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Trabalho ou emprego? Noêmia Lazzareschi* Introdução As elevadas taxas de desemprego registradas em todos os países do mundo e o uso indistinto, muito comum, das palavras trabalho e emprego justificam o título deste capítulo. Se o desemprego atinge milhões e milhões de trabalhadores nas regiões mais industrializadas e ricas do Ocidente, e as previsões dos estudiosos não são nada otimistas sobre as possibilidades de sua reversão, somos leva- dos a crer que não mais haverá trabalho para uma parcela sempre maior da população mundial. Será verdade? Desde já, a resposta é não porque trabalho e emprego não são palavras sinônimas, não são conceitos intercambiáveis, muito embora as atividades realizadas no emprego sejam atividades de tra- balho e as atividades de trabalho não necessariamente se realizem apenas no desempenho das funções próprias de um emprego. Senão, vejamos: Trabalhar significa criar utilidades para a satisfação das necessidades humanas, isto é, produzir bens – coisas materiais – ou prestar serviços, realizar uma atividade cujo resultado permita a satisfação de uma necessidade humana, sem que esse resultado assuma a forma de um bem material, como o serviço prestado por uma orquestra sinfônica, pelo professor, advogado, médico etc. Trabalhar é uma atividade exclusivamente humana por ser consciente, deliberada, com o propó- sito explícito de gerar resultados que possibilitem a satisfação não só de necessidades relativas à sobre- vivência (alimentação, vestuário, abrigo, manutenção da vida), mas também de necessidades sociais, culturais, artísticas, espirituais, psíquicas sentidas e/ou criadas pelo homem. Só é possível ser realizada porque somos dotados de inteligência, iniciativa, espírito crítico, criatividade que se desenvolvem ao longo de seu processo e, por isso, o trabalho deve permitir a realização plena da natureza humana. * Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Ciências Sociais do Trabalho pelo Institut Supérieur du Travail da Université Catholique de Louvain (Bélgica). Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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  • Trabalho ou emprego?Nomia Lazzareschi*

    IntroduoAs elevadas taxas de desemprego registradas em todos os pases do mundo e o uso indistinto,

    muito comum, das palavras trabalho e emprego justificam o ttulo deste captulo. Se o desemprego atinge milhes e milhes de trabalhadores nas regies mais industrializadas e ricas do Ocidente, e as previses dos estudiosos no so nada otimistas sobre as possibilidades de sua reverso, somos leva-dos a crer que no mais haver trabalho para uma parcela sempre maior da populao mundial. Ser verdade? Desde j, a resposta no porque trabalho e emprego no so palavras sinnimas, no so conceitos intercambiveis, muito embora as atividades realizadas no emprego sejam atividades de tra-balho e as atividades de trabalho no necessariamente se realizem apenas no desempenho das funes prprias de um emprego. Seno, vejamos:

    Trabalhar significa criar utilidades para a satisfao das necessidades humanas, isto , produzir bens coisas materiais ou prestar servios, realizar uma atividade cujo resultado permita a satisfao de uma necessidade humana, sem que esse resultado assuma a forma de um bem material, como o servio prestado por uma orquestra sinfnica, pelo professor, advogado, mdico etc.

    Trabalhar uma atividade exclusivamente humana por ser consciente, deliberada, com o prop-sito explcito de gerar resultados que possibilitem a satisfao no s de necessidades relativas sobre-vivncia (alimentao, vesturio, abrigo, manuteno da vida), mas tambm de necessidades sociais, culturais, artsticas, espirituais, psquicas sentidas e/ou criadas pelo homem. S possvel ser realizada porque somos dotados de inteligncia, iniciativa, esprito crtico, criatividade que se desenvolvem ao longo de seu processo e, por isso, o trabalho deve permitir a realizao plena da natureza humana.

    * Doutora em Cincias Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Cincias Sociais do Trabalho pelo Institut Suprieur du Travail da Universit Catholique de Louvain (Blgica). Bacharel e Licenciada em Cincias Sociais pela Universidade de So Paulo (USP). Professora do departamento de Sociologia da Faculdade de Cincias Sociais e do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP).

