10. rachel sztajn - teoria jurídica da empresa - cap. 10

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  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

    1/31

    Rachel Sztajn

    Teoria Juriclica

    da mpresa

    Ati

    vidade Empresaria e Mercad©s

    EDITORA ATLAS S .A.

    Rua Conselheiro Naas, 1384 (Campos Elisios)

    01203-904 Sao Paulo (SP)

    Tel.: (0_ _11) 3357-9144 (PABX)

    www.atlasnet.com.br

    SAO PAULO

    EDITORA ATLAS S.A. — 2004

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

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    EORIA JiRibICA DA EMPRESA

    da? Em que medida a sociabilidade tern poder para induzir a re-

    negociacio de operacees economicas?

    Se o novo Cddigo moderniza as relacOes entre particulares,

    abandona o individualismo que caracteriza o ordenamento de

    1916 para abracar a solidariedade entre pessoas, é de esperar

    que favorecera modelos tendentes a harmonizacho das relacOes

    negociais que atendam aos interesses dos agentes econOmicos e

    facilitem processos de engenharia negocial.

    Se assim for, ter-se-a avancado nab so no cam po social, mas

    tambem no econO mico, o que, em U ltima instAncia, beneficiar

    y

     a

    todos.

    Mercados

    A primeira questäo a ser abordada tern que ver corn a no-

    cdo ou definicao de mercados, sua importancia para o desenvol-

    vimento das atividades econOmicas, sua estruturacho e discipli-

    na, e como podem contribuir para otimizar a circulacdo de

    riquezas.

    Atividades econOm icas podem ser exercidas individual e ar-

    tesanalmente ou de forma organizada sob o regime de empresa.

    Ao comercialista o mercado e a empresa sempre interessaram,

    seja no que concerne a regulacho do mercado, sobretudo quando

    o comercio adquire importancia social, ultrapassando o interesse

    dos mercadores, seja no que se refere a continuidade da pratica

    de certos atos negociais que se ve como atividade. Galgano diz

    que o conceito de empresa entra para o mundo do direito no

    principio do seculo XIX, com o COdigo frances de 1808, portan-

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    TEORIA .RARD CA. DA EMPRESA

    MERCADOS 

    3

    to, antes mesmo que a economia se empenhasse em elaborar seu

    conceito de empresa.'

    A forte transformacdo experimentada pelas atividades co-

    merciais que, alem de serem desenvolvidas espacialmente, por

    forga do aumento do volume de operacties negociais, dificulta a

    aplicacdo das normas de direito comum que tinham por escopo

    roger negecios pontuais. Entretanto a essa organizaedo, a empre-

    sa, que desponta corn vigor em face da enorme transformacdo

    das atividades negociais, baseadas no comercio. E que, ao lado

    d o aum ento do ntimero de operaceies, o crescimento da base geo-

    grafica em que se processam imp5e pensar disciplina estrategi-

    ca e logistica operacional. No piano juridico, a mesma conjuga-

    can

    de aumento de operagOes em que a repetiedo do modelo

    negocial se espalha e padroniza tambêm demanda regras dife-

    rentes das previstas para negacios similares contabeis e atuariais.

    A

    intensidade do trafico negocial imposto pela industrializacdo

    incipiente requer regras que contemplem ndo apenas a velocida-

    de corn que as operacOes sdo realizadas, mas, sobretudo, a repeti-

    eão de padrties e a necessidade de novos instrumentos que refli-

    tam as mudancas no

    -processo negocial Aqui a liberdade de

    contratar, em suas manifestacties - liberdade de modelar o con-

    tett& do contrato e liberdade de forma -, impoe, ao contrario

    do que se suporia, simplificacdo crescente dos procedimentos.

    Segundo L ibonati,

    2  sobre a certeza do direito se prefere a certe-

    za do trafico, que, com freqiiencia, se faz entre pracas distantes

    tendo como objeto da troca mercadorias nem sempre existentes.

    Mercados, segundo muitos, levam a que se produzam os

    bens na qualidade e quantidade correspondentes

    a

    demanda

    existente. Mercados livres aparecem, portanto, como condiedo

    objetiva necessaria para a producdo e circulacdo de bens - mer-

    1 FRANCESCO, Galgano.

    Lex mercatoria. II Mulino Universale Paper-

    backs,

    1976. p. 193.

    2 _ Op. cit p 7.

    cadorias e servicos existentes, atuais ou em processo, para sa-

    tisfacdo de necessidades, corn o que se cria bem-estar e se pro-

    duz riqueza.

    Rapidamente, o processo de producdo supera o da circula-

    cdo das mercadorias, e a atividade vai aos poucos sendo organi-

    zada, tanto a de producdo quanto a de distributed° e comerciali-

    zacdo dos bens que sdo reconhecidos como atividade e rid° mais

    simples atos isolados. Essa a raid() pela qual Galgano diz que a

    empresa deixa de ser uma categoria do sistema de trocas e passa

    a ser categoria da producdo. Nem por outra razão a empresa fi-

    gura como atividade produtiva no cOdigo civil italiano de 1942,

    mediante a substituiedo do conceito de comerciante pelo de em-

    presario. Referida substituiedo tinha dupla tuned(); de urn lado

    acentua o aspecto socialmente util da atividade sobre o especu-

    lativo; de outro o conceito precisa ser funcional para atender as

    exigencias de uma economia controlada, de sorte que se deter-

    minassem os agentes sobre os quais o controle seria exercido. 0

    legislador reconhecia que o empresario criava riqueza, mas sua

    acdo era exercida no vacuo deixado pelo direito positivo.

    Entretanto, as criticas do professor de Bolonha avancam

    porque considera que a concepedo classica da empresa era redu-

    cionista, negando a sociedade em que a producdo se torna pro-

    pulsora da economia. Afirma que a reducdo se dava duplamente:

    de urn lado ern relacdo a empresa isoladamente considerada

    porque

    y

    e no empresario o tinico produtor, enquanto emprega-

    dos e outros colaboradores, como instrumentos; de outro em sua

    relacdo corn a comunidade, a sociedade, ao negar a contribuiedo

    de toda a sociedade para a criacdo das condicees para a produ-

    cdo e formacdo do lucro. Por isso a exigencia de nova concepedo

    para a empresa em que se reavaliasse a organizacdo complexiva

    do sistema econOmico.3

     

    ex mercatoria,

    op cit p 201

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    24

     

    EOFtIAJURIDICA DA EMPRESA

    25

    Essa a linha a ser, ainda uma vez, perseguida, uma vez que

    exercicio de atividade econOrnica para a producào e circulacao

    de bens implica exercer atividade de empresa sobre a qual deve

    recair o complexo de normas originarias que, ml como as volta-

    das para disciplinar o exercicio do comercio, sat) destacadas das

    de direito comum em virtude da especificidade da atividade e de

    sua importancia para a sociedade. Tal como a regulacão do co-

    rnercio vinha referida a atividade de intermediacao na circulacao

    da riqueza mobilidria, a atividade econOmica voltada para a pro-

    ducat) e circulacao de bens e servicos em mercados é organizada

    sob forma de empresa. Crucial, por isso, nao apenas considerar

    ernpresas as atividades anteriormente classificadas no quadro da

    mercancia, mas buscar enquadrar atividades agricolas e intelec-

    tuais no quadro geral da empresa de forma a harmonizar, no

    que se refere a producao para mercados, todas as atividades eco-

    n6micas. Enfatiza-se o exercicio organizado de atividades inte-

    lectuais por conta da rapida transformacao da economia que, no

    entender de muitos, se encaminha para uma era pas-industrial,

    isto é, quando o setor terciario (servicos) tende a suplantar a in-

    &stria, e naquela, a producao intelectual e mais perceptivel.

    Atividades agricolas ou rurais, aqui englobadas tanto a

    plantacao e/ou extracao agricola, quanto a criacao de animais,

    tradicionalmente sac, consideradas nao mercantis em virtude da

    estreita ligacao corn a propriedade imobiliaria. Essa concepcao

    vem sendo posta em cheque por vérias razO es. D e urn lado a im-

    portancia da propriedade imobiliaria rural como representacao

    da riqueza se esmaece diante da exploracao econOmica das areas

    rurais em que a produtividade tern grande importancia (a fun-

    cao social da propriedade aparece, nesse aspecto, como element°

    fundante de ordens de desapropriacao); de outro lado, a cres-

    cente integracao de procedimentos de transformacao da produ-

    cao agricola as unidades rurais, a fim de agregar valor aos pro-

    dutos, corn reflexos na organizacao econ6mica da atividade,

    torna mais ténue a distincao entre produtor rural e empresdrio.

    Igual fenOmeno pode ser divisado no que concerne a ativi-

    dades como a artistica, que, na Lei ri

    g  10.406/2002, parece reto-

    mar a idda do Regulamento IV 737/1950, cujo art. 19 definia

    como atividades mercantis entre as quais incluta diversOes ptibli-

    cas, portanto, cinema, teatro, circo e, por Obvio, quaisquer ou-

    tras manifestacOes do tipo surgidas posteriormente.

    Mas outras atividades intelectuais que configuram servicos,

    como, por exemplo, advocacia, medicina, odontologia, para ficar

    nas denominadas profissOes liberais, aparecem sob forma de es-

    crit6rios ou dinicas, em que os servicos sào oferecidos de modo

    permanente, continuado em mercados, para o que sdo organiza-

    das sob forma empresarial. Ainda uma vez a empresa apresen-

    ta-se como organizacdo para superar dificuldades tipicas de mer-

    cados. Entretanto, o COdigo Civil de 2002 nao considera essa

    realidade e mant6m classificacdo anacrOnica deixando fora do

    campo da em presa essas organizacOes.

    Pesquisa cientifica desenvolvida em e por laboratOrios tam-

    bem sat) organizadas segundo padrOes compativeis corn a em-

    presa. Enfim, boa parte das atividades econOmicas em que se

    contempla a distribuicao de bens — produtos ou servicos — em

    mercados requer organizacdo empresdria, seja para que se possa

    ter seguranca na circulacdo dos bens, seja pela certeza de que

    sera

    ° produzidos e entregues na forma avencada. Entretanto,

    sem mercados ativos produtores, distribuidores e consumidores

    poderdo enfrentar dificuldades, quer na transformac5o, quer na

    criacdo, distribuicdo e aquisicão de bens. Assim, convent estimu-

    lar ou nä° inibir a organizacao de mercados, de forma a permitir

    o acesso de quem quer os deseje pan consumir ou de quem pos-

    sa ofertar os mesmos ou outros produtos e/ou servicos.4

    A liberdade de mercado atende aos interesses de todos ao

    facilitar a oferta de bens e a concorrencia entre agentes e, por-

    4 Libonati, op. cit., diz que o problema do mercado d problema da em-

    presa e tambèrn do direito comercial, dados os interesses relevantes, difusos e

    individuais existentes. p. 18.

