miriam saraiva

52
1 ANO I Rio de Janeiro Jan | Jun 2010 O lançamento da revista Mural Internacional con- solida o lugar assumido pelo Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais da UERJ no cenário acadêmico. Mais do que isso, reafirma a vocação da instituição para o debate sobre as questões internacionais, em uma conjuntura na qual a ordem internacional mostra-se impactada por uma história que se torna cada vez mais veloz. A UERJ, nesse contexto, vive tempos de proposições e resgates. As proposições tornaram-se vitoriosas com a criação do Mestrado em RI e da revista Mural Internacional, graças ao empenho de professores como Miriam Saraiva, Mônica Lessa e Williams Gonçalves. Os resgates falam de uma história que remonta há, pelo menos, três décadas e que ficaria esquecida no passado não fosse a sensibilidade dos editores da revista que agora chega aos leitores. Visto sob a ótica de um movimento de maior duração, a criação do PPGRI representa o ponto de chegada de um longo e árduo caminho, marcado por impulsos e retra- ções, encontros e desencontros e, mais do que tudo, por equívocos políticos, ideológicos e administrativos. Traçar a trajetória descrita por este movimento mostra- se um desafio maior quando quem o faz protagonizou muitos dos processos descritos: do oferecimento da dis- ciplina “Relações Internacionais” para turmas de História e Ciências Sociais, nos hoje já longínquos anos 1970, à direção de unidade voltada para o debate de questões brasileiras e internacionais. Considerando-se as conjunturas principais nas quais se deu a emergência das relações internacionais no univer- so acadêmico brasileiro: os anos 1970 (no contexto da Guerra Fria, de sua irradiação na América Latina e da consolidação da idéia de uma Europa integrada) e a década final do século XX (quando a Globalização e o “choque de civilizações” intensificaram os debates aca- dêmicos sobre o cenário internacional), podemos dizer que a UERJ nunca se furtou à ação propositiva e aos esforços destinados a garantir visibilidade das relações internacionais no cenário acadêmico. Nos anos 1970, o esforço concentrou-se no oferecimen- to de disciplinas de RI em currículos dos cursos ofere- cidos na área das ciências humanas. Em 1986, por impulso partido da própria reitoria, foi criado o Instituto Superior de Estudos Brasileiros e Relações Internacio- nais (ISEBI), após profundas discussões e disputas tra- vadas no âmbito do Conselho Universitário, que SUMÁRIO Relações Internacionais na UERJ: um tributo à memória Sobre a Neutralidade Irlandesa e o Tratado de Lisboa Laura C. Ferreira-Pereira Who still cares about the English School, and why? Gian Luca Gardini A Globalização cultural e os desafios para uma governança global democrática Rafael R. Ioris BRICs - Cooperação em comér- cio e indústria. Um ponto de vista do lado brasileiro José Botafogo Gonçalves 4 | 7 | 12 | La cooperación Sur-Sur de Brasil: ¿Instrumento de política Exterior y/o Manifestación de Solidaridad Internacional? Bruno Ayllon Pino e Iara Costa Leite 20 | 33 | La cooperación Sur-Sur. Argentina y Brasil: dos interpretaciones diferentes María Gisela Pereyra Doval 40 | A diplomacia brasileira e as visões sobre a inserção externa do Brasil: institucionalistas prag- máticos x autonomistas Miriam Gomes Saraiva 45 | ISSN 2177-7314

Upload: marcos-soares

Post on 13-Aug-2015

69 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Miriam Saraiva

1A N O I

Rio de Janeiro

Jan | Jun 2010

Olançamento da revista Mural Internacional con-solida o lugar assumido pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ

no cenário acadêmico. Mais do que isso, reafirma avocação da instituição para o debate sobre as questõesinternacionais, em uma conjuntura na qual a ordeminternacional mostra-se impactada por uma história quese torna cada vez mais veloz.

A UERJ, nesse contexto, vive tempos de proposições eresgates. As proposições tornaram-se vitoriosas com acriação do Mestrado em RI e da revista MuralInternacional, graças ao empenho de professores comoMiriam Saraiva, Mônica Lessa e Williams Gonçalves.

Os resgates falam de uma história que remonta há, pelomenos, três décadas e que ficaria esquecida no passadonão fosse a sensibilidade dos editores da revista que agorachega aos leitores.

Visto sob a ótica de um movimento de maior duração, acriação do PPGRI representa o ponto de chegada de umlongo e árduo caminho, marcado por impulsos e retra-ções, encontros e desencontros e, mais do que tudo, porequívocos políticos, ideológicos e administrativos.Traçar a trajetória descrita por este movimento mostra-

se um desafio maior quando quem o faz protagonizoumuitos dos processos descritos: do oferecimento da dis-ciplina “Relações Internacionais” para turmas deHistória e Ciências Sociais, nos hoje já longínquos anos1970, à direção de unidade voltada para o debate dequestões brasileiras e internacionais.

Considerando-se as conjunturas principais nas quais sedeu a emergência das relações internacionais no univer-so acadêmico brasileiro: os anos 1970 (no contexto daGuerra Fria, de sua irradiação na América Latina e daconsolidação da idéia de uma Europa integrada) e adécada final do século XX (quando a Globalização e o“choque de civilizações” intensificaram os debates aca-dêmicos sobre o cenário internacional), podemos dizerque a UERJ nunca se furtou à ação propositiva e aosesforços destinados a garantir visibilidade das relaçõesinternacionais no cenário acadêmico.

Nos anos 1970, o esforço concentrou-se no oferecimen-to de disciplinas de RI em currículos dos cursos ofere-cidos na área das ciências humanas. Em 1986, porimpulso partido da própria reitoria, foi criado o InstitutoSuperior de Estudos Brasileiros e Relações Internacio-nais (ISEBI), após profundas discussões e disputas tra-vadas no âmbito do Conselho Universitário, que

SUMÁRIO

Relações Internacionais na UERJ: um tributo à memória

Sobre a Neutralidade Irlandesa eo Tratado de LisboaLaura C. Ferreira-Pereira

Who still cares about the EnglishSchool, and why? Gian Luca Gardini

A Globalização cultural e osdesafios para uma governançaglobal democrática Rafael R. Ioris

BRICs - Cooperação em comér-cio e indústria. Um ponto devista do lado brasileiro José Botafogo Gonçalves

4 |

7 |

12 |

La cooperación Sur-Sur deBrasil: ¿Instrumento de políticaExterior y/o Manifestación deSolidaridad Internacional?Bruno Ayllon Pino eIara Costa Leite

20 |

33 |

La cooperación Sur-Sur.Argentina y Brasil:dos interpretaciones diferentesMaría Gisela Pereyra Doval

40 |

A diplomacia brasileira e asvisões sobre a inserção externado Brasil: institucionalistas prag-máticos x autonomistasMiriam Gomes Saraiva

45 |

ISSN 2177-7314

Page 2: Miriam Saraiva

demonstraram, desde o início, as relações contur-badas que afetariam a nova unidade e o quadro decontestação permanente que levaria à sua extinção,cerca de um ano apenas após sua criação.

Malgrados os problemas existentes, porém, oISEBI conseguiu reunir uma equipe interdisciplinarde altíssimo gabarito e grande capacidade de reali-zação. Esta equipe incluía professores comoAntonio Carlos Peixoto, Emir Sader, IsabelPicalunga (já falecida), Moniz Bandeira (que, pos-teriormente, prestou concurso para a UNB), MariaHelena Moreira Alves (hoje no Chile), MarcosArruda, Renée Dreyfuss (já falecido), WilliamsGonçalves e outros.

Como realizações do grupo, contaram-se ciclosmemoráveis de palestras abertas à comunidade, vol-tadas para o debate de temas cruciais da políticainternacional de época, e a criação de dois cursos deespecialização: um em Relações Internacionais (soba coordenação do prof. Antonio Carlos Peixoto) eoutro em Estudos Comparados da América Latina(coordenado pela Prof. Maria Helena MoreiraAlves).

O processo de seleção para os cursos do ISEBI foiaberto ainda no ano de 1987, com início previstopara 1988, e a procura por eles demonstrou que aUERJ trilhava um caminho profícuo. No entanto,a extinção da Unidade impediu a continuidade naoferta de vagas para os cursos referidos, que fica-ram sob a responsabilidade direta da direção doCentro de Ciências Sociais, até a certificação dosalunos. Muitos professores migraram para outrasinstituições, levando com eles reflexões acumula-das e a experiência de um trabalho desenvolvidoem um rico ambiente de trocas.

No caso específico do Curso de Especialização emRelações Internacionais, graças à sensibilização dodepartamento de História, ele pode renascer, em1990, como Curso de Especialização em Históriadas Relações Internacionais.

Em vinte anos de existência, o curso não só formoucentenas de alunos como garantiu um lugar dereferência na área, apesar de sua circunscrição àárea da História. Por outro lado, transformou-seem base sólida para a criação do Programa de Pós-Graduação em História Política, que contemplou,como uma de suas linhas de pesquisa, as RelaçõesInternacionais.

A partir dos diálogos travados entre História

Política e Relações Internacionais criou-se a massacrítica necessária para que pudesse ser criado umnovo programa em nível de mestrado: o Programade Pós-Graduação em Relações Internacionais(PPGRI), que tornou as frustrações do passadosentimentos esquecidos.

Neste ano de 2010, quando o PPGRI incorpora asegunda turma de mestrandos e lança sua revista,cabe dizer, a partir de imagem criada porGuimarães Rosa, que o real, se dispôs para nós nacaminhada; razão mais do que suficiente para quea UERJ reivindique um espaço de reconhecimentono campo das relações internacionais. A propostaestá lançada e o desafio há muito já foi aceito.

Lená Medeiros de Menezes

Professora do Departamento de História e do Programa dePós-Graduação em Relações Internacionais, Sub-Reitorade Graduação da UERJ.

Page 3: Miriam Saraiva

Mural Internacional é a revista eletrônica semestral do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio deJaneiro. Seu objetivo é debater temas relevantes das Relações Internacionais emsua totalidade como a política internacional, políticas externas, economia políti-ca internacional, processos de integração regional, instituições internacionais,processos migratórios internacionais, relações culturais internacionais, dis-cussões teóricas e/ou metodológicas e temas da atualidade de terminados paísesou regiões.

As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade de seus respectivosautores.

Seu download é gratuito, a partir do site www.ppgri.uerj.br.© 2010 • Todos os direitos são reservados ao PPGRI/UERJ.

Visite o site www.ppgri.uerj.br, em Publicações, aonde há mais informaçõessobre a revista e sobre suas normas para publicação.

Editora - Mônica Leite LessaEditora Adjunto - Miriam Gomes Saraiva

Comitê Científico:Alexis Toríbio DantasAntonio Carlos PeixotoCláudio de Carvalho SilveiraErica Simone Almeida ResendeHugo Rogelio SuppoLená Medeiros de MenezesWilliams da Silva Gonçalves

Projeto Gráfico e Webdesign:Alessandra Herrero | Conecte Design.

Correspondência:Programa de Pós-Graduação em Relações InternacionaisInstituto de Filosofia e Ciências SociaisUniversidade do Estado do Rio de JaneiroRua São Francisco Xavier, 524, 9no.Andar, bloco F, sala 9037.Rio de Janeiro RJ Cep.22071-030 BrasilTel. 55 21 23340678 / 55 21 96065754E.mail: [email protected]

Ano I, nº 1. Janeiro-junho de 2010

Page 4: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

4

Desde o início dos anos 60, quando o proces-so de industrialização acelerada foi entusias-ticamente adotado pela sociedade brasileira,

o país tentou definir a si próprio como um global tra-der e também como um global player.

Cinquenta anos mais tarde, o Brasil está começandoa ser considerado uma potência emergente pelacomunidade internacional e pelas suas próprias auto-ridades diplomáticas. Paradoxalmente, o caminhoque o Brasil percorreu rumo à indústria e ao comér-cio internacional deu-se no contexto de uma trajetó-ria isolacionista surpreendente, na qual regras inter-nacionais obrigatórias ou cooperação internacionalvoluntária sofreram objeções ou foram relutante-mente implementadas.

Para entender essa contradição, algumas considera-ções históricas e geográficas são necessárias.

A história do Brasil começa em 1500, quando osnavegadores portugueses desembarcaram nas costasdo sul do Oceano Atlântico. Até 1808, o Brasil foiuma colônia portuguesa, no mais absoluto sentidoda palavra. Comércio e indústria - esta somentequando permitida por Portugal - foram desenvolvi-dos exclusivamente com Lisboa. Os portos brasilei-ros eram fechados a todas as demais nações.

Navegadores franceses, holandeses, ingleses, fren-quentavam nosso litoral apenas como traficantes oucorsários. Todos os vizinhos brasileiros na Américado Sul eram considerados inimigos potenciais, namedida em que seus territórios eram controlados porEspanha, França, Holanda; todos inimigos dePortugal, a Espanha, em particular.

Esse quadro de isolamento foi fundamental paramodelar, dentro da colônia portuguesa, um sentimen-to de nação, que fala o mesmo idioma, lida com umdominador estrangeiro (Portugal) e mantém a popu-lação afastada dos inimigos hispânicos.

“Vizinhos” é dificilmente uma palavra apropriada,uma vez que o Brasil encontra-se separado dessasregiões por uma densa floresta tropical, por riosgigantescos ou pela Cordilheira dos Andes.

Em 1808, quando toda a monarquia portuguesadesembarcou no Rio, escapando da invasão do exér-cito napoleônico, o Brasil, literalmente do dia para anoite, modificou seu status político de colônia àmetrópole do império português. Nesse momento opaís ainda não era um Estado, mas se sentia quasecomo uma nação.

Embora o destino formal das exportações brasileirasfosse Portugal, de fato os bens brasileiros eram re-exportados para países europeus e, mais tarde, para

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

BRICsCooperação em comércio e indústria.Um ponto de vista do lado brasileiro

José Botafogo Gonçalves

Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

4

Page 5: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

5

os Estados Unidos da América.

De que tipo de bens se tratava?“Commodities” agrícolas, e ouro ediamantes no século XVIII.

Algumas conclusões podem sertraçadas a partir desse breve panode fundo histórico e geográfico:

a) O Brasil, desde 1500, tem sidoum exportador sucedido e compe-titivo de commodities agrícolas, econtinuará nessa posição nos pró-ximos anos;

b) O Brasil está se tornando umexportador bem sucedido de bensindustriais (manufaturados esemimanufaturados), e seu cres-cente mercado interno proporcio-na uma razoável produção emescala; ainda o crescimento dosinvestimentos logísticos melhoraa competitividade dos bens brasi-leiros e sua distância em relaçãoaos mercados dos países doAtlântico Norte e de potênciasasiáticas (Japão, China, Índia);

c) A expansão do comércio indus-trial internacional é um fenômenomuito recente (tem em torno de 10anos) e requer esforços gigantes-cos do governo e do setor privado,com vistas a manter ou a aumen-tar a atual taxa de crescimentodesse tipo de exportação;

d) Atualmente, ninguém podeafirmar em qual direção o Brasilconcentrará seus esforços na pro-moção da cooperação internacio-nal no comércio e na indústria,embora haja evidências empíricasmostrando que o mercado daAmérica do Sul crescerá emimportância relativa ou absolutana esfera do comércio exterior.

A esta altura, podemos especularsobre possíveis áreas de coopera-ção entre os países que compõemos Bric’s em um futuro próximo,tanto no campo do comércioquanto no da indústria.

Levando em conta a história bra-sileira, as ambições culturaisnacionalistas, o comércio global ea performance global do país,podemos esperar, no contexto deum possível diálogo entre os qua-tro países participantes do grupo,uma mistura variável e complexade cooperação, competição, con-frontação e negociação no campoda agricultura, barreiras não-tari-fárias de comércio, políticas deinvestimentos, direitos de proprie-dade intelectual e serviços trans-nacionais.

Como foi mencionado anterior-mente, o Brasil desenvolveu seupróprio pacote de políticas em umquase completo isolamento emrelação a seus parceiros naturais.Embora o Brasil seja um membrofundador das instituições deBretton Woods, o Ministério deRelações Exteriores (Itamaraty)sempre usou o fórum de BrettonWoods para apresentar justificati-vas visando ao não-cumprimentodas decisões liberais adotadasparticularmente nos caso de polí-ticas comerciais. Os argumentosforam normalmente baseados emconsiderações de balanço depagamentos ou nas necessidadesde se projetar uma “indústria nas-cente” ou de se prover “tratamen-to diferenciado” para os paísesmenos desenvolvidos. Nesta áreaespecífica, a cooperação com a

diplomacia indiana vem sendocontínua e proveitosa.

Este não foi o caso em relação àRússia (União Soviética) ou àChina, uma vez que ambos excluí-ram a si próprios da lista de paísescapitalistas. Por razões políticas, acooperação entre Brasil e Rússia(União Soviética) ou entre Brasile China foi inexistente ou operousob severo escrutínio das autori-dades dos países envolvidos.

Nas últimas duas décadas, osBrics experimentaram grandesmudanças. O Brasil, desde 1990,vem abrindo rapidamente sua eco-nomia para países estrangeiros e,pela primeira vez na história, estáliderando na América do Sul umambicioso projeto de integraçãoregional através das instituiçõesdo Mercosul, da união aduaneira edo livre comércio. Rússia, Índia eChina, com diferentes propósitose ênfases, estão interconectandosuas economias àquelas de parcei-ros próximos e distantes, e tam-bém ao grupo dos Brics, conformepodemos ver nas estatísticas docomércio internacional.

Em suma, a história de cooperaçãoentre os quatro países que formamo BRIC é pobre e pouco signifi-cante para prover linhas mestraspara o futuro.

A boa notícia é que esses paísesestão mostrando habilidade paraquebrar restrições seculares de seupróprio subdesenvolvimento eestão se apresentando no cenáriointernacional como emergentes porserem grandes e novos, e não porserem grandes e velhos.

Page 6: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

6

A melhor indicação da nova situa-ção do Brasil vem ironicamenteda mais antiga atividade econômi-ca desde o tempo colonial, que é aagricultura. O Brasil, junto comos parceiros e associados doMercosul, possui o maior reserva-tório de água, de fontes de energiarenováveis e não-renováveis, deterra arável e de exposição ao sol.Ao contrário de práticas antigas,hoje os produtores agrícolas brasi-leiros têm a sua disposição a maismoderna tecnologia existente paralavouras tropicais, práticas ecoló-gicas e sustentáveis no longoprazo. O Brasil está se tornando omaior fornecedor mundial de pro-teína vegetal e animal. China eÍndia estão se tornando grandesconsumidores deste tipo de ali-mentos. É possível uma coopera-ção entre os Brics nessa área? Aresposta é simples. Sim, a coope-ração é possível, mas, probabilisti-camente falando, atravessaremosinicialmente campos de confronta-

ção e de negociação antes de atin-girmos o estágio de cooperação.Na medida em que o comérciointernacional é hoje medido maispor valor agregado do que por ape-nas volume, os exportadores eimportadores de commodities vãolutar para aumentar a porção devalor agregado incorporado nosbens agrícolas dentro de suas fron-teiras políticas ou econômicas.

Por outro lado, no campo dos bio-combustíveis e de outras fontes deenergia renováveis, a cooperaçãoentre os Brics é possível e de inte-resse mútuo.

No caso de questões relacionadasa investimentos e a comércio, acooperação entre companhias pri-vadas será uma força dinâmicaque se moverá mais rapidamentedo que políticas governamentais.

As companhias transnacionais oumultinacionais não são mais umprivilégio do quadro industrial do

mundo desenvolvido. Os Bricstêm surpreendido o mundo com ocrescente papel de suas própriascompanhias transnacionais, que jáinfluenciam políticas públicascom vistas a promover seus objeti-vos econômicos.

Como conclusão, os Brics são qua-tro grandes animais diferentes queestão entrando juntos no cenário doséculo XXI, não apenas por seremgrandes, mas sim porque estãomostrando a habilidade de usarseus tamanhos para modificar emodernizar a si mesmos. Inovaçãoé o conceito que pode consolidaros BRICs no futuro.

Enquanto isso, testemunharemosepisódios de confrontação, denegociação e de cooperação emproporções que somente post factoseremos capazes de determ inar.

Page 7: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

7

If it is true that definitional problems arealways present in International RelationsTheory, the English School is an evident

example. Its boundaries are contested, its corearguments defined as heterogeneous by its propo-nents and inconsistent by its critics. Yet, theEnglish School has its own identity. This is oftenreflected in the organisation and conceptualiza-tion of many IR textbooks that devote specificchapters to the School.1 In spite of being consid-ered a defeated approach by the IR mainstream,the English School still plays an important role inIR Theory, precisely because of its eclectic andmulti-faceted contribution to the discipline.

A useful first step to discover who may be interest-ed in the English School is to have a look at the web-site of the English School set up by Barry Buzan andcurrently hosted by the University of Leeds.2 Thelist of contributors to the discussions held within theSchool is so long and varied that it provides a good

indication of why the School deserves attention: ithas something to say about almost all the fundamen-tal issues and debates in IR. Therefore, rationalism(another definition of the English School) shouldraise the interest, among others, of:

• those who are in favour of methodological pluralism;

• those looking for a plausible alternative to thedivide idealism/realism;

• those who pursue normative approaches to IR;

• those who place the human being and culturalissues at the core of the IR research agenda;

This paper is structured in four sections according tothese areas of interest.

Methodological pluralism

On the question of method, two questions have char-acterised the rationalist approach. The first concernsits wide pluralism. The second was essentiallydefined by the polemic engagement of Hedley Bull,probably the most prominent among the EnglishSchool scholars, in the debate between traditionalistsand behaviouralists. Regarding pluralism, criticshave often dismissed the approach of the EnglishSchool as non-scientific and they have charged it

Who still cares about theEnglish School, and why?

Gian Luca Gardini

Professor de Relações Internacionais eVice-Diretor do European Research Institute da University of Bath

1. See for instance: Jackson and Sorensen (2007); Sterling-Folker(2006);Dunne, Kurki and Smith (2007); Burchill, Devetak,Linklater, Paterson, Reus-Smit and True (2001).

2.http://www.polis.leeds.ac.uk/research/international-relationssecurity/english-school/ • (last accessed 20/2/2010).

Page 8: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

8

with inconclusiveness and vague-ness. Instead, Buzan argues thatthe English School offers amethod for studying internationalpolitics that deserves more atten-tion than it has usually received.Its proponents assert the validityand the under-utilization of this“historicist, constructivist, andmethodologically pluralist”(Buzan 2001, 472) approach toInternational Relations Theory.Buzan is right in calling for moreattention to a comprehensiveapproach to IR. He advocates amethod that may be useful to tack-le several, if not all, the mostimportant theoretical and substan-tial challenges of internationalpolitics and the validity of whichis not just limited to a few theoret-ical debates. To attain this goal,the English School makes use of amulti-level (of analysis) approach,and the historicist focus reflects asmuch a legacy of the origins of theSchool as its own enduring identi-ty. IR is considered a humanisticdiscipline. It is therefore anappropriate field for historicaland normative analysis. AsHollis and Smith would expressthe point, International Relationsis a question of understandingrather than explaining (Hollisand Smith 1991). The pluralistaspect is witness to the opennessof the School to approaches otherthan its own, thus enlarging thescope of its agenda.

On the quarrel between tradition-alists and behaviouralist, Bullsubstantially reproduced anddeveloped the historicist argu-ment, stressing that IR is not an

exercise in statistics and quantita-tive methods but rather a deep his-torical knowledge coupled withthorough conceptualisation ofinternational politics. Bullobserved that history may not besufficient to understand interna-tional relations but cannot beoverlooked for at least four rea-sons (Bull 1972; 1995). First, cer-tain political situations are notmerely illustrations of generalpatterns but genuinely singularevents. Second, any internationalsituation is located in time and tounderstand it the scholar mustplace it within a sequence ofevents. Third, the quality, tech-niques and canons of judgment ofdiplomatic history as a disciplineare often less obscure and contro-versial than those of theoreticalstudies. Fourth, history itself isthe primary material for the socialsciences, which have themselves ahistory and emerge within adefined historical context.Furthermore, Bull defended thecomposite approach of theEnglish School asserting that IR isnot a single discipline but drawsfrom other disciplines, such ashistory, political theory and inter-national law. The critics of theEnglish School have never beenentirely convinced by these argu-ments and maintained the ideathat rationalism founded its pre-suppositions on a poor and impre-cise methodology. Overall, inspite of the value of methodologi-cal pluralism, indeterminacy inmethod has always been one ofthe weaknesses of the EnglishSchool approach to IR.

Beyond the divide between real-

ism and idealism: the concept of

international society

The English School largely drewfrom, and shared elements of bothidealism and realism, trying tocombine them in an original syn-thesis. The key contribution tothis purpose remains the conceptof international society and therole of both interests and values toexplain international cooperation.