  • 8 | Sociologia do Trabalho

    O trabalho , portanto, uma ao humanizadora da nossa espcie animal, isto , humanizadora do prprio ser humano por ser a nica ao a nos diferenciar de outros animais, tal como nos explica Karl Marx nesta passagem do cap. V do livro I de O Capital Crtica da Economia Poltica:

    Antes de tudo, o trabalho um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua prpria ao, impulsiona, regula e controla seu intercmbio material com a natureza. Defronta-se com a nature za como uma de suas foras. Pe em movimento as foras naturais de seu corpo, braos e pernas, cabea e mos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma til vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua prpria natureza. Desenvolve as potencialidades nela ador-mecidas e submete ao seu domnio o jogo das foras naturais. ... Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente hu-mana. Uma aranha executa operaes semelhantes s do tecelo, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha que ele figura na mente sua construo antes de transform-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que j existia antes idealmente na imaginao do trabalhador. Ele no transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subor-dinar sua vontade. E essa subordinao no um ato fortuito. Alm do esforo dos rgos que trabalham, mister a vontade adequada que se manifesta atravs da ateno durante todo o curso do trabalho. (MARX, 1971, p. 202)

    Assim, agindo deliberada e conscientemente sobre a natureza, transformando-a, ao mesmo tem-po em que se transformam pela realizao de suas potencialidades, os homens produzem a Histria, isto , processo de produo das condies materiais de vida e de produo da conscincia, compreendida como representaes mentais do prprio trabalho, de si prprios e das relaes sociais estabelecidas ao longo do processo, expressas no conjunto de crenas, idias, valores, padres de comportamento transmitidos de gerao para gerao.

    Por isso, o trabalho sempre foi a categoria-chave das anlises sociolgicas e do conjunto das Cin-cias Sociais, cuja preocupao fundamental a de explicar e compreender o modo de produo da vida nas suas diferentes manifestaes a Histria ao longo do tempo.

    O trabalho pode ser uma atividade com carter individual e/ou social. O trabalho domstico, por exemplo, pode ser realizado individualmente para satisfazer tanto uma necessidade individual quanto social. Ter carter individual se for realizado por uma s pessoa para satisfazer as suas prprias neces-sidades, ter carter social se realizado para satisfazer as necessidades dos membros de uma famlia, mesmo se realizado individualmente.

    Todavia, a produo da Histria resulta da atividade de trabalho que se realiza socialmente para a satisfao de necessidades sociais. Da o seu duplo carter social, organizado com base na diviso so-cial do trabalho fundada nas diferentes formas da propriedade dos meios de produo, isto , a diviso entre as condies e instrumentos ou meios de trabalho e o prprio trabalho que incide numa desigual distribuio dos frutos do trabalho e, conseqentemente, no estabelecimento de relaes de produ-o conflituosas quando a propriedade dos meios de trabalho ou meios de produo se concentra nas mos de alguns poucos.

    Por razes culturais, cristalizadas nas instituies, s alguns poucos privilegiados tiveram ao longo da Histria acesso propriedade dos meios de produo e, por isso, se autodispensaram do trabalho de produo das condies materiais de vida, obrigando a grande maioria dos despossudos a reali-z-lo. Nas sociedades capitalistas, todos, indistintamente, tm acesso jurdico propriedade dos meios de produo, o capital, mas a ela no tm acesso de fato. Assim, em todas as sociedades nas quais se institucionalizou a propriedade privada dos meios de produo, h duas grandes classes sociais: a dos proprietrios e a dos no-proprietrios dos meios de produo, com interesses antagnicos e perma-nentemente em relaes sociais de produo de conflito.

  • 9|Trabalho ou emprego?

    Na Antigidade, o trabalho de produo das condies materiais de vida era atribudo aos escra-vos; na Idade Mdia, aos servos; e nas sociedades modernas capitalistas, aos trabalhadores do campo e da cidade. Aos cidados da Antigidade, nobreza da Idade Mdia e burguesia, proprietrios do capital, da sociedade capitalista, o trabalho de produo da conscincia, a ideologia, isto , a viso ex-plicativa, a compreenso e justificao da realidade: a cosmoviso.

    No havia emprego na Antigidade porque os escravos eram objeto de propriedade. Na Idade Mdia, os servos no tinham emprego, pois apenas os jornaleiros, isto , empregados das oficinas dos artesos recebiam um salrio. A unidade industrial tpica da Idade Mdia era essa pequena oficina, ten-do um mestre como empregador em pequena escala, trabalhando lado a lado com os seus ajudantes. (HUBERMAN, 1986, p.54)