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     6

     EORIA JURiDICA DA EMPRESA

    tanto, o increment° do bem-estar social. Essa a nocao de livre

    iniciativa,

    possibilidade de participar dos mercados, ou de qual-

    quer mercado ou de urn dado mercado. A itnportancia de merca-

    dos, velha conhecida dos comerciantes, surge corn as feiras me-

    dievais, atraindo, logo a seguir, a atencao dos governantes;

    nova, entretanto, é, para Libonati, a visa° de que mercados defi-

    ners os Hittites da licitude de iniciativa econ8rnica.5

    Pode-se ver nessa definicao de licitude da iniciativa ecorsh-

    mica forma de substituicao do antigo controle exercido pelas

    corporaches de oficio, que, em larga medida, controlavam o

    mercado pela imposicao de barreiras a entrada. E que artifices

    ou artesaos que nao tivessem passado pelo processo de aprendi-

    zado, o que significa ligacao corn algum mestre e alguma cor-

    p oracao, teriam dificuldades para oferecer os produtos ern mer-

    cados.

    Algumas das denominadas falhas de mercado tern origem

    nessas praticas que impediam a atomizacao da oferta e, portan-

    to, se afastavam do modelo de concorrencia perfeita. Falhas de

    mercado e condutas abusivas sao danosas por comprometerem a

    concorrencia e devem ser coibidas.

    Deste ponto de vista a liberdade de iniciativa, a concorren-

    cia Leal, a disciplina dos mercados pelo poder ptiblico fica justifi-

    cada. Para garantir a livre iniciativa, a liberdade de acesso aos

    mercados, o legislador brasileiro de 1988 (art. 170 da Constitui-

    cho da Reptiblica) cuidou de valorizar a concorrencia e o respei-

    to ao trabalho, a dignidade individual Corn isso se defende o

    sistema de competicao operacional, porque a liberalizacao da

    economia em tempo de globalizacao tern na concorrencia forma

    de tutela dos mercados.

    De outro lado, a ampliacao geografica dos mercados presa

    a

    busca de econornias de escala tende a fazer coin que os opera-

    5 p. cit. p. 19.

    dores ecorrnmicos se associem para atender a demanda, nern

    sempre sob forma societaria. Estruturas associativas diferentes,

    unidades operacionalmente authnomas que, ao longo da cadeia

    produtiva, se ligam umas as outras sac a nova realidade do uni-

    verso mercantil ou empresarial.

    A preocupagao corn a reducdo de custos e aperfeicoamento

    dos bens postos nos mercados, a especializacao, pesquisa de no-

    vos bens ou de novas tecnologias sao outros fatores que alteram

    o perfil associativo dos produtores, tudo visando a criar rique-

    zas. Muda a organizacao da producao, que se faz sob forma em-

    presarial. Atividade, considerada como uma seqiiencia ordenada

    de atos coordenados — estrutural ou funcionalmente — destina-

    .

    dos a fim determinado, deve ser enfrentada, como suporte fad-

    co, nao mais ern face dos atos considerados isoladarnente, mas

    da seqiiencia, e do momento organizacional que, do ponto de

    vista hierarquico, permite

    Empresas e mercados sao instituiches ou institutos que es-

    tao na fronteira entre direito e economia, objeto de estudos de

    ambas as disciplinas, em que se nota pouca, quase nenhuma,

    aproximacdo, conhecimento ou divulgacdo das doutrinas desen-

    volvidas e aceitas ern cada uma delas pela outra. Talvez apenas

    os filiados e estudiosos de

    law and economics ou de

    law, econo-

    mics and organizations

    estabelecam a ponte entre os dois campos

    de investigacao. Animador é que a discussao que se concentrava

    em algumas universidades norte-americanas tenha cruzado o

    Atlantic° Norte e se note que juristas da Europa continental ve-

    nham dedicando esforcos a tal desenvolvimento. Aponte-se que

    essa falta de comunicacao entre as duas areas de conhecimento

    nos sistemas juridicos de base roman-germanica foi causa de

    pouca produtividade nas investigaches que, se levadas a cabo ern

    conjunto, poderiam ter alcancado soluches mais interessantes e

    promissoras no sentido de entender e, portanto, avaliar e disci-

    plinar muitas das aches dos operadores ecorrnmicos.

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    EORIA ./LIREDICA DA EIMPRESA

    DOS

     

    9

    Estabelecer vinculos mais estreitos entre direito e economia

    oferece, aos juristas, perspectivas novas de enfrentamento de

    questOes relevantes no Ambito do Direito Comercial. Tomando

    come potato intern a disciplina dos mercados e das empresas,

    passando por contratos empresariais, o esquema de andlise tern

    como centro institutos juridicos em que o conteudo patrimonial

    e intenso. Igualmente, em primeiro tempo nao se discutirdo as-

    pectos eticos ou valorativos da atividade, considerando que a

    producdo e circulacao da riqueza tem como perspectiva a cria-

    cao de mais riquezas, nao sua distribuicao.

    Partir daqueles institutos, encarando-os de Optica outra que

    a juridica, permite ao estudioso, sem abandonar os principios in-

    formadores e regentes de sua disciplina, alargar horizontes. Para

    tanto e importante que o jurista nao se assuste pela aparente

    simplicidade probatOria de que se servem os economistas e que

    advern do use da maternatica de forma constante. E preciso en-

    contrar o fio condutor do raciocinio econOmico e manter a liga-

    c5o dos fatosi tal como encontrados no mundo, em sua concretu-

    de, corn o direito como ciencia do dever-ser. Ver o direito

    comercial como o direito dos mercados e atividades econOmicas

    organizadas aparece como a nova forma de investigacäo desse

    ramo do direito privado e, ainda que mercados e empresas, nes-

    sa perspectiva multidisciplinar, sejam estruturas pouco explora-

    das, sua importAncia é largamente reconhecida.

    Como o direito e sistema aberto, e influenciado pelo meio

    que o produz, e nao pode ignorar que a atuacao dos agentes

    econOmicos, criando para si novas formas de relacionamento,

    devem ser captadas pelo ordenamento para que se tenha segu-

    ranca quanto a eflcacia dos efeitos daquelas normas privadas,

    alem dos limites intersubjetivos imediatos ou diretos.

    Por isso, tanto a disciplina dos mercados quanto aquela das

    empresas e jurisdicizada. Outros institutos, sem os quais merca-

    dos e empresas nao existiriam, são a propriedade privada e os

    contratos. Contratos facilitam a circulacão da propriedade; em-

    presas organizam a producao para os mercados e estes tornam

    eficiente a troca econ6mica. Tais relacEies sac) expressivas em re-

    gimes capitalistas, como é o vigente no pais. Ambos, mercados e

    empresas, interessam ao desenvolvimento da atividade econOmi-

    ca quer por particulares quer pelo Estado, quando interfere na

    atividade econOmica como produtor, e interessam a comunidade

    por serem fontes de criacao de riquezas resultado da facilidade

    de circulacäo dos bens na sociedade.

    Mercados abertos, livres, interessam ao direito, mas ga-

    nham especial relevo no piano do direito privado porque e neles

    que se desenvolvem atividades econOmicas, notadamente a troca

    econiamica, promovida entre e por particulares. Necessario, por-

    tanto, compreender a disciplina juridica dos mercados, usualmen-

    te vistos como instituicdo social que emerge naturalmente das

    relacOes econ8micas. S6 depois de captar a funcao e os proble-

    mas criados em e por operacOes em mercados é que se podem

    compreender as razoes que levam a organizacao de empresas. E

    entao responder a pergunta fundamental que e: se mercados tor-

    nam mais eficientes as trocas econOmicas, se alocam os bens da

    meihor forma possive1,

    6  por que sao criadas empresas? Partindo

    da organizacäo e disciplina dos mercados, pode-se entender me-

    lhor a raid° da prâtica de serem criadas empresas.

     

    Claro que preciso partir de uma atribuicao micial da pro-

    priedade sobre bens a que se soma a possibilidade da transferén-

    cia dessa titularidade, porque nao é funcão dos mercados nem

    atribuir propriedade sobre bens, nem disciplinar contratos que

    facilitem sua circulacdo. Essas tarefas cabem ao Direito, nada

    6 Diz-se 6timo de Pareto.

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    EORIA ]URIDICA DA EMPRESA

    obstante tanto o direito de propriedade' quanto os contratos in-

    teressem ao funcionamento dos mercados na medida em que a

    circulacdo da propriedade, legal e regularmente, se cid mediante

    a celebracdo de contratos.

    Regulacdo e Mercado

    7 Propriedade é relacdo juridica entre pessoas, sujeitos de direito e

    bens que se caracteriza como poder para excluir da apropriacä'o ou apreensdo

    daqueles bens quaisquer terceiros. A tutela juridica garante o proprietario con-

    tra a expropriae5o injustificada de seus bens. D iz-se neg6cio juridico de atribui-

    cab patrimonial o que tern como resultado o aumento do patrim6nio ativo de

    uma pessoa que decorre da aquisichn da propriedade, de contrato on outro ato

    de disposicdo ou desoneracdo do bem. Efeito juridico que se diz aumento patri-

    monial aparece na forma aquisitiva de urn direito, na desoneracdo de obriga-

    cdo ou de garantia prestada, na disponibilidade material sobre bens de tercei-

    ros, como a posse, o uso, no desaparecimento de restricdo a qualquer incidente

    sobre bens. A transferencia da propriedade, do direito exclusivo sobre bens,

    provem de ato de disposicdo praticado pelo titular e tern, como fato juridico

    subjacente, urn titulo. Contratos sac) tftulos que permitem a transferencia ou

    atribuiedo patrimonial entre diferentes panes ern rata

    ° de neg6cio juridico ce-

    lebrado. Sem contratos que regulassem a circulacdo da riqueza, seria necessa-

    rio idear outro instrumento que produzisse os mesmos efeitos do contrato. Por

    isse, propriedade e contrato podem ser relacionados a atividade econOmica ern

    geral. Sem contratos, possivelmente a troca econO mica seria menos eficiente,

    dificultando a satisfacAo de necessidades humanas, a producão, o consumo.

    Atribuicäo de propriedade e de competencia do sistema juridico, tido como

    pressuposto pelos economistas quando pensam em titularidade sobre bens.