Rationalism, along with realism,recognizes the great importanceof power and the pre-eminence ofstates in the international arena.Nonetheless, it denies the view ofinternational politics as a state ofnature without norms. Drawinglargely from Grotius, the EnglishSchool argues that power and laware both present in the internation-al context. The principal differ-ences of the School from idealismand realism are reflected in theconceptualisation of internationalsociety. This is a fundamental def-inition to understand both therationalist peculiarity as com-pared to other stances in IR andthe originality of its positions incurrent debates within the disci-pline. International society is anorm-governed form of associa-tion, where norms emerge only asa requirement for cooperation.Unlike idealism, here internation-al norms do not involve commonprojects or identities. This meansthat accepted norms do not gobeyond what is required for socialcoexistence. The internationalsociety then performs the impor-tant role of providing the anarchi-

Page 9: Miriam Saraiva

cal international system withorder. Rationalism recognizes theessential anarchical nature of theinternational context, but suggeststhat institutions and practices, suchas diplomacy and internationallaw, contribute to the maintenanceof the international order, under-stood as pattern of internationalactivities that sustain basic goals.

How does the English Schoolmove forward and explain the for-mation of international institu-tions? It is at this stage that valuescome into play. Internationalorganisations are the result of bothcommon interests and values. Ifinternational co-existence facili-tates, and is underpinned by, rulesgoverning cooperation, interna-tional organisations are based oninterests, consent and a rudimen-tal form of justice understood asan expression of the prevailingvalues in the international society.Common interests are the basisfor any international joint effort.Consent is expressed by states todevelop institutions promotingthose norms that help maintaincooperation and co-existence.Justice in this case means that thesame rules apply to everybody, itis a basic commutative (based onrules) form of justice. The innova-tive character of the EnglishSchool is to be found in the com-

bination of both common interestsand values (bull 1977), an antici-pation of a constructivistapproach to international rela-tions. Such a conceptualisation ofthe international society poses agood number of challenges to IRtheorizing, the implications ofwhich will be dealt with in thenext two sections.

A normative approach to the

study of international relations

and International Relations

Theory

A broadly normative approach toInternational Theory is one of themost interesting aspects of theEnglish School. Normative con-cerns as applied to the definitionof the international society repre-sent both one of the most chal-lenging suggestions of rationalismand one of its typically tortuousand some times inconclusivepaths. The purpose of the EnglishSchool was ‘not to study diplo-matic history in the usual sense,nor to discuss current problems,but to identify the basic assump-tions that lie behind diplomaticactivity, the reasons why a coun-try conducts a certain foreign pol-icy, the ethical premises of inter-national conflict…’.3 This earlystatement by Butterfield expressesthe explicitly normative commit-ment of the English School schol-ars. The departure from realism isevident in that realism conceivedof morality and international poli-tics as absolutely distinct spheres.

The application of a normativeperspective to the concept ofinternational society resulted in

three fruitful developments. First,the attention to the determinantsof foreign policy completed thedetachment from the realist/neo-realist paradigm. While neoreal-ism conceived of the systemstructure as dominant over theunits, the English School attrib-utes a significant role to units(especially to the most powerfulones) in shaping the internationalsociety. As Buzan suggested, thismakes the English School think-ing close to Wendt’s construc-tivism in that ‘anarchy is whatstates make of it’ (Wendt) 1992).This is not the only point of con-tact between Wendt and theEnglish School. In fact the latterseems also to anticipate that theunits’ perception of one another isa major determinant in their inter-actions. This is what LarsCederman defined as ‘strategictag’, which perfectly applies tounderstand for instance the evolu-tion of Argentine-Brazilian rela-tions since the late 1970sCederman 2001).4

Secondly, the attention devoted tothe units invariably calls for theconsideration of cultural factorsas determinants for internationalrelations. Rationalist scholarsmaintain that states become soinvolved in the international sys-tem that they transform it into asociety. This transformation takesplace on the basis of acceptednorms and institutions. Now, theproblem is: on what grounds arethese norms internationallyaccepted? Do states share a com-mon culture that makes theminclined to accept the samenorms? The answer to this ques-

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

9

3. Herbert Butterfield, letter to Martin Wightin 1958, quoted in Adam Watson, TheBritish Committee for the Theory of Interna-tional Politics: www.polis.leeds.ac.uk/assets/files/research/english-school/watson98.pdf(last accessed 20/2/2010).

4. For the application of the concept toArgentine-Brazilian relations see Gardini(2010, 178-179).

Page 10: Miriam Saraiva

tion is relevant to another impor-tant IR divide: the one betweencosmopolitans and communitari-ans. In fact, if the values underly-ing international norms were pre-existing state interaction, theEnglish School position wouldshift towards cosmopolitanism. Ifthe values were the result of theinteraction, the perspective wouldbe rather a communitarian one.

Thirdly, concerns with ethicsdirectly relate to the tensionbetween order and justice. HedleyBull recognised that conflictinggoals can co-exist within theinternational society obligingstates to make a choice betweenthe two competing principles. Healso moved a step forward notingthat the concept of justice itselfmay be subject to different inter-pretations. However, justice mayalso be understood in a minimal-ist way as the principle that thesame rules apply to everybody(commutative, or rule-based jus-tice as opposed to distributive orgoods-related justice). Yet thiswould only move the crucialpoint a bit further: who decidesabout the ‘common’ rules andtheir desirable acceptance? Thisseems to lead to a cultural rela-tivism very close to communitar-ianism. None the less, Bullregains immediately a media via,typical of the English School, byreferring to the international soci-ety order as a prerequisite for adesirable humanity order, thusimplying the generalised accept-ance of order as an indispensablevalue to attain basic goals such assurvival and co-existence.

The centrality of the human fac-

tor and cultural issues

Bull’s work on the interplay ofcultural factors and politicalbehaviour, both defined in norma-tive terms, opened the way tofruitful contemporary studies.This added to the already rich andvaried range of research thatrationalism has directly or indi-rectly originated. The traditionalinterest of the English School forethic and humanistic studies,including international law, isnow part of the current IR main-stream. Issues such as humanrights, humanitarian intervention,regional integration, world gover-nance, identity and religiousrevival are firmly on the agenda ofinternational politics. In recentyears interesting contributionshave appeared on the unresolvedquestion about the relationsbetween the international societyand the different cultures co-exist-ing within it. Chris Brown’sresearch to test whether the con-cept of international societyproves satisfactory in a worldwhere the majority of states arenon-European has not been fullyconclusive. In fact, both the pro-posed explanations (the “univer-sal appeal” and the “Europe ofmind”) are far from unproblematic(Brown 1995). Looking at topicalevents in world politics, the pur-ported split of the world into a“zone of peace” and “zones of tur-moil” appears far more convincing(Singer and Wildavsky 1993).Another interesting link existsbetween the English School andcritical theorists. While the twoapproaches share a basic starting

point on cultural relativism broa-dly understood, they differ in theiranalysis of consequences andimplications. On the one hand,rationalism has developed thisargument towards a prospectiveclash of civilisations, further dis-cussed and elaborated byHuntington (1993); on the other,Critical Theory has followed theway leading to the equation ofmorality and politics, thus consti-tuting a radical challenge to theepistemic foundation of the tradi-tional paradigms. In any case thecentrality to international politicsof the human being, its ideas, val-ues and beliefs as well as of itscommunity and time is an endur-ing legacy of the English School.It should be the task of the foreignpolicy analyst to understand notthe world as it is or was, but asseen and perceived by the keyactors given their temporal, socialand political circumstances.

Conclusion

Last but not least, a final reason,and perhaps not a negligible one,to look with sympathy at theEnglish School is that it repre-sents a genuinely non-Americancurrent of thought in InternationalRelations Theory. This pluralismof views can only be beneficial toa discipline too often character-ized by parochialism and almostdogmatic crusades. This is evenmore important in an increasinglyopen, fluid, and multi-polar worldcharacterised by the growing rele-vance of non-Western powers,issues and perspectives. Furthe-rmore, despite its name and itsessentially British roots, the

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

10

Page 11: Miriam Saraiva

11Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

English School tries to spread to, and gather contribu-tions from all over the world. Continental Europeanscholars are more and more active within the Schooland its echo has gained disciples as far as China.

Despite some areas of uncertainty and some theoret-ical vagueness, the English School has proven to bethe most credible challenger to overcome the dividerealism vs. idealism and to temper the claims to nov-elty of social constructivism. The English Schooldefends a pluralist and comprehensive approach toInternational Relations. The concept of internationalsociety still generates academic interest and explainsa good number of things in the contemporary inter-national order. The English School normativeapproach has raised interesting points and broughtabout significant questions on culture and identityand their relation with politics and morality. Notdespite of, but precisely because of its eclecticism,the English School has at least partially addressedmost of the topical issues on the agenda of contem-porary IR Theory. Rationalism appears far frombeing defeated. On the contrary, favourable condi-tions in the international political and academicenvironment present it with a unique opportunity toraise its profile and gain credibility not only on bothsides of the Atlantic but far more broadly. For all thesereasons, the English School deserves attention andinterest. Furthermore, as a Cambridge-educatedscholar I do believe that it would be desirable that alsoIR scholarship in Cambridge concede more room torationalism. The British Committee for the Theory ofInternational Politics, which generated the EnglishSchool, was born and flourished in Cambridge, thatacademic establishment should make a flag of it.

References

Brown, Chris (1995) ‘International Theory andInternational Society: The viability of the middle way’,Review of International Studies 21:2 (April), p.183-196.

Bull, Hedley (1972) ‘The Theory of InternationalPolitics, 1919-1969’, in B.Porter (Ed.), TheAberysthwyth Papers: International Politics, 1919-1969, London, Oxford University Press, p. 30-50.Reprinted in 1995 in James Der Derian (Ed.),International Theory. Critical Investigations,Basingstoke and London, McMillan, p.181-211.

Bull, Hedley (1977), The Anarchical Society, NewYork, Columbia University Press.

Burchill, Scott; Devetak, Richard; Linklater,Andrew; Paterson, Matthew; Reus-Smit, Christian;True, Jaqui (2001), Theories of InternationalRelations, New York, Palgrave.

Buzan, Barry (2001) ‘The English School: Anunderexploited resource in IR’, Review ofInternational Studies, 27, p.471–488.

Cederman, Lars E. (2001) ‘Modeling theDemocratic Peace as a Kantian Selection Process’,Journal of Conflict Resolution 45:4, p.470-502.

Dunne, Tim; Kurki, Milja; Smith, Steve (2007),International Relations Theories. Discipline andDiversity. New York, Oxford University Press.

Gardini, Gian Luca (2010) The Origins ofMercosur, New York, Palgrave.

Hollis, Martin & Smith, Steve (1991) Explainingand Understanding International Relations, NewYork, Oxford University Press.

Samuel P. Huntington (1993) ‘The Clash ofCivilizations?’, Foreign Affairs 72:3 (summer), p.22-49.

Jackson, Robert & Sorensen, Georg (2007)Introduction to International Relations. Theories andApproaches, New York, Oxford University Press.

Max Singer and Aaron Wildavsky (1993) The RealWorld Order. Zones of peace/zones of turmoil,London, Chatham House Publishers.

Sterling-Folker, Jennifer (Ed.) (2006) Making Senseof International Relations Theory, Boulder andLondon, Lynne Rienner.

Wendt, Alexander (1992) ‘Anarchy is What StatesMake of it: The social construction of power politics’,International Organization 46 (spring), p.391-425.

Page 12: Miriam Saraiva

AIrlanda aderiu à entãoComunidade Europeia(CE) em 1973, no quadro

do primeiro alargamento da his-tória desta organização interna-cional sui generis. Nessa altura,a política externa e de segurançado país já estava impregnada poruma tradição e experiência deneutralidade militar alimentada,desde a sua origem, por um sen-timento anti-britânico e intrinse-camente ligada à luta pela con-quista e manutenção da indepen-dência face ao Reino Unido.

A entrada para o ConcertoComunitário foi acompanhadade abertura política relativamen-te a um futuro projeto no domí-nio da segurança e defesa. Noentanto, quando o Tratado deMaastricht, assinado em 1992,consagrou a existência de umaPolítica Externa e de SegurançaComum (Pesc) as autoridadesirlandesas invocaram a especifi-

cidade da política externa e desegurança nacional para obteruma garantia legal que salva-guardou o estatuto militarmenteneutral do país. Essa garantiaficaria plasmada nos sucessivosTratados da União Europeia(UE) - no Tratado de Maastricht,no Tratado de Amsterdã e noTratado de Nice. Ainda assim,no caso deste último, a garantiaexistente foi considerada insufi-ciente por uma opinião públicadesconfiada dos planos euro-peus, que rejeitou o Tratado deNice num referendo que tevelugar em 2001. Os líderes políti-cos irlandeses só conseguiramreverter esse resultado medianteo reforço de garantias de salva-guarda da neutralidade militar.A história repetir-se-ia, porrazões similares, em 2009, quan-do o Tratado de Lisboa só foiaprovado num segundo referen-do, depois das autoridades deDublin terem recebido, da partedos líderes europeus, garantiaslegais que iam ao encontro dapreocupação dos irlandeses como futuro da neutralidade militar,

num contexto de crescentedesenvolvimento da componentede segurança e defesa da UE.

Remontando às origens da neu-tralidade da Irlanda, este artigoprocura dilucidar o nexo entre o‘Não’ irlandês e o Tratado deLisboa, no âmbito do referendonacional realizado em junho de2008, e a tradição de neutralida-de militar que tem pautado apolítica externa e de segurançadesse Estado, constituindo tam-bém um elemento intrínseco daidentidade nacional irlandesa.

A Neutralidade Militar Irlandesa:

Gênese e Evolução

À semelhança do que sucedeucom outros Estados, tais como aÁustria, a Suécia e a Finlândia,1 aemergência da neutralidade irlan-desa resultou de uma combinaçãode condicionantes geográficas ehistóricas. No caso em apreço, aadoção de uma postura neutral foideterminada pela proximidadegeográfica relativamente ao ReinoUnido e, sobretudo, pela históriade dominação britânica do país.

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

12

Sobre a Neutralidade Irlandesa

e o Tratado de Lisboa

Laura C. Ferreira-Pereira

Professora da Universidade do Minho,Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública.

1. Para um estudo mais detalhado sobre aneutralidade austríaca, finlandesa e sueca,ver Ferreira-Pereira (2007, p.69-98).

Page 13: Miriam Saraiva

Assim, a neutralidade não podeser divorciada da luta anti-colo-nial da Irlanda (Sharp 1990, 13),da sua aspiração à independênciaconcebida em termos de formula-ção e implementação de uma polí-tica externa autônoma.

Logo no início da Primeira GuerraMundial, os revolucionários irlan-deses que pleiteavam pela inde-pendência nacional começaram aperceber a neutralidade como uminstrumento para pôr término aodomínio colonial britânico. Numplano mais imediatista e pragmáti-co, quando o conflito mundialirrompeu, o estatuto de neutralida-de foi advogado para evitar oenvolvimento da Irlanda nas hosti-lidades ao lado do Reino Unido.Foi nesse contexto que nasceu aLiga da Neutralidade Irlandesa, aqual veio militar por uma posiçãoneutral do país na guerra entre oReino Unido e a Alemanha. Defato, o processo político conducen-te à independência foi acompanha-do pela expectativa relativamente àadoção de um estatuto de neutrali-dade militar. Não surpreende, por-tanto, a existência de uma íntimaligação entre o nacionalismo irlan-dês e a neutralidade, algo que tor-nou consensual a atribuição da‘paternidade’ da neutralidade daIrlanda a Eamon de Valera – o líderda revolução irlandesa.

Em 1921, no rescaldo do primeiroconflito mundial, o Reino Unidoencetou negociações com repre-sentantes irlandeses que conduzi-riam à assinatura do TratadoAnglo-Irlandês, em dezembrodesse ano. Ao abrigo desse acor-do, Londres anuiu conceder aindependência a 26 dos 32 coun-

ties irlandeses. No entanto, a pro-posta de um estatuto de neutrali-dade para a Irlanda foi rejeitadapelos negociadores britânicos(Fanning 1996, 138). No entendi-mento dos irlandeses, a recusa doReino Unido em aceitar a inde-pendência dos remanescentes 6counties que se situavam no nor-deste do país e formavam aIrlanda do Norte, bem como emreconhecer à Irlanda o direito dese declarar neutral (no caso deuma guerra iniciada pelo ReinoUnido) representava uma signifi-cativa limitação à prossecução deuma política externa independen-te. Ademais, a existência de fatode um Estado Irlandês Livre eranegada pelos próprios termos dosAcordos de 1921, na exata medidaem que eles estatuíam a manuten-ção de um vínculo de união entrea Irlanda e a Commonwealth, aomesmo tempo que atribuíam aogoverno britânico o direito de uti-lizar três portos no país:Berehaven e Queenstown/Cobhsituados no sudoeste, e LoughSwilly no noroeste. Face a taisconstrangimentos políticos, terri-toriais, militares e estratégicos, aneutralidade permaneceu um desi-derato na mente e nos coraçõesdos nacionalistas irlandeses.

Os anos de 1922 e 1923 forammarcados por uma guerra civilentre a facção pró-Tratado e umgrupo de revolucionários lideradospor Eamon de Valera que era total-mente contrário ao Acordo de1921. A facção que se posicionou afavor deste último venceu a guerra,mantendo-se à frente do governoaté 1932, altura em que o partidoFianna Fail, liderado por Eamon deValera, conquistou o poder nasequência de eleições gerais.

A primeira grande consecuçãoalcançada pelo governo de Eamonde Valera prendeu-se com a pro-clamação da Constituição de 1937que redesenhou o relacionamentoentre a Irlanda e o Reino Unido, econverteu o Estado Irlandês Livrena República (independente) daIrlanda. Um ano depois, nas vés-peras da eclosão da SegundaGuerra Mundial, o último obstá-culo à neutralidade irlandesa foiremovido quando Londres devol-veu os portos de Berehaven, Cobhe Lough Swilly ao governo irlan-dês, no quadro de um importanteacordo de defesa bilateral. Talcomo afirmou Patrick Keatinge(1984, 17), o Acordo de 1938marcou o momento, a partir doqual a neutralidade tornar-se-iauma política oficial do Estadoirlandês e um valor político.

Nesse contexto fundamentalmen-te novo, Eamon de Valera, reite-rando as ideias defendidas no iní-cio da década de 20, advogou nasua retórica política o apego daIrlanda a uma política de neutrali-dade caracterizada pela não parti-cipação direta ou indireta numaguerra em que o Reino Unido esti-vesse envolvido, dado que nestecenário o território irlandês pode-ria vir a ser utilizado para atacar oseu vizinho. Por conseguinte,desde a sua origem, a neutralidadenunca foi interpretada como umfim em si mesmo, mas como ummeio de garantir a independêncianacional, traduzida no não envol-vimento em guerras disputadaspelo Reino Unido. Essa posturaconsubstanciava, igualmente, umaresposta à recusa do governo britâ-

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

13

Page 14: Miriam Saraiva

14Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

nico em fazer concessões com res-peito à Irlanda do Norte.Finalmente, a neutralidade foi con-siderada instrumental para susten-tar uma política de boa vizinhançacom o Reino Unido porquanto aprimeira incorporava a garantia deque nenhum governo irlandês per-mitiria que o território nacionalfosse utilizado como base militarpara perpetrar um ataque contra oseu vizinho (idem, 8 e 202).

A posição neutral adotada pelaIrlanda durante a Segunda GuerraMundial foi um reflexo da sobe-rania alcançada com o fim dapresença militar britânica.Apesar de se encontrar protegidopela sua localização geográfica,que o manteve afastado dos prin-cipais teatros de guerra que semultiplicaram na Europa conti-nental, o país esteve, por váriasvezes, sob a ameaça de ser inva-dido pelos exércitos alemãescomo parte da estratégia deBerlim para atacar o ReinoUnido. Surgiu, igualmente, apossibilidade de a Irlanda recu-perar os 6 counties sob a domina-ção britânica, caso o país aceitas-se entrar no conflito como aliadodo Reino Unido. O Estado irlan-dês não abdicou da sua posturaneutral, apesar de o Governo terdesconsiderado algumas dasregras de neutralidade vigentesem tempo de guerra, designada-mente, por conceder assistênciamilitar e informação secreta aos

Estados Unidos e ao ReinoUnido. A adoção de uma neutra-lidade de tipo colaborante foi, naverdade, percebida como indis-pensável à proteção do territórioirlandês contra um eventual ata-que alemão.2

Na Primavera de 1949, após asaída da Commonwealth, a Irlandafoi convidada a integrar aOrganização do Tratado doAtlântico Norte (Otan). A respos-ta foi negativa, sendo que a justi-ficação para isso não residiu,exclusivamente, na tradição deneutralidade ou, por outras pala-vras, no fato de a organização emcausa ser uma aliança político-militar e sob a lei internacional aIrlanda estar inibida de ingressarnas suas fileiras. Uma importanteparte da justificação política con-tra a participação do país na Otanprendeu-se com a circunstância deo Reino Unido ser um Estado-membro dessa organização e umaeventual adesão poder ser inter-pretada como a aceitação da divi-são do país (imposta por Londres)e o subsequente abandono daambição relativamente à concreti-zação de uma ‘Irlanda Unida’(Sharp 1990, 8).3

As autoridades irlandesas preconi-zaram, de modo consistente, umainterpretação minimalista da neu-tralidade, no sentido de que estafoi sempre circunscrita à sua quin-tessência militar, nunca tendo fica-do associada a qualquer dimensãopolítico-ideológica ou econômica.O entendimento da neutralidadeem termos estritamente militaresredundava tão-só na recusa de par-ticipação em alianças militares.

Por outro lado, na perspectiva doslíderes irlandeses, a identificaçãodo país com os valores partilhadospelas democracias ocidentais, bemcomo com o ‘mundo industrializa-do ocidental’ era inequívoca.Consequentemente, no plano dodiscurso oficial, a neutralidadenunca foi considerada incompatí-vel com a adesão à CE que nãoera uma aliança militar, nemdesempenhava qualquer papel naesfera militar.

Entre o ano de 1964 e o ano de1973 (em que a Irlanda aderiu àCE), foram numerosas as decla-rações produzidas pelos líderespolíticos sublinhando a ideia deque a neutralidade militar não eracontrária à vocação comunitáriado país, mesmo se o projeto euro-peu, futuramente, viesse a inte-grar uma componente de segu-rança e defesa (Sharp, 1990,143). A assunção de que a parti-cipação no Concerto Comuni-tário era conciliável com a pros-secução de uma política de neu-tralidade ativa, em tempo de paz,não foi exclusiva do governo deSean Lemass (desde 1959, suces-sor de Eamon de Valera no cargode Taoiseach ou Primeiro-Ministro). Antes, tal entendimen-to veio a ser partilhado por outrasforças políticas, com a exceçãodo Partido Trabalhista. A cir-cunstância de o consenso emtorno daquele entendimento per-mear o espectro partidário contri-buiu para o retumbante ‘Sim’(83%) à adesão da Irlanda à CE,por ocasião do referendo realiza-do em 1972.

A entrada da Irlanda na CE e,

2. Para mais detalhes sobre a evolução histó-rica da neutralidade irlandesa, ver Keatinge(1984, 10-32).

3. Para mais detalhes, ver Fanning (1996,140-141; 203).

Page 15: Miriam Saraiva

posteriormente, a decisão tomadapelas autoridades irlandesas deintegrar o Grupo dos Nove,4 emdetrimento do Grupo dos (países)Neutrais e Não-Alinhados (conhe-cido por N+N)5 no seio daConferência sobre a Segurança eCooperação na Europa (CSCE)suscitou, em alguns círculos inter-nacionais, uma forte impressão deambiguidade relativamente àgenuinidade do estatuto neutraldaquele Estado. Porém, tal estatutopodia ser sempre atestado pelasautoridade de Dublin com base nofato indesmentível de o país nãopertencer a qualquer aliança militar.

Nos anos 80, a elite política irlan-desa não apresentou qualquer

objeção de princípio à codifica-ção, no articulado do Ato ÚnicoEuropeu, da Cooperação PolíticaEuropeia (CPE)6 que foi consi-derada uma consequência naturalda evolução do processo de cons-trução europeia. É interessantenotar que, nesse período, edurante a guerra das Malvinas, orecuo de Dublin relativamente aoseu apoio inicial à imposição desanções econômicas contra aArgentina, no contexto da CPE, ea sua recusa em apoiar a incursãomilitar britânica nas Malvinasconstituiu uma sintomática mani-festação de vitalidade da tradiçãode neutralidade militar.7

A posição neutral da Irlandanunca se revestiu de um carizconstitucional,8 tendo a suaemergência derivado de umaopção política unilateral e prag-mática, como parte de uma estra-tégia dirigida a pôr o fim ao dik-tat britânico (Fanning 1996,137). Com efeito, tal como afir-mou Ronan Fanning, a neutrali-dade converteu-se no “timbre daindependência, no sinal da honrapatriótica intimamente ligado àpercepção coletiva da identidadenacional irlandesa” (idem, 10).Ademais, com a passagem dotempo e a experiência acumula-da, essa postura gerou no seio daopinião pública irlandesa umaconsistente aversão ao envolvi-mento do país num qualqueresquema de caráter militar, algoque contribuiu para a consolida-ção de um ethos pacifista.

