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1 Universidade Cândido Mendes Curso de Pós-Graduação em Gestão de Instituições Financeiras O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AS RELAÇÕES DE CONSUMO Thiago Alexandre Taddeo de Oliveira Rio de Janeiro 2008

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Universidade Cândido Mendes

Curso de Pós-Graduação em Gestão de Instituições Financeiras

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AS RELAÇÕES DE CONSUMO

Thiago Alexandre Taddeo de Oliveira

Rio de Janeiro 2008

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Universidade Cândido Mendes

Curso de Pós-Graduação em Gestão de Instituições Financeiras

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AS RELAÇÕES DE CONSUMO

Thiago Alexandre Taddeo de Oliveira

Monografia apresentada como exigência final do curso de Gestão em Instituições Financeiras

Professora Orientadora: Ana Paula Alves Ribeiro

Rio de Janeiro 2008

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EPÍGRAFE

“Há três coisas que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida"

Provérbio Chinês

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Oliveira, Thiago Alexandre Taddeo, Monografia do Código de Defesa do Consumidor e as Ralações de Consumo, 2008, 44 pag.

RESUMO

O presente tema relata sobre uma análise comparativa e evolutiva no mecanismo criado

para a defesa do consumidor, hoje o tão conhecido como Código de Defesa do Consumidor

(CDC), em vigor no Brasil desde 11 de março de 1991. Estabelecido pela Lei 8.078/1990,

representa um dos esforços legislativos de maior sucesso, tornando-se modelo na América

Latina.

Esse trabalho busca mostrar o campo de aplicação do CDC e sua evolução nesses 17

anos de existência e sua função na sociedade de consumo, protegendo os indivíduos novos,

fragmentados e plurais. Pois bem, no tocante à legislação do consumidor, verifica-se com

clareza a evolução da proteção destinada ao consumidor na sua relação de consumo, a qual

foi elevada a nível constitucional para o todo território nacional.

É justo que se diga que neste período de vigência do Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor - CDC, as chamadas relações de consumo, entre nós, passaram do estágio

selvagem ao estágio civilizado; é claro que há muito ainda por fazer, contudo poucos setores

da vida dos brasileiros evoluíram tão depressa

As 3 palavras chaves representativas do conteúdo do nosso trabalho são: Consumidor,

Relações de Consumo e Legislação.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................06

CAPITULO I ORIGEM DA PROTECAO DO CONSUMIDOR.................................08

1.1 DO CÓDIGO DE HAMURABI (2300 AC) ATÉ A DECADA DE 60........................08

1.2 CRIAÇÃO DO DIA MUNDIAL DO CONSUMIDOR NOS EUA.............................17

1.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONSUMIDORES – RESOLUCAO

39-248 DA ONU...........................................................................................................19

CAPITULO II O CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO BRASIL.............22

2.1 BREVE HISTORICO.....................................................................................................22

2.2 O DESENVOLVIMENTO DO CDC NO BRASIL.......................................................23

2.3 LEI 8.078/90 – UMA NOVA ETAPA...........................................................................27

2.4 VISÃO GERAL E BASE CONSTITUCIONAL DO CODIGO....................................29

CAPÍTULO III O CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA SOCIE

DADE ..................................................................................................................................31 3.1 RELAÇÃO ENTRE O CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O NOVO

CODIGO CIVIL...................................................................................................................31

3.2 DA QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS.....................................................32

3.3 DAS PRATICAS COMERCIAIS..................................................................................32

3.4 DA PROTEÇÃO CONTRATUAL................................................................................34

3.5 DA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUIZO............................................................34

3.6 DAS ACOES COLETIVAS PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS

HOMOGENEOS..................................................................................................................35

3.7 O TRATAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CODIGO DE DEFE

SA DO CONSUMIDOR .....................................................................................................36

CONCLUSÃO....................................................................................................................39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................40

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INTRODUÇÃO

Na presente monografia será abordada uma analise comparativa do

mecanismo criado para a defesa do consumidor, hoje tão conhecido como

Código de Defesa do Consumidor, que entrou em vigor no Brasil em 11 de

março e 1991 através da Lei 8.078/1990, tornando-se um dos esforços

legislativos de sucesso, inclusive passando a ser referência na América

Latina.

Trata-se de uma obra relativamente nova na Legislação, tendo o seu surgimento como

ramo do Direito, principalmente a partir da metade deste século. Porém, indiretamente

encontramos contornos deste segmento, de forma esparsa, em normas das mais diversas, em

várias situações e, acima de tudo, nos costumes dos mais variados países. Na sua origem os

princípios que regulamentavam as relações de consumo entre fornecedores e consumidores,

não era concebido como uma categoria jurídica distinta e, também, não recebia a denominação

que hoje apresenta.

O objetivo do trabalho é demonstrar a importância do Código de Defesa do

Consumidor (CDC), como também seu campo de aplicação e sua evolução nesses anos de sua

existência.

É fato comprovado que nestes dezessete anos de vigência do Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor, as chamadas relações de consumo, entre nós, passaram do estágio

selvagem ao estágio civilizado; é claro que há muito ainda por fazer, contudo poucos setores

da vida dos brasileiros evoluíram tão depressa. Evolução esta que começou em nível nacional

desde meados de 1985, com o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), órgão

de assessoria da Presidência da República na formulação da política específica, e também

encarregado de fomentar e colaborar na instalação dos Procons (estaduais e congênere

municipais), Promotorias de Justiça e Delegacias policiais ambas especializadas, juizados de

pequenas causas e entidades civis e por fim, preparar os estudos iniciais e o próprio

anteprojeto do Código.

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Estudar o tema Defesa do Consumidor tem sido de fundamental importância para

mim, pois estou constatando que apesar do seu reconhecimento legal, constitucional e

doutrinário e do atual estágio das relações de consumo entre nós ainda há muito a se fazer

para alcançarmos como um todo, a forma ideal.

O capítulo um apresenta uma breve síntese sobre a evolução histórica da proteção do

consumidor desde o surgimento do Código de Hamurabi (2300 a.C.) que já em seu tempo

regulamentava o comércio, de modo que o controle e a supervisão se encontravam a cargo do

Palácio, demonstrando que existia a preocupação com o lucro abusivo, porque o consumidor

já estava tendo seus interesses resguardados. Destacamos também o período da Revolução

Industrial, como de grande importância para o desenvolvimento do Direito do Consumidor.

Logo após no capítulo dois, analisamos o surgimento do Código de Defesa do

Consumidor no Brasil, os movimentos mais importantes ocorridos nas décadas de 60 e 70 que

antecederam os anos 80 que foram marcados por profundas transformações políticas e pelos

planos econômicos, com intensa participação popular envolvendo questões de consumo.

E finalizando, no capítulo três, falamos sobre o diálogo entre o Código de Defesa do

Consumidor e o novo Código Civil, da qualidade de produtos e serviços, das práticas

comerciais, proteção contratual, da defesa do consumidor em juízo, das ações coletivas para a

defesa de interesses individuais homogêneos e do tratamento da Responsabilidade Civil no

Código de Defesa do Consumidor.

Trata - se de um trabalho do tipo exploratório e descritivo, onde foi utilizado método

de pesquisa qualitativa com referências bibliográficas, apoiado na multiplicidade de

conhecimentos objetivos, gramaticais e históricos sobre o tema.

CAPITULO I - ORIGEM DA PROTECAO DO CONSUMIDOR

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1.4 DO CÓDIGO DE HAMURABI (2300 AC) ATÉ A DECADA DE 60.

O Direito do Consumidor é obra relativamente nova na Doutrina e na Legislação. Tem

seu surgimento como ramo do Direito, principalmente, na metade deste século. Porém,

indiretamente encontramos contornos deste segmento do Direito presente, de forma esparsa,

em normas das mais diversas, em várias jurisprudências e, acima de tudo, nos costumes dos

mais variados países. Porém, não era concebido como uma categoria jurídica distinta e,

também, não recebia a denominação que hoje apresenta.