    Natalino Irti entende que as palavras

    pesso

    e

    mercado

    nao sac) palavras inocentes, impondo-se ao jurista o dever de,

    dentro no quadro normativo, tratar de enquadra-las, o que im-

    plica compreender que uma, a pessoa, e considerada como ente

    unitdrio e identico, princfpio e fim de qualquer experiencia; a

    outra, mercado, como lugar primitivo e espontaneo, que se rege

    por si, e que gera a maior satisfacdo das necessidades humanas.'

    Que as duas palavras representam valores pr6prios da etica e da

    economia, cabendo ao Direito reconhecer e proteger seja a dig-

    nidade humana, seja o mercado.

    Mas, afirma o jurista, o direito nä° reconhece a unidade da

    pessoa porque escolhe e tutela interesses; a disciplina juridica

    responde a conflitos de interesses que tenham relevancia em sua

    1 Persona e mercato. Rivista di diritto civile.

    Padua: Casa Editrice Dott.

    Antonio Milani, 1995. Ano 41,

    ri9 3, p. 289.

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    EORIA JURIDICA DA EMPRESA

    detenninacao e especificidade. Tampouco o mercado a urn

    l ocus

    natural, diz, é sim urn

    loc us art i f ic ial is ,

    urn sistema de relacOes

    regido pelo Direito; logo, ciao a instituto originario, a instituto

    constituido pelo Direito.

    A apropriacao das palavras

    pessoa

    e

    mercado

    pelo orde-

    namento a fajta mediante selecdO dos interesses considerados

    merecedores, ou nä°, de tutela e pela construcao artificial do

    mercado, que é sempre, pars o jurista italiano, uma organizacao

    artificial construida pela escolha fundada em decisào politica.2

    A afirrnativa de Irti pode ser transposta para o Brasil funda-

    da no art. 170 da Constituicao de 1988, que garanre a liberdade

    de iniciativa econOmica. Nas palavras de Irti, l iberdade de inicia-

    tiva nao a apenas a liberdade de promover, ou nao, atividade in-

    dustrial, comercial ou financeira, mas significa tambein liberda-

    de de acesso, liberdade de entrat em card) ramo de atividade

    Several, de compeer com outros pelo que a liberdade de inicia-

    tiva se liga diretamente a concorrencia.

    Irti entende, adattais, que e preciso abandoilar a visab fun-

    cionalitta ou teoria funcionalista da athpre8a, ja qua o direito de

    ernpreSa aparece conlo diseiplina da viabilidade e nao como dis-

    clestinacao da atividade SegtindO interesses do Estado,

    porque nao se tobtrolam os fins perseguidos pela enwresas

    os atoS econenlaitos singulares; o direito de empresa dispbe sobre

    regra, forma's a modalidades

     

    xercielo da atividade econOini-

    ca; é, VottantO, direito dos instrumentos e nao dos fins.3

    Mercados livres sao instituicao prdpria e tfpica das econo-

    mias capitalistas ou, nas palavras de Natalino Irti, das economies

    capitalistas de mercado.

    4

     A estrutura desenhada pelos mercados

    2

    RTI, Persona e mercato. Op. cit. p. 290.

    3 Idem, ibidem. Op. cit. p. 292.

    4

    l dibattito sull'Ordine giuridico del mercato.

    Laterza, p. 7 ss.

    REGULACAO E

     

    3

    facilita a troca econOmica e sua multiplicidade, de forma que se

    ganha em eficiencia, dado que as denominadas "forcas de mer-

    cado" induzem a

    competicao entre agentes, isto é, estimularn a

    concorrencia entre pessoas na busca de satisfazerem a suas ne-

    cessidades.

    Possivel pensar-se em mercados como instituicOes socioeco-

    nOmicas; Instituicao, do &Lino latino

    instituere, que se traduz

    por fundar, ordenar, regular, a palavra que denota a intencao de

    quem a usa de chamar a atencao para uma das funceies, talvez a

    mais relevance, dos mercados: a de ordenar on regular a troca

    econemica, tornar eficiente a circulacao dos bens na economia.

    Ao facilitar a circulacao da riqueza, a partir de uma dada e pre-

    via atribuicao de propriedade, que resulta das normas jundicas,

    mercados, ao tomarem o sistema de trocas mais eficiente, per-

    mitem melhorar a alocacao da riqueza, vale dizer, melhorar a

    distribuicao dos bens disponiveis entre agentes econOmicos.

    Dizer mais eficiente nao quer dizer que a redistribuicao dos

    bens via mercados seja mais justa ou que faca justica distributi-

    va, mas apenas significa que os bens, ao circularem entre pes-

    soas, sat) transferidos para as que lhes atribuem maior valor,

    (entenda-se valor de troca), com o que se aumenta seu grau de

    satisfacao ou de bem-estar. Ou seja, se A valoriza o bem mais do

    que B, seu titular esta disposto a dar a B alguma coisa que este

    prefira aquela. Corn isso a troca econOmica aumenta a satisfacao

    de ambos, A e B, que passam a ter o bem que mais lhes interessa.

    Para o direito, a discussao quanto a natureza juridica de

    mercados é recente, dando a impressao de que a uma criacdo

    dos modernos economistas. Nada mais enganoso, porque a ori-

    gem dos mercados pode ser retrotrafda a Idade Media, as feiras.

    Indisputado que mercados ganham maior visibidade ap6s a Re-

    volucao Industrial porque a producao em massa leva a distribui-

    cao massiva dos bens produzidos seriadamente. Essa é uma ex-

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

    9/31

    plicacdo para que a analise dos mercados passasse a atrair a

    atencäo dos estudiosos; mercados tornam-se importantes a me-

    dida que permitem divisar solucOes inovadoras para problemas

    cornplexos de producao e distribuicão de bens.

    A existéncia de mercados na Idade Mediae facilmente de-

    monstrada, uma vez que, com o instituicdo econO mica e social, se

    destinaram a preencher necessidades relativas a circulapo de

    bens, funcâo que interessa, e sempre interessou, aos agentes

    econOrnicos. Carecessem de importancia no trafico negocial, fos-

    sem dispense's/Ms ao desenvolvimento das relacties econOmicas,

    ou näo teriam surgido ou n"ao teriam perdurado e ganho a im-

    porfancia e a pujanca que tern.

    Na verdade, a compreensão do funcionamento dos merca-

    dos constituia a base de estudo da economia neoclassica. Isso

    talvez explique a nocflo de que mercados sdo instituicOes recen-

    tes e talvez, tambein por isso, uma certa demonizacao dos mer-

    cados por alguns setores da sociedade denominados progressis-

    tas ou socialistas.

    A identificacäo de mercados como resultante de ordem so-

    cial natural e espontanea, como se pudessem desenvolver-se sem

    qualquer intervencdo normativa, na concepcdo de muitos econo-

    mistas, nao reflete a visäo de cientistas politicos e juristas. Pre-

    tender menos liberdade, menos mercado e, portanto, mais inter-

    vericao do Estado nem sempre leva a melhor distribuicdo da

    riqueza.

    Na medida em que se entenda mercado como uma institui-

    câo que vise a criar incentivos, reduzir incertezas, facilitar opera-

    goes entre pessoas, fica clara a ideia de que mercados aumentam

    a prosperidade e, portanto, o bem-estar geral. Intervenceies em

    mercados podem ser tanto reguladoras quanto moderadoras do

    conjunto de operacties neles realizadas. Aquelas sdo interven-

    cOes disciplinadoras de certos mercados, estas as destinadas a

    corrigir desvios que comprometem o funcionamento do mercado.

    Se, entretanto, o mercado t ido for do tipo concorrencia per-

    feita, as falhas devem ser corrigidas. M uitas sao as possibilidades

    de falhas de mercado, como, por exemplo, assimetria de infor-

    mac ao, externalidades, displicencia, acOes culposas. Mas, dizem

    os economistas, antes mesmo de se pensar em falhas de merca-

    do, ou ate mesmo falar-se em mercados, sem normas que os mo-

    delem, faltam parametros ou paradigmas que permitam perce-

    ber tais desvios.

    Tambem nä° se deve supor que mercados livres servem

    para que a distribuicao da riqueza seja junta ou socialmente ade-

    quada. Essa visa°, talvez, resulte da confusiio, inadmissivel, en-

    tre a discipline juridica dos mercados e politicas sociais, a circu-

    laciio de bens em mercados corn a distribuicilo de riqueza.

    Politicas sociais podem apoiar-se em mercados, mas Mao se reali-

    zarn por intermedio daqueles mercados organizados corn funda-

    mento na livre iniciativa; resultam de outra forma de organiza-

    ca'o. Possivel, mediante politicas ptiblicas que tenham por escopo

    a inclusão de pessoas no que tange a certos bens da economia,

    ampliar o contingente dos que tern acesso aos bens da economia

    em mercados organizados.

    Duas correntes doutrindrias distintas pretendem explicar a

    estrutura dos mercados: de urn lado, estdo os que os veem como

    produto do modelo politico vigente no seculo XVIII, do

    lais-

    sez-faire,

    aos quais se opeem os que afirmam serem produto de

    normas. Qualquer que seja a vertente esposada, convern com-

    preender como se estruturam e funcionam mercados para satis-

    facao das necessidades individuais. Para Irti,

    s

     mercados resultam

    de escolhas politicas acolhidas pelo ordenamento, visào essa que

    combina, em larga medida, as duas correntes citadas.

    1\l'ao fossem mercados instituiciies importantes para as so-

    ciedades por que seriam objeto de discussoes, analises e discus-

    5

     

    t dibattito. Op. cit. p.

    7

    ss.

    REGULACAO E MERCADO

     

    5

    4

     

    EORIA JURIDICA DA EMPRESA

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    36

     

    EORIA JBRIDKCA DA EMPRESA

    REGLLACAO E ME

    0

     

    7

    saes acirradas, seja por juristas, seja por economistas, por que a

    preocupacdo em definir regras ou regulamentos impostos pelo

    Estado? A continuidade, a manutencao de qualquer instituicão

    social depende do beneficio, reconhecido pela comunidade, que

    possa gerar. 0 beneficio pode tanto ser econOmico, quanto assis-

    tencial, de seguranca ou defesa mittuas, qualquer bem que a co-

    munidade valorize, respeite, observe como desejavel, sem o que

    a instituicao ou se transforma, ou desaparece. Isso talvez expli-

    que a noclio de que mercados seriam produto espontãneo das re-

    lacOes sociais, que surgem segundo a ordem natural das coisas e,

    por isso, extra ou metajuridico.

    Cientistas politicos e juristas, entretanto, partem da nocao

    de que sem normas a sociedade seria caOtica, e a inseguranca

    gerada nas relaciies entre pessoas as levaria a destruicao. Lem-

    bre-se que Hobbes considerava a competicào, a desconfianca e a

    reputacdo elementos disruptivos da convivOncia social. Por isso a

    importancia das normas na disciplina dos mercados.