A ‘Neutralidade Integrada’ da

Irlanda: De Modus Vivendi a

Precedente Comunitário9

Durante as décadas de 70 e 80, aexperiência da Irlanda, na suacondição de membro da CE e par-ticipante da CPE, demonstrou queo processo de integração nãoexcluía, automaticamente, a neu-tralidade militar. Antes, tornoupatente de que forma o não envol-vimento em estruturas de defesacoletiva podia ser conciliado coma participação no aprofundamentoda Europa Comunitária, apesardesta última ser constituída, majo-ritariamente, por Estados-mem-bros da OTAN. A ‘Euroforia’ quecaracterizou o início dos anos 90 eestimulou a assinatura do Tratadode Maastricht e o subsequentenascimento da UE, não afectou aposição da Irlanda. No âmbito daPesc, formalmente estabelecidapor esse novo acordo, ficou con-sagrada a chamada ‘cláusulairlandesa’, segundo a qual odesenvolvimento de uma políticaexterna e de segurança comum,não “afetará o caráter específicoda política de segurança e de defe-sa de determinados Estados-mem-bros” (Artigo J.4.4 do TítuloV).10 Ora, a introdução dessa pro-visão legal, em particular, e o carizintergovernamental da Pesc, emgeral, vieram acautelar o tradicio-nal modus vivendi irlandês.

Esse modus vivendi que designa-mos por ‘neutralidade integrada’,ao permitir a concatenação entreuma participação construtiva noprocesso de integração europeia ea recusa de assunção de obriga-ções de assistência mútua, estavaem harmonia com a política deneutralidade irlandesa. Em 1995,sem prejuízo dessa política, o paísaceitou tornar-se observador da

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

15

4. Este ‘Grupo dos Nove’ era compostopelos Estados-membros da então CE:França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda,Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda eDinamarca.

5. Este grupo era formado pelos seguintespaíses: Áustria, Chipre, Finlândia,Liechtenstein, Malta, São Marino, Suécia,Suíça e Jugoslávia.

6. A CPE foi estabelecida no início da déca-da de 70, apresentando-se essencialmentecomo um fórum de discussão sobre matériasde política externa à margem da então CE.

7. Para mais detalhes sobre as mudanças deposição da Irlanda, no seio da CPE, durantea guerra das Malvinas, ver Sharp (1990, 218-232).

8. A neutralidade militar não constava doarticulado da Constituição de 1937.

9. Esta seção resultou de uma revisão, atual-ização e extensão das considerações quetivemos o ensejo de articular, originalmente,na obra já citada de Ferreira-Pereira (2007,478-482).

10. Ver Tratado da União Europeia,Luxemburgo, Serviço das PublicaçõesOficiais das Comunidades Europeias, 1992.

Page 16: Miriam Saraiva

16Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

União da Europa Ocidental(UEO). Esse estatuto foi original-mente inventado para acomodar,por um lado, a ‘neutralidade inte-grada’ da Irlanda e, por outrolado, a posição excepcional daDinamarca, na sua (tripla) quali-dade de membro da Otan, depaís não-signatário do Tratadode Bruxelas Modificado de195411 e de um Estado que usu-fruía de ‘opt out’ em todas asdecisões com implicações nodomínio da defesa.12

Apesar de ter sido forjada paraacautelar a especificidade da polí-tica externa irlandesa, a ‘neutrali-dade integrada’ mostrou ser apli-cável às circunstâncias dosEstados militarmente neutraisque, no início da década de 90,apresentaram os respectivos pedi-dos de adesão à UE. Estamos

falando da Áustria, da Finlândia eda Suécia que tencionavam parti-cipar na construção de uma UniãoEconômica e Política sem alterar,estruturalmente, os fundamentosdas suas políticas de segurança edefesa, também elas enraizadasnuma tradição mais ou menoslonga de neutralidade militar.Portanto, para as autoridades deViena, Helsinque e Estocolmo oprecedente irlandês afigurou-secomo uma garantia de que exis-tiam condições para salvaguardaras idiossincrasias inerentes àspolíticas de segurança nacionais edefender, de forma criativa, aconjugação entre a neutralidademilitar e uma participação ativana dinâmica integrativa.

É digno de nota neste ponto dadiscussão que a progressiva con-solidação da PESC, alcançada sobo impulso dos diferentes exercí-cios político-jurídicos que condu-ziram à assinatura do Tratado deAmsterdã e do Tratado de Nice,em 1997 e 2001, respectivamente,nunca veio a alterar a essência da‘cláusula irlandesa’.13 Esta últi-ma, porém, provou ser insuficien-te para apaziguar os receios daopinião pública irlandesa sobreuma eventual militarização daUE, suscitados pela introdução deuma dimensão de segurança edefesa sob a égide da PolíticaEuropeia de Segurança e Defesa(Pesd). Isso ficou manifesto quan-do o Tratado de Nice foi rejeitadopelos irlandeses no referendo rea-lizado em Junho de 2001, sendoque este resultado só seria ultra-passado no ano seguinte, no con-texto de um segundo acto referen-dário. Isto aconteceu depois dasautoridades irlandesas terem con-

quistado a concordância dos líde-res europeus com o teor de doisdocumentos-chave, ambos garan-tindo a continuidade da neutrali-dade militar, que ficaram associa-dos ao ato de ratificação doTratado de Nice pela Irlanda.

O primeiro desses documentosfoi a Declaração Nacional sobrea Neutralidade Militar, emitidapor Dublin em 21 de Junho de2002, que reiterou que a partici-pação do país na PESC “não pre-judica a sua política de neutrali-dade militar tradicional”, emnome da qual a Irlanda “não estávinculada a qualquer compromis-so de defesa mútua”, nem “fazparte integrante de quaisquer pla-nos para desenvolver um exércitoeuropeu”. O articulado estatuiuainda que “a participação doscontingentes das Forças ArmadasIrlandesas em operações interna-cionais, incluindo aquelas leva-das a cabo sob a política europeiade segurança e defesa requer a) aautorização da operação peloConselho de Segurança ou pelaAssembléia Geral das NaçõesUnidas, b) o acordo do governoirlandês e c) a aprovação do DáilÉireann, de acordo com a leiirlandesa”.14 O segundo docu-mento-chave foi a Declaração doConselho Europeu de Sevilha deJunho de 2002 sobre a política deneutralidade irlandesa, no qualficou reconhecido que o Tratadode Nice “não impõe quaisquercompromissos de defesa mútuade caráter vinculativo. Nem odesenvolvimento da capacidadeda União para levar a cabo tare-fas humanitárias e de gestão decrises envolve o estabelecimento

11 O Tratado de Bruxelas Modificado de1954 fundou a UEO.

12. O ‘opt out’ dinamarquês representouumas das respostas de Bruxelas ao resultadonegativo do referendo sobre a ratificação doTratado de Maastricht, realizado naquele paísem Junho de 1992. Esse expediente (conheci-do por ‘compromisso de Edimburgo’) ficouformalmente estabelecido no âmbito doConselho Europeu de Edimburgo realizado,sob a presidência britânica da UE, em 11 e 12de Dezembro de 1992.

13. Esta cláusula ficou plasmada no parágra-fo 1, do artigo J.7 do Tratado de Amsterdã eno artigo17º, parágrafo 1, do Tratado deNice. Cf. Tratado de Amesterdão, Luxem-burgo, Serviço das Publicações Oficiais dasComunidades Europeias, 1997; e Tratado deNice, Luxemburgo, Serviço das PublicaçõesOficiais das Comunidades Europeias, 2001.

14. Ver. National Declaration by Ireland, 21June 2002, disponível em http://www.foreig-naffairs.irlgov.ie/home/index.aspx?id=26264.Consultada em 9 de Novembro de 2009.Tradução da Autora.

Page 17: Miriam Saraiva

de um exército europeu.”15

Em 2004, cerca de dez anosdepois de ter salvaguardado aposição da Áustria, da Suécia e daFinlândia, a ‘cláusula irlandesa’permitiu aos mini-Estados medi-terrânicos, Malta e Chipre,16

encontrarem um espaço para con-vocar a sua experiência nacionalde neutralidade militar, em casode necessidade.

O Referendo Negativo Irlandês

ao Tratado de Lisboa e a

Neutralidade Militar: Que Nexo?

Depois de os referendos negativosfrancês e holandês, realizadosdurante a Primavera de 2005,terem ditado o fim do processo deratificação do Tratado Constitu-cional da UE (aprovado no anoanterior), a UE entrou num força-do ‘período de reflexão’ - paramuitos um eufemismo para retra-tar a crise de identidade que seabateu sobre o projeto europeu.Essa fase, que redundou numimpasse institucional com umaUnião ‘a 25’ a ser pautada porregras concebidas para um quadropolítico-institucional ‘a 15’,

conheceu uma pausa com a assi-natura do Tratado de Lisboa, emdezembro de 2007, sob aPresidência portuguesa da UE.

Dizemos pausa e não término por-que ainda se sentiam os ecos dosfestejos da vitória diplomáticaconsubstanciada na assinatura doTratado de Lisboa quando, no dia12 de junho de 2008, 53,4% dosirlandeses se pronunciou contraaquele texto legal numa expressi-va participação de 51,13%.17

Nessa altura, foi transversal a con-clusão de que se estava assistindouma réplica do que tinha sucedidoem 2001, quando a consulta popu-lar na Irlanda recaiu sobre oTratado de Nice. Além disso,depois do trauma político causadopelo fracasso do TratadoConstitucional, o ‘Não’ irlandêsfez pairar a ameaça de uma Uniãonovamente órfã de um texto fun-damental condizente com a nova einescapável realidade: umaEuropa Comunitária formada por27 Estados-membros, sob a inten-sa pressão da globalização e dosintrincados desafios securitáriossuscitados pelo fim da Guerra Friae pelo contexto pós-11 de setem-bro de 2001.

A complexidade causal inerenteao referendo negativo irlandês aoTratado de Lisboa não permitefalar de uma causa prima originá-ria dos 53,4% contra o novo acor-do europeu. No entanto, existeevidência empírica sobre uma dasrazões para o episódio que mergu-lhou a UE num novo período deincerteza: a ideia, geradora demedo, de que a entrada em vigordo Tratado de Lisboa abriria

caminho à criação de um exércitoeuropeu que, para além de convo-car a participação obrigatória dosjovens irlandeses, poria termo àtão estimada tradição de neutrali-dade militar.

É verdade que, em junho de 2008,o número de missões já levadas acabo pela UE em distintos quadran-tes geográficos (i.e. nos Bálcãs, naÁfrica e na Ásia), o estabelecimen-to de uma Agência Europeia deDefesa e a apresentação do reforçoda Pesd como uma das prioridadesda presidência francesa doConselho da UE podiam ser apre-sentados por alguns observadorescomo sinais de uma gradual milita-rização da UE. Todavia, também éverdade que essa ideia não tinhaqualquer correspondência real comaquilo que tinha ficado codificadono Tratado de Lisboa. Isto porque oarticulado deste acordo não modifi-cou, no essencial, o que tinha fica-do consagrado no Tratado de Nice,estipulando que a evolução daagora denominada Política Comumde Segurança e Defesa (PCSD),como parte integral da PESC, deve-ria respeitar o caráter específico daspolíticas de segurança e defesa decertos Estados-membros (Artigo42º, parágrafos 2 e 7).18

O medo que o Tratado de Lisboaacabaria por, sub-repticiamente,dotar a UE de um exército euro-peu, que se desenvolveu sobretu-do junto da faixa feminina da opi-nião pública irlandesa, não pas-sou disso mesmo, de um medo ouf.e.a.r. no sentido de encerrar uma‘falsa expectativa aparentementereal’, enraizada num déficit deinformação que os governantes e

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

17

15. Ver. Declaration of the European Council,21 June 2002, disponível em, http://www.eu2004.ie/home/index.aspx?id=26265. Consultadaa 9 de Novembro de 2009. Tradução da Autora.

16. Estes Estados integraram o ‘quinto alarga-mento’ da UE, oficializado a 1 de maio de2004, que resultou na entrada de dez novosmembros: Chipre, Estônia, Eslováquia,Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta,Polônia e República Tcheca.

17. Le Figaro, 14 de Junho de 2008.

18. Ver Tratado de Lisboa, Jornal Oficial daUnião Europeia, 115 C, 9 de maio de 2008(edição em língua portuguesa).

Page 18: Miriam Saraiva

líderes partidários irlandesesfavoráveis ao Tratado de Lisboanão conseguiram colmatar. Emrigor, essa expectativa não tinhaqualquer respaldo naquilo que aletra do Tratado de Lisboa viria aplasmar no âmbito da PCSD. Talcomo os resultados da consultapopular vieram confirmar, o des-conhecimento da realidade dosfatos tornou-se um terreno fértilpara o adensamento da descon-fiança dos irlandeses sobre ao pla-nos europeus (em curso) no domí-nio da segurança e defesa, e assuas repercussões negativas sobrea neutralidade militar do país.

No dia 2 de outubro de 2009, oTratado de Lisboa foi objeto deum segundo referendo na Irlandaque, desta vez, foi coroado comum resultado claramente positivo:67,1% a favor e 32,9% contra onovo pacto europeu.19 Sob o panode fundo de uma severa recessãoeconômica, o Governo prometeuemprego e recuperação econômi-ca e os irlandeses acreditaram.Estes confiaram, igualmente, nas

garantias legais que as autoridadesnacionais conseguiram obter juntodos seus homólogos europeus,tendo em vista a proteção da sobe-rania nacional em matérias tão cru-ciais como a neutralidade militar, oaborto e as leis fiscais20. Sobre apolítica de neutralidade militar,Dublin produziu uma nova decla-ração unilateral que deveria ficarassociada aos instrumentos deratificação do Tratado de Lisboa.Tal declaração foi fruto de umarevisão e atualização do conteúdoda Declaração Nacional sobre aNeutralidade Militar de 21 deJunho de 2002 (já aludida), à luzdo novo quadro de segurança edefesa criado pela PCSD.21

Conclusões

Conhecida pela sua umbilical liga-ção histórica à luta pela independên-cia, assim como pelo seu recorteambíguo, a neutralidade irlandesaganhou tradução numa objetivadeterminação de não participaçãoem alianças militares, a qual condi-cionou a estratégia dos decisorespolíticos irlandeses em matéria depolítica externa. Essa postura mili-tarmente neutral teve também impli-cações no seio da EuropaComunitária desde a criação daPesc, no âmbito do Tratado deMaastricht, até a recente codificaçãoda PCSD, no articulado do Tratadode Lisboa. Isso ficou bem patentenão só na introdução da ‘cláusulairlandesa’, na moldura legal da Pesc,em 1992, mas também na inclusãoda mesma em todos os Tratados daUE revistos e aprovados até aomomento atual. Essa disposiçãocriou um ‘modus vivendi’, sob aégide do qual floresceu a percepção

de que a neutralidade militar eraconciliável com uma participaçãoconstrutiva no processo de integra-ção europeia. Isto verificou-se, espe-cialmente, no seguimento da adesãoda Áustria, de Finlândia e da Suéciaà UE, em 1995.

Após 1992 e, particularmente, sobo impacto do referendo negativodo Tratado de Nice, a neutralidademilitar tornou-se uma questãoincontornável na estratégia euro-peia da Irlanda perante a evidênciaempírica indiciando um forteapego e identificação emocional dapopulação a essa postura tradicio-nal. Na realidade, a populaçãoirlandesa nunca deixou amortecera necessidade de salvaguardar esseaspecto imbuído de valor político-identitário e securitário, sobretudosempre que percebeu que o mesmonão tinha sido devidamente acaute-lado no quadro das negociaçõesdiplomáticas realizadas em sededas instituições comunitárias. Foiassim em 2001 e em 2008 quandoos irlandeses disseram ‘Não’ aoTratado de Nice e ao Tratado deLisboa, respectivamente, forçandoos seus altos representantes a obte-rem garantias legais em ordem àmanutenção da neutralidade mili-tar. Aos olhos dos irlandeses, essasgarantias tornaram-se cada vezmais prementes ao passo que seintensificava a percepção de umcrescendo de atividade(s) no domí-nio da segurança e defesa, confor-me atestado pelo número missões(militares e civis) da UE noMundo, bem como pela criação daAgência Europeia de Defesa, deentre outros desenvolvimentos noquadro da PCSD.

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

18

19. Ver. Financial Times, 5 de outubro 2009.

20. Estas garantias ficaram plasmadas noAnexo 1 das Conclusões da Presidência doConselho Europeu de Bruxelas, realizado em18 e 19 de Junho de 2009, sob o título ‘Decisãodos Chefes de Estado e de Governo dos 27 VerEstados da UE, reunidos em ConselhoEuropeu, sobre as preocupações do povo irlan-dês sobre o Tratado de Lisboa.’ Disponível em,http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Data/docs/pressdata/en/ec/108622.pdf, consul-tado em 9 de novembro de 2009.

21. Esta declaração unilateral intitulada‘Declaração Nacional da Irlanda’ (‘NationalDeclaration by Ireland’) ficou inscrita no Anexo3 das Conclusões da Presidência do ConselhoEuropeu de Bruxelas de junho de 2009.

Page 19: Miriam Saraiva

Para o ‘Sim’ irlandês ao Tratado de Lisboa no referen-do nacional realizado no dia 2 de outubro de 2009,concorreram os votos daqueles que confiaram que aneutralidade militar da irlandesa não seria afetadacom a entrada em vigor do novo tratado. Essa con-fiança conquistada pelo governo de Dublin através dorecurso a mais uma declaração unilateral, re-validan-do o comprometimento do país com uma postura mili-tarmente neutral, patenteia o continuado peso das espe-cificidades nacionais na definição do enquadramentolegal da PCSD - algo que, por sua vez, evidencia ocaráter intergovernamental dessa política e contém opotencial de vir confrontar a UE com renovadas difi-culdades em futuros momentos referendários.

Referências

Conselho das Comunidades Europeias (2001)Tratado de Nice, Luxemburgo, Serviço dasPublicações Oficiais das Comuni-dades Europeias.

Conselho das Comunidades Europeias (1997)Tratado de Amesterdão, Luxemburgo, Servi-ço dasPublicações Oficiais das Comunidades Europeias.

Conselho das Comunidades Europeias (1992)Tratado da União Europeia, Luxemburgo, Serviçodas Publicações Oficiais das Comunidades Europeias.

Conselho Europeu de Bruxelas (2009) Conclusões

da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas,18 e 19/jun.

Declaration of the European Council, 21 June 2002,ht tp : / /www.eu2004. ie /home/ index.aspx?id=26265.Consultadaa 9/nov./2009.

Fanning, Ronan ‘Neutrality, Identity and Security:The Example of Ireland’, in W.Bauwens et al (Eds.),Small States and the Security Challenge in the NewEurope, Londres, Brassey’s, p. 137-149.

Ferreira-Pereira Laura C. (2007) Os EstadosMilitarmente Não-Aliados na Nova Arquitectura deSegurança Europeia, Lisboa, Fundação CalousteGulbenkian, março. (Série Textos Universi-tários deCiências Sociais e Humanas FCG/FCT).

Keatinge, Patrick (1984) Irish Neutrality in the1980s, Dublin, Institute of Public Administration.

National Declaration by Ireland (21 June 2002), dis-ponível em http://www.foreignaffairs.irlgov.ie/home/index.aspx?id=26264Consultada a 9 de novembro de 2009.

Sharp, Paul (1990) Irish Foreign Policy and the EuropeanCommunity, Dartmouth, Aldershot.Tratado de Lisboa (2008) Jornal Oficial da União Europeia,115 C, 9 de maio (edição em língua portuguesa).

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

19

Page 20: Miriam Saraiva

20Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

inta años después de la adopción del Plan de Acciónde Buenos Aires (Paba) y de la elaboración del con-cepto de Cooperación Técnica entre Países enDesarrollo (CTPD), Brasil se ha convertido en unode los agentes más activos de la llamadaCooperación Sur–Sur (CSS). El discurso oficial, asícomo la doctrina producida por especialistas y porlos informes de organizaciones internacionales, des-tacan que el país ni es ni tiene pretensión de conver-tirse en un gran donante de recursos financieros en lamateria. La gran contribución brasileña, según ellos,sería la transferencia de soluciones innovadoras parael desarrollo en una amplia gama de sectores y elcompromiso con nuevas modalidades de coopera-ción que involucran a donantes tradicionales – paísesdel Norte y organizaciones internacionales – u otrospaíses en desarrollo a favor de terceros, como es elcaso de las iniciativas surgidas en el ámbito del Foro

El objetivo de este artículo es trazar un perfil histó-rico y actual sobre la CSS brasileña, señalando suscontribuciones y desafíos.

El eje sur-sur en la política exterior del gobiernoLula: consideraciones generales

En su búsqueda de mayores niveles de autonomía enla esfera internacional y por su activismo en favordel desarrollo, el gobierno Lula ha dado prioridad alas relaciones de Brasil con otros países del Sur. Laformación del G-20 y del Ibas, la aproximación conpaíses africanos y árabes y el empeño a favor de larevitalización del Mercado Común del Sur(Mercosur) y de la integración suramericana estánentre los desdoblamientos prácticos de la políticaexterior ejecutada a partir de 2003, apuntando unénfasis renovado en la CSS (Lima y Hirst, 2006;Oliveira, 2005).

La aproximación a los países en desarrollo puede sertambién comprobada, por ejemplo, en los númerosde las exportaciones brasileñas y en los destinos delos viajes internacionales realizados por el presiden-te Lula. En 2005, por primera vez en la historia, elconjunto de países de América del Sur, Asia y Áfri-ca superó a la Unión Europea y Estados Unidos en loque se refiere al destino de las exportaciones brasile-ñas (Sennes et al, 2006). El total de los países endesarrollo1 recibió casi el 52 por ciento de las expor-

La cooperación Sur-Sur de Brasil:

¿Instrumento de política exterior y/o

manifestación de solidaridad internacional?

Bruno Ayllón PinoPesquisador associado do Instituto Universitario de Desarrollo

y Cooperación. Universidad Complutense de Madrid

Iara Costa LeiteDoutoranda em Ciência Política no Instituto

Universitario de Pesquisas de Río de Janeiro (Iuperj)

Treinta años después de la adopción del Plan deAcción de Buenos Aires (Paba) y de la elabora-ción del concepto de Cooperación Técnica

entre Países en Desarrollo (CTPD), Brasil se ha con-vertido en uno de los agentes más activos de la llama-da Cooperación Sur-Sur (CSS). El discurso oficial, asícomo la doctrina producida por especialistas y por losinformes de organizaciones internacionales, destacanque el país ni es ni tiene pretensión de convertirse enun gran donante de recursos financieros en la materia.La gran contribución brasileña, según ellos, sería latransferencia de soluciones innovadoras para el desa-rrollo en una amplia gama de sectores y el compromi-so con nuevas modalidades de cooperación que invo-lucran a donantes tradicionales - países del Norte yorganizaciones internacionales - u otros países endesarrollo a favor de terceros, como es el caso de lasiniciativas surgidas en el ámbito del Foro de DiálogoIndia-Brasil-Sudáfrica (Ibas).

1. Ver: http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/ El aumentode la participación de países en desarrollo en las exportacio-nes brasileñas no tiene como causa única la voluntad políticadel actual gobierno, siendo también explicada, por ejemplo,por la expansión china, por el proteccionismo de los paísesdesarrollados y por deficiencias de Brasil en relación a mer-cados más competitivos (Sennes et al., 2006).

Page 21: Miriam Saraiva

taciones brasileñas en 2008, fren-te aproximadamente el 41,4 porciento en 2003. En lo que se refie-re a los viajes internacionales delpresidente Lula, más del 70 porciento tuvieron como destino apaíses en desarrollo.2

La elección del eje sur-sur comoámbito prioritario de la políticaexterior del gobierno Lula presen-ta la solidaridad como la principalmotivación de las iniciativas lleva-das a cabo. No obstante, represen-tantes y agencias del gobierno bra-sileño exponen otros propósitosademás de la promoción del desa-rrollo económico y de la justiciasocial en los países más pobres,relativos a cuestiones políticas (laCSS como medio para promoverla multipolaridad, la democracia yla paz, la potenciación de la capa-cidad de negociación de Brasil, deAmérica del Sur y de las demásregiones en desarrollo en la arenamultilateral) y económicas (laCSS como medio para expandir elcomercio y la presencia brasileñaen el mercado internacional)(Amorim, 2003, 2004 y 2005;Guimarães, 2003; Lula da Silva,2003 y 2007a; MRE, 2007a).

Algunos estudiosos de la políticaexterior brasileña señalan todavíauna conexión entre el estrecha-miento de lazos con los países endesarrollo y la búsqueda de apo-yos para la candidatura brasileña aun puesto permanente en elConsejo de Seguridad de lasNaciones Unidas (Lima y Hirst,2006; Vigevani y Cepaluni,2007). Otras cuestiones estratégi-cas, como los esfuerzos para dise-minar la producción mundial debiocombustibles y la tecnologíabrasileña en el área, además de laventa de insumos, máquinas yequipamientos producidos porempresas nacionales, tambiénparecen constituir explicacionesimportantes para la CSS ejecutadapor el gobierno Lula. Así, las ini-ciativas de ayuda exterior no pare-cen restringirse a su ámbito pro-pio, sino que configuran un instru-mento de política exterior en lamedida que se incluyen objetivosestratégicos para una mayor inser-ción internacional, política y eco-nómica de Brasil.

Algunos autores críticos ven en laactual aproximación brasileña aotros países en desarrollo un refle-jo de motivaciones solidarias confines antiimperialistas conectadasal Partido de los Trabajadores(PT), calificando la política exte-rior de Lula de ideológica, sesga-da y anacrónica.3 De hecho, nohay como negar que el estrecha-miento de lazos con otros paísesen desarrollo busque la constitu-ción de una plataforma de políticaexterior querida por el PT desdesu fundación.