    Os aprendizes eram jovens que viviam e trabalhavam com o arteso principal, e aprendiam o ofcio. A extenso do aprendizado variava de acordo com o ramo. Podia durar um ano ou prolongar-se por 12 anos. O perodo habitual de aprendizado variava entre dois e sete anos. Tornar-se aprendiz era um passo srio. Representava um acordo entre a criana, seus pais e o mestre arteso, segundo o qual em troca de um pequeno pagamento (em alimento ou dinheiro) e a promessa de ser trabalhador e obediente, o aprendiz era iniciado nos segredos da arte, morando com o mestre durante o aprendizado. Concludo este, quando o aprendiz era aprovado no exame e tinha recursos, podia abrir sua prpria oficina. (HUBERMAN, 1986, p. 54)

    Emprego , portanto, uma relao social de trabalho muito recente, que data da segunda metade do sculo XVIII, quando se consolidou o modo de produo capitalista moderno com a Revoluo In-dustrial e a Revoluo Francesa. No havia emprego na Antigidade porque os escravos eram objeto de propriedade, no havia emprego na Idade Mdia porque os servos eram arrendatrios de terra, deven-do trabalhar dois ou trs dias por semana a terra do senhor, sem pagamento. No eram homens livres, com direito de ir e vir, nasciam e morriam no mesmo feudo, ou seja, na terra concedida pelo rei para ser administrada pelos nobres e trabalhada pelos servos.

    O emprego passou a existir apenas nas sociedades capitalistas, nas quais os homens so livres e iguais perante a lei. A igualdade jurdica um dos fundamentos dessas sociedades, como tambm a de-sigualdade de fato, e condio essencial para a institucionalizao do mercado de trabalho e, portanto, do emprego. O emprego uma relao contratual de trabalho entre o proprietrio e o no-proprietrio dos meios de produo e/ou renda pela qual se estabelecem as condies de compra e venda da fora de trabalho, isto , da capacidade para trabalhar dos no-proprietrios dos meios de produo, em troca de uma remunerao, um salrio. A relao de trabalho se d entre homens livres, o que significa afirmar que ambas as partes estabelecem essa relao livremente e livremente podem romp-la, res-peitadas as clusulas do contrato.

    Homens livres dos laos da escravido e da servido constituem uma das condies prvias para a existncia do capitalismo moderno, tal como nos ensina Max Weber:

    Trabalho livre, isto , que existam pessoas, no somente no aspecto jurdico, mas no econmico, obrigadas a vender livremente sua atividade num mercado. Luta com a essncia do capitalismo (sendo, ento, impossvel seu desenvolvi-mento) o fato de que falte uma camada social deserdada, e necessitada, portanto, de vender sua energia produtiva e, de modo igual, quando existe to-somente trabalho livre. Apenas sobre o setor do trabalho livre resulta possvel um clculo racional do capital, isto , quando, existindo trabalhadores que se oferecem com liberdade, no aspecto formal, mas realmente estimulados pelo ltego da fome, os custos dos produtos podem ser calculados, inequivocamente, de antemo. (WEBER, 1980, p. 124)

    Em outras palavras e no limite: os no-proprietrios dos meios de produo e/ou renda traba-lham para os proprietrios se quiserem, quando quiserem e para quem quiserem, a recproca sendo verdadeira e as aspas tendo sido colocadas propositadamente para lembrar que essa no a realidade

  • 10 | Sociologia do Trabalho

    de fato para a grande maioria dos trabalhadores que no tm qualquer possibilidade de escolha para quem, quando e, muitas vezes, onde encontrar um emprego.

    Assim, o emprego pressupe a transformao da fora de trabalho em mercadoria e a institucio-nalizao de um mercado de trabalho para a produo de todas as demais mercadorias (tudo o que produzido propositadamente para a troca) para a satisfao de todas as necessidades humanas, mate-riais e no-materiais. E significa que o fruto do trabalho dos vendedores da fora de trabalho no lhes pertence, mas sim ao seu comprador, proprietrio tambm dos outros meios de produo e/ou fatores da produo e/ou capital, isto , proprietrio da riqueza (terra, cincia, tecnologia, trabalho) a partir da qual so produzidas mais riquezas com o trabalho realizado pelo empregado e/ou assalariado e/ou pro-letrio em troca de um salrio que, evidentemente, no corresponde ao valor e preo das riquezas por ele produzidas. O trabalhador sempre produz mais do que recebe, isto , produz mais-valia, apropriada pelos proprietrios dos meios de produo e fonte principal de seus lucros.