    Ora, sempre que os agentes econOmicos buscam formal de

    satisfazer a suas necessidades, a sociedade trata de encontrar

    instrumentos que tornern seguras, garantidas, no sentido de exi-

    gibilidade de cumprimento, as relacees fruto de avencas entre

    eles. Provavel que a concepcdo de mercado como local especffico

    ou ideal decorre de se atribuir as feiras medievais sua origem.

    Toma-las como referencia histOrica significa atrelar mercados a

    alguns fatos: (a) multiplicidade de pessoas nos dois p6los da re-

    lacdo negocial — permuta ou compra e venda; (b) interesse dos

    participantes na possibilidade de escolher produtos oriundos de

    diferentes artesdos; (c) fungibilidade dos bens, ao menos parcial,

    corn o que se comeca a definir mercado.6

    6 Talvez o maior beneficio do mercado seja a aproximacâo de muitas

    pessoas ao mesmo tempo, de forma que se amplifica o nUmero de operacOes

    (consultas) entre elas.

    Significa, tambem, lembrar que ha repeticão de mesmos ne-

    gOcios juridicos tipicos que recaem sobre bens similares ou ate

    mesmo fungiveis, que precisam da seguranca que a previsibilida-

    de do cumprimento das obrigacOes confere as panes.

    Organizadas para facilitar a venda/compra de produtos, as

    feiras medievais atrafam para as cidades em que eram realizadas

    comerciantes, banqueiros, artistas, compradores e vendedores,

    enfim, pessoas que para ali se dirigiam em busca da diversao

    oferecida. A ordem era garantida pelos senhores feudais, que,

    em troca da seguranca, cobravam taxas ou impostos. Esse con-

    junto de fatores — oferta de produtos, diversao e seguranca — é

    suficiente para que pessoas que dispOem de bens excedentes a

    seu consumo ou que prestem servicos comparecam as feiras, cer-

    tas de que naqueles locais encontrariam outras pessoas que de-

    sejavam satisfazer a necessidades.

    Realizando-se em diferentes cidades, cada uma sujeita

    jurisdicdo do soberano, a diversidade de regras aplicaveis aos

    mesmos atos ou neg6cios era considerada entrave ao desenvol-

    vimento do comercio, raid° pela qual os mercadores van desen-

    volvendo urn corpo de normas costumeiras, emanadas das cor-

    poracOes por eles organizadas, nth) do poder do principe em

    cada cidade. Aos comerciantes sempre foi cara a seguranca

    quanto ao conhecimento das normas aplicaveis a seus neg6cios

    que se repetiam igualmente nas diferentes pracas.7

    Fruto da atividade dos mercadores, as normas por eles de-

    senhadas sdo aplicaveis a uma classe de neg6cios; exercidas por

    certos sujeitos, destinavam-se a dirimir questOes em que tail ne-

    gOcios fossem materia da controversia. As questOes eram sub-

    metidas a Tribunais de Comercio, especializados e distintos das

    7 IRTI, Natalino.

    Codice c iv i le e so cietd pol i t ica.

    Laterza: Biblioteca di

    Cultura Modena, 1995. p. 42.

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

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    38

     

    EORIA JURIDICA DA EMPRESA

    jurisdicOes locals, que aplicavam as normas costumeiras unifor-

    memente.8

    Sobre mercados, o legislador brasileiro de 1850 tinha bem

    clara a nocao de que não se trata de local, espaco Elsie° que defi-

    ne o mercado, como ainda tinha precisa noctio da importáncia

    das normas costumeiras em seu disciplinamento. Veja-se o art.

    32 do COdigo Comercial: "Praca do comercio é nio so o local,

    mas tambdrrt a reunião dos comerciantes, capitâes e mestres de

    navios, corretores e mais pessoas empregadas no comercio. (...)

    0 regulamento das pracas de comercio marcara tudo quanto res-

    peita a policia interna das mesmas prac

    as e mais objeros a elas

    concernentes.

    Ao mesmo tempo em que as feiras medievais comecavam a

    definir mercados, novos produtos ou bens eram, igualmente, cria-

    dos pclas pessoas. Na Inglaterra feudal surgiu um mercado de

    direitos sobre terras, areas agricolas porque os senhores feudais

    tinham poder para outorgar direito vitalicio de exploracdo de

    suas terras a terceiros. Ora, como qualquer capitalista que se

    preocupa corn a qualidade da mao-de-obra contratada, o senhor

    feudal tinha interesse em saber quern trabalhava suas terras por-

    que auferia renda corn isso, razâo pela qual se reservava o poder

    de transferir o direito para outro explorador sempre que ficasse

    insatisfeito corn a produtividade do antecessor.

    A importância do

    exercicio dense direito explica-se porque a produtividade das

    areas era fonte de renda do proprietario, o senhor feudal e, no

    interesse de maximizar o valor da propriedade fundidria d que se

    desenvolve o processo de transferéncia das cesseies do direito de

    exploracdo da terra, corn o que se cria um verdadeiro "mercado

    REGULACAO E MERCADO

     

    9

    de terras , corn caracteristicas prOprias na Inglaterra, que apart-

    ce na divisao do direito de propriedade em estratos diferentes.

    Fsses contratos sobre terras constituiam obrigacdo pessoal

    exigivel pelo senhor feudal, o qual cobrava tans pela transferen-

    cia (circulacao) dos direitos que sobre elas exerciam os que ne-

    las exerciam atividades. Essas taxas sobre cessdes de direito de

    exploracao da terra assemelhavam-se as incidentes sobre cessao

    de areas objeto de enfiteuse. 0 mercado de cessdes de direitos

    vitalicios sobre terras perde importancia quando desaparece o

    direito a exploracdo vitalicia, mas, enquanto existiu, criaram-se

    instrumentos contratuais para tutela dessas operacties. Ve-se,

    pois, que bens podem definir mercados.

    Atualmente, fruto do avanco tecnolOgico, associado a rapi-

    dez no transporte, o local fisico em que se processam as trocas

    se torna menos importante, razao pela qual se prefere destacar a

    repeticao das relacdes que se apresentam uniformemente, que se

    reproduzem em massa. Embora a concepcäo de mercado como

    espaco geografico nä° desapareca de todo, uma ml nocao do ins-

    tituto presa a dimensäo espacial merece criticas porque nâo con-

    sidera as regras que sac) insitas aos mercados e se atem

    a

    multi-

    plicidade de agentes, fornecedores e adquirentes, presentes em

    local determinado no qual os precos dos bens se formam de

    modo transparente. Tambem deixa de lado a regularidade e a li-

    citude/ilicitude das operacdes neles engendradas pelos agentes.

    Para os economistas é claro que as pessoas precisam de in-

    centivos para negociar, comprar, vender, investir, buscar empre-

    go, sendo basicas as necessidades humanas de alimento, abrigo,

    protecao, de que decorre a demanda por moeda, poder e rique-

    8 Para Francesco Galgano (Op. cit. p. 9), "la stone del diritto cornmen

    ciale e la stone di un particolare modo di crease diritto, la storia del 'particolaris-

    mo' the ha contraddistinto la regolazione nonnative dei rapporti con-truer-clan,

    rendondola diverse della regolazione normative di ogni okra specie di rapporti

    sociali .

    9 GIORGIO, Oppo.

    Principi,

    explica que a telemdtica, o comercio ele-

    trOnico, impOe novos principios a materia cambidria ao se refletir sobre proce-

    dimento de circulacdo dos tindos de massa (valores mobiliatios como, por exem-

    plo, Kees escriturais, cuja transferencia se faz m ediante registro escritural), ou

    novos meios de comunicacao e troca que aparecem no comercio eletrOnico.

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

    12/31

    za. Argumentam que mercados e concorrencia acentuam a am-

    pliacdo das iniciarivas dos agentes econOmicos na busca de efi-

    ciancia e eficdcia. Dizem que trabalhadores serdo estimulados a

    empregar todas as suas aptidOes na procura tie melhores oportu-

    nidades para aumentar a renda e influencia na sociedade corn o

    que a alocacdo da forca de trabaiho torna-se mais eficiente.

    Liberdade de pensamento, experimentacdo, associacdo, ten-

    tar, ousar combinacOes novas e incomuns, pesquisar, trocar in-

    formacties, escoiher seu campo de atuacdo profissional e perse-

    guir os preprios interesses aumentam a criatividade. Porem, é

    preciso ressaltar, todas essas liberdades atuam em contextos em

    que haja ordem, em que necessidades basicas sejam garantidas,

    e que e preciso haver protecdo da competicdo para que os incen-

    tives atuem plenamente. Sem garantia de direitos de proprieda-

    de e sem garantias de cumprimento de contratos nao havers

    operacties econ8micas regulares, pacificas Liberdade de contra-

    tar, liberdade para dispor da propriedade, liberdade para decidir

    sao marcos fundamentals em qualquer economia de mercado.

    Restriceies a qualquer dessas liberdades decorrem de decis'Oes

    politicas e, muitas vezes, nao sao efetivas por dificuldade de ul-

    trapassar barreiras criadas pelas instituicees sociais

    Portanto, mercado implica ordem e liberdade. Equivoco é

    pensar que mercados, organizacOes ou instituicOes socials para

    alguns, estruturas ou superestruturas para outros, surgem es-

    pontanea ou naturalmente nas sociedades, que Sao simples cons-

    trucOes voluntaristas dos agentes econemicos. Ao criticar essa

    posicho, Natalino Irti explica que, ausente o sistema normative,

    os mercados nao prosperam, pois mercado e a norma que o dis-

    ciplina e constitui.' No mesmo sentido de Irti manifesta-se Cass

    10 IRTI, Natalino.

    L'ordine giuridico del mercato.

    Laterza, 1998. p. 12;

    em La

    cultura...

    (Op. cit. p. 44), explica que

    l'economia si giuridifica

    proprio

    perche lo State diviene ordinatore di essa (il mercato costruito, non tanto dalla

    naturalita degli interessi, quanto dall'artificialita delle regole): cioe — (...) si

    le-

    gifica

    all'esterno del codice .

    R. Sunstein quando afirma que e preciso entender mercados

    como construcâo juridica que se avalia segundo sua aptidão para

    promover interesses humanos, e nao como fruto da natureza ou

    de uma ordem natural, ou mesmo como forma de promover a

    interacão voluntaria."

    Mais, diz que mercados sac, resultado de forma especial de

    intervencao do Estado no dominio econeunico pelo que as in-

    ter-relacOes promovidas pelos e em mercados incluem uma certa

    coercdo, assim como a escolha voluntaria. Normas que dispOem

    sobre o direito de propriedade explicam o processo de transfe-

    réncia de bens, de forma que os que desejarem coisas pertencen-

    tes a outrem nao se apropriem deles mediante acOes que, para o

    Direito, sao ilegais ou irregulares. A interacOo voluntaria que

    ocorreria, mesmo na auséncia de mercados, quando se faz dessa

    estrutura, propicia maior seguranca para as pessoas que deles

    participam e torna mais eficazes os resultados buscados.