La CSS, sin embargo, tuvo queser reinterpretada frente a nuevosescenarios. El fin de la guerra fríay la aceleración del proceso deglobalización, por un lado, impo-sibilitaron que la reanudación dela fractura Norte-Sur tuvieracómo reflejo un eventual aleja-miento de los países ricos, parti-cularmente de los Estados Unidos(EEUU). Por otro lado, la aproxi-mación a otros países en desarro-llo ganó fuertes dosis de pragma-tismo después de los atentadosdel 11 de septiembre, del unilate-ralismo norteamericano y de la“securitización” de la agendainternacional. Esas nuevas res-tricciones estructurales no habíanpasado desapercibidas durante elgobierno de Fernando HenriqueCardoso, que al final de su segun-do mandato (1999-2002) inicióuna “corrección de rutas”, esta-bleciendo coaliciones con otrospaíses en desarrollo, como India ySudáfrica (Oliveira, 2005).

Al mismo tiempo que responde adinámicas coyunturales, en elámbito nacional e internacional, elcompromiso brasileño en la CSSno es un fenómeno reciente. Ya enla década de los años setenta,Brasil comenzaba a diferenciarsede otros países del Sur en térmi-nos de desarrollo económico,pasando de receptor a prestadorde CTI en un contexto de movili-zación intensa de los países delTercer Mundo a favor de iniciati-vas de cooperación de corte noasistencialista y eficaces en lapromoción de su desarrollo.

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

21

2. Estadísticas elaboradas con base enMRE (2007b).

3. Ver Barbosa (2006) y Lisboa (2006).Para algunos, tal aproximación sería irre-alista, dado el bajo potencial consumidorde los países más pobres y la competiciónpor mercados entre países en desarrollo(Caetano, 2005; Sardenberg, 2005;Ayllón y Viola, 2006). Para otros, lo criti-cable es el alegado carácter inédito de lasiniciativas diplomáticas del actual gobier-no (Ricupero, 2005; Magnoli, 2003).

Page 22: Miriam Saraiva

Principios, directrices y propó-

sitos de la CSS brasileña

“La cooperación internacional brasi-leña [...] se basa en los principios desolidaridad y corresponsabilidad, noteniendo fines comerciales o lucrati-vos. Es desligada y procura siempreactuar de acuerdo con las prioridadesde los países socios, mediante trans-ferencia del conocimiento sin cual-quier imposición” (Moreira 2005, 2).

“Al ofrecer oportunidades de coope-ración, Brasil no busca el lucro o laganancia comercial. Tampoco hay‘condicionalidades’ involucradas.Buscamos hacer realidad una visiónnueva de las relaciones entre los paí-ses en desarrollo inspirada en lacomunión de intereses y en la ayudamutua.” (Amorim, 2006).

Según el discurso oficial, la coo-peración de Brasil con otros paí-ses en desarrollo, inspirada en lafilosofía de la “asociación para eldesarrollo”, se sustenta en dosprincipios: solidaridad y corres-ponsabilidad. El principio de soli-daridad presenta tres facetas: lasbases no comerciales y no lucrati-vas de las acciones conducidas; laausencia de condicionalidades; yla identidad entre las partes, queserviría de base para accionespautadas por el interés común, endetrimento de iniciativas orienta-

das por intereses egoístas. El prin-cipio de corresponsabilidad señalael carácter no asistencialista y noparternalista de las acciones con-ducidas. Incorpora la idea de auto-nomía por la vía del fortaleci-miento institucional, de la apro-piación o dominio (ownership) yde la responsabilidad (accounta-bility) de los beneficiarios sobrelos programas implementados.4

Se nota, por lo tanto, que los prin-cipios que rigen la CSS brasileñase refieren a los mismos aspectosnormativos que guían la CTI reci-bida. La única novedad, de ningúnmodo trivial, está en el aspecto dela identidad, que se refiere a com-partir una serie de característicasy desafíos entre los países del Sur,lo que aumenta las oportunidadesde éxito en la transferencia desoluciones para el desarrollo, y laidea de que Brasil, por compartircon sus socios un pasado colonialy periférico y por haber sufridoinjerencias de todo tipo a lo largode su historia, no cometerá losmismos errores de los países delNorte en sus relaciones con lospaíses del Sur, es decir, no actuarásegún intereses egoístas de cortoplazo, ni dejará de respetar lasoberanía de los socios. Elsiguiente discurso del presidenteLula, dirigido a embajadores afri-canos por ocasión del Día de Áfri-ca, ilustra bien esa lógica:

“Puedo deciros que Brasil puedehacer mucho más de lo que ha hecho.Creo que la primera fase difícil, quefue la fase del prejuicio, ya la hemossuperado. ‘¿El qué va a hacer en Áfri-ca el Presidente Lula? ’ ‘¿Por qué

tantos viajes a África? ’ ‘¿El qué pue-den comercializar los africanos?’‘¿Por qué el Presidente Lula no va aEuropa, no va a Japón, no va aChina? ’ Porqué durante el siglopasado se construyó la mentalidad deque debíamos tener una relación desubordinación con las economíasricas, y no una relación política, cul-tural, comercial, industrial con lospaíses pobres, para que Brasil lespudiese pasar aquello que fue elaprendizaje acumulado en nuestros500 años de historia”. […] ¿Y quepaís del mundo, entonces, podríatener esa vocación de aproximarse deÁfrica más que Brasil? Ninguno.Inclusive porque Brasil no tienevocación imperialista. Brasil no quie-re tener vocación hegemónica. Brasilquiere tener vocación de asociación,construir juntos aquello que debe serconstruído” (Lula da Silva, 2007b).

Analizando el discurso sobre laCSS brasileña, se observa que elcorolario central de la “asociaciónpara el desarrollo” se refiere alpostulado de que el objetivo pri-mordial de la la cooperación pres-tada sería promover el desarrollosocio-económico de los beneficia-rios. Aunque parezca un objetivosolidario y desinteresado, contie-ne un aspecto político fundamen-tal, que se refiere al modelo desociedad que Brasil desea promo-ver.

Un segundo aspecto político estávinculado a los intereses de laparte prestadora de la coopera-ción, que no se resumen, de nin-guna forma, a objetivos instru-mentales establecidos por unEstado supuestamente racional y

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

22

4. Se trata de la llamada “EjecuciónNacional de Proyectos”, instrumentoaprobado por la Asamblea General de laONU, en 1989, para regir los programasde cooperación técnica implementados enasociación con organismos de la ONU(ABC, 2005b).

Page 23: Miriam Saraiva

23Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

monolítico. La aproximacióncon los países africanos respondea demandas de los más variadossectores nacionales brasileños,por ejemplo, dirigentes delPartido de los Trabajadores (PT)que predican, desde la fundacióndel partido, la necesidad de una“diplomacia solidaria”, el interésde los empresarios o de sectoresnacionales vinculados a la pro-moción de la igualdad racial, etc.

En lo que se refiere a los “intere-ses de Estado”, los documentos ydiscursos oficiales subrayan quela CSS constituye un importanteinstrumento de política exteriorpara: “proyectar una imagenmoderna del país”, “consolidar unpapel de destaque en el ámbitoregional e internacional” (ABC2005b, 1) y “asegurar la presenciapositiva y creciente en países yregiones de interés primordial”.5

Específicamente, las acciones deCTPD conducidas en el ámbito de

la ABC son regidas por directricesy prioridades establecidas por elactual gobierno. La primera de lasdirectrices establecidas en 2004,es “dar prioridad a programas decooperación técnica que favorez-can la intensificación de las rela-ciones de Brasil con sus socios endesarrollo, principalmente con lospaíses de interés prioritario para lapolítica exterior brasileña”.6 Encuanto a las prioridades de laCTPD en el actual gobierno hansido definidas como respuesta alos compromisos asumidos enviajes del Presidente de laRepública y del Canciller, debien-do orientarse geográficamente alos países de América del Sur,Haití, países de África, en espe-cial los de lengua portuguesa, yTimor Oriental, los demás paísesde América Latina y Caribe y elapoyo a la Comunidad de Paísesde Lengua Portuguesa (CPLP). Seafirma también el necesario incre-mento de las iniciativas de coope-ración triangular con países desa-rrollados (a través de sus respecti-vas agencias) y organismos inter-nacionales.7

En su discurso de toma de pose-sión en 2003, Lula afirmó que “lagran prioridad de la política exte-rior durante el Gobierno sería laconstrucción de una América delSur políticamente estable, próspe-ra y unida, con base en idealesdemocráticos y de justicia social”(Lula da Silva, 2003). Ese discur-so es reproducido por los docu-mentos y voces oficiales de laCSS brasileña. Según el ex-direc-tor de la ABC, Luiz HenriquePereira da Fonseca, tal prioriza-ción refleja “un objetivo estratégi-

co de seguridad nacional. Ningúnpaís puede sentirse seguro al ladode vecinos descontentos. Por estarazón debemos estimular medidasdestinadas a la integración deSuramérica y desanimar iniciati-vas, nuestras y de nuestros socios,que puedan constituir amenazas aeste anhelado objetivo” (Pereirada Fonseca, 2008: 67).

En efecto, la mayor parte de losrecursos de la CSS brasileña quetiene a los vecinos suramericanoscomo destino está concentrada enParaguay (28,30 por ciento) y enBolivia (17,14 por ciento) (MRE,2007a) países que, al mismo tiem-po en que necesitan de más recur-sos exteriores por presentar menorgrado de desarrollo relativo, abri-gan a una amplia comunidad debrasileños y poseen acuerdos desuministro de energía con Brasil.Los gobiernos de estos países hanamenazado con perjudicar losintereses brasileños en el caso deque no haya una mayor equidaden la distribución de los benefi-cios de las relaciones bilaterales.Siendo así, la cooperación brasile-ña con Bolivia y Paraguay desem-peña la función de evitar una rup-tura que lleve a la expulsión de losemigrantes brasileños, por un ladoy a la privación de importantesfuentes energéticas, por otro.

Hay que señalar que, si bien eldiscurso oficial destaca la priori-dad de América del Sur en la polí-tica exterior brasileña, eso no serefleja en el perfil de la coopera-ción prestada por el país. Áfricaconcentra la mayor parte de losrecursos de la cooperación brasi-leña (más del 52 por ciento inver-tidos en 125 proyectos), mientras

5. Ver: http://www.abc.gov.br/abc/coordenacoesCGPDIntroducao.asp

6. Las demás directrices son: “apoyar pro-yectos vinculados, sobretodo a programasy prioridades nacionales de desarrollo delos países receptores; canalizar los esfuer-zos de la CTPD a los proyectos de mayorrepercusión y ámbito de influencia, conefecto multiplicador pero intenso; privile-giar proyectos con mayor alcance deresultados; apoyar, siempre que sea posi-ble, proyectos con contrapartida nacionaly/o con participación efectiva de institu-ciones socias; establecer asociacionespreferentemente con instituciones genui-namente nacionales”.

7. Ver: http://www.abc.gov.br/abc/coordenacoesCGPDIntroducao.asp

Page 24: Miriam Saraiva

que América del Sur aparece ensegundo lugar (119 proyectos y el18,36 por ciento de los recursos).El país que recibe el mayor volu-men de recursos es Haití.

Podemos formular varias hipóte-sis sobre los propósitos actualesde la CSS brasileña en base al cru-zamiento de los números referen-tes a proyectos y acciones y deaspectos más amplios de la políti-ca exterior durante el gobiernoLula. La concentración en paísesafricanos, por ejemplo, desempe-ña no sólo la función moral de res-

catar “deudas históricas por suvaliosa contribución a lo que eshoy día la multiétnica nación bra-sileña” (Pereira da Fonseca 2008,67).8 También guarda relacióncon intereses económicos deBrasil, como los vinculados a laexpansión de la producción mun-dial de biocombustibles.9 Almismo tiempo en que la asocia-ción en esta área tiene gran poten-cial de contribuir a una mayorinserción económica internacionalde los países africanos10 tambiénpuede generar una serie de ganan-cias importantes para el desarrollode Brasil, que no transferiría sólotecnología, sino que vendería lasmáquinas, insumos, equipamien-tos y unidades vinculadas a la pro-ducción de biodiesel y etanol.

Algunos analistas señalan tam-bién que la cooperación de Brasilcon África sucede en un contextode competición, con China eIndia, por mercados y recursosnaturales del continente, destaca-damente sus fuentes energéti-cas.11 El principal indicador de larelevancia económica de los paí-ses africanos para los negociosbrasileños sería el aumento espec-tacular de la corriente comercialentre Brasil y África, que prácti-camente se quintuplicó entre 2003y 2008 (pasando de poco más de6.000 millones de dólares a casi30.000 millones).12

Aunque no hayan sido divulgadosdatos oficiales sobre las inversio-nes brasileñas en África, el hechoes que, con el apoyo del actualgobierno, las empresas brasileñasdel sector de la energía (Petrobrás),construcción (Odebrecht, AndradeGutierrez, Camargo Corrêa) y

minería (Vale do Rio Doce), entreotras, han pasado a invertir cadavez más en el continente y en otrasregiones en desarrollo. El protago-nismo de la cooperación brasileñaen la cualificación profesional enotros países en desarrollo puedecontribuir aún más a la ampliaciónde esas inversiones en el futuro,con la formación de recursoshumanos locales.

Finalmente, la cooperación con lospaíses africanos y con otros paísesdel Sur guarda relación con la bús-queda de apoyos para que Brasilocupe eventualmente un puestopermanente en el Consejo deSeguridad de la ONU. Es tambiénesa búsqueda la que pauta la prio-rización, en la práctica, de Haitícomo destino de la mayor suma delos recursos de la cooperación bra-sileña. La idea no es sólo recolec-tar el apoyo de los beneficiarios,sino particularmente el de los paí-ses del Norte, de los cuáles Brasilespera un reconocimiento por suscontribuciones al mantenimientode la paz por la vía del estímulo aldesarrollo de los países afectadospor conflictos civiles, y no por lavía de operaciones restringidas alámbito militar.

En el discurso oficial, la promo-ción del país a la condición deglobal player es tratada comoparte de iniciativas más generalesa favor de la democratización delas relaciones internacionales, deforma que el Sur tenga mayorpoder de decisión en las instanciasdecisorias globales y consiga reu-nir los esfuerzos necesarios paraavanzar en su desarrollo. Sinembargo, no hay como negar que,

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

24

8. Ese objetivo también integraría el con-junto de los propósitos brasileños en lacooperación prestada a países de AméricaCentral, donde más del 13 por ciento delos recursos invertidos por Brasil son des-tinados al sector de la energía (MRE,2007a).

9. Ese objetivo también integraría el con-junto de los propósitos brasileños en lacooperación prestada a países de AméricaCentral, donde más del 13 por ciento delos recursos invertidos por Brasil son des-tinados al sector de la energía (MRE,2007a).

10. En palabras del presidente Lula: “Veoen el programa de biocombustibles la granposibilidad de atender al mundo desarrolla-do con energía renovable, energía limpia,energía generadora de millones de emple-os. Servir y atender al mundo desarrolladoque, obligatoriamente, tendrá que contri-buir a la descontaminación del planeta”(Lula da Silva, 2007b).

11. Ver, por ejemplo, Visentini y Pereira(s/d) y Schläger (2007).

12. Informaciones disponibles en la webdel Ministerio de Desarrollo, Industria yComercio Exterior. Ver: http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/inter-na.php?area=5&menu=1817&refr=576

Page 25: Miriam Saraiva

25Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

además de buscar la realizaciónde los intereses comunes de desa-rrollo, Brasil intenta promoveruna imagen de prestigio al ofrecerasistencia a países de menor desa-rrollo relativo.

Por lo tanto, a pesar de que la CSSbrasileña se funda en la filosofíade la asociación para el desarrolloy en los principios de solidaridady corresponsabilidad, los propósi-tos vinculados a ella no se resu-men, de manera exclusiva, alobjetivo de contribuir al desarro-llo de los países beneficiados. Enresumen, como vimos, la coopera-

ción brasileña, como instrumentode la política exterior, desempeñatres funciones adicionales: la pre-servación de los intereses del país,la competición por mercados y laobtención de prestigio.

Contribuciones de la CSS

brasileña

El hecho de que Brasil, así comolos donantes tradicionales y otrosdonantes emergentes, busque rea-lizar intereses nacionales al pres-tar asistencia técnica, no debehacernos olvidar las contribucio-nes del país a la práctica de la CSSen general. Destacamos tres deellas: la transferencia de buenasprácticas en varios sectores; laparticipación de múltiples actores,tanto en el ámbito nacional comoen el internacional; y el compro-miso en acciones regionales, inte-rregionales y multilaterales afavor del desarrollo.

Buenas prácticas

Según el discurso oficial, la CSSbrasileña no se basa en ampliasdonaciones de recursos moneta-rios, sino en la transferencia de unconjunto de conocimientos técni-cos y de soluciones que tuvieronimpacto positivo sobre el desarro-llo brasileño y que pueden serreplicadas en países con desafíossemejantes. Datos del año 2007indican que las áreas que recibenla mayor parte de los recursos bra-sileños destinados a la CTPD son:cualificación profesional (22,40por ciento); salud pública (18,79por ciento); agropecuaria (14,86por ciento); educación (10,23 porciento); y desarrollo social (6,70

por ciento) (MRE, 2007a).13

En el sector de la calificación profe-sional, el gobierno brasileño actúaen asociación con un conjunto deinstituciones nacionales, con unpapel destacado para el ServicioNacional de Aprendizaje Industrial(Senai), que participa en la imple-mentación de proyectos de reestruc-turación de sistemas de educaciónprofesional y de centros de forma-ción profesional en Angola, CaboVerde, Colombia, Guinea-Bissau,Paraguay y Timor Oriental.14

En el área de la salud pública, lasiniciativas de cooperación condu-cidas por la ABC en asociacióncon el Ministerio de Salud englo-ban acciones que van desde elcombate a enfermedades (como elSida y la malaria) a la asistenciatécnica en materia de gestión dehospitales e implantación de sis-temas únicos de salud.15 El ejem-plo más citado es el programa decombate y prevención al Sida,que obtuvo gran éxito en paísesafricanos y latinoamericanos,donde Brasil financia proyectospiloto para la capacitación derecursos humanos en el manejoclínico y en la logística de distri-bución de medicamentos retrovi-rales, además de proporcionarasistencia técnica y donar medici-nas (ABC, 2005b).

Las acciones en materia agrope-cuaria abarcan desde la transfe-rencia de tecnologías para la pro-ducción de biocombustibles y ali-mentos en zonas tropicales a laorganización de las cadenas pro-ductivas agrícolas nacionales. Elagente central de la CSS brasileña

13. Los siguientes sectores son: legislativo(6,41 por ciento); medio ambiente (4,29 porciento); energía (3,72 por ciento); adminis-tración (1,36 por ciento); deportes (2,11 porciento); planificación urbana (1,97 por cien-to); cultura (0,97 por ciento); defensa civil(0,91 por ciento); otros (5,25 por ciento)(MRE, 2007a).

14. Ver: http://www.senai.br/br/institucio-nal/snai_coo.aspx.

15. La institución más activa en la coopera-ción brasileña en salud es la FundaciónOsvaldo Cruz (Fiocruz), creada en 1900para combatir los grandes problemas desalud pública en Brasil. A lo largo de su his-toria, la Fiocruz, hoy vinculada al Ministeriode Salud, se volvió un centro de conoci-miento de la realidad brasileña y de valori-zación de la medicina experimental.Actualmente, abriga actividades que inclu-yen el desarrollo de investigaciones, la pres-tación de servicios hospitalarios y ambulato-rios de referencia en salud; fabricación devacunas, medicamentos, reactivos y kits dediagnóstico; la enseñanza y la formación derecursos humanos; la información y lacomunicación en salud, ciencia y tecnolo-gía; el control de la calidad de productos yservicios; y la implementación de progra-mas sociales. Ver: http://www.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home

Page 26: Miriam Saraiva

en este sector es la Empresa Brasi-leña de Investigación Agrope-cuaria (Embrapa), que poseeacuerdos bilaterales de coopera-ción técnica con casi 50 países encuatro continentes (Exmann,2008) y ejecuta el 65 por ciento de

los proyectos de la ABC en el áreade agricultura tropical (Embrapa,2009).16 En virtud del aumentode las demandas por sus servicios,la empresa instaló oficinas enGhana en 2006 (Embrapa-África)y en Venezuela, en 2008, comoembrión de la futura Embrapa-América Latina.17

En educación, cabe destacar lasacciones conjuntas reflejadas enlos programas brasileños “Alfabe-tización Solidaria” y “BolsaEscuela” en los países de lenguaportuguesa. Con proyectos como el“Alfabetización Solidaria” en CaboVerde y Santo Tomé y Príncipe y“Alfabetización Comunitaria” enTimor Oriental, además del“Programa de Alfabetización deJóvenes y Adultos” en Mozam-bique, Brasil contribuye a la insta-lación de clases y grupos de alfabe-tización, la capacitación de profe-sores y coordinadores locales y laelaboración y modernización demateriales didácticos.

En el ámbito del desarrollo social,el empeño del actual gobierno bra-sileño en rescatar el papel delEstado en la materia, asociándolaal desarrollo económico, resultó enacciones nacionales en diversostemas (Seguridad alimentaria ynutricional, Derecho a la Alimen-tación, Agricultura Familiar,Reforma Agraria, Pesca Artesanaly diálogo con la Sociedad Civil),que pasaron a integrar el conjuntode las iniciativas de cooperación deBrasil con otros países en desarro-llo (ABC, 2007a). Programascomo “Hambre Cero” y “BolsaFamilia” ganaron reconocimientointernacional y se convirtieron enreferencia en la elaboración de pro-

gramas similares en otros países.

Participación de múltiples actores

Además de actuar en varios secto-res, la CSS prestada por Brasilmoviliza una diversidad de sociosnacionales e internacionales. Seestima que más de 120 institucio-nes nacionales, entre ministerios,secretarías, fundaciones, universi-dades, centros de investigación,empresas y organizaciones nogubernamentales estén involucra-das actualmente en las iniciativasoficiales brasileñas de CTPD. Losprincipales socios nacionales son,en este momento, el Senai, laEmbrapa y la Fundación OswaldoCruz (Fiocruz). La inclusión desectores vinculados a la sociedadcivil en la formulación y conduc-ción de proyectos de cooperacióninternacional es particularmenteimportante al señalar una tenden-cia de descentralización en la polí-tica exterior brasileña, tradicional-mente criticada por la falta de par-ticipación social.

La sociedad civil brasileña es con-vocada no sólo para participar enproyectos elaborados en la esferaestrictamente gubernamental.Muchas veces las buenas prácticassurgen en el ámbito de iniciativassociales que, una vez alcanzan eléxito, pueden pasar a ser replica-das en otros países por la vía de laasociación entre gobiernos y laentidad responsable de las iniciati-vas. Es el caso, por ejemplo, de laorganización no gubernamentalAlfabetización Solidaria, que par-ticipa en proyectos mencionadosen la sección anterior y Viva Río,que realiza actualmente una seriede acciones en Haití.18

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

26

16. La Embrapa desarrolló um trabajo pio-nero en el “cerrado”, un ecosistema deBrasil, al elaborar una mezcla de fósforo ycal que transformó una región consideradainutilizable durante siglos en el cinturónverde brasileño. La emergencia del “cerra-do” fue considerada “una de las mayoresconquistas de la ciencia de la agriculturadel siglo XX”. En 2006, dos científicosbrasileños vinculados a la Embrapa reci-bieron el World Food Prize (Rohter,2007). Creada en 1973 como empresapública de derecho privado, la Embrapafue concebida para desarrollar tecnologíasy elevar la producción agrícola en Brasil.En tres décadas, la institución, con elapoyo de la cooperación recibida, se hizolíder mundial en investigaciones sobreagricultura tropical, contribuyendo a latransformación de Brasil en una potenciaagrícola. La empresa desarrolló, por ejem-plo, 40 variedades tropicales de soja, uncultivo de regiones templadas y cuyo ran-king mundial de exportación es actual-mente liderado por Brasil. La Embrapatambién está enfocando sus actividades deinvestigación en el área de la bioenergía,habiendo identificado 30 tipos de plantasde las cuáles puede derivar combustibles.Ver: http://www.embrapa.br/

17. La apertura de la oficina de laEmbrapa en África y de la oficina enVenezuela representó el inicio de unmodelo diferente de actuación internacio-nal de la empresa, cuyo objetivo centraldejó de ser el cambio tecnológico, dada lahegemonía brasileña en el área, cediendoespacio a la cooperación de cuño “huma-nitario” y conectada al agronegocio(Agencia Estado, 2008; Izique, 2008).

18. Informaciones detalladas en la webde la ONG: http://www.vivario.org.br/

Page 27: Miriam Saraiva

Una novedad llamativa en estepanorama es la creciente partici-pación de las universidades brasi-leñas y de las instituciones queconfiguran su sistema nacional deinvestigación científica en dife-rentes proyectos de cooperacióninternacional.19 Este papel hasido reconocido por el gobierno

brasileño que interpreta la actua-ción universitaria “como un granapoyo al desarrollo de la coopera-ción internacional” y como uninstrumento para “ampliar la visi-bilidad brasileña en el exterior ydiseminar los conocimientos einnovaciones desarrollados en elpaís” en actividades como la edu-cación de adultos, la implantaciónde universidades públicas, la defi-nición de los sistemas de educa-ción superior, la formación y lacapacitación técnica o la transfe-rencia de ciencia y tecnología(Pereira da Fonseca, 2007).20

La CSS brasileña también estáinvolucrando, cada vez más, aorganizaciones internacionales yagencias de cooperación de paísesindustrializados, lo que hace deBrasil uno de los grandes protago-nistas de la llamada cooperacióntriangular. La asociación condonantes tradicionales fue unaforma que el país encontró de sor-tear la escasez de recursos nacio-nales y de acompañar el aumentode las demandas hacia la coopera-ción brasileña (ABC, 2005b), almismo tiempo que representa “elreconocimiento explícito de laexcelencia y de la efectividadoperacional de la cooperación téc-nica prestada por la ABC”(Pereira da Fonseca, 2008:73).