O Código de Hamurabi (2300 a.C.) já em seu tempo regulamentava o comércio, de modo

que o controle e a supervisão se encontravam a cargo do palácio. O que demonstrava que se

existia preocupação com o lucro abusivo é porque o consumidor já estava tendo seus

interesses resguardados. “A lei 235 do Código de Hamurabi, o construtor de barcos estava

obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano.” 1

Desta norma podemos supor uma série de outros desdobramentos. Haviam também

regras contra o enriquecimento em detrimento do outro ("lei" 48), bem como a modificação

unilateral por desequilíbrio nas prestações, causados por desajustes em razão de forças da

natureza.

Os interesses dos consumidores já estavam resguardados na Mesopotâmia, no Egito

Antigo e na Índia do Século XVIII a.C., onde o Código de Massú previa pena de multa e

punição, além de ressarcimento de danos, aos que adulterassem gêneros ("lei" 967) ou

entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem bens de igual natureza

por preços diferentes ("lei" 968).

Na Roma antiga, o vendedor era responsável pelos vícios das coisas, a não ser que estes

fossem por ele ignorados. Porém, no Período Justinianeo, a responsabilidade era atribuída ao

vendedor, mesmo que desconhecesse do defeito. As ações eram amparadas na Boa-Fé do

consumidor, que eram ressarcidos nos casos em que existiam vícios ocultos na coisa vendida.

Se o vendedor tivesse ciência do vício, deveria, então, devolver o que recebeu em dobro.

1 SANTOS, Altamiro José dos. Direito do Consumidor. Revista do IAP. Curitiba, Instituto dos Advogados do Paraná, 1987,pág 78.

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No período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais

como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo

do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição

aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando que fosse feita a

distribuição do pão diretamente pelo Estado. Essas leis eram ditadas pela intervenção do

Estado no mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma.

(Prux, 1998. p. 79).

De acordo com os estudos de Waldírio Bulgarelli, "pode-se encontrar antecedentes os

mais antigos: Aristóteles já se referia a manobras de especuladores na Grécia Antiga, e em

Roma atestam-no a Lex Julia de cemnoma, o Édito de Diocleciano e a Constituição de

Zenon" (Bulgarelli, apud Prux, 1998. p. 79).

Há estudos que apontam depoimentos de Cícero (Século I a.C.) assegurando a garantia

sobre vícios ocultos na compra-venda no caso do vendedor prometer que a mercadoria era

dotada de determinadas qualidades e estas serem inexistentes.

Pirenne, no comentário de sua obra cobrindo o século XIII, é bastante elucidativo no

subtítulo - Proteção ao consumidor - ao escrever que a disciplina imposta ao artesão tinha

naturalmente por objeto assegurar a qualidade dos produtos fabricados. Neste sentido –

acrescenta textualmente o mestre gaulês - também favorecia o consumidor.

A França de Luiz XI (1481) punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga

com pedra no interior para aumentar o peso, ou leite com água para aumentar o volume.

Em Portugal, o jurista Carlos Ferreira Almeida afirma::

"Os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886 (...),já reprimíam certas práticas

comerciais desonestas, protegendo indiretamente os interesses dos comerciantes: sob o título

genérico de crimes contra a saúde pública, punindo-se certos atos de venda de substâncias

venenosas e abortivas (art. 248º) e a fabricação e venda de gêneros alimentícios nocivos à

saúde pública (art. 251º); considerando-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre

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a natureza e sobre a quantidade das coisas – art. 456); tipificava-se ainda como crime a

prática do monopólio, consistente na recusa de venda de gêneros para uso público (art. 275º)

e alteração dos preços que resultariam da natural e livre concorrência, designadamente através

de coligações com outros indivíduos, disposições revogadas por legislação da época

corporativista, que regrediu em relação ao liberalismo consagrado no código penal" 2

Na Suécia, a primeira legislação protetora do consumidor foi em 1910.

Já nos EUA, em 1914, criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de

aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor. Também nos EUA, em 1773,

em seu período de colônia, o episódio contra o imposto do chá no porto de Boston (Boston

Tea Party) é um registro de uma manifestação de reação dos consumidores contra as

exigências exorbitantes do produtor inglês.

A Revolução americana de 1776 foi uma revolução do consumidor, e segundo as

palavras de Miriam de Almeida Souza, foi uma revolução:

"Contra o sistema mercantilista de comércio britânico colonial da época, no qual os

consumidores americanos eram obrigados a comprar produtos manufaturados na Inglaterra,

pelos tipos e preços estabelecidos pela metrópole, que exercia o seu monopólio. (...) Samuel

Adams, uma figura marcante no episódio do chá no porto de Boston, que, já em 1785 na

República, reforçou as seculares "assizes" (Leis do Pão), da antiga metrópole, apontando sua

assinatura na lei que proibia qualquer adulteração de alimentos no estado de Massachusetts"3

Pode-se notar que esta lei representa um marco histórico na luta pelo respeito aos direitos do

consumidor.

No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram

sancionados diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e

comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia

Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que

consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a defesa

2 Coimbra, Almeida. Derani. Cristiane. Política Nacional das Relações de Consumo. Revista Direito do Consumidor. Edição nr.29 pág.40. 3 SOUZA, Mirian de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, pág. 51

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do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo 48 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a criação

do Código de Defesa do consumidor.

Surge então no século XVIII, o Estado Liberal, que em contraposição ao Estado

absoluto veio assegurar o indivíduo em face do Estado, tendo como características o poder

limitado; os direitos individuais e políticos; a defesa da livre incitava e livre concorrência e a

não intervenção do Estado na esfera privada. Adam Smith, um dos principais pensadores do

liberalismo, afirmava:

"É suficiente que deixemos o homem abandonado em sua iniciativa para que ao

perseguir seu próprio interesse promova o dos demais. O interesse privado é o motor da vida

econômica".4

Assim, neste período, as leis eram feitas para dar sustentação ao liberalismo

econômico, sendo regidos pelos Princípios da Autonomia da Vontade, do Consensualismo e

da Obrigatoriedade Contratual.

Com o advento da Revolução Industrial no século XIX, houve uma substituição da

maquinofatura pela máquina, as pessoas deixaram de trabalhar em casa e foram trabalhar nas

fábricas e ao redor destas surgiram os centros urbanos. As fábricas, devido à automação

incipiente das máquinas, não empregaram a grande parte da população, gerando o

desemprego e a conseqüente a exclusão social daqueles que estavam desempregados. A

grande procura por empregos gerou a desvalorização da mão-de-obra. A liberdade contratual,

instituída na Revolução Francesa, aliada a grande oferta de trabalho, fazia com que as

pessoas, para se manterem empregadas, se submetessem à exploração. Concomitante a estes

fatos, a livre incitava e a livre concorrência defendida pelos liberais acabou não se

concretizando, pois a concorrência não se iniciava em condições iguais e as regras do jogo

não eram respeitadas. Com isso, algumas empresas enriqueceram, gerando uma forte

concentração econômica.

4 SMITH, Apud, Derani. Política Nacional das Relações de Consumo. Revista Direito do Consumidor. Edição nr.29 pág.32.

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Como resposta à miséria e a exploração de grande parte da população do século XX

surge o Estado Social, tendo como características o poder limitado, a garantia dos direitos

individuais e políticos, acrescentando a estes os direitos sociais e econômicos. Logo, o Estado

passou a intervir na Economia para promover justiça social. Nas Constituições promulgadas

adotando esse modelo de Estado, os direitos individuais eram mais importantes que os

direitos sociais, sendo regulados como normas pragmáticas, dependendo então de

regulamentação. Assim acorreu com a Constituição brasileira de 1988 que dispõe que "o

Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor". Portanto, a Constituição Federal

de 1988 exigiu que o Estado abandonasse a sua posição de mero espectador da sorte do

consumidor, para adotar um modelo jurídico e uma política de consumo que efetivamente

protegesse o consumidor. Isso porque, o Código Civil havia sido formulado segundo o

pensamento liberal, mostrando-se ineficaz para a proteção do consumidor.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, editado segundo os Princípios de um

Estado Democrático de Direito, em muito inovou em comparação com o Código Civil.