    Mercados, em geral, promovem os objetivos basicos de uma

    ordem social, e qualquer ordem social que pretenda operar bem

    nao dispensa a organizacdo de mercados, afirma Sunstein. Mer-

    cados tendem a premiar as pessoas com base em elementos es-

    tranhos a moral e a justica; o que se nota e que mercados permi-

    tern que as pessoas desenvolvam as caracteristicas que se

    desejam, que se premiam. A teia de normas sociais que se cria

    em mercados precisa ser estudada no sentido de se aperfei-

    coa-las para que lido se tolham as liberdades individuals na deci-

    sae. Por isso é que as instituicties devem visar a diminuicao de

    riscos de abuso de poder, seja do governo, seja de particulares.

    Mercados transparentes Sao aqueles em que, do comporta-

    mento dos participantes, e possivel extrair informacOes claras,

    em que a assimetria nesse campo é reduzida porque facilitam a

    11Free markets and social justice.

    Oxford University Press, 1997. p. 5.

    RE GU L A CA O F MF.RCA D O

     

    1

     

    E O R I A

    JU

    R I D I C A D A E M P R E S A

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    comparacao entre bens e precos. Corn isso, as decisOes sera() me-

    bores. Mas 6 preciso que haja normas juridicas e instituiciies so-

    ciais para que se atinjam os beneficios do processo de maneira

    eficaz.

    Econonhas capitalistas privilegiam mercados sobre outras

    formas de estimulo a troca econO mica, visto que trocas l ivremen-

    te ajustadas sera° eficientes e, portanto, sob essa perspectiva,

    mercados promovem e facilitam a circulacao dos bens na econo-

    mia de forma eficiente, como instrumentos que sao de estabili-

    dade e previsibilidade das operaceies econOmicas. Porque fruto

    da ordem juridica e nä° de leis naturais que sao comprovaveis

    mas nao podem ser modificadas a que interessa ao operador do

    direito compreender os mecanismos de organizacdo de mercados.

    Troca econ8mica implica a distribuicao dos frutos da ativi-

    dade — especializnao, no caso de trabalho —, de forma que se

    mantenha corn eficiOncia a producao, garantindo a aproprinão

    dos ganhos resultantes da opernao. Pessoas racionais so fazem

    trocas se ou quando percebem a oportunidade de obterem al-

    gum beneficio (ganho). Caracteristica que se encontra em algtms

    mercados 6 a de permitirem a especulacao, corn o que se ampli-

    fica o grau de incerteza e de risco,

      2

     o qual deve ser minimizado

    para evitar que deciseies econOrnicas se aproximem de jogos de

    azar, meras apostas.

    Troca econehnica nao 6, necessariamente, negOcio juridico

    da compra e venda, mas qualquer negOcio em que a propriedade

    circule livre e voluntariamente entre pessoas. Equivale a aguish

    cáo de direito ou de posicao juridica anteriormente pertencente

    ou ocupada por outrem, tendo como contrapartida algum bem

    de titularidade do adquirente daquela posicao. Troca econOmica

    contrato, acordo em que as partes ajustam a permuta de urn

    12 Diferem incerteza de risco porque esta nao admite previsno, enquan-

    to o risco pode ser estimado.

    bem por outro. E urn

    qu id pro

    quo, que pode aparecer como

    do

    ut des, do ut fac ias,

    ou

    facia ut des.

    Para que a troca econOmica ocorra exigem-se dois requisi-

    tos: (a) o direito de propriedade e definido; (b) as partes agem

    no exercicio de sua autonomia negocial, quer dizer, os limites

    sao fixados pela liberdade para contratar. Liberdade de troca e

    livre circulacâo dos bens produzidos em mercados abertos sac)

    germanas.

    Dado que mercados refletem multiplicidade de relaches de

    troca econOmica, promovem a circulacao eficiente da riqueza,

    nao se estranha que mercados estejam, originariamente, ancora-

    dos em rein

     

    6es entre particulares. Atualmente, a disciplina dos

    mercados se aplica a operadores econOmicos pUblicos ou priva-

    dos, mas nem por isso se afasta do Direito Comercial.

    Admitido que as feiras medievais, ao facilitar a organiznao

    dos comerciantes, ao mesmo tempo que deram origem

    a

    nocao

    de mercado, ligaram-no ao direito dos mercadores. Talvez por

    isso se compreenda quem diga ser o atual direito comercial urn

    direito dos mercados e, tambem por isso, se possa entender que

    o salto do conceito de comerciante para o de empresdrio venha,

    ele tambem, formulado por comercialistas; eventual dificuldade

    em imaginar a empresa fora do campo do direito comercial pode

    estar ligada a historicidade.

    Mercados sao estruturas relevantes quando agentes econO-

    micos tomam decishes sobre producao, pois a liberdade de mer-

    cado corresponde a liberdade de iniciativa econOrnica, possibili-

    dade de oferecer a prOpria forca de trabalho nos mercados.

    Interesse social 6 uma das razeies que justificam a promocao das

    trocas eficientes porque isto aumenta o bem-estar das pessoas.

    A troca e eficiente sempre que pessoas (partes) podem

    comparar diferentes alternativas disponiveis e referidas aquele

    determinado bem ou substitutos razoavelmente similares a fim

    REGUIACAO E MERCADO

     

    3

    2

     

    EORIA JUIODICA DA EMPRESA

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    BEI:MACAO F MERGAUO

     

    5

    4

     

    EORIA JUR1DICA DA EMPRESA

    de optar pela que Dies parecer mentor. A eficiencia depende

    tambein de informacdo que deve ser igualmente disponivel para

    todos as participantes daquele mercado e nao apenas entre par-

    ses relacionadas. A eficiencia é avaliada pelo padrao proposto

    por Vilfredo Pareto, segundo o qual o resultado da operacdo é

    eficiente quando, numa troca ou serie de trocas, uma das pes-

    soas flea melhor, aumenta seu bem-estar, sem que qualquer ou-

    tra fique pior, apeis a troca, do que estava antes dela.°

    Critica-se o padrao de medida de eficiencia conhecido como

    &into the Pareto,

    que é considerado pouco real em virtude da di-

    ficuldade de aumentar o bem-estar de uma pessoa sem que qual-

    quer outra perca alguma coisa no processo de circulacao ou alo-

    cacao dos bens. Entretanto, como modelo tecirico e para efeito

    de raciocinio, o Otimo de Pareto tern alguns meritos, particular-

    mente o de facilitar analises de situaceles reais para detectar fa-

    lhas na estrutura ou no comportamento dos agentes.

    Nao se deve, porem, estruturar o sistema juridico sobre o

    principio paretiano, uma vez que as pessoas nao estdo em posh

    Ca° simetrica nem avaliam igualmente o respectivo bem-estar.

    Escolher normas voltadas para o bem-estar individual significa

    optar por aquelas que contemplem o bem-estar geral concomi-

    tantemente. Imagine-se que, aceita a norma A, que independe

    do bem-estar das pessoas, sobre a B, que afeta algumas delas, to-

    das, em verdade, ficardo piores do que antes. Seria insensato op-

    tar por essa alternativa. 0 modelo de compensaciies te6ricas

    proposto por Kaldor-Hicks, em que os que se beneficiam corn-

    pensariam os que perdem, e mais aderente as realidades sociais.

    Dizer troca econiamica nao significa dizer que o suporte le-

    gal daquele negOcio juridico seja a operacao de compra e venda.

    13 KAPLOW, Louis; SHAVELL, Steven. The conflict between notions of

    fairness and the Pareto Principle. American Law And Economics Review, v. 1, n'

    1 e 2, p. 65, Fall 1999: Under the Pareto Principle, if every person is better off

    under one policy then under another, the former is deemed to be socially preferable.

    HA troca econOmica quando a propriedade circular ou seja,

    quando ha aquisicao de direito ou de posicao juridica anterior-

    mente pertencente ou ocupada por outrem. Para isso a confianca

    fundamental e cabe ao sistema juridico garantir que os acordos

    sejam respeitados, cumpridos, que as pessoas nao se furtem das

    obrigacOes assumidas.

    Liberdade de troca, de circulacão dos bens em mercados

    abertos, em que sac) tomadas decisOes de producito/aquisicdo

    pelos agentes econOmicos, liga liberdade de mercado a liberdade

    de iniciativa econOmica, al inclulda a possibilidade de oferecer a

    pr6pria forca de trabalho no mercado. Como a circulacao da ri-

    queza se reflete no bem-estar individual, essas liberdades pren-

    dem-se ao regular funcionamento de mercados. Por isso a rele-

    vancia da discussao da ordem juridica dos mercados, uma vez

    que, se mercados fornecem informacOes, as desigualdades entre

    sujeitos que neles atuam sao causas de assimetrias informacio-

    nais, o que requer a intervencao do Estado no dominio econOmi-

    co, inicialmente feita corn mecanismos de controle de mercados

    e em seguida com a busca de reducão de riscos ou incentivos a

    certas pessoas ou setores da atividade econOmica.

    A alocacao e a circulacao dos direitos de propriedade me-

    diante mecanismos de mercado se faz quando ha percepcao de

    gerar, corn isso, aumento de valor dos bens negociados. Em lin-

    guagem econOmica, diz-se que, havendo eficiencia alocativa, os

    bens tendem a migrar dos usos menos eficientes para os mais

    eficientes, sào transferidos para quem os valorize mais, uma vez

    que as pessoas estao dispostas a oferecer valores mais elevados

    (bens ou dinheiro), para obter aquilo que desejam, assim como

    nao aceitam ofertas quando recaem sobre bens que desejam ou

    prezam.

    Afirma-se que, inexistindo barreiras legais ou estrategicas

    que impecam ou dificultem a negociacao de bens ou interesses

    sobre bens, a alocacdo dos recursos econOrnicos sera, usando os

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

    15/31

    mecanismos de mercado, sempre eficiente. Disso se infere que,

    presentes certas condicOes, os comportamentos das pessoas que

    agem para maximizar satisfacao faräo corn que o agregado de

    resultados seja (Pareto) eficiente, conforme afirmava Adam

    Smith corn sua

    macs invisivel.

    A concepcdo comum de mercado como toms ideal em que

    oferta (conjunto de produtores) e demanda (conjunto de consu-

    midores ou adquirentes) se encontram, como produto natural da

    organizacao social, e ja criticada. Do ponto de vista geografico,

    mercados podem ser classificados em locals, distritais, munici-

    pals, estaduais, regionais, nacionais e internacionais.