La modalidad triangular de coo-peración está adquiriendo rele-vancia en Haití, donde Brasil seha asociado con Canadá (inmuni-zación), España (recuperaciónambiental y promoción del desa-rrollo agroforestal sostenible), el

Fondo de Población de lasNaciones Unidas (FNUAP), en elcombate a la violencia contra lasmujeres, el Banco Mundial (pro-gramas de merienda escolar ymanejo de residuos sólidos) y laOrganización Internacional delTrabajo (OIT) para el combate altrabajo infantil (ABC, 2006;Pereira da Fonseca, 2008).21

Haití, antes del devastador terre-moto de enero de 2010, fue elescenario para el desarrollo de lamás reciente de las modalidadesde cooperación, la que involucra ados o más países en desarrollo enbeneficio de un tercero. Es elcaso, por ejemplo, de la asocia-ción entre Brasil y Argentina en elproyecto de construcción de cis-ternas para la producción de horta-lizas y otros cultivos; y del proyec-to “Colecta de Residuos Sólidos:una herramienta para reducir la vio-lencia y los conflictos en Carrefour-Feuilles”, cuya primera fase fuefinanciada por el Fondo IBAS parael Alivio del Hambre y de laPobreza y recibió el premio deNaciones Unidas como mejor ini-ciativa de CSS en 2006.

El Fondo Ibas, creado en 2004, yafinanció otras dos acciones: la faseI del proyecto “Desarrollo de laAgricultura y de la Pecuaria enGuinea-Bissau (3/2005-6/2007)”,que, según el PNUD, ayudó amejorar la dieta de la poblaciónlocal al introducir semillas adapta-das a la estación lluviosa; y el pro-yecto de Rehabilitación del PuestoSanitario de Covoada (isla de SanNicolás, Cabo Verde), que reformó

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

27

19. Ejemplos de esta nueva realidad son losproyectos con participación de las agenciasCapes (Coordinadora de Perfeccionamientodel Personal de Educación Superior) y delCNPq (Consejo Nacional de Investigación) oel envio de profesores, investigadores y técni-cos de las Universidades de San Carlos,Federal de Viçosa, Brasilia, Sudeste de Bahía,Federal Rural de Río de Janeiro, Federal deSanta María y Gama Filho, entre otras, a pro-yectos ejecutados en Guinea – Bissau,Mozambique, Haití, Bolivia, Timor Oriental,Honduras o Namibia. (MRE, 2007a)

20. Palabras del ex-director de la ABC,embajador Pereira da Fonseca, en el sim-posio “El papel de las Universidades bra-sileñas en la política exterior en el ámbi-to de la cooperación técnica”, Brasilia,Asesoria de Comunicación de la UNB, 15de junio de 2007.

21. En breve, se establecerán asociacio-nes con: los EEUU, para la lucha contrala malaria en Santo Tomé y Príncipe ypara la modernización del sistema legisla-tivo de Guinea-Bissau; Francia, para lacooperación agrícola en África, especial-mente en Mozambique y en Camerún;con Italia, país con el cual ya fue firmadoun Memorando de Entendimento para larealización de actividades en terceros paí-ses; con Noruega, en beneficio de Angolay Guinea - Bissau (Pereira da Fonseca,2008); y con Alemania, cuyo ministeriopara la Cooperación Económica y elDesarrollo (BMZ) clasificó a Brasil comopaís-ancla, demostrando interés en apro-vechar la importancia regional del paíscomo catalizador de nuevas iniciativas decooperación. (Schläger, 2007).

Page 28: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

28

la unidad básica de salud de lacomunidad.22

Compromiso en iniciativas

regionales, interregionales y

multilaterales

Aunque en escala reducida, laCTPD brasileña también vienedestinando recursos y asistenciatécnica para el fortalecimiento deinstituciones regionales y multila-terales integradas por países endesarrollo. En el ámbito delMercosur, la ABC coordina yfinancia, por ejemplo, un proyec-to, ejecutado en asociación entreel MRE y la Secretaría Generaldel bloque de integración, quetiene por objetivo elaborar diag-nósticos sobre el proceso de inte-gración productiva del Mercosur(MRE, 2007a).23 La CSS brasile-ña también está participando en elproyecto de “Fortalecimiento delSecretariado Ejecutivo de laCPLP”, que concentra esfuerzosen la reestructuración del sistemade informática, en la complemen-tación de los servicios de comuni-cación social y en la organizacióndel sistema de archivos del órganode la comunidad (ABC, 2005c).

Además, el gobierno brasileñodestina recursos financieros parainstituciones regionales y multila-terales de cooperación, que seinvierten en una amplia gama deesfuerzos de desarrollo. Es elcaso, por ejemplo, del ya mencio-nado Fondo IBAS para el cualIndia, Brasil y Sudáfrica se com-prometieron a destinar, indivi-dualmente, un millón de dólarespor año,24 y del Fondo deConvergencia Estructural delMercosur (Focem), creado en2006 para disminuir las asimetríasentre los Estados miembros. Elgobierno brasileño aportó el 70por ciento de los 250 millones dedólares del fondo, el cual benefi-cia, prioritariamente, la ejecuciónde proyectos en Paraguay yUruguay (Vaz, 2008).

El compromiso en iniciativasque sobrepasen el ámbito estric-tamente bilateral, tales como lacooperación triangular trilateral,regional, interregional y multila-teral, es señalado en la literaturasobre la ayuda exterior comofundamental para minimizar losintereses cortoplacistas de losdonantes, para priorizar el desa-rrollo de los beneficiarios ygarantizar la sostenibilidad de lacooperación.25

En el caso de Brasil, este últimoaspecto adquiere una relevanciaparticular. Según destaca Vaz, lasacciones brasileñas de coopera-ción técnica con los vecinos suda-mericanos, por ejemplo, “reflejanen gran medida, impulsos ydemandas provenientes de unaactiva diplomacia presidencial yministerial en la región que es

practicada por los gobiernos bra-sileños, destacadamente a partirdel año 2000 y sensiblementeintensificada desde 2003. Es frutotambién de la ampliación de lasagendas promovida por medio delas comisiones bilaterales, a partirde la inducción de la diplomaciapresidencial y ministerial” (Vaz,2008: 26).

Según el autor, “ese mismo proce-so de oferta de cooperación aso-ciada particularmente a losencuentros presidenciales sucedetambién en relación a otros paísesen desarrollo” (Vaz, 2008:26). Esdecir, aunque Brasil sea reconoci-do internacionalmente como unode los grandes protagonistas de laCSS en la actualidad, por losmotivos ya expuestos, se puededecir que, 40 años después delsurgimiento de las primeras ini-ciativas de prestación de asisten-cia técnica, el país aún no poseeuna política consolidada de coo-peración con otros países del Sur.

Consideraciones Finales

El empeño de Brasil en transferirtécnicas accesibles y eficaces enla promoción del desarrollo aotros países del Sur, sin tener porfinalidad el lucro o el estableci-miento de condiciones, constitu-ye, según voces oficiales y demuchos analistas, una importantecontribución del país a la CSS engeneral. De forma diferente a losprincipales donantes emergentes,como China e India, Brasil noestaría guiado por intereses políti-cos y económicos de corto plazo,y si por la realización de interesescomunes a favor del desarrollo,

22. Ver: http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2003&Itemid=1564.

23. Un panorama y evaluación de la coo-peración técnica y económica brasileñaen el ámbito de la integración mercosure-ña y sudamericana en Vaz (2008).

24. Ver: http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2003&Itemid=1564.

25. Ver, por exemplo, Kaul et al (1999).

Page 29: Miriam Saraiva

29Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

sin que eso implique la reproduc-ción de la brecha Norte-Sur y deltercermundismo característico dela guerra fría. En efecto, el com-promiso creciente de donantes tra-dicionales en la CTPD brasileñaseñala una búsqueda de solucio-nes pragmáticas para el desarrollosocioeconómico de los países derenta baja, al mismo tiempo queconstituye un indicador del com-promiso más amplio con el multi-lateralismo.

No obstante, como Estado de tra-dición periférica en el sistemainternacional, Brasil aún pareceesconder, de propósito o no, visio-nes anacrónicas en relación aaspectos prácticos y normativosmás amplios de la llamada coope-ración para el desarrollo. Esoqueda claro, en primer lugar,cuando observamos que su diplo-macia insiste en tratar a la CSScomo sinónimo de CTPD, repro-duciendo una especie de trauma

tercermundista en relación a lacooperación orientada a la forma-ción de infraestructuras y al estí-mulo de intercambios comercia-les, la cuál quedó asociada, en lasdécadas de 60 y 70, al asistencia-lismo de los países del Norte.

Sin embargo, eso no significa queel gobierno brasileño no esté com-prometido en iniciativas de coo-peración financiera en materia deinfraestructura y comercio. ElBanco Nacional de DesarrolloEconómico y Social (BNDES),26

por ejemplo, posee una cartera deinversiones en América del Surque suma 15.600 millones dedólares según los datos másrecientes divulgados por la prensa(Leo, 2009). La gran cuestión esque, al contrario de la CTPD bra-sileña, la cooperación conducidapor el BNDES, así como otras ini-ciativas, como el Programa deCrédito a la Exportación(Proex),27 es de corte reembolsa-ble y demanda la adhesión de losbeneficiarios a varias condiciona-lidades, siendo la primera de ellasla obligatoriedad de que los recur-sos sean utilizados para comprarbienes y contratar servicios deempresas brasileñas.

En segundo lugar, Brasil, al con-trario de donantes tradicionales yde otros grandes donantes emer-gentes, rechaza contabilizar en susinformes sobre CSS iniciativashumanitarias y de perdón o alivio(por la vía de la disminución delos tipos de interés) de las deudasde países de renta baja, que seríanformas de ayuda asistenciales yno promoverían, de hecho, eldesarrollo de los beneficiarios.

Nuevamente, eso no significa queel país no actúe activamente en esasmaterias. Por ejemplo, Brasil per-donó, íntegramente o en parte, lasdeudas de varios países africanos ylatinoamericanos, como Bolivia,Cabo Verde, Cuba, Gabón, Guinea-Bissau, Mauritania, Mozambique,Nicaragua, Nigeria o Tanzania.Hasta el año 2006, el total de des-cuentos concedidos por Brasil apaíses pobres altamente endeuda-dos y a otros países en desarrollosumaron la cifra de más de 1.250millones de dólares (Presidencia dela República, 2007).

En tercer lugar, desde el ámbitoacadémico algunos autores recla-man la necesidad de que, en lamedida en la que se conviertacada vez más en país fuente deayuda para el desarrollo, Brasilparticipe en los foros de coordina-ción en el seno del CAD dondetiene estatus de observador(Landau 2008, 113). Sin embargo,existen algunas dudas sobre laaceptación del papel coordinadordel CAD/OCDE por parte delactual gobierno brasileño. Enefecto, el seguimiento realizadode la participación de Brasil en elForo de Alto Nivel sobre laEficacia de la Ayuda, en septiem-bre de 2008, en Accra, mostró unapostura agresiva y crítica de ladiplomacia brasileña frente al pro-ceso y, más aún, frente a laDeclaración de París (John deSousa, 2008). La postura oficialen relación a la agenda de eficaciaes que la CTPD practicada porBrasil constituye un “acto sobera-no de solidaridad, [...] no debesometerse a reglas que se destinana países donantes, en el ámbito de

26. Órgano del gobierno federal brasileñoes uno de los mayores bancos de fomen-to del mundo. El BNDES fue fundado en1952 y, actualmente, es “el principal ins-trumento de financiación de largo plazopara la realización de inversiones entodos los segmentos de la economía bra-sileña”. Una de sus áreas de actuación esla “Exportación e Inserción Internaci-onal”. El BNDES ha financiado, entreotras, la expansión de la capacidad detransporte de gaseoductos en Argentina,las centrales hidroeléctricas de SanFrancisco, en Ecuador, y de la Vueltosa,en Venezuela, así como la ampliación delos metros de Santiago y Caracas; Ver:http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt.

27. Ver: http://www.fazenda.gov.br/sain/temas/proex.asp.

Page 30: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

30

la asistencia Norte-Sur, como las constantes en laDeclaración de París”, tal y como afirmó el ex-direc-tor de la ABC. Sin embargo, el diplomático reconoceque Brasil estimula la aplicación de esos principios(apropiación, responsabilidad, etc.) que no son exclu-sivos de los países del CAD/OCDE y que han sidodefendidos en documentos de la ONU (Pereira daFonseca 2008, 76).

Creemos, no obstante, que antes de estar referida auna cuestión de soberanía, la resistencia de Brasil enno aceptar las directrices del CAD se explica por ladispersión institucional de las iniciativas de coopera-ción actualmente ejecutadas por el país y por laausencia de un sistema unificado de contabilidad delos recursos financieros dedicados a la CSS. Lospropios gestores de la cooperación brasileña tienendificultades en cuantificar el monto de los recursosmovilizados por las iniciativas de cooperación técni-ca y científica. Según Vaz: “Eso se asocia a unacaracterística estructural del aparato gubernamentalbrasileño que es un grado de autonomía relativamen-te alto por parte de las instancias ministeriales, con-jugado a espacios y mecanismos limitados y muchasveces informales de coordinación, lo que resulta endificultades de acompañamiento y dirección deesfuerzos” (Vaz 2008, 29).

En este punto debe señalarse que el desconocimien-to del montante de recursos dedicados a la CSSrepresenta un factor limitador para el gobierno brasi-leño, obstaculizando el reconocimiento de la contri-bución de Brasil al desarrollo internacional y dismi-nuyendo los niveles de transparencia y de rendiciónde cuentas, muy bajos en este momento. Definir conclaridad el volumen de los recursos que los paísesdel Sur dedican a CSS es imprescindible para el esta-blecimiento de comparaciones internacionales deesfuerzos solidarios que, posiblemente, sonrojen amuchos países del Norte.

Si el país consigue tener éxito en la elaboración deuna política de Estado en materia de CSS, que no selimite a la visión del ministerio de Exteriores sinoque incluya otras burocracias ministeriales, regiona-les y locales, y que cuente con el apoyo de la socie-dad civil, habrá hecho entonces una contribuciónaún mayor, que servirá de ejemplo a los demás paí-

ses que, como Brasil, ofrecen cooperación interna-cional: la demostración práctica de que un paísdemocrático y en desarrollo puede ayudar a promo-ver la mejoría sostenible de las condiciones socioe-conómicas de los países más pobres. La restricciónde la CSS, sea a la mera cuestión de la solidaridadentre países del Sur, sea a los aprendizajes mutuos enel ámbito estrictamente técnico, obstaculiza el com-plejo proceso de intercambios que también atiende aintereses nacionales de los países en desarrollo ofe-rentes de cooperación, sin que eso implique necesa-riamente asistencialismo o distribución desigual delas ganancias de la cooperación.

La realización de esos intercambios es importanteporque resulta decisiva para la continuidad de lasprácticas de la CSS y, en el largo plazo, puede contri-buir a que iniciativas hoy difusas y puntuales puedaneventualmente evolucionar hacia la formación deestructuras más duraderas de cooperación que tengancomo objetivo central promover el desarrollo.

Referencias

ABC, Agência Brasileira de Cooperação (2005a)Diretrizes para o Desenvolvimento da CooperaçãoTécnica Internacional Multilateral e Bilateral, fev.Disponible en:http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 ___ (2005b) ‘O que é a ABC?`, Via ABC, jul.Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 ___ (2005c) ‘A cooperação com os países de línguaportuguesa`, Via ABC, out. Disponible en:http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 ___ (2005d) ‘Cooperação Técnica Brasileira no Haiti`,Via ABC, dez. Disponible em: http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 ___ (2005e) ‘Timor-Leste: Cooperação para o desenvol-vimento`, Via ABC, nov. Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 ___ (2006) ‘Cooperação Técnica com PaísesDesenvolvidos. Instrumento de desenvolvimentonacional e de impulso à Cooperação Sul-Sul`, ViaABC, mar. Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3

Page 31: Miriam Saraiva

31Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

___ (2007a) ‘Desenvolvimento social: um tema dacooperação técnica brasileira`, Via ABC, jul.Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 Agência Estado (2008) ‘PAC da EMBRAPA vai elevarinvestimento em pesquisa`, Entrevista com o presi-dente da EMBRAPA, Sílvio Crestana. 18 feb.Disponible en: http://www.peabirus.com.br/redes/ form/post?pub_id=11051 Amoriam, Celso (2006) ‘A cooperação como instru-mento da política externa brasileira`, Via ABC. jun.Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 ________ (2005) Política Externa do Governo Lula:os dois primeiros anos. Análise de Conjuntura OPSA,n.4, mar. Disponible en: http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas/Artigo%20Celso%20Amorim.pdf ________ (2004) ‘Conceitos e estratégias da diploma-cia do Governo Lula`, Revista DEP, n.1, v.1, oct/dic. ________ (2003) Discurso proferido por ocasião daTransmissão do Cargo de Ministro de Estado dasRelações Exteriores. Brasília, 1 ene. Disponible en: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=2032AyllAyllon, Bruno & Viola, Eduardo (2006) Lula y eldéficit de realismo estratégico en política exterior’`,Política Exterior n.133, sep./oct. p.123-134.Barbosa, Rubens Antonio (2006) ‘Diplomacia emtempos de mudanza’`, 11/abr. Disponible en:http://www.rbarbosaconsult.com.br/artigo_diploma-cia _em_tempos_de_mudanca.asp Caetano, José R. (2005) ‘Um país cada vez mais iso-lado`, Exame, 4/oct. Disponible en: http://portalexa-me.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0853/econo-mia/m0078172.html Cervo, Amado L. (1994) ‘Socializando o desenvolvi-mento; uma história da cooperação técnica internacio-nal do Brasil`, Revista Brasileira de PolíticaInternacional v.37 n.1, p. 37-63.DCI (2007). ‘Brasil implantará agrovila na Nigériapara etanol e biodiesel`. DCI, 24/ mai. Disponible en: http://brasilbio.blogspot.com/2007/05/brasil-implan-tar-agrovila-na-nigria.html Embrapa (2009) Atuação da Embrapa no exterior écondecorada pelo Itamaraty` . 13/ mai. Disponible en: http://www.embrapa.br/imprensa/noticias/2009/maio/

2a-semana/atuacao-da-embrapa-no-exterior-e-conde-corada-pelo-itamaraty/?searchterm=65% Exmann, Fernando (2008) Especial: Atuação daEMBRAPA vira instrumento de política externa’`,Reuters, 10/jul. Disponible en: http://www.estadao.com.br/nacional/not_nac203862,0.htm Guimarães, Samuel Pinheiro (2003) Discurso proferi-do por ocasião da transmissão do cargo de secretá-rio-geral das Relações Exteriores. Brasília, 9/ene.Disponible en: http://www.mre.gov.br/index.php?Itemid=64&id=19&option=com_ content&task=view HLC, High-Level Committee on the Review ofTechnical Cooperation among Developing Countries(2005) ‘Brazil`. Diponible en: http://tcdc.undp.org/HLCdocs/HLC14_brazil.pdfIzique, Claudia (2008) ‘O PAC da EMBRAPA`,Revista Fapesp, 1/feb. Disponible en: http://www.embrapa.br/destaques_imagem/Revista_Fapesp-Fev2008.pdf John de Sousa, (2008) ‘Brasil en Accra: una apuestafirme por la cooperación Sur – Sur’`, Fride/ForoAOD. Disponible en: http://www.foroaod.org Kaul, Inge; Grnberg, Isabelle; Stern, Marc A. (1999)Global Public Goods: International cooperation inthe 21st century. New York, Oxford: OxfordUniversity Press.Landau, G. (2008) O Brasil e a cooperação internacio-nal para o desenvolvimento’`, Revista de Economia eRelaçoes Internacionais nº 12 vol.6, São Paulo,p.103-116.Leo, Sergio (2009) ‘Carteira do BNDES na América doSul soma US$ 15,6 bilhões`, Valor Econômico, 27/ago. Lima, Maria Regina Soares de & HIRST, Mônica(2006) ‘Brazil as an intermediate state and regionalpower: action, choice and responsibilities`,InternationalAffairs v.82 n.1, p. 21-40.Lisboa, José da Silva (2006) ‘Populismo diplomático ,̀Instituto Millenium. Disponible en: http://silvalisboa.blogs-pot.com/2006/04/02-populismo-diplomtico.html Lula da Silva, Luiz Inácio (2007a) ‘Discurso de posse naCerimônia de Compromisso Constitucional perante oCongresso Nacional`. Brasília, 1/ene. Disponibleen:http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=3010 ___ (2007b) ‘Discurso por ocasião de audiência comembaixadores africanos.` Dia da África. Brasília,25/.mai. Disponible en: http://www.mre.gov.br/portu-

Page 32: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

32

gues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=3127 ___ (2003) ‘Discurso na Sessão de Posse noCongresso Nacional`, Brasília, 1/ene. Disponible en: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=2029 Magnoli, Demétrio (2003) Política externa de Lula seguea cartilha de Rio Branco’`, Folha de S. Paulo, 19/ene.Moreira, Lauro Barbosa da Silva (2005) ‘A ABC e aCooperação Internacional. Palavra do Diretor. O queé a ABC`, Via ABC, jul.MRE, Ministerio de Relaciones Exteriores de Brasil(2007a) South-south cooperation activities carriedout by Brazil. Under Secretariat General forCooperation and Trade Promotion. jul. Disponible en:http://www.funag.gov.br/biblioteca-digital/ultimos-lancamentos ___ (2007b) Cronologia da política externa do gover-no Lula (2002-2006), Brasília, Funag. Disponible en:http://www.funag.gov.br/biblioteca-digital/temas-internacionais OECD (2009) Development Co-operation report2009, Paris, OCDE.Oliveira, Marcelo Fernandes de (2005) ‘Alianças ecoalizões internacionais do governo Lula: o Ibas e oG-20`, Revista Brasileira de Política Internacionaln.8 v.2, p. 55-69. Disponible en: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v48n2/a03v48n2.pdf Pereira da Fonseca, Luiz H. (2008) ‘La visión deBrasil sobre la cooperación internacional`, RevistaEspañola de Desarrollo y Cooperación n.22, p 63-77.___ (2007) Palabras en el simposio “El papel de lasUniversidades brasileñas en la política exterior en elámbito de la cooperación técnica”, Brasilia, Asesoriade Comunicación de la UNB, 15/jun.Presidência da República (2007) ‘Objetivos deDesenvolvimento do Milênio. Relatório Nacional deAcompanhamento`, Set. Disponible en: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/download/TerceiroRelatorioNacio

nalODM.pdf Ricupero, Rubens (2005) ‘Fim do Consenso?`, Folhade S. Paulo, 12/jun. Rother, Larry (2007) Scientists are making Brazil’ssavannah bloom’`, The New York Times, oct./2.Disponible en: http://www.nytimes.com/2007/10/02/science/02tropic.html Sardenberg, Carlos Alberto (2005) ‘As más aliançasde Lula`, Exame 19/may. Disponible en: http://porta-lexame.abril.com.br/degustacao/secure/degustacao.do? COD_RECURSO=211&URL_RETORNO=http://portalexame.abril.uol.com.br/economia/m0044101.html Schläger, Catrina (2007) ‘New powers for globalchange? Challenges for international developmentcooperation: the case of Brazil`, Dialogue onGlobalization. Briefing Papers, FES, Berlim.Sennes, Ricardo; BARBOSA, Alexandre de Freitas;GUIMARÃES, Débora Miura (2006) ‘Padrões deinserção externa da economia brasileira e o papel daintegração sul-americana`, Análise de Conjuntura n.3,OPSA mar. Disponible en: http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas/padroes_de_insercao_externa .pdfValler Filho, Wladimir (2007) O Brasil e a crise hai-tiana: a cooperação técnica como instrumento desolidariedade e de ação diplomática, Brasília, Funag.Vaz, Alcides Costa (2008) ‘A cooperação brasileirana América do Sul: evolução, características e condi-cionantes`, Breves Cindes n.8, mai. Vigevani, Tullo & Cepaluni, Gabriel (2007) ‘APolítica Externa de Lula da Silva: A Estratégia daAutonomia pela Diversificação`, ContextoInternacional v.29 n.2, jul/dic, p. 273-375.Disponible en: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v48n2/a03v48n2.pdfVisentini, Paulo G. Fernandes & PEREIRA, AnalúciaDanilevicz (s/d). ‘A política africana do governoLula`, NERINT. Disponible en: http://www6.ufrgs.br/nerint/php/artigos.php?idp=1&lang=br

Page 33: Miriam Saraiva

33Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

Qualquer avaliação suficientemente atenta sobre omundo de hoje teria que levar em conta o fato deque vivemos em um contexto global crescentemen-te interconectado no qual distintos grupos sociocul-turais são colocados em contato de maneira intensae acelerada. Efetivamente, com base em processo deintegração econômica que se intensificou a partir dopós-Segunda Guerra, o processo de Globalizaçãoatualmente em curso vem suscitando a integraçãocrescente das realidades locais, criando uma situa-ção de interdependência em escala mundial. Essatendência, contudo, ocorre por meio de uma lógicacomplexa em que dinâmicas contraditórias atuam.Há, por um lado, o reconhecimento da unidade dotodo, numa espécie de “compreensão/compressão”do mundo; e, por outro, passam a existir processosde diferenciação de identidade culturais, civis, polí-ticas, nos quais novos eixos de orientação para aação política se constituem.