Fazendo uma comparação exemplificativa entre as regras deste e as do Código de Proteção e

Defesa do Consumidor. O Código Civil fala em coisas, objeto de contratos comutativos e em

bens e imóveis. Já o Código de Proteção e Defesa do Consumidor fala em produtos, que

seriam quaisquer bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, duráveis e não duráveis e

em serviços. Outro ponto é que o Código Civil fala em defeitos ocultos que tornem a coisa

imprópria para o uso ou diminuam o seu valor. Por sua vez o Código de Proteção e Defesa do

Consumidor acrescenta que o defeito pode até mesmo ser de fácil constatação e que a coisa

poderá ser enjeitada por não conferir com as especificações da embalagem, do rótulo, da

propaganda, etc. Além disso, o prazo decadencial para substituir, devolver ou pedir

abatimento do preço da coisa também foi ampliado no Código de Proteção e Defesa do

Consumidor.

O período da Revolução Industrial foi de grande importância para o desenvolvimento

dos Direitos do Consumidor.

"Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas

pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos (bartering). Com

o crescimento da população e o movimento do campo para as cidades, formam-se grupos

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maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se concentrou no fabricante, que passou a

responder por todo o grupo".5

O advento da Revolução Industrial foi responsável pelo crescimento da chamada

produção em massa. Devido a este movimento, a produção perdeu seu toque "pessoal" e o

intercâmbio do comércio ganhou proporções ainda mais despersonalizadas, já que passaram a

haver outros intermediários entre a produção e o consumo. Em conseqüência disto, o produtor

precisava dar escoamento à produção, praticando, às vezes, atos fraudulentos, enganosos, por

isso mesmo, abusivos. A justiça social, então, entendeu ser necessária a promulgação de leis

para controlar o produtor-fabricante e proteger o consumidor-comprador.

Acrescenta-se ainda, que o produtor, via de regra, sempre se interessou mais pela

parte monetária do que com o produto, ou mesmo em satisfazer o consumidor.

O crescimento e os contínuos avanços das tecnologias fizeram com que fossem

inseridas na mente do consumidor a idéia de que ele estava precisando de mais objetos que

até o presente momento nunca havia sentido a necessidade de adquirir em sua vida cotidiana.

O produtor estava sempre interessado em formas para escoar sua produção e manter o fluxo

de produção-consumo. Logo, o produtor sentiu necessidade de estimular o consumidor a uma

necessidade, ainda que artificial, para manter o seu processo produtivo em funcionamento.

Desta forma, criou-se o que o professor Thierry Bourgoignie, da Faculdade de Direito da

Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, denomina de "norma social do consumo", que:

"faz com que o consumidor perca o controle individual das decisões de consumo e passe a ser

parte de uma classe, a "consommariat", conferindo claramente uma dimensão social ao

consumidor e ao ato de consumir" 6

O norte-americano Upton Sinclair, em 1906, escreveu um romance chamado The

Jungle (A Selva).Este serviu para despertar no povo do seu país o mais vivo interesse pela

problemática do consumidor. Sinclair era um jovem jornalista, dotado de idéias socialistas,

que , no intuito de justificar e fundamentar suas reivindicações proletárias, consistentes de

melhorias de salário e de condições de trabalho, disfarçou-se em operário para realizar suas

5 SOUZA, Mirian de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, pág. 48. 6 SOUZA, Mirian de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, pág. 50

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observações na cidade de Chicago. Em seu romance, ele retrata em cores ousadas e

dramáticas o impacto social do capitalismo industrial no começo do século XX.

"Os principais personagens eram de uma família de camponeses lituanos que vieram

trabalhar pelos contos e fantasias de liberdade e pujança na América" 7

Sinclair demonstra os abusos cometidos pela industria da carne, ao descrever de forma

bem realística os alimentos deteriorados. Um exemplo é o seguinte trecho de sua obra: "a

carne misturada com pedaços de tecidos esfarrapados e sujos, pães mofados, moídos

juntamente com os enchimentos das lingüiças vendidas em Chicago, embora proibidas no

comércio exterior".8

O impacto do romance escrito por Sinclair, foi de um modo tão avassalador, que logo

sofreu traduções para 17 idiomas, acabando também por inspirar a elaboração de duas leis

federais nos EUA, que fortaleceram a fiscalização da pureza da carne, a Meat Inspection Act e

a Pure Food and Drug Act, de 1906.

Foi em plena Segunda Guerra Mundial, quando a produção estava a serviço e controle

do Estado, que se despontava na América Keynesiasna o movimento em prol dos direitos do

consumidor. Mas curiosamente, foram o surgimento da mídia e as conquistas tecnológicas

que deram causa ao ressurgimento da defesa do consumidor.

"A guerra intensificou a produção industrial em massa, e contribuiu para as grandes

invenções e o aprofundamento da produção em série. Todo o esforço da guerra resultou,

inevitavelmente, em aumento substancial de produção no posterior tempo de paz. O

conhecimento gerado pela guerra provocou, então um crescimento em vários segmentos

industriais, gerando um arsenal de produtos surpérfulos e diversificados, em um mercado

antes restrito somente ao essencial. Com o advento da televisão, resultou da propaganda

informativa o marketing (desenvolvido em forma de propaganda de guerra), com o objetivo

de escoar a produção no mercado. Com isso, aumentaram os problemas relacionados à

produção e ao consumo, em face de uma competitividade altamente sofisticada por causa das

novas mídias e das próprias complexidades dos mercados surgidos no pós-guerra, e do 7 SOUZA, Mirian de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, pág. 52. 8 SOUZA, Mirian de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, pág. 54.

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advento do marketing científico. Passou-se então a praticar uma concorrência desleal,

fortalecendo a tendência da formação dos cartéis, trustes e oligopólios, o que sem dúvida,

colaborou, dentre outros motivos, para o agravamento dos problemas sociais e conflitivos

urbanos em decorrência da concentração de renda".9

Podemos perceber que esses problemas influenciaram sensivelmente a vida dos

consumidores, quer seja pela alta dos preços, queda na qualidade de vida ou aumento da

poluição.

Após o período do pós-guerra houve o enfraquecimento do princípio da força

obrigatória dos contratos. Esta situação possibilitou o surgimento do Direito do Consumidor,

que se fundamentava a partir da responsabilidade civil objetiva, reconhecimento dos

interesses e direitos difusos, e não somente da força dos contratos.

Orlando Gomes afirma que: "o princípio da força obrigatória das convenções, pelo

qual o juiz estava obrigado a fazer cumprir os efeitos do contrato, quaisquer que fossem as

circunstâncias ou as conseqüências, está abalado”.

Segundo ele: “ O legislador intervém, a cada instante, na economia dos contratos,

ditando medidas que, tendo aplicação imediata, alteram os efeitos dos contratos anteriormente

praticados, e vai se admitindo o poder do juiz de adaptar seus efeitos às novas circunstâncias

(cláusula rebus sic stantibus), ou de exonerar o devedor do seu cumprimento, se ocorrer

imprevisão. Por fim, desde que os contratos são fonte de obrigações e estas importam

limitação da liberdade individual, entendia-se que os seus efeitos não deveriam atingir a

terceiros. Embora o contrato seja um instrumento de obrigações entre duas partes, as

necessidades sociais impuseram a quebra, ainda que excepcional, desse princípio da

relatividade dos efeitos do contrato, para a satisfação de certos interesses coletivos privados"

.10

Somente a partir das iniciativas do presidente americano John Fitzgerald Kennedy, na

década de 60, que o Direito do Consumidor começa a se consolidar nos Estados Unidos.

9 SOUZA, Mirian de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, pág. 54. 10 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 6 ed. Rio de Janeiro:Forense, 1979, p.105-106.