    Outra classificacdo leva em conta os bens negociados; ou-

    tra, ainda, a existencia de multiplicidade ou ndo de agentes, pelo

    que sdo ditos concorrenciais — de concorrencia perfeita ou de*

    concorrencia monopolista ou ndo, subdivididos em: monopo-

    lista se composto de Mile° ofertante; se composto de dois ofer-

    tantes, e chztmado de duopOlio; se de poucos ofertantes, e deno-

    minado de oligopOlio. Do lado dos adquirentes, classificam-se

    em monopsO nios e oligopsOnios quando he urn so ou poucos de-

    rnandantes, respectivamente. Alem dessas formas estruturais, al-

    guns mercados sao dims cartelizados, resultados de acordos en-

    tre produtores de certo bem.

    0 modelo ideal de mercado, o de concorrencia perfeita,

    raro, mas, como todo modelo teOrico, tern o to de permitir

    observar falhas dos mercados existentes e indicar procedimentos

    para corrigi-las. Como ha nos sistemas de mercado empresas

    grandes, medias e pequenas, notando-se que, em geral, as meno-

    res concorrem entre si mais do que as grandes mas costumam

    14 Natalino Irti (Persona e mercato. Rivista

    di Diritto Civile,

    ano 41, nY

    3, p. 289, mag./giug. 1995) critica a nocao de que mercados sejam locals di-

    zendo:

    Mop primitivo e spontaneo, the si regola da se e da se genera la pit: alta

    soddisfctzione dei bisogni umani .

    depender das maiores, que figuram com o fornecedoras, franquea-

    doras, concedentes e, por vezes, distribuidoras de seus produtos,

    harmonizar a disputa, impedir que as pequenas e medias sucum-

    barn diante de gigantes demanda atuacào do direito, notada-

    mente o concorrencial. Claro que as pessoas podem reduzir in-

    certezas empregando estrategias individuais, o que passa pela

    celebracao de contratos.

    Economistas dizem ser eficiente o mercado quando as pes-

    soas podem informar-se sobre produtos, quantidades, qualidade,

    e ent'do o "preco" formado livremente espelha o embate entre

    oferta e demanda. Mercados livres, atomizados e concorrenciais,

    ou de concorrencia perfeita, em que a barganha entre ofertantes

    e adquirentes é comum, sat) o modelo ideal para a troca

    mica. Por serem atomizados, dificultam aumentos arbitriirios de

    precos, manipulacdo da oferta e, segundo a teoria econOmica,

    promovem o bem-estar social; portanto, ha que estimull-los.

    Mercados concorrenciais interessam as sociedades, uma vez

    que a disputa entre os participantes que atuam no lado da pro-

    ducão estimula a diversificacdo da oferta de bens e servicos sem

    reduCao das quantidades, aumentando as opciies disponiveis

    para o consumidor sem elevar o preco dos bens.

    A competicao entre agentes econOmicos em mercados con-

    correnciais mantthn precos em patamares prOximos ao custo

    marginal de producao, reduz ou inibe transferencias de renda de

    consumidores para produtores. A legislacao conformadora dos

    mercados visa, corn a disciplina da concorrencia, impedir a for-

    maga° de estruturas dotadas de poder que, atuando em merca-

    do, seja causa de distorcâo da formacdo de precos, o que pode

    ser feito, por exemplo, alterando a oferta, ou praticando atos

    que ponham em risco a competichio. Exige-se dos agentes corn-

    portamentos caracterizados por um tipo de conduta especifica

    que servem para promover a justica social.

    Ndo se trata de questionar eventual ilicitude da conduta ou

    de contraste corn o principio geral de liberdade de iniciativa,

    RE GD IA U ÄO F. ME RCA D O

     

    7

    46

     

    E O R I A J U R I D I C A D A E M P R E S A

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

    16/31

    mas de apurar quantitativamente o efeito da conduta sobre a

    concorrencia ou as desvantagens que possam ser impostas a co-

    letividade. E interessante que mercados promovam, em regime

    de liberdade, a troca voluntaria entre pessoas porque nesse siste-

    ma interesses individuais podem ser mais facilmente satisfeitos.

    Natalino Irti chama a aterkao para a jurisdicizacdo do mer-

    cado, explicando que, ao decompor os diferentes interesses nele

    existentes, aparecem os institutos juridicos que para ele, merca-

    do, convergem. Mercado é urn sistema de relacees regido pelo

    direito,

    insomma, non un istituto

    originario

    e spontaneo,

    ma

    Isti-

    tuto giuridico. II mercato non e trovato, ma costituito dal diritto.'

    Wao apenas Sunstein, que se baseia em aspectos sociolOgi-

    cos e humanistas dos mercados, mas outros estudiosos enten-

    dem não se poder prescindir, em sua organizac5o, de normas ju-

    ridicas. Douglas North, Ronald Coase e Oliver Williamson, por

    exemplo, admitem a hipOtese de combinar, na modelagem de

    mercados, normas sociais ou institucionais com as juridicas.

    Undnimes juristas e economistas sabre dependerem a existencia

    e a eficiencia dos mercados do regime politico vigente.

    Qual é, no piano juridico, a ordem do mercado? Para Irti, a

    reiteraclo dos comportamentos é que permite avaliar, calcular o

    futuro, pois as pessoas confiam umas no agir das outras. 0 juris-

    ta italiano, entretanto, alerta para o fato de ser dificil, quando

    nào impossivel, supor regularidade e previsibilidade quando os

    desenhos e necessidades säo mutiveis.16

    15 IRTI, Natalino. Persona e mercato. Op. cit. p. 290.

    16 Idem, ibidem. p. 5. "Ma

    come introdurre regolarita e prevedibilitez in

    uno

    spazio,

    the appare dominato da bisogni e desiden dei singoli, dal mutevole ri-

    velarsi e comporsi degli interessi individuali? La regolarita, costitutiva dell'ordine,

    implica sempre it superarnento dell'individualita; la prevedibilita comporta sempre

    un vincolo vicendevole, sicchá sia data

    a

    ciascuna parte di conoscere ii f uturo e di

    confidare nell'azione altrui.

    Mercados s5o m odelados pelo direito e, se a isso se denomi-

    na constituicdo da institukao, nenhuma critica ha de ser feita.

    Entretanto, se por constituicdo se entender criacao, mercados

    nao säo criatura do direito, mas de agentes econemicos. Discipli-

    nar mercados, ordena-los, impedir, restringir acesso de pessoas e

    produtos depende de normas legais ou institucionais, e estas sào

    criac5o umas do direito, outras da sociedade.

    Sabre ser espontaneo o aparecimento de mercados, é in-

    conteste que sac) obra do agir human, agir racional que

    ye a

    possibilidade de criar beneflcios, utilidades, riqueza, usando a

    estrutura, a teia de relacOes que se estabelece nos mercados.

    Informacdo é um dos bens, um dos produtos, que surge das ope-

    racOes em mercados, talvez urn dos mais relevantes, mesmo que

    nä° possa ser objeto de negociacdo naquele mercado. Uma das

    informacOes produzidas nos mercados e o preco dos bens neles

    negociados.

    0 preco futuro de qualquer bem formado em mercado

    aberto contem a expectativa de compradores e vendedores sobre

    fatores que, na data futura, podem incidir, ou nào, sobre o valor

    (preco) do bem naquela oportunidade. Essa a uma das informa-

    cOes que se obtem em mercados, impossfvel ou de dificil obten-

    cdo, se as operacOes forem realizadas fora do mercado.

    Mesmo que nem todos os agentes tenham igual informacdo

    ou que, por caracteristicas pessoais, processem os dados de for-

    ma diferente, demonstra-se, por intermedio de analise empirica,

    que em certos mercados acompanhar o comportamento de al-

    guns agentes produz HO

    5es ou informacees importantes sobre a

    expectativa de mudanca de preco do bem nele negociado.

    Em mercados especializados, por exemplo, precos sao for-

    mados, incorporando a volatilidade das informacees disponiveis

    para os agentes que neles negociam. Essa volatilidade causada

    por imperfeicOes das microestruturas do mercado provoca efei-

    REGULACAO E MERCADO

     

    9

    48

     

    E

    ORIA JURIDICA DA EMPRESA

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

    17/31

    tos de curio prazo que podem atingir a liquidez. Outras vezes, a

    relacho entre liquidez e volatilidade deriva de operacOes que vi-

    sam fomentar aquela, quando se justifica a intervencdo regula-

    dora.

    Mercados eficientes dispOem de formas de recolher e difun-

    dir informacOes que levem a determinacho do prey:). A eficiencia

    do sisterna de informacOes é um dos fatores que compOem os

    custos de transacclo.

    A concorrencia entre participantes dos mer-

    cados a outro fator que interessa a formacao de precos e

    c u s t o s

    de transacdo.

    No que diz respeito a concorréncia em mercados,

    seja para foments-la, seja para impedir manifestacães de poder

    econernico que deformem a estrutura do mercado, indispensavel

    a regulacäo.

    Se mercados tem origem nas feiras medievais, fad' com-

    preender por que sempre foram estruturas regradas. Feiras eram

    organizadas segundo disciplina consuetudinaria; negOcios nelas

    realizados, de que participassem mercadores, sujeitavam-se a

    conjunto de regras emanadas da ordem privada dos mercadores,

    das corporacOes de oficio. Desde esse period°, percebe-se que a

    disciplina dos mercados tinha, no minim, funcho de protege-los,

    de restringir ou ordenar a concorréncia. Participar do mercado

    dependia de o mercador estar inscrito na corporacdo, quer dizer,

    ter autorizacho para mercadejar naquela praca.

    Essas normas consuetudindrias Sao a origem remota do di-

    reito comercial que n'ho é direito do comercio nem ordenador de

    todas as atividades econOm icas, mas se restringe a reger relacties

    econOm icas especiais, as relacties mercantis. As feiras deram ori-

    gem a um especifico conjunto de normas cuja prioridade era dis-

    por, uniformemente, sobre as relacOes nelas consumadas, qual-

    quer que fosse a praca em que ocorressem.

    Ousaria dizer que, mais do que atos, as normas mercantis,

    pelo substrato econOmico que informa a atividade, tinham dois

    objetivos, alvos ou enderecos: de urn lado, a defesa dos merca-

    dos que se fazia, restringindo o acesso do lado da oferta, uma re-

    serva de "mercado" e a rutela do credito, fundamental para o

    funcionamento dos mercados; de outro, as relacties entre sujei-

    tos objetos dessa preferencia no acesso — mercadores — e os de-

    mais — compradores ern geral. Aqui, o particularismo do direito

    comercial, sua dupla face privada e pUblica. A respeito do parti-

    cularismo do direito comercial, diz G algano que

    la sua

    valutazio-

    ne storica

    valutazione

    storica del economicismo nel diritto, ed

    particolarismo del diritto cornmerciale delle origini fu solo un as-

    petto di quel generale ̀ economicistno

     

    della borghesia medioevale .