Nesse novo cenário, uma reflexão sobre os impactosprincipais do fenômeno da Globalização na dinâmi-ca de interação entre as múltiplas realidades cultu-rais atualmente existentes coloca-se como um esfor-ço heurístico necessário. O presente texto visa apre-sentar apontamentos preliminares sobre como aquestão do contato intercultural tem evoluído na tra-dição teórica de Relações Internacionais. Da mesma

forma, procura-se também compreender melhorcomo seria possível promover padrões mais harmô-nicos de convivência multicultural dado que os maisvariados grupos humanos se encontram nos dias dehoje, cada vez mais, em uma nova, acelerada epotencialmente conflitiva dinâmica de interações emuma escala nunca antes vista.

A Globalização, as Relações Internacionais e a

Reflexão sobre o Contato Intercultural

É necessário que iniciemos reiterando a noção deque tomamos o fenômeno da Globalização comfenômeno que possui uma natureza multidimensio-nal e complexa. Embora suas origens possam serlocalizadas na formação de uma visão de mundointegrada que passa a existir no início do séculoXVI, é a partir da segunda metade do século XX quedinâmicas globais – tais como o controle nuclear, aproblemática ambiental, e o movimento de descolo-nização – passam a ser consideradas como um eixocentral para os direcionamentos políticos, em umprocesso que poderia ser definido como uma “toma-da de consciência da realidade global” (Robertson1992, 8). Instaurado por uma materialidade econômi-ca e tecnológica que redefinem as estruturas da produ-ção e do consumo, e que teve como principais atoresas corporações transnacionais, é a partir dos anos 1970

A globalização cultural e os

desafios para uma governança

global democrática

Rafael R. Ioris

Professor Assistente da Universidade de Denver

Qualquer avaliação suficientemente atentasobre o mundo de hoje teria que levar emconta o fato de que vivemos em um contexto

global crescentemente interconectado no qual distin-tos grupos socioculturais são colocados em contato demaneira intensa e acelerada. Efetivamente, com baseem processo de integração econômica que se intensi-ficou a partir do pós-Segunda Guerra, o processo deGlobalização atualmente em curso vem suscitando aintegração crescente das realidades locais, criandouma situação de interdependência em escala mundial.Essa tendência, contudo, ocorre por meio de umalógica complexa em que dinâmicas contraditóriasatuam. Há, por um lado, o reconhecimento da unida-de do todo, numa espécie de “compreensão/compres-são” do mundo; e, por outro, passam a existir proces-sos de diferenciação de identidade culturais, civis,políticas, nos quais novos eixos de orientação para aação política se constituem.

Page 34: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

34

que, de um modo ainda mais con-creto, passa a existir uma nova lógi-ca econômica em escala global.

O processo produtivo já não maisse organizaria então dentro dasfronteiras nacionais e a acumula-ção econômica se dá cada vezmais com base nos avanços tecno-lógicos e em reestruturaçõesgerenciais. Aumenta o grau devolatilidade do capital financeiroe há um aumento significativo euma ampliação do comércio mun-dial. Da mesma forma, comoresultado da combinação de revo-luções tecnológicas (microeletrô-nica, robótica, biotecnologia) eadministrativas (qualidade total ereengenharia), as corporações, ocapital e a tecnologia desconec-tam-se crescentemente de suasorigens nacionais. Ocorre aindaum progressivo aumento nos flu-xos de Investimentos EstrangeirosDiretos, e, pelo menos em termostendenciais, um processo dehomogeneização dos padrões deconsumo globais.

É nessa linha de reflexão quepodemos perceber um interessan-te contraste na da evolução docapitalismo internacional. Atémeados do século XX, as intera-ções socioeconômicas poderiamser entendidas como ocorrendo,em linhas gerais, por meio de flu-xos de comércio, produção, con-sumo e investimento colocadossob a regulação dos Estados. Porsua vez, no contexto de uma reali-dade definida como globalizada, alógica produtiva passa a ser orga-nizada em uma cadeia transfron-teiriça, que escapa, em grande

parte, aos poderes regulatóriosnacionais e internacionais impos-tos por órgãos interestatais cria-dos para esse fim – tais como oGatt e o Fundo MonetárioInternacional.

Tantas e tão profundas transfor-maçõe acabariam por se refletirpelas mais diversas sociedadesatualmente existentes no globo,em um processo que tem conduzi-do a alterações nas percepções econcepções usadas para interpre-tar o mundo (Rosenau 1990). Defato, impulsionada pela transna-cionalização da produção e doconsumo, pela volatilização dasfinanças, pela atribuição de umpapel maior para os atores trans-nacionais, pela aceleração dasinovações tecnológicas, aGlobalização acabaria por apro-fundar a lógica de integração dasrealidades sociais locais, o que,por sua vez, conduz a desterrito-rializações das referências cultu-rais tradicionais e à construção deuma concepção da integração cul-tural do mundo, ou Mundiali-zação (Ortiz 1994).

Contudo, apesar de todas as trans-formações advindas da intensifi-cação de um verdadeiro processode ‘encolhimento’ do mundo(possibilitado por inovações nosmeios de comunicação e transpor-te), é importante apontar que atendência à universalização devalores e padrões de existênciatem sido uma meta do projetoOcidental desde o início da EraModerna. Efetivamente, estabele-cida com o propósito de pôr umfim definitivo à Guerra dos Trinta

Anos (1618-1648), percebida porseus contemporâneos como amais devastadora das guerras reli-giosas até então, a Paz deWestphalia é considerada, segun-da a tradição teórica das RelaçõesInternacionais, como fundadorado Moderno Sistema de Estados.Esse sistema possibilitou a exis-tência de um novo fundamentosubstantivo para as interaçõespolíticas intersocietárias por meiode uma lógica descentralizadora.

Em termos analíticos, a OrdemWestphaliana fez da ausência deuma autoridade central mundial anoção de base de um novo sistemade ordenação política que operariapor meio dos Estados territoriais,definidos como entidades autôno-mas, formalmente iguais, possui-doras de prerrogativas e direitos.A ordem interestatal se funda-mentaria, por sua vez, no raciocí-nio de que entidades portadorasde uma igualdade formal apresen-tariam comportamentos definidospelo respeito mútuo, e que, por-tanto, não se envolveriam em inte-rações conflituosas, mas, alternati-vamente, iriam se dedicar a assun-tos concernentes prioritariamenteà realização de seus valores cultu-rais específicos dentro da esferaterritorial de cada sociedade esta-tal. Da mesma forma que o pró-prio Sistema de Estados, a refle-xão teórica em RelaçõesInternacionais também é fruto damodernidade, fundada, maisespecificamente, em dois projetosde mundo originalmente formula-dos nos século XVII e XVIII.

De um lado estaria o Projeto Realis-ta ou de ‘Balança de Poder’, traduzi-

Page 35: Miriam Saraiva

35Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

do na Ordem Westphaliana de 1648,que postula a existência de umequilíbrio autoregulável no siste-ma de relações interestatais queinfluenciaria o comportamento detodos os Estados participantes.De outro lado, o Projeto Idealistaou Institucionalista, de origenslocalizadas, de maneira central,nos textos de Abbé de San-Pierree Immanuel Kant, que postula anecessidade e possibilidade deconstrução da paz internacionalpor meio de acordos e instituiçõesfirmadas, de maneira preferencial,entre Repúblicas - ou democracias,na terminologia atual (Ruggie1993). De modo similar, e apesarde suas divergências, tanto osautores Realistas quanto Liberais– sejam eles clássicos ou seusdefensores mais recentes, como osPluralistas, e assim como verten-tes mais estruturais como osMarxistas têm, todos, defendidoo expansionismo de determinadasposições de mundo, ditas univer-sais, frente a entendimentos local-mente constituídos.

É importante ressaltar que, intrín-seca à lógica operacional fundan-te do projeto da ModernidadeOcidental, está uma suposição deverdade –que se tem demonstradoquestionável em termos teóricos epráticos– que assume que a evo-lução histórica européia represen-taria um caminho necessário quetodas as sociedades humanasdeveriam percorrer rumo a umprogresso linearmente entendidocomo positivo e necessário. Da

mesma forma, o raciocínio funda-cional da disciplina de RelaçõesInternacionais manifestou histori-camente pretensões universalistase teve dificuldade em tratar daquestão da diferença ou especifi-cidade cultural (Brown 1995).

Ironicamente, ao longo do seupróprio processo histórico, paraalém da questão de poder formaldos Estados (sua soberania), oSvistema Westphaliano incorpo-rou a categoria de Nação comofoco de identificação das lealdadesdos indivíduos circunscritos emcada Estado específico. Para alémda formalidade do caráter sobera-no de cada Estado, a lógica wes-tphaliana passa, a partir do séculoXIX a operar por meio de umamatriz de base nacional, que operade tal modo que as relações depoder de base territorial passam aestar ancoradas em referenciaisparticulares, tais como identidadeétnica, língua, tradição e outrossupostos atributos de uma mesmanacionalidade.

A importância crescente de ele-mentos de natureza ideacional é,contudo, o aspecto que define demodo mais central o fenômeno daGlobalização no que se refere àsua dimensão cultural. Percebe-senesse processo a constituição deduas tendências dialeticamenteopostas. Por um lado, existem pro-cessos rápidos e crescentes de for-mação de uma ‘agenda comumglobal’ de assuntos ou interessesamplamente aceitos em todo oglobo. Tais temas de interesseamplo atualmente se referem àsquestões do patrimônio comum da

humanidade, do meio ambiente,do desenvolvimento sustentável,da liberdade de expressão, dademocracia, da autodeterminaçãodos grupos culturais, etc. Essestemas, dada sua própria naturezade universalidade e alta dispersãoglobal nos mais variados contex-tos locais, constituem a base daedificação do que poderia, talvezno futuro, ser chamado de uma‘Cultura Global Comum’(Featherstone 1995). Por outrolado, devido a desafios, medos ereações por parte de grupos cultu-rais específicos quanto à questãoda disseminação de padrões emodelos globais de existência,ocorre um processo de autoafirma-ção dos modos locais de vida, oqual, na maioria das vezes, temconduzido a conflitos ou a isola-mentos intercivilizacionais.1

Sabemos que o contato culturalsempre esteve presente na formula-ção que, historicamente, cada cul-tura definiu de si mesma em oposi-ção a outras culturas. Afinal, anoção de identidade só faz sentidoe opera sempre de modo relacional.A realidade da Globalização, con-tudo, envolve uma dinâmica deuniversalização de particularis-mos, valorizando realidades iden-titárias específicas, e, ao mesmotempo, a intensificação da noçãode que o mundo é um lugar comum(Ouer Global Neighborhood, 1995).Esse processo se caracteriza aindapelo desenraizamento de aspectosculturais de origem particular eseu novo enraizamento numaoutra realidade cultural, em queatributos novos seriam (re)combi-nados em uma escala ampliada.

1. Ver Barber (1995), Juergensmeyer (1993),e Gurr e Harff (1994).

Page 36: Miriam Saraiva

A possibilidade de recombinaçãode aspectos culturais específicosque passam a constituir uma novarealidade cultural tem sido consi-derada de perto por diversos auto-res que a definem como um fenô-meno de hibridização cultural(Appadural 1994 e Pietrese 1995).Ocorre, portanto, a articulaçãoconstante entre a criação da univer-salidade e da particularidade, comoexpressaria bem o conceito de ‘glo-calization’ – que expressa a idéia dalocalização das dinâmicas globaisao mesmo tempo em que se globa-lizam especificidades locais. O casodo micromarketing seria paradig-mático desse aspecto da Globali-zação pois dentro de suas linhas deatuação, consumidores de localida-des específicas são ‘criados’ poranúncios de origem globalizada quesão reorientados para o mercadolocal - como exemplo poderíamoster a criação do Big Mac vegetaria-no pela rede de lanchonetesMacDonald’s na Índia.

Dados novos desafios apresenta-dos pela dinâmica histórica daGlobalização, surge a necessidadede meios institucionais de comu-nicação e convívio intercultural.Nessa tomada de consciência deque o mundo é um lugar comum ede que o aumento dos contatostorna-se inevitável, temos queestabelecer maiores níveis entreos diferentes eixos de atuaçãopolítica que, progressivamente,perpassam a realidade jurídica doEstado Nacional moderno.Necessitamos também reformularnossas práticas de investigação deum modo interdisciplinar a fim deque possamos tomar o mundo

como um todo integrado uma vezque a tradição da teoria socialtomou como seu foco principal asociedade nacional ou um gruposociocultural específico – tradiçãoessa que, nos dias de hoje, se tor-naria um empecilho epistemológi-co uma vez que já não é mais pos-sível estabelecermos claramente adistinção entre global e local,doméstico e global.

Felizmente, diversas análises arespeito de tais tendências têmsido propostas. Santos (1997), porexemplo, aponta para a necessida-de de estudos e definições dofenômeno da Globalização a par-tir de um ponto de vista mais sen-sível às dimensões socioculturaisdistintas dos diversos grupossociais envolvidos. Criticando ofato da supremacia das definiçõesdo fenômeno de Gobalização queassumem uma inspiração econo-micista, o autor aponta para anecessidade de que se concebam‘globalizações’ no plural, comoprocessos por meio dos quais“determinada condição ou entida-de local consegue estender suainfluência a todo o globo e, aofazê-lo, desenvolve a capacidadede designar como local uma outracondição social” (idem, 107).

O fenômeno da Globalização nãodeve, pois, ser tomado como pro-motor de uma espécie de homoge-neização cultural ou da eventualconstituição de uma cultura única.Se há alguma cultura global atual-mente em formação, esta estariase efetivando no entrelaçamentocomplexo e multidimensionalentre múltiplas culturas locais por

meio de crescentes fluxos de sig-nificados, pessoas e mercadorias.Esses fluxos produziriam tantohomogeneidade quanto desordemcultural, fortalecimento de identi-dades locais e intensificação deculturas transnacionais (third cul-tures). Efetivamente, a pluralida-de de respostas fornecidas pordiferentes sociedades ao projetosocial moderno implica que con-cebamos a existência de múltiplasmodernidades – sempre no plural– cujas dinâmicas de interaçãodentro do contexto de um mundoglobalizado não parecem capazesde, até o presente momento, eli-minar tal pluralidade (Hannerz1994).

De modo similar, a possibilidadede efetivação de uma culturacomumente partilhada, como meiode eliminação dos conflitos inter-culturais, tampouco parece seralgo provável. A realidade simbó-lica atualmente existente que temrecebido a atribuição de ‘culturalglobal’ – fruto da suposta univer-salização de alguns padrões deconsumo de base norte-americana– não seria, de fato, nada mais doque uma miscelânea de motivosfolclóricos desterritorializados porrazões mercadológicas específi-cas, e, portanto, incapazes de criarverdadeiros vínculos culturais desociabilidade (Smith 1994).

Globalização Cultural e os

Desafios para a Governança

Global

Impulsionada pela transnacionali-zação da produção e do consumo,pela volatilidade crescente dos

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

36

Page 37: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

37

fluxos financeiros, pela atribuiçãode um papel maior para os atorestransnacionais, pela aceleração dasinovações tecnológicas e por umaespécie de encolhimento do globo(dadas às inovações nos meios decomunicação e transporte), o pro-cesso de Globalização aprofunda alógica de integração das realidadessociais locais, o que, por sua vez,vem conduzindo a desterritoriali-zações das referências culturaistradicionais e à construção de umapercepção da integração culturaldo mundo. Ao mesmo tempo, con-tudo, vem crescendo também anecessidade de manifestaçãodaquilo que é específico a cadaum, seja esse um indivíduo, sejaum grupo cultural específico.

No que se refere aos seus aspectosculturais, a Globalização apresen-ta, concomitantemente, dinâmicasde integração como de fragmenta-ção, de inclusão como de exclu-são, de universalização depadrões de comportamentos comode diferenciação de referenciais evalores de vida. Conforme vimos,o resultado político mais visívelque a Globalização cultural viriatrazer, com as tendências atual-mente em curso, seria o aumentodo nível de conflitos entre gruposde origens culturais distintas pos-tos em um contato aproximado eacelerado num mundo comprimi-do sob si mesmo. Acirramento dechoques interculturais, este, sim,parece ser o cenário mais prová-vel da dinâmica de interação ace-lerada dada pela nova realidadeglobalizada por meio de uma lógi-ca essencialmente mercadológica.

Mais do que fruto do destino, ofenômeno da Globalização se

constitui como resultado, indese-jável para muitos, de novas for-mas, dinâmicas, níveis e intensi-dade de inter-relacionamentossociais entre múltiplos agrupa-mentos humanos. Por um lado,percebemos que uma das mais for-tes características da contempora-neidade é a disseminação de umrepertório de símbolos e objetosesvaziados de seus conteúdos par-ticulares, mas compartilhados emescala global, no qual o universodo consumo passa a assumir umafunção de integração social comolugar privilegiado de uma dimi-nuída noção de cidadania. Poroutro lado, devido aos desafios,medos e reações por parte de gru-pos culturais específicos quanto àquestão da disseminação depadrões e modelos globais de exis-tência, ocorre um processo deautoafirmação dos modos locaisde vida, que, na maioria das vezes,tem conduzido a conflitos ou aisolamentos intercivilizacionais.

Uma nova realidade sociopolíticaque em nível global pudesse serconstituída como minimamenteordenada, estável e justa –e nãoem um choque de civilizações(Huntington, 1996)– envolveria apartilha de uma série de normas ecódigos de conduta para a intera-ção mútua nos processos delibera-tivos das políticas públicas globaispor parte de todos os atores políti-cos relevantes. Da mesma, forma,arranjos institucionais capazes deestabelecer maiores níveis de coo-peração no sistema global reque-rem também a existência de nor-mas e princípios definidores doscomportamentos aceitáveis portodos. Tais arranjos tendem a ser

mais duradouros quando tomamem consideração as múltiplasagendas das várias partes envolvi-das. Em outras palavras, a perma-nência dos arranjos e acordos decooperação multilaterais depende-rá de que esses provenham de umanegociação equilibrada entre todasas partes envolvidas.

No contexto de uma realidadedefinida por crescentes níveis deinteração em escala global entreos mais variados grupos sociaishumanos, a democracia somentepoderá se efetivar como resultadoda complexa interação entre insti-tuições sociais, econômicas epolíticas nos mais variados depoder. O Estado é ainda um perso-nagem central dessas estruturas einterações, mas não mais o único.A presente multiplicação de ato-res políticos (seja em escala local,nacional, seja transnacional), alia-da à crescente percepção dos limi-tes institucionais das estruturasformais da democracia liberal,exige, pois, a formulação denovos arranjos político-institucio-nais que atendam às diferentesdemandas e interesses, por partede distintos grupos socioculturais,dentro das múltiplas esferas deinteração política de um mundocada vez mais interconectado.

De modo efetivo, a promoção deinterações intersocietárias quepossam ser definidas como har-mônicas dentro do atual contextoda Globalização passa cada vezmais pela reformulação das estru-turas de coordenação das dinâmi-cas sociopolíticas globais, demodo a serem capazes dedemonstrar aos múltiplos agentes

Page 38: Miriam Saraiva

38Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

envolvidos nos processos de tomada de decisão queseus interesses, valores e demandas sociais são tidoscomo relevantes e serão, possivelmente, atendidos.Uma estrutura de governabilidade global que sejaviável – devendo, portanto, ser de matriz democráti-ca – teria que se centrar na negociação política comoalternativa à guerra, portanto, em formas alternativasde prevenção de conflito, na tolerância e na não dis-criminação de grupos sociais por razões de alteridade.Tais arranjos e lógica teriam, também, que ser capazesde garantir a manutenção da diversidade cultural dosdiferentes grupos humanos, operando por meio deagências de coordenação política em múltiplos níveis:subnacional, nacional, regional, supranacional outransnacional. Somente uma lógica de governançaglobal percebida como resultando de contínuos pro-cessos de acomodação de interesses sociais distintos,e envolvendo instituições formais e informais (cons-trução de valores comuns via promoção do diálogointercultural) de atuação poderá vir a ser viável, efeti-va e duradoura.

Melhores níveis de entendimento das motivações decada parte envolvida em projetos de natureza globalpoderiam reduzir o temor que diversos grupos sociaismanifestam com respeito a várias dinâmicas constitu-tivas do fenômeno da Globalização. E são exatamen-te maiores níveis de entendimento mútuo das motiva-ções de cada grupo cultural que poderiam ser vislum-bradas, pelo menos em tese, como resultado daampliação das esferas de coordenação e deliberaçãopolítica em escala global, assim como do fortaleci-mento dos canais de comunicação intercultural pormeio dos quais diversos atores sociais manifestamseus projetos e valores de vida. A existência de inte-rações pacíficas entre grupos culturais distintos numaescala ampla é, pois, possível e desejável como proje-to político que, no entanto, deve ser visto como partede uma ampla série de esforços que buscam o estabe-lecimento de, não somente padrões de coexistênciaentre grupos sociais de origem cultural distinta, mastambém de mecanismos capazes de fazer com quecada grupo se identifique como parte integrante de umtodo que partilha um destino comum. Dentro doambiente criado por um mundo cada vez mais integra-do, mas que até o momento manifesta uma lógicamotivadora da ação política de inspiração economi-

cista (competitiva e de mercado), a formulação de umprojeto comum parece inviável.

No entanto, um mundo que se integra e apresentadúvidas e ameaças é a mesma realidade que oferece,provavelmente pela primeira vez na história huma-na, a possibilidade de estabelecimento de contato ecomunicação entre virtualmente todos os membrosda espécie humana. A tecnologia de comunicaçãoglobal se encontra já disponível. Caberia, ainda, con-tudo, que cada grupo cultural, assim como cada indi-víduo, assumisse seu futuro como parte de um desti-no comum que apresenta (assim como os riscos ecustos da não execução de tal cenário) as potenciali-dades da construção de um destino mais pacífico erecompensador do que jamais antes visto.

Referências

Appadural, Arjun (1994) ´Disjun-ção e diferença naeconomia cultural global`, in M.Featherstone (ed.),Cultura Global: Nacionalismo, Globalização eModernidade. Pe-tropólis, Vozes.

Barber, Benjamin (1995) Jihad vs. McWorld,, NewYork, Balentine Books.

Brown, Chris (1995). ´The International RealtionsTheory and the Idea of World Community`, in Booth &Smith, International Relations Theory Today. UniversityPark, Pennsylvania State University, p.90-109.

Featherstone, M; Lash, S.; Robertson, R. (ed.)(1995) Global Modernities. London,SAGE.

Gurr, Ted R. & Harff, Barbara (1994) EthnicConflict in World Politics. Boulder, Westview Press.

Hannerz, Ulf (1994) ´Cosmopolitas e Locais na CulturaGlobal`, in M.Featherstone (ed.), Cultura Global:Nacionalismo, Globaliza-ção e Modernidade.Petropólis: Vozes.

Huntington, Samuel P. (1996) The Clash ofCivilizations and the Remaking of the World Order,New York, Simon &Schuster.

Juergensmeyer, Mark (1993) The New Cold War?Religious Nationa-lism Confronts the Secular State,Berkeley, University of California Press.

Page 39: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

39

Ortiz, Renato (1994) Mundialização e Cultura. SãoPaulo, Brasiliense.

Our Global Neighborhood the Report of theCommission on Global Governance (1995). Oxford,Oxford University Press.

Pieterse, Jan N (1995) ´Globalization as Hybridization`,in M.Featherstone;, S.Lash; R. Robertson, R. (ed),Global Modernities. London, SAGE..

Robertson, Roland (1992) Globalization: SocialTheory and Global Culture. London, SAGE.

Rosenau, James (1990) Turbulence in World

Politics: a Theory of Change and Continuity.Princeton, University Press.

Ruggie, John (1993) ´Territoriality and Beyond:Problematizing Modernity in InternationalRelations`, International Organization vol. 47, n. 1.

Santos, Boaventura de S (1997) ´Uma ConcepçãoMulticultural de Direitos Humanos`, Lua Nova, n. 39.

Smith, Anthony (1994. `Para uma Cultura Global`,in M.Featherstone (ed.), Cultura Global:Nacionalismo, Globalização e Modernidade,Petrópolis, Vozes.

Page 40: Miriam Saraiva

40Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

Actualmente, la cooperación Sur-Sur se torna untema central en la agenda de los países en desarrollo.A través de ella se busca la interacción entre nues-tros países con vistas a subsanar, con recursos pro-pios, muchos problemas comunes, en contraposicióna la cooperación clásica (Norte-Sur) que nos ha traí-do más dolores de cabezas que soluciones. Si bienlos ejemplos de cooperación Sur-Sur a nivel interna-cional no siempre han arrojado los mejores resulta-dos, como veremos en éste artículo, cuando fue ins-trumentalizada de manera sistemática y continua,este tipo de cooperación ha demostrado ser un meca-nismo útil para reducir la vulnerabilidad de nuestrospaíses frente a los factores internacionales adversos.

