Centro Simon Wiesenthal de Jerusalém, Israel.

A entrevista da história oral de Zus Bielski, realizada em 11 de julho de 1994, está disponível nos arquivos do United States Holocaust Memorial Museum (RG50.030*0024).

Agradecimentos

EPÍLOGO [pp. 288-90]

Uma fita de vídeo do jantar no New York Hilton, em hpmejaagem a Tuyia Bielski, foi emprestada ao autor por Murray Kushner. , ,

f310Em meu trabalho neste livro, contei com a bondosa ajuda de muitas pessoas mundo afora.As viúvas de Tuvia, Asael e Zus Bielski - Lilka, Haya e Sônia - cederam seu tempo de forma extraordinariamente generosa, concordando em se submeter durante horas seguidas às minhas perguntas. E ajudaram a combinar entrevistas com outros sobreviventes da floresta e a localizar documentos e fotografias relacionados com as experiências de guerra de seus maridos. Foi uma honra singular tê-las conhecido e ser merecedor da confiança que depositaram em mim para narrar sua história. Lamento que Lilka Bielski, que faleceu em setembro de

2001, não possa ver a publicação deste livro.

Aron (Bielski) Bell, o único filho sobrevivente de David e Beyle Bielski, foi imensamente paciente e prestimoso. Mostrou-se sempre disposto a discutir qualquer aspecto dos anos na floresta, inclusive os dias mais negros de sua vida - os acontecimentos que conduziram à morte de seus pais. Este trabalho foi enormemente aprimorado por seu apoio.

A família Bielski-incluindo os filhos e as filhas de Tuvia, Zus, Asael, Aron e Taibe-esteve sempre pronta a ajudar em meus esforços. Devo registrar em particular a ajuda de Assi Weinstein, de Tel Aviv, Israel, a filha de Haya e Asael, que traduziu centenas de perguntas que transmiti por e-mail para sua mãe, e a de Michael Bielski, de Bonita Springs, Flórida, o filho mais velho de Lilka e Tuvia, que me abriu seus arquivos pessoais e me ofereceu tudo o que dizia respeito a seus pais.

Ficarei eternamente em dívida com os sobreviventes do Holocausto que3pS

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compartilharam suas memórias comigo: Carmela Shamir, Moshe e Pesia Beirach, Pinchas Boldo, Luba Segal, Estelle (Bielski) Hershthal, Frieda Feit, Lea Friedberg, Willy Moll, Ike Bernstein, Beryl Chafetz, Meyer Bronicki, Gitel Morrison, Sol e Ruth Lapidus, Mike Stoll, Lola Kline, Sulia Rubin, Ignats Feldon, Ela Zamoschik, Gregori Chasid, Chaim Basist, Raya Kalmanovitz, Peretz Shorshaty, Isak Pitluk, Rachel Zyskind, Rivka Bernstein, Tamara Katz, Miriam Stepel, Genia Pinski, Tamar Amarant, Isak e Genia Nowog, Murray Kasten, Harry Finkelstein, Fay Druck, Rae Kushner, Charles Bedzow, Leah Johnson, Leah Kotler, Bella Goldfischer, Jack Kagan, Ann Monka, Sonya e Aaron Oshman, Michael e Naomi Lebowitz, Yehuda Levin, Esia Shor, Judi Ginsberg, Alexander Garelick, Arkady Teif, Lev Kravets, Sofia Zaleskaya, Michael Treyster, Pavel Rubinchik e Lubov Abramovich.

Jack Kagan, sobrevivente do gueto de Novogrudek e do acampamento Bielski da puscha, forneceu-me um tesouro valioso de documentos e testemunhos que ele reuniu enquanto escrevia seu livro sobre a guerra. O sr. Kagan, ele próprio um incansável pesquisador, sempre esteve disposto a responder a minhas perguntas e oferecer sugestões construtivas. Sua ajuda foi uma dádiva de Deus.

Tamara Vershitskaya, do Museu de Estudos Regionais, em Novogrudek, prestou-me uma assistência inestimável em minhas viagens por Belarus. Sem seus esforços como tradutora, guia e pesquisadora, a qualidade de meu trabalho em Belarus seria consideravelmente mais pobre. Sua filha Olga, que também serviu de tradutora para mim, foi de grande ajuda. Como também foram Ekaterina Nechai, Nikolai Puchilo e Alexander Tsaruk.

As tradutoras Hilah Ronen, Daphne Algom e Assi Weinstein mostraram-se valiosíssimas durante minhas entrevistas com sobreviventes em Israel.

Charles Ronen, David Goldman, Irene Newhouse, Judie Ostroff-Goldstein, James Loeffler, Tina Lunson, Rita Falbel e Rana Samuels realizaram um trabalho excepcional traduzindo textos do iídiche, hebraico, alemão e russo para o inglês.

Barbara Serfozo recuperou muitos documentos úteis dos arquivos nazistas na Alemanha. Jill Berry mostrou-se uma transcritora por excelência, Seth Kaufman forneceu uma ajuda fundamental em computação e Jeffrey Cuyubamba ofereceu um apoio decisivo no que diz respeito a mapas e fotografias.

O dr. Lester Eckman, do Touro College, amigo de longa data de Tuvia e Zus Bielski e autor de obra importante sobre a resistência judaica, ofereceu ajuda e conselhos indispensáveis ao longo deste projeto. Durante décadas, ele relatou a história dos guerrilheiros Bielski em suas aulas sobre o Holocausto. Sua dedicação à memória dos irmãos foi uma inspiração para mim.

Outra ajuda erudita veio de Leonid Smilovitsky, do Instituto de Pesquisa da Diaspora da Universidade de Tel Aviv; de Martin Dean, do United States Holocaust Memorial Museum; e de David Meltser, ex-professor de história na Univer312

sidade do Estado Bielo-Russo. Agradeço também a Jerrold Schecter, Zach Levin, Mark Stamey, Janon Fisher, Andrew Page, John Stanley, Patrick Weaver, Frank Flaherty, Miriam Kuperstock, John Driscoll, Jon Hart, Dennis Heaphy, Joe Fodor, Frank Shattuck e Alan Goldberg.

Este livro não teria sido escrito sem o encorajamento de Connie Rosenblum, do New York Times, que editou o artigo que escrevi sobre os irmãos Bielski para o jornal em maio de 2000, e sem o incansável apoio de minha agente, Mary Evans. Meu editor na HarperCollins, Dan

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Conaway, ajudou a dar foco e precisão ao texto final. Seu entusiasmo pelo projeto foi um constante alento para mim nos mais de dois anos necessários à realização do trabalho.

Minha mulher, Laura, foi uma fonte permanente de amor e apoio. Sem ela, nada disso teria valido a pena.

FIM DO LIVRO