    Nas sociedades capitalistas, a riqueza , sobretudo, produzida pelos proletrios empregados que constituem o mercado formal de trabalho, regulamentado por lei. Mas, isso no significa que a riqueza seja apenas produzida por eles. Pessoas que trabalham por conta prpria produzindo bens e/ou prestando servios para a troca, no vinculadas a um emprego, como tambm aqueles que tra-balham nas cooperativas, por exemplo, so produtoras de riqueza no mercado informal de trabalho, isto , no regulamentado. Por isso, no se pode confundir trabalho e emprego, mesmo porque, como veremos, a transformao da forma de organizao do processo de trabalho nas empresas, que teve incio nas ltimas dcadas do sculo passado, reduziu consideravelmente a oferta de empregos e tende a reduzi-la ainda mais mas a humanidade continua e continuar trabalhando, talvez at com mais intensidade, apesar do desenvolvimento cientfico e tecnolgico que permite aumentar muits-simo a produtividade do trabalho. E isso porque os homens no so somente seres de necessidades, mas so tambm seres criadores de novas e infinitas necessidades, cuja satisfao depender sempre de trabalho e no apenas do emprego.

    Os sculos XIX e XX foram marcados pelo assalariamento da grande massa de trabalhadores de todo o mundo industrializado e as relaes de trabalho foram juridicamente regulamentadas no Oci-dente (em alguns pases europeus j no final do sculo XIX e, no Brasil, com a Consolidao das Leis do Trabalho, em 1943), como conquista da luta empreendida pelo movimento sindical por melhores condies de trabalho, aumentos salariais e estabilidade no emprego. Os trabalhadores submeteram-se realidade do emprego como meio de sobrevivncia e de sustento de suas famlias por no disporem dos meios de produo, e submeteram-se s agruras por ele causadas, sobretudo agrura provocada pela ameaa constante de desemprego. Mas sempre reagiram inteligentemente s condies adversas de trabalho no emprego com movimentos reivindicatrios, obrigando as empresas a voltarem atrs em muitas de suas decises contrrias aos interesses imediatos dos trabalhadores, continuando assim a obter a sua colaborao, da qual elas sempre dependeram.

    Nas trs ltimas dcadas do sculo passado, o desenvolvimento cientfico e tecnolgico permitiu o avano da internacionalizao da economia de mercado, provocando profundas transformaes eco-nmicas, polticas, sociais e culturais de dimenses mundiais e, ao mesmo tempo, a transformao do processo de produo nas sociedades industrializadas, com a inaugurao de uma nova lgica organi-

  • 11|Trabalho ou emprego?

    zacional do mundo do trabalho. Tem incio, ento, o processo de reestruturao produtiva que aumen-ta a produtividade do trabalho, barateia mercadorias, inunda os mercados de novos produtos, acirra a competio internacional, mas, em contrapartida, aprofunda a desigualdade entre regies, pases e continentes, dada a desigualdade na apropriao do conhecimento cientfico e tecnolgico.

    A reestruturao produtiva resulta da introduo de novas tecnologias de base microeletrnica (tecnologias de informao), conjugada introduo de novas tcnicas gerenciais do processo de tra-balho (toyotismo, just-in-time/kanban), cuja conseqncia imediata e mais importante a desestrutu-rao dos mercados de trabalho que se expressa no aumento crescente do desemprego e do mercado informal de trabalho, no desaparecimento de muitas ocupaes e surgimento de outras para as quais se exigem novas competncias profissionais, no estabelecimento de novas e precrias relaes de traba-lho (jornada parcial de trabalho, contrato temporrio de trabalho, banco de horas, terceirizao), enfim, num enorme sofrimento humano.

    Com efeito, a desestruturao dos mercados de trabalho desestrutura vidas e famlias inteiras, excluindo-as do mercado formal de trabalho e das possibilidades de obteno de renda. Os problemas sociais que da advm so de extrema gravidade (pobreza, misria, violncia) e enredam os governos em quebra-cabeas de difcil soluo no curto e mdio prazo.

    O que fazer? Resistir reestruturao produtiva e perder competitividade no mercado interna-cional? Aceit-la e submeter-se passivamente a um verdadeiro massacre? Eis o desafio a ser enfrentado por trabalhadores, capitalistas e governos que necessariamente devero envolver-se e empenhar-se em negociaes articuladas bem sucedidas para evitar uma convulso social e para minimizar o sofrimento da grande maioria da populao mundial. Ressalte-se que do sucesso dessas negociaes dependem a manuteno e o desenvolvimento do prprio regime capitalista de produo, pois, sem empregados e/ou consumidores, a mais-valia no pode ser extrada e realizada, o que significa dizer que os lucros das empresas no se realizam e seu capital no se reproduz. Se os empregos diminuem em todas as partes do mundo, no haver consumidores suficientes para as mercadorias produzidas em larga escala, razo pela qual os interessados na manuteno do regime capitalista de produo devero empenhar-se na ampliao de outras alternativas de obteno de renda para a massa dos trabalhadores para alm da gerao de empregos. Por isso, possvel alimentar a esperana de que uma amenizao do problema do desemprego h de ser encontrada, entendendo-se esse perodo como perodo de transio para uma sociedade melhor e mais justa.