A fin de evitar que la historia se repita, los países endesarrollo están viendo la necesidad de construiralianzas más poderosas y compartir las habilidadesnecesarias para participar y negociar de manera másefectiva en los procesos multilaterales para que suspropios intereses no sigan relegándose. Como plan-

tea Yiping Zhou (2002), la cooperación Sur-Sur ya noes simplemente una opción, ahora es un imperativo,si de verdad se pretende que el Sur sobreviva a lasturbulencias de la globalización.

Por esto, debido a la importancia que este temareviste no sólo para los gobiernos, sino también paralas sociedades nuestros países, en este trabajo nosproponemos echar un poco de luz sobre la temática.De esta forma, veremos qué es el Sur, las distintasinterpretaciones o modos/modelos de cooperaciónSur-Sur, y finalmente, las características que adoptaen Argentina y Brasil.

El imaginario social del Sur

Tanto económica como geográficamente, el hemis-ferio Norte en realidad incluye a muchos países sub-desarrollados, y en el hemisferio Sur, forzosamente,hay que contar a algunos países desarrollados. Porlo tanto, la línea del ecuador que separa territorial-mente el Norte del Sur no es el límite real entre losdos hemisferios (Borja 2002).

A pesar de sus imprecisiones, la clasificación quesepara al Norte del Sur ha tomado fuerza por eleclipse de otras: la que agrupaba a los países delPrimero, Segundo y Tercer Mundo (agrupada encuanto al eje Este-Oeste) y también de la teoría delos tres mundos,1 ambas planteadas en función desu desarrollo económico. Sin embargo, la distinción

La cooperación Sur-Sur.

Argentina y Brasil:

dos interpretaciones diferentes

María Gisela Pereyra DovalDoutoranda do Consejo Nacional de Investigaciones

Científicas y Técnicas/Argentina. Professora da Facultad de CienciaPolítica y Relaciones Internacionales/Unviersidad Nacional de Rosario.

Actualmente, la cooperación Sur-Sur se tornaun tema central en la agenda de los países endesarrollo. A través de ella se busca la inte-

racción entre nuestros países con vistas a subsanar,con recursos propios, muchos problemas comunes,en contraposición a la cooperación clásica (Norte-Sur) que nos ha traído más dolores de cabezas quesoluciones. Si bien los ejemplos de cooperaciónSur-Sur a nivel internacional no siempre han arroja-do los mejores resultados, como veremos en ésteartículo, cuando fue instrumentalizada de manerasistemática y continua, este tipo de cooperación hademostrado ser un mecanismo útil para reducir lavulnerabilidad de nuestros países frente a los facto-res internacionales adversos.

1. La primera agrupaba a los países capitalistas (Primer Mundo),los países socialistas (Segundo), y los países en desarrollo (TercerMundo), la segunda teoría plantea que Estados Unidos y la UniónSoviética son el Primer Mundo, los países industrializados deEuropa Occidental, Japón, Australia y Canadá son el SegundoMundo, y los países en desarrollo el Tercer Mundo. Como seobserva en las dos el Tercer Mundo es el mismo.

Page 41: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

41

entre las dos esferas no es sóloeconómica. La expansión a escalaplanetaria de una sola civilizaciónen la que se conjugaban la misióncristiana y la búsqueda capitalistade mercados y de materias primas,conjuntamente con la hegemoni-zación de un único tipo de conoci-miento,2 son procesos que se pro-dujeron en todos los países del lla-mado Sur. La misión religiosa y eldesprecio por todo lo que, desdeuna concepción eurocéntrica delprogreso, sólo se puede conside-rar inferior y destinado a desapa-recer, se ha conjugado para dismi-nuir e incluso borrar la heteroge-neidad cultural de los países delSur a favor de una crecientehomogeneidad universal.

No estamos ante una desigualdadpasajera de carácter técnico-eco-nómico, sino que se trata de unadivisión mucho más profundacuyo análisis debe incluir las esfe-ras de lo político, lo militar, elconocimiento, etc. Es la divisiónque durante el siglo XIX, y poste-riormente, se nombraba en los tér-minos de la dualidad civiliza-ción/barbarie, desarrollo/subdesa-rrollo, dominación/dependencia,metrópolis/periferia, entre otros.

Los países del Norte, que tienencomo eje a los siete de mayor desa-rrollo industrial –congregados enel G-7-, se resisten a todo cambioque pueda poner en riesgo su hege-monía; actúan en un frente comúna pesar de sus discrepancias inter-nas. Los del Sur tienen muchamenos homogeneidad, y su unidadse ve resquebrajada con frecuen-cia; son países muy disímiles entre

sí en dimensión territorial, pobla-ción, recursos naturales, grados dedesarrollo económico, cultura yregímenes políticos, aunque todoscomparten la marginación de losbeneficios de la prosperidad y delprogreso (Borja, 2002).

A pesar de esta heterogeneidad,puede hablarse de un imaginariosocial del Sur. Según Taylor(2004), un imaginario social no esun conjunto de ideas; es más bienlo que hace posible las prácticasde una sociedad, al darles un sen-tido. Es el modo en que un grupode personas imaginan su existen-cia social, el tipo de relacionesque mantienen unas con otras, eltipo de cosas que ocurren entreellas, las expectativas que se cum-plen habitualmente y las imágenese ideas normativas más profundasque subyacen a estas expectativas.A su vez, en esta concepcióncolectiva que hace posibles lasprácticas comunes subyace unsentimiento ampliamente compar-tido de legitimidad.

Taylor (2004) plantea que nuestraidea de lo que estamos haciendo(sin la cual no estaríamos reali-zando este acto) cobra sentido enel marco de una comprensión másamplia de la situación: cuál es larelación que mantenemos entre nosotros –en este caso los paísesdel Sur-, así como con el poder.Esto abre, a su vez, perspectivasmás amplias respecto al lugar queocupamos en el espacio y en eltiempo: nuestra relación con otrospueblos y naciones, y tambiénnuestra relación con la historia, elrelato de cómo hemos llegado aser lo que somos, etc.

Por todo esto, y a pesar de la hete-rogeneidad mencionada anterior-mente, también existen patroneshistóricos y actuales comunesentre los países del Sur, lo que per-mite hablar de un imaginario socialdel Sur. En primer lugar, la situa-ción del Sur no es una de retrasoen términos de algún parámetroobjetivo o con respecto al nivel dela situación del Norte, sino que elcarácter socio-cultural del Sur res-ponde en un alto grado a la presiónejercida por el Norte. Sumado aesto, el estado de cosas logrado porel Norte se debe en buena medidaa su explotación del Sur.

Con el fin de la Guerra Fría haquedado en evidencia la confron-tación entre un pequeño grupo depaíses desarrollados, prósperos ydominantes, y el amplio sector peri-férico del planeta compuesto por lospaíses atrasados y dependientes deÁfrica, Asia y América Latina, enlos que viven el 75% de la pobla-ción mundial. Sin embargo, y pues-to que detrás de un imaginariosocial existe la idea de un ordenmoral -a través de la cual se conci-be la vida, y que puede, o no, estarligada al statu quo-, tenemos queretrotraernos a los años de la GuerraFría para encontrar la primeraexpresión internacional por parte delos países del Sur de su imaginario.

Básicamente, nos referimos a laConferencia de Bandung de 1955,y la posterior conformación delMovimiento de Países NoAlineados (Noal) en 1961, endonde los países del Sur, a pesarde su heterogeneidad, supieronalinearse en una tercera posiciónconjugando sus elementos en2. Al respecto véase Lechini (2009).

Page 42: Miriam Saraiva

42Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

común para intentar modificar elorden moral preexistente. Basadoen los Principios de CoexistenciaPacífica de Bandung -preservarlas independencias nacionalesfrente a las dos superpotencias, nopertenecer a ningún bloque mili-tar, rechazar el establecimiento debases militares extranjeras, defen-der el derecho de los pueblos a laautodeterminación y la indepen-dencia y luchar por un desarmecompleto y general, entre otros-,los objetivos políticos del Noal enla década del sesenta fueron cum-plidos, pudiendo, en esta instan-cia, actuar en consecuencia de suimaginario social, al punto depoder modificar el orden moralexistente vigente desde el sigloanterior; nos estamos refiriendo ala descolonización de un impor-tante grupo de estados afroasiáti-cos. El Noal ha contribuido deforma innegable al triunfo de lalucha por la independencia nacio-nal y la descolonización, lo que lepermitió mantener un importanteprestigio diplomático. Sin embar-go, hay que reconocer que, segúnel imaginario del Sur, deja muchoque desear en cuanto al tema delos derechos humanos y la demo-cracia, no en vano gran parte desus miembros han sido dictadurasque conculcaban esos principios.

El caso del objetivo económico(década del setenta) es distinto. Apesar de la presión de éstos y delG-77 en el seno de la Unctad, pro-ducto de las cuales surgió laDeclaración sobre el Estableci-miento de un Nuevo OrdenEconómico Internacional, aproba-da por la Asamblea General de lasNaciones Unidas en 1974, la

situación poco ha cambiado, y labrecha entre países ricos y pobresse amplía aún más.

Cabe agregar que no sólo en elNOAL pueden observarse deman-das e ideas del imaginario socialdel Sur. Existen otros grupos depaíses que también lo representan,como la Cepal, el G-77, distintosorganismos y grupos de presióntanto gubernamentales como nogubernamentales –G-20, Nama-11, los movimientos antiglobali-zación, entre otros-.

Asimismo, no se puede dejar demencionar aquellos movimientossociales representantes de distin-tas porciones de la sociedad civilo aquellos que los engloban comolos Foros Sociales. Este movi-miento promueve la construccióny consolidación de un nuevomodelo de globalización comomecanismo de resistencia a losimpactos económicos, culturales ypolíticos que, en este tiempo, sehan visto profundizados por dichoproceso. El movimiento socialinternacional, que empieza atomar fuerza para finales de ladécada del noventa, es la principalexpresión de resistencia al modelodominante de gestión de desigual-dades (Adelantado, Noguera yRambla, 2000) resultante de laconfluencia de los procesos deevolución del estado de bienestary de la globalización contemporá-nea. Hay también que tener encuenta que son movimientos rei-vindicatorios de diferentesdemandas que provienen de diver-sos orígenes y realidades naciona-les. Grupos de todas partes delplaneta, que defienden la ecolo-gía, la identidad de los pueblos, la

no violencia contra la mujer, la nodiscriminación de las minoríasraciales, el derecho a los recursosnaturales y a las condicionesmínimas de salubridad, el derechoa trabajar y al trabajo en condicio-nes de justicia, el derecho a la tie-rra, la lucha por la erradicación dela pobreza y de enfermedadescomo el VIH Sida, la lucha encontra de la militarización y laguerra, entre miles de otras proble-máticas que representan las condi-ciones de vida de los pueblos demúltiples países asiáticos, africa-nos y latinoamericanos. A pesar dela diversidad de las demandas,podemos establecer, una serie detemas comunes a la mayoría de losreclamos que se encuentran pre-sentes en los encuentros. Todosestos foros se manifiestan en con-tra de la mundialización del neoli-bearlismo y del libre comerciomanipulado por los centros depoder, a través de los organismosinternacionales financieros ycomerciales. Como podemosobservar las demandas por partede los países del Sur son amplias yvariadas. Sin embargo, existe unaidea clara del imaginario social delSur basado en las mismas.

Cooperación Sur-Sur. Distintasformas de interpretación

Con respecto a la definición, oalcances de la cooperación Sur-Surexisten básicamente dos grandesinterpretaciones. La primera es másabarcativa, o tiene un alcance másgeneral; la segunda es más acotaday se considera más técnica.

Lechini (2009) considera a la coo-peración Sur-Sur como una “coo-peración esencialmente política

Page 43: Miriam Saraiva

43Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

que apunta a reforzar las relacio-nes bilaterales y/o formar coali-ciones en los foros multilaterales,para obtener mayor poder denegociación conjunto. Se basa enel supuesto que es posible crearuna conciencia cooperativa queles permita a los países del Surafrontar sus problemas comunes,a través del reforzamiento de sucapacidad de negociación con elNorte y de la adquisición demayores márgenes de maniobrainternacional” (ídem, 99-100). Esdecir, se ve a la cooperación Sur-Sur básicamente como a una res-puesta de la confrontación Norte-Sur. Mediante la cooperación, lospaíses del Sur sumarían fuerzas yestarían más capacitados para res-ponder a las trabas impuestas porlos países del Norte.

La segunda interpretación de lacooperación Sur-Sur es muchomás acotada, es de resultadosinmediatos, y se basa en dosdimensiones: la dimensión técnicay la económica. Según el InformeIberoamericano de CooperaciónSur-Sur (2008, 16), la coopera-ción técnica entre países en desa-rrollo (CTPD) “se refiere a todoaquel proceso por el cual dos paí-ses en desarrollo adquieren capa-cidades individuales o colectivasa través de intercambios coopera-tivos en conocimiento, cualifica-ción, recursos y know how tecno-lógico”. Al mismo tiempo, la coo-peración económica entre paísesen desarrollo (CEPD) “se refierefundamentalmente a la coopera-ción que se establece en los ámbi-tos del comercio y las finanzas”.

Como podemos observar, la pri-mera interpretación de la coopera-ción Sur-Sur abarca a la segunda

interpretación. De hecho enLechini (2009) específicamente semencionan la CTPD y la CEPD.Es decir, algunos autores encie-rran a la cooperación Sur-Surnetamente como de intercambiosmutuos en lo referido a lo econó-mico o tecnológico, mientras queotros la consideran un procesomucho más amplio que tiene quever con la sumatoria de fuerzaspara lograr resultados –quizás aplazos más largos- en todas lasesferas estatales.

Argentina y Brasil

Brasil y Argentina son dos paísesconsiderados del Sur. A pesar deser bastante homogéneos en cuan-to a diversos aspectos, algunasdiferencias entre ellos de acuerdocon los avatares internacionales ysus respuestas ante los mismoshacen que Brasil se destaqueinternacionalmente de una formaque Argentina sólo podría desearhacerlo. Excede a este trabajoanalizar los motivos por los cualesesto es así, sin embargo, valgaresaltar la discontinuidad de lapolítica exterior argentina en con-traste con la coherencia y conti-nuidad de la brasileña. Este esce-nario no tiene una única justifica-ción, podría derivarse tanto de ladiplomacia presidencialista deArgentina versus la univocidad yla autonomía decisoria deItamaraty, como de la continuidadde la tradición política provenien-te del Imperio versus la rupturaabsoluta con el orden políticocolonial, como así también de lalectura más realista que realizó elBarão do Rio Branco en cuanto algiro norteamericano de Brasil yque contrasta con la afiliaciónArgentina a Gran Bretaña hasta el

fin de la Segunda GuerraMundial, sin que ninguna de estascausas sean excluyentes o exhaus-tivas con respecto a encontrarrazones. Por otra parte, la depen-dencia irrestricta del centro dereferencia, en el caso argentino,contrasta notablemente con laopción norteamericana, en el casobrasileño. En el primero es nota-ble el alineamiento a-valorativo ypoco instrumental –tanto conGran Bretaña como con EstadosUnidos-, lo que llevó a laArgentina a una obediencia y fide-lidad sin cuestionamientos que nopocas veces la perjudicó más queayudarla. En el segundo caso, elalineamiento fue una opción entrevarias y la decisión de seguir alcentro fue tomada con arreglomás a intereses nacionales que avalores poco beneficiosos para elpaís. Estos pocos motivos podríanexplicar porqué mientras Brasilbuscó –y consiguió- alianzas conotros países del Sur, Argentinaquedó varios años estancada conarreglos más convenientes al cen-tro de referencia del país que a lapropia Argentina.

También podrían explicar el cam-bio en la percepción de paradig-mas en cuanto al multilateralismoy la cooperación Sur-Sur. SegúnBiato (2007, 17), históricamente,Argentina y Brasil, como el restode América Latina, entendió elmultilateralismo con otros paísesdel Sur en un sentido defensivo,como una forma de evitar la inje-rencia de los países desarrolladosy conservar cierta autonomía. Sinembargo, con el fin de la GuerraFría –y, en algunos casos, ante-riormente- Brasil incluyó iniciati-vas propias de inserción interna-

Page 44: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

44

cional que podrían calificarse de ofensivas, en elsentido de actuar independientemente en lugar dereaccionar ante las acciones de terceros países. Deesta forma, el nuevo paradigma conlleva iniciativasorientadas a mejorar la gobernabilidad global, desdelas coaliciones con países como Sudáfrica, China eIndia, hasta los esfuerzos por reformar el Consejo deSeguridad de la ONU, o lograr que las naciones indus-triales eliminen los subsidios agrícolas en la OMC.Lamentablemente, Argentina sigue actuando en con-secuencia de las acciones de terceros estados (inclui-do Brasil), el país sigue hoy un derrotero en políticaexterna que la muestra sorprendida por los aconteci-mientos y reacciona lenta y a destiempo para la defen-sa de los intereses nacionales (Pereyra Mele, 2008).

Reflexiones Finales

Los países subdesarrollados en general, y AméricaLatina, en particular, se han caracterizado tradicio-nalmente por su marginalización en la escena inter-nacional. Primero bajo la colonización y, desde lasindependencias, bajo la creciente dominación de lospaíses industrializados, los estados y las sociedadeslatinoamericanas han buscado su manera de insertar-se en el mundo. Esta inserción se ha planteado desdedistintas vertientes, ya fuera a través de fuertes víncu-los con potencias europeas (por ejemplo, el casoargentino con Gran Bretaña), ya fuera convirtiéndoseen imperio con un monarca de origen europeo(Brasil) o aspirando a una unión de la AméricaEspañola fundamentada en las ideas bolivarianas.

Independientemente del camino adoptado, el con-junto de estados constató, a lo largo de la GuerraFría, su subordinación a la política exterior de lassuperpotencias y planteó la necesidad de formular yadoptar políticas propias de desarrollo en las que seenfatizaba el concepto de autonomía frente a la tra-dicional sensación de dependencia respecto a otrosactores internacionales. Posteriormente, con el adve-nimiento de la pos Guerra Fría, la justificación paraaplicar las políticas económicas emanadas delConsenso de Washington también fue la inserción denuestros países en la nueva arena internacional.Dado que estas políticas no sólo no fueron exitosas,sino que profundizaron la situación de dependencia,la conmemoración de los bicentenarios de las inde-pendencias latinoamericanas, nos obliga a repensar yanalizar las vías de inserción de estas sociedades.

Frente a esto, la cooperación Sur-Sur es una de laspocas herramientas con las que cuentan los paísesperiféricos para alcanzar sus metas tanto económicascomo políticas, las cuales redundarán a favor de susobjetivos sociales.

Brasil, mediante determinadas asociaciones estraté-gicas (Ibsa, Bric´s, G-4, etc.), no se ha quedado atráscuando se trata de sacar ventaja a nivel internacionaly, de esta forma, poder cumplir y dotar de sentido asu interés nacional. Argentina, desde una visión unpoco pesimista, ni siquiera tiene un interés nacionaldefinido y, definitivamente, entiende a la coopera-ción Sur-Sur en sentido restringido.

Referencias

ADELANTADO, José; NOGUERA, José y RAM-BLA, Xavier (2000) ´El Marco de Análisis: LasRelaciones Complejas entre Estructura Social yPolíticas Sociales´, in Adelantado, J. (ed.) Cambiosen el Estado de Bienestar. Políticas Sociales yDesigualdades en España, Barcelona, Icaria-UAB. BORJA, Rodrigo (2002) ´La Cumbre del Sur`, pre-sentado en la XII Cumbre Iberoamericana de Jefes deEstado y de Gobiern, República Dominicana.Disponible en http://www.cumbresiberoamericanas.com/principal.php?p=323. BIATO, Marcel Fortuna (2007) ´¿Qué está haciendoBrasil por la gobernabilidad global? Desafíos del mul-tilateralismo afirmativo`, Nueva Sociedad 210, jul.-ago. Disponible en: www.nuso.org. LECHINI, Gladys (2009) ´Argentina y Brasil en lacooperación Sur-Sur`, en Lechini, G., Gonçalves, W.& Klagsbrunn, V. (comp.), Argentina y Brasil.Venciendo preconceptos. Las variadas aristas de unarelación estratégica. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2009.PEREYRA MELE, Carlos (2008) ´Argentina: la polí-tica exterior, una deuda pendiente`. Disponible enhttp://www.redescristianas.net/2008/. STEINBERG, Federico (2008) ´El impacto de laspotencias emergentes en la economía mundial`, ARIn.4, Real Instituto Elcano. Disponible enhttp://www.realinstitutoelcano.org. TAYLOR, Charles (2004) Modern Social Imaginary,Durham y Londres, Duke Univeristy Press.YIPING Zhou (2002), “Ampliando los puentes de lacooperación Sur-Sur”, en Los nuevos paradigmas dela Cooperación Internacional, Edición Nº 64, SELA.

Page 45: Miriam Saraiva

45Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

A política externa brasileira é grosso modo marcada pelacontinuidade. A predominância por muitos anos

de um paradigma baseado em um conjunto de

crenças caracterizou historicamente a tendência à

convergência de pensamentos o interior do

Ministério de Relações Exteriores (Itamaraty).

Segundo Tullo Vigevani et al (2008) a posição do

Brasil frente a diferentes temas deve ser vista à

luz de fatores constitutivos da política externa,

enraizados na sociedade e no estado brasileiros: a

autonomia e o universalismo. Neste caso, o univer-salismo corresponde à ideia de estar aberto para man-ter relações com todos os países, independentementede localização geográfica, tipo de regime ou opçãoeconômica. Significa uma independência de compor-tamento em relação à potência hegemônica e pode servinculado ao comportamento de “global player”. Aautonomia é definida como a margem de manobraque o país tem nas suas relações com demais Estadose em sua atuação na política internacional.

Subjacente à idéia de universalismo e autonomiaestá uma crença histórica na sociedade brasileira eentre os formuladores da política externa: desde o

início do século XX que podem ser identificadosalusões em discursos ao destino de grandeza doBrasil, por diferentes motivos. Acredita-se que oBrasil deve ocupar um lugar especial no cenáriointernacional em termos político-estratégicos. OBarão do Rio Branco apontava para as “similarida-des” entre o Brasil e os Estados Unidos em termos deterritório, base étnica, diversidade cultural, e porestarem em meio a países hispânicos. Em 1926 e em1945 a governo brasileiro pleiteou um assento per-manente no Conselho de Segurança da Liga dasNações/Nações Unidas. No início dos anos 70,Araújo Castro (1972), ex-chanceler e embaixadorbrasileiro na ONU, afirmava que “poucos países nomundo detêm as possibilidades de irradiação diplo-mática do Brasil” e “nenhum país escapa a seu desti-no e, feliz ou infelizmente, o Brasil está condenado àgrandeza”. Com a eleição de Lula da Silva, este temaretorna à pauta de debates sobre política externa.

Estas crenças perpassam a sociedade brasileira emtermos mais gerais, mas podem ser mais claramenteidentificadas na corporação diplomática. A forte pre-sença histórica do Itamaraty no arranjo institucionalbrasileiro vis a vis a política exterior, junto com seupoder de burocracia especializada, contribuiu para aconcentração da formulação da política externa epara um comportamento mais estável pautado por

A diplomacia brasileira e as

visões sobre a inserção externa do Brasil:

institucionalistas pragmáticos x autonomistas1

Miriam Gomes SaraivaProfessora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Apolítica externa brasileira é grosso modo mar-cada pela continuidade. A predominância pormuitos anos de um paradigma baseado em um

conjunto de crenças caracterizou historicamente atendência à convergência de pensamentos o interiordo Ministério de Relações Exteriores (Itamaraty).Segundo Vigevani et al (2008) a posição do Brasilfrente a diferentes temas deve ser vista à luz defatores constitutivos da política externa, enraizadosna sociedade e no estado brasileiros: a autonomia e ouniversalismo. Neste caso, o universalismo corres-ponde à ideia de estar aberto para manter relaçõescom todos os países, independentemente de localiza-ção geográfica, tipo de regime ou opção econômica.Significa uma independência de comportamento emrelação à potência hegemônica e pode ser vinculadoao comportamento de “global player”. A autonomiaé definida como a margem de manobra que o paístem nas suas relações com demais Estados e em suaatuação na política internacional.

1. Este artigo foi elaborado para a Fundación Real InstitutoElcano/Espanha

Page 46: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

46

padrões normativos. Este concen-tração torna a política externamenos vulnerável a ingerênciasdiretas da política doméstica.

No entanto, quando se busca exa-minar com mais atenção o que seesconde por detrás do discurso decontinuidade, pode-se encontrardiferenças de prioridades e estra-tégias de implementação da polí-tica externa. As crenças orientama formulação de comportamentosbaseados em premissas realistas,definidas a partir da estratégia dedesenvolvimento nacional e dedeterminados cálculos dos for-muladores de política externaque variam de acordo com avisão política e percepção destesformuladores do que seriam inte-resses nacionais, conjunturainternacional e outras variáveismais específicas. E, mais recen-temente, atores da política emtermos gerais vêm demonstrandointeresses e visões próprias sobrea inserção internacional do país.