    Sem normas, legais ou institucionais, mercados nä° serho

    eficientes, nao atenderao aos interesses dos agentes econOmicos,

    demonstrando que a nocâo de Adam Smith da "Mao invisivel"

    baseada no egoism() das pessoas que, por si, ajustaria a oferta

    demanda estava equivocada. Regulacho a instrumento legal para

    ordenar mercados, manifestada por via reguladora das ativida-

    des econe•micas.

    Desde a organizacão das formas de producao e distribuicho

    dos bens e servicos ate as relacOes de consumo, todas as etapas

    da "cadeia produtiva" sào objetos de normas que representam

    intenrencao do Estado no dom inio econeimico, sem assumir o pa-

    pel de produtor. A mais evidente forma dessa intenrencao esta

    na regulacão de setores da atividade: financeiro, securitario,

    transportes ptiblicos. Outra, menos evidente, em normas relati-

    vas ao meio ambiente, poluicho e controle de emissdo de poluen-

    tes, seguranca do trabalho e molestias profissionais; rotulagem

    de produtos que contenham organismos geneticamente modifi-

    cados.

    Por interferir diretamente sobre materia econOmica — orga-

    nizacho da producào, sua oferta nos mercados —, a literatura en-

    17 GALGANO, Francesco.

    Storia...

    Op. cit. p. 13.

    REGITACAO E

    MERCADO

     

    1

    0

     

    EORIA JUSICA Ilk ENIPRESA

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    EORIA JURADICA DA FMPRESA

    REGULACAO E MERCADO

     

    3

    contrada nesse campo e, majoritariamente, produto de estudos

    econemices. NegOcios celebrados em mercados tern contend°

    econOmico, que, quando produzem efeitos juridicos, interessam

    ao operador que busca, no ordenamento, instituto que o agasa-

    Ihe. 0 principal deles e o contrato de compra e venda, a que se

    adicionam outros modeles de origem mais recente.

    Mote-se que a doutrina europela dedica-se ao estudo dos

    mercados e da regulacao de atividades em mercados de forma

    mais intensa, apes as privatizacOes em massa de services pnbli-

    cos, pois, antes delas, monopelios eram a regra em quase todos

    os paises europeus. Me se estranhava sequer a existencia de

    monopO lios privados, que mantinham a tradicao das outorgas ou

    autorizacOes reais para o exercicio de atividades econOm icas por

    particulares.

    Pes-privadzacOes, o panorama econO mico leva a significati-

    va guinada no piano juridic°, crescendo a discussao em torno de

    questOes de regulacdo de atividades, mesmo porque, reconheci-

    da a falencia do

    laissez-faire,

    da "mao invisivel", urge reduzir

    e.

    falhas dos mercados, porque comprometem o bem-estar das

    pessoas.

    Uma das funcO es de qualquer regulaCao, independentemen-

    te de como se justifique a regulacdo, é melhorar, aperfeicoar a

    vida em sociedade, que se mensura de vérias formas: uma delas

    é a relacao custo-beneficio, meramente econOmica, que deve ser

    analisada em ftincao dos beneficios para parcelas majoriterias da

    populaCao contra os custos impostor a todos ou a alguns Por

    exemplo: a reducao do tanner° de acidentes resultante tanto do

    controle de velocidade nas rodovias, quanto do aperfeicoamento

    dos sistemas de seguranca dos veiculos automotores; reducao de

    molestias por efeito do controle da emissdo de poluentes, do tra-

    tamento de efluentes, sao mensuraveis usando a proporcao entre

    o custo e a reducdo de despesas pnblicas corn terapéuticas cura-

    tivas.

    Interesse ptiblico ou escolha pnblica sae escolhas que bus-

    cam fundamentar a regulacao das atividades econOmicas ou, no

    minim°, de setores da economia. Diferentes tipos de argumentos

    econOmicos, como a maximizacdo da eficiOncia que, diante de

    monopelios, trata de encontrar mecanismos substitutivos da

    concorrOncia, e nao econ6micos que envolvem polfticas

    beneficios a consumidores de natureza social, a universalidade

    de services ptiblicos, tutela do meio ambiente.

    Necessario atentar, entretanto, para os fates denunciados

    por George J.

    Stigler. Critico da regulacao, forma de intervencao

    do Estado no dominio econOmico, Stigler diz que a freqfiOncia

    com que, em setores da economia regulados, e capturado o re-

    gulador corn o que se extraem da regulacdo beneficios setoriais

    ou individuais, como, por exemplo, a criacdo de barreiras a en-

    trada de novos produtores no setor, ou a imposicao de tabela-

    mento de precos, acaba por proteger os menos eficientes dos

    participantes daquela atividade, transferem-se para o restante da

    sociedade os custos que sfio o reverse das vantagens auferidas.

    Refere-se, evidentemente, a teoria da captura, conhecida antes

    dos estudos de Stigler sobre regulacdo econennica, os quais con-

    solidaram o que ja se conhecia das analises empiricas, que apon-

    tavam os perversos efeitos distributivos da regulacdo.18

    18 The theory of economic regulation.

    The Bell Journal

    of

    E c o n o mi c s

    and Management Science,

    American Telephone and Telegraph Company, v. 2,

    IV 1, p. 3-4, Spring 1971:

    Two main alternative views of regulation of industry

    are widely held. The first is that regulation is instituted primarily for the protec-

    tion and benefit of the public at large or some subclass of the public. (...) The se-

    cond view is essentially that the political process defies rational explanation: 'poli-

    tics' is an imponderable, a constantly and unpredictably shifting mixture forces of

    the most diverse nature, comprehending acts of great moral virtue (...) and

    of the

    most vulgar venality (...). (...) indeed the problem of regulation is the problem of

    discovering when and why an industry (or other group of likeminded people) is

    able to use the state for its purposes, or is singled out by the state to be used for

    alien purposes.

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    RE GU L A CA O F, ME RCA D O

     

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    4

     

    EOR IA JUR IDICA DA EMPR ESA

    Grupos organizados podem pressionar o regulador para ob-

    ter beneficios derivados da regulacao ou, inversamente, para

    nao ser onerados corn o custo de beneficios outorgados a outros

    grupos. 0 peso mono

    (deadweight losses)

    diminui a eficiencia da

    re gulacäo que, entretanto, deve estimular, nao dificultar o de-

    senvolvimento de novas tecnicas e tecnologias.

    Continuando o trabalho de Stigler em materia de regula-

    cao, Sam Peltzman'

     

    afirma que pode ser poderoso mecanismo

    redistributivista a medida que o que se barganha nos mercados

    politicos é uma transferencia de riqueza, mesmo que nao haja

    pagamentos em especie entre grupos. Conclui que ha ganhado-

    res e perdedores em todos os grupos, e vencem os que tern mais

    forca para extrair ganhos do processo regulador; por isso, sugere

    que se deixe a regulacao em segundo piano, passando-se para a

    desregulacao. Corn isso, o aspect() alocativo das rendas que po-

    dem ser auferidas com a captura do regulador tende a diminuir,

    dando espaco para a tutela do risco pUblico "

    19 Toward a more general theory of regulation.

    The Journal of

    L a w &

    Economics,

    The University of Chicago Law School, v. 19 (2), p. 211-240, Aug.

    1976.

    20 E. Michael Levine, em A reader

    on regulation:

    Oxford readings in so-

    cio-legal studies (O xford University Press, 1998. p. 131-147), considera trés al-

    temativas para a teoria econOmica da regulagdo: a da escolha pliblica

    ( pub l ic

    choice),

    que evolui para a do empreendimento politico; a dos mercados incom-

    pletos no piano politico, e a terceira, que denomina de Leviatà, que associa ao

    monopOlio do poder de coercao do Estado, exercido por pessoas que ocupam

    cargos pUblicos, o poder de explord-lo em seu beneficio. Empreendedor politi-

    co, diz, é a pessoa que inventa meio para alterar a estrutura indutora de esta-

    bilidade pela descoberta de como obter vantagens da regra fundamental da

    instabilidade que restingre arranjos institucionais impostos para gerar estabili-

    dade. A alternativa dos mercados incomp letos no piano politico afirma que al-

    guns eventos nä

    ° sdo passiveis de livre negociacáo e facilitam o subomo. M u-

    dangas informacionais tambem alteram estrategias politicas e, portanto,

    resultados. Entende-se que e preciso, em economia de livre mercado, justificar

    a regulacdo em face da intervencao na modelagem do mercado.

    Uma das formas de evitar negociacees que desestabilizem

    mercados ou que permitam a captura do agente regulador pode

    depender da independencia das autoridades (agencbs) regula-

    doras, cujo estatuto deveria prever a nao-demissibilidade

    ad

    TM-

    t urn

    de dirigentes (diretores). 0 fundamento é que o regulador

    deve dominar o setor que the cabe disciplinar; nao deve ter posi-

    car) politico-partidaria, a fim de que a administracao seja sofisti-

    cada em seus aspectos têcnicos e tecnolOgicos e seja eficiente.

    Isso contraria o argumento de Stigler quanto a dependencia dos

    reguladores da escolha politica (voto popular).

    0 que deve manter operadores do direito em permanente

    estado de atencdo e que, muitas vezes, o excess() de regulacdo,

    intervencdo do Estado, deixa de produzir efeitos na ordem priva-

    da. Quando a regulacdo impede os agentes de equilibrarem a re-

    lacdo custo/beneficio, o aplicador da lei encontra meios de tor-

    ne-la mais branda. 0 aumento do custo de producäo é repassado

    na cadeia e recai sobre o consumidor.

    Aos produtores e distribuidores de bens e servicos interessa

    garantir a continuidade de sua atividade e, para isso, necessitam

    de regras relativas a determinacdo do conteticlo contratual que

    favorecam essa necessidade. Por isso que as normal, nos contra-

    tos interempresariais, devem ser interpretadas tendo presente

    que as panes podem dispor de forma especifica quanto a seus

    interesses. Assim, a tutela do equilfbrio das prestacOes e do equi-

    librio normativo, de desenho do contetido negocial, ganha rele-

    vo nesse quadro.