    Alm do mais, se ao longo dos sculos XIX e XX, os trabalhadores sempre reagiram inteligente-mente s condies adversas de trabalho e de vida que lhes eram impostas e obtiveram sucesso em muitas de suas reivindicaes, h razes para crer que tambm agora sabero reagir inteligentemente s novas condies e transform-las para garantir o respeito sua dignidade.

    A Sociologia do Trabalho nos fornece os subsdios tericos e metodolgicos para a compreenso das transformaes do mundo do trabalho e suas conseqncias sociais, e, portanto, para a compreen-so da nossa prpria situao, como tambm das nossas possibilidades, no mercado de trabalho e na vida, primeiro passo para o despertar do desenvolvimento da conscincia poltica, ou para o desenvol-vimento da imaginao sociolgica que nos permite compreender a histria e a biografia e as rela-es entre ambas, dentro da sociedade, como nos ensina Wright Mills (MILLS, 1965, p.12).

  • 12 | Sociologia do Trabalho

    Texto complementar

    Os sentidos do trabalho(ANTUNES, 2006)

    Por uma noo ampliada de classe trabalhadora

    .... Sabemos que Marx (muitas vezes com a colaborao de Engels) utilizou como sinnimos a noo de proletariado, classe trabalhadora e assalariados, como se pode notar, por exemplo, no Manifesto Comunista. Mas tambm enfatizou muitas vezes, especialmente em O Capital, que o proletariado era essencialmente constitudo pelos produtores de mais-valia, que vivenciavam as condies dadas pela subsuno real do trabalho ao capital. Nesse nosso desenho analtico, procuraremos manter essa distino, ainda que de modo no rgido: usaremos proletariado industrial para indicar aqueles que criam diretamente mais-valia e participam diretamente do pro-cesso de valorizao do capital, e utilizaremos a noo de classe trabalhadora ou classe-que-vive-do-trabalho para englobar tanto o proletariado industrial, como o conjunto dos assalariados que vendem a sua fora de trabalho (e, naturalmente, os que esto desempregados, pela vigncia da lgica destrutiva do capital).

    Uma noo ampliada de classe trabalhadora inclui, ento, todos aqueles e aquelas que ven-dem sua fora de trabalho em troca de salrio, incorporando, alm do proletariado industrial, dos assalariados do setor de servios, tambm o proletariado rural, que vende sua fora de trabalho para o capital. Essa noo incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, o novo proletariado dos McDonalds, os trabalhadores hifenizados de que falou Beynon, os traba-lhadores terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas de que falou Juan Jos Castillo, os trabalhadores assalariados da chamada economia informal, que muitas vezes so indiretamente subordinados ao capital, alm dos trabalhadores desempregados expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturao do capital e que hipertrofiam o exrcito industrial de reserva, na fase de expanso do desemprego estrutural.

    A classe trabalhadora hoje exclui, naturalmente, os gestores do capital, seus altos funcion-rios, que detm papel de controle no processo de trabalho, de valorizao e reproduo do capi-tal no interior das empresas e que recebem rendimentos elevados (BERNARDO, 1991, p. 202) ou ainda aqueles que, de posse de um capital acumulado, vivem da especulao e dos juros. Exclui tambm, em nosso entendimento, os pequenos empresrios, a pequena burguesia urbana e rural proprietria.

    Compreender contemporaneamente a classe-que-vive-do-trabalho desse modo ampliado, como sinnimo da classe trabalhadora, permite reconhecer que o mundo do trabalho vem sofrendo mutaes importantes.

  • 13|Trabalho ou emprego?

    Atividades1. Antes de voc ter lido este captulo, como considerava o trabalho? E agora, como o considera?

    Escreva sobre isso.

    2. Se voc trabalha numa empresa, voc tem como nica finalidade receber um salrio que lhe permita sobreviver?

    3. Estudar significa trabalhar? Por qu?

    4. Em sua opinio, o trabalho pode ser instrumento de felicidade? Por qu?

  • 14 | Sociologia do Trabalho