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Dirigindo-se por meio de uma mensagem especial ao Congresso Americano, em 1962,

Kennedy identificou os pontos mais importantes em torno da questão:

A década de 60 foi o grande marco mundial para os consumidores. Logo no início de

1960 foi criada a IOCU – International Organization of Consumers Unions, atualmente

denominada de CI – Consumers International. A IOCU foi inicialmente composta por cinco

países: Austrália, Bélgica, Estados Unidos, Holanda e Reino Unido. O Brasil atualmente

participa da IOCU por meio da Fundação Procon e do IDEC.

1.5 CRIAÇÃO DO DIA MUNDIAL DO CONSUMIDOR NOS EUA

Em 15 de março de 1962, o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy,

encaminhou mensagem ao Congresso Nacional Americano reconhecendo os direitos dos

consumidores (segurança, informação, escolha e a ser ouvido). Em sua homenagem o Dia

Mundial dos Direitos do Consumidor passou a ser comemorado nessa data.11

Em 1964 e ainda nos Estados Unidos, Esther Peterson foi designada como assistente

do Presidente Lyndon Johnson para assuntos de consumidores. Esther Peterson por mais de

cinqüenta anos lutou e participou ativamente de vários movimentos, incluindo-se nesses o de

consumidores. Na mesma época Ralph Nader deu inicio a um trabalho que culminou em

denúncias que apontavam falhas de segurança nos automóveis americanos. Em 1965 publicou

um livro sobre o assunto – "Unsafe Any Speed". Pelas lutas que iniciaram, ambos passaram a

sofrer grandes oposições e até perseguições. O tempo e a história entretanto se encarregaram

de reconhecer o grande trabalho desenvolvido, que tem continuado a se difundir por todo o

mundo.12

No ano de 1965 foi criada na Malásia a primeira organização de consumidores em

países em desenvolvimento – "Selangor and Federal Territory Consumers Association".

11 PASQUALOTTO, Adalberto. Defesa do Consumidor, RT, São Paulo, pág:52-72, ago. 1990.

12 PASQUALOTTO, Adalberto. Defesa do Consumidor, RT, São Paulo, pág:52-72, ago. 1990.

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17

Na década de 70, os países menos industrializados passaram a receber um volume

grande de informações sobre legislações, movimentos, associações de consumidores etc., em

virtude do avanço tecnológico dos meios de comunicação.

Ainda nessa década, outro assunto passou a ser motivo de preocupação dos consumidores: a

preservação do meio ambiente.

Em 1985, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas adotou a Resolução

39-248, que estabeleceu Diretrizes para a Proteção do Consumidor ressaltando a importância

da participação dos governos na implantação de políticas de defesa do consumidor.13

A década de 90 demonstrou a importância da defesa do consumidor em função das

grandes transformações econômicas e tecnológicas ocorrida mundialmente. A globalização e

a informática alcançaram todos os países indistintamente, levando cada vez mais informação

sobre movimentos, direitos e acesso a produtos e serviços oferecidos à população. O

movimento dos consumidores passou a se difundir em grande escala nos países em

desenvolvimento com ênfase aos trabalhos preventivos e educativos, despertando o interesse

pelos valores da cidadania.

A Constituição Federal trata fundamentalmente em três artigos sobre a proteção a do

consumidor dentro das relações de consumo, quais sejam os arts.: 5.°, XXXII, 150, § 5.º, e

170, V.

Assim, a defesa do consumidor é um dos direitos fundamentais do indivíduo e um dos

princípios da ordem econômica do Estado, conforme a disposição da norma constitucional.

Essa novidade da Constituição de 1988 demonstrou a preocupação do Poder Constituinte com

a proteção do consumidor, em relação aos seus direitos básicos, uma vez que o mercado de

consumo não apresenta em si mesmo mecanismos para superar a hipossuficiência econômica

do consumidor.

13 ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeida, 1982.

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18

Novamente, não foi a Constituição Federal que definiu o conceito de consumidor, o que

foi realizado pelo Código do Consumidor em seu art. 2.º e parágrafo único, nos seguintes

termos: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou

serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de

pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo".

O conceito legal baseou-se no conceito econômico, interessando apenas o personagem

que no mercado de consumo adquire bens ou contrata a prestação de serviços como

destinatário final. Pressupõe que consumidor é aquele que age com vistas a uma necessidade

própria e não para o desenvolvimento de outra atividade negocial.

A equiparação realizada pelo mencionado parágrafo único trata dos interesses difusos ou

coletivos dos consumidores considerados como ente coletivo, ainda que indeterminado, desde

que intervindo numa relação de consumo. Estão, portanto, incluídos os alunos de uma

determinada escola, os associados de um plano de saúde, os doentes de um hospital etc.

1.6 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONSUMIDORES - RESOLUCAO 39-248

DA ONU

As disposições constitucionais e infraconstitucionais brasileiras estão de acordo com a

Resolução n. 39/248, de 10 de abril de 1985, da ONU, que estipula os direitos fundamentais

dos consumidores, direitos universais e indisponíveis:

(...) os governos devem desenvolver, reforçar ou manter uma política firme de

proteção ao consumidor (...)

As normas servirão para atingir as seguintes necessidades:

a) proteger o consumidor quanto a prejuízos à saúde e segurança;

b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores;

c) fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas

acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais;

d) educar o consumidor;

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19

e) criar a possibilidade de real ressarcimento ao consumidor;

f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos ou organizações

de relevância e oportunidades para que estas organizações possam apresentar seus enfoques

nos processos decisórios a ela referentes.

Para que o conceito de consumidor seja concebido em sua inteireza, tendo em vista a

proteção estabelecida pela Constituição Federal, devemos interpretar o referido art. 2.º do

Código de Defesa do Consumidor (CDC), sistematicamente, com o art. 4.º, I, do mesmo

diploma legal, que reconhece a vulnerabilidade do consumidor como um dos princípios da

Política Nacional das Relações de Consumo.

O conceito de consumidor não pode ser entendido se não inserido numa relação de

consumo. O consumidor é aquele que participa de uma relação jurídica de consumo.

Essa relação jurídica envolve duas partes bem definidas; de um lado, o adquirente de um

produto ou serviço, chamado de consumidor, e, de outro lado, o fornecedor ou vendedor de

um produto ou serviço. Destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor,

que, não dispondo de controle sobre a produção de bens ou de serviços que lhe são

destinados, submete-se ao poder e condições dos produtores e fornecedores. É a

hipossuficiência ou vulnerabilidade do consumidor, expressamente reconhecida pelo art. 4.º,

I, do CDC. Essa vulnerabilidade é a razão da proteção estabelecida pela Constituição Federal

ao consumidor.

O "princípio da vulnerabilidade", reconhecido pela Constituição Federal, leva em

consideração a necessidade de instrumentos eficazes para a proteção dos economicamente

vulneráveis dentro da relação jurídica de consumo e fez com que a Constituição estabelecesse

a proteção aos consumidores como um direito fundamental individual.

Também podemos afirmar que a Constituição estabeleceu em seu art. 5.º, XXXII, o

"princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público" para a proteção dos interesses

dos consumidores, ao fixar o dever do Estado de promover, na forma determinada na lei, a

defesa do consumidor.

Dessa forma, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

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(...) em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do

princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das

desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por

via legislativa, regular a política de preços de bens e serviços, abusivo que é o poder

econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros.14

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) veio, portanto,

concretizar a determinação da Magna Carta de conferir ao consumidor a proteção do Estado e

um meio jurídico adequado de proteção, tendo em vista que a sociedade de massa

contemporânea trouxe à relação de consumo um diferenciador em relação a situações que não

são meramente individuais, mas sim transindividuais, de titulares indeterminados e ligados

por circunstâncias de fato, como a publicidade enganosa ou a propaganda abusiva.

CAPITULO II - O CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO BRASIL

2.1 BREVE HISTORICO

14 (STF, Pleno, ADIn n. 0319/DF, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 30.4.1993, p. 7563).

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A legislação brasileira sempre contemplou dispositivos nas normas legais, codificadas

ou esparsas, que mesmo de forma tímida acenavam para o que atualmente denominamos de

proteção e defesa dos consumidores. Pode-se citar o Código Comercial de 1840, que em seus

Artigos 629 e 632 estabeleceu direitos e obrigações dos passageiros de embarcações

".....Interrompendo-se a viagem depois de começada por demora de conserto de navio, o

passageiro pode tomar passagem em outro, pagando o preço correspondente à viagem feita.

Se quiser esperar pelo conserto, o capitão não é obrigado ao seu sustento; salvo se o

passageiro não encontrar outro navio em que comodamente se possa transportar, ou o preço

da nova passagem exceder o da primeira, na proporção da viagem andada." (art.631 "in

fine"). O Código Civil de 1916, em seu artigo 1245, também já estabelecia critérios de

responsabilidade do fornecedor "...... o empreiteiro de materiais e execução responderá,

durante 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais,

como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da

obra."

Movimentos de iniciativa popular nos anos 30 e 50, embora relacionados à falta e ao

alto preço dos produtos já traziam noções básicas de proteção aos consumidores.15

O fato mais significativo dos anos 60 na proteção aos consumidores foi a decretação

da Lei Delegada n.º4 de 1962, que vigorou até 1998 e visava assegurar a livre distribuição de

produtos.16

A década de 70 contemplou um marco no país. Em 1976, pelo Governo do Estado de

São Paulo foi criado o primeiro órgão público de proteção ao consumidor que recebeu o

nome de Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, mais conhecido como PROCON.

Também nessa década houve a promulgação e implementação de normas direcionadas aos

segmentos de alimentos (Decreto-lei 986/69), saúde (Decreto-lei 211/70) e habitação (Lei

6649/79 – locação e 6676/79 – loteamento).

15 ALMEIDA, Carlos Ferreira. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeida, 1982, pag.35

16 BENJAMIN, Antonio Herman. MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006 – comentários.

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Os anos 80 foram marcados por profundas transformações políticas e pelos planos

econômicos, com intensa participação popular nas questões envolvendo consumo.

Regulamentos setoriais, normas técnicas e de Boa Prática, dentre outros, também difundiam

direta e indiretamente a proteção dos consumidores. Diversas entidades civis se organizam e

despontam em segmentos específicos, como a Associação de Inquilinos Intranqüilos, a

CAMMESP - Central de Atendimento aos Moradores e Mutuários do Estado de São Paulo e

a Associação Intermunicipal de Pais e Alunos, entre outras. Em 1987 é fundado o IDEC -

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e em 1989 é instituída a Comissão de Defesa do

Consumidor da OAB - São Paulo.17

2.2 O DESENVOLVIMENTO DO CDC NO BRASIL

No início dos anos 90 foi sancionada a Lei 8.078, conhecida como Código de Defesa

do Consumidor, que também criou o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da

Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Outras entidades civis passam a

atuar na proteção e defesa dos interesses de associados, a exemplo da Associação das Vítimas

de Erros Médicos, a ANDIF - Associação Nacional dos Devedores de Instituições Financeiras

e a ANMM - Associação Nacional dos Mutuários e Moradores. Nessa década também é

criado o BRASILCON - Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor , entidade de

caráter técnico, científico e pedagógico.18

Muitos são os benefícios da codificação e não é nosso intuito analisa-los

detalhadamente aqui. De qualquer modo, é importante ressaltar que o trabalho de codificação,

realmente, além de permitir a reforma do Direito vigente, apresenta, ainda, outras

vantagens.Primeiramente, dá coerência e homogeneidade a um determinado ramo do Direito,

possibilitando sua autonomia. De outro, simplifica e clarifica o regramento legal da matéria,

favorecendo, de uma maneira geral, os destinatários e os aplicadores da norma.

17 BENJAMIN, Antonio Herman. MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006. 18 BENJAMIN, Antonio Herman. MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006.

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O Código, como não poderia deixar de ser, foi buscar sua inspiração em modelos

legislativos estrangeiros já vigentes. Os seus redatores, contudo, tomaram a precaução de

evitar, a todo custo, a transcrição pura e simples de textos alienígenas. A idéia de que o Brasil

– e seu mercado de consumo – possui peculiaridades e problemas próprios acompanhou todo

o trabalho de elaboração.

Como resultado dessa preocupação, inúmeros são os dispositivos do Código que, de

tão adaptados à nossa realidade, mostram-se arredios a qualquer tentativa de comparação com

esta ou aquela lei estrangeira. Mas aqui e ali é possível identificar-se a influência de outros

ordenamentos. Na origem dos direitos básicos do consumidor está a resolução n°: 39/248, de

9 de abril de 1985, da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas.

A maior influência sofrida pelo Código veio, sem dúvida, do Project de Code de la

Consummation, redigido sob a presidência do professor Jean Calais-Auloy. Também

importantes no processo de elaboração foram as leis gerais da Espanha (Ley General para la

Defensa de los Consumidores y Usuários, lei n°: 26/1984), de Portugal (Lei n°: 29/81, de 22

de agosto), do México (Lei Federal de Protección al Consumidor, de 5 de fevereiro de 1976),

e de Quebec (Loi sur la Protection du Consommateur, promulgada em 1979).

Visto agora pelo prisma mais específico de algumas de suas matérias, o Código

buscou a inspiração, fundamentalmente, no Direito Comunitário europeu: as Diretivas 84/450

(publicidade) e 85/374 (responsabilidade Civil pelos acidentes de consumo). Foram

utilizadas, igualmente, na formulação do traçado legal para o controle das cláusulas gerais da

contratação, as legislações de Portugal (Decreto-Lei n°: 446/85, de 25 de outubro), e

Alemanha (Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschaftsbedingungen – AGB

Gesetz, de 9 de dezembro de 1976).

Uma palavra à parte merece a influição do Direito norte-americano. Foi ela dupla.

Indiretamente, ao se usarem as regras européias mais modernas de tutela do consumidor,

todas inspiradas nos casos e estudos americanos. Diretamente, através de análise atenta do

sistema legal de proteção ao consumidor nos Estados Unidos. Aqui foram úteis, em

particular, o Federal Trade Commission Act, o Consumer Product Safety Act, o Truth in

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Lending act, o Fair Credit Reporting Act e o Fair Debt Collection Pratices Act.5.7 Estrutura

básica do Código.

Face ao que foi anteriormente exposto, percebe-se nitidamente que o Código de

Defesa do consumidor não se trata de mera lei esparsa que veio apenas regulamentar as

relações entre consumidores e fornecedores, mas versa, na verdade, acerca da regulamentação

de dispositivo constitucional que por si não é auto aplicável, carecendo de instrumentalidade

que permitisse sua efetiva aplicação prática.

O que se verifica ante a estrutura constitucional é de que o Código de Defesa do

consumidor integra um conjunto legislacional cujo objetivo precípuo é o de propiciar a

regulamentação da ordem econômica preconizada no título VII, capítulo I da magna carta, e

discorrida ao longo do artigo 170 e seguintes, e que hoje se compõem de conjunto de leis que

tem por finalidade regulamentar não apenas as relações entre consumidores e fornecedores,

mas também, entre fornecedores e produtores, objetivando, materialmente, disciplinar,

organizar, estruturar e, em destaque, viabilizar que tais relações ocorram de maneira

harmônica, de acordo com a ordem econômico-social, eliminando as desigualdades e

proporcionando condições mínimas de exeqüibilidade.

Sob este aspecto, fica evidenciada tal estrutura ao deparar-se com um conjunto de leis

relativas à defesa da concorrência, como a lei 8884, de 11.06.1994, que reestruturou e criou o

CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), ou do conjunto de leis que criaram

as Agências Nacionais, (ANATEL, ANEEL E ANA), cuja finalidade é regular e aferir o

fornecimento de serviços considerados essenciais, relativos ao fornecimento de energia

elétrica, água e serviços de telecomunicações.

No mesmo mote, temos, então, um conjunto estruturado de leis que visam a defesa do

consumidor, composto, até o presente momento, do próprio Código de Defesa do

Consumidor, da lei 8.137, de 27.12.1990, que definiu os crimes contra a ordem tributária,

econômica e contra as relações de consumo; a lei 9.279, de 14.05.1996, que regula direitos e

obrigações relativos à propriedade industrial. Em nível de MERCOSUL, temos o protocolo

de Santa Maria, de 22 de novembro de 1966, que estabelece jurisdição internacional em

matéria de relações de consumo.

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Têm-se ainda o Decreto n°: 2.181, de 20.03.1997, que dispõe sobre a organização do

Sistema Nacional de Defesa do Consumidor que viabilizou a criação dos PROCONS, bem

como de Institutos independentes de defesa do consumidor, cuja atuação têm-se mostrado

eficiente e profícua na resolução de conflitos.

O Código de Defesa do Consumidor foi o grande marco na evolução da defesa do

consumidor brasileiro, sendo uma lei de ordem pública e de interesse social com inúmeras

inovações inclusive de ordem processual.

2.3 LEI 8.078/90 – UMA NOVA ETAPA

O Código apresenta estrutura e conteúdo modernos, em sintonia com a realidade

brasileira.

Entre suas principais inovações cabe ressaltar as seguintes: formulação de um conceito

amplo de fornecedor, incluindo, a um só tempo, todos os agentes econômicos que atuam

direta ou indiretamente, no mercado de consumo, abrangendo inclusive as operações de

crédito e securitárias; um elenco de direitos básicos dos consumidores e instrumentos de

implementação; proteção contra todos os desvios de quantidade e qualidade (vícios de

qualidade ou insegurança e vícios de qualidade por inadequação); melhoria do regime

jurídico dos prazos prescricionais e decadências; ampliação das hipóteses de desconsideração

da personalidade jurídica das sociedades; regramento do marketing (oferta e publicidade);

controle das práticas e cláusulas abusivas, bancos de dados e cobranças de dívidas de

consumo; introdução de um sistema sancionatório administrativo e penal; facilitação do

acesso à justiça para o consumidor; incentivo à composição privada entre consumidores e

fornecedores, notadamente com a previsão. de convenções coletivas de consumo.

O artigo quinto da carta constitucional vigente arrola o que ela própria denomina de

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direitos e deveres individuais e coletivos. O dispositivo começa enunciando o direito de

igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Embora seja uma

declaração formal, não deixa de ter sentido especial essa primazia ao direito de igualdade,

que, por isso, servirá de orientação ao intérprete que necessitará de ter sempre presente o

princípio da igualdade na consideração dos direitos fundamentais do homem. E ao longo de

seus incisos verificar-se-á que se trata de enunciado de direitos individuais e coletivos que

devem necessariamente ser preservados sob pena de descaracterizar-se a noção fundamental

nele contida: o direito de cidadania que permeia toda a estrutura estatal que constitui o Estado

nacional, devendo ser preservados desonerando a enorme carga que eles próprios representam

junto ao cidadão.

Eis aqui a função garantidora do Estado, pois a todo o direito primordial contido no

texto constitucional, este remete-nos à uma garantia, individual ou coletiva, que seja

plenamente assegurado a todos os integrantes da nação, tornando-s invioláveis e protegidos

de qualquer lesão ou mesmo ameaça de lesão.

Trata-se de uma aplicação eficiente da doutrina francesa de concepção de

liberdade/autonomia, pelo qual são garantidas, de um lado, as liberdades do indivíduo cidadão

enquanto integrante de um grupo com plena identidade cultural, social, econômica e

ideológica (em termos, é claro), e de outro, com a mesma intensidade, autonomia no exercício

de referida liberdade, sem que possa ser possível ferir ou ameaçar a liberdade de outrem.

Todavia, quando se comenta acerca do direito do consumidor, faz-se necessária

considerar-se também a questão econômica que se encontra envolvida diretamente com a

questão de relações de consumo. Aliás, o que é válido dizer, é que a ordem econômica

pressupõe a existência de consumidores e fornecedores.

A ordem econômica, segundo a Constituição vigente, tem por fim assegurar a todos

uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios

indicados no artigo 170, princípios estes que, na essência, consubstanciam uma ordem

capitalista.

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Um regime de justiça social é aquele em que cada cidadão deve poder dispor de todos

os meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física,

espiritual e política, ou seja, evitando que possíveis desigualdades sociais e econômicas

possam interferir diretamente na qualidade de vida do cidadão e, conseqüentemente, na sua

auto determinação política e civil.

A premissa fundamental é a igualdade nas relações econômicas, cuja origem encontra-

se no princípio doutrinário da constituição da realidade material do cidadão, enquanto que sua

infra-estrutura que exige o mínimo de formalismo para que se viabilize o pleno

funcionamento da economia através das relações interdependentes de cidadãos, instituições e

iniciativa privada, com liberdade de ação para todos.

Desta forma, inserido nos princípios da constituição econômica formal, relacionados

no inteiro teor do artigo 170, encontra-se o direito do consumidor enquanto preceito

condicionador da atividade econômica, estabelecendo o necessário grau de igualdade entre

partes (consumidores e fornecedores), sem qualquer privilégios ou favorecimentos

excessivos, mas apenas e tão somente proporcionando instrumentos eficientes para que as

partes evitem a colisão de interesses que possa causar lesão ou ameaça ao direito individual e

coletivo.

2.4 VISÃO GERAL E BASE CONSTITUCIONAL DO CODIGO

O Brasil tem hoje um Código de Defesa do Consumidor ou uma mera lei geral? A

indagação merece ao menos uma rápida abordagem. Não resta a menor dúvida de que o texto

constitucional, expressamente, reconheceu que o consumidor não pode ser protegido – pelo

menos adequadamente – com base apenas em um modelo privado ou em leis esparsas, muitas

vezes contraditórias ou lacunosas. O constituinte, claramente, adotou a concepção de

codificação, nos passos da melhor doutrina estrangeira, admitindo a necessidade de

promulgação de um arcabouço geral para o regramento do mercado de consumo.

Ora, se a Constituição optou por um Código, é exatamente o que temos hoje. A

dissimulação daquilo que era Código em lei foi meramente cosmética e circunstancial. É que,

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na tramitação do Código, o lobby dos empresários, notadamente o da Construção Civil, dos

consórcios e dos supermercados, prevendo a derrota no plenário das duas Casas, buscou,

através de uma manobra procedimental, impedir a votação do texto ainda naquela legislatura,

sob o argumento de que, por se tratar de Código, necessário era respeitar um iter legislativo

extremamente formal, o que, naquele caso não tinha sido observado. A artimanha foi

superada rapidamente com o contra-argumento de que aquilo que a Constituição chamava de

Código assim não o era.

E dessa forma, o Código foi votado com outra qualidade, transformando-se na lei n°:

8.078, de 11.09.1990. Mas, repita-se, não obstante a nova denominação, estamos

verdadeiramente diante de um Código, seja pelo mandamento constitucional, seja pelo seu

caráter sistemático. Tanto isso é certo que o Congresso Nacional sequer se deu ao trabalho de

extirpar do corpo legal as menções ao vocábulo Código (vide artigos 1°, 7°, 28, 37, 44, 51,

etc.).

Desde sua entrada em vigor no cenário legislativo brasileiro, no ano de 1991, que o

Código de Defesa do Consumidor vem se tornando um modelo em toda América Latina, além

de vir recebendo durante toda sua trajetória de existência um importante desenvolvimento

jurídico original, em função da atuação do Poder Judiciário. Nascido da prática da sociedade

de massa, o Código de Defesa do Consumidor vem regida pela égide de uma finalidade

comum, a proteção do sujeito de direito considerado a parte mais vulnerável nas relações de

consumo: o consumidor.

Com a inclusão nos liames legislativos do novo Código Civil de 2002, criou-se uma

situação de conflito no que se refere aos temas convergentes em relação ao Código de Defesa

do Consumidor. A pluralidade de leis se tornou um desafio ao aplicador da Lei, visto que tal

colisão se dirimida de forma errônea causaria uma situação de imparcialidade e injustiça às

partes envolvidas na relação.

A clareza e a certeza ao sistema jurídico é a principal razão de se buscar uma

resolução aos conflitos de leis no tempo, primando pela harmonia e coordenação entre as

normas do ordenamento em contrapartida com um sistema excludente. Deve-se procurar em

sua essência uma solução mais fluida, mais flexível, permitindo sempre maior mobilidade e

conveniência quanto aos paradigmas. Ou seja, ao invés da retirada simples de uma das

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normas em situação conflituosa dentro do sistema jurídico, a entender que a comunicação

entre apenas uma norma seria a solução justa, propõe-se uma coordenação flexível e útil das

normas em conflito, a fim de se restabelecer a sua coerência, alterando em suma seu

paradigma, alcançando a sua finalidade com a conveniência destas normas.

CAPITULO III - O CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA SOCIEDADE

3.1 RELAÇÃO ENTRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O NOVO

CÓDIGO CIVIL

Faz-se de suma relevância traçar uma distinção clara da aplicação do novo Código

Civil de 2002 ou do Código de Defesa do Consumidor quanto ao regime jurídico dos vícios

redibitórios, começando desde a definição básica de consumidor e fornecedor, para se

verificar a real necessidade de analisar onde o é aplicável em cada situação, até a busca de se

entender o panorama geral da nova teoria contratual relativizada ao Código de Defesa do

Consumidor definindo dessa forma um direcionamento a seguir em função do conflito em

questão.

A disciplina contratual do novo Código Civil de 2002, embora contenha diversos

preceitos aparentemente sobrepostos ou colidentes com o Código do Consumidor, jamais

poderá ser considerada como revogadora da norma de tutela do consumidor.

Seguindo em direção ao instituto dos vícios redibitórios em sua integralidade

doutrinária, pautando sempre por enfatizar o paralelo existente com o que existe de previsão

legal dos vícios no CDC.

Além disso, a responsabilidade do fornecedor de acordo com as regras elencadas no

CDC tornaram assim mais clara a função de suma relevância dentro do atual direito

consumeirista, trazendo a tona regras que responsabilizam o fornecedor e protegem de forma

eficiente a vulnerabilidade do consumidor.

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E embora diverso o regime dos vícios no CDC e no CC/2002, a responsabilidade civil

tanto do fornecedor quanto do consumidor pode ser reconduzida ao mesmo fundamento, qual

seja, a boa-fé presente em todo direito obrigacional.

3.2 DA QUALIDADE DOS PRODUTOS E SERVIÇOS

Segundo Antonio Herman Benjamin19, o CDC impõe uma teoria da qualidade: os

produtos e serviços colocados no mercado pelos fornecedores, deverão ter uma “qualidade-

segurança” (arts 8º a 17) e uma “qualidade-adequação” (art 18 a 25), quebrando-se assim a

summa divisa entre a responsabilidade extracontratual e contratual, pois ao impor deveres

próprios e solidariedade entre fornecedores, contratantes ou não, e em relação a todos os

consumidores (art 2º parágrafo único, art. 17 e art. 19), estabeleceu novo paradigma na

responsabilidade objetiva por fato do produto e do serviço (arts 12 a 17), falha na qualidade-

segurança, dano à incolumidade física e psíquica do consumidor, e na responsabilidade

objetiva por vicio (aparente ou oculto) do produto e do serviço.

No sistema do CDC, leis imperativas irão proteger a confiança depositada pelo

consumidor no produto, na marca e na informação que o acompanha, na sua segurança ao uso

e riscos normais, ou que razoavelmente dele se espera.

É princípio geral do CDC (art 7º), a prevenção de danos materiais e morais, individuais

e coletivos, aos consumidores, como demonstra a imposição da “presença do Estado no

mercado” (art. 4º,II,c), de um dever de informação e educação para o consumo.

3.3 DAS PRATICAS COMERCIAIS

Diz o art 29 do CDC: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte equiparam-se aos

consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

19 BENJAMIN, Antonio Herman. MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, pág.45.

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Os capítulos que o artigo 29 faz referencia são o Capítulo V, que cuida das práticas

comerciais, e o Capítulo VI que versa sobre a proteção do contrato.

O Capítulo V engloba questões como a oferta dos produtos, da publicidade, das

práticas abusivas, da cobrança das dívidas e dos bancos de dados e cadastro dos

consumidores. Com isso todas as ilegalidades que os fornecedores venham a cometer nestes

quesitos, equiparam as vítimas a consumidores, invertendo o ônus da prova, o que dificulta

muito a defesa dos fornecedores.

Sendo assim caso uma instituição financeira venha utilizar uma propaganda enganosa,

ou um de seus prepostos ofereça um produto ou serviço em desacordo com os preceitos do

CDC, as vítimas serão equiparadas ao consumidor do caput artigo 2º do CDC.

O outro pólo da relação de consumo é o fornecedor, o artigo 3º do CDC traz a sua

definição, que busca englobar todas as atividades caracterizáveis como fornecimento de

produtos ou serviços.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou

estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,

montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou

comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante

remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as

decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O intuito deste artigo é analisar se os serviços gratuitos estão protegidos pelo CDC,

visto que eles não são remunerados, pelo menos de uma forma direta. Ele supera, portanto, os

estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política

legislativa. Para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir

eficazmente os abusos do poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos

consumidores finais, o legislador colocou um poderoso instrumento as mãos daquelas pessoas

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(mesmo agentes econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo

consumidores, poderão utilizar as normas do CDC, seus princípios, sua ética de

responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as praticas

comerciais abusivas.

3.4 DA PROTEÇÃO CONTRATUAL

O art. 46 do CDC surpreende pelo alcance de sua disposição. Assim, se o fornecedor

descumprir este seu novo poder de dar oportunidade ao consumidor de tomar conhecimento

do conteúdo do contrato, sua sanção será: ver desconsiderada a manifestação de vontade do

consumidor, a aceitação deste, mesmo que o contrato já esteja assinado e o consenso

formalizado.

A proteção contratual do consumidor brasileiro, apresenta-se como um processo, uma

vez que possui várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que

entre si se ligam com interdependência. A proteção contratual vista como um processo,

compõe-se, em sentido lato, do conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do

credor, que neste caso é o consumidor.

3.5 DA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUIZO

Os instrumentos de que dispõe o consumidor para fazer valer seus direitos básicos,

normas tais que se complementam indissociavelmente, sem se esquecer de sua inspiração, ou

seja, sempre tendo em vista a preservação de uma política das relações de consumo, definida

pelo artigo 4.º do Código de Defesa do Consumidor.

O consumidor há de ser encarado de duas maneiras fundamentais, ou seja

individualmente, ou isoladamente, com vistas à resolução de um impasse bem definido

surgido de uma relação de consumo, já que ora nos propomos a cuidar dos aspectos práticos

da defesa ou proteção jurídica do consumidor, e coletivamente, ou seja, na forma como se

analisou a problemática dos chamados interesses difusos, interesses coletivos e interesses

individuais homogêneos de origem comum, mas sempre enquanto coletividade de

consumidores de algum produto ou serviço.

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Desta forma, os instrumentos de defesa a que já chamamos de institucionais, com vistas

ainda à resolução de uma reclamação individual acerca de um caso típico do que hoje ainda

se chama no Código Civil e no Código Comercial de vício redibitório, a saber: órgão de

proteção ao consumidor (Procons, Cedecons, Sedecons etc.), Promotorias Especializadas de

Proteção e Defesa do Consumidor, Juizados de Pequenas Causas ou Juizados Informais de

Conciliação as futuras Defensorias Públicas, Delegacias de Política em pequenos Municípios

e Entidades Privadas que se dediquem a esse tipo de atendimento.