    Outra questa° que interessa a regulacao tern relacäo com

    incerteza, risco e decisdo de produzir Produzir para mercados

    implica aceitar intimeros tipos de riscos, entre eles a incerteza

    sobre o que produzir, que bens ou servicos sdo desejados ou po-

    dem atender a necessidades atuais ou futuras. Para isso e preciso

    analisar duas grandes vertentes em que o risco se manifesta: a

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    P E O R I A J G R I D I C A D A E M P R E S A

     

    E G U I A C AO E M E R C A D O

     

    7

    em que o regulador considera a possibilidade de poten-

    dais catiatrofes decorrentes do emprego de produtos em que

    haja componentes cuja tecnologia ainda cause dtividas quanto a

    eventuais efeitos nocivos' e, portanto, a protecao das pessoas e

    do meio ambiente é importante, cabendo ao regulador rejeitar,

    desde logo, o recurso a tais tecnologias por conta da seguranca,

    aginclo preventivamente (é, por exemplo, o que se tern feito corn

    produtos geneticamente modificados, sobretudo alimentos), ou

    outras tutelas preventivas n

     ou inibidoras de atividades que pas-

    sam ter efeitos desconhecidos mas suspeitos.

    Sobre esse aspecto veja-se o debate na sociedade brasileira,

    diante da reducao da oferta de energia eletrica, sobre a possibili-

    dade de aumentä-la coin a construcao de usinas termoelétricas.

    Ha que sopesar o dano ambiental provocado por essas unidades

    coin o aumento de oferta e os beneficios sociais; trata-se de

    exemplo de risco ptiblico sobre o da indUstria.

    Argument) adicional em prol da regulacaTo aparece na ne-

    cessidade de tutela de grupos menos favorecidos na importancia

    I.

    da redistribuicdo. Flutuacees de precos em mercados sao fre-

    qilentes e derivam de intimeros fatores; a normalizacdo dessas

    ondas requer regulacOes eficientes que nao produzam custos

    acessOrios para que se possam redistribuir ganhos derivados de

    transferencias de renda entre setores da populacao.

    21 Produtos que contém organismos geneticamente modificados, medi-

    camentos ainda em fase de testes.

    22 Tony Prosser, em Law and the regulators (Oxford: Clarendon, 1997.

    p. 25), referindo-se intervencaO do poder pUblico em mercados:

    Where priva-

    te property is affected with

    a public interest, it ceases to be

    juris privati

    only; and

    in cases of its dedication to such a purpose as

    this, the owners cannot take arbi-

     

    ary and excessive dues, but the duties must be reasonable. (...) right of ferry are

    not only important to the party in whom they are vested, but are beneficial for the

    public interest. They impose on the parties possessing such rights

    a

    corresponding

    duty to accommodate the public, which private speculators, where their interests

    do not prompt them (...), are under no obligation to perform.

    A decisdo de investir na producao de bens ou servicos para

    ofertd-los em mercados sofre impactos da regulacao; os efeitos

    da disciplina nao recaem apenas sobre os agentes atuais, mas al-

    cancam potenciais entrances. Mercados muito regulados tendem

    a reduzir a entrada de novos produtores. No presence texto, a re-

    gulacao de mercados que interessa e a que se aplica a producao

    e distribuicao de bens e servicos, nao a que se aplica as relacOes

    de consumo.

    Normas de ordem pnblica, cogentes, devem ser editadas

    sempre que o interesse public) for superior ao dos agentes eco-

    nemicos em raid() do dano potencial que certas praticas podem

    causar

    a

    comunidade. HA mercados nos quail a convivencia das

    normas sociais e institucionais e perfeita, caracteristica de ser a

    instituicao mercado resultado de praticas comerciais, aproprian-

    do-se, por isso, da caracteristica de universalidade do direito co-

    mercial Como nem toda norma indutora de comportamentos so-

    ciais precisa emanar do Estado, e razoavel, em sociedades

    complexas, admitir que normas morais ou sociais, originadas do

    grupo que naquela comunidade é o centro de poder, sejam efica-

    zes. 0 que importa e que nao contrariem as normas produzidas

    pelo Estado.

    Muito antes da codificacao do direito comercial, os merca-

    dores haviam estabelecido regime de solidariedade dos sOcios

    pelas obrigacOes da sociedade, aquelas obrigaciies que decorri-

    am do exercicio em conjunto de atividade econOrnica. A funcao

    dessa norma era limitativa do risco assumido, a tutela do crecli-

    to, portanto, preventiva de eventos que pusessem em perigo

    todo o sistema que se estava construindo para fomentar o co-

    mercio. Nao diversa é a funcao que desempenham as normas

    institucionais, ao lado das de direito positivo na ordenacdo dos

    mercados modemos.

    Exercer atividade econOmica em mercados exige algum tipo

    de regramento, positivado ou nao. A transferencia do papel poli-

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

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    REGULACAO C MERCADO

     

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    EORIA AMID GA DA EMPRESA

    tico, antes exercido pela nobreza, para a burguesia urbana in-

    fluiu na transformacdo do direito, particularmente no que inte-

    ressa ao desenvolvimento do comercio, pois que categorias

    juridicas sao reflexo das sociedades a que se aplicam e discipli-

    flan Por isso, a organizacat dos mercados, regidos por normas,

    estruturados de forma a promover a convivencia entre agentes

    econermicos — produtores e adquirentes de bens e services —, par-

    te de relacOes entre iguais, como se surgisse naturalmente delas.

    Combatendo a ideia de que mercados sdo instituicees natu-

    rals, Ira afirma que sdo desenhados artificialmente pela arte do

    legislador.

    2 3

     Embora isso se aplique inquestionavelmente as ne-

    gociacOes entre membros da U na() Europeia, ou a outros merca-

    dos regionais em formacdo, a instituicao social mercado aparece

    come estrutura criada para atender a necessidades humanas,

    mas sempre disciplinada; a disciplina initial fazia-se mediante

    normas sociais, morals ou eticas; atualmente, mediante normas

    juridicas, sem que se fuja do sistema de positivacäo de muitas

    instituicOes e institutos socialmente desenvolvidos ou tipificados.

    Duas ordens de regras, as legais, positivadas, e as costumei-

    ras, podem bem atuar associadas, desde que as Oltimas se apli-

    quem supletivamente, no que couber e quando compativeis corn

    o ordenamento positive. Usos e costumes geram normas validas

    para os grupos aos quail se aplicam, modelando comportamen-

    tos que sae aprovados, ou desaprovados pelo grupo, quando säo

    impostas sancees informais.

    Para que agentes econOmicos decidam produzir e sobre o

    que produzir, devem-se assegurar a existencia e o desenvolvimen-

    to de mercados; a liberdade de iniciativa econOmica e corolerio

    da liberdade de mercados, liberdade de oferecer a pr6pria forca

    de trabalho, bens de producao e recursos financeiros em merca-

    23 p. cit. p. 13.

    dos. Certo que mercados nao devem ser subtraidos do connote

    do Estado, do poder coercitivo que as normas juridicas tern. E

    preciso ter respostas rapidas, legais ou institucionais para coibir

    ou punir os desvios, mesmo aqueles ainda riao legalmente tipifi-

    cados.

    Por exemplo, as normas que disciplinam acOes anticoncor-

    renciais, abuso de poder em mercado relevante,

      dever de infor-

    mar, responsabilidade pela informacdo falsa, punicdo por ofere-

    cer produtos objetos de contrafacão sae todas normas de

    producdo legislativa. Normas juridicas, ademais, coibem certos

    mercados, embora possam satisfazer a preferéncias individuals,

    quando considerados perversos, nefastos para a coletividade.

    Incluem-se aqui os mercados de drogas, como heroina, cocaina,

    maconha, de armas, de bebidas alcoOlicas, sobretudo em reface()

    a menores de idade.

    Mas, alem desses, elas podem limitar ou coibir o exercfcio

    de certas atividades, corn intervencdo do Estado na atividade

    econOmica, tendo em vista o bem-estar geral, como se da corn a

    tutela do meio ambience. Em outros, como o mercado de valores

    mobilieries, por exemplo, o auto-regramento e comum. Note-se

    o problema dos mercados e do consume de massa, que, na or-

    dem jurfdica, destaca os consumidores como categoria ampla,

    nä° mais pessoas individuadas que contratam umas corn as ou-

    tras nos limites da autonomia privada. 0 poder de regrar os pre-

    pries interesses que caracteriza a ordem privada do direito codi-

    ficado desaparece na massa consumidora. A negociaceo

    individual vem limitada pela escolha da coisa, do bem ou servi-

    ce, eventualmente do produtor ou ofertante, provocando certa

    objetivacão das relacOes negociais

    24 A refeencia sobre mercado relevante e o debate norte-americano no

    caso

    United States v. Columbia Steel,

    de 1948, em que a Suprema Corte, para

    enfrentar a dificuldade de identificar a concorrencia entre produtos substitutos

    prdximos, define o relevant product market,

    e para analisar a concorra.cia en-

    tre areas geograficas, o relevant geographic market.

  • 8/17/2019 10. Rachel Sztajn - Teoria Jurídica Da Empresa - Cap. 10

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    RE GU T A GA O E ME RCA D O

     

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    PE O RIA JU RL D ICA D A E MPRE SA

    Conseqiiencia é que a disciplina dos mercados que privile-

    giam a concorrencia a fim de que a formacdo dos precos se apro-

    Arne do modelo econOmico leva a determinar, mediante polfti-

    cas ptiblicas, os limites em que os particulares exercem ou

    podem exercer atividades econOmicas no pO lo da produdio. Tais

    politicas servem de guia para a elaboracdo de regras de estimulo

    a setores, para a concessdo de privilegios ou beneficios, fiscais

    ou nao, visando ao desenvolvimento de certas atividades ou

    areas geograficas. Rath) para a intervened° de governor na ad-

    vidade econOmica é a necessidade de crescimento da economia,

    de melhorar a distribuiedo de renda. Sem mercados, o principio

    geral inscrito na Constituicdo da RepUblica, a livre iniciativa,

    nao se concretizaria. Como e principio fundamental, ha que se

    entender que sua razdo e a justica socia1.25

    Sem mercados, o acesso das pessoas aos bens, a satisfacdo

    de suas necessidades fica bastante mais dificil. Perceptive( que a

    formacdo de precos em mercados concorrenciais dificulta a

    transferencia de renda de consumidores para produtores/forne-

    cedores; que a variedade de bens usualmente ofertados interessa

    as sociedades.

    A liberdade de operar nos mercados (livre iniciativa) tern

    que ser garantida por normas para que as relacOes entre agentes

    do e

    no

    mercado atendam aos interesses da sociedade no send-

    do que Sunstein considera fazer justica social em mercados

    ores.

    E comum, quando se pensa em mercado, ter em mente o

    mercado livre, aquele atomizado, concorrencial, em que agentes

    25 Para Miguel Reale, e