A partir dos anos 90, segundoLima (2000), na medida em que aagenda de política externa foiganhando espaço nos marcos daspolíticas públicas e tornando-seobjeto de interesse de diferentessetores da sociedade, o monopó-lio do Itamaraty na formulaçãode políticas e do que seria apre-sentado como “interesses nacio-nais” do país foi perdendo pro-gressivamente sua centralidade.A abertura da economia contri-buiu para a politização da políti-ca externa em função da distri-buição desigual de seus custos eganhos, enquanto a consolidaçãodemocrática fomentou debates epreferências sobre temas da

agenda internacional na socieda-de. Estes dois processos desafia-ram a formulação tradicional depolítica externa e abriram espa-ços para a consolidação de cor-rentes de pensamento diferencia-das – e identificadas com setorespolíticos distintos- dentro do pró-prio Itamaraty.

A chegada de Collor de Mello à

presidência trouxe à arena do

processo decisório de política

externa uma corrente liberal,

minoritária no Itamaraty, mas

seu impeachment reduziu suas

influências até os dias atuais.

Esta corrente propunha que adiplomacia brasileira abandonasseo discurso terceiro-mundista e pri-vilegiasse basicamente as relaçõescom países do “Primeiro Mundo”como caminho para vir a fazerparte dele (deixando de lado umpouco os princípios normativos jácitados). No entanto, mesmodurante o governo de Collor, a tra-dução destas idéias em açõesexternas foi limitada. A tradiçãodo Itamaraty teve um peso impor-tante no sentido da continuidade.Independentemente do reforço dogrupo liberal, na gestão de Collorhouve uma crise de paradigma depolítica externa que pôs em

xeque os padrões de comporta-

mento então adotados, que

levou à divisão no interior da

Chancelaria em basicamente

duas correntes de pensamento

–aqui definidas como autono-

mistas e institucionalistas prag-

máticos- com visões diferentes

sobretudo sobre as estratégias e

prioridades de comportamento

e que influenciam a formulação

e aplicação da política externa.

Em termos econômicos, apesar

da exaustão do modelo de

industrialização baseado na

substituição de importações,

seu êxito para o crescimento

econômico brasileiro propor-

cionou o desenvolvimento de

setores desenvolvimentistas

fortes e estáveis. Gerou uma

estrutura industrial complexa e

diversificada. Assim o pensa-

mento plenamente liberal que

inaugurou os anos 90 não teve

êxito após o impeachment de

Collor, e foi substituído por um

equilíbrio que se perpetua

desde então: um pensamento

mais favorável à abertura

econômica embora sem abrir

mão da política industrializante

adotada no período desenvolvi-

mentista, e um pensamento mais

tradicional, nacionalista e desen-

volvimentista que defende o

desenvolvimento baseado na

ampliação de setores de

infraestrutura e de uma projeção

industrial no exterior.

Os institucionalistas pragmáticos

Os institucionalistas pragmáticoscompõem uma corrente de pensa-mento e ação no Itamaraty que sefortaleceu e consolidou durante ogoverno de Fernando HenriqueCardoso, na gestão do chancelerLuiz Felipe Lampreia. No campoeconômico, são favoráveis a umprocesso de “liberalização condi-cionada” e em no espectro parti-dário encontram identidade prin-cipalmente no PSDB mas tam-bém DEM. Este grupo é chamadopor alguns autores de formaimprecisa de “liberais”.

Page 47: Miriam Saraiva

47Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

Sem abrir mão das visões demundo da política externa brasilei-ra de autonomia, universalismo edestino de grandeza, os institucio-nalistas pragmáticos priorizam oapoio do Brasil aos regimes inter-nacionais em vigência, desde umaestratégica pragmática. Esta postu-ra, porém, não significa uma alian-ça a priori com países industriali-zados mas sim a identificação daregulamentação das relações inter-nacionais como um cenário favo-rável ao desenvolvimento econô-mico brasileiro uma vez que asregras do jogo devem ser seguidaspor todos os países incluindo osmais ricos. O papel que o paíspode assumir em cenários de geo-metria variável deve ser, aomesmo tempo, de apoio a regimese valores internacionais, e de críti-ca no que diz respeito às diversasdistorções que ocorrem na ordeminternacional levadas a cabo mui-tas vezes pelas próprias potências(Vigevani et al 2003) . Dentro destaperspectiva, a diplomacia buscouum comportamento ativo nosforos multilaterais caracterizadopela expressão “global player” emanteve, nos marcos das NaçõesUnidas, a candidatura brasileira a umassento permanente no Conselho deSegurança. Optou pela adesão a regi-mes internacionais já estabelecidosna área de segurança internacional.

Esta corrente defende também aideia de uma inserção internacio-nal do país a partir de uma novavisão dos conceitos de soberania eautonomia, aonde os valores glo-bais devem ser defendidos portodos. No início do governo deCardoso, com o fortalecimento dacorrente institucionalista pragmá-

tica, a inflexão mais relevante dapolítica externa foi a adoção doconceito de “soberania comparti-lhada”, diferente do conceito clás-sico de soberania. Esta visãoidentificava um mundo marcadopor um “concerto” de países comdiscurso homogêneo em defesa devalores universais, junto com atendência à formação de regimespara garanti-los. Segundo oEmbaixador Gelson Fonseca(1999), uma das condições damanutenção deste “concerto”seria a importância da adaptabili-dade da liderança norte-americanaàs demandas das potências e, emsegunda instância, dos paísesmenores. Este cenário abririaespaços para o Brasil -numa buscade mecanismos para ampliar suacapacidade de atuação internacio-nal- adotar uma posição que nãosignificasse nem alinhamento aosEstados Unidos e nem postura defree rider. Isto significou tambémuma modificação no conceito deautonomia: a idéia da “autonomiapela integração” se firmou, emdetrimento da autonomia buscadaanteriormente visando à distânciaou a autossuficiência.

Como terceiro traço importante,os institucionalistas pragmáticosdefendem a construção de umaliderança brasileira na Américado Sul, mas com moderação ecom base nas idéias de estabili-dade democrática e desenvolvi-mento de infraestrutura. Naregião, porém, a aplicação daidéia de soberania compartilhadanão ocorreu; durante o governode Cardoso, a diplomacia brasi-leira não buscou superar dentrodo continente os limites do que

entende por soberania nacional.Ao contrário, buscou sempre evi-tar que um arranjo de integraçãoviesse a obstacularizar o compor-tamento brasileiro vis a vis outrosparceiros externos e sua projeçãono cenário internacional. Naesfera regional a idéia de autono-mia aparece com mais força.

No segundo mandato de Cardosoos países da América do Sulforam identificados mais clara-mente como parceiros importan-tes para o fortalecimento da atua-ção brasileira como global player– a consolidação de um processode integração regional fortalece-ria a posição negociadora doBrasil em diferentes foros multi-laterais. A diplomacia iniciouuma modesta revisão do compor-tamento tradicional brasileirofrente à região pautado pela idéiada não-intervenção. A partir deuma perspectiva de apoio aosregimes e valores internacionais,o governo brasileiro buscouconstruir sua liderança na área apartir do binômio segurança eestabilidade democrática, estabe-lecendo vínculos fortes com ospaíses vizinhos e atuando comomediador em situações de crisequando chamado para tal.Segundo Villa (2004) a aceitaçãoda ideia da democracia comovalor universal contribuiu paraque a diplomacia brasileira esta-belecesse um consenso em tornoda vinculação entre democracia,integração regional e perspecti-vas de desenvolvimento. Em2000 foi dado início à construçãoda Comunidade Sulamericana deNações com base nas duas idéiasdefendidas pelos institucionalis-

Page 48: Miriam Saraiva

tas pragmáticos: preservação dademocracia, e incentivo à inte-gração econômica e de infraes-trutura da região (que se materia-lizou na formação da Iirsa).

No que diz respeito ao Mercosul,os institucionalistas pragmáticosidentificavam-no com um instru-mento para aumentar os ganhos dopaís em termos econômicos dandoprioridade para a integraçãocomercial. Mas estabeleceu-se nointerior do Itamaraty uma conver-gência com os autonomistas emtorno de sua evolução que defen-dia um modelo baseado em umaunião aduaneira incompleta, nonão-aprofundamento da integra-ção política e no baixo perfil insti-tucional. Em seu ponto de vista, obloco atuaria como um reforçopara a inserção internacional doBrasil, sem os condicionamentospróprios de um mercado comumou de traços supranacionais. Comesta perspectiva, a integraçãocomercial assumiu um papelimportante nos marcos do regiona-lismo aberto e a institucionaliza-ção do bloco não era vista comonecessária limitando-se a quandopotencializasse a sua capacidadede produzir benefícios econômi-cos. Esta visão oscilou entre, nospiores momentos, a defesa de umaárea de livre comércio e, emoutros, em uma aceitação de umaunião aduaneira incompleta.

Na dimensão política, o Mercosulfoi visto como um instrumento dereforço da capacidade negociado-ra brasileira, proporcionando-lheum maior peso na arena interna-cional e houve uma clara preocu-pação com a defesa da democra-cia em seus Estados membros quese materializou na reação brasilei-

ra à crise vivida pelo governoparaguaio, em 1996, e na criaçãoposterior da Cláusula Democrá-tica. Mas, no que diz respeito àsiniciativas brasileiras em relação aterceiros Estados no campo políti-co, é visto como importante a pre-servação da autonomia brasileirano campo de política externa.

Por fim, um item não menos impor-tante em função de sua continuida-de: a postura frente aos EstadosUnidos. Durante o governo deItamar Franco a diplomacia brasi-leira havia feito um movimentopara “desdramatizar” as relações.Na perspectiva dos institucionalis-tas pragmáticos isto significou con-centrá-las em torno de divergênciastanto em temas da organização docomércio internacional e do prote-cionismo dos países desenvolvidosquanto em temas relacionados aoprocesso de integração do conti-nente americano, mas sem enfren-tamentos e mantendo um baixoperfil brasileiro. A perspectiva daconstrução de uma liderança brasi-leira no continente sulamericanocomplexifica por si as relações coma potência hegemônica da regiãofazendo com que não haja aliançasde médio ou longo prazo em temasregionais. Neste cenário, a priorida-de brasileira em termos de integra-ção foi com o Mercosul e foramsendo colocados obstáculos aodesenvolvimento das negociaçõespara formação da Área de LivreComércio das Américas (Alca).

Em termos gerais, para esta cor-rente e durante o período deCardoso, as crenças na autonomia,no universalismo e no destino degrandeza foram tratadas commenos vigor, e maior relevânciafoi dada ao pragmatismo. No final

do mandato, os defensores de umperfil mais autonomista de políticaexterna criticaram a preferênciados institucionalistas pragmáticospor ações mais moderadas dentrodos marcos do quadro institucio-nal internacional como melhoralternativa para garantir o êxito deobjetivos de longo prazo.

Os autonomistas

A segunda corrente da diplomaciaé aqui chamada de autonomista(embora seja também conhecidacomo nacionalista). Em termoseconômicos, os autonomistas sãomais ligados à perspectiva desen-volvimentista e, em termos políti-cos, são ligados a grupos maisnacionalistas que, embora nãosejam originários do PT, estabele-ceram uma interação importantecom o governo do presidenteLula. Diferentemente dos institu-cionalistas pragmáticos, dãomaior destaque para as crençassobre a autonomia, o universalis-mo e, acima de tudo, o fortaleci-mento da presença brasileira napolítica internacional.

A corrente autonomista ascendeuaos cargos de destaque dentro dadiplomacia brasileira e consoli-dou-se como grupo com o manda-to de Lula nas figuras do chance-ler Celso Amorim e do secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães.Seu primeiro traço - e mais mar-cante - é a defesa de uma projeçãomais autônoma e ativa do Brasilna política internacional. A con-vicção demonstrada pelos regimesinternacionais é menor, dandodestaque para um comportamentomais ativo com vistas a modificá-los em favor dos países do Sul ou

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

48

Page 49: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

49

em benefício próprio. A diploma-cia do governo Lula caracterizou-se pelo esforço articulado visandotornar o país uma liderança regio-nal e incrementar a sua ascensãopara a posição de potência global.

Dentro desta perspectiva, defen-dem uma reforma institucionaldas Nações Unidas que abra espa-ços para que o país ocupe umassento permanente no Conselhode Segurança. Como credenciaispara a candidatura brasileira,optaram por defender aspectosmais distributivos do comérciointernacional e problemas defome e pobreza que afetariam aestabilidade internacional (ocombate ao terrorismo não foiassumido como prioridade). Apartir da crise econômica de 2008e da consequente instabilidade daordem internacional, o Itamaratydos autonomistas vem buscandoaproveitar todos os espaços aber-tos pela classificação do Brasilcomo um dos Brics e tem partici-pado de forma proativa de forosmultilaterais como o G7 (comoconvidado), o Grupo dos 22 e asnegociações relativas ao meioambiente. O ativismo no sentidode maior presença internacionalcresceu de forma significativa.

No marcos de um comportamentoreformista da ordem internacio-nal, os autonomistas têm preocu-pações mais de caráter político-estratégico em relação ao embateNorte/Sul e buscam uma aproxi-mação com outros países conside-rados emergentes que teriamcaracterísticas comuns com oBrasil: -“dimensões continentais”,“reconhecida importância regio-

nal”, “população”, “produto inter-no bruto”, “recursos naturais”-ecom interesse no reordenamentodo sistema internacional. Docu-mento do Itamaraty de 1994, daprimeira gestão de Celso Amorim,dizia que “países que não estãointegrados estruturalmente a áreasmais amplas, que vêem na globali-zação a possibilidade de realizarsua condição de potência e de nãoserem levados a optar por umesquema de associação periférica auma das três grandes áreas [...] sãoos candidatos naturais a ter lugarde destaque na nova ordem mun-dial” (citado por Barros 1994).

Com vistas a este objetivo, a diplo-macia brasileira liderada pelos auto-nomistas atuou ativamente na defe-sa da perspectiva brasileira nasnegociações realizadas na OMCatravés de ação conjunta com outrospaíses em desenvolvimento. O pri-meiro G-20, formado por paísescomo Índia, China e África do Sul,tornou-se um fórum importante deatuação da diplomacia brasileiralogrando condicionar os avançosdas negociações da OMC. Além daidéia de formar parcerias para modi-ficar a ordem internacional, estacooperação se baseia no intercâm-bio tecnológico e na não-interven-ção nos assuntos internos dos par-ceiros (a defesa do regime democrá-tico mais presente durante o períodode Cardoso nesta esfera não é rele-vante). Como iniciativa importante,foi criado o Fórum de Diálogo Ibsa(Índia, Brasil e África do Sul).

No que diz respeito aos EstadosUnidos, a percepção tem algumasemelhança com a dos institucio-nalistas pragmáticos, porém comum viés mais competitivo no que

diz respeito à configuração dopoder na América do Sul. Em ter-mos gerais o governo brasileirovem atuando, como no governoanterior, de forma autônoma noque diz respeito aos problemas docontinente sulamericano. Não hácoincidência de opiniões quanto àforma de tratar estes temas e nãose coloca a possibilidade de seconstruir uma atuação articulada.Por outro lado, não há enfrenta-mentos. A opção é por manterbaixo perfil em termos políticosno que se refere a áreas de diver-gências. Seguem os desacordosem relação às regras do comérciointernacional e as negociações daAlca, se no governo anteriorforam obstacularizadas, com ogoverno Lula foram encerradascomo fracasso para o projeto nor-teamericano. Como diferença, aparticipação mais autônoma doBrasil na política internacional eos impulsos reformistas da ordeminternacional criam novas áreasde atrito entre os dois países.

Em relação à América do Sul osautonomistas defendem um proje-to claramente estruturado comvistas à construção da liderançado Brasil na região, e recebeminfluência de pensadores de cunhonacionalista que identificam oBrasil como o país mais importan-te “ao sul do Equador” e capaz deinfluenciar os demais por ter atri-butos especiais como população,geografia e economia. Assim, oprocesso de integração sob a lide-rança brasileira é consideradoprioritário e paralelo à trajetóriade ascensão do país na políticainternacional; é identificado comoo caminho para melhor inserçãointernacional e que possibilitaria a

Page 50: Miriam Saraiva

50Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

realização do potencial brasileiroe da formação de um bloco capazde exercer influência internacio-nal. Com este objetivo, a diploma-cia de Lula buscou dar um novoimpulso à construção de uma lide-rança com padrões de soft power.Recuperou em parte os princípiosda não-intervenção e incluiu emsua agenda um projeto articulandoprincipalmente os processos decooperação e integração regionalàs perspectivas de desenvolvi-mento nacional.

Para este grupo a Unasul vemsendo o principal canal de açãomultilateral do Brasil na região.Por um lado, tem um caráter estri-tamente intergovernamental e deinstitucionalidade muito baixa, oque garante a margem de autono-mia brasileira frente a seus parcei-ros na organização e em suas rela-ções com países fora da região.Por outro lado, é um mecanismoimportante através do qual adiplomacia brasileira vem atuan-do com vistas a construir posiçõescomuns com os países vizinhosfrente a situações de crise, e bus-cando sempre ocupar o papelprincipal em seu interior.

Os autonomistas, defensores dopensamento desenvolvimentista,identificam a integração como uminstrumento de acesso a mercadosexternos, e como elemento capazde abrir novas perspectivas para aprojeção das indústrias brasileirasno exterior. Progressivamente,vêm também aceitando a perspec-tiva do Brasil exercer o papel depaymaster na região, bancandoalguns dos custos de um processode integração. O BNDES come-çou, neste governo, a financiar

obras de infraestrutura em outrospaíses sulamericanos, emboraconduzidas por empresas brasilei-ras. A cooperação ao desenvolvi-mento em alguns setores começaa ser implementada com paísesvizinhos – neste caso, trata-se dacooperação como instrumento depolítica externa.

O papel de paymaster e este tipode cooperação com países vizi-nhos são temas que provocamresistências internas. A dívidasocial e os desequilíbrios regio-nais do país são argumentos paraos opositores. Mas, na prática,atualmente o debate já se tornoupúblico e já existe uma associaçãoentre liderança brasileira e os cus-tos de sua construção por parte demembros do executivo e políticosde diferentes partidos.

O comando brasileiro das Forçasde Paz da ONU no Haiti atende adois objetivos. Por um lado, é umainiciativa para consolidar a lideran-ça brasileira na região, aglutinandoparceiros sulamericanos sobre sualiderança, marcando presença naregião e exercendo o papel de pay-master arcando com alguns custos.Por outro lado, visa aumentar opeso do país no cenário internacio-nal. Neste caso, o Brasil lidera umaforça de imposição de paz, o quesignifica uma revisão dos preceitostradicionais de uma política exter-na não-intervencionista.

Em relação ao Mercosul, a visãoautonomista coincide com algu-mas idéias dos institucionalistaspragmáticos: a defesa da baixainstitucionalidade e a manutençãoda autonomia brasileira nos cam-pos de política externa e macroe-

conomia. A percepção formuladapelos autonomistas prioriza umaampliação do bloco através daentrada de novos Estados ou daformação da Unasul. O Mercosulé visto como um instrumentocapaz de proporcionar ao Brasilum melhor posicionamento regio-nal, assim como atuar na esferacomercial abrindo caminho para aformação de uma área de livrecomércio na região. Mas, atual-mente, o caráter comercialista quemarcou o Tratado de Assunção éconsiderado já ultrapassado.

Em termos gerais, o reflexo destacorrente na política externa resul-tou no convívio entre autonomia,ampliação da presença internacio-nal e busca de situações favoráveisao desenvolvimento nacional a par-tir de um padrão proativo, que equi-librou crenças com pragmatismo.

O Partido dos Trabalhadores e

a percepção de política externa

Por fim, e de forma lateral, desen-volveu-se um grupo de carátermais ideológico com poucos vín-culos históricos com a diploma-cia, mas que, durante o governoLula, estabeleceu um diálogoimportante com o Itamaraty eexerceu alguma influência emdecisões de política externa(sobretudo em relação a temassulamericanos). Sua origem estáem acadêmicos e lideranças polí-ticas que, durante o governo Lula,conseguiram espaços de atuação.Diferentemente da tradição deconcentração na formulação depolítica externa, o presidente Lulaconvocou a Marco AurélioGarcia, então secretário deRelações Internacionais do PT,

Page 51: Miriam Saraiva

| Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010

Mural Internacional

51

para prestar-lhe assessoria. Chegando já ao final domandato, o partido apresentou uma proposta demontar um “conselho” de política externa compostopor ONGs e movimentos sociais em geral. Trata-sede uma visão mais difusa que perpassa diferentesníveis do aparato governamental.

Esta visão é em sua origem orientada basicamentepara o processo de integração com países da Américado Sul e com o Mercosul. Propõe um aprofundamen-to do processo de integração em termos políticos esociais a partir da crença na existência de uma iden-tidade própria da região. Dentro desta perspectiva,apóia as iniciativas de governos antiliberais e refun-dadores da região e propõe algum tipo de solidarieda-de difusa com os países do continente. Defende umcompromisso brasileiro de arcar com os custos daintegração regional. Segundo Garcia, “Não queremosque o país seja uma ilha de prosperidade em meio aum mundo de miseráveis. Temos que ajudá-los sim.Essa é uma visão pragmática” (citado por Dieguez,2009). Esta posição teve influência sobre os autono-mistas do Itamaraty convergindo no sentido de umcomportamento brasileiro mais proativo na coopera-ção com os países vizinhos, e na aceitação das dife-rentes opções políticas que se abrem na região. Estaconvergência ressalta a idéia de autonomia da políti-ca externa do país e cria obstáculos para que o gover-no brasileiro atue como elemento ordenador da polí-tica na região dentro de moldes liberais.

Em relação ao Mercosul são favoráveis à institucio-nalização e ao aprofundamento do processo de inte-gração em termos políticos e sociais: a entrada emvigor do Protocolo de Olivos, a formação doParlamento do Mercosul e a criação do Focem sãoresultantes desta perspectiva. Mas convergem comos autonomistas ao identificarem o regionalismoaberto que deu base para o Tratado de Assunçãocomo superado.

Este grupo não pertence aos quadros do Itamaraty epode ser passageiro, mas teve alguma influênciadurante o governo na composição da política exter-na brasileira do período. E pode significar umprimeiro movimento importante de reflexões sobrepolítica externa que se situa no espectro da políticafora da corporação diplomática.

Conclusão

Embora não seja desenvolvido neste artigo, a ascen-são do Brasil neste novo, multipolar e fragmentadocenário internacional que se organizou pós 11-setembro e após a crise de 2008, e a eleição degovernos antiliberais na América do Sul, foram ele-mentos que influenciaram as percepções dos autono-mistas e que podem ainda trazer novidades nos mar-cos do pensamento institucionalista pragmático. Opeso próprio do Itamaraty e o fato de ser uma corpo-ração forte contribuem para que haja um núcleocomum entre as duas correntes, assim como colabo-ram para uma continuidade mesmo na mudança.Mas a consolidação do regime democrático, os efei-tos da globalização e a própria ascensão do Brasil nocenário internacional tendem a trazer cada vez maisos temas internacionais para a agenda doméstica dospolíticos, da imprensa e da sociedade civil em geral.Esta propagação dos debates de política externa nopaís terá certamente um impacto sobre a formulaçãode comportamentos e as visões de política externa epercepções da política internacional no interior dadiplomacia brasileira abrindo espaço para visõesmais diferenciadas e influenciadas mais fortementepela política.

Referências

Araújo Castro, J.A. de (1972) ‘O congelamento doPoder Mundial`, Revista Brasileira de EstudosPolíticos n.33, Belo Horizonte, UFMG, jan. p.7-30.

Barros, Sebastião do R. (1994) O Brasil e a Rússia,in G.Fonseca Júnior & S.H. Nabuco de Castro (eds),Temas de Política Externa II – volume 2. Brasília,FUNAG/Editora Paz e Terra.

Dieguez, Consuelo (2009) ‘O Formulador Emotivo`,Piauí, n.30, março, p.20-24.

Fonseca Jr, G. (1999) ‘Anotações sobre as condições dosistema internacional no limiar do século XIX: a dis-tribuição dos pólos de poder e a inserção internacional doBrasil`, in G.Dupas e T.Vigevani (eds.), O Brasil e asnovas dimensões da segurança internacional, São Paulo,Alfa-Omega/Fapesp, p.17-42.

Lima, Maria Regina S.de (2000) Instituições

Page 52: Miriam Saraiva

52Mural Internacional

Ano I, nº 1

Jan | Jun 2010|

Democráticas e Política Exterior. Contexto Internacionalvol.22 n.2. Rio de Janeiro, jul./dez, p.265-303.

Vigevani, Tullo; Oliveira, Marcelo F.; Cintra, R.(2003) A política externa do governo Cardoso: umexercício de autonomia pela integração. TempoSocial, n. 20, nov. p.31-61.

Vigevani, Tullo.; Favaron, G.de M.; Ramanzini Jr,H.e Correia, R.A (2008) O papel da integração

regional para o Brasil: universalismo, soberania epercepção das elites, Revista Brasileira de PolíticaInternacional Ano 51 n.1, p.5-27.

Villa, Rafael D. (2004) ‘Brasil: política externa e aagenda democrática na América do Sul`, Trabalhoapresentado no 4to. Encontro Nacional da ABCP,Rio de Janeiro, PUC-Rio, 21-24/jul.

���