3.6 DAS AÇÕES COLETIVAS PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS

HOMOGENEOS

No Código de Defesa do Consumidor nos deparamos, em seu art. 81, com três

espécies distintas de tutelas coletivas:

1ª - Os Interesses ou direitos difusos - previstos sempre que haja uma indeterminação de

titulares, além do que, entre eles, não exista qualquer relação jurídica anterior à lesão e o

próprio bem jurídico a ser tutelado seja indivisível. Tomemos como exemplo uma publicidade

enganosa veiculada por televisão. Ora, não podemos determinar as pessoas lesadas pela

publicidade, não havia entre essas pessoas nenhum vínculo anterior e não há, neste momento

inicial, como calcular o dano individual do consumidor.

2ª - Os interesses ou direitos coletivos - possuindo como titulares um grupo, uma categoria

ou uma classe de pessoas, havendo entre elas uma relação jurídica-base anterior à lesão,

porém ainda sendo o bem jurídico indivisível. Como exemplo, imaginemos o grupo de

estudantes do 2º Grau de Fortaleza que está sendo ludibriado com a confecção de carteiras de

estudante, ou seja, há a determinação de um grupo de consumidores, porém ainda não

quantificamos o prejuízo individual de cada um per si.

3ª - Os interesses ou direitos individuais homogêneos - assim entendidos, explica o Código,

os decorrentes de origem comum. Na verdade, os interesses individuais homogêneos são

aqueles em que o interesse é individualizado na pessoa de cada um dos prejudicados, fazendo

com que as pessoas sejam determináveis. Para melhor entendimento, tomemos o exemplo

acima, porém não com o grupo de estudantes do 2º grau (grupo indeterminável), mas os

estudantes do 2º grau de um determinado colégio. No caso em questão, estaremos diante dos

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interesses individuais homogêneos, cuja criação, repita-se, fora com o advento do Código de

Defesa do Consumidor.

Problema inicial seria perscrutar se o Órgão do Parquet teria legitimidade para

ingressar com Ação Civil Pública, defendendo interesses individuais homogêneos. Isso

porque, segundo a CF/88, em seu art. 129, quando trata das funções institucionais do

Ministério Público adverte que o MP deverá "promover o inquérito civil e a ação civil

pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos", não incluindo, portanto, os interesses individuais homogêneos.

Mas sendo os direitos individuais homogêneos, criação do atual CDC, cuja lei fora

publicada em setembro de 1990, não haveria possibilidade de haver sua previsão na CF/88.

Ademais, ainda em seu artigo 129, explica a Constituição que também é função do MP

"exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua

finalidade...". Assim sendo, possível a legitimidade do Órgão Ministerial para representar

interesses individuais homogêneos, desde que exista relevância social, pois, desta forma, não

estaria o Ministério Público agindo fora de sua finalidade.

3.7 O TRATAMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CODIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor prevê duas hipóteses de responsabilidade civil do

fornecedor, ambas objetivas:

a) Responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço;

b) Responsabilidade por vício do produto ou do serviço.

A Responsabilidade Civil pelo fato do produto ou serviço é decorrente de danos

materiais ou pessoais provocados pelo produto ou serviço, sendo denominados acidentes de

consumo. Nessa direção, a doutrina entende que o fato do produto é todo e qualquer acidente

provocado por defeito de produto ou de serviço que causar dano ao consumidor ou a

terceiros, que são a ele equiparados para esse efeito, como visto linhas atrás.

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Os artigos 12, § 1º, e 14, § 1º, da Lei nº 8.078/90 definem respectivamente produto

defeituoso e serviço defeituoso. O produto e o serviço são considerados defeituosos quando

não oferecem a segurança que deles legitimamente se espera. Devem ser levadas em

consideração para a configuração da característica de defeituoso algumas circunstâncias, a

saber: apresentação do produto e o modo de fornecimento dos serviços; o uso, os resultados e

os riscos que razoavelmente deles se esperam e, finalmente a época em que foram

disponibilizados no mercado.

A responsabilidade principal é do fabricante, produtor, construtor ou importador.

Como analisado precedentemente, o comerciante só responde subsidiariamente, quando os

responsáveis principais não puderem ser identificados, ou quando o mesmo não conservar

adequadamente os produtos perecíveis. Aquele que efetivar o pagamento da indenização,

conserva o direito de regresso contra os demais obrigados, na medida de sua participação, eis

que nos termos do parágrafo 1o, do artigo 25, combinado com o parágrafo único do artigo 7o,

do CDC, a responsabilidade é solidária.

A ação de responsabilidade civil por danos causados por fato do produto ou do serviço

é sujeita a prazo prescricional de cinco anos. O dies a quo de contagem do prazo é o dia em

que restaram conhecidos o dano e sua autoria.

Responsabilidade por vício do produto ou do serviço - O Código de Defesa do

Consumidor, em seus artigos 18, 19 e 20, prevê a responsabilidade civil do fornecedor por

vício do produto ou do serviço, ao mesmo tempo em que disciplina as respectivas sanções a

serem impostas por iniciativa do consumidor a ser ressarcido.

Tais vícios podem inquinar a qualidade ou a quantidade dos produtos ou serviços,

ensejando, por igual, a responsabilização do fornecedor.

O legislador previu a responsabilidade solidária de todos os que intervierem no

fornecimento de produtos ou serviços. Diante disso, o consumidor, destinatário final, em

razão da solidariedade passiva, tem direito a responsabilizar o fornecedor imediato do bem ou

do serviço, seja o fabricante ou até mesmo o comerciante. Aquele que efetivamente responder

pelos danos conservará direito de regresso contra os demais coobrigados, na medida de sua

participação no evento.

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Em que pese tenha o Código de Defesa do Consumidor adotado o modelo da

responsabilidade civil objetiva com culpa prescindível, prevê hipóteses de exclusão da

responsabilidade do fornecedor.

De acordo com o CDC (artigos 12, §3º, e 14, §3º), o fornecedor se exime da

responsabilidade quando provar, alternativamente:

a) que não colocou o produto no mercado;

b) que, embora haja colocado o produto no mercado ou prestado o serviço, o defeito

inexiste;

c) que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Portanto, a exoneração da responsabilidade depende de prova a ser produzida pelo

fornecedor imputado.

CONCLUSÃO

Procuramos demonstrar que o Código de Defesa do Consumidor, tendo surgido pelo

clamor de uma sociedade de produção e consumo massificada e como uma das formas de

intervenção do chamado Estado do Bem-estar, inaugurou um admirável sistema de tutela

dos direitos e garantias do consumidor como forma de se compensar a vulnerabilidade

econômica que o marca como participante de relações sócio-jurídicas de consumo ao lado do

titular do capital - o fornecedor. É inegável que o Brasil tem uma excelente legislação para

tratar desse assunto, reconhecido mundialmente. O movimento de Defesa do Consumidor

tem crescido em grande escala, com ênfase em trabalhos preventivos e educativos,

despertando o interesse pelos valores da cidadania.

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Após o término da nossa pesquisa chegamos às seguintes conclusões:

1. Mesmo sendo o Direito do Consumidor uma obra relativamente nova na

doutrina e na legislação, comprovamos sua presença em todos os momentos

da história da humanidade onde já se havia relação de consumo.

2. No Brasil, o Direito do Consumidor começou a surgir entre as décadas de

40 e 60, quando foram sancionadas diversas leis federais legislando sobre

saúde, proteção econômica e comunicações.

3. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor veio, portanto, concretizar

a determinação da Carta Magna de conferir ao consumidor a proteção do

Estado e um meio jurídico adequado de proteção.

4. O Código de Defesa do consumidor apresenta estrutura e conteúdo

modernos, em sintonia com a realidade brasileira, tornando-se modelo para

toda América Latina e cabe a todos nós aperfeiçoar continuamente nosso

conhecimento sobre o assunto.

5. O Código de Defesa do Consumidor traça um diálogo permanente com o

novo Código Civil de 2002.

6. O consumidor dispõe através do Código de Defesa do Consumidor, de

diversos instrumentos para fazer valer seus direitos básicos.

7. A Responsabilidade Civil também é abordada no Código de Defesa do

Consumidor.

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