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SOB A ÉGIDE DA TRADIÇÃO RETÓRICA E ESTILÍSTICA: AS FIGURAS DE

LINGUAGEM

Gislaine Aparecida de Carvalho

UNEMAT/AIA

Albano Dalla Pria

UNEMAT/AIA

Segundo Brandão (1989), o estudo da linguagem figurada estava tão diretamente

associado à tradição retórica a ponto de, por vezes, um termo se deixar traduzir pelo outro. A

noção de linguagem figurada pressupõe, de um lado, o sentido “próprio1” de outro, segundo a

concepção clássica, a possibilidade de usar uma palavra com uma significação que não lhe é

“própria”.

Se o sentido figurado atendia ao desejo de distanciamento em relação à linguagem

comum, a linguagem sem figuras representava uma das virtudes mais elementares do

discurso. Para a retórica clássica, por um mecanismo que lhe é congênito, a coexistência de

dois ou mais sentidos é um risco à compreensão da mensagem e, consequentemente, um

convite à manipulação da informação.

Definida adjetivamente como “mera ornamentação formal, sem conteúdo”, foi

relegada às escolas de ensino de latim e ficou por três séculos sem maiores alterações.

Decorre dessa exclusão, a contemporaneidade da estilística (fundada no inicio do

século XX pelo suíço Charles Bally e o alemão Karl Vossler). Definida como a disciplina que

estuda os recursos afetivo-expressivos da linguagem, a estilística, ao mesmo tempo em que,

mantém em comum com a retórica o estudo da expressividade, distingue-se desta. Especifica-

se: para a doutrina retórica, a finalidade é pragmático-prescritiva; para a estilística, descritivo-

interpretativo, sem considerações de natureza normativa.

Sob a égide da tradição, os estudos estilísticos eram vistos antes como um

procedimento metodológico do que propriamente uma ciência. “A estilística passa a ser

considerada um subdomínio das ciências da linguagem, fundamentando-se em teorias

lingüísticas e literárias de diversas tendências.” (CARVALHO, 2005, p. 11).

Dividida por Pierre Guiraud em estilística da língua ou da expressão (linha

estruturalista de Bally: ênfase à expressividade do sistema) e estilística genética ou do autor

(corrente idealista de Vossler e Spitzer: ênfase à criação expressiva individual),

1 Para Aristóteles, o termo próprio é aquele de que cada um de nós se serve para designar o objeto.

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modernamente, essa disciplina abarca todos os domínios do idioma. “A estilística não é o

estudo de uma parte da linguagem, mas o é da linguagem inteira” (BALLY, 1951, p. 100).

Se, modernamente, o estilo não se restringe único e exclusivamente às figuras, em

um outro momento, o estilo esteve circunscrito a elas. Divididas em três grandes grupos, eram

classificados em: tropos, figuras de pensamento e figuras de palavras.

Resultavam dos TROPOS quatro formas básicas: metáfora, metonímia, sinédoque e

ironia. Tais formas básicas eram concebidas como constituintes de uma estrutura lógica

unitária: da maior à menor liberdade de relacionamento entre as significações, da metáfora à

ironia, passando pela metonímia e pela sinédoque.

Segundo Brandão (1989), a distinção retórica entre figuras de palavras e figuras de

pensamento repousa na crença de que pensamentos e a palavras eram entidades autônomas na

formulação da linguagem. Afirmava-se que o pensamento é anterior à palavra. “Não só os

pensamentos são considerados anteriores às palavras, como mais importantes que elas. As

palavras foram inventadas para servirem ao pensamento” (BRANDÃO, 1989, p. 22).

Se se caracterizavam os tropos como “transposições de sentido”, as figuras eram

descritas como “torneios” ou “arranjos particulares” da linguagem, que não implicavam

alteração no sentido próprio das palavras. O elenco das figuras de pensamento, além de

extenso, variava de autor para autor. Fontanier, por exemplo, enumerou mais de 23 figuras de

pensamento.

Embora os expositores da retórica tradicional não o admitissem, nas figuras de

pensamento há o jogo substitutivo, não entre duas significações de um mesmo vocábulo,

como nos tropos, mas entre duas funções semânticas de uma mesma função sintática.

Acreditava-se que uma forma sintática (interrogação, negação, duvida...) só pudesse

exercer uma função semântica: a de interrogar, a de negar, a de duvidar. Em outras palavras,

na figura de pensamento uma forma sintática assume uma função que “normalmente” não

seria a sua. A “interrogação”, por exemplo, deixa seu clássico papel (fazer perguntas) para

exercer uma outra função, ou mais especificamente, usa-se a interrogação para uma

afirmação. Citam-se: “Não vês que todos já conhecem tua conspiração?”, “Ó mar por que não

apagas do teu manto este borrão2?”.

Na retórica tradicional, as figuras de palavras referiam-se ao estrato lingüístico do

discurso por oposição e complemento às figuras de pensamento. As primeiras, dividiam-nas

em “Gramaticais” e Retóricas”.

2 Exemplos citados por Hildebrando André em “Gramática Ilustrada”.

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As figuras GRAMATICAIS também denominadas “metaplasmos” ou “figuras de

dicção” compreendem as alterações ocorridas no interior das palavras. Na medida em que

envolvem as normas gramaticais, os metaplasmos estão no limite entre a correção e os vícios

de linguagem. Parafraseando Brandão (1989), quando se afastam do modo simples e comum

de falar, os metaplasmos adquirem o estatuto de “figuras”.

As figuras de RETÓRICA vêem a palavra do ponto de vista da sua colocação na

frase, muito embora a referência continue sendo a palavra, o foco passa a ser a relação que

algumas palavras mantêm entre si.

Quintiliano (apud. Brandão, 1989) organiza as alterações em quatro grupos que se

complementam dois a dois:

a) quando ocorre acréscimo de palavras (reduplicação, anáfora, polissíndeto, gradação, etc.);

b) quando ocorre diminuição (assíndeto, zeugma etc.);

c) quando se repete um componente de uma palavra (paranomásia, antanáclase etc.);

d) quando ocorre contraposição (antítese, antimetábole etc.).

Embora algumas figuras não tenham sua forma “própria”, pois essa forma (própria)

também se constituiria em figura, as duas ordens geradoras de sentido figurado contidas na

classificação de Quintiliano: acréscimo/diminuição, repetição/oposição pressupõem outras

tantas que seriam as formas próprias. A anáfora - (que é uma figura que consiste na repetição

de um mesmo termo) – pressuporia uma forma anterior equivalente, mas sem as repetições.

As classificações das figuras nos permitem observar que as palavras são consideradas

numa relação que vai do aspecto material dos significantes (metaplasmos), passando por sua

organização sintática (figura de construção), à expressão lingüística dos traços singulares das

idéias (figuras de elocução) e dos pensamentos (figuras de estilo).

Segundo Brandão (1989), as posturas assumidas pelas modernas teorias das figuras

vão desde “retomar certos aspectos da retórica para aprofundá-los” à defesa de tese contrária,

que propugna “seu caráter inovador, apoiadas em novas premissas. Para esse autor, em ambas

as posturas (reformulação ou refutação) está implicitada a importância e a contribuição do

legado deixado pela retórica clássica.

Referências Bibliográficas

BALLY, C. Traité de stylistique française. 3.ed. Paris: Klincksieck, 1951.

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BRANDÃO, R. de O. As Figuras de Linguagem. São Paulo: Ática, 1989.

CARVALHO, C. de. A estilística e o ensino de português. Cadernos do CNLF, v. VIII, n. 12,

2